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Sexta-feira, 21 de Fevereiro de 1997 I Série - Número 42

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE FEVEREIRO DE 1997

Presidente: Ex.mo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Foram aprovados os n.ºs 23 a 28 do Diário.
Foi igualmente aprovado o voto n.º 62/VII - De pesar pelo falecimento do Dr. Rómulo de Carvalho, poeta António Gedeão (Presidente da AR, PS. PSD, PCP, CDS-PP e Os Verdes). No final, a Câmara guardou um minuto de silêncio.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.º 177/VII - Interrupção voluntária da gravidez (PCP). 235/VII - Altera os prazos de exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez (PS) e 236/VII - Interrupção voluntária da gravidez (PS), que foram apresentados, respectivamente, pelos Srs. Deputados Odete Santos, Strecht Monteiro e Sérgio Sousa Pinto, tendo-se seguido no uso da palavra, a diverso título, além daqueles oradores, os Srs. Deputados Cláudio Monteiro (PS), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) - que também interveio ao abrigo do n.º 2 do artigo 8l.º do Regimento -. João Amaral (PCP), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Luís Marques Mendes(PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Laurentino Dias (PS). Luís Sá (PCP). Jorge Lacão e João Rui de Almeida (PS), Luísa Mesquita (PCP), José Barradas e Alberto Marques (PS), Paulo Mendo (PSD), Jorge Ferreira (CDS-PP), Manuel Alegre (PS). Maria Eduarda Azevedo (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP), Maria do Rosário Carneiro (PS). Adriano Azevedo (PSD), Helena Roseta (PS), Filomena Bordalo (PSD). Agostinho Moleiro (PS), Pedro Roseta (PSD), António Braga (PS), Pedro Pinto (PSD), Elisa Damião (PS), Barbosa de Melo (PSD), Carlos Zorrinho (PS). Guilherme Silva (PSD), Maria da Luz Rosinha, Eurico Figueiredo e Acácio Barreiros (PS) e Octávio Teixeira (PCP).
A requerimento subscrito por todos os grupos parlamentares, procedeu-se à votação nominal, na generalidade, dos diplomas, tendo sido aprovado o projecto de lei n.º235/VII e rejeitados os projectos de lei n.ºs 177 e 236/VII.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 23 horas e 5 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos dás Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.

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António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira..
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques..
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário..
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.,
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida..
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 23 a 28 do Diário, respeitantes, respectivamente, às reuniões plenárias dos dias 8, 9, 10, 15, 16 e 17 de Janeiro.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio para que possamos prosseguir os nossos trabalhos.
Deram entrada na Mesa três votos de pesar pelo falecimento do Dr. Rómulo de Carvalho, poeta António Gedeão, um elaborado por mim, outro da autoria do Grupo Parlamentar do CDS-PP e outro da autoria do Grupo Parlamentar do PCP.
Entretanto, estas duas bancadas anunciam, muito gentilmente, que em face do meu voto de pesar retiram os seus próprios votos.
Se concordarem, passaremos à votação, sem discussão, do voto de pesar n.º 62/VII, que é do seguinte teor:
«Morreu o Dr. Rómulo de Carvalho, poeta António Gedeão.
Ilustre pedagogo, que gerações de alunos seus recordam com admiração e reconhecimento, notabilizou-se sobretudo como poeta.

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Foi uma das vozes mais significativas da poesia do último meio século. Poeta originalíssimo e inimitável, logrou emprestar a sua extraordinária imaginação poética à divulgação da ciência, sem quebra de magia.
A sua `pedra filosofal', para só mencionar um exemplo, serviu de suporte a uma das mais fortes e belas canções de combate, divulgada pela voz também inspirada do intérprete Manuel Freire.
A obra poética que nos legou é, para a sua memória, um imorredoiro suporte. Os grandes poetas só morrem quando a poesia morrer. Isto é: nunca!
A Assembleia da República, na sua sessão de 20 de Fevereiro de 1997, curva-se em silêncio, respeito e pesar perante a memória do poeta António Gedeão.»

Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos guardar um respeitoso minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo-vos de que amanhã de manhã deslocar-me-ei à embaixada da China, em representação da Assembleia da República, para apresentar condolências pela morte de Deng Xiao Ping.
Vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 177/VII - Interrupção voluntária da gravidez (PCP), 235/VII - Altera os prazos de exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez (PS) e 236/VII - Interrupção voluntária da gravidez (PS).
Para apresentar o projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP, dispondo de 10 minutos para o efeito, que não serão descontados no tempo global do seu grupo parlamentar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate sério em que todos estamos envolvidos, mercê da iniciativa legislativa do PCP, tem de partir de uma primeira reflexão.
Por que razão a Assembleia da República debate, pela terceira vez, o aborto clandestino?
Em 1982, o PCP apresentou três projectos de lei que tinham subjacente a ideia de que a maternidade devia ser um acto livre, responsável e consciente. Trata-se dos projectos relativos à protecção da maternidade, à educação sexual e ao planeamento familiar e à interrupção voluntária da gravidez. Mostrámos, nessa altura, a urgência de resolver graves problemas com que se debatem as mulheres portuguesas, mas em vão. Os projectos viriam a ser rejeitados.
Em 1984, com a reapresentação dos projectos, a Assembleia da República acabou por elaborar três leis, que, apesar das insuficiências, representaram um marco histórico, muito embora logo afirmássemos quanto à Lei n.º 6/84 - a lei sobre interrupção voluntária da gravidez- que se tratava de uma resposta recuada ao verdadeiro problema de saúde pública resultante dos abortos clandestinos.
E, assim, este terceiro debate realiza-se, não só porque às mulheres não são dadas condições para o exercício de uma maternidade livre e consciente, não só porque não se cumpre a lei sobre educação sexual e planeamento familiar, mas sobretudo, porque a Assembleia da República não aprovou em 1984 as propostas do PCP que verdadeiramente combatiam o aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A interrupção voluntária da gravidez não é um método contraceptivo, sempre o afirmámos no passado. Mas é, muitas vezes, o último recurso para gravidezes indesejadas ou que não se podem levar a termo por justificados motivos.
Falamos de um problema social. Falamos de mulheres com toda a espécie de problemas. Adultas ou menores, bem ou maltratadas pelos companheiros, esgotadas, adoecidas física e psiquicamente, mulheres com filhos que não podem acolher mais um sob pena de correr grave risco todo o agregado familiar, mulheres que verão comprometida a sua carreira profissional, mulheres que sofrem toda a espécie de violências na família e na sociedade. Falamos de mulheres que sofrem. Mulheres angustiadas pela violência de terem de recorrer ao aborto clandestino.
Ninguém pode ignorar esta situação e eximir-se a resolver o problema.
E foi assim que foi encarado, seriamente, noutros países que resolveram por cobro ao flagelo.
Por que não o havíamos de fazer nós, tanto mais que estivemos na Conferência do Cairo, na Conferência de Pequim e subscrevemos os seus documentos finais?
Será bom recordar que a Plataforma de Acção de Pequim, subscrita por Portugal, fez um apelo para a não perseguição penal das mulheres que fazem abortos nos países onde é ilegal. E no Cairo foi estabelecido como objectivo a redução drástica do número de mortes e da morbilidade resultante do aborto inseguro.
Estamos igualmente confrontados com um problema de saúde pública. Não podemos fazer de conta que não morrem mulheres em resultado de abortos feitos nas piores condições.
Portugal é o único país da União Europeia que apresenta mortes de mulheres como consequência da clandestinidade do aborto. As mortes figuram nas estatísticas, ou como 2.ª ou até como 1.ª causa de morte materna. Mas depois há todas as outras sequelas que vitimam as mulheres: as infertilidades, as doenças psíquicas, a destruição da sexualidade. Ninguém ousa invocar ignorância desta situação. Ninguém pode fechar os olhos e dormir sobre uma lei que só aparentemente lhe proporciona o apaziguamento da consciência.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este problema de saúde pública nasce de uma lei penal. E, assim, temos simultaneamente um problema de política criminal. Não é inédito. Por toda a parte do mundo, a despenalização do aborto e a simultânea e necessária consagração da legalidade do recurso aos estabelecimentos de saúde para a interrupção médica, em condições dignas e seguras, da gravidez, foi sendo consagrado.
A Grécia despenalizou o aborto quando feito nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher, e consagrou a obrigação do Estado de velar pela saúde da mãe e de assegurar o tratamento nos departamentos hospitalares aquando da interrupção voluntária da gravidez.
A mesma despenalização foi feita na Dinamarca, na Suécia, na Noruega, na Áustria.
Na Holanda, país que se apresenta com uma baixíssima taxa de abortos clandestinos, a interrupção da gravidez pode ser feita a pedido da mulher até à 24.ª semana

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de gravidez quando ela própria, e só ela, se julgue em situação de emergência.
Na Suíça, o Boletim dos Médicos Suíços, assinalando, nalguns cantões, na legislação que passou a permitir a interrupção da gravidez por razões sociais nas primeiras 12 semanas, afirmava que no período entre 1991 e 1994 se tinha conseguido, nesses cantões, o quase total desaparecimento dos abortos clandestinos.
Até na Alemanha que, parece, convirá sempre citar em matérias penais, a lei aprovada e em vigor depois de 1 de Janeiro de 1996, adoptou um sistema de prazos, sem indicação, nas primeiras 12 semanas.
Lei mais restritiva e ainda mais hipócrita que a nossa só na Irlanda, que através de um referendo considerou que era um atentado ao direito à vida do feto o aborto praticado por mulher em território irlandês, mas já não haveria atentado se fosse feito em território estrangeiro! Olhos não vêem, coração não peca!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste debate há duas perguntas que nunca são respondidas porque são incómodas aos que continuam a reclamar que a lei mantenha contra as mulheres duras ameaças com penas de prisão.
Primeira questão: a lei actual, ameaçando as mulheres com penas de prisão tem defendido o embrião e o feto? Dado que toda a gente aceita que são milhares os abortos clandestinos, esta pergunta tem uma única resposta possível, que alguns não querem dar porque seria reconhecer a hipocrisia da lei. A resposta é: não!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Segunda questão: mantendo-se a lei actual, como defendem, o que querem fazer para que ela seja eficaz? Meter as mulheres na cadeia? A esta pergunta costuma seguir-se uma ladainha sobre a necessidade de fazer mais pelas mulheres. Ninguém afirma que quer que as mulheres vão para a cadeia.
Donde, tem de concluir-se que, para os que anunciaram que estão contra a despenalização, é suficiente que tudo fique na mesma. Mas as mulheres morrem, Srs. Deputados! Mas as mulheres sofrem, Sr.ªs e Srs. Deputados! Não se alterando a lei, não se impedindo os abortos com a mesma, não se querendo meter as mulheres na cadeia - espero que não queiram - então o que se manterá é o aborto clandestino e a hipocrisia! Uma hipocrisia que destrói!

Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

De facto, não haverá lei mais ineficaz em todo o nosso Direito Penal. Não há da sociedade, nem das instâncias formais de controlo, polícias e magistrados, real vontade de promover a perseguição penal às mulheres. Mais do que ineficaz, e por isso desvalorizada, sem desempenhar qualquer papel de prevenção, a lei causa maiores males do que aqueles que diz querer evitar. É causa de morte, de doenças, de sofrimentos de mulheres. É mesmo criminógena porque contribui para fenómenos de extorsão, de coacção, de exploração da mulher.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A lei penal excede aqui um dos princípios orientadores do Direito Penal moderno, o princípio

da intervenção mínima. Ao legislador de um Estado social e democrático de direito está vedado impor aos cidadãos e cidadãs, sofrimentos desnecessários, tanto mais quanto são ineficazes.
Como escreveu S. Tomás de Aquino na Summa Theologica, «é preciso, em nome da própria moral, rejeitar as leis que, sob pretexto ideal, provocam maiores males do que aqueles que querem prevenir».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Não existindo qualquer relação de causa e efeito entre a actual lei e a realidade, tem de concluir-se que a mesma se radica em velhos preconceitos sobre o papel da mulher do mundo. A mulher receptáculo para procriação. A mulher objecto.
Foi isto, que ressaltou de algumas demagógicas campanhas, destituídas de qualquer ética, ofensivas do mais elementar decoro, ofensivas da sociedade pluralista que somos, e onde lutamos pela liberdade de consciência, pelo direito de cada um a desenvolver a sua personalidade segundo os seus próprios códigos éticos, espirituais, morais e religiosos.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O que ficou no ar, no discurso de alguns, supostamente piedosos, foi a intolerância expressa na litania. «As mulheres não têm o direito de ...Não têm o direito, as mulheres..».
E as mulheres interrogaram-se, sobre os seus direitos. Sobre o que Estado lhes exige. Sobre o que o Estado não faz. As mulheres, como pessoas humanas, são titulares do direito à vida, à saúde, do direito à intimidade da vida privada, ao bom nome e reputação, à dignidade, à maternidade consciente, do direito a constituir família com ou sem filhos, do direito à liberdade de consciência, à participação na vida pública, do direito à segurança no emprego, à realização pessoal na família e na sociedade.
Tantos direitos por cumprir, Srs. Deputados!
Que dedo acusador levantam as mulheres contra o Estado que as humilha porque não podem ter mais filhos, ou não podem mesmo ter filhos? Alguns, nos últimos tempos, tentaram apropriar-se das acusações, de tal forma que mais parecia estarmos nas vésperas de um 8 de Março! Falaram muito da situação dramática das mulheres, da falta e precaridade do emprego, da pobreza feminina, das crianças. Objectivamente, tal postura destina-se a calar a sua consciência, que bem lá no fundo condenará a hipocrisia da lei repressiva.
E prometeram o mundo às mulheres, prometeram-lhes o céu levado à cena num teatro, como diria Natália Correia.
Mas a vida das mulheres portuguesas, não é um sonho de bonecas de porcelana, a quem basta esperar a varinha de condão de uma recheada carteira! Num país com a maior taxa de pobreza da União Europeia, num país que apresenta taxas elevadíssimas de pobreza nas crianças e jovens até aos 17 anos, com especial incidência na faixa etária dos 0 aos 6 anos, pergunta-se se é assim que o Estado garante o direito à vida das mulheres e das crianças, se é assim que o Estado garante o direito à paternidade e maternidade conscientes, se é assim que o Estado garante o direito a constituir família, se é assim que o Estado garante protecção à vida humana em potência.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

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Pergunta-se se é crível o discurso daqueles que descobriram de súbito que até o planeamento familiar seria arma de arremesso contra a despenalização, quando é certo, como relembrou o Dr. Albino Aroso, que esses foram os que mais lutaram contra o uso de meios anticoncepcionais que não fossem os métodos arcaicos.
Nós sempre lutámos pela efectivação dos direitos sociais e económicos dos pais e das mães, aí sendo a sede privilegiada para o Estado demonstrar o valor que atribui à vida humana em potência que é a vida infra-uterina. Mas não nos bastamos com isso porque o problema do aborto não foi resolvido em países muito mais desenvolvidos apenas com as medidas sociais porque perceberam que se trata de um problema de saúde pública que o Estado tem o dever de resolver.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está hoje em causa é a censura que a própria, vida faz da lei penal, e o que temos de saber é se a lei que temos é própria de um sistema democrático, pluralista, ou se conserva ainda resquícios de uma ordem jurídica intolerante, que, alheada dos efeitos criminógenos dessa mesma intolerância, quer impor às cidadãs sofrimentos desnecessários.
Estas não são, pois, questões do foro íntimo dos Srs. Deputados. A política criminal, as linhas orientadoras de um Direito Penal de um Estado de direito democrático, não podem ser definidas pelos códigos morais dos que foram investidos num mandato para resolver os problemas de toda a população.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

E quando na sociedade não existirem consensos sobre a criminalização, o Direito Penal perde legitimidade quando cede aos códigos de alguns e exerce censura aos que têm concepções de vida diferentes. Por isso, hoje ninguém se pode refugiar atrás da sua consciência, ou atrás de pressões ilegítimas, por mais elevado que seja o estatuto das pessoas que tais pressões exercem. Porventura faltará a essas pessoas a clarividência de se aperceberem que estão a lidar com a lei criminal, com uma lei feita por seres humanos e não por Deus ou deuses, restringindo com a ameaça de prisão a liberdade de consciência das mulheres. Estão a lidar com um problema que não trata de convicções religiosas.
O que foi compreendido noutros países com uma grande tolerância por parte de diversos credos religiosos, que recusaram a ver consagrada na arma mais terrível do Estado - o Direito Penal - a sua concepção de vida. A lei penal deve ser, de facto, a lei que permita a convivência, e não pode impor a uma parte da população as convicções morais de outra parte.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Importa recordar-lhes a situação única em que se encontra a mulher com as palavras da célebre sentença Casey do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América: «A mãe que leva uma gravidez até ao fim está sujeita a ansiedades, a pressões físicas , a sofrimento que só ela sabe avaliar.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O reconhecimento do valor de um bem jurídico não basta para justificar o uso de sanções penais, como se reconhece, por exemplo, no. Acórdão n.º 85/85 do Tribunal Constitucional, e como é reconhecido por todos os penalistas, sem excepção.
Assim, a Assembleia da República tem plena liberdade para decidir a despenalização.
Estamos aqui confrontados com o núcleo fundamental do projecto do PCP: a despenalização da interrupção voluntária da gravidez quando feita em estabelecimento hospitalar oficial, ou clínicas oficialmente reconhecidas, nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher; a despenalização acompanhada da consagração do direito a recorrer ao sistema de saúde pública para que o aborto se faça em condições seguras, para que as mulheres não arrisquem a vida e a saúde, nomeadamente as mulheres que não podem recorrer a clínicas, em Portugal, ou no estrangeiro.
Não se trata de liberalizar o aborto. Liberalização foi uma palavra que alguns, que até estão a favor da despenalização, inconscientemente utilizaram, dando voz às concepções daqueles que não reconhecem à mulher o direito à sexualidade, e que lhe querem impor, tão-só, o dever de procriar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aqueles que, como no poema de Natália Correia, dizem à Feiticeira Cotovia «Confessa que és uma harpia/que tens comércio com Vénus/e que és o leito de orgia/de poetas obscenos».
Liberalizar o aborto seria aquilo que até já foi recomendado publicamente - e, por sinal, por um dos mais destacados opositores da despenalização: suprimir na lei todas as referências ao crime de aborto. Assim, a mulher teria plena liberdade de o fazer onde entendesse: em casa, na vizinha, na parteira, na clínica privada, no consultório médico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas esta proposta de liberalizar revela a mais absoluta indiferença pelas mulheres das classes desfavorecidas, pelas mulheres trabalhadoras, pelas mulheres sem disponibilidades económicas para recorrerem à segurança de um abono feito por médicos. Esta proposta é feita por quem sabe que a mesma mais não faria que acentuar a discriminação das mulheres pobres.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Despenalizar, como propõe o PCP é coisa bem diferente!
Como pode encontrar-se justificação, por exemplo, para penalizar a mulher que engravidou involuntariamente, porque falharam os métodos anticoncepcionais, ou nem sequer os conseguiu na consulta de planeamento familiar, e não pode levar a gravidez a termo por recear perder o emprego ou por ver limitadas as suas possibilidades de acesso ao mercado de trabalho?
Como pode penalizar-se uma mulher que engravidou de uma relação sexual não desejada com o companheiro que lhe proíbe o uso da pílula, que ela tem de esconder em casa da vizinha, e não pode ter mais filhos, sob pena de colocar em perigo a subsistência do agregado familiar e a própria vida da criança que não desejou?

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Sabem os Srs. e as Sr.ªs Deputados que qualidade de vida têm normalmente as crianças não desejadas?
Como pode o Estado usar legitimamente do seu poder punitivo, quando os direitos sociais - os que verdadeiramente protegem a vida humana em potência -, os direitos que garantem a realização da maternidade e da paternidade conscientes não são efectivados?
A actual lei penal apresenta-se, face à situação dramática das mulheres portuguesas, em substituição das medidas sociais e não como a sua última ratio, pelo que não obedece aos princípios do Direito Penal moderno.
Entendemos que com o sistema de prazos que propomos, nas primeiras 12 semanas, como acontece noutras legislações já atrás mencionadas, é a que melhor responde aos objectivos de uma política criminal própria de um Estado de direito democrático, tanto mais que surge acompanhada de medidas na área da saúde.
Este é o núcleo fundamental da proposta do PCP.
Sumariando, ainda, as restantes propostas do projecto de lei, importará dizer que nos debates que antecederam o debate de hoje, fez-se sentir, da parte de alguns, uma resistência incompreensível ao alargamento do prazo da interrupção voluntária da gravidez por doença ou malformação grave do feto.
No fundo de todas essas resistências estão dois factores: primeiro, uma desconfiança grande em relação às mulheres; segundo, uma atitude impiedosa de obrigar as mulheres a terem filhos grandes deficientes, mesmo sabendo-se que aquela família irá ter uma vida de suplício. Deixem as mulheres decidir da sua vida! Elas saberão se podem ou não ter aquele filho!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Elas recorrerão à interrupção voluntária da gravidez, tão cedo quanto lhes seja possível saber a brutal verdade. Não adiarão por mais tempo o sofrimento de uma gravidez que se passaria a suportar em revolta.
E a respeito das semanas, porque as restantes propostas do PCP alargam, em alguns casos, os prazos da não punibilidade do aborto, importará esclarecer aquilo que ficou claro nas audições parlamentares: é que enquanto alguns, apenas preocupados em demonstrar que o embrião e o feto já eram vida humana, com iguais direitos aos da pessoa humana (o que não é verdade, nem científica, nem filosófica, nem legalmente), tentavam descortinar no nosso projecto de lei, nas semanas indicadas, alguns indícios de que o PCP se rendia aos seus argumentos, esquecendo a explicação mais natural, que eles próprios acabaram por ter de fornecer: a interrupção médica da gravidez tem tanto menores riscos para a mulher quanto mais cedo se fizer.
Por isso, não seguimos outras legislações que chegam mesmo à 24.º semana no caso de angústia da grávida. Aliás, a 24 º semana é por nós aceite nos casos de malformações ou doenças graves do feto ou do embrião, não por aceitarmos introduzir na leio critério médico, que não legal, da viabilidade do feto, mas por nos convencermos que, com base nos actuais conhecimentos da medicina e nas técnicas utilizadas no país, é perfeitamente possível detectar as anomalias dentro das 24 semanas.
Tendo em atenção a saúde da mulher, propomos: a despenalização do aborto feito a pedido da mulher toxicodependente nas primeiras 16 semanas.
A toxicodependência é uma terrível doença social, gerada pela avidez do lucro, alfobre de milionários que atira jovens para a mais atroz degradação. Uma jovem toxicodependente entra num processo tal de degradação que não se apercebe de imediato do seu estado de gravidez, por isso se justificando a concessão de um maior prazo para decidir se quer, de facto, tratar-se, se pode tratar-se, se a sociedade lhe dá os necessários meios para a sua recuperação, se quer ter o filho, se o Estado olha a vida em potência` que traz no ventre como credora de deveres por parte dele, como, por exemplo, o dever de lhe proporcionar uma mãe saudável, uma mãe com condições para ter aquele filho. ,
Propomos também a menção expressa de que o risco de HIV é um risco de doença grave. E, de facto, assim é. Já está na lei actual, mas é necessário que a lei se torne clara.
Propomos, ainda, o alargamento para 16 semanas nos casos de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
De facto, porque se trata de crimes em que padrões culturais machistas da nossa sociedade determinam que a mulher, que sente mais vergonha que o impante agressor, desvende tarde a sua gravidez. A distinção feita, por alguns, entre violações e violações violentas são a melhor prova de que há quem ainda julgue que Portugal é a coutada do macho ibérico.
O prazo de 16 semanas deverá ser alargado para o prazo fixado para o aborto impropriamente chamado de eugénico, no caso de menores ou de vítimas afectadas por anomalia psíquica, por razões ainda mais evidentes: umas não sabem que estão grávidas, outras ainda com um maior temor devido à sua menoridade, tarde revelam, muitas vezes, o seu adiantado estado de gravidez.
Propomos, ainda, que o prazo da interrupção voluntária da gravidez no caso de aborto terapêutico, seja alargado para 16 semanas, tendo em atenção, sobretudo, o caso das doentes que tomam antidepressivos, relativamente às quais o actual prazo de 12 semanas se revelou insuficiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No decurso dos debates já havidos foram levantadas objecções relativamente à exequibilidade da despenalização. Desde logo porque, havendo serviços que por inteiro se declaram objectores de consciência, não haveria possibilidades de satisfazer as solicitações das mulheres.
Respeitamos os verdadeiros objectores de consciência. Aqueles que, caso a caso, se declaram objectores, por isso reconhecemos no nosso projecto a objecção de consciência, mas na execução da lei não poderá deixar de averiguar-se quais os verdadeiros e os aparentes objectores.
Também, em último recurso, e derrotadas todas as obstruções dos opositores da lei, deparamos, com o último, derradeiro e desesperado argumento de que nos serviços hospitalares terá de se investir muito - milhões mesmo - para que a lei seja executada.
Mas, Srs. Deputados, o aborto inseguro é ou não um grave problema de saúde pública?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - As mulheres têm ou não direito à saúde?

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS .

A Oradora: - Em quanto se contabilizam os custos das gravíssimas complicações de aborto que chegam aos hospitais? Não podem contabilizar-se em números, mas são

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importantes os custos, em termos de perda de horas e horas de trabalho, do exercício da cidadania por parte das mulheres afectadas pelos traumatismos físicos e psíquicos do aborto inseguro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca entendemos o aborto como forma de contracepção! Não o é! E nem é assim que as mulheres o encaram.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Mas parece!

A Oradora: - O Sr. Deputado percebe muito pouco disto!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Percebo mais do que a senhora!

A Oradora: - A educação sexual, praticamente inexistente nas escolas, por omissão do Estado, e o planeamento familiar (muito insuficiente) são, seguramente, meios de combate ao mal.
Por isso mesmo, porque entendemos que uma lei de despenalização não pode deixar de ser acompanhada de medidas no âmbito do planeamento familiar, recorde-se um artigo do nosso projecto de lei, muito esquecido por alguns - porque lhes convém -, mas que não caiu em saco roto, pois foi notado por quem fez uma análise serena e séria do mesmo:
Na audição parlamentar, o Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, Miguel Oliveira e Silva, faria notar a importância do artigo em que o PCP propunha que a mulher que se submetesse a uma interrupção da gravidez teria de ter uma consulta de planeamento familiar no prazo de 7 dias.
Uma lei de despenalização deve ser acompanhada pela efectivação do planeamento familiar. É esse o objectivo do nosso projecto de lei.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que as nossas propostas dão resposta ao flagelo do aborto clandestino, respondendo aos problemas e dramas das mulheres e, sobretudo, aos graves problemas sociais das mulheres trabalhadoras, das mulheres pobres, das mulheres excluídas.
Em suma, de todas aquelas que, num desespero, tentam resolver os problemas sozinhas, com agulhas, com pés de salsa, com as plantas mais diversas... Aquelas que aguentam as laminárias até se esvaírem em hemorragias, porque só pagaram metade do trabalho e ainda não conseguiram o restante para que o aborto seja ultimado. Aquelas que são vítimas de intolerâncias, de desconfianças.
Aquelas que, neste debate, em desespero, sentiram ondas de intolerância sobre si, se viram culpabilizadas, e queriam e não puderam explicar publicamente porque se tinham visto obrigadas a rejeitar uma promessa de vida.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado do PS Aires de Carvalho, de pé, e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, há um ponto em que estamos de acordo: este facto, para esta Câmara, é um problema de política criminal e, nessa matéria, a política criminal deve prever uma intervenção mínima do Direito Penal que deve ser neutro em relação a valores religiosos ou morais.
A incriminação do aborto não representa, nem pode representar, uma censura moral ou religiosa à mulher que se submete ao aborto. Não se trata de um problema de consciência individual, nem dos cidadãos nem dos Deputados que compõem esta Câmara, é um problema de consciência colectiva. E é aqui que divergimos, Sr.ª Deputada. Divergimos quanto à dignidade do bem jurídico, que é protegido pela incriminação, e quanto à legitimidade e à necessidade dessa incriminação.
A Sr.ª Deputada questionou a eficácia da incriminação do aborto, reduzindo, no fundo, a legitimidade à incriminação penal à sua utilidade. Pergunta, inclusive, se, perante a ineficácia da lei, quereremos nós, porventura, reprimir penalmente, policialmente, a conduta das mulheres que se submetem ao aborto.
Sr.ª Deputada, não tenho do Direito Penal uma visão que o reduz à função repressiva da pena. A pena também tem uma função preventiva, e essa também significa estabelecer a fronteira entre o lícito e o não lícito, e isso é fundamental, é uma questão de civilização, quando o que está em causa é a vida humana em todas as suas manifestações, desde a vida intra-uterina até ao último momento em que essa vida se mantém.
Mas, mesmo que eu admitisse reduzir a legitimidade da lei à sua eficácia, tenho dúvidas de que os custos sociais da incriminação sejam, efectivamente, superiores aos custos sociais que também acarreta à descriminização.
O número global de abortos, entre os lícitos e os ilícitos, aumentará ou não? O número de abortos clandestinos diminuirá significativamente? Ou não serão grande parte deles clandestinos não em relação à lei mas, sim, em relação à sociedade, à família e ao marido, inclusive?
Será que a mortalidade maternal vai diminuir significativamente? Ou não é verdade que a mortalidade maternal, em casos de aborto, é sempre muito superior àquela que ocorre nos casos de parto e de complicações pós-parto?
Sr.ª Deputada, a dignidade do bem jurídico não basta! Aí, a senhora tem toda a razão! Aliás, a lei em vigor e as propostas de alteração a essa lei aí estão a justificar que há situações em que a dignidade do bem jurídico não basta.

Mas, Sr.ª Deputada, a alteração da lei também não basta! Porque o que importa é alterar a realidade e o que está em causa aqui é saber se o aborto é uma solução ou se deve continuar a ser encarado como um problema.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, penso que, pondo de parte as convicções religiosas ou não - e isto não é um problema religioso, pelo que não tenho de estar a discuti-lo nestes termos -, no que toca à lei penal o senhor não levou o seu raciocínio até ao fim.

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O Sr. Deputado disse que a lei penal não tinha só uma função repressiva mas também preventiva, e aí estamos de acordo... Mas, Sr. Deputado, qual é a função preventiva que a lei penal actual tem? Fazem-se ou não abortos? A lei penal está totalmente desvalorizada, pois nem sequer tem a função preventiva de intimidar positivamente para criar nos cidadãos e na sociedade a convicção de que ela é uma norma boa, que deve ser cumprida e que levaria a sociedade a denunciar as parteiras e as mulheres.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Função de prevenção especial não tem e de prevenção geral, à que o senhor se referiu, também não tem.
Quanto à questão do número de abortos clandestinos, tenho dados - e terei muito gosto em tirar fotocópias e fornecer-lhas -, para além dos que vêm no relatório da Assembleia, que referem o número de abortos legais nos países nórdicos, desde o ano em que foi despenalizado o aborto e a evolução desse número - que, aliás, baixou. Tenho ainda o prazer de lhe oferecer a tal página do Boletim dos Médicos Suíços - que citei - sobre a redução, quase ao mínimo, dos abortos clandestinos na Suíça e a redução dos abortos legais.
Por isso, a realidade demonstra que os abortos clandestinos reduzem-se com a despenalização e que os abortos legais, porque acompanhados de um bom planeamento familiar e de todas as outras medidas, também se reduzem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, em relação à sua questão sobre se os perigos para a mulher são maiores ou não em consequência de abortos, devo dizer-lhe que não é verdade que sejam maiores em consequência de aborto do que do parto.
Também lhe posso fornecer estudos, feitos no sítio onde eles se fazem - e são muitos os países -.que revelam que não é verdade que morra mais gente em consequência de aborto, quando ele é legal, do que em consequência do parto.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP ): - Sr.ª Deputada Odete Santos, ao longo da sua intervenção houve duas coisas que ouvimos repetidamente: a palavra «hipocrisia» e a expressão «leis não cumpridas».
Faço-lhe a justiça de considerar que a Sr.ª Deputada não tem qualquer intenção hipócrita quando faz esta proposta, muito pelo contrário estou certa de que está convicta que está a fazer o melhor pelas mulheres portuguesas.
Contudo, quero dizer-lhe que não pode desligar a sua iniciativa legislativa das condições de eficácia da sua proposta, caso ela fosse aprovada na Assembleia da República.
Para que as mulheres portuguesas não lhe perguntem daqui a dois anos aquilo que hoje, provavelmente, nós vamos perguntar, gostaria de saber como compatibiliza as condições de eficácia da sua proposta com duas situações concretas: em primeiro lugar, a situação do Serviço Nacional de Saúde, sendo que responsáveis deste serviço, nomeadamente directores-gerais, afirmaram, no âmbito das audiências e em entrevistas dadas à comunicação social, que os hospitais portugueses não tinham capacidade para receber como actos medicalizados os abortos clandestinos; em segundo lugar se considera, como eu considero e como consideramos todos nós, penso eu, que o direito de objecção de consciência não pode sequer estar em discussão nesta Câmara, como é que compagina isso com o facto de precisar certamente dos médicos para o aborto medicalizado e com o parecer deontológico da Ordem dos Médicos?
Como sabe, Sr.ª Deputada, há listas de espera com pessoas que pretendem fazer simples operações a cataratas e que entretanto cegam e eu gostava de saber se admite que em Portugal possa haver uma lista de espera para abortos.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, na minha intervenção referi-me já à questão que colocou. Penso que em saúde pública não podem haver listas de espera e este é um problema de saúde pública.
Já agora, que estamos a falar de custos, gostava também de perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, se já contabilizou e deve tê-lo feito, porque esteve à frente de uma maternidade - os custos de uma cama ocupada vários dias por uma mulher que fez um aborto clandestino de uma maneira bárbara e que, depois, tem de ir cortar o útero, permanecendo num hospital durante muito tempo (isto, como é evidente, quando não morre).

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Eu não lhe perguntei isso, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - E já pensou que um acto médico para fazer uma interrupção de gravidez segura demora 10 ou 15 minutos?
Então não há nisto diferença de custos?

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não falei de custos!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, segundo a contabilidade feita pela Associação de Planeamento da Família dos Estados Unidos da América, num hospital gastava-se um dólar para fazer uma interrupção voluntária da gravidez legal e quatro dólares para tratar uma mulher vítima de aborto clandestino.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não lhe falei de custos!

A Oradora: - Então, Sr.ª Deputada?

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, desculpe mas não pode ser.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, é muito rápido.

O Sr. Presidente: - Tem mesmo de ser muito rápida.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - É só para dizer que eu não falei de custos, que não referi a palavra custos em toda a minha pergunta e que tenho muita pena que a Sr." Deputada não saiba responder.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esclareço que hoje, particularmente, não deixarei resvalar para qualquer espécie de deturpação a figura regimental de interpelação à Mesa. A primeira deturpação foi esta. Mas como reconheço que esta interpelação foi um pedido um esclarecimento, faça o favor de esclarecer rapidamente, Sr.ª Deputada Odete Santos.
Desculpem, mas hoje serei absolutamente intolerante.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, eu não ia fazer uma interpelação mas apenas pedir para me deixar responder.
Sr.ª Deputada, em matéria de urgências, os hospitais têm, de facto, de cumprir, como têm de lhes ser dadas condições para que possam cumprir. É esta a minha resposta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: -- Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 235/VII - Altera os prazos de exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Monteiro, que é o seu primeiro subscritor.
Como sabe, dispõe de 10 minutos. Se os ultrapassar, os minutos em excesso serão descontados no tempo global do seu grupo parlamentar.

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abordar o tema do alargamento dos prazos para a interrupção voluntária da gravidez quero prestar homenagem sincera a todos os Deputados que, sem excepção, nesta Assembleia da República, ao longo das várias legislaturas, se empenharam claramente na discussão digna de toda esta problemática.
Seria também injusto não referir uma personalidade da nossa vida profissional, o Dr. Albino Aroso, que foi o introdutor em Portugal das primeiras atitudes em relação ao planeamento familiar. Se não fosse o Dr. Albino Aroso talvez não pudéssemos estar aqui hoje a discutir, com tanta liberdade e conhecimento, porque, como disse, foi ele que introduziu em Portugal, pela primeira vez, os métodos de planeamento familiar. Por isso, também as minhas homenagens a este grande médico, que ainda temos no nosso convívio.

Aplausos gerais.

E, se me permitem, queria fazer uma referência muito especial a algumas Deputadas que por esta Casa passaram e que muita saudade deixaram na nossa memória. Quero recordar todas, mas uma referência muito especial devo à saudosa memória de Natália Correia que com a sua verve eloquente e o seu muito saber transformava esta Assembleia num fórum nacional de grande elevação.

Aplausos do PS.

O Orador: - Recordo também Helena Cidade Moura, pelas suas intervenções objectivas e de grande serenidade, que muito dignificaram os debates parlamentares.
Uma última referência - e de muito carinho - a Beatriz Cal Brandão, companheira de grandes batalhas políticas em prol da liberdade e que contribuiu em grande parte para a minha formação política, no convívio fraterno que existiu entre as nossas famílias e que perdura até aos dias de hoje através dos seus descendentes.
Um bem haja a todas estas personalidades, que construíram os alicerces para hoje aqui podermos estar, sem constrangimentos e em liberdade, a discutir um tema que invade, seguramente, terreno polémico e quê põe os políticos num verdadeiro conflito de deveres.
Não quero deixar de homenagear também a comunidade científica e técnica deste País, que a muito custo tem vindo a afirmar-se conhecedora das técnicas internacionais mais evoluídas e que, com sabedoria e abnegação, as puseram em prática no nosso país, apesar dos parcos recursos que o Estado tem disponibilizado. Também para estes o nosso bem haja.
Uma última palavra de gratidão para todos os Deputados desta Assembleia e desta legislatura, indistintamente das suas opções ideológicas e dos seus grupos parlamentares, que aquando da apresentação do meu projecto, em 29 de Outubro de 1996, manifestaram a sua total solidariedade para com a minha pessoa e que muito conforto me ofereceram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou um cidadão que viveu sempre com emoção as coisas da vida. Assim também aconteceu no exercício da minha actividade profissional. Quando deixar de assim ser deixarei de ser eu próprio.
Por isso entendi que devia fazer alguma coisa em relação às dificuldades e entraves que, diariamente, aconteciam no exercício da minha profissão e também quanto às angústias de muitas mulheres, que eram confrontadas com situações clínicas do seu estado gestacional que não tinham cabimento resolúvel no quadro legislativo actual.
Pelo evoluir da técnica, a Lei n.º 6/84, com 13 anos de existência, tornou-se perversa e antinatalista e, por isso, inadequada. Actualmente, com os prazos existentes, ou a lei não se cumpre ou realizam-se interrupções de gravidez antes de se ter a certeza absoluta da gravidade da malformação.
O alargamento dos prazos é matéria de cunho científico, cuja decisão deve fundamentar-se em informação dada por técnicos competentes nesta matéria e em critérios despojados de opções religiosas, políticas ou ideológicas.
Por isso optei por discutir este tema em completa serenidade científica.
Os prazos que a lei consigna são um absurdo total sob o ponto de vista biológico e embriológico.
Que ética haverá em fazer diagnóstico pré-natal, criar angústias e sofrimentos nos casais, para, depois, não se poder dar resposta a uma gravidez doente?

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Através do presente projecto de lei é assegurado: a exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez sem limite gestacional nas situações de feto inviável; o alargamento de 12 para 24 semanas, comprovadas ecograficamente nos casos de aborto terapêutico. Em sequência dos estudos mais recentes, revelados por profissionais do foro médico, verifica-se que só é possível determinar com segurança a evolução ou a existência de malformação a partir da 16.º semana. Os exames complementares sequentes dificilmente permitem a obtenção de resultados de certeza de cromossomopatias ou de alterações da morfologia antes daquele tempo. Ao contrário do que possa parecer, este alargamento será uma medida claramente prónatalista, tanto mais que a manutenção dos limites actuais implica por vezes interrupções voluntárias da gravidez que poderiam ser evitáveis, dado que são efectuados com base em índices de risco, falsos positivos, ou mesmo alterações morfológicas que ao evoluir da gestação se tornam inaparentes; alargamento das 12 para as 16 semanas do prazo dentro do qual a IVG pode ser praticada sem punição no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e quantos a menores de 16 anos e incapazes por anomalia psíquica.
O meu projecto de lei introduz algumas novidades tais como a criação de uma comissão técnica de avaliação de defeitos congénitos. Faço-o porque entendo que a lei vigente atribui só a responsabilidade a um médico para decidir sobre a interrupção voluntária da gravidez. Ora, entendo que deve ser uma comissão pluridisciplinar que, caso a caso, discuta a necessidade da sua interrupção.
Outra novidade que introduzi no meu projecto de lei foi a da objecção de consciência, e aqui, quero, desde já, afirmar que um projecto não é uma obra definitiva, não é uma obra acabada. Por isso entendo que se deve integrar, desde já, uma correcção a esta minha proposta, onde digo que o objector de consciência seria obrigado a indicar qual o profissional que iria exercer a interrupção voluntária da gravidez.
Ao longo das audiências parlamentares que tiveram lugar sobre esta questão fui esclarecendo a minha posição e hoje entendo que isto, ,para além de uma violência, seria, de certa forma, contrariar os pressupostos e as exigências legais da nossa Constituição.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Muito bem!

O Orador: - No meu projecto de lei acentuo também que após as interrupções voluntárias de gravidez devemos, imediatamente, criar uma consulta de planeamento familiar para as mulheres que a elas se submeteram e que esta lei deve ser regulamentada num prazo máximo de 120 dias, dado que a lei anterior, com 13 anos de existência, até hoje ainda não foi regulamentada.
Durante as audiências parlamentares feitas nas últimas semanas tivemos a oportunidade de ouvir muitos técnicos, muitos sábios e muitos filósofos falarem sobre este tema.
Termino a minha intervenção fazendo lembrar um poeta do Século XI, Ornar Khayyam, que disse o seguinte num seu poema: «Os sábios e os filósofos mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância/E, todavia, eles eram os luminares da sua época/Que fizeram?/Pronunciaram algumas frases confusas e depois adormeceram para sempre.».

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do JSSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Strecht Monteiro, o projecto de lei que apresentou trata de matéria também abordada pelo projecto de lei do PCP e seguramente que, em sede de especialidade, poderão sempre encontrar-se soluções adequadas.
Mas a questão que me leva a interroga-lo é a seguinte: o Sr. Deputado apresentou o seu projecto de lei depois de o PCP ter apresentado a sua iniciativa, que coloca ainda uma outra questão: a da penalização, fora desses casos específicos, do aborto feito a pedido da mulher até às 12 semanas e trata essa questão procurando responder a um problema social real existente.
O Sr. Deputado é médico, é cidadão, é Deputado, e em qualquer dessas qualidades tem conhecimento da dolorosa realidade do aborto clandestino. Há uma lei que pune o aborto, mas essa lei não é cumprida. Trata-se de uma lei que ninguém na sociedade entende, que não é por ela aceite, que não condena quem faz o aborto nessas circunstâncias nem reclama punição para a mulher que o faz. O que lhe pergunto, Sr. Deputado, é o seguinte: não entende que a Assembleia não pode ignorar esse problema social que realmente existe na nossa vida colectiva? Não entende que a Assembleia, perante uma lei que penaliza mas que ninguém quer, efectivamente, que penalize, uma lei que manda aplicar penas que, depois, ninguém quer aplicar e que a única pena que aplica é a de obrigar as mulheres a recorrerem a meios clandestinos para fazerem o aborto, tem o dever de dizer a essas mulheres e à sociedade que, em certas circunstâncias e dentro de um certo período de tempo, elas podem fazer o aborto em hospitais, em condições saúde?
Portanto, Sr. Deputado, a pergunta que lhe faço é se entende ou não que, para além da questão que coloca, há uma outra dramática questão, que merece e exige uma resposta imediata por parte da Assembleia da República.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Monteiro.

O Sr. Strecht Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, muito obrigado pela pergunta que me fez.
Ao elaborar este projecto de lei versei, única e simplesmente, a parte técnica que entendi ser necessária rever nesta lei. Foi essa a minha preocupação.
Portanto, sem me desligar da minha qualidade de técnico de saúde e desta especialidade, entendi que, nesta revisão que faço da Lei n.º 6/84, não devia ir mais além daquilo que fui.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei n.º 236/VII - Interrupção voluntária da gravidez, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, de que é primeiro subscritor.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, a Assembleia da República, no debate que hoje travamos, enfrenta decisões de imensa responsabilidade: somos chamados a decidir entre a realidade que herdámos da vigência de 13 anos da lei que regula a in-

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terrupção voluntária da gravidez e a mudança que resultaria da aprovação dos diferentes projectos de lei com os quais esta Câmara é agora confrontada, entre estes o da Juventude Socialista.
O debate sobre o aborto, no momento e nas circunstâncias legais e sociais em que, o travamos, pode ser reduzido a termos simples: ou reconhecemos a realidade e dispomo-nos a agir sobre ela, com o instrumento que a Constituição nos concede - a lei -, sem fintarmos as nossas responsabilidades, ou tomamos parte na farsa de quem, com a alma apaziguada pela existência de uma lei inútil e rejeitada pela sociedade, despreza as angústias e os dramas de milhares de mulheres e homens, inseridos na realidade concreta das suas vidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se optarmos por fingir que a interrupção voluntária da gravidez é, em Portugal, regulada por uma lei, que é aceite pela sociedade, generalizadamente respeitada, verdadeiramente ordenadora das condutas individuais e definidora de um dever ser reconhecido pela consciência social, então não faremos mais do que, hipocritamente, fechar os olhos à realidade da liberalização selvagem do aborto, sem regras, sem prazos, sem garantias médico-sanitárias, sem segurança e sem dignidade.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Com o nosso silêncio e a nossa passividade não salvaremos uma vida, não evitaremos um aborto, mas seremos cúmplices da realidade trágica do aborto clandestino, seremos nós, daqui desta Câmara, a condenar, por ano, milhares de mulheres à humilhação e ao risco.
Neste debate, fomos dos primeiros a escolher o nosso lugar: somos contra a hipocrisia.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Recusamos voltar a cara aos 20 000 abortos ilegais que se realizam anualmente no nosso país.
Recusamos voltar a cara aos 300 000 abortos que se terão realizado desde 1984.
Recusamos voltar a cara ao desespero que esteve na sua origem e à solidão a que a lei e os poderes públicos votaram milhares de mulheres e de homens.
Recusamos voltar a cara à insignificância do número de condenações por aborto ilegal - seis por ano, em média, desde 1985 -, quando confrontados com os milhares de abortos realizados no circuito clandestino.
Recusamos confiscar a liberdade de consciência às pessoas e impor-lhes as nossas convicções morais, os nossos valores éticos, um credo oficial.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Todos somos contra o aborto. Todos estamos cientes de que o aborto é um acto desesperado, uma violência que a mulher comete sobre si própria e de que é a principal vítima.
Tivemos 13 anos para percebermos o que toda a Europa já compreendeu: nenhuma lei impedirá de abortar uma mulher determinada a fazê-lo. Para isso, a lei não serve, como a nossa actual lei não serviu; mas serve, isso sim, para provocar um grave problema de saúde pública como o é o aborto clandestino; serve para provocar a morte, ou, em qualquer caso, um penoso e gratuito sacrifício físico, psíquico e humano a milhares de mulheres portuguesas.
Resta-nos retirar da experiência dos outros os devidos ensinamentos, e acompanhar a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a França, a Itália, a Suécia, a Grécia, entre muitos outros países, nas medidas adequadas ao combate ao aborto clandestino, despenalizando a interrupção voluntária da gravidez, nas primeiras 12 semanas, e a livre pedido da mulher.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Trata-se de salvaguardar o seu direito à saúde, à sua integridade moral, à sua dignidade social e a uma maternidade consciente e responsável.
Não podemos continuar a iludir a realidade, porque a nossa inércia é paga muito caro: no nosso país e nos termos da legislação em vigor, são realizadas cerca de 100 interrupções voluntárias da gravidez por ano, ou seja, 0,5% do total, enquanto o aborto continua a ser a segunda causa de morte materna.
A isto acresce a hipócrita discriminação económico-social subjacente à oposição às mudanças legislativas propostas pela Juventude Socialista:
É preciso assumir a verdade perante o País.
Hoje, as regras são simples e não vêm na lei: quem pode aborta em Londres ou em Espanha, ou é amigo de médico, em Portugal. A quem não pode - nomeadamente as mulheres mais jovens e as de menores recursos - oferece-mos-lhes como alternativa o circuito do aborto clandestino.
Somos todos cúmplices dessa alternativa.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Sr.ªs e Srs. Deputados: Seguramente, alguns de vós terão conhecido de perto este drama e testemunhado a inevitável violação da lei.
Chega de hipocrisia. Chega de tragédias humanas gratuitas e evitáveis. Confiemos na consciência livre e no senso de equilíbrio da mulher para quem legislamos. Confiemos nas mulheres portuguesa. Conceda-mos-lhes o direito de assumirem uma decisão que a lei penal abusivamente lhes confiscou. Façamo-lo em nome da sua dignidade e do seu direito à saúde.
O julgamento, sempre difícil e doloroso, cabe à mulher. Deve ser exercido no respeito pelos limites legais e no quadro das suas convicções éticas, morais, filosóficas e, porque não, políticas e religiosas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr.ªs e Srs. Deputados do PSD: O vosso partido tem defendido - contra a opinião da JS - que uma matéria com o melindre da que se reporta às regras da interrupção da gravidez deveria ser decidida em sede de referendo nacional.
Portanto, a votação que se seguirá a este debate tem para vós um significado diferente: se viabilizarem na generalidade o nosso projecto de lei, permitindo a continuação e o aprofundamento do processo legislativo, têm já a garantia de que o PS proporá a realização do referendo.
Com um referendo, nacional e vinculativo, transferirão para o povo português a responsabilidade de decidir o «sim» ou o anão» às alterações propostas à lei do aborto.
Limitaram-se, até aqui, a exigir o referendo. Ele está agora na vossa disponibilidade. Sereis vós a decidi-lo.

Aplausos do PS.

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Sr.ªs e Srs. Deputados: Só admitindo a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas, a pedido da mulher, e com adequado acompanhamento médico, poderemos combater eficazmente o aborto clandestino e evitar as mortes inúteis, as frequentes sequelas físicas, a impossibilidade de voltar a ter filhos e os atentados à saúde psíquica da mulher.
Uma interrupção da gravidez feita com segurança num hospital público, acompanhada de uma consulta de planeamento familiar - como prevê o projecto da JS - faz mais pela vida do que o desmancho feito nas 1000 parteiras de vão de escada, oficialmente inexistentes.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

A aprovação deste projecto de lei não provocará, obviamente, qualquer aumento do número de interrupções voluntárias da gravidez realizadas em Portugal, mas diminuirá seguramente a tragédia do aborto clandestino.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se votarem contra este projecto, e fizerem a defesa da situação actual e da lei em vigor, não salvarão uma vida, não evitarão um, aborto, porque a defesa da actual lei não serve a vida, serve a hipocrisia.

Aplausos do PS, de pé, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Nuno Correia da Silva e Bernardino Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, antes de lhe dirigir a pergunta que pretendo fazer, quero manifestar-lhe que é com grande revolta que participo neste debate, porque entendo que ele está viciado, por ter uma grande lacuna: não estão presentes os fetos cuja vida esta Assembleia, infelizmente, está a questionar.

Protestos do PS e do PCP.

Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, o que os senhores estão a propor não é mais uma liberdade, não é uma liberdade para as mães ou para as mulheres portuguesas. O que os senhores estão a propor é a pena de morte para vidas inocentes, que foram concebidas mas que agora não são desejadas.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto disse, da tribuna, que se recusa a virar a cara aos 20 000 - há uma semana, eram 16 000, eventualmente, nesta última semana houve mais 4000 - abortos clandestinos. Acho estranho até que saibam com precisão quantos são os abortos que são clandestinos. Mas vamos admitir que sejam 20 000, ou, inclusive, os 200 000 ou 300 000 que foram feitos desde que está em vigor a «lei do aborto», que regula a interrupção voluntária da gravidez. Sr. Deputado, os senhores não recusam virar a cara, mas também não encontram soluções, os senhores não propõem soluções para o

aborto, apenas descriminalizam a clandestinidade, apenas retiram do Código Penal o crime que é e será sempre, no entender do Partido Popular, acabar com uma vida humana.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Estava distraído durante a intervenção, Sr. Deputado!

O. Orador: - O Sr. Deputado falou na violência e disse que reconhecia, quer o Sr. Deputado, quer o seu grupo, parlamentar, a violência que é para uma mãe, para uma mulher, ter de abortar. Porquê, Sr. Deputado? Por que reconhece que é uma violência que essa mãe sofre? Reconhece isso, porque sabe que é de uma vida que estamos a falar, e, se é de uma vida que estamos a falar, acabar com ela é crime e será sempre crime.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

Sr. Deputado, o projecto apresentado pelo Partido Socialista está repleto de contradições entre o que os senhores dizem querer e o que se propõem, efectivamente, fazer.
O PS afirma-se preocupado com as condições económicas e sociais. Mas neste projecto de lei não estão contempladas quaisquer medidas de apoio económico e social. Saberá o Sr. Deputado quantos casais desejam a adopção de crianças e deparam com múltiplos obstáculos administrativos e burocráticos? Propõe o Sr. Deputado alguma alteração para o regime de adopção em Portugal? Não propõe, Sr. Deputado!
O PS afirma-se preocupado com as famílias monoparentais. Propõe o PS alguma alteração ao apoio social a essas famílias? Não, Sr. Deputado! O PS quis acabar com o aborto clandestino. Não pode haver maior...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Seria bom que o Sr. Deputado conhecesse as razões que levam as mulheres a recorrer ao aborto clandestino. São, como há pouco foi dito, razões sociais, porque não querem que a sua gravidez seja do conhecimento das famílias e da sociedade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Lamento que a iniciativa deste projecto de lei tenha sido dos Deputados da JS. Sr. Deputado, os jovens têm a ambição de mudar, têm confiança para mudar e têm força para mudar. Os senhores resignaram-se e não há velho mais velho do que aquele que nunca foi jovem, Sr. Deputado!

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, quero, em primeiro lugar, congratular-me pelo facto de ser preciso debater-se nesta Casa o problema da interrupção da gravidez para o

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Grupo Parlamentar do Partido Popular nos dar público testemunho da sua elevada sensibilidade social.
Não sei se estarei à altura de resolver algumas das confusões que vão no seu espírito, mas, em todo o caso, deixe-me dizer-lhe o seguinte: não estamos neste debate a tentar marcar uma fronteira entre o certo e o errado. Essa fronteira, quem a marca são as mulheres, confrontadas com as circunstâncias particulares da sua vida.

Aplausos do PS.

Estamos aqui a discutir a utilidade, a conveniência, de uma determinada disposição penal, de uma intromissão do Direito Penal nesta discussão. É isso que estamos a discutir! Estamos a discutir, concretamente, Sr. Deputado quem estamos na disposição de mandar para a cadeia. E este o objecto de discussão neste debate.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - São valores que estamos a discutir!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Estamos a discutir quem matamos!

O Orador: - Sr. Deputado, vai desculpar-me, mas quero colocar-lhe uma pergunta, pois estamos a ter um debate sobre política criminal, sobre uma disposição criminal: está suficientemente convicto da sua verdade para se permitir mandar para a cadeia aqueles que nesta Sala e lá fora não concordam consigo? Esta é que é a questão fundamental. Tem a ver com a cultura e a tolerância, com o «temos» ou «não temos»,...

Aplausos do PS.

... com a cultura democrática que temos ou não temos, com o respeito pela consciência individual que temos ou não temos! O Sr. Deputado, manifestamente, não tem.
Sr. Deputado, repare que vivemos num Estado não confessional...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Não é confessional, é de valores!

O Orador: - ... e, portanto, a ordem de valores na qual devemos fundar as nossas convicções e posições é a Constituição. O Sr. Deputado valoriza - e bem - a vida intra-uterina, que, aliás, é objecto de declaração constitucional. Por isso, pergunto-lhe o seguinte: o Sr. Deputado aceita ou não a interrupção da gravidez nos casos de crimes contra a autodeterminação sexual da mulher?

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Responda, não faça perguntas!

O Orador: - Aceita ou não a interrupção da gravidez nos casos de violação? O Sr. Deputado aceita a interrupção da gravidez? Qual é a culpa do feto, relativamente às circunstâncias nas quais foi concebido? O Sr. Deputado concorda ou não com a Lei n.º 6/84?

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Responda!

O Orador: - O grande vício da sua posição neste debate é ter a pretensão de querer oficializar as suas convicções e, com base nisso, perseguir e punir quem não pensa como o Sr. Deputado.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração da bancada, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que duvido muito de que o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto possa dar lições a esta bancada, e a mim, como líder da bancada, sobre sensibilidade social. O que todo o seu discurso revelou foi que o Sr. Deputado apanhou um eléctrico atrasado, usando uma linguagem que mostra que não tem a menor noção do que é o sofrimento humano! O Sr. Deputado não conhece o sofrimento humano e, por isso, vem, sem qualquer legitimidade, fazer uma proposta...

Protestos do PS.

... que é um decalque dos anos 60.
Sensibilidade social, Sr. Deputado, é gastar as solas nos sítios onde as pessoas sofrem!

Aplausos do CDS-PP.

Sensibilidade social não é estar aqui a dizer as coisas que são fáceis! Vá para os sítios onde as pessoas sofrem, onde eu estive e onde, por acaso, nunca o encontrei.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, ambos somos Deputados eleitos a esta Assembleia, pelo que gozamos da mesma legitimidade.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não é legitimidade, é sensibilidade!

O Orador: - Não sei se a Sr.ª Deputada quer invocar uma qualquer legitimidade curricular e paternal contra mim próprio, mas não creio ser essa a sua intenção. De resto, penso que esta sua intervenção não contribuiu significativamente para a elevação do debate e para a seriedade da discussão que devemos manter aqui hoje.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, sob pena de começar este pedido de esclarecimento da mesma maneira que outros, quero dizer-lhe que também estou neste debate revoltado. E estou revoltado porque este debate não deveria existir, pois há 12 anos, quando discutimos aqui esta questão, deveria ter sido resolvido o problema do aborto clandestino e não o foi. Por isso, estou revoltado.

Estou revoltado também, Sr. Deputado, porque vi durante esta discussão gente a encarar seriamente o problema, mas vi, de igual modo, quem discutisse demagogicamente o que hoje estamos a tentar discutir seriamente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - E estou também revoltado, Sr. Deputado, porque esta discussão revela, em muitas intervenções, uma brutal insensibilidade àquilo que é a realidade, a qual, admito-o, só as mulheres, e só as que praticaram um aborto, podem reconhecer e conhecer na sua totalidade. Todos nós temos a obrigação de reconhecer esse sofrimento e de reconhecer que ignorá-lo é uma insensibilidade monstruosa.
Devo dizer-lhe mais, Sr. Deputado: fico também revoltado quando intervenções nesta Casa sobre este problema descuram a realidade - e gostaria de perguntar-lhe se está também atento a ela das jovens mulheres, que também fazem abortos, que também recorrem ao aborto clandestino, que também são obrigadas, em virtude da lei penal que temos, repressiva, inútil e ineficaz, a recorrer ao aborto clandestino.
Quero perguntar-lhe se não pensa ter havido muitas vezes uma grande desatenção por parte dos que tão duramente recorreram a argumentos demagógicos e falsos.
Espero, Sr. Deputado - e quero saber se também é esta a sua posição -, não ter de voltar a discutir esta matéria na Assembleia da República, espero que fique, hoje e aqui, resolvido o problema do aborto clandestino.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, o mais que posso dizer-lhe, face à sua intervenção inteiramente concordante com as minhas posições, é que partilho das suas preocupações e estou inteiramente solidário com as posições que aqui vem assumindo.
Agora, gostaria de frisar o seguinte: é certo que, em 1984, houve um impulso legislativo, no sentido de se alterar a situação. Hoje, que podemos avaliar a experiência de 13 anos de vigência da Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, fazemos uma apreciação negativa, pois, em nosso entender, ela deixou patente a sua insuficiência para resolver problemas sociais graves de saúde pública. Foi por isso que, à luz de uma interpretação, que julguei correcta, das minhas responsabilidades decorrentes do mandato parlamentar que detenho e enquanto Deputado do PS, eu próprio, como primeiro subscritor, entendi apresentar este projecto de lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quatro palavras gostaria de trazer aqui e neste momento.
A primeira sobre a natureza deste debate. Este não é um debate da nossa responsabilidade. Mais do que isso, este é um debate que, nos moldes em que é feito, consideramos intempestivo e inoportuno.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nenhuma força política questionou na sociedade, no tempo próprio e com a clareza indispensável, o quadro legal existente sobre a interrupção voluntária da gravidez. Mais: ninguém introduziu no País a abordagem desta questão ou propostas para a resolver no tempo político em que os eleitores escolhem os seus Deputados, lhes delegam um mandato e lhes atribuem a sua representação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso este debate é mais imposto que sentido, feito de cima para baixo, sem que o País nele tivesse participado e com isso acentuando, numa matéria particularmente sensível e delicada, clivagens desnecessárias e divisões negativas entre portugueses.
Por isso este debate, nascendo enviesado, continua e terminará enviesado. Dificilmente, de resto, escapará já à leitura e à conclusão de que o aborto é o pretexto - e só um pretexto - e que o objectivo e as motivações são outras, eminentemente políticas e bem diferentes da questão séria e delicada que é a interrupção voluntária da gravidez.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda palavra é sobre o objectivo essencial deste debate: a liberalização do aborto.

O Sr. António Filipe (PCP): - É falso!

O Orador: - O mais grave na discussão de hoje não é o querer alterar o quadro legal existente. O mais grave é pretender-se mudar radicalmente de filosofia, de política e de orientação em matéria de liberalização do aborto.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não se pretende alterar a lei; pretende-se é mudar de lei. Ou seja, o que se propõe é que, de uma penada, sem que o País se tenha pronunciado, sem que os portugueses tenham sido ouvidos, se passe de um regime em que a liberalização não é possível para um regime - em tudo oposto - em que a liberalização passe a ser permitida e a assumir-se como regra e valor.

Aplausos do PSD.

É uma alteração radical de política. Pretende-se que o Parlamento se substitua ao País, quando o Parlamento deve ser a representação da vontade do País. Pretende-se que o Parlamento imponha ao País uma outra política, quando deve ser primeiro o País a discutir e a decidir se quer, ou não quer, mudar de política.

Aplausos do PSD.

Importa, de resto, questionar: quando é que o País debateu esta questão? Nunca, nos últimos 13 anos. Quando é que o País legitimou esta mudança radical e profunda de política? Nunca, nos últimos 13 anos. Quando é que o País mandatou os seus representantes para esta inversão completa de política? Nunca, como se sabe. A única coisa que se sabe, se prova e se conhece é que, na última vez, há 13 anos, que se discutiu esta matéria, o País expressamente rejeitou o que, hoje, alguns pretendem consagrar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Com a agravante - e esta é a terceira palavra - de que o País podia e devia pronunciar-se.
O PSD não quis abrir este debate, mas, uma vez aberto, não o quisemos impedir ou sonegar. Quisemos, sim, que o País, através do referendo, debatesse a questão e sobre ela tomasse uma decisão.
O referendo foi, primeiro, denegrido; depois, deliberadamente impedido. Impedido mesmo por omissão de agendamento, sem sequer ter havido a clareza e a frontalidade de uma decisão sobre se deveria ou não ser realizado. Impedir o referendo, a consulta popular, a decisão de milhões de portugueses nesta matéria foi, a nosso ver, uma atitude grave, que merece a nossa censura e a censura do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando de uma questão de fundo e de forma se trata, quando estamos perante uma questão que releva da consciência individual não apenas de 230 Deputados mas de milhões de portugueses, quando um mandato claro e inequívoco para decidir não existe, quando o referendo é, hoje, possível, ao contrário do passado, e desejado pelos portugueses e quando entre os portugueses a divisão é profunda e muito significativa.
Nesta matéria, particularmente nesta matéria, a existir decisão, ela deveria ser de todos os portugueses e não apenas de alguns. Por via de referendo nacional e não de outra forma.

Aplausos do PSD.

E a questão não é instrumental nem de método. A questão é substantiva e de valores. Até hoje, os portugueses nunca decidiram a liberalização do aborto. Para se saber se os portugueses querem mudar radicalmente de política, só há uma solução: consultá-los, dando-lhes a palavra e devolvendo-lhes a soberania da decisão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A quarta e última palavra é esta: por imposição do PS e do PCP, somos forçados a uma decisão. Forçados a decidir, os Deputados do PSD assumirão posição cada um em função da sua consciência, da legitimidade que entendem possuir e do seu próprio sentido de responsabilidade.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Oxalá!

O Orador: - No entanto, no uso da palavra, não me eximirei a dar a minha opinião pessoal. Sou contra os projectos que pretendem liberalizar o aborto e assim votarei. Entendo que a lei actual é equilibrada e a sua filosofia correcta.
O aborto é sempre um mal, mesmo para a mulher obrigada a fazê-lo. Considerar como valor positivo na lei o que a própria mulher considera um mal de recurso extremo é, a meu ver, inverter os valores. Invocar razões económicas ou sociais, por mais relevantes que sejam, para decidir a interrupção de uma gravidez é passar ao absurdo, para não dizer mais, de considerar o aborto como mais um meio contraceptivo, é, a meu ver, a negação de tudo. Sustentar que interromper uma vida é a melhor forma de defender a dignidade da vida é, a meu ver, subverter os princípios e as convicções.

Os dramas humanos em torno desta questão existem, são sérios e difíceis de resolver. Muitas mulheres os sentem, muitas famílias os têm e a sociedade quantas vezes faz mesmo de conta que eles não existem. Esta é a realidade; importa encará-la para ajudar a resolvê-la.
Alguns pensam, porém, que, propondo o que propõem, resolvem o problema e descansam a consciência. É minha convicção de que nem o problema se resolve nem - e muito menos - a consciência fica menos pesada.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os fins, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não justificam todos os meios. Em particular, quando os meios, para além de ineficazes, são injustos, iníquos e atentam, sobretudo, contra a dignidade dos nossos valores e do direito inalienável à vida humana.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi a iniciativa partidária, e não da sociedade, que forçou esta discussão na Assembleia da República, quando, a ocorrer, ela deveria ocorrer no País. Será por esta iniciativa que os Deputados são forçados a decidir pela sua consciência, quando deveria ser a consciência colectiva, do Pais, a decidir.
No final, a decisão da Assembleia da República será, pois, a decisão da consciência de cada um dos seus Deputados. Mas que, nessa altura, os partidos que forçaram esta decisão, esta iniciativa, não se escondam na consciência de cada Deputado para não assumirem as suas próprias responsabilidades.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se a Sr.ª Deputada Isabel Castro e os Srs. Deputados Laurentino Dias, Luís Sá e Jorge Lacão.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, penso que a sua intervenção foi profundamente infeliz e ofensiva relativamente àquilo que está hoje em discussão.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

Protestos do PSD.

Em primeiro lugar, o senhor manifestou-se contra uma coisa que nenhum dos projectos em discussão propõe, ou seja, a legalização do aborto.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de alguns Deputados do PS.

Em segundo lugar, o senhor mostrou-se a favor daquilo que todos sabem existir, daquilo que os senhores sabem e fingem ignorar, ou seja, o facto de haver muitas mulheres, que, anualmente, morrem ou são mutiladas, por terem de recorrer ao aborto clandestino.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

E, ao fazê-lo, o Sr. Deputado não teve pudor em fugir à verdade. Disse o Sr. Deputado que esta Assembleia não tem legitimidade para decidir alterar a lei. Então que legitimidade teve, quando, há dois anos, aprovou um Código Penal que penaliza as mulheres que interrompem a sua gravidez? Não é a mesma coisa, Sr. Deputado?

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Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Esqueceu-se!

A Oradora: - Sr. Deputado, concluo, dizendo que, ao contrário do que pretendeu afirmar, este não é um debate que não seja inteiramente da vossa responsabilidade. É, sim, da vossa responsabilidade em alguma medida: na medida em que foram os senhores que não promoveram o planeamento familiar;...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... na medida em que foram os senhores que não trouxeram para as escolas a educação sexual;...

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

... na medida em que são os senhores que continuam, ontem como hoje, indiferentes ao problema da vida, ao problema das mulheres, fazendo tábua rasa daquilo que é a realidade e evidenciando uma grande dose de hipocrisia.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Mendes, como há mais Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos, pergunto se deseja responder já ou no fim.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, quero fazer-lhe uma pergunta bem simples, que tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª na sua intervenção falou da sua decisão individual e da consciência colectiva. Disse também que um referendo era não apenas possível mas desejável. Ora, como todos sabemos, um referendo sobre matérias como esta tem necessariamente de ser um referendo num quadro aberto de soluções.
A minha pergunta é esta: como compagina ou compatibiliza V. Ex.ª a defesa de um futuro quadro aberto de soluções num referendo enquanto legislador, e, nesse caso, individualmente, como disse? Apercebi-me pelo sentido do seu voto, relativamente aos projectos em questão, que restringirá, à partida, na sua qualidade de' legislador, individualmente, esse mesmo quadro de um referendo, que nós queremos - e também eu o defendo - que seja uma forma de os cidadãos tomarem decisão. Só que quando se referenda, no meu entender, referenda-se tudo e não apenas aquilo que, em termos de decisão individual, nós, enquanto legisladores, aqui restrinjamos para decisão dos cidadãos no seu colectivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, creio que a opinião que o Sr.

Deputado possa ter nesta matéria é naturalmente legítima. Aquilo que não é legítimo é imputar aos partidos que propõem projectos de lei não uma preocupação com a situação da mulher portuguesa mas motivações obscuras, que desconheço e que o Sr. Deputado não tem o direito de nos imputar..

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

A segunda questão a que gostaria que respondesse é a seguinte: o Sr. Deputado disse que a actual lei é justa e equilibrada. Gostaria, então, de saber por que é que o PSD votou contra a actual lei em 1984 e. inclusive, chegou a punir disciplinarmente um Deputado que votou a favor dela.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

É caso para perguntar se, daqui a mais alguns anos, quando e se o actual regime for alterado, nós ouviremos o PSD dizer, nessa altura, que a actual lei, mais avançada que agora aprovarmos, é justa e equilibrada e não deve ser alterada. Isto é próprio de quem está contra a História, contra a resolução de problemas num sentido moderno e avançado.

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!

O Orador: - A terceira questão tem a ver com o seguinte: naturalmente, fazer ou não um referendo sobre esta matéria é um problema político e é um problema que pode levar a diferentes opções políticas.
No entanto, julgo que, nesta matéria, tem de haver um mínimo de coerência. Por exemplo, alterar o Código Penal, em 1995, em matéria do aborto, introduzindo alterações importantes, como, de resto, ficou demonstrado no relatório da l.ª Comissão, não haver no País qualquer debate ou referendo sobre esta matéria e vir agora colocar esta questão é, sem dúvida alguma, incoerente. Mas, mais, é incoerente por parte de um partido que inviabiliza um referendo sobre a moeda única, questão de extrema importância, e que inviabiliza, inclusive, um referendo global acerca da revisão do Tratado da União Europeia.
Porém, o mais grave é que à extrema preocupação da Lei Fundamental de compatibilizar a democracia representativa com a democracia directa e de dar à democracia directa um carácter não populista, não manipulatório e perfeitamente compatível com a representação dos Deputados, o Sr. Deputado responde com uma contestação da legitimidade desta Assembleia e do mandato dos Deputados para decidirem aquilo que está na Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E isto foi grave não só nas palavras do Sr. Deputado como nas da porta-voz do PSD, pois daí poderia resultar, em última instância, a ideia de que os Deputados estão aqui para tratar do que não tem qualquer significado e importância e de que sobre as outras matérias, então, teria de ser o povo português a decidir, desde que não se trate de matérias com tão pouca importância como as da moeda única, do futuro de Portugal na integração europeia ou outras que não convenham ao PSD.
Em tudo isto, deve haver um mínimo de coerência política, porque, caso contrário, temos de dizer que, em vez de seriedade, há descaramento.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, o Sr. Deputado subiu à tribuna e talou dos projectos de lei relativos à liberalização do aborto. Ocorre, Sr. Deputado, que eu não conheço qualquer projecto de lei hoje em debate que se reporte ao objectivo da liberalização do aborto.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estou, por isso, com uma dúvida sobre se o Deputado Luís Marques Mendes estava plenamente consciente dos diplomas acerca dos quais se pronunciou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que, a meu ver, confundiu dois planos: o de uma decisão e de um comportamento tomado pela mulher nas circunstâncias concretas da sua vida e, provavelmente, de acordo com a sua consciência e com a ideia que ela própria faz da sua dignidade moral e social ou igualmente com os valores que ela própria preserva, como, possivelmente, os da maternidade e da paternidade conscientes, portanto o gesto e o acto susceptível de, em concreto, ser praticado por qualquer mulher, e o da lei. E o que temos de responder, hoje e aqui, é se a nossa opção como legisladores é a de considerar como um crime um certo acto praticado pela mulher em sua consciência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E isso, Sr. Deputado, não nos habilita, seja qual for o nosso ponto de vista e a nossa posição pessoal, a considerar que qualquer solução é contra ou a favor da liberalização do aborto, porque a solução será sempre outra, ou seja, contra ou a favor da criminalização de um determinado comportamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Luís Marques Mendes, V. Ex.ª e colocou-se, com referência a valores, numa posição que respeito mas que não partilho relativamente a alguns deles, e aí respeitar-nos-emos, certamente. Mas, no plano da opção legislativa, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, a questão é esta: considera o senhor ter uma legitimidade acrescida para considerar um crime aquela atitude que se faz por referência a valores diferentes dos seus?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não considera, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, que essa é uma imposição autoritária de um sistema de valores partilhado apenas por uma parte da sociedade e não pelo seu conjunto maioritário da sociedade?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Marques Mendes acredita que os problemas de consciência e os problemas sociais profundos devem ter a resposta prioritária ao nível do Código Penal ou acredita que devem ter resposta prioritária na consciência dos cidadãos livres deste país?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder ao conjunto dos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, são três ou quatro as questões que os vários colegas me colocaram, por isso irei responder-lhes em conjunto.
Quanto à questão da legitimidade que invoquei, devo dizer que não coloco em causa, como é evidente, nem ninguém pode fazê-lo, a legitimidade dos Deputados da Assembleia da República no sentido político formal, mas nesta matéria, pelas razões que apresentei e que já reafirmarei, a legitimidade devia ser a legitimidade actualizada, a legitimidade da soberania popular.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, porque esta matéria, como toda a gente reconhece, é eminentemente um problema de valores que releva da consciência da cada cidadão.

Vozes do PS e do PCP: - Não é!

O Orador: - Em segundo lugar, porque esta matéria não foi objecto de tratamento e de debate na sociedade portuguesa, quando podia e, segundo alguns, devia ter sido.
Em terceiro lugar, porque esta matéria, tratada desta forma, de cima para baixo, ajuda a introduzir fracturas e divisões e por isso careceria, de facto, de um amplo debate nacional.

Aplausos do PSD.

Mas, Srs. Deputados, em particular Sr. Deputado Jorge Lacão, alguma coisa eu reconheço na iniciativa do Partido Comunista: alguma coerência de atitudes. Discordo completamente delas, mas reconheço que tem existido alguma coerência ao longo dos anos. Até em relação a muitas matérias de que não se consegue qualquer coisa, depois, quando essa qualquer coisa é aprovada, é excelente, mantêm a coerência ao longo dos anos. Reconheço isso!
Agora, na iniciativa do Partido Socialista - e isto tem tudo a ver com legitimidade - já tenho mais dificuldade. Não é que ele não tenha o direito de propor iniciativas mas, sim, porque, ainda na última campanha eleitoral, em Agosto de 1995, numa revista pública, quando foi feita ao Partido Socialista oficialmente a pergunta - de resto feita também a todos os outros partidos - «a Lei n.º 6/84 - Interrupção voluntária da gravidez, deve ser alterada? Mais alargada? Mais restritiva? Se, constitucionalmente, for admitida a figura do referendo, considera que esta matéria possa ser objecto de referendo?», ele não só, tal como no seu Programa, não advogou qualquer alteração como disse «a lei actual é suficiente para os objectivos que com ela se pretendem atingir».

Aplausos do PSD.

A segunda questão que aqui me foi colocada por vários Srs. Deputados foi a da hipocrisia. A esse respeito, gostava de dizer que, naturalmente, respeito muito a consciência de cada um, mas espero que também respeitem a minha. E, ao menos, já que impediram o referendo, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não me queira impedir nem aos meus colegas de, frontalmente, com clareza e sem hipocrisia, darmos a nossa própria opinião.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não vale a pena fugirmos à mistificação. O que, de facto, está em causa é uma mudança profunda da política no sentido de uma liberalização. Dizer o contrário é uma mistificação, é uma questão de palavras!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hipocrisia, se me permite, sem qualquer ofensa pessoal, é pensar-se que, para além da questão dos valores - e também, seguramente, aí divergimos -, com a eventual aprovação de uma solução desta natureza se vai resolver o problema dos abortos clandestinos. É minha convicção de que essa solução - é má no plano dos valores e ineficaz em termos da prática. Quando muito, ajuda a descansar a consciência de alguns! Mas, do meu ponto de vista, ela não fica mais leve e, sobretudo, o problema não fica resolvido. Julgo que isso é que é hipocrisia!
A Sr.ª Deputada Isabel Castro veio dizer, designadamente, que o PSD nunca fez nada sobre planeamento familiar e a resposta foi-lhe dada pelo Sr. Deputado Strecht Monteiro há instantes, da tribuna. Em matéria de planeamento familiar, o PSD e, em particular, as pessoas já aqui referenciadas fizeram muito. Segundo os últimos dados estatísticos que são conhecidos - os de 1993 -, 89% das mulheres em idade fértil recorrem, ou recorriam já então, ao planeamento familiar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É uma hipocrisia dizer que, nesta matéria, não se tem feito nada. Tem-se feito muito, mas é minha convicção, como, julgo, de todos, de que importa fazer muito mais, só que esta matéria vai ajudar a desviar as atenções e passa à margem dos problemas reais, em vez de os enfrentar, como podia e devia fazer.
Concluo esta matéria, dizendo, em particular ao Sr. Deputado Luís Sá, o seguinte: pode divergir de mim, está no seu pleno direito - eu divirjo de si, também tenho esse direito -, mas tenho muita dificuldade em .poder aceitar (se é que alguém o pode fazer) que o facto de eu ser contra, convictamente contra, signifique estar possuído de uma qualquer mentalidade que não é própria de um país moderno e desenvolvido.
Permita-me que lhe diga que, para além, uma vez mais, do problema de valores, em que divergimos, considerar que o aborto pode ser visto como mais um meio contraceptivo é de um país do terceiro, mundo e não de um país moderno, não de um país desenvolvido.

Aplausos do PSD.

Protestos de alguns Deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Concluo já , Sr. Presidente.
Uma última nota para responder a vários Srs. Deputados, designadamente ao Sr. Deputado Laurentino Dias.
Quanto à questão que, uma vez mais, me coloca sobre o referendo, devo dizer que não tomámos qualquer iniciativa neste domínio, pois consideramos (eu pessoalmente considero) que a lei actual tem uma filosofia correcta e é equilibrada.

No que se refere à votação do PSD, pergunta que alguém colocou, é questão que neste momento não interessa.
No que diz respeito ao caso de um Deputado que dizem que foi punido, ele falará daqui a instantes e dirá de sua justiça, por isso não vou antecipar-me àquilo que ele próprio dirá.
Mas a pergunta que deixo aqui a todos é esta: se a convicção de que esta questão é séria e vale a pena ser resolvida, discutida e decidida em sentido diferente ao que foi plasmado na lei há 13 anos e se é tão forte, tão arreigada e tão profunda, por que é que não se devolve a possibilidade de a consciência individual de cada cidadão vir a prevalecer num referendo nacional? Por que é que há medo de ouvir, de consultar e de devolver aos portugueses a capacidade de decisão? Esta é a pergunta!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Peço silêncio. O Sr. Deputado Jorge Lacão vai exercer um direito que a Mesa acaba de reconhecer-lhe e ninguém pode deixar de fazer o mesmo.
Faça favor de usar da palavra, Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Fiz-lhe há pouco, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, um pedido de esclarecimento relativamente a uma substância significativa da sua intervenção; agora, exerço o direito de defesa da minha bancada, distinguindo claramente os planos.
O Sr. Deputado Luís Marques Mendes afirmou que este debate era intempestivo e inoportuno, que o Parlamento se sobrepunha ao País e que tal resultava da imposição do PS e do PCP, que impediram o referendo sobre a questão da interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É bem verdade!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Marques Mendes não pode proferir consciente ou seriamente afirmações deste tipo.
Em primeiro lugar, porque não pode, com legitimidade e seriedade, pôr em causa a legitimidade do Parlamento para agendar iniciativas legislativas, porque é para isso que os Deputados são eleitos e é em sua consciência que também representam os eleitores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, porque o Sr. Deputado Luís Marques Mendes não pode dizer que agora o Parlamento se sobrepõe ao País, para imediatamente referir, como o fez, que há três anos atrás o País se pronunciou muito bem através ,do Parlamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, quando a tomada de posição vos satisfaz politicamente, a Assembleia da República tem plena legitimi-

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dade política mas, quando a tomada de posição pode não corresponder à vossa orientação, a Assembleia da República deixa de ter plena legitimidade política.

Vozes do PS: - Muito bem!

Orador: - Sr. Deputado Luís Marques Mendes, essa também é uma expressão de hipocrisia política e foi para a denunciar que pedia palavra.
Depois, o Sr. Deputado disse que a circunstância de haver este agendamento e este debate impediam o referendo sobre as matérias relativas à interrupção voluntária da gravidez. Não impedem, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, porque, nos termos da Lei do Referendo, a iniciativa parlamentar do referendo ocorre aquando da apreciação de iniciativas legislativas em agendamento. E o que está a ocorrer.
O Sr. Deputado Luís Marques Mendes sabe, mas escamoteou, que o Grupo Parlamentar do PS apresentará uma proposta para uma consulta directa aos portugueses no caso de esta Assembleia se pronunciar favoravelmente em relação àqueles projectos que representarem uma alteração do regime da ilicitude quanto à interrupção voluntária da gravidez.
Por isso, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, neste debate e na votação que vai ter lugar só há uma resposta: serão os seus Deputados, essencialmente os seus Deputados, que vão determinar se o PSD é a favor ou contra um referendo nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, responderei apenas às questões sérias que me voltou a colocar e, por isso, passarei ao lado de alguns comentários.
Em primeiro lugar, uma vez mais, falemos, de facto, verdade. Há 13 anos, o Parlamento decidiu. Há 13 anos, se o Parlamento quisesse fazer um referendo, não o podia ter feito, porque o Partido Socialista tinha impedido que ele ficasse consagrado na Constituição. Mas hoje é diferente!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é que é a verdade!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado, penso que qualquer dia, face às posições do Partido Socialista sempre que se fala em referendo, os portugueses vão ter de colocar a si próprios a seguinte questão: por que é que, na Constituição, nas leis e nos discursos tanto querem fazer referendos e, depois, não há maneira de, numa única matéria em concreto, se decidirem por um referendo? Vale a pena, um dia destes, perguntar! Qual é o receio? Aqui é que está a hipocrisia, no caso do Partido Socialista.
Esperava que o Sr. Deputado viesse aqui dizer que, eventualmente, o referendo se justificava ainda mais pelo facto de, como eu provei aqui, três meses antes das eleições legislativas, quando os partidos foram interpelados sobre esta matéria, o Partido Socialista ter dito que a lei era suficiente e que não tomaria qualquer iniciativa.
O PS mudou já depois de os portugueses terem podido pronunciar-se e por isso, para além da legitimidade formal, julgo que o correcto, o autêntico, o genuíno era dizer, para que pudesse haver capacidade de ouvir as pessoas, «mudámos de opinião, queremos tomar uma iniciativa e, portanto, queremos actualizar a vontade popular, a soberania popular».

Vozes do PSD: - Exacto!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ah!... Agora, é que percebemos bem!

O Orador: - Assim é que era correcto, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

Terceira e última questão, e já tivemos esta discussão há semanas, o Sr. Deputado diz: «se os projectos de lei forem aprovados, agora e já, admitimos o referendo». Sr. Deputado, já lhe respondi a isso, mas vou reafirmar, se entende que ainda não foi suficientemente claro, aquilo que eu disse aqui há duas semanas.

Sr. Deputado, como já vi escrito, e ouvi, pelo Sr. Deputado Vital Moreira (e penso que não erro), fazer o referendo depois de uma votação na generalidade - porventura, mais valerá tarde do que nunca - quer às tantas dizer - não é que eu concorde - que «depois de casa roubada, trancas à porta», aplicando um grano Balis a esta matéria. Sr. Deputado, sejamos sérios! O referendo é a. vontade popular em alternativa aos Deputados, o referendo é a vontade popular em alternativa à vontade da Assembleia da República. O senhor quer fazer um referendo de forma enviesada, porque, Sr. Deputado, se essa eventualidade vier a surgir no final do debate, fique tranquilo, porque o PSD, que tem, desde Dezembro, uma proposta de referendo, agendá-la-á de imediato e serão os senhores, na altura, a ter de decidir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, uso da palavra porque o Sr. Deputado Luís Marques Mendes afirmou, e não é verdade, que o projecto de lei do PCP implicava transformar o recurso ao aborto num método contraceptivo. Isso não é verdade em nenhuma componente do nosso projecto de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Rejeitamos completamente o uso do aborto como método contraceptivo e, quando o Sr. Deputado coloca as questões dessa forma, distorcendo o sentido do debate, acaba por colocar aqui, à vista de todos, uma questão central, que é a de o Sr. Deputado, dirigindo-se ao Sr. Deputado Luís Sá, dizer que divergíamos nos valores. É inquestionável, só que o que está em debate neste momento não são nem os seus nem os meus valores. Não quero impor à sua bancada ou ao Sr. Deputado

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Luís Marques Mendes os meus valores, assim como não aceito que os seus valores se imponham aos restantes Deputados.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quem é portador de valores e tem de decidir são as mulheres.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto!

O Orador: - São elas que, em concreto; vão decidir se recorrem ou não ao aborto, como já hoje o fazem.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O que está em causa, Sr. Deputado, e não sonegue esta questão central, quando defende a actual lei, é saber o que é que quer dizer com isso. Quer dizer que defende esta situação de recurso ao aborto clandestino? É isto que quer dizer?!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É!

O Orador: - Ou pretende dizer - e assuma-o aqui perante todos e perante o País - que quer uma efectiva aplicação da lei e portanto quer que dezenas de milhares de mulheres, ao longo de vários anos, sejam punidas, sejam presas e condenadas?

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Se o Sr. Deputado quer dizer isto, diga-o, aqui, em coerência, porque em matéria de coerência não respondeu ao desafio central que lhe foi lançado pelo Sr. Deputado Luís Sá. Se entendem que a lei que está em vigor é uma lei sensata, justa e adequada, por que é que votaram contra ela em 1984?

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Porquê?! Eu respondo, Sr. Deputado. Em 1984, votaram contra ela porque queriam manter a situação de aborto clandestino, que, na altura, parecia poder ser resolvida com essa lei. Não foi! E agora querem manter esta lei, porque dela decorre a manutenção da situação de aborto clandestino. É, Sr. Deputado, uma situação indesejável e, assim, convido-o a enfrentar essa questão, que é uma questão social das mulheres portuguesas, uma questão importante para as mulheres portuguesas, uma questão de saúde pública, com a dignidade que a mulher portuguesa exige.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, esta espécie de segunda volta é muito interessante, já foi feita pelo PS e agora pelo PCP. É uma espécie de segunda volta para tentar recuperar o tempo perdido na primeira!

Risos do PSD.

Protestos do PCP.

Agradeço-lhe também esta oportunidade, Sr. Deputado.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não brinque com coisas sérias!

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, embora esta questão seja séria, também não fica mal um pouco de humor, apesar de tudo. Penso que não fica mal, embora seja uma questão séria e exactamente por isso vamos à parte séria.
Sr. Deputado João Amaral, quero apenas deixar duas ou três notas.
Quanto à decisão de 1984, devo dizer-lhe que, na altura, eu não estava cá.

Vozes do PCP: - Ah!...

O Orador: - No entanto, o que dei agora foi a minha opinião pessoal, que não vincula sequer os 88 Deputados da minha bancada, pois podem ter opiniões diferentes. É a minha opinião pessoal. Dei a minha opinião pessoal, com toda a clareza. Uns concordam, outros discordam. Tenho os meus valores e as minha convicções, o senhor tem outros valores e outras convicções. Respeitosos da mesma maneira. Há uma diferença, uma diferença significativa, entre valores e convicções, mas, para além disso, há, no momento da decisão, uma diferença muito grande. É que eu penso de uma maneira, e eu assumo-o, e o senhor pensa de outra maneira, e eu respeito. Mas por esta questão dizer respeito não só ao senhor, a mim e a 230 Deputados mas também a milhões de cidadãos, de entre os quais muitas mulheres, penso que seria preferível que a decisão não fosse minha, ainda que possa ter vencimento, mas de milhões de cidadãos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa é a diferença de comportamento, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, eu não fiz qualquer tipo de acusações ao PCP. O que eu faço, convictamente, é dar a minha opinião, acredito naquilo que estou a dizer e faço-o por razões de princípios e não por qualquer outra razão. Faço em função de princípios em que acredito.
De facto, entendo que o aborto nos moldes em que está proposto em dois dos projectos de lei é algo semelhante - digo-o e repito-o - a uma espécie de método contraceptivo e, em relação a isso, volto a dizê-lo, acho mal, acho negativo e mesmo um absurdo. De resto, volto a dizer o que disse ao Sr. Deputado Luís Sá, com a máxima franqueza, que considero que esta é uma forma não de encarar o problema mas de passar à margem do' problema, é uma forma de tentar descansar a consciência. Daqui a uns anos, se eventualmente forem aprovados esses projectos de lei - e espero que não o sejam! -, penso que nem descansavam a consciência pois esta ficaria mais pesada em função do direito à vida, nem resolviam nenhum problema.
Era esta a matéria que eu gostaria de discutir aqui e ver, depois, discutida no País, a fim de decidir por todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, dispondo para o efeito de 10 minutos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, que não descontarão no tempo disponível do CDS-PP. Porém, o tempo que exceder terá necessariamente de ser descontado.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: O debate que hoje travamos na Assembleia da República é inevitavelmente, quer se queira ou não, um debate sobre o valor da vida humana.
A transmissão da vida não pode ser deixada ao acaso biológico, nem aos interesses particulares, nem às ambições demográficas, às estratégias de guerra ou às superioridades do sexo, raça ou nação. O poder de que hoje dispomos sobre a vida humana tem de produzir um novo sentido de responsabilidade colectivo face ao futuro da espécie. Ora, a solidariedade e o respeito pela dignidade das pessoas e pela justiça aparecem como o único garante desse futuro.
Esta é a questão basilar. É ética, mas também civilizacional, e só em função de escolhas muito profundas e críticas da sociedade passará a ser jurídica.
Nas últimas décadas, a uma tão crescente quanto impensável evolução da ciência e da técnica tem correspondido, cultural, social e politicamente, a preocupação de enquadrar estas questões essenciais.
Ao bíblico mandamento «não matarás» responde também a incessante afirmação da comunidade científica mundial de que ciência e técnica estão ao serviço do ser humano, da preservação da vida, da cura e da minimização do sofrimento. Não estão, nem poderão nunca estar, ao serviço da morte.
Sabemos que o feto é hoje visível, graças ao desenvolvimento ecográfico. Deixou de ser uma realidade abstracta no útero materno para ser alguém, cujos contornos, movimentos, reacções e necessidades podemos detectar. O feto é já objecto de cuidados de saúde, cirurgias, transfusões. E mesmo previsível que o feto possa, ainda mais cedo, ser mantido com vida extra-uterinamente.
Por força deste quadro em vias de rápida evolução, os ordenamentos jurídicos estão obrigados a repensar o estatuto do feto e do embrião. Estamos certos de que em breve estas situações da vida e de vida serão cabalmente jurisdicizadas.
Ora, a discussão que hoje aqui travamos terá também de assentar neste pressuposto, pois é para o futuro que estamos a legislar. Daí que, desde já, nos coloquemos na perspectiva vanguardista da defesa do feto e do reforço do seu estatuto jurídico.
Talvez por tudo isto, pela enorme complexidade da questão e pela gravidade de que se revestem as consequências do que for votado, quiseram alguns convencer-nos que deveríamos discutir e votar estes projectos de lei apenas de acordo com a nossa consciência individual. Nada mais falso! Aqui, cada um de nós representa milhares de portugueses. Aqui, cada um de nós cumpre um mandato preciso. Aqui, nenhum de nós deve ou pode pronunciar-se ou votar apenas em nome individual, porque não foi apenas nessa qualidade que aqui entrou, nem nessa poderia aqui permanecer.

Aplausos do CDS-PP.

Esta Assembleia vai manifestar, quer queiram, quer não, hoje a vontade do povo português, de nada servindo

a argumentação de um individualismo de consciência. E, assim sendo, pergunto: estaremos nós para tal mandatados?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na tentativa séria de representar os portugueses que nos elegeram e sem prejuízo das posições de princípio que são nosso património comum, analisámos atentamente as propostas, os motivos que a justificam e os objectivos que visam prosseguir. Dispusémo-nos para este combate, de coração e mente abertas, com convicções profundas, mas sem preconceitos, com muita firmeza, mas sem fundamentalismos.
Assim, em primeiro lugar, é nossa convicção de que este é também um debate sobre o subdesenvolvimento, que é ainda grande em determinados sectores da sociedade portuguesa e que atinge, de modo particular, as mulheres.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sempre entendi que, no final deste século, Portugal tinha de empenhar-se seriamente no combate às causas, por demais diagnosticadas, deste subdesenvolvimento. Durante o período que antecedeu a minha eleição como Deputada, fiz questão de, uma vez mais, ver e falar com muitos dos seus protagonistas: mulheres pobres, mulheres analfabetas, mulheres vítimas de violência ou discriminações várias, mulheres com filhos literalmente abandonadas à sua sorte, mães adolescentes, mães de crianças deficientes, crianças que crescem em estabelecimentos prisionais, mulheres reféns da prostituição.
Esta situação não é de todo sanável, como sabemos, mas estou certa de que poderia em grande parte ser resolvida. Para tal, o contributo da Assembleia da República foi, é e será indispensável.
Ao longo deste debate, ficará provado o pouco que se fez de concreto para debelar todo este flagelo humano. Com efeito, nas últimas décadas, Portugal modernizou-se, mas, infelizmente, em muitos e relevantes aspectos não logrou desenvolver-se.
Em segundo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é nossa convicção de que este debate traduz em grande medida a nossa comum impotência para promover o respeito por leis que aqui foram aprovadas e estão em vigor, mas que, na prática, se vão tornando letra-morta.
Quem, de entre nós, pode acreditar que a melhor resposta ao não cumprimento das leis, à ineficácia dos serviços, à burocratização do acesso aos bens sociais possa ser a aprovação de outras leis, a latere, que também elas, pelas mesmas razões, se tornarão letra-morta? Quem?
Quantos, de entre nós, se sentem efectivamente lesados pelo não cumprimento da lei da protecção da maternidade e da paternidade? A quantos de nós afecta realmente um mau sistema de saúde? Quantos de nós se sentiram alguma vez discriminados pela violação das leis laborais? Poucos, certamente! E talvez por isso possa ser hoje aqui sustentável que a melhor resposta a leis não cumpridas, a leis desadequadas, a leis inexistentes, à falta de políticas de promoção e desenvolvimento, de apoio à maternidade, às mulheres, à família, às crianças seja afinal a despenalização do aborto.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que as mulheres portuguesas pedem a este Parlamento é que ele se empenhe em criar-lhes melhores condições. Melhores condições para terem os filhos que querem e não os filhos que lhes consentem. Melhores condições para os criar: casa, equipamentos sociais, transportes.

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O que as mulheres pedem a este Parlamento é um real acesso aos cuidados de saúde, ao planeamento familiar, a uma gravidez vigiada, a um diagnóstico pré-natal atempado, a um parto seguro.
O que as mulheres portuguesas pedem ao Parlamento é que não sejam discriminadas por serem mulheres e quererem ser mães na admissão e permanência no seu posto de trabalho.
O que as mulheres portuguesas pedem é que este país, que envelhece assustadoramente, as distinga pela positiva, porque só através delas poderá conseguir a indispensável renovação geracional.
O que alguns neste Parlamento lhes querem dar é algo de muito diferente.
Com efeito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, manifestada a nossa incapacidade ou falta de coragem política para lutar contra as causas, dar-lhes-emos uma licença para matar.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PCP.

Uma espécie de prémio de consolação, uma gigantesca armadilha que dará a alguns, embora por pouco tempo, a ilusão de que tudo ficou resolvido, a pobreza, o sofrimento, a ignorância, a injustiça, o abandono e a solidão.
Se os projectos de lei em apreço fossem aprovados, todos se aperceberiam, em breve, que as verdadeiras causas permaneceriam inatacadas. Só uma coisa se alteraria em definitivo: a confiança em todos nós, a confiança colectiva de que o nosso esforço e o nosso trabalho seriam capazes de mudar, reformar e melhorar. A confiança no factor humano, a confiança na vida! Temos de concordar que seria uma alteração qualitativa negativa, que seria um gigantesco passo atrás.

Aplausos do CDS-PP, de pé, e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Rui de Almeida, Luísa Mesquita, José Barradas e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, vou colocar-lhe duas questões.
A primeira está relacionada com o alargamento dos prazos da interrupção voluntária da gravidez. Os três projectos de lei apresentados ou, mais concretamente, aquele de que é autor o Sr. Deputado Strecht Monteiro defende o alargamento desses prazos. Como certamente terá tido oportunidade de verificar quando assistiu às audições parlamentares que a Assembleia da República promoveu, a esmagadora maioria da comunidade médico-científica atrevo-me a dizer - nacional e internacional apela para a necessidade de actualizar os prazos da lei portuguesa, que tem 13 anos.
Assim, as alterações propostas constituem uma exigência do desenvolvimento científico e aproveito para relembrar que apenas 39% dos resultados, aproximadamente, são obtidos até às 16 semanas.
No nosso entender, como esse alargamento é uma medida necessária e positiva, pergunto se V. Ex.ª acompanha, ao menos, esta necessidade imposta pelo desenvolvimento científico. E, já que colocou a questão no campo da ética, elevava um pouco a discussão para questioná-la sobre se considera ou não eticamente reprovável intervir porque, às vezes, é eticamente mais reprovável não intervir em situações destas.
A segunda questão tem a ver com a experiência que V. Ex.ª adquiriu ao longo de algum tempo como gestora de uma grande maternidade - a Maternidade Doutor Alfredo da Costa.
Perante o que se passava neste domínio a nível do País, tinha ou não V. Ex.ª conhecimento do sofrimento humano de que há pouco falou? E desculpar-me-á a próxima pergunta mas é consequência desta dúvida: o que fez então V. Ex.a, porque não devemos desculpabilizar-nos in nomine, até porque também foi responsável?
Permita-me ainda que lhe coloque uma última questão: nem ao menos admite a interrupção no caso de fetos inviáveis, que a actual lei só prevê que possa concretizar-se até às 16 semanas? E os casos de fetos inviáveis detectados após as 16 semanas, antes do próprio nascimento? Como eram resolvidas estas questões concretas na maternidade que V. Ex.ª dirigiu, sabendo que, inclusivamente, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida considera, neste caso, o feto um corpo estranho, pelo que importa resolver este problema?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, vou tentar ser breve.
Ainda que tenha pouco tempo, respondo às duas perguntas que me colocou, dizendo que, sobre a questão do feto inviável, na Maternidade Doutor Alfredo da Costa e por minha responsabilidade, porque eu não era gestora mas directora, e, como tal, a responsável máxima dessa Maternidade, os fetos inviáveis nunca constituíram qualquer espécie de problema. Considerámos que era de fazer a interrupção da gravidez a qualquer momento, fizemo-la e assumi essa responsabilidade. É que, para mim, estas questões não são novas mas antigas.
Sempre entendi que a resposta ao alargamento dos prazos tinha de vir da comunidade científica portuguesa e não de outra sede. Mas, para minha grande pena, Sr. Deputado, a comunidade científica portuguesa não se pronunciou de forma clara. O senhor sabe perfeitamente que há diferentes tipos de diagnóstico e, enquanto é provável que um diagnóstico se possa, com o desenvolvimento, cada vez fazer mais cedo, é provável que outro diagnóstico comece a dar algumas indicações cada vez mais tarde.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Para esta questão ser tipificada com prazos tão diferentes como 16 semanas, 24 semanas e até 30 semanas era da maior importância que fosse tratada na vertente científica. Ora, a questão aqui trazida estava, do ponto de vista científico, muito obnubilada.
Respeito a situação do Dr. Manuel Strecht Monteiro, que trouxe aqui a sua experiência pessoal e o quanto ela foi penosa mas, do ponto de vista científico, não houve um esclarecimento cabal aos Deputados nem ao País, o que lamento como portuguesa e Deputada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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A Oradora: - Finalmente, apesar de não gostar de falar de mim, quero dizer-lhe o que fiz na Maternidade Doutor Alfredo da Costa.
Como Directora da Maternidade Doutor Alfredo da Costa, perante qualquer mulher que fosse a uma consulta de diagnóstico pré-natal, responsabilizávamo-nos em levar tudo até ao fim, fosse como fosse, por considerarmos que uma mulher não pode, de maneira alguma, encontrar-se na situação de, porque a correspondência para o Porto demora muito (na altura, para o Centro de Genética do Porto), ser-lhe dito, na véspera, «vá-se embora, porque já não temos nada a ver com isso». Inclusivamente, apanhámos casos que, como bolas de pingue-pongue, vinham da maioria dos hospitais do País. Eu conheço o País, Sr. Deputado, e é por isso que acho que esta discussão devia ser feita noutros termos.
Quero dizer-lhe que fizemos todas as interrupções voluntárias de gravidez que estavam contempladas na lei, que caíam na previsão legal.
Quero dizer-lhe que organizámos os objectores de consciência de forma a poderem objectar consciência sem nunca prejudicarem o regular funcionamento de um serviço público.
Quero dizer-lhe que fizemos o planeamento familiar no puerpério, altura em deve ser feito na maternidade e não vagamente nos centros de saúde.
E quero dizer-lhe que começámos corajosamente as laqueações de trompas reversíveis e irreversíveis, conforme as situações, também numa interpretação aberta da lei, porque é assim que se tem de estar na vida quando não estão em causa coisas essenciais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, o debate que hoje aqui nos traz envolve convicções, sentimentos, dramas e, por tudo isto, merece respeito, rigor, seriedade, coerência.
Partindo desta premissa fundamental, considera a Sr.ª Deputada que os problemas sociais e de saúde se resolvem com outros instrumentos legislativos - já o disse hoje aqui duas vezes.
De facto, iniciativas legislativas como aquelas que o Partido Comunista Português apresentou em 1982, relativas à protecção da maternidade, ao planeamento familiar e educação social, constituem instrumentos fundamentais
sem exclusão daqueles que estão hoje em debate e que são complementares e fundamentais na consecução da defesa dos direitos da saúde da mulher.
Sr.ª Deputada, por que votou o CDS-PP contra estas iniciativas? Já hoje falou das grandes dificuldades que a aprovação do projecto de lei do Partido Comunista Português poderia ocasionar aos serviços nacionais de saúde.
Recordo que, por exemplo, o CDS-PP viabilizou o Orçamento, logo, o orçamento da saúde. Mas, extremamente preocupado com as consequências que poderiam ocorrer nos serviços nacionais de saúde, o proponente sugeriu mesmo
a existência de lista de espera para a realização das interrupções voluntárias da gravidez, o que parece constituir mais um dos impedimentos ao voto favorável do PP relativamente aos projectos de lei hoje em discussão.
Provavelmente, a Sr.ª Deputada e a sua bancada consideram mais cómodo e simples que as listas de espera funcionem antes nos locais clandestinos para o aborto clandestino. É que aí não se vê e nos serviços de saúde toda a gente vê. Ou considera, antes - talvez haja uma outra hipótese -, que estes locais clandestinos onde as mulheres morrem possuem condições de saúde e de segurança excelentes e ideais para as mulheres portuguesas, para os tais direitos que a Sr.ª Deputada diz defender, que os serviços nacionais de saúde não possuem?
Quando falou da grande sensibilidade que o CDS-PP e, concretamente, a Sr.ª Deputada têm para as questões sociais, reforçou-se em mim essa lembrança daquele outro momento da história portuguesa em que a miséria e a pobreza atingiam extensas camadas da população portuguesa mas a mendicidade era proibida pela legislação; no entanto, acontecia com a cumplicidade dos portugueses que não permitiam que os outros portugueses morressem à fome.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino de seguida, Sr. Presidente.
A Sr.ª Deputada só terá de dizer com toda a clareza nesta Câmara se pretere uma legislação que pareça e uma realidade que é. Daí que a Sr.ª Deputada tenha de clarificar se quer ou não as mulheres portuguesas na cadeia, se quer o aborto clandestino ou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se quer a liberalização clandestina ou a despenalização regulamentada, séria e segura para todas as mulheres, principalmente para aquelas que a Sr.ª Deputada ignorou quando votou a favor da lei das 50 horas e contra a proposta de alteração a essa lei que defendia as mulheres grávidas e as mães dos deficientes.
Sr.ª Deputada, estas questões têm de tratar-se com rigor, seriedade e coerência. Não pode ser hoje uma coisa e amanhã outra!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, como misturou dois planos nas suas perguntas, vou tentar distingui-los de imediato. Há uma coisa que nos separa completamente e é bom que isso fique claro: eu falei em nome do feto e a senhora nunca falou em nome do feto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Eu considero que, no caso da despenalização até às 12 semanas, há um conflito entre dois direitos e, do meu ponto de vista, bem como do da minha bancada, que é tão válido como o da sua, prevalece, até às 12 semanas, sem qualquer motivo, o valor e o direito do feto. Esta é uma distinção total e absoluta e não vale a pena discutirmos sobre ela.
Quanto ao resto, importa fazer nova distinção, que é mais curiosa, porque não se situa no plano dos valores mas no da eficácia. Todo o discurso do Partido Comunista Português - e o projecto de lei apresentado reflecte-o tem em conta as consequências e eu acho, Sr.ª Deputada, que estamos aqui para combater as causas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Não estamos aqui para fazer listas de consequências.

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Sr.ª Deputada, como é possível que, ao fim de 13 anos, se esteja aqui a dizer o mesmo e ninguém se preocupe com o facto de, daqui a outros 13, repetir o mesmo?
Acho que a nossa obrigação é a nível das causas e não a nível das consequências. Por que é que há aborto clandestino em Portugal? É porque não há aborto legal? Eu acho que não! Há aborto clandestino em Portugal por um conjunto muito grande de causas e a despenalização do aborto era apenas uma consequência dessas causas para atenuar a consequência pior do aborto clandestino. Nessa medida, eu não sei fazer política, Sr.ª Deputada!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Barradas.

O Sr. José Barradas (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, sabe o respeito que tenho V. Ex.ª. Entenda, pois, as minhas perguntas, que são duas, muito simples, como prova desse respeito.
Não fui ungido com o nobre direito de conceber, falta-me esse elemento essencial que é sentir a maternidade. Contudo, fui chamado a decidir e vou fazê-lo no local próprio, aqui, onde ainda é visível o estatuto actual da mulher - uma maioria da população, uma minoria da representação.

Vozes de algumas Deputadas do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada, ter um filho não é um dever mas um direito, uma escolha, e é essa liberdade de escolha que a mulher portuguesa quer ter.
Parece-lhe justo, Sr.ª Deputada, partir para um debate colocando a mulher numa posição de irresponsabilidade, de insensibilidade, de marginalidade? Parece-lhe recomendável tratar a mulher como um mero receptáculo, como um depósito, como uma fábrica de bebés?
Por outro lado, o PS foi o primeiro partido que, após o 25 de Abril, propôs a despenalização do aborto terapêutico e eugénico. Fê-lo durante o I Governo Constitucional quando era Ministro da Justiça o actual Presidente da Assembleia da República, Sr. Dr. Almeida Santos. Depois, em sede de revisão constitucional, propôs o direito à objecção de consciência como direito de carácter geral e não só para o serviço militar. Hoje, é do nosso seio que saem dois projectos de lei, demonstrando que somos um partido plural, que admite e aceita as diferenças sem que elas nos dividam. É seguramente um factor de crescimento democrático que saúdo. Contrariamente ao que outros nos habituaram, defendendo o princípio de que o que é bom para a abelha-mestra é bom para a colmeia, preferimos o primado de que o que é bom para a colmeia é bom para a abelha-mestra.
A minha pergunta é simples. Em toda a Europa, com excepção absoluta da Irlanda, a IVG é possível. Há recomendações do Parlamento Europeu para que se proceda à harmonização legislativa sobre o aborto na Europa. Assim, pergunto: são os Deputados europeus retrógrados, desrespeitadoras da vida do feto e da vida humana, Sr.ª Deputada?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, tenho o mais profundo respeito por todas as convicções pessoais ou religiosas, quaisquer que elas sejam, mas gostaria que as mulheres portuguesas fossem tratadas da mesma forma, tanto mais que a Sr.ª Deputada adoptou o discurso de falar nos problemas sociais das mulheres.
Aproveito para sublinhar que não respondeu às questões que a minha camarada lhe colocou quanto a saber como é que o CDS-PP tinha votado leis laborais. Em todo o caso, recordo que votaram contra o abaixamento da idade de reforma para as mulheres.
Ora, considero que seria coerente no seu discurso se não se tivesse pronunciado de determinada forma. É que, Sr.ª Deputada, não é a mim que ofende quando diz que nós queremos «passar licença para matar» - não me ofende absolutamente nada - mas ofende as mulheres que recorrem ao aborto clandestino! Elas ouvirão que a Sr.ª Deputada as considera como alguém que vai «tirar uma licença de assassina»! Foi isto que a Sr.ª Deputada disse. Aliás, fundamentou essas suas palavras de uma forma que desculpe que lhe diga -,embora eu considere que tem um empenhamento pessoal de acordo com crenças absolutamente respeitáveis, a levou a exceder tudo.
A Sr.ª Deputada citou a Bíblia - «Não matarás!». Durante as audições parlamentares sobre o aborto, a Sr.ª Deputada perguntou, perante o espanto de todos visto estarmos num Estado laico, à Conferência Episcopal como é que esta aconselhava os Deputados católicos a votarem!
Sr.ª Deputada, por amor de Deus!

Vozes do CDS-PP: - Eh pá!

A Oradora: - Na minha terra diz-se assim! E eu disse de propósito!
Por amor do seu Deus, não misture as coisas, Sr.ª Deputada!
Efectivamente, Sr.ª Deputada, ainda bem que os católicos não são todos iguais e há católicos com muita tolerância!
Aliás, aproveito para informá-la que nos Estados Unidos da América, em 1992, foi feito um inquérito pela empresa Gallup sobre esta questão do aborto e as respostas resultaram em 60% dos inquiridos católicos considerarem que o aborto devia ser despenalizado em todas ou quase todas as circunstâncias, Sr.ª Deputada.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - E o que é que nós temos a ver com isso?!

A Oradora: - A Sr.ª Deputada diz que agora vai fazer tudo sobre as leis laborais, que vai fazer tudo pelas mulheres portuguesas. Acha, então, que é absolutamente impossível os hospitais organizarem-se para fazerem a IVG legal. Há aqui uma contradição.
Finalmente, Sr.ª Deputada, quando invoca o «Não matarás!», pense que, com o seu voto, está a levar mulheres portuguesas para a morte!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Barradas, quero dizer-lhe

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que, obviamente, ter um filho é um direito mas, do meu ponto de vista, a liberdade de escolha situa-se - e, hoje, a mulher tem essa possibilidade mas, como sabe, não a teve até há relativamente pouco tempo - a nível dos métodos anticonceptivos. Nem pode situar-se a outro nível. Sabe porquê? O senhor não é mulher mas eu sou e digo-lhe que é porque, a outro nível, essa liberdade de escolha já vem envenenada, já vem viciada. E as mulheres sabem-no perfeitamente. A liberdade de escolha é tomada no momento certo. Ora, se eu pensar que ela pode ser tomada noutro momento é passar às mulheres um atestado de irresponsabilidade, que eu não passo. E felizmente que o não faço.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Respondendo agora à Sr.ª Deputada Odete Santos, quero começar por dizer-lhe uma coisa, até porque já pensava que a Sr.ª Deputada iria «trazê-la à baila».
Quero dizer-lhe que não represento aqui a Igreja Católica. Não tenho nem mandato nem estatura para representar a Igreja Católica...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tem, sim senhor!

A Oradora: - Eu sou uma humilde filha da Igreja Católica, tal como milhões de pessoas no mundo inteiro.
Quero dizer-lhe que o Evangelho é um grito contra a hipocrisia e é um grande apelo à misericórdia. Exactamente por isso assenta sobretudo na defesa da vida. E quanto a isto, Sr.ª Deputada, já verificámos que não estamos de acordo.
No entanto, quero esclarecer que a pergunta que fiz à Conferência Episcopal não era na qualidade de católica mas de cidadã. A pergunta era esta: não considerando a Igreja que deve haver um referendo, como é que considera que pode haver uma votação? Foi esta a pergunta e não a fiz como católica...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não! A Sr.ª Deputada perguntou o que é que a Igreja aconselha!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, considera realmente que se eu tiver de falar com a Conferência Episcopal tenho de fazê-lo na Assembleia da República? Seria ridículo, Sr.ª Deputada!
Repito que a pergunta que fiz foi como Deputada. Estava a falar-se do referendo, aliás, como se falou em várias audições, e a pergunta que fiz foi a que eu disse...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Há-de vir escrito!

A Oradora: - A pergunta não tem nada de estranho. Fi-la para saber a posição da Igreja relativamente ao referendo e à votação.
Sr.ª Deputada, não entre pelo caminho da religião porque faz muito mal...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quem entrou por aí foi a Sr.ª Deputada!

A Oradora: - Estamos em 1997, num país que é livre, num país que tem tradições fundas nessa matéria. Portanto, não entre por aí porque não tem qualquer razão para tal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: São muitas, muitas mil. Ao certo, desconhece-se o seu número. São mulheres! Mulheres de que não falam as. estatísticas, feitas para ignorar, a sua realidade.
Mulheres, quase meninas algumas, a quem a escola encheu a cabeça de inúteis fórmulas químicas mas não cuidou de ensinar a lidar com o seu próprio corpo.
Mulheres menos jovens, outras, habituadas a ver o seu corpo usado, marcadas no rosto pela dureza da vida, pelos filhos, pela brutalidade do trabalho, resistindo, ainda assim, heroicamente, ao quotidiano com um sorriso alargado.
Mulheres empurradas por razões tão diferentes e paradoxalmente tão próximas, tantas quantas a diversidade de cada pessoa pode abarcar para a dolorosa decisão de interromper uma gravidez.
Uma decisão que não tomaram por gosto. Uma decisão que não tomaram por prazer. Uma decisão que não tomaram por livre opção. Mas uma decisão que tomaram precisamente por falta dela! Uma decisão dolorosa de que, certamente, quem a ela foi poupada dificilmente pode falar.
Mas uma dor que, porventura, poderemos imaginar se, tendo vivido a maravilhosa experiência de uma maternidade livremente escolhida, desejada, esperada e a imensa alegria que, nessas condições, ela comporta, pensarmos na dor das mulheres que, por falta de opções, num dado momento delas são privadas.
Uma realidade que nos leva hoje, Srs. Deputados, a interrogar: com que direito podem alguns falar de opção a mulheres a quem o patrão ameaça com despedimento, se porventura engravidarem?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres cuja casa já não chega para os nascidos, muito menos para mais um?
Com que direito podem alguns falar de opção a uma família atingida subitamente pelo desemprego e que não pode permitir-se já o luxo de outra criança?
Com que direito podem alguns falar de opção a uma mulher quando o planeamento familiar nunca chegou ao seu bairro ou à sua terra, se não sabe o que isso é porque ninguém cuidou de lhe explicar?

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de algumas Deputadas do PS.

Com que direito podem alguns falar de opção a jovens adolescentes que nunca tiveram acesso à educação sexual?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres a quem interditos culturais e religiosos negam a sua sexualidade?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres quando a estreiteza dos prazos hoje previstos na lei não permite a certeza de um diagnóstico seguro e o temor as leva a interromper a gravidez por mera precaução?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Uma realidade que nos leva a questionar todos e cada um de vós em consciência. Com que legitimidade? Com que utilidade? Em ()me de quê? Para espiar que culpas, que pecados?
Com que direito, no fundo, pode um Estado, pode uma sociedade que não assegurou o seu papel social, persistir

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na penalização de mulheres - como se isso resolvesse fosse o que fosse -, persistir em estigmatizá-las, tornando ainda mais difícil aquilo que já o é e lançando nas margens da clandestinidade mulheres entregues à sua solidão, ao seu terror, aos seus medos, à ilegalidade da interrupção de uma gravidez que as exclui e as coloca totalmente fora da lei e fora de quaisquer cuidados de saúde?
Fora da lei, correndo inúteis riscos de mutilações que, porventura irreversivelmente, as poderão impossibilitar no futuro de uma maternidade feliz, jogando em muitos casos a sua própria vida.
Mulheres, a maioria, em lugares sem quaisquer condições de higiene, desumanos e sórdidos, tão sórdidos quanto o rentável negócio que em seu torno se movimenta.
Mulheres, outras menos desafortunadas, buscando noutras paragens a assistência e a segurança que o seu próprio país nega e o seu dinheiro permite comprar, numa situação de desigualdade, ela própria insustentável numa democracia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Problemas reais de um país real, que não qualquer outro, aquele de que estamos a falar: aquele em que o aborto clandestino ainda constitui um gravíssimo problema de saúde pública (sem paralelo na Europa) e constitui a segunda causa de morte materna.
Trata-se, pois - e é essa, hoje, a nossa responsabilidade enquanto Deputados e não qualquer outra -, da responsabilidade de fazer, não juízos de valor, que esses nos não cabem, não considerações morais, esse não é o nosso papel, depois destes longos anos de silêncio que mais se parecem com hipocrisia, centrar o debate nos exactos termos em que ele se coloca. Ou seja, assumindo com frontalidade que a actual lei profundamente penalizadora para a mulher (e, em termos comparativos, das mais restritivas da Europa) se provou inadequada e perversa para os fins que se propunha e que importa aprovar, sem falsos tabus, sem hipocrisias, sem fingir que se não vê o que a realidade mostra, uma nova lei que, caminhando diferentemente pela despenalização e pelo alargamento dos prazos, atinja os objectivos que outros, por essa mesma via, souberam alcançar: a protecção da vida, o fim da ilegalidade do aborto, a sua redução progressiva.
Alterações no sentido de permitir o alargamento de prazos propostos, ajustar-se à evolução da técnica e da ciência médica e dela fazer beneficiar a mulher com vantagem, recorrendo ao diagnóstico pré-natal e, nesta visão claramente pró-natalista, evitar inúteis interrupções por mera precaução.
Alterações que equacionem a maioria das situações na base das quais o aborto ilegal e inseguro no nosso país se pratica: falta de informação; falhas nos métodos contraceptivos; instabilidade na vida da mulher; exclusão social.
Alterações que não vêm colocar a interrupção da gravidez, no entendimento de Os Verdes nem tão pouco no entendimento de nenhum dos subscritores dos projectos de lei em discussão, como método contraceptivo, com o qual se não confundem mas, antes, como um meio que, em caso de recurso, a ninguém a seu pedido deve ser negado, no quadro da prestação dos cuidados de saúde.
Um recurso que não desresponsabiliza em caso algum o Estado de cumprir as funções de que manifestamente tem estado arredado. Informando, prevenindo, implementando a educação sexual dentro e fora das escolas, apoiando, divulgando e promovendo o planeamento familiar, valorizando a função social da maternidade e da paternidade, apoiando a família.
Um recurso e um direito que se quer reconhecido mas que não obriga ninguém. Nem tão pouco deve dar a quem contra ele legitimamente possa estar o direito de o negar e sujeitar outrem ao risco da humilhação, da clandestinidade, da ilegalidade, do perigo de vida.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de algumas Deputadas do PS.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O direito à vida e a viver a vida é para nós, Os Verdes, um direito inalienável que se respeita mas não se concebe sem ser em coerência e numa perspectiva mais ampla. Aquela que nos faz recuar a guerra e a indústria de morte que a alimenta. Aquela que nos faz recusar a pena de morte e os que dela são partidários. Aquela que nos faz rejeitar os que falam de idosos, como se de um estorvo se tratasse. Aquela que nos faz denunciar a hipocrisia de quem silencia a marginalização das crianças e só ergue a sua voz quando em marginais transformados.
Um direito à vida, pois, para nós só entendível desde que respeite a liberdade sexual de cada mulher, fazendo do nascimento não o fruto de um mero acto biológico, automático, casual mas na dimensão humana diferenciadora das outras espécies da natureza naquilo que a transcende e engrandece. Ou seja, fruto do desejo, da vontade de uma maternidade e paternidade livremente assumidas.
Um direito à vida que, para nós, Os Verdes, se inicia e é inseparável do direito ao amor.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate conjunto sobre os projectos de lei em apreço não poderia limitar-se a um debate mais ou menos apaixonado, mais ou menos alinhado com qualquer desses diplomas e portanto, em nossa opinião, este é o momento privilegiado para uma efectiva avaliação social, política e humanitária sobre a situação pós-Leis n.ºs 3/84 e 6/84, respectivamente a Lei de Educação Sexual e Planeamento Familiar e a Lei de Exclusão da Ilicitude em Alguns Casos de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
Importa, pois, neste momento privilegiado, que sejamos capazes de, com serenidade, com profundidade e com verdade, analisar o que mudou, o que se passa, qual o estado de coisas em matéria de interrupção voluntária de gravidez, e não só. Aspectos como a natalidade, a sexualidade, a acessibilidade das mulheres ao será iço de saúde para apoio em situações de planeamento familiar, de aconselhamento sexual e de anticoncepção, bem como de vigilância adequada da gravidez e de apoio em situações de interrupção voluntária da gravidez já previstas na actual lei merecem de todos nós uma perspectiva de avaliação, para se saber o que mudou e como estão as coisas.
Considerando os dados fornecidos pela Direcção-Geral de Cuidados de Saúde Primários, e em jeito de avaliação - é nessa perspectiva que me coloco -, importa aqui, de modo sumário e breve, analisar alguns elementos relativos à anticoncepção e ao planeamento familiar no nosso País.

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Em 1980, apenas 28,8% das mulheres utilizavam o método anticonceptivo hormonal como meio de evitar uma gravidez não desejada e, em 1993, cerca de 52% dessas mulheres já utilizavam anticoncepção hormonal. Faço esta referência para introduzir o seguinte tema: quando hoje debatemos alterações profundas à actual lei, não podemos fazê-lo sem debater, também, se estão ou não criadas as condições para que todas as mulheres, neste momento, em Portugal,...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado, uma vez que já excedeu os três minutos dispensados pelo seu partido.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Neste momento, dizia, a questão que se coloca é a de saber se as mulheres e os casais deste país têm ou não condições para praticar a anticoncepção a que têm direito, podendo assim evitar muitas das situações de interrupção da gravidez.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mendo.

O Sr. Paulo Mendo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estão em discussão neste Plenário três projectos de lei, dos quais dois propõem uma modificação radical do actual enquadramento legal da interrupção voluntária da gravidez (IVG).
Com efeito, quer o projecto de lei n.º 177/VI, da iniciativa do PCP, quer o projecto de lei n.º 236/VII, da iniciativa de alguns Deputados do PS, propõem a licitude da interrupção voluntária da gravidez quando esta é realizada dentro das primeiras 12 semanas a pedido da mulher.
É este o ponto fulcral do nosso debate.
O que está em causa é a aceitação do princípio de que só à mulher cabe a decisão de levar a sua gravidez até ao fim, o que está em causa é a aceitação de que a lei portuguesa deve acolher o princípio de que a mulher pode, nas primeiras 12 semanas, interromper a sua gravidez, por sua livre iniciativa.
Primeiro que tudo, devemos afirmar que se trata, quanto a nós, de assunto de tal importância e delicadeza que deve ser referendado pelo povo português,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... como está proposto pelo meu partido e que mereceu já aceitação por parte do Partido Socialista, embora condicionada ao resultado deste debate.
O referendo tem aqui uma das suas mais lógicas justificações, pois todos sabemos e sentimos que se trata de assunto que tem a ver com as convicções mais íntimas das pessoas, cuja discussão tem levantado posições «fundamentalistas» de grande violência - que, ainda há pouco tempo, se traduziram, nos EUA, no ataque a uma clínica e assassínio de um profissional de saúde. E é patente que, também entre nós, a questão do aborto a pedido nos divide profundamente e pode tornar-se num perigoso factor de conflitualidade social.
Não pode a Assembleia, em assunto de tal melindre, fomentar esta conflitualidade e aceitar que se criem antagonismos perigosos e irredutíveis entre portugueses.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não podem os partidos que compõem esta Assembleia pretender exprimir o sentir profundo da sociedade, que sabemos dividida, atribuindo-se a si próprios uma delegação de poderes que manifestamente ultrapassa a representatividade política que pediram nos seus programas e que os eleitores em nós delegaram.

O Sr. Augusto Torres Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não podem os partidos, após uma simples discussão política, por muito profunda e aberta que seja, considerar-se, ética e politicamente, preparados para tomar outra posição que não seja a de, prudentemente, deixarem como está o actual enquadramento legal, independentemente de poderem aceitar a modificação dos prazos de intervenção previstos na lei e perguntarem a opinião dos portugueses.
Discordamos, pois, veementemente, que o PCP e o PS tenham impedido que a nossa proposta de referendo fosse discutida previamente. De qualquer modo, os projectos de lei aí estão e sobre eles cumpre-nos tomar posição.
Julgam os subscritores dos projectos que a despenalização do abortamento dentro das primeiras 12 semanas irá resolver o problema do aborto clandestino, porque dá à mulher o direito de decidir, sem perigo de ser punida, sobre uma gravidez que não desejou. Será isto verdade? Seguramente que não. Muitos dos abortamentos feitos clandestinamente continuarão a ser feitos em condições deploráveis e o número de nascituros será cada vez menor. E isto porque o primeiro e fundamental problema social a resolver não é, numa fuga para a frente; tornar lícito o aborto por simples decisão de uma das partes, aumentando a irresponsabilidade social mas, sim, informar, educar, incentivar e proteger a maternidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tratar as causas, prevenir, fará diminuir os abortos; liberalizá-los nas condições actuais da nossa cultura apenas servirá para aumentar o mercado clandestino e os seus riscos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma activa política de incentivos à maternidade é o único caminho que qualquer partido que aspira ou detém responsabilidades governativas tem de seguir.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A taxa de natalidade em Portugal é tão baixa que não nasce actualmente no nosso país o número de crianças suficiente para garantir já não o crescimento da população mas a simples substituição das gerações.
A taxa de fecundidade que devia ser de dois filhos por mulher, para garantir pelos menos a estabilidade da população, foi decrescendo até 1,5, valor que parecia estabilizado em 1989, mas que voltou a decrescer desde 1993, sendo actualmente de 1,1, uma das taxas mais baixas do mundo - só entre 1993 e 1994 nasceram menos 4747 crianças.
Entre os dois censos de 1981 e 1991, a faixa etária dos 10 aos 14 anos diminuiu em 500 000 indivíduos! Existem em Portugal 32,1% de casais sem filhos, o que significa que há 800 000 lares sem crianças!

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Por isso, a criança, para além do valor humano, afectivo e insubstituível que sempre foi na história social da humanidade, é, cada vez mais, um ser precioso que é necessário proteger, amparar, educar e preparar para garantir a nossa continuidade como espécie humana.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Orador: - A sociedade portuguesa tem todos os meios necessários e suficientes para garantir a todos os bebés que nasçam na nossa comunidade boas condições de desenvolvimento físico e psíquico que lhe proporcionem uma vida saudável e normal, mesmo que a mãe não se sinta capaz de ser ela a arcar com essa responsabilidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A garantia de acesso a estas condições, a facilitação da adopção, a protecção financeira e social da grávida e da jovem mãe são os caminhos a seguir politicamente para estimular a maternidade e lutar contra o aborto por razões sociais.
Regulamentemos a lei existente, definindo e publicitando as instituições, públicas e privadas, onde pode ser feita a interrupção terapêutica da gravidez, sempre que for caso disso, comprometendo-se essas instituições - e nunca os objectores de consciência - a dispor sempre de equipas disponíveis. Esses, sim, são objectivos que claramente competem aos políticos e pelos quais estes se devem sentir motivados e responsáveis.
Portugal tem de ter uma clara política natalista que faça acontecer na nossa sociedade um baby boom que inverta a nossa caminhada para o desaparecimento e que nada faça para a poder contrariar.
A sociedade tem de tudo fazer para que a maternidade e a substituição das gerações se façam da forma mais feliz, quer do ponto de vista biológico quer social. Se isso suceder, apenas haverá aborto por razões médicas, motivadas por patologias orgânicas do feto ou orgânicas e mentais da grávida.
Precisamente porque a ciência é já capaz de planear a maternidade, de seguir a gravidez, de detectar doenças no feto, de fazer com que o parto não tenha riscos para a mãe e porque a educação sexual da sociedade derrubou tabus e falsas morais, tornou naturais atitudes e comportamentos ainda pecaminosos há uma geração, generalizou os anticoncepcionais, precisamente por tudo isto é que o aborto sem indicação médica vai desaparecer.
Despenalizado já está ele pelo natural comportamento da sociedade. Torna-se agora necessário que desapareça, não que se legalize, o que seria um convite à sua utilização quando é precisamente o contrário que queremos.
Se os políticos fizerem o que devem em relação à protecção da maternidade, ao apoio aos casais e famílias monoparentais, à simplificação da adopção, restarão apenas, como abortos clandestinos, infelizmente, aqueles que sempre serão clandestinos, com ou sem lei permissiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, uma pergunta perversa, esperando que faça pensar os autores dos projectos lei em apreço: sabem os Srs. Deputados que já existe a chamada pílula das 72 horas, que impede a nidação do ovo e que se encontra já em uso, de uma forma corrente e com o mercado bem abastecido em França, na Suécia, na China e, dentro em pouco, nos Estados Unidos da América, um medicamento abortivo - o RU 486, Mifepristone - de resultados seguros dentro das primeiras nove semanas da gravidez, sem efeitos secundários e mesmo menos perigoso que um aborto feito com anestesia geral?
E já repararam que isto significa que, dentro de muito pouco tempo, quer queiramos quer não, com estes medicamentos, a gravidez, tal como a concepção, dependerá da vontade da mulher, o que torna mais imperioso ainda que a maternidade seja desejada e que, tornando-se mais fácil o aborto, maior deva ser a responsabilidade social da maternidade e menos justificável o aborto sem razão?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, e concluindo, aprovo na generalidade o projecto do PS assinado pelo Deputado Manuel Strecht Monteiro, que deverá ser sujeito ainda a várias correcções, mas votarei contra, sem qualquer hesitação, os projectos que têm uma visão anti-natalista, demagógica e fomentadora de profundas divisões na sociedade portuguesa, como é o caso dos projectos da iniciativa do PCP e de Deputados membros da Juventude Socialista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se fosse verdade aquele velho truque dialéctico segundo o qual nem os pró-abortistas defendem o aborto, mas apenas tentam combater o aborto clandestino despenalizando-o, então este debate estaria errado e estaríamos todos aqui a fazer um debate sobre a defesa da vida, sobre a reforma do nosso inepto sistema de saúde e sobre a incapacidade de o Estado cumprir as leis que ele próprio fez sobre a protecção da maternidade e da paternidade.
Mas não: o verdadeiro debate que aqui está a acontecer não é o da defesa da vida é o da organização pública da morte!

Protestos do PS.

Desde já é preciso sublinhar que, nesta matéria, uma declaração legislativa isolada para inserir num artigo qualquer do Código Penal, sendo suficiente para destruir só por si um sistema de normas, não basta de modo algum para o substituir por outro sistema de normas que possa servir de orientação a todos os interessados, à classe médica e às autoridades administrativas e judiciárias. E bastando para destruir um sistema normativo, mas não bastando para criar outro em seu lugar, uma declaração isolada desse tipo, que tira e põe umas quantas frases no Código Penal, como se este não fosse simplesmente um elemento de um todo muito complexo, em que se incluem também normas clínicas, de saúde pública, hospitalares, assistenciais, administrativas e, até, de direito privado, desde o direito de família ao direito dos contratos de seguro, é absolutamente insuficiente e pode tornar-se altamente perigosa, como instrumento de política de maternidade e saúde pública.
As brechas que uma declaração legislativa avulsa desse tipo abre no sistema criariam uma terrível incerteza e insegurança, não só nas famílias e na vida social mas também na actividade médica e na prática hospitalar, a que

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acrescerão naturalmente as incertezas na aplicação da lei por parte da Administração Pública e das autoridades judiciárias, expondo assim todos os participantes a dúvidas, litígios, suspeitas e acusações, que criarão males muito maiores do que os que se afirma pretender evitar.
Nesta matéria, um projecto de alteração legislativa fundamental que se resuma a tirar ou pôr umas frases no Código Penal é já, de antemão, inidóneo, por razões que eu diria de simples competência legislativa e dignidade institucional, mesmo antes do juízo que possa merecerem substância e por razões de fundo.
Os proponentes de modificações fundamentais nesta matéria não podem furtar-se ao dever intelectual e ao ónus político de apresentar um modelo de regulamentação global, coerente e com um mínimo de clareza e segurança a todos os níveis, clínicos, de saúde pública, de gestão hospital, assistencial, administrativos é de Direito de Família, que seriam afectados pelas modificações pretendidas.
Sem essa regulamentação não é possível sequer apreciar seriamente o valor e a possibilidade política e prática das alterações propostas. E aprovar essas alterações sem a regulamentação complementar indispensável seria sempre, no mínimo - e ainda que fossem boas em si mesmas, que não é o caso -, avançar à toa para o caos e para males muito maiores do que os que os seus proponentes afirmam pretender evitar.
Dito isto, tomemos o projecto de lei do PCP como obra-prima do absurdo jurídico e da irresponsabilidade social. Ao contrário do aconchego no Direito Comparado que os seus escribas gostam de invocar, não é possível encontrar analogia alguma com a despenalização do aborto que tem sido proposta em alguns países.
Sem entrar em pormenores, que o tempo me não consente, e procurando referir apenas o essencial do essencial, chamarei a atenção do Srs. Deputados para o seguinte: as legislações que têm ampliado os fundamentos de não punibilidade do aborto preocupam-se com a repressão do aborto clandestino e no encaminhamento das interrupções de gravidez para os meios médicos, desiderato este que implica, nomeadamente, que a não punibilidade do aborto esteja condicionada à intervenção de médicos e estabelecimentos autorizados; que os fundamentos admitidos sejam objecto de avaliação independente e idónea e a sua verificação susceptível de prova; que o aborto sem os fundamentos admitidos na lei seja proibido; que o aborto clandestino, realizado em condições ou estabelecimentos não autorizados e sem o procedimento legal de verificação e prova dos fundamentos seja proibido.
A proibição do aborto em todos os casos não expressamente declarados impuníveis pela lei traduz-se sempre, desde logo, na sujeição a pena dos terceiros que executem ou favoreçam o aborto fora dos limites legais, isto é, que tenha sido verificado algum dos fundamentos admitidos, ousem observância do procedimento prescrito de verificação e prova desses fundamentos, ou fora dos estabelecimentos autorizados.
Traduz-se também na sujeição necessária a pena da grávida que aborte em condições declaradas ilegais, na proibição e penalização da propaganda e oferta ao público de meios e serviços abortivos, fora dos procedimentos e canais próprios da divulgação científica na classe médica e nos estabelecimentos autorizados e, enfim, na regulamentação cuidadosa, em legislação complementar, dos procedimentos administrativos e clínicos a adoptar pelos médicos e estabelecimentos autorizados, bem como dos procedimentos administrativos pelos quais as autoridades hão-de licenciar estes estabelecimentos e fiscalizar a sua actividade.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em contraste, o projecto do PCP revoga o n.º 3 do artigo 140.º do Código Penal, o que significa que passa a ser lícita, sem qualquer limite de prazo ou fundamento, a acção da grávida; não dispõe norma ou providência alguma sobre a prevenção e a repressão de propaganda e serviços abortivos fora das condições legais, designadamente fora dos estabelecimentos autorizados; não apresenta regulamentação alguma dos procedimentos administrativos e clínicos a adoptar, em cada caso individual, pelos médicos e estabelecimentos autorizados a interromper a gravidez, nem sobre os procedimentos de licenciamento e fiscalização pelas autoridades.
Que se poderia esperar de um projecto de lei com esta estrutura? A omissão da proibição da propaganda e oferta de meios e serviços abortivos não autorizados e da previsão da respectiva sanção acarretaria, inevitavelmente, que, na prática, se multiplicaria, de facto, toda a sorte de actividades irregulares, preciosíssimas para quem quisesse abortar e intoleráveis do ponto de vista de qualquer política de saúde pública digna desse nome, vendo-se as autoridades impotentes para jugular estes comportamentos.
A omissão de uma regulamentação complementar, pelas razões que já sumariamente expus, criaria toda a espécie de incertezas, de que seriam vítimas todos os interessados, os médicos e o pessoal hospital, as autoridades administrativas e as autoridades judiciárias.
Estas omissões são extraordinárias e fazem do projecto do PCP não um projecto de interrupção voluntária de gravidez mas um projecto de verdadeira destruição da gravidez.
Mas há no projecto um outro vício ainda mais extraordinário: colocando-nos no ponto de vista dos proponentes do projecto, queremos crer que o seu objectivo é, como afirmam, desincentivar o aborto clandestino.
Nos modelos estrangeiros que conhecemos, caracterizados pelas linhas gerais que ficam referidas, esse objectivo é realizado pela despenalização do aborto quando realizado, e só quando realizado, em condições de controlo e segurança definidos por lei, nomeadamente por médicos e em ambiente hospitalar.
Naturalmente, o âmbito de licitude da interrupção da gravidez coincide então com o âmbito de licitude da intervenção médica e da assistência hospitalar, e, portanto, com a possibilidade de a grávida recorrer a serviços clínicos idóneos para obter o que a lei - bem ou mal (e toda a gente sabe que penso que mal, mas estou a tentar pôr-me no lugar de um observador que, por hipótese, pensasse como os proponentes) - lhe permite fazer.
Não passou, evidentemente, pela cabeça de qualquer legislador estrangeiro permitir às grávidas o aborto, mas ao mesmo tempo proibir que lhes assistam - em abortos, aliás, declarados lícitos! - todos aqueles que estão clinicamente preparados para isso. É o mesmo que dizer às grávidas: podeis abortar sem limite, se quiserdes e quando quiserdes, aos 4, aos 6, aos 7 ou aos 8 meses, mas tereis de fazê-lo clandestinamente! Acham a ideia absurda? Eu acho! Mas o PCP não acha.
A verdade é que é isto mesmo que o projecto do PCP propõe, ou seja, que o aborto seja livre sem qualquer fundamento e sem qualquer prazo. Na verdade, o projecto,

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eliminando por completo a proibição hoje constante do n.º 3 do artigo 140.º do Código Penal, autorizaria as grávidas a abortarem sempre que livremente o entendam e sem qualquer limite ou fundamento, depois das 12, das 16 semanas, ou de qualquer outro prazo, por todo o tempo da gravidez, e portanto também, por exemplo, aos 7 ou aos 8 meses e meio; por outro lado, porém, os médicos e os hospitais não poderiam assistir a essas interrupções de gravidez fora dos limites do artigo 142.º
Isto é o mais requintado maquiavelismo, a que se recorre simplesmente para destruir o sistema actual, introduzindo agora normas inexequíveis, com intenção de mais tarde, aproveitando a confusão e a perplexidade gerais que terão causado, fazer passar, numa correcção atabalhoada e de emergência o que agora ninguém aceitaria a pretexto de que a terra estará queimada e já não haverá nada para salvá-la. Maquiavelismo que, em boa verdade, melhor seria chamar requentado do que requintado, porque é truque já muito visto e que dificilmente enganará ainda alguém, ou então é, pura e simplesmente, uma monumental inépcia, o mais completo absurdo político que alguma vez terá sido proposto nesta matéria a qualquer parlamento de países civilizados.
Porque de duas uma: ou o aborto é proibido fora das condições do artigo 142.º, e então compreende-se que não seja permitido nos hospitais e que os médicos não possam assistir a grávida num acto que é ilícito - mas terá de ser também proibido à grávida, como aliás acontece em todas as legislações semelhantes que conhecemos -, ou o aborto é totalmente livre, como o passaria a ser pela revogação completa do n.º 3 do artigo 140.º, e, sendo lícito que as grávidas decidam interromper a gravidez por todo o tempo de gestação e sem qualquer fundamento definido por lei, então é absurdo que um legislador que se diz preocupado com os riscos do aborto clandestino afinal interdite às mesmas grávidas o recurso a assistência clínica e hospitalar, empurrando-as de facto para as mãos de curandeiros ou negociantes, fora de todo o controlo das autoridades clínicas e administrativas!
Neste extraordinário e aberrante modelo, a autorização irrestrita de abortar, que a revogação do n.º 3 do artigo 140.º implica, só poderá funcionar na prática como um incentivo ao aborto clandestino - o contrário mesmo do que os seus proponentes afirmam desejar. O que o projecto comunista, de facto, transmite às grávidas é esta coisa espantosa e que faria rir até às lágrimas, se a matéria consentisse que ao pranto se juntasse o riso: grávidas, podeis abortar quando quiserdes, mas, se quiserdes fazer isso que vos digo que vos é permitido, não conteis com assistência clínica idónea, porque proíbo-a e puno quem vo-la prestar! Podeis abortar à vontade, mas, nessa circunstância, tereis de abortar nos curandeiros!
Abstenho-me de esboçar uma explicitação das espantosas incertezas e confusões jurídicas a que um sistema destes poderia dar origem. E abstenho-me de imaginar sequer os efeitos políticos e psicológicos que teria a tentativa de consagrar em lei um tal absurdo regulatório. Nem consigo crer que possa ser seriamente ponderado por alguém que se tenha apercebido, realmente, do que transmite e do que significa, independentemente das opções de fundo. É que quem, como eu, não concorda com a despenalização total do aborto, não poderá aceitá-lo, mas também não poderá aceitá-lo quem quiser a despenalização total, a menos que esteja disposto a propor para o seu País uma lei hipócrita e criminógena.

Há, portanto, no projecto do PCP ou um colossal dislate ou um maquiavelismo pouco lisonjeiro para a inteligência dos Srs. Deputados e da opinião pública nacional.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não seja ordinário!

O Orador: - Tanto basta para, sem mais, lhe assinalar o justo lugar que lhe pertence: o caixote do lixo da História, de onde, afinal, jamais deveria ter saído!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal é o país da Europa onde mais abortos se praticam ilegalmente por ano, onde mais mulheres morrem por causa de abortos clandestinos e onde mais mulheres ficam mutiladas em consequência de interrupções feitas em condições degradantes, sem um mínimo de higiene e de segurança. Este problema não é um problema do foro íntimo, é um flagelo social que exige uma decisão política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E essa responsabilidade é nossa, porque esta é a sede da representação nacional.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Não se trata de saber quem é por ou contra o aborto. Ninguém aborta por prazer! Não se trata tão-pouco de uma questão entre católicos e não católicos, crentes e não crentes. Trata-se de saber quem é por ou contra a adaptação da realidade jurídica à realidade social,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... quem é por ou contra a persistência de uma proibição que está em contradição com a vida, e que a vida, na prática, todos os dias, já revogou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, ao fim e ao cabo, de saber quem é pela verdade na lei ou pela continuação nela da mentira e da hipocrisia.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Este é que é o fundo da questão! Trata-se de um problema de saúde pública e de política criminal, mas também de um problema social e moral em que, como em muito poucos, se espelha e reflecte a desigualdade de classe e de condições económicas. Quem tem meios pode fazer a interrupção em clínicas de luxo, em Espanha ou cá dentro, sob a designação seráfica de «tratamentos ginecológicos», quem os não tem é obrigado a fazê-lo em situações que constituem um atentado à saúde física e psíquica da mulher. Disse-o, como só ele sabe, o meu querido amigo Almeida Santos, na intervenção que aqui fez em 1982: «Sabemos que o aborto se pratica das formas mais sofisticadas, em clínicas de luxo, às formas mais sórdidas, em desvãos de escada, tudo uma vez mais dependendo do dinheiro que se tenha».

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A questão do aborto clandestino em Portugal é, assim, inseparável da situação social, da condição de classe ou mesmo de casta, fruto e reflexo de desigualdade. Por isso, é também uma questão moral e é, sobretudo, uma grande hipocrisia.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Problema de consciência, é certo! Mas, como escreveu Medeiros Ferreira num artigo publicado no Diário de Notícias: «A questão do aborto em condições e prazos definidos por lei é tanto uma questão de consciência como uma questão social e política». E sublinha' que cessa simultaneidade não é caso raro na esfera da responsabilidade política» e não deve confinar-se «a temas dramatizados pela Igreja Católica ou por outra qualquer religião». E acrescenta: «Seria admitir a existência de um magistério reservado dessa ordem na esfera do Estado. Seria um recuo secular.».
Trata-se de um problema de consciência e do foro íntimo, no que respeita à opinião e decisão de cada um, mas a definição das condições em que essa opinião e decisão podem ser manifestadas é um problema do Estado e é uma questão de liberdade.
Não é admissível que, no limiar do século XXI, a mulher, em Portugal, continue a estar sujeita a uma situação de sub-humanidade, como se fosse um mero instrumento de reprodução e não uma pessoa humana dotada da liberdade essencial de poder dispor do seu corpo e do seu espírito, porque ser mãe não é só um acto físico, é também, e sobretudo, um acto de vontade e de consciência, um acto espiritual.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

O respeito pelo direito à vida começa pelo respeito pela liberdade da mulher, inseparável da sua dignidade humana. Por isso, venho a esta tribuna, por respeito pela mulher, porque a mulher não será inteiramente livre enquanto não lhe for reconhecido o direito essencial de ser ela a escolher, de ser ela a decidir, nas condições e nos prazos fixados pela lei. «Crime, se alguma coisa é crime, é não acrescentarmos o ser amado de toda a liberdade que em nós possamos achar» - disse-o Rainer Maria Rilke, um dos maiores poetas da Europa.
Por isso, venho aqui apoiar o projecto apresentado pelos Deputados da Juventude Socialista. Venho agradecer-lhes o terem tomado esta iniciativa contra o preconceito, contra o tabu, contra a corrente e contra a mentira.

Aplausos do PS.

Qualquer que seja o resultado, eles já ganharam! Pela coragem e pela nobreza do seu gesto, pela sua visão e antecipação do futuro! Com efeito, o seu projecto de lei consagra a protecção jurídica do primado da decisão da mulher, fundado na preservação de valores de dignidade moral e social, bem como na exigência ética de uma maternidade e paternidade conscientes; contribui para a superação de opções que, na actual política criminal, representam uma desproporcionada imposição autoritária de valores, em matéria sobre a qual não há certezas absolutas e que está longe de merecer um suficiente consenso ético jurídico; estabelece um mais adequado equilíbrio dos bens jurídicos necessitados de preservação, ou seja, a dignidade da mulher e a gestação intra-uterina no processo de formação da pessoa humana; faz recuar a criminalização para limites mais compatíveis com uma sociedade baseada na tolerância.
Mas venho aqui também, porque não há memória de alguma vez, em algum país da União Europeia, legislação semelhante ter sido aprovada sem o apoio dos socialistas, cuja contribuição tem sido decisiva para a autodeterminação e libertação da mulher, incluindo o direito à interrupção voluntária da gravidez nos serviços públicos de saúde.
Há pessoas favoráveis à descriminalização do aborto e outras que, com todo o direito, não estão de acordo com essa opção. Respeito as opiniões contrárias à minha, não as que trazem a marca do integrismo e do espírito de cruzada mas as que são ditadas pela consciência e pela convicção, sem quebra da tolerância e do espírito de diálogo.

Aplausos do PS e da Deputada do PCP Odete Santos.

Vivemos um tempo que não é compatível com maniqueísmos e atitudes dogmáticas. Acredito, como Habermas, no agir e na racionalidade comunicacionais. Dialogamos, comunicamos, somos seres dotados de discurso: é essa a forma fundamental de uma existência social e civilizada. A verdade não se aprende apenas no conflito e na luta mas na experiência e na vivência da intercomunicação.
Respeito as opiniões contrárias, mas tenho a obrigação de defender as minhas próprias convicções. Somos cidadãos, não somos súbditos! Por isso, decidi tomar esta posição. Por isso e porque, sendo várias as matrizes e diversas as inspirações pelas quais se pode chegar ao socialismo democrático, há, no entanto, princípios incontornáveis que a todos devem unir e que se traduzem naquele conjunto de valores cívicos universais que fazem do homem livre o modelo de todo o homem: a liberdade, a tolerância, o respeito pelo outro, a supremacia do espírito crítico sobre o sectarismo autoritário e da liberdade moral sobre a imposição dogmática, o primado do homem sobre todo e qualquer sistema. A Europa não é só o euro, a Europa é sobretudo esta civilização, estes valores e estes princípios.

Aplausos do PS.

E é também disto que se trata! Não se pretende impor nada a ninguém, apenas se deseja consagrar, nos termos e prazos propostos, á liberdade de opção, a liberdade de escolha. Ao estipular a liberdade de decisão da mulher nos prazos legalmente definidos, o Estado admite uma opção mas não impõe uma opinião. Negar essa liberdade é transformar a opinião contrária em doutrina e imposição do Estado, o que tem uma lógica dogmática e autoritária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não há, aliás, simetria entre o sim e o não. Quem não quer despenalizar, pretende, talvez sem se dar conta, impor uma moral e obrigar todos os outros; quem propõe a descriminalização não impõe obrigação nenhuma, permite apenas que cada um, em condições legalmente definidas, possa decidir - aí, sim! - de acordo com a sua consciência.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

A primeira posição tem uma lógica dogmática, a segunda consagra a liberdade e a tolerância, aquela liberda-

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de moral que, segundo Antero, apela para o exame e a consciência individual, aquela liberdade moral que é mãe e fonte de toda e qualquer forma de liberdade.

Aplausos do PS, de pé, e do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O debate que hoje se realiza nesta Assembleia tem como tema uma matéria de grande sensibilidade tanto para os cidadãos como para as sociedades. Matéria que suscita, inevitavelmente, um complexo e multifacetado leque de juízos de carácter jurídico, médico, económico, social, religioso e ético.
O debate incide sobre a interrupção voluntária da gravidez e, em concreto, sobre os motivos e prazos para a sua legalização.
Em 1984, este Parlamento adoptou uma lei que excluía a ilicitude do acto de interrupção voluntária de gravidez nos seguintes casos: perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida; perigo de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física da mulher grávida, desde que realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez; seguros motivos para crer que o nascituro viesse a sofrer de malformações, desde que realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez; sérios indícios de que a gravidez tivesse resultado de crime de violação, e fosse realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez.
Então, aquando da aprovação da legislação ainda em vigor, foi manifesto que se tratava de uma problemática extremamente sensível face ao sentir e à cultura do povo português.
Ora, hoje, encontramo-nos a debater novamente o assunto, na sequência das iniciativas legislativas apresentadas pelo Partido Comunista Português e pelo Partido Socialista, iniciativas, essas, que estes partidos pretendem que a Assembleia da República aprove sem consulta ao povo português, ainda que tenham consciência de que se trata de um tema que divide a população portuguesa e que começa mesmo por não ser consensual adentro de um dos partidos proponentes, do partido da maioria. Aliás, nesta semana, ficámos a saber que o cidadão António Guterres, que, em 1982, havia votado nesta Assembleia o projecto de lei do Partido Comunista a favor da despenalização do aborto, tem hoje outra posição, com a qual pessoalmente me identifico. Felicito o Primeiro-Ministro pela mudança de opinião!
Respeitam-se as iniciativas dos grupos parlamentares, mas, todavia, não deixa de causar perplexidade geral, neste Parlamento e no País, que, ao ser recolocada à discussão política de forma tão voluntarista e maximalista, a interrupção voluntária da gravidez, no sentido da sua liberalização/despenalização, não seja objecto de uma prévia auscultação popular.
Como mulher, sei que se trata de uma questão que não tem apenas a ver com as mulheres e a sua liberdade mas, antes, com a sociedade no seu todo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ªs e Srs. Deputados: Alterar a lei é uma falsa solução!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Fora da tipologia dos casos hoje previstos, qualquer modificação da lei constitui uma falsa solução para problemas sociais e económicos que devem merecer de todos nós um outro tipo de abordagem, mais sério e mais consequente.
Além disso, a interrupção voluntária da gravidez não pode substituir-se ao planeamento familiar, no qual, aliás, se deve apostar como meio ao serviço de uma maternidade e paternidade conscientes e responsáveis.
Numa sociedade desenvolvida, a interrupção voluntária da gravidez deverá corresponder à única solução possível para situações sem outro tipo de solução. Por isso, discutam-se cientificamente os termos médicos capazes de tornar operacional a actual lei, mas não se alarguem os casos de interrupção voluntária da gravidez legal.
Despenalizar/liberalizar a interrupção voluntária da gravidez não representa adequar a lei aos novos contornos da vida social e económica em que vivemos, do mesmo modo que a sua aprovação por esta Assembleia não pode corresponder ao mero exercício da competência legislativa decorrente da representatividade política deste órgão de soberania. Muito em particular, em questões desta natureza não se deve legislar contra os valores, os princípios e o sentir profundo do povo. No caso vertente, seria um mau serviço prestado às mulheres, às famílias e à sociedade portuguesas.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se esta Casa é a sede e o templo da democracia, se a obrigação mais sagrada que todos nós, Deputados, voluntariamente assumimos foi a de manter uma particular atenção sobre as condições de vida dos nossos concidadãos, tudo fazendo para promover e acrescentar o bem comum e assegurar a cada um o quinhão' da realização pessoal e da felicidade possível, a que todos têm direito, se assim é, direi que o País está a assistir, e nós todos a participar, a um dos mais importantes debates que alguma vez aqui se travaram.
A este debate está convocado o sofrimento humano e o fundamental direito à vida. É um debate que se confunde com as angústias, as alegrias e as esperanças dos nossos concidadãos. É um debate que tem a ver com o que de mais sagrado nos foi dado: não só o direito à vida, mas também a faculdade de a perpetuar à face da terra.
É com este espírito que, em nome da minha bancada, participo neste debate, sem me sentir numa trincheira e sem necessidade de condenar ou acusar quem quer que seja, com a certeza de que todos estamos aqui, expondo e defendendo ideias e princípios, que são nossos, na esperança de darmos o melhor que de nós temos, para que a dor humana se atenue e para que os que sofrem encontrem compreensão e lhes seja proporcionado apoio suficiente e eficaz, porque não teremos cedido à tentação fácil de ignorar as causas, iludir os efeitos e esconder toda a responsabilidade que nos cabe por não termos instituído, em tempo oportuno, todos os dispositivos e instituições que a justiça e a dignidade ofendidas reclamavam.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: É neste espírito que, opondo-me, como me oponho, aos três projectos de lei em apreciação, por convicção profunda e por razões que, antes de mais, dimanam da minha condição de homem, antes mesmo de implicarem convicções religiosas, nada me custa reconhecer a generosidade e a sincera compaixão humana que animaram os seus autores e subscritores.
Aí nos encontraremos, Srs. Deputados, na urgência que sentimos de descobrir e activar os meios eficazes para pôr termo a toda a injustiça, a toda a incompreensão e a todo o sofrimento que o aborto provoca entre nós.
Tenho para mim que a vida se inicia com a fecundação e que a totalidade da dignidade que nos foi concedida reside, desde logo, nessa maravilha que está na origem da perpetuação do género humano. Isto mesmo o vem demonstrando dia-a-dia, e cada vez mais, o desenvolvimento científico, ao conseguir provocar a fecundação do óvulo e o seu primeiro desenvolvimento fora do abrigo do corpo materno, ao detectar, sem margem para dúvida, o início da actividade cerebral bem próximo do início da fecundação, ao mostrar, com os novos recursos da imageologia, a própria forma humana, adquirida desde as primeiras semanas. Se isto é verdade no que diz respeito ao início da vida, não o é menos em relação à fase final da gestação, pois cada vez se pode garantir mais cedo e com maior segurança a manutenção da vida do feto fora do ventre materno. Igualmente o demonstra a marca genética individualizada do filho em relação aos seus pais, detectável desde o início da vida. Aliás, a própria ciência da fetologia, que tão rapidamente se está a desenvolver, com todas as perspectivas que abre de tratamento individualizado do feto, antes mesmo do nascimento, bem como todas as afirmações das mais diversas e prestigiadas instituições científicas são convergentes na afirmação da vida humana, autêntica e irrecusável desde o momento da fecundação.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que tente abreviar a sua intervenção.

O Orador: - Tentarei, Sr. Presidente.
Certos, que estamos, da verdade do que estamos a afirmar, por razões exclusivamente científicas e não por preconceitos religiosos, não podemos, em caso algum, dar o nosso voto favorável à aprovação de leis que, ainda que animadas da melhor das intenções no seu desejo de minorar o sofrimento imerecido de tantas mães, começam por arrancar o próprio direito à vida, o mais elementar e sagrado de todos os direitos, ao filho que já existe e está para nascer.
Nesse sentido, Srs. Deputados, e nunca com o objectivo de atingir a dignidade ou de minimizar as intenções de qualquer um de vós, direi que estas leis são perversas, e perversas, enquanto escondem e desculpam as verdadeiras razões do sofrimento e desresponsabilizam todos os que devendo providenciar por um ordenamento justo da sociedade continuam a não o fazer.
Se é verdade, e penso que todos aceitamos que o é, que nenhuma mulher, ao sentir um filho dentro de si, é insensível ao apelo da maternidade e, pelo contrário, deseja praticar o aborto, sujeitando-se a toda a tragédia física psíquica e moral que implica, então, importa, antes de tudo, libertar a mulher de todo o cenário de incompreensão, de injustiça e de isolamento que a faz enfrentar a maternidade que se avizinha como se de um flagelo se tratasse.

Onde estão, então, as leis de protecção à família? Onde estão as leis laborais que tornam inviolável o posto de trabalho de uma mulher que necessita de recorrer a uma consulta de planeamento familiar? Onde estão os apoios sociais que lhe permitam usufruir dos medicamentos e instrumentos anticoncepcionais que a sua «magra» economia não consegue adquirir? Onde estão as leis que incentivam e facilitam a adopção de crianças por casais que o desejem fazer? Onde estão os infantários e os jardins infantis que darão um apoio adequado às famílias durante as horas de trabalho? Onde estão as instituições que permitem acolher, tratar e integrar tantas crianças deficientes que se tornam um peso incomportável para as famílias? Onde está a protecção às mães solteiras e o respeito pela sua dignidade?
A verdade, Srs. Deputados, é que o nosso país é escasso em todas estas instituições e não fossem aquelas que a igreja e os privados instituíram e sustentam bem pior seria o panorama social que enfrentaríamos. A verdade, Srs. Deputados, ainda há dias por mim comprovada no terreno, é que as consultas de planeamento familiar que v Estado deveria ter instituído cobrem, onde existem, e na melhor das hipóteses, escassos 30% das mulheres em idade fecunda. A verdade, Srs. Deputados, é que se tornou folclore, em Portugal, oferecer preservativos que são baratos, talvez para esconder a falta, que desde há quatro anos se verifica, nos centros de saúde, de pílulas contraceptivas.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Nuno Abecasis, peço-lhe que, efectivamente, abrevie.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É por isso que afirmo, sem dúvida alguma do que estou a dizer, que estas leis são perversas nos efeitos que produzem.
Desejo sinceramente, Srs. Deputados, que a Assembleia da República não pactue com estas situações. Não é legalizando o roubo da vida de tantos que estão para nascer e que já hoje compartilham connosco da nossa dignidade humana que se defende a liberdade e a dignidade das mulheres que estão indefesas e desprotegidas face à vida.
Colmatemos todas as deficiências legislativas e todas as faltas de protecção às famílias, às mães solteiras, às crianças, aos deficientes. Construamos um Estado justo e solícito para com os que sofrem e são excluídos e eliminaremos a dor e o sofrimento que hoje existem e que, tão legitimamente, preocupam todos os Deputados desta Assembleia.
Este debate convocou a esta Assembleia o sofrimento humano e o direito à vida. Ambos constituem um apelo às nossas consciências e um desafio às nossas capacidades.
Desejo, sinceramente, que não nos falte a coragem para recusar os caminhos fáceis que, mais uma vez, nos impedirão de encontrar a justiça e afastar para sempre a dor humana. O que ó povo precisa e espera de nós, Srs. Deputados, é que legislemos de acordo com a justiça, que não legislemos em favor da morte!

Aplausos do CDS-PP, de pé, e do Deputado do PSD Carlos Coelho.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Nuno Abecasis, a aquiescência que obtive das outras bancadas permitiu-me ceder-lhe algum tempo para poder concluir a sua intervenção.

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O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, existem duas maneiras de se adequar a legislação em vigor sobre o aborto à realidade: alterando-se a lei ou alterando-se a própria realidade.
Alterar a lei é muito fácil, mas demonstra a incapacidade da sociedade e, em particular, dos poderes públicos em eliminar as suas causas. Sob o pretexto de questionar a eficácia da lei, reduzindo a incriminação de quem se submete ao aborto, ignora a existência de um bem jurídico a preservar e a defender - a vida humana -, pretende liberdades que não existem e, perante a impotência de resolução das circunstâncias económicas, sociais e culturais, que levam tantas mulheres ao desespero do recurso ao aborto, transforma o problema na sua solução, limitando-se a reduzir ou a suavizar as suas consequências.
A interrupção voluntária da gravidez, excepto nos casos limite de perigo de vida para a mãe, verificação de malformações no feto incompatíveis com vida autónoma e situações extremas de violação, não é legítima. A vida humana existe desde a concepção, com igual e idêntica dignidade até à sua cessação e, como tal, sempre e em qualquer circunstância inquestionavelmente vida e inquestionavelmente inviolável. Não é possível identificar um nível de vida humana abaixo do qual não há direitos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - O exercício da liberdade é património de toda a Humanidade, mas pressupõe sempre, em nome do bem comum, alguma privação. Nem é absoluto o direito ao corpo nem a circunstância de a mulher ser, por imperativo da Natureza, a primeira hospedeira da vida lhe confere qualquer direito arbitrário de decisão sobre vida que não é sua.
A despenalização do aborto significa, de novo e sempre, a manutenção de um estatuto de menoridade e discriminação para com as mulheres: pelo não investimento na sua educação; pela não modificação das estruturas de planeamento familiar; pela não promoção de mecanismos de igualdade de oportunidades no acesso ao trabalho; pela não criação de instrumentos que viabilizem a articulação da vida familiar com a vida profissional; pela não assunção dos custos sociais decorrentes da necessária criação de condições especiais de trabalho; pelo não reconhecimento da sua participação directa na formação do capital humano; pela não definição de esquemas que a protejam na violência.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a despenalização do aborto representa uma regressão civilizacional: o desenvolvimento das sociedades mede-se, sobretudo, pelo respeito intransigente pela vida humana e não pela definição de formas progressivamente alargadas e sofisticadas da sua supressão, em nome da liberdade ou de um outro direito ou interesse.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Nunca a injustiça extrema praticada sobre um ser humano pode encontrar a sua legitimação no interesse de outro ou outros.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Á despenalização do aborto é o sinal de uma sociedade confusa, que permite a morte da vida que não se vê ou que não se sente, mas pune a morte ou o abandono da vida que está à vista de todos.
A Lei n.º 6/84 é uma lei que correspondeu ao consenso possível encontrado na sociedade portuguesa. A sua discussão dividiu-a então; a discussão do seu alargamento divide-a de novo. A despenalização do aborto é um projecto que por não fomentar uma cultura de vida, não a pacifica, divide-a. Esta não é uma questão de consciências individuais. À luz da minha consciência individual, nunca me permitiria ajuizar comportamentos alheios ou estabelecer normas de conduta para outros. Esta é, pelo contrário, matéria evidente do nosso património comum, ético, social e cultural, à luz do qual se organiza a sociedade e se exerce a cidadania.
É, pois, em nome do exercício responsável da minha participação política que, assumindo claramente a defesa intransigente do direito à vida e da construção dos instrumentos que a viabilizam, entendo não ser legítima a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PSD, do CDS-PP e dos Deputados do PS Artur Sousa Lopes, Carlos Zorrinho, Cláudio Monteiro, Eurico Figueiredo, Joaquim Sarmento, Manuel Jorge Goes, Miguel Ginestal.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, quero colocar-lhe duas questões muito simples.
Tenho o maior respeito pela sua posição e, considerando que é Presidente da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família, deve ter alguma experiência no que diz respeito aos problemas das mulheres.
Em primeiro lugar, quero perguntar-lhe se é ou não verdade que as mulheres não têm possibilidade de exercer o seu direito a uma maternidade feliz. Isto porque acabámos de receber, no nosso grupo parlamentar, alguns telefonemas, nomeadamente um em que uma mãe denunciava que a filha, engenheira de profissão, para conseguir emprego numa empresa, tinha assinado um documento comprometendo-se a não, engravidar durante três anos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E a solução é abortar?

A Oradora: - Sr. Deputado, estou a fazer uma pergunta séria à Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro!
Sr.ª Deputada, gostaria que me dissesse se acha que as mulheres, quando recorrem à interrupção voluntária da gravidez, agem com culpa, dadas as situações que existem.
Em segundo lugar, se, na vossa concepção - e muito bem -, falam do direito à vida, então, têm de levar isso até às últimas consequências. Se a forma de proteger o embrião e o feto é a lei penal, a ameaça com penas de

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prisão, então, desculpem-me, mas vão às últimas consequências! Por isso, pergunto-lhe: quer ou não as mulheres na cadeia?

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, começo por informar que não tenho tempo para poder responder à Sr.ª Deputada, por compromissos com a direcção do meu grupo parlamentar, no entanto, com a brevidade que me é possível, dir-lhe-ei, Sr.ª Deputada Odete Santos, que aquilo que menos desejo é que as mulheres sejam punidas, que vão para a cadeia, que sejam penalizadas.
Além disso, Sr.ª Deputada, em nome dos princípios em que acredito, entendo que não é legítimo, a ninguém, dispor de uma vida que não é a sua. Dir-lhe-ei que a desigualdade não é criada pela lei, a desigualdade existe antes da lei, para além da lei. Dir-lhe-ia também, se me permite, e parafraseando Karl Popper, «nenhum de nós sabe o suficiente para ter o direito de ser intolerante».

Aplausos do PSD e dos Deputados do PS Artur Sousa Lopes, Carlos Zorrinho, Cláudio Monteiro, Eurico Figueiredo, Joaquim Sarmento, Manuel Jorge Góes, Miguel Ginestal.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Azevedo.

O Sr. Adriano Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de colocar aqui algumas questões, reflecti-las convosco e lançar um olhar sobre o futuro.
Quantos abortos clandestinos há? Quantos passarão a haver se alguma destes projectos de lei for aprovado? Será que os abortos clandestinos vão diminuir? Quantos abortos legais há em Portugal? Quantos irá haver? Será que com Q sentido destes projectos de lei não se está a continuar a negar que o embrião humano já tem direitos, que é preciso clarificá-los em vez de os ocultar e a adiar uma discussão urgentíssima, tal é a banalização da vida? Não estaremos todos já a navegar em águas perigosas, onde muitos se irão afogar?
Independentemente dos dramas humanos a que não sou, de modo nenhum, insensível, deixo algumas reflexões que entendo fulcrais e inquietantes.
Há abortos causados por injustiças ou complexos, que são consequência da falta de formação e educação nas idades de risco, de planeamento familiar, de emprego, de salário justo, de protecção à maternidade e paternidade, de apoio à mãe solteira, etc. Dizia-se, aquando da lei de despenalização do aborto de 1984, que se deveriam criar serviços de apoio à família, mas não se fez o suficiente! Temos um grande défice em verdadeiras políticas' familiares que visem a vida e incentivem a natalidade.
Há abortos, fruto da degradação da civilização que tem avançado em ritmo impressionante. Perante os flagelos sociais, como a pobreza, a droga ou a prostituição, emergentes desta civilização, a atitude deve ser sempre a de combater e prevenir, nunca a de legislar sobre a eliminação dos que caiem nestas chagas sociais. Porquê legislação própria só para os indefesos?

A vida humana é inviolável antes e depois do parto, como proclama a Constituição e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Se o Estado, o mais responsável por essa vida, viola estes princípios, então, estará a lançar a confusão entre o direito à vida e o direito a eliminá-la.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, para quem invoca o direito da mãe, da mulher a dispor do seu próprio corpo, importa lembrar que isto não lhe dá um qualquer direito sobre o feto, pois este é diferente da mulher, que lhe empresta o corpo.
Em sequência, pergunto: o que será mais urgente e serve melhor os interesses dos cidadãos? Criar postos de trabalho, garantir segurança e não medo aos jovens, construir habitação para todos ou legalizar o aborto? Como estão os direitos fundamentais relativos à saúde, à segurança social, à família? Legalizar o aborto e adiar a garantia destes direitos é, no mínimo, hipocrisia!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes dados podem conduzir-nos a algumas reflexões. Em primeiro lugar, está a falta de incentivos que dêem ânimo e esperança ao futuro dos jovens. Talvez daqui a pouco tempo, muito pouco, porque a história faz-se depressa, muitas das políticas actuais venham a ser intituladas de «políticas light», sem conteúdos, sem valores e sem consistência. Em vez de uma adequada política de saúde e de educação sexual, de apoio ao planeamento familiar, propagandeia-se o facilitismo que encobre o não investimento sério na educação; em vez de se resolverem as chagas das desigualdades económicas, de se apoiarem as mães solteiras, de se criarem postos de trabalho e habitação para os jovens - e jovens casais que prestam um serviço social à comunidade -, bem como outros direitos fundamentais consignados na Constituição, aponta-se-lhes, como salvador, o aborto. Teorias «soft» bem doseadas com diálogo de «política light» poderão adiar soluções e fazer degenerar uma juventude ainda saudável e cheia de valores, que vamos tendo por cá, com inveja de alguns outros países mais avançados.
Cidadãos, vítimas das chagas sociais, como a droga, a prostituição e a criminalidade, vamos tendo também que chegue e que sobre e nem por sombras se pensará em legislar sobre se têm direito ou não à existência. São adultos, têm direito à existência, e a cada um se exige tolerância, porque os valores inalienáveis da liberdade e da democracia nos conduzirão à certeza de que há lugar para todos. Todos? Não! Há uma classe de seres indefesos, uns mais que outros, que podem estar sujeitos a arbitrariedades? Não se deve esquecer que, só na China, e nos últimos anos, se mataram 40 milhões de crianças, já nascidas, e que a pena de morte é já uma ameaça em países com tradições democráticas.
Ou se reconhece desde o embrião humano igual direito ao que todos temos ou haverá muitas outras inversões dos valores! Uma sociedade onde o maior e mais velho não respeita o mais frágil é uma sociedade que não merece respeito!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por fim, são cada vez mais frequentes manifestações públicas e novos movimentos em defesa de valores inerentes à vida, que muitos julgavam ultrapassados.
Reconheço que aquilo que o Governo Operário e Camponês da União Soviética fez em 1920, legalizando o aborto, embora sem nunca deixar de considerá-lo um mal, era

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uma das medidas provisórias de transição para o socialismo. Como o socialismo não sobreviveu, nós fomos assumindo as suas máximas de que «os fins justificam os meios» e que, mesmo se esse fim seja algo intrinsecamente mau, como a nossa Constituição afirma, em relação ao aborto, ao declarar que toda a vida é um bem inviolável, cá estamos de braços abertos a acolher as glórias de uma filosofia materialista que vence na nossa praxis. Para onde queremos caminhar? Também queremos leis e vida a prazo?
Há hoje gente que, caídas as ideologias, vive num vazio angustiante, incapaz de apontar à sociedade que representa outros ideais que não sejam os de bem-estar, dos próprios interesses individuais ou colectivos, do economicismo, ou, por outro lado, gente que sabe o que vale a própria vida, gente com carácter e capaz de dar a cara sempre que está em causa o único valor ex natura, que é intocável? Só porque faltam valores duradouros e supremos à vida é que se explicam tantos atropelos à própria vida e à dos outros. Se nós, com a responsabilidade que temos, nos demitimos desta oportunidade aprofundar novos rumos ou nos escondemos no absentismo comodista, à busca do que possa ser mais simpática ou mais «in», então estaremos a prestar um mau serviço às novas gerações e à nossa cultura, e, quem sabe, a desiludir e a lançar na angústia muitos homens e mulheres que acreditam que não há vida sem dificuldade, nem dificuldade que se não vença. Se não apontarmos algo de positivo, se não soubermos ser pedagógicos com o que legislamos sobre a vida, os mais incautos concluirão que, agora sim, tudo se pode fazer, mesmo se com mais irresponsabilidade ainda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mostremos, pois, quem somos e para onde queremos ir. Não duvido que, no que concerne aos valores do consumismo e do materialismo, já não somos entendidos pelas novas gerações, que conseguem pensar, mas temo que a degradação assuma proporções tais que os nossos filhos se envergonhem com o património que lhes legamos no que respeita à vida.
Servir a vida não pode, nunca, ser por este caminho!
Por tudo o dito, quero dizer que defendo sempre a vida e entendo que não se deve mexer na lei, tal qual a temos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se fosse para qualquer um de nós possível imaginar algo de mais atroz, violento e irracional do que forçar qualquer mulher ao aborto clandestino; se fosse possível medir a violentação que para cada mulher o recurso à interrupção voluntária da gravidez significa; se conseguíssemos escolher de entre o intolerável aquilo que mais intolerável é, facilmente escolheríamos o flagelo que é empurrar milhares de adolescentes e jovens mulheres para o aborto clandestino.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Dos largos milhares de mulheres que todos os anos se vêem obrigadas a recorrer à interrupção voluntária da gravidez grande parte são jovens, talvez mais de seis mil, muitas, na adolescência, que carregam para a vida os fardos pesados das consequências físicas e psíquicas de um ou mais abortos clandestinos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sofrem, com frequência, as complicações várias e lesões diversas, que todos os dias os serviços de saúde acabam por conhecer, quando a eles recorrem com complicações pós-abortivas. Por vezes, recorrem tarde ou nunca à assistência médica, ameaçadas pela sanção penal e social. Muitas ficam marcadas pela infertilidade de que o aborto clandestino é a primeira causa, comprometendo o seu projecto de vida, de família e de maternidade futura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): - Muito bem!

O Orador: - Algumas não chegam, sequer, a conhecer a idade adulta porque pagam com a vida o crime de não poderem optar.

Aplausos do PCP.

Não se trata aqui da construção artificial de cenários catastrofistas, mas da constatação de dados, cuja aproximação da realidade será sempre por defeito. Só em 1991, na urgência da Maternidade Magalhães Coutinho, das jovens que deram entrada, 91% revelavam complicações pós-abortivas e destas, 72% referentes a aborto provocado. Em cada três mortes maternas, que o aborto causou em média nos últimos anos, uma é jovem, sendo Portugal o único País da União Europeia onde se continua a morrer por esta causa.

Aplausos do PCP.

É fundamental reflectir sobre a evolução visível da sexualidade dos jovens e sobre a resposta da sociedade a esta alteração. Vivemos numa sociedade em que há uma presença constante da oferta de erotização e em que o apelo à sexualidade é permanente. O consequente aumento do desejo sexual dos adolescentes não é compensado com um acréscimo suficiente da educação sexual e da informação contraceptiva.
E se, clinicamente, a idade fértil tende também a baixar, é a antecipação da vida sexual activa e a apetência crescente dos jovens pela fruição plena da sua sexualidade que denunciam a maior autonomia sexual dos jovens, em especial das jovens mulheres, que hoje se verifica. Emerge uma vivência sexual tendencialmente livre de preocupações reprodutivas, traduzindo a rejeição de mecanismos de poder e de controlo social e institucional da sexualidade, dos actos e dos pensamentos, das necessidades satisfeitas e dos desejos insatisfeitos dos jovens.
Mas esta evolução de mentalidade dos jovens não encontra ainda resposta cabal por parte da sociedade. O necessário investimento na educação sexual e no planeamento familiar é permanentemente castrado por uma certa moral, que teima em indexar a sexualidade à procriação, talvez receando que a vida sexual e amorosa plena contribua também para o libertar das consciências dos jovens e para uma formação mais completa e equilibrada enquanto indivíduos.
Certamente por isto, mas também por não se cumprir a lei do planeamento familiar e pela ausência da educação sexual nas escolas, a gravidez é um dos maiores riscos da sexualidade na adolescência.

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A insuficiente disseminação e eficácia do planeamento familiar agrava-se ainda mais quando pensamos nos jovens. É que, para além das limitações no acesso aos cuidados de planeamento a que todas as mulheres estão sujeitas, para a jovens soma-se ainda o calvário de um sistema de saúde demasiado formal, pouco atractivo, sem privacidade e que, com frequência, se limita à mera prescrição médica, esquecendo a vertente pedagógica.
É justo criar condições para que o sistema de saúde garanta o cumprimento da lei e que, respeitando o direito à objecção de consciência dos profissionais de saúde, isso não implique o abandono da jovem mulher à sua própria sorte nem inviabilize a concretização de direitos que são seus.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O acesso aos métodos contraceptivos é limitado por factores económicos e de uma inadequada rede de distribuição. Ouvimos relatos de casos frequentes, em que a gravidez indesejada surge porque no centro de saúde a mulher não encontrou contracepção disponível e porque, provavelmente, não tem dinheiro para comprá-la.
A tudo isto se juntam a falta de informação e a ausência de educação sexual digna desse nome. Assim se explicam os dados de um inquérito da Direcção-Geral de Saúde que revelam que, em 1993, 17,6% dos casais ainda recorriam ao coito interrompido como método contraceptivo, número que será tanto maior quanto menor for a idade. É por isso que alguns estudos sobre o comportamento sexual dos jovens demonstram que é elevado o número de relações sexuais desprotegidas; que de um terço das primeiras relações está ausente qualquer método contraceptivo; que um terço dos jovens já utilizou ou utiliza o coito interrompido como método contraceptivo.
É também por isso que temos, em Portugal, uma elevada taxa de mães adolescentes que, apesar de ter baixado em 1995 para 7,9%, continua bastante longe dos 2,2% da Holanda, dos 2,7% da França ou dos 2,9% da Alemanha. Ainda segundo os mesmos dados, em 1994, 18,6% dos abortos identificados referiam-se a jovens com menos de 15 anos, tendo esta taxa subido, em 1995, para 36,3%.
Só recorrendo a uma grande dose de autismo e hipocrisia, ou sofrendo de um desconhecimento completo da realidade em que vivemos, é possível alguém negar que muitos milhares de jovens recorrem, hoje, sem mais alternativas, ao aborto clandestino.
É por isso que consideramos indispensável alterar a actual lei, defendendo a saúde das mulheres, respeitando a vida e garantindo o seu direito a uma maternidade desejada e consciente. É por isso que sabemos que a prevenção da interrupção voluntária da gravidez se faz através do planeamento familiar e da educação sexual e não através da sanção criminal ineficaz e desnecessária.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O projecto de lei do PCP inclui diversas propostas que consideramos fundamentais para uma verdadeira protecção das jovens mulheres e das adolescentes. Sabemos que a sua aprovação não é suficiente. É preciso que a lei seja aplicada nos estabelecimentos de saúde, que se cumpra a lei do planeamento familiar, que, sem falsos moralismos, se introduza a educação sexual nos currículos escolares. Mas sabemos também que a actual lei não resolveu os graves problemas existentes e que se impõe a sua mudança.

O verdadeiro combate ao aborto clandestino não pode esquecer as suas verdadeiras e principais causas: os problemas económicos, sociais e emocionais de que tantas mulheres são vítimas. Nem pode esquecer que mais de metade dos desempregados do nosso país são mulheres; que 70% dos desempregados de longa duração são mulheres; que dois terços das situações de trabalho precário são mulheres. Tal como não pode omitir que, nos mais de 100 mil desempregados jovens, nas estatísticas assustadoras do abandono escolar, nos milhares de toxicodependentes e excluídos sociais, há um enorme número de jovens mulheres. É certo que uma minoria se desloca a Espanha ou a Inglaterra à procura de melhores condições clínicas ou de segurança; mas a esmagadora maioria, isto é, as que pertencem às classes sociais mais baixas, sujeita-se sem protecção à violência do negócio do aborto clandestino, que redobra a incalculável violentação que só por si representa para uma mulher, para qualquer mulher, o recurso à interrupção voluntária da gravidez.
Por isso se exige e se propõe que a mulher possa recorrer à interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas, sem mais condicionantes ou restrições do que aquelas que a sociedade já impõe. Por isso é preciso que a mulher e especialmente a jovem mulher possa viver na liberdade de optar por uma maternidade consciente e pelo seu direito à saúde.
Este é o debate que aqui fazemos hoje! É o debate sobre a vida das mulheres que vivem em bairros de lata; que desesperam à procura de trabalho e se sujeitam ao compromisso de que não serão mães nos próximos tempos; das mulheres que sabem que uma gravidez significa quase sempre perder o emprego; das que têm quatro, cinco ou mais filhos e apenas uma cama para deitá-los; das que se vêem confrontadas com a gravidez indesejada e que clandestinamente violam o seu corpo e a sua consciência. Estas mulheres não merecem censura, não merecem castigo, merecem justiça!

Aplausos do PCP e de Os Verdes, de pé, e do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não venho aqui atacar, ninguém; não venho aqui condenar ninguém; não venho aqui convencer ninguém; venho apenas, com modéstia, talvez mesmo com pudor, mas com muita convicção, dar o meu testemunho pessoal. Outras pessoas falaram e vão falar ainda sobre os aspectos políticos, criminais, médicos e cívicos deste debate. Mas, para mim, este debate é também um debate de consciência.
É para mim uma questão de consciência, enquanto Deputada, verificar que estamos num impasse: nem conseguimos acabar com o aborto clandestino, nem conseguimos que a lei de 1984 seja cumprida. Como disse Simone Veil, de quem tenho a honra de ser amiga, quando em 1974 liderava corajosamente as alterações à legislação sobre interrupção voluntária da gravidez em França: «Quando a distância entre as infracções cometidas e as que são perseguidas é tal que já não se pode falar propriamente em repressão, é o respeito pelos cidadãos pela lei e, por isso, a autoridade do Estado que são postos em causa». Ora a autoridade do Estado só pode ser restaurada com uma nova lei, com uma nova atitude e com uma nova eficácia de actuação nos serviços públicos de planeamento familiar e de saúde.

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Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas eu não estou aqui apenas como Deputada, estou também como militante: militante dos valores do socialismo democrático - da liberdade, da solidariedade e da tolerância. Já aqui foi dito que são quase sempre as mulheres mais pobres, ou as mais jovens, ou mesmo as adolescentes, quem se sujeita ao aborto clandestino. Apesar de já há largos anos o planeamento familiar ser uma incumbência do Estado, a discriminação económica e etária continua a verificar-se. A lei não se cumpre, o planeamento familiar é insuficiente, faltam verbas, falta informação, às vezes falta vontade. E enquanto esta desigualdade entre mulheres pobres e mulheres ricas, mulheres ignorantes e mulheres informadas, persistir, haverá para mim, Deputada socialista, uma questão de consciência.
Srs. Deputados, além do mais, sou mulher: mulher com direito à vida, com direito à liberdade, que é a lei do amor; mulher com direito à felicidade, que me cabe construir, para mim e para os outros, com as minhas mãos e com os meus actos. Invoco essa grande mulher que foi Natália Correia, já aqui lembrada. Com ela aprendi que se cura a vida com a vida. Dela recebi a lição de que «o itinerário é interior». Ninguém nos pode acorrentar a preconceitos, tabus ou códigos morais obsoletos e hipócritas. Recordo Natália Correia na sua «Ode às mães para descerem dos montes», verdadeira litania contra o ódio, contra a guerra, contra a violência, contra a poluição, contra a intolerância, contra todas essas ameaças, afinal planetárias, ao direito à vida, para a espécie humana e para todos ,os seres vivos, mesmo os mais humildes. Permitam-me que vos traga aqui o seu recado: «O tempo do ódio está a acabar, digo-vos. O tempo da alegria está a chegar».

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

A Oradora: - Alegria, pois. E que maior alegria para uma mulher que a de saber que espera um filho desejado? Não permitamos que esse direito à felicidade nos seja confiscado. Ninguém tem legitimidade para o fazer.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deixo para o fim do meu testemunho a invocação do meu próprio passado. Sou católica, fui militante activa do Concílio Vaticano II, tenho João XXIII como uma das referências da minha vida. «Ninguém tem a verdade toda», dizia ele. Nunca o esquecerei. Certamente conhecerão o episódio evangélico da mulher apanhada em pecado, que ia ser flagelada, segundo a Lei de Moisés. Interrogaram então o Mestre, diz o texto, para o tentar. A resposta é conhecida: «Quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra». Mas o final da parábola é talvez menos conhecido: ouvindo aquilo, os homens foram-se afastando e deixaram a mulher só com o Mestre - «Onde estão os que te queriam condenar»? «Foram-se embora, Senhor», respondeu ela. «Se eles não te condenaram, Mulher, também eu não te condeno». Esta é a palavra que hoje tomo para mim. Se em tantos anos de vigência da lei - desta e da anterior - os tribunais portugueses não condenaram todas as mulheres que abortaram, nem todos os médicos que as ajudaram, também eu não as condeno!

Votarei em consciência a favor dos três diplomas que estamos aqui a apreciar. Agradeço aos jovens do meu partido a oportunidade que nos deram ao trazer aqui esta matéria. E a todos vos digo: não serei eu, Deputada, socialista e mulher, a condenar, por um acto doloroso que nenhuma mulher deseja, as jovens, as adolescentes e as mulheres do meu país.

Aplausos do PS, de pé, e do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados, como gostaria que os eleitores do meu distrito, do meu país, antes deste debate parlamentar e após uma ampla, profunda e serena discussão pública, se tivessem pronunciado sobre esta matéria! Como gostaria, que os eleitores do meu país se tivessem pronunciado se sim ou não à despenalização que libera o aborto! É exactamente esta a questão real que está em discussão: sim ou não à liberalização do aborto. Questão que atravessa e divide a sociedade portuguesa e relativamente à qual há ainda um défice de informação e de debate. Liberalizar o aborto é transformar o aborto num método anticoncepcional, é desencorajar e desconsiderar a paternidade e a maternidade responsáveis.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Não é verdade!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Não percebe nada disto!

A Oradora: - O aborto clandestino é uma realidade que ninguém pode ignorar e que eu não quero ignorar. Não é, no entanto, com a liberalização do aborto que se ultrapassa o drama (sim, o drama) das mulheres que tal decisão têm de tomar. Mas votar favoravelmente as leis em presença não é a forma de descansar as nossas consciências, antes importa aumentar a eficácia da aplicação da lei em vigor, importa reforçar o apoio à maternidade e à paternidade, a protecção da família e a promoção dos seus valores, importa intensificar a informação e o debate, num quadro de valores fundamentais, importa promover programas de educação sexual nas escolas, importa aplicar com eficácia a lei do planeamento familiar, importa encaminhar recursos para aumentar o número de estruturas sociais de acolhimento de crianças e apoio às famílias, importa simplificar a lei de adopção, sem perda da defesa dos direitos da criança e das famílias.
Sr.ªs e Srs. Deputados, são estas as vias, estes os grandes desafios a que nos obriga a legitimidade do nosso mandato e da representação dos nossos eleitores. Legislemos sobre estes desafios e estaremos a respeitar as mulheres, a respeitar a vida e os seus valores.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Filomena Bordalo, ouvi com

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extrema atenção a sua intervenção e esta é a primeira pergunta que lhe faço: esse programa todo, que aí enunciou e que, por acaso, não vimos nunca realizado, bem pelo contrário, no tempo dos governos PSD - que até fez aqui aprovar uma lei, a Lei n.º 64-A/89, que deu a possibilidade de colocar mulheres e jovens praticamente com contratos a prazo para toda a vida -, quando é que está pronto? Quando é que se efectiva?
A segunda questão é esta, e este assunto toca-me muito porque acho que quem fala nisso é muito desumano: quando se começou a falar na despenalização do aborto, não faltou quem falasse logo na adopção - tenham as crianças que depois são adoptadas! A Sr.ª Deputada falou na adopção, mas mesmo que não conheça trabalhos que eu, por acaso, conheço e terei muito gosto em lhe fornecer, de um médico canadiano que estudou os efeitos psíquicos para a mulher ao ter de dar um filho para adopção, não acha que é uma violência enorme o que a Sr.ª Deputada exige às mulheres, ou seja, que aguentem uma gravidez, que não podiam levar até ao fim por várias condições, económicas e sociais, e depois se vejam confrontadas com a situação dramática de ver ir embora um filho que não desejaram ou não podiam efectivamente ter?
Terceira e última pergunta: Sr.ª Deputada Filomena Bordalo, acha que, de facto, com esse programa todo, se conseguirá evitar que haja abortos?
Tenho na minha frente um quadro com o nível de evolução do número de abortos, desde 1976 a 1980, na Dinamarca, na Finlândia, na Noruega e na Suécia, em países com grande desenvolvimento mas que reconhecem que pode falhar alguma coisa, que pode falhar o planeamento familiar. Qual é solução, Sr.ª Deputada? Ou também se encontra no número daqueles - normalmente são homens - que não reconhecem às mulheres o direito à sua própria sexualidade, não apenas para procriar, Sr.ª Deputada?

Aplausos do PCP, de Os Verdes e das Deputadas do PS Maria da Luz Rosinha, Natalina Moura. Paula Cristina Duarte e Sónia Fertuzinhos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, não quero nem me parece que seja este o momento e o espaço para medir com V. Ex.ª competências ou conhecimentos sobre a adopção. A adopção tem de ser vista não no quadro do aborto mas no quadro da maternidade e da paternidade responsáveis.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

Deixe-me, Sr.ª Deputada, acreditar no meu país e nas pessoas do meu país. Este programa que aqui apresentei, que não é propriamente um programa mas um enunciado de questões que me preocupam, será possível quando esta Câmara o quiser.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Moleiro.

O Sr. Agostinho Moleiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, a Assembleia da República está de parabéns. De

facto, é aqui o lugar próprio para o debate das grandes questões nacionais. Aos Deputados cabe sintonizar a realidade do País que os elegeu, do País real, isto é, dos problemas das portuguesas e dos portugueses, independentemente da sua condição política,. religiosa, moral ou social.
Queira-se ou não, seja-se a favor ou contra, a interrupção voluntária da gravidez é também, em Portugal, uma questão quente. Questão quente que, em relação à Europa das Nações, estamos a resolver a frio, vinte anos mais tarde.
Os arautos da desgraça, do nada fazer para tudo fingir, esquecem-se que há, neste momento, em Portugal, 40 a 50 mulheres à procura de local para abortar nas próximas 24 horas. Entre estas mulheres estarão algumas (obviamente poucas) que hospedam na sua barriga fetos com malformações e com mais de 16 semanas de gestação. Sendo esta a realidade que todos conhecemos, porque não contrapor à hipocrisia do silêncio a verdade da discussão e a procura de solução?
É-me pessoalmente intolerável que a uma mãe portadora de um feto malformado, por vezes inviável, diagnosticado pelas 20 semanas, se lhe diga: «Agora, já não há nada a fazer! Tenha paciência...» E humanamente inaceitável que a mulher portuguesa faça em condições indignas, economicamente gravosas e sob perigo de lesão irreversível ou da própria vida, o aborto que ela nunca desejou e de que o homem se quer desresponsabilizar. Estes são dois exemplos de duas vertentes do mesmo problema.
Como podem os Deputados desejar dos cidadãos a utilização dos serviços de saúde para promoção do seu bem-estar e ao mesmo tempo recusar-lhe um cuidado médico que só deve ter lugar em meio hospitalar para aceitar que seja feito em qualquer sítio escuro, dito secreto? Quem, nos últimos 20 anos, assistiu a situações dramáticas, de mulheres a esvair-se de sangue no serviço de urgência após um aborto clandestino e ao nascimento de fetos mortos e recém-nascidos malformados, não pode ficar indiferente à oportunidade de mudança.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Daqui faço o apelo à mudança, no respeito pelo direito da mulher à maternidade consciente, desejada e responsável.
Dizia alguém, numa das muitas audições feitas nesta Assembleia: «O problema está à vista, mas ninguém o quer ver». Ele é também e sobretudo um problema de saúde pública, pois é feito em condições higiénicas deploráveis, em condições emocionais marcantes e de grande humilhação. É evidente que as medidas propostas terão de ser, cada vez mais, acompanhadas de políticas activas no âmbito do aconselhamento e planeamento familiares, da educação sexual, da generalização do diagnóstico pré-natal e da reformulação dos serviços de atendimento e apoio à maternidade.
Por outro lado, como cidadão e como médico, tenho dificuldade, a nível dos conceitos e da própria prática, em fazer a distinção entre o oferecer seringas aos toxicodependentes e oferecer serviços de saúde para a interrupção voluntária da gravidez. Ambos são um mal necessário, ambos precisam de um bom tratamento preventivo.
Finalmente, às mulheres portuguesas, que têm assumido sempre o planeamento das nossas famílias, sabe-se às vezes com que sacrifício, o nosso muito obrigado.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, os projectos de lei n.ºs 177/VII e 236/VII representam uma alteração radical de política, partem de uma análise incompleta, logo falseada, da realidade de hoje e, em minha opinião, propõem soluções ultrapassadas, violam princípios éticos fundamentais, alteram a hierarquia de valores e o próprio sentido da vida em comunidade. Proponho-me tratar dos diversos níveis desta questão.
Sempre defendi, nesta Assembleia ou fora dela, que a defesa da vida deve ser feita em toda a sua plenitude e tem de se integrar numa perspectiva global: do primeiro direito, o direito à vida, decorre o direito ao desenvolvimento, entendido como o direito de todo o ser humano a participar, contribuir para, usufruir do desenvolvimento económico, social, cultural, ambiental e político, nos termos da Declaração aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, há dez anos, que considera todos os direitos indissociáveis e interdependentes.
É injusto e muito me surpreende que se esqueça perante o País o trabalho persistente que muitos portugueses realizam no dia-a-dia, em instituições, associações, organizações não governamentais, promovendo o desenvolvimento integral das pessoas, o planeamento familiar, a educação sexual, a difícil educação especial, o apoio a crianças abandonadas e a jovens em risco.
Todos sabemos que há situações dramáticas. Como reformista, penso mesmo que temos de acelerar a mudança. Falava-se, na década de 80, em 100 a 200 000 abortos clandestinos por ano; os proponentes não referem que hoje esse flagelo sofreu uma enorme redução - aliás, muitos sustentam que os números que agora adiantam, cerca de 16 000, estão inflacionados - e também não referem que cerca de 90% das mulheres têm acesso à contracepção.
Penso que é agindo que se resolvem os problemas temos de acabar o mais rapidamente possível com o aborto clandestino, apoiando a maternidade consciente, punindo os que, por razões de lucro, pressionam no sentido do aborto, criando todas as condições para acolher os que nascem. E, como vêem, agindo, pode-se reduzir o aborto clandestino. Logo, há que prosseguir neste caminho para o eliminar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os proponentes estão ainda no tempo das vanguardas auto- iluminadas e falam em nome dos mais pobres ignorando que são esses, incluindo as mulheres, segundo todas as sondagens, os que mais se opõem à liberalização ou à despenalização do aborto. Por deformação materialista pensam que a única motivação para o aborto é económica e social. Nada mais falso! Vão abrir as portas ao egoísmo dos instalados, à selecção para escolha do sexo, que nalguns países da Ásia por virtude do aborto livre tem criado défices imensos de mulheres, e até há agora um Prémio Nobel que sugere que a mulher venha a poder abortar se no embrião for detectado o gene da tendência homossexual! Até onde iremos?!
Também no plano do direito se enganam. Ninguém pode contestar o direito da mulher a conceber se e quando quiser de acordo com a sua consciência. Mas é evidente que esse direito se exerce antes da geração livre de um novo ser. E a ciência - Srs. Deputados, sejam actuais! - vai dar-lhe meios de o fazer em todas as circunstâncias com absoluta certeza e segurança.
Os nossos positivistas, inspirados, como é costume, no século XIX francês, continuam a pensar que a lei tudo pode decidir e tudo pode resolver. Pura ilusão! É por isso que, em vez de lutar pelo cumprimento das leis, propõem outras que ainda serão menos cumpridas por serem rejeitadas por grande parte da comunidade, por não serem expressão da vontade geral e suscitarem legítimas objecções de consciência. A verdade é que o aborto clandestino nunca desapareceu com a despenalização - há razões culturais e sociais que em parte o mantêm -, o que cresce é o aborto legal.
Não compreendo o argumento que tiram do facto de a lei ser ou não integralmente cumprida (há muitas outras leis que não o são). O que se deve não é mudar a lei mas fazer que as situações críticas vão desaparecendo.
Os proponentes querem fazer passar como um progresso textos velhos que alguns países europeus adoptaram nos anos 70. Aliás, ainda que toda a Europa tivesse leis semelhantes, o que é falso, perguntar-me-ia se neste como noutros campos - eutanásia, tráfico de droga - nada mais nos restaria que copiar os outros. Como poderia Portugal manter a sua identidade? Jamais poderia ser precursor, como foi na abolição dessa aberração que é a pena de morte!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os proponentes ignoram que a Assembleia Parlamentar e o Comité de Ministros do Conselho da Europa, organização de 40 países com quase 700 milhões de habitantes, convocaram em Dezembro passado um simpósio sobre a protecção do embrião e deliberaram que o primeiro protocolo adicional à nova Convenção sobre os Direitos do Homem e a Bio-Medicina lhe será dedicado.
Porquê esta evolução? Em primeiro lugar, porque hoje ninguém tem dúvidas que com a concepção começa um novo ser com um genoma próprio, único, insubstituível, irrepetível.
Que lógica teria proclamar na Convenção que uma intervenção com o objectivo de modificar o genoma só pode ser feita por razões preventivas ou terapêuticas, proibindo-se a intervenção para escolha de sexo e a constituição de embriões para fins de investigação, se, por outro lado, através do aborto livre, tudo pode ser simplesmente destruído?
No referido simpósio participaram representantes de diversas confissões religiosas desfavoráveis à despenalização, no que foram acompanhados por personalidades sem religião. Claro que houve outros com posições diferentes, mas ficou claro que a oposição católicos/não católicos não tem razão de ser. Trata-se de uma questão de direito natural.
Ao nível da ética vejo com surpresa que se põem em causa princípios fundamentais, como demonstra no seu parecer o Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida. É que alguns confundem a ética com a sua própria ética.
A questão ética fundamental é esta: todos reconhecem que o embrião pertence à espécie humana. Se é assim, é princípio basilar a unidade de origem e a comunidade de destino de toda a espécie humana, da qual resultam laços indestrutíveis de natureza ontológica e ética entre todos os seus membros sem excepção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Há também outro princípio da ética que nesta tribuna defendi há um ano, curiosamente então com apoio de alguns subscritores dos projectos em apreciação: os fins nunca justificam os meios. A argumentação que ninguém quer o aborto, que não é bom, até ouvi dizer hoje que é trágico, mas tem de se fazer por supostamente ser necessário para alcançar um fim ou resolver um problema, não pode ser aceite.
Ainda que os fins fossem bons, tal acção seria eticamente condenável. Os meios maus e injustos não se podem utilizar para atingir seja que fins forem.
Passemos ao nível dos valores.
A vida humana, esteja em que estádio estiver, é um valor em si mesma. Sendo um valor anterior ao Estado, anterior à lei, aquele não tem legitimidade para arbitrariamente definir quando pode ou não ser-lhe posto termo sem sanção.
Claro que há outros valores respeitáveis e logo a seguir vem a liberdade. Mas esta não é absoluta e ilimitada. Tem de exercer-se no respeito dos direitos dos outros, em especial dos mais fracos. Ousará alguém defender a consagração da lei da selva, da lei do mais forte, negando o valor primordial do dever de protecção do mais fraco e indefeso?.
Também os valores estéticos, económicos e sociais são importantes. Mas sem hierarquia de valores todos se anulam uns aos outros. Sem hierarquia não há valores. O valor da vida é hierarquicamente superior aos outros e lamento a confusão que reina nesta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Chego ao último nível, que ainda não vi aqui tratado. Na pitoresca linguagem político-mediática, que por aí corre, muitos usam as expressões faz ou não faz sentido, querendo dizer que o que afirmam tem lógica e que os outros não têm lógica ou não têm razão. Assim, descobriram que o sentido seria mais um instrumento de luta político-mediática.
Ás questões instrumentais são sem dúvida importantes. Como conquistar e manter o poder. Como produzir, distribuir, organizar, consumir, educar. Como resolver este e aquele problema. Mas ainda mais importante é saber porquê e para quê.
Ora, as sociedades actuais, Srs. Deputados, procuram soluções pontuais imediatistas, que muitas vezes se contradizem e dão origem à pura acumulação de vantagens sociais, económicas e culturais de uns sobre os outros, criando novas formas de defesa de interesses categoriais e levando ao que em França já se chama o regresso à tribalização da sociedade. Por isso lá, à esquerda e à direita, vozes preocupadas se levantam sobre a necessidade do sentido.
Verifiquei, claro, que o Partido Comunista Português não aprendeu a lição dos países de Leste: os sistemas caíram porque perderam o sentido e sem ele não se pode subsistir.
Felizmente, a comunidade portuguesa não perdeu ainda o sentido. Sabe que a sua finalidade última é a criação de condições para que todos os seres humanos nela possam escolher e realizar o seu próprio caminho para a felicidade. É uma comunidade que até hoje tem acarinhado a, vida humana, fone ou fraca, nascida ou não nascida.
Hoje vamos mesmo ao ponto, e ainda bem, de sublinhar o dever de preparar condições para acolher as futuras gerações. Por isso se fala no desenvolvimento sustentável. Mas, então, pergunto-vos: que sentido terá esta nossa preocupação, que sei que é de todos, com os seres não gerados de gerações mais ou menos longínquas se ao mesmo tempo aceitarmos a destruição de seres já gerados?!
Em conclusão, tendo demonstrado que os projectos não resolvem as causas do problema, são antiquados e têm consequências imprevisíveis, pondo em causa valores essenciais e o próprio sentido da vida em comunidade e da acção política, vou evidentemente votar contra.

Aplausos de alguns Deputados do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, a palavra ao Sr. Deputado Strecht Monteiro.

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Roseta, dado que V. Ex.ª  enumerou todos os projectos, suponho que também se referiu ao meu...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não! Há um equívoco!

O Orador: - No entanto, não ficou explícita na sua intervenção o que pensa acerca do meu projecto e dado que V. Ex.ª diz que a lei actual resolve todas as situações, a minha pergunta é a seguinte. como é que resolve algumas situações clínicas de fetos que aparentam malformações às 12 semanas? É que, para cumprirmos a lei, poderemos estar a retirar esses fetos indevidamente. Todavia, como esses fetos, mais tarde, podem evidenciar-se como fetos normais, se tivermos mais tempo para decidir sobre a interrupção ou não da gravidez melhor será.

