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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1541

Na campanha eleitoral, nos compromissos eleitorais, no programa de candidatura, no diálogo, ou reuniões e debates públicos prévios às eleições de 1995 nunca esta matéria foi abordada, logo, enquanto legislador, não me encontro em condições de interpretar o sentido de voto daqueles que represento.
Enquanto cidadão, e como juízo pessoal sobre a questão social e política da interrupção voluntária da gravidez, defendo as soluções previstas no projecto de lei n.º 236/VII.
Hoje, votei favoravelmente os três projectos de lei em apreciação. Fi-lo, porque entendo que só com esta votação a Assembleia da República mantém em aberto o quadro legal de soluções e respeita o direito dos cidadãos a apreciar, discutir e decidir - livres de condicionamentos ou restrições - a solução legal a adoptar.
Isto porque defendo a realização de um referendo nacional sobre a interrupção voluntária da gravidez que permita aos cidadãos o exercício do direito, que tem de afirmar livre e claramente a sua vontade.
Na sequência desse referendo nacional, saberei interpretar, como legislador, a vontade dos cidadãos que, enquanto Deputado e nesta Câmara, represento.

O Deputado do PS, Laurentino Dias.

Não tendo podido intervir no debate dos projectos de lei em epígrafe, pretendo, através desta declaração de voto, expor as razões essenciais do meu voto favorável.
Enquanto socialista democrático e, por isso, militante dó Partido Socialista, considero que numa sociedade cultural, filosófica e ideologicamente plural, nenhuma corrente doutrinária ou religiosa, nenhuma concepção ética ou axiológica, deve impor-se sobre as demais através da autoridade do Estado, em domínios do foro íntimo, da assunção do corpo e da sexualidade, daquilo que deve ser a dimensão inexpugnável da liberdade do indivíduo.
Enquanto Deputado socialista no Parlamento de um Estado democrático e laico, cabe-me, como legislador, procurar que a lei assegure o bem comum, no respeito dos princípios acima enunciados, de forma tolerante e socialmente justa, equitativa e simultaneamente eficaz face às situações concretas.
O aborto criminalizado e, por isso, clandestino é um problema social e de saúde pública. Não é um problema ético para o legislador e só é de consciência para a mulher que é obrigada a interromper a sua gravidez.
Sendo um problema social e de saúde pública, não é resolúvel tratando-o como problema de polícia e não se enfrenta através do Código Penal. Assim tem sido reconhecido na generalidade dos países desenvolvidos e democráticos.
Um membro do Partido Socialista, Secretário-Geral, Deputado ou militante de base, por causa das suas convicções religiosas, da sua noção dos direitos da pessoa, da sua concepção de vida, ou de outras razões legítimas, pode ser liminarmente contra a prática do aborto em quaisquer circunstâncias. Não pode, porém, deixar de considerar a questão nas suas dimensões social e política, em nome de princípios intrínsecos à identidade socialista, como o do melhoramento reformista da sociedade na tolerância e na liberdade. Face ao que é uma política retrógrada, autoritariamente intervencionista e repressiva do Estado, tem de tomar partido. Tanto mais que essa política não é sequer dissuasora. Na realidade social existente, empurra, pelo contrário, milhares de mulheres para os circuitos clandestinos onde, consoante as suas posses, praticam o doloroso acto que em consciência decidiram praticar, muitas vezes em condições que põem em perigo a sua própria vida e alimentando um negócio degradante para a cidadania.
Um Deputado do Partido Socialista, posto perante a necessidade de legislar sobre tal matéria no sentido da despenalização, pode sentir-se, eventualmente, perante um dilema entre convicções de natureza diferente. Mas, enquanto Deputado, o que se lhe pede não é que sancione ou incentive a prática do aborto mas, sim, que contribua para terminar com uma situação de hipocrisia moral, jurídica e social, em coerência com a sua adesão voluntária à cultura humanista, defensora de um Estado republicano e laico, inerente à ideia e identidade socialistas.
Ficará para a História que, no dia 20 de Fevereiro de 1997, houve Deputados eleitos em nome do Partido Socialista que, ao arrepio das suas responsabilidades políticas, votaram em consonância com a direita conservadora. Direita que, na sua lógica cultural e ideológica, perfilha uma visão repressiva, machista, intolerante, do acto de conceber a vida, que nega a assunção do corpo pela mulher, enquanto pessoa e cidadã vivendo na sua circunstância concreta, social e material, que a legislação criminalizadora que existe e continuará a existir não contempla.
Lamentando em nome dos princípios e razões enunciados o resultado final da votação, considero, por um lado, ter agido em consonância com o mandato que me foi atribuído pelo povo português e, por outro, ter sido coerente com a minha condição de socialista.

O Deputado de PS, Fernando Pereira Marques.

A interrupção voluntário da gravidez foi tema que mobilizou a opinião pública nacional na passada semana. A facilidade com que uns escrevem, outros falam e ainda outros tantos e tantos outros murmuram em surdina, quantos e quantas vezes julgando-se no maior dos esconderijos, foram e continuarão a ser situações que apenas terão um resultado: o perpetuar da hipocrisia.
Os diplomas acerca da IVG em discussão na Assembleia da República, independentemente do próprio resultado, parece terem conseguido o mérito de mobilizar a atenção dos portugueses, tantas vezes distraídos e distantes das instituições e da discussão de outras matérias de relevo.
Quanta emoção exagerada e quanto fundamentalismo balofo, às vezes desumano, foi empreendido no sentido de condicionar o sentido de voto, que todos - indivíduos e instituições - pediam em consciência. Tudo isto se saldou em pólvora seca e que cada um, espero, tenho agido no estrito respeito pelo ditame da sua própria consciência, esta alicerçada no conhecimento da sua floresta.
Ninguém pode ser indiferente ao que vê, ao que ouve e ao que lê.
Num Estado democrático todos têm o direito de difundir livremente as suas convicções, mas acresce-lhes o dever, sem norma legal, de se comportarem de acordo com elas. O mesmo será dizer que ninguém tem o direito, sejam quais forem os valores que cada um encarne, de os impor, pelo lei, a outro.
A vida não se autoriza, nem se proíbe. A vida dá-se e adquire-se de forma puramente livre, transparente, e só será

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