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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1513

uma das medidas provisórias de transição para o socialismo. Como o socialismo não sobreviveu, nós fomos assumindo as suas máximas de que «os fins justificam os meios» e que, mesmo se esse fim seja algo intrinsecamente mau, como a nossa Constituição afirma, em relação ao aborto, ao declarar que toda a vida é um bem inviolável, cá estamos de braços abertos a acolher as glórias de uma filosofia materialista que vence na nossa praxis. Para onde queremos caminhar? Também queremos leis e vida a prazo?
Há hoje gente que, caídas as ideologias, vive num vazio angustiante, incapaz de apontar à sociedade que representa outros ideais que não sejam os de bem-estar, dos próprios interesses individuais ou colectivos, do economicismo, ou, por outro lado, gente que sabe o que vale a própria vida, gente com carácter e capaz de dar a cara sempre que está em causa o único valor ex natura, que é intocável? Só porque faltam valores duradouros e supremos à vida é que se explicam tantos atropelos à própria vida e à dos outros. Se nós, com a responsabilidade que temos, nos demitimos desta oportunidade aprofundar novos rumos ou nos escondemos no absentismo comodista, à busca do que possa ser mais simpática ou mais «in», então estaremos a prestar um mau serviço às novas gerações e à nossa cultura, e, quem sabe, a desiludir e a lançar na angústia muitos homens e mulheres que acreditam que não há vida sem dificuldade, nem dificuldade que se não vença. Se não apontarmos algo de positivo, se não soubermos ser pedagógicos com o que legislamos sobre a vida, os mais incautos concluirão que, agora sim, tudo se pode fazer, mesmo se com mais irresponsabilidade ainda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mostremos, pois, quem somos e para onde queremos ir. Não duvido que, no que concerne aos valores do consumismo e do materialismo, já não somos entendidos pelas novas gerações, que conseguem pensar, mas temo que a degradação assuma proporções tais que os nossos filhos se envergonhem com o património que lhes legamos no que respeita à vida.
Servir a vida não pode, nunca, ser por este caminho!
Por tudo o dito, quero dizer que defendo sempre a vida e entendo que não se deve mexer na lei, tal qual a temos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se fosse para qualquer um de nós possível imaginar algo de mais atroz, violento e irracional do que forçar qualquer mulher ao aborto clandestino; se fosse possível medir a violentação que para cada mulher o recurso à interrupção voluntária da gravidez significa; se conseguíssemos escolher de entre o intolerável aquilo que mais intolerável é, facilmente escolheríamos o flagelo que é empurrar milhares de adolescentes e jovens mulheres para o aborto clandestino.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Dos largos milhares de mulheres que todos os anos se vêem obrigadas a recorrer à interrupção voluntária da gravidez grande parte são jovens, talvez mais de seis mil, muitas, na adolescência, que carregam para a vida os fardos pesados das consequências físicas e psíquicas de um ou mais abortos clandestinos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sofrem, com frequência, as complicações várias e lesões diversas, que todos os dias os serviços de saúde acabam por conhecer, quando a eles recorrem com complicações pós-abortivas. Por vezes, recorrem tarde ou nunca à assistência médica, ameaçadas pela sanção penal e social. Muitas ficam marcadas pela infertilidade de que o aborto clandestino é a primeira causa, comprometendo o seu projecto de vida, de família e de maternidade futura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): - Muito bem!

O Orador: - Algumas não chegam, sequer, a conhecer a idade adulta porque pagam com a vida o crime de não poderem optar.

Aplausos do PCP.

Não se trata aqui da construção artificial de cenários catastrofistas, mas da constatação de dados, cuja aproximação da realidade será sempre por defeito. Só em 1991, na urgência da Maternidade Magalhães Coutinho, das jovens que deram entrada, 91% revelavam complicações pós-abortivas e destas, 72% referentes a aborto provocado. Em cada três mortes maternas, que o aborto causou em média nos últimos anos, uma é jovem, sendo Portugal o único País da União Europeia onde se continua a morrer por esta causa.

Aplausos do PCP.

É fundamental reflectir sobre a evolução visível da sexualidade dos jovens e sobre a resposta da sociedade a esta alteração. Vivemos numa sociedade em que há uma presença constante da oferta de erotização e em que o apelo à sexualidade é permanente. O consequente aumento do desejo sexual dos adolescentes não é compensado com um acréscimo suficiente da educação sexual e da informação contraceptiva.
E se, clinicamente, a idade fértil tende também a baixar, é a antecipação da vida sexual activa e a apetência crescente dos jovens pela fruição plena da sua sexualidade que denunciam a maior autonomia sexual dos jovens, em especial das jovens mulheres, que hoje se verifica. Emerge uma vivência sexual tendencialmente livre de preocupações reprodutivas, traduzindo a rejeição de mecanismos de poder e de controlo social e institucional da sexualidade, dos actos e dos pensamentos, das necessidades satisfeitas e dos desejos insatisfeitos dos jovens.
Mas esta evolução de mentalidade dos jovens não encontra ainda resposta cabal por parte da sociedade. O necessário investimento na educação sexual e no planeamento familiar é permanentemente castrado por uma certa moral, que teima em indexar a sexualidade à procriação, talvez receando que a vida sexual e amorosa plena contribua também para o libertar das consciências dos jovens e para uma formação mais completa e equilibrada enquanto indivíduos.
Certamente por isto, mas também por não se cumprir a lei do planeamento familiar e pela ausência da educação sexual nas escolas, a gravidez é um dos maiores riscos da sexualidade na adolescência.

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