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Pedro Roseta, para responder.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Deputado Strecht Monteiro, certamente há um equívoco da sua parte, porque eu não me referi ao seu projecto de lei. Disse, claramente, na primeira frase da minha intervenção, que trataria, exclusivamente, dos projectos de lei n.ºs 177 e 236/VII.
Claro que teria muito gosto em lhe explicar longamente a minha posição sobre o seu projecto de lei, mas, dado o escasso tempo de que disponho, vou fazê-lo numa declaração de voto que entregarei amanhã.
Poderei dizer, desde já, isso sim, que vou abster-me na votação do seu projecto, porque o Sr. Deputado retirou um ponto que violava claramente os princípios fundamentais da ética, violando também um direito fundamental nas nossas sociedades - como os outros projectos violam também, mas nem falemos nisso -, ou seja, a objecção de consciência.
Assim, como retirou isso do seu projecto de lei, vou abster-me na votação do seu diploma, pelas razões que explicarei numa declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS ): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar citando Adolfo Peres Esquível, Prémio Nobel da Paz de 1980 que dizia que «quem justifica o aborto justifica a pena de morte e eu

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estou contra a pena de morte e contra o aborto. Ser progressista significa defender a vida e nada mais,...

Aplausos do PSD, do CDS-PP e dos Deputados do PS Eurico de Figueiredo e Maria do Rosário Carneiro.

Protestos de alguns Deputados do PS .

... significa também um permanente questionamento das nossas opções e convicções éticas».
Na discussão sobre a despenalização do aborto tende-se a desvalorizar e a valorizar as opiniões expressas pelos biólogos e pelos médicos, designadamente sobre onde começa o direito à vida, consagrado na Constituição da República. Eu valorizo!
Aquela informação é, sem dúvida, importante já que permite conhecer, à luz das possibilidades científicas da nossa época, os dados que habilitam a uma reflexão ética sobre a inviolabilidade da vida da pessoa humana e que nos levarão, necessariamente, a uma decisão política.
Tenho, para mim, que é de uma decisão política que se trata, porque é disso que falamos quando se pretende dotar a República de uma nova lei sobre a interrupção voluntária da gravidez.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É, de facto, assim, conquanto numa sociedade democrática, que procura o bem comum em última instância, a moral e a ética da República, pelas quais nos devemos reger, residem nas leis que construímos.
É, para mim, claro também que isso não resulta na exclusão de qualquer direito individual ou de uma ética e moral próprias.
Contudo, a decisão política deve pesar todas as razões, de natureza mais diversa, mantendo, embora, a salvaguarda da referência ético-política mais forte, como aquela consagrada na Constituição da República. E aceito que todos o fazemos! É no seu artigo 24.º que se fundam toda a ordem legal e a convivência inter-humana e é dele resultam todos os outros direitos humanos. E não se está, por isso, no domínio de uma moral ou de uma ética pessoal obviamente autoritária e dogmática; bem pelo contrário, trata-se de uma obrigação do legislador atender e valorar esse valor constitucionalmente consagrado.
Não se trata, pois, de uma deliberação que possa merecer o «encaixotamento» num qualquer chavão de direita ou de esquerda, em termos político-partidários, ou da luz e das trevas, em termos intelectuais ou filosóficos, quer se esteja contra ou a favor da despenalização do aborto. Não se trata, ainda, de uma qualquer dicotomia entre católicos e não católicos.
Num processo crescente de humanização da nossa sociedade, chegámos a uma época histórica em que a valorização, num domínio como este, da consciência plena da salvaguarda e do estímulo às melhores condições de realização da pessoa humana, o legislador - eleito democraticamente - é também fautor deste devir colectivo.
Estou de acordo com os caminhos que o projecto de lei n.º 235/VII, do meu camarada Strecht Monteiro, pretende percorrer. Trata-se da iluminação da lei vigente, à luz, justamente, de um conhecimento científico actual quanto a prazos, fundamentalmente.
Discordo das outras duas iniciativas que pretendem alcançar objectivos que vão contra a minha consciência,

porquanto põem em crise o direito fundamental à vida, que revejo inteiramente salvaguardado na Constituição da República.

Aplausos do PSD, do CDS-PP e de alguns Deputados

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS ): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com toda a amizade e respeito pelo meu camarada António Braga, queria apenas sublinhar que a pena de morte é o aborto clandestino. Nós somos pelo direito à vida, por isso somos pela descriminalização do aborto clandestino.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, penso que, uma vez que não dispõe de muito tempo, será melhor responder no fim.

O Sr. António Braga (PS): - Sim, Sr. Presidente, respondo no fim.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado concentrou a sua curtíssima intervenção e ainda bem! - em defesa da vida, esquecendo e ignorando a dignidade da vida.,...

Protestos de alguns Deputados do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, espero que a euforia e o nervosismo dos Srs. Deputados do PSD possa, de algum modo, ser descontado no seu próprio tempo e não no meu.

O Sr. Presidente: - Queira continuar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Dizia eu que o Sr. Deputado António Braga concentrou a sua intervenção em nome da defesa da vida, ignorando a dignidade da vida. Saberá o Sr. Deputado, com certeza, e não o desmentirá, que a defesa da vida implica com a dignidade da vida.
Nessa perspectiva, o Sr. Deputado reconhece, porque é impossível não o fazer, a existência do aborto clandestino. Ora, reconhecendo a existência do aborto clandestino e na perspectiva da sua intervenção, o senhor tem de levar a coerência lógica de raciocínio e das suas próprias convicções às últimas consequências e, então, terá de reconhecer que o aborto é um crime de homicídio que levará para a prisão as mulheres portuguesas, pelo menos durante 25 anos.
Gostaria, pois, que o Sr. Deputado dissesse, sem hipocrisias, sem falsidades, com coerência e com seriedade, a todas as mulheres portuguesas que, neste momento, escutam directamente o debate neste Plenário, se é isso que o senhor pretende, se pretende a prisão de todas as mulheres portuguesas que recorrem ao aborto clandestino.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

Protestos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, meu querido camarada Manuel Alegre, por quem tenho a maior consideração, carinho e respeito por tudo o que significas para o Partido Socialista e para mim, devo dizer-te que concordo com o que disseste relativamente à pena de morte quando a comparas com o aborto clandestino, que também é, em si, eventualmente, uma pena de morte.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Concordo contigo, mas tenho um valor superior quanto à prevenção a montante dessas situações em relação à própria vida e tu, que foste capaz de dizer que há sempre alguém que resiste, alguém que diz não, com certeza que compreenderás a minha intransigência de consciência nessa matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Minha querida colega Deputada Luísa Mesquita, à sua pergunta já vem em segunda mão, mas sempre lhe devo dizer que as soluções que têm de ser encontradas num quadro legal, que os senhores também apontam, a posteriori, na vossa lei, são soluções de prevenção, de consolidação da qualidade e das condições de vida das pessoas em geral e, obviamente, em concreto, o que é preciso é perceber que nenhuma lei resolve os problemas da vida.

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fez no passado dia 26 de Janeiro 13 anos que nesta mesma Sala me levantei para, em votação nominal, votar favoravelmente aquela que viria a ser a Lei n.º 6/84. Fi-lo em nome da organização da juventude a que presidia e também em nome da minha consciência.
Pelo facto, quanto a mim erradamente, de ter sido imposta disciplina partidária, sofri um processo disciplinar que culminou na minha condenação.
Passados 13 anos não esqueci aqueles momentos. Passados 13 anos não esqueci a solidariedade e o apoio de muitos companheiros. Passados 13 anos não abrandei na minha convicção de que fui vítima de uma disciplina partidária ilegítima e despropositada. Passados 13 anos congratulo-me por a actual direcção do meu grupo parlamentar por não ter hesitado um minuto ao definir, para este debate e esta votação, o princípio da liberdade de voto.
Não o faço, sobretudo, pela memória de 13 anos. Faço-o porque, ontem como hoje, considero que esta matéria tem a ver com as convicções mais profundas e releva da consciência individual. Não faz sentido impor lógicas partidárias. O que está em causa, em nome da dignidade humana, é mais importante do que isso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 13 anos levantei-me para dar o meu voto a um projecto de lei do Partido Socialista, porque considerava ser necessário alterar a legislação então vigente.
Não sou dos que levianamente desvalorizam o aborto, que é sempre uma solução a evitar, sendo, quase sempre, resultado de uma decisão difícil e dolorosa, mas sou dos que consideram que há circunstâncias e razões que justificam que essa decisão seja tomada. E, como muitos outros, sempre me levantei contra a hipocrisia dos que em segredo concordavam comigo mas achavam que à lei não devia ir tão longe.
Não faz sentido que, reconhecida a não ilicitude da prática do aborto nesses casos, não seja assegurado às mulheres envolvidas as condições para que consequências mais funestas não decorram desse facto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Reconheço que passaram 13 anos. Tenho de dizer a esta Câmara da minha insatisfação relativamente ao muito que ainda não conseguimos fazer, e temos de o conseguir, no plano da educação sexual e do planeamento familiar.
Sou sensível aos argumentos - alguns deles técnicos - que sugerem a vantagem e a conveniência em introduzir melhorias na lei que, então, aprovámos.
Por isso, em coerência com a votação que fiz em 1984, darei o meu voto favorável ao projecto de lei n.º 235/VII.
Mas há 13 anos levantei-me também para votar contra o projecto de lei apresentado pela bancada do Partido Comunista Português, não por se tratar de um projecto desse partido mas, sim, porque havia uma diferença essencial entre os dois projectos de lei em causa, na altura: num caso tratava-se, como se fez, de reconhecer as circunstâncias em que o aborto deve ser possível; no outro indiciava-se a liberalização do aborto.
Em coerência com o voto que então fiz, votarei novamente contra tal proposta que, desta vez, está prevista no projecto de lei do PCP e agora também no projecto de lei n.º 236/VII, do PS.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar desta clareza e similitude com o passado, há uma diferença essencial: é que há 13 anos não era possível recorrer ao referendo. Confrontada a Assembleia da Republica com iniciativas legislativas, cabia exclusivamente aos Deputados decidir sobre a matéria.
Mas a Constituição, felizmente, mudou e hoje, sendo juridicamente possível o referendo, era politicamente recomendável que ele se fizesse em vez da votação parlamentar a que procederemos no final deste debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Voto em consciência mas preferia, numa matéria desta natureza, estar a votar favoravelmente o projecto de resolução que em boa hora foi apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque se estou seguro com a minha consciência, mais seguro estaria se fosse a consciência dos portugueses a decidir sobre esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Cada vez mais, na sociedade em que vivemos, temos de ser capazes de alargar os mecanismos de participação social e política dos cidadãos.

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Se o Parlamento evoca a si a decisão numa matéria destas em vez de a sujeitar ao veredicto dos portugueses, quando vamos buscar mais participação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando vamos construir mais democracia?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quem nega o referendo nesta matéria, que legitimidade tem para vir reclamá-lo ou aceitá-lo em assuntos que, a despeito da sua importância, não relevam como este da consciência das pessoas e dos seus valores e convicções?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguns pensarão que o Parlamento, ao querer decidir sobre estes projectos de lei, exerce as suas competências e reforça o seu papel. Receio ter de discordar.
O que verdadeiramente enobreceria este Parlamento e reforçaria a sua legitimidade era ter usado as suas competências para primeiro ouvir os portugueses, como o PSD propôs, e então, sim, nesse debate no País, certamente mais sereno do que há anos atrás, teríamos também uma decisão legítima mais madura, como os portugueses hoje merecem.
Mas, acima de tudo, no fim deste debate e da votação que se lhe seguirá, seja qual for o seu resultado, os portugueses mereciam que politicamente nos convencêssemos que os problemas humanos e sociais ligados ao aborto não se resolvem, nem resolverão, por lei nem pela invocação de pretextos morais.
O drama do aborto evita-se cuidando da dignificação da vida e da vivência humana. Evita-se e previne-se oferecendo a todos, homens e mulheres, adolescentes e gente madura, os meios de dignidade que hoje a evolução técnica e humana já consagrou mas que a vida insiste em discriminar. E aí, sim, está bem ao alcance da nossa decisão política fazer alguma coisa pelos portugueses e pela sua vida.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, apelo para o voto na despenalização do aborto. Recordo que, em 1989, apresentei uma proposta que visava tão somente retirar do Código Penal essa ameaça velada que não é suficiente para desincentivar o recurso ao abono clandestino, infelizmente sem sucesso. Em todo o caso, Srs. Deputados, uma vida não chega para mudar as nossas convicções e é necessário que sejamos coerentes, tanto nesta Câmara como na nossa vida pessoal, dando demos dessa coerência testemunho, porque, se não, ficar-nos-emos por manifestações farisaicas de piedosas intenções.
Srs. Deputados, seremos julgados pelo exercício do nosso mandato, ou seja, os eleitores avaliarão se o exercemos com uma devota e farisaica atitude a outras concepções que não sejam aquelas para que fomos eleitos. A ética do legislador, Srs. Deputados, não compete só à sua própria consciência, ela tem de atender às questões sociais, à realidade, ao que se passa na vida.
Os senhores sabem que existe prostituição, ela é clandestina mas existe, os senhores vêem-na todos os dias; os senhores sabem que se consome droga, ela é proibida mas consome-se e nós lidamos, quase diariamente, em muitos casos na nossa família, com esse fenómeno. Será que actuámos? Será que o sistema de saúde se adaptou a esta realidade da vida? Mas, sobretudo, será que a punição não é discriminatória?
Srs. Deputados, é à tolerância de que aqui falaram alguns que apelo, é em nome dessa tolerância que lhes peço que despenalizem o aborto. O relatório do meu camarada José Magalhães, uma magnífica peça que deveria ter servido de base a este debate e cuja leitura recomendo, não é, realmente, nenhum catecismo saído de nenhum concílio, não tem nada de atentatório contra as convicções e os credos de cada um, é, efectivamente, uma radiografia da situação assustadora. Há pessoas que foram criminalizadas e presas e eu interrogo-me se entre essas pessoas havia algum homem que não fosse profissional da saúde. Afinal, a maternidade e a paternidade consciente só criminalizam a mulher?
O direito à vida, em nome do qual alguns falam, talvez para exorcizar os seus medos atávicos, a sua condição de mortais, é indiscutível. No entanto, muitos são os que têm a incapacidade de vencer esses receios, esses medos, e de enfrentar essa dura realidade. Srs. Deputados, a nossa vida é breve, façamos dela um hino.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os argumentos ao longo desta tarde têm aparecido, muitas vezes, como se os intervenientes mais visassem credenciar opções já assumidas ao nível da sua consciência moral e cultural do que formular as razões e motivos determinantes da sua própria decisão ou tendentes à persuasão racional dos outros. Compreende-se: o aborto e a medida da sua despenalização constituem um tema forte, é daqueles perante os quais ninguém fica indiferente, é um tema que desafia o pensar e o sentir dos portugueses, dividindo, profunda e radicalmente, a comunidade nacional.
Neste texto e contexto de cada intervenção, as perspectivas éticas, políticas e jurídicas cruzam-se constantemente e formam blocos onde a razão e a emoção, os apelos, as pressões, as declarações de princípio e de convicção têm um lugar de destaque, o que só enobrece o debate parlamentar.
Não vou retomar o fio das argumentações para esmiuçar os contras e prós dos projectos de lei e tirar quaisquer conclusões parcelares. A esta hora já eles estão analisados e ponderados no espírito de todos nós. Pretendo apenas focar o essencial da questão política suscitada por estas iniciativas legislativas e sintetizar as razões que um maior ou menor número de Deputados pode invocar em consciência para justificar o seu voto na generalidade sobre os projectos de lei em discussão.
A ordem jurídica do Estado de direito democrático e da «sociedade aberta» não pode ser confessional, nem pensada como se fosse deduzida, ou dedutível, de qualquer decálogo, código ou cartilha moral. Pelo contrário,

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assenta no princípio da separação entre a política e o direito, por um lado, e as religiões e sistemas éticos, por outro. Trata-se, esta, de uma condição da liberdade e de um pressuposto da salvaguarda da eminente dignidade de todos e quaisquer membros da comunidade política.
O pluralismo político, o pluralismo ético, o respeito pela diversidade de culturas e de valores, a tolerância, constituem o caldo de cultura da democracia.
Os fundamentalismos e tentações teocráticas e as suas trágicas consequências, hoje visíveis em muitas partes do mundo, mostram-nos, em projecção caricatural ou em contra-exemplo, a importância que os princípios da separação e do pluralismo têm para a afirmação da liberdade pessoal e política.
Em geral, a ordem jurídica portuguesa assenta nestas ideias-força da democracia, e, em particular, o que hoje vem ao caso, no tratamento dos graves problemas humanos e sociais emergentes da interrupção voluntária da gravidez.
O primeiro princípio da nossa cultura jurídica neste domínio é o da inviolabilidade da vida humana...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... desde a concepção, isto é, desde o momento da formação da identidade genética do novo ser, pelo menos, até à morte. A partir daquele initium, cada ser humano é sagrado para os outros, seja a mãe, o pai e a família, seja a sociedade ou o Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No período da vida intra-uterina, na infância e adolescência, na juventude e maturidade, na velhice e decrepitude, a vida humana individual não pode ser considerada nunca como meio ou instrumento de quem quer que seja, é sempre um fim em si mesmo.

Aplausos do PSD.

O princípio da inviolabilidade da vida humana está ligado, na nossa ordem jurídica positiva, a outro princípio: a mulher grávida tem o direito e o dever de levar a termo a gravidez, sendo-lhe devidos o amparo, a protecção e o apoio positivo - do pai, da família, da sociedade e do Estado - necessários, nas circunstâncias concretas da sua vida, ao exercício daquele direito e ao cumprimento daquele dever. Uma tal cooperação está ao serviço da mulher e, através dela, ao serviço do casal, da família, da comunidade política e da própria humanidade.
No enlace destes dois princípios basilares é que assentam as medidas reclamadas do Estado e das instituições da sociedade civil para uma maior informação e uma cultura moderna e sem complexos sobre a sexualidade humana, para um planeamento familiar consciente e responsável, para o combate eficaz às práticas atentatórias da liberdade e da autodeterminação sexual, para a protecção efectiva da maternidade e da natalidade, para a garantia dos direitos da criança, para a desburocratização da adopção, etc., etc.,

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Todos temos consciência dos atrasos que urge vencer em Portugal. Sobre isso dispomos hoje de notáveis contributos vindos de muitos lados para a preparação deste debate parlamentar, como o relatório e parecer da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida ou a copiosa informação trazida pelas muitas instituições e personalidades que participaram nas audições promovidas pelas comissões parlamentares.
O princípio da liberalização do aborto - ou da interrupção voluntária da gravidez -, preconizado nos projectos de lei apresentados pelo Partido Comunista Português e por um grupo de Deputados do Partido Socialista, subscrito em primeiro lugar por Sérgio Sousa Pinto, subverte, directa e frontalmente, essa estrutura normativa basilar da ordem jurídica portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se qualquer destes projectos fosse aprovado, a mulher grávida passaria a dispor livremente da vida do nascituro durante as primeiras 12 semanas. Dizer-se, num caso, que «Não é punível a interrupção da gravidez (...) a pedido da mulher grávida» equivale ao que se diz noutro, ou seja, que «Não é punível a interrupção voluntária da gravidez (...) a pedido da mulher (...) para preservação da sua integridade moral, dignidade social e ou maternidade (...)».
Em qualquer das hipóteses caberia à mulher decidir, como último juiz, sobre o aborto, pois as cautelas médicas exigidas visam a correcção do acto médico e não, seguramente, a restrição da liberdade de decisão da grávida.
E eis a questão política: a Assembleia da República, por iniciativas legislativas do PCP e de Deputados do PS, foi chamada a proceder a uma mudança radical da ordem jurídica positiva numa matéria grave e delicada como o aborto.
O PCP poderá invocar apoio eleitoral para tomar uma tal iniciativa. Esta sempre tem sido a sua posição na prática legislativa e nas campanhas eleitorais.
Mas podem os outros Deputados, de consciência tranquila, alterar o direito vigente, sem terem colocado como tema da campanha eleitoral em que foram eleitos as suas intenções a respeito da liberalização do aborto? Não é esta uma questão que cabe aos eleitores decidir directamente em referendo e após debate público, aberto e participado, sem orquestrações nem temores, apenas no exercício da autonomia moral e cívica de cada um?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É assim que o Partido Social Democrata encara a questão política que ele próprio não suscitou. Por isso, consumadas as iniciativas legislativas alheias, logo reclamou a realização de um referendo, em que todos os portugueses e as portuguesas respondam se querem ou não consagrar na lei a liberalização do aborto. Mas a nossa proposta, até hoje, não encontrou honesto acolhimento. O projecto de resolução que apresentámos aguarda ainda o necessário tratamento parlamentar.
Concluo com uma nota pessoal. Se o referendo vier a ter lugar, bater-me-ei, diante dos meus concidadãos, pela continuação nas leis do direito e dever da mulher grávida levar a termo a sua gravidez e receber, de facto e em tempo, todos os apoios e amparos que o Estado e a sociedade lhe devem para o êxito dessa sua nobre e insubstituível missão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - E, já agora, permitam-me que, para terminar, volte a uma citação do Evangelho aqui feita, mas desgraçadamente truncada num ponto decisivo. «Eu também não te condeno», disse Jesus à mulher. Mas prosseguiu dizendo: «vai em paz e não voltes a pecar».

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Odete Santos inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Barbosa de Melo. No entanto, o Grupo Parlamentar do PSD já não dispõe de tempo, antes pelo contrário, já usou mais três minutos do que o tempo que lhe foi atribuído. Pergunto à Sr.ª Deputada Odete Santos se o Grupo Parlamentar do PCP cede tempo ao Sr. Deputado Barbosa de Melo para lhe responder.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, como ainda temos outra intervenção para fazer, vou encurtar a minha pergunta e cedemos um minuto ao Sr. Deputado Barbosa de Melo para responder.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, vou mesmo encurtar a minha pergunta, apesar de ter umas questões para colocar a V. Ex.ª que penso serem muito interessantes.
Independentemente da questão da vida intra-uterina, a pergunta que vou colocar-lhe é aquela que já me tem ouvido colocar a toda a gente: como é que V. Ex.ª, que é um especialista em direito, justifica a manutenção de uma regra penal que não atinge os objectivos que diz querer prosseguir, porque em 1995 apenas houve, em todo o País, nove processos por aborto clandestino?
Certamente, V. Ex.ª não me vai dar essa resposta, porém há quem diga que nem todos os furtos são descobertos. Penso que V. Ex.ª não irá responder-me desse modo, porque o comportamento da sociedade em relação aos furtos e em relação ao aborto é muito diferente. Toda a sociedade sente, nomeadamente os juízes e as polícias, que a mulher recorre ao aborto em situações muito difíceis, convive mal com isso e sente que não é um crime.
Pergunto, Sr. Deputado Barbosa de Melo: como é que V. Ex.ª, um especialista em direito, ademais pertencendo à escola de Coimbra, que advoga um direito penal da tolerância e, nas suas linhas gerais, que o direito penal não pode impor a uma parte da população aquilo que a outra pensa, pode justificar a sua posição?
Por último, V. Ex.ª entende, então, que as mulheres devem ser postas na cadeia?

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo. Para além do minuto cedido pelo Grupo Parlamentar do PCP, dispõe de mais um minuto, que lhe concede a Mesa.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, começo por agradecer-lhe a gentileza da sua pergunta, a generosidade do tempo que me concedeu e a exoneração que me fez, ao formular uma pergunta a que respondeu bem.
Subscrevo a ideia do furto, mas eu não ia usar esse argumento. Fez bem ao eliminá-lo, pois fê-lo no seu tempo e não naquele que me cedeu.

A Sr.ª Deputada referiu que sou especialista em direito e pertenço a uma escola onde se advoga uma ou outra solução. Felizmente, pertenço a uma escola onde cada cabeça vale por si e há lá opiniões - sempre houve, ao longo dos tempos - para muitas coisas. E a escola de Coimbra e é essa a sua característica.
De qualquer modo, pergunta-me como é que na lei actual não se atendem a casos que são dramáticos. Não sou especialista em direito penal, mas o Código Penal, nas cláusulas gerais e nos poderes que dá a quem o aplica, resolve e permite resolver todas as questões com esse direito à humanidade que V. Ex.ª evocou.
Por último, hoje descobri uma coisa, Sr.ª Deputada Odete Santos. Conhecia, desde Hegel, a ideia da classe universal, que para ele eram os funcionários; depois, para Marx eram os proletários; enfim, cada um que organiza o Estado à sua imagem e semelhança quer sempre uma classe universal. E, hoje, surpreendido, verifico que, se calhar, esta teoria da classe universal, a nova divisão de classes, passa por isto: uns são os homens, outros são as mulheres. Julgo - é uma profunda convicção minha - que fomos todos... O homem foi criado por Deus, Ele o fez homem e mulher.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em consciência, votarei a favor do projecto de lei apresentado pelo Deputado Strecht Monteiro, de que sou um dos subscritores. Em consciência ainda, não votarei a favor dos projectos de lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez apresentados pela JS e outros Deputados socialistas e pelo Partido Comunista Português. Saúdo, contudo, os seus subscritores pela coragem e pelo mérito de terem permitido um debate saudável sobre um problema concreto e grave na sociedade portuguesa.
A minha decisão de voto resulta da ponderação livre de argumentos contraditórios e não radica em qualquer subserviência moral ou confessional. Pelo contrário, insere-se numa visão de sociedade que tem por pilares a solidariedade e a liberdade de todos e de cada um, ao longo de todo o seu ciclo de vida, uma visão de sociedade que não tolera o recurso à inviabilização de fetos saudáveis, para resolver problemas sociais. Para mim, caro camarada e amigo Manuel Alegre, a liberdade é também o maior de todos os valores, mas o problema da interrupção voluntária da gravidez não é apenas um problema de liberdade, é um problema de conflito de liberdades.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não me resigno ao tecnicismo normativo que simplesmente renega ao feto qualquer direito, nem mesmo o direito de vir a assumir os direitos resultantes da sua evolução natural.
Defendo que o problema seja encarado frontalmente na dupla dimensão, preventiva e correctiva, minimizando as situações de ocorrência de gravidez indesejada e dando soluções de viabilização aos casos que ocorrerem.
Se a imaginação que tem sido posta ao serviço da defesa das soluções liberalizadoras for canalizada para as

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soluções de viabilização, estou certo de que poderemos dar nesse domínio passos de gigante.
O ênfase da minha opção de consciência não radica em qualquer sanha criminalizadora ou de julgamento moral da decisão individual de abortar, decisão difícil e, no actual quadro social, em muitas circunstâncias absolutamente compreensível. Entendo-a antes como um desafio à sociedade e a todos nós, para que ousemos um novo olhar sobre o problema, através de uma acção pró-activa sobre os mecanismos sociais que conduzem à multiplicação dessas circunstâncias.
Assumo, por isso, o meu voto como um apelo complementar para que se incremente a educação sexual nas escolas, se divulgue o planeamento familiar esclarecido e despreconceituado, se proceda à divulgação exaustiva dos métodos contraceptivos, se criem redes de disponibilização fácil de preservativos em locais de convívio, se reformulem ousadamente as leis de adopção e se desenvolvam mecanismos de apoio social à maternidade, na família ou fora dela.
O aborto generalizado e facilitado é um mecanismo de desresponsabilização social, com graves danos para a mãe e irreparáveis danos para o feto. Recusemos opções fáceis. Ousemos inovar e agir sobre as razões sociais profundas do problema e não sobre a espuma superficial com que se manifesta. Ousemos actuar sobre a realidade que recusamos. E, porque a recusamos, tenhamos a coragem de não a assimilar na ordem jurídica.

Aplausos de alguns Deputados do PS e do Deputado do CDS-PP Nuno Abecasis.

O Sr. Presidente: - O Grupo Parlamentar do PSD, invocando igualdade na tolerância já havida para com outro grupo parlamentar, solicita que sejam concedidos dois minutos ao Sr. Deputado Guilherme Silva, para usar da palavra. A Mesa concede-lhe dois minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca em nenhum outro debate em que participei nesta Câmara senti, como hoje, tão profunda quão convictamente que nada na minha posição, nem na mais ínfima parcela, é determinado ou influenciado pela identificação político-partidária dos subscritores dos projectos de lei em discussão.
A delicadeza das questões em causa exige de todos nós uma posição que decorra da nossa concepção do homem e da vida, o que, só por si, envolve tal dimensão e toca tão fundo na nossa consciência individual que se não compadece de querelas político-partidárias, por mais elevadas que elas sejam.
Tenho para mim que a iniciativa dos diplomas em discussão, no quadro das nossas prioridades legislativas, não se justificava, o mesmo é dizer que se me afigura, a todos os títulos, inoportuna.
É frequente a denúncia de que vivemos em constante inflação legislativa, criando intrincados imbróglios na interpretação e aplicação das leis que nós próprios aprovamos e de que são exemplo recente as já famigeradas leis da transparência.
Mas se os problemas que esta tendência vem, com alguma acentuação, gerando aqui ou ali podem, apesar de tudo, ser ultrