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1514 I SÉRIE - NUMERO 42

A insuficiente disseminação e eficácia do planeamento familiar agrava-se ainda mais quando pensamos nos jovens. É que, para além das limitações no acesso aos cuidados de planeamento a que todas as mulheres estão sujeitas, para a jovens soma-se ainda o calvário de um sistema de saúde demasiado formal, pouco atractivo, sem privacidade e que, com frequência, se limita à mera prescrição médica, esquecendo a vertente pedagógica.
É justo criar condições para que o sistema de saúde garanta o cumprimento da lei e que, respeitando o direito à objecção de consciência dos profissionais de saúde, isso não implique o abandono da jovem mulher à sua própria sorte nem inviabilize a concretização de direitos que são seus.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O acesso aos métodos contraceptivos é limitado por factores económicos e de uma inadequada rede de distribuição. Ouvimos relatos de casos frequentes, em que a gravidez indesejada surge porque no centro de saúde a mulher não encontrou contracepção disponível e porque, provavelmente, não tem dinheiro para comprá-la.
A tudo isto se juntam a falta de informação e a ausência de educação sexual digna desse nome. Assim se explicam os dados de um inquérito da Direcção-Geral de Saúde que revelam que, em 1993, 17,6% dos casais ainda recorriam ao coito interrompido como método contraceptivo, número que será tanto maior quanto menor for a idade. É por isso que alguns estudos sobre o comportamento sexual dos jovens demonstram que é elevado o número de relações sexuais desprotegidas; que de um terço das primeiras relações está ausente qualquer método contraceptivo; que um terço dos jovens já utilizou ou utiliza o coito interrompido como método contraceptivo.
É também por isso que temos, em Portugal, uma elevada taxa de mães adolescentes que, apesar de ter baixado em 1995 para 7,9%, continua bastante longe dos 2,2% da Holanda, dos 2,7% da França ou dos 2,9% da Alemanha. Ainda segundo os mesmos dados, em 1994, 18,6% dos abortos identificados referiam-se a jovens com menos de 15 anos, tendo esta taxa subido, em 1995, para 36,3%.
Só recorrendo a uma grande dose de autismo e hipocrisia, ou sofrendo de um desconhecimento completo da realidade em que vivemos, é possível alguém negar que muitos milhares de jovens recorrem, hoje, sem mais alternativas, ao aborto clandestino.
É por isso que consideramos indispensável alterar a actual lei, defendendo a saúde das mulheres, respeitando a vida e garantindo o seu direito a uma maternidade desejada e consciente. É por isso que sabemos que a prevenção da interrupção voluntária da gravidez se faz através do planeamento familiar e da educação sexual e não através da sanção criminal ineficaz e desnecessária.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O projecto de lei do PCP inclui diversas propostas que consideramos fundamentais para uma verdadeira protecção das jovens mulheres e das adolescentes. Sabemos que a sua aprovação não é suficiente. É preciso que a lei seja aplicada nos estabelecimentos de saúde, que se cumpra a lei do planeamento familiar, que, sem falsos moralismos, se introduza a educação sexual nos currículos escolares. Mas sabemos também que a actual lei não resolveu os graves problemas existentes e que se impõe a sua mudança.

O verdadeiro combate ao aborto clandestino não pode esquecer as suas verdadeiras e principais causas: os problemas económicos, sociais e emocionais de que tantas mulheres são vítimas. Nem pode esquecer que mais de metade dos desempregados do nosso país são mulheres; que 70% dos desempregados de longa duração são mulheres; que dois terços das situações de trabalho precário são mulheres. Tal como não pode omitir que, nos mais de 100 mil desempregados jovens, nas estatísticas assustadoras do abandono escolar, nos milhares de toxicodependentes e excluídos sociais, há um enorme número de jovens mulheres. É certo que uma minoria se desloca a Espanha ou a Inglaterra à procura de melhores condições clínicas ou de segurança; mas a esmagadora maioria, isto é, as que pertencem às classes sociais mais baixas, sujeita-se sem protecção à violência do negócio do aborto clandestino, que redobra a incalculável violentação que só por si representa para uma mulher, para qualquer mulher, o recurso à interrupção voluntária da gravidez.
Por isso se exige e se propõe que a mulher possa recorrer à interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas, sem mais condicionantes ou restrições do que aquelas que a sociedade já impõe. Por isso é preciso que a mulher e especialmente a jovem mulher possa viver na liberdade de optar por uma maternidade consciente e pelo seu direito à saúde.
Este é o debate que aqui fazemos hoje! É o debate sobre a vida das mulheres que vivem em bairros de lata; que desesperam à procura de trabalho e se sujeitam ao compromisso de que não serão mães nos próximos tempos; das mulheres que sabem que uma gravidez significa quase sempre perder o emprego; das que têm quatro, cinco ou mais filhos e apenas uma cama para deitá-los; das que se vêem confrontadas com a gravidez indesejada e que clandestinamente violam o seu corpo e a sua consciência. Estas mulheres não merecem censura, não merecem castigo, merecem justiça!

Aplausos do PCP e de Os Verdes, de pé, e do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não venho aqui atacar, ninguém; não venho aqui condenar ninguém; não venho aqui convencer ninguém; venho apenas, com modéstia, talvez mesmo com pudor, mas com muita convicção, dar o meu testemunho pessoal. Outras pessoas falaram e vão falar ainda sobre os aspectos políticos, criminais, médicos e cívicos deste debate. Mas, para mim, este debate é também um debate de consciência.
É para mim uma questão de consciência, enquanto Deputada, verificar que estamos num impasse: nem conseguimos acabar com o aborto clandestino, nem conseguimos que a lei de 1984 seja cumprida. Como disse Simone Veil, de quem tenho a honra de ser amiga, quando em 1974 liderava corajosamente as alterações à legislação sobre interrupção voluntária da gravidez em França: «Quando a distância entre as infracções cometidas e as que são perseguidas é tal que já não se pode falar propriamente em repressão, é o respeito pelos cidadãos pela lei e, por isso, a autoridade do Estado que são postos em causa». Ora a autoridade do Estado só pode ser restaurada com uma nova lei, com uma nova atitude e com uma nova eficácia de actuação nos serviços públicos de planeamento familiar e de saúde.

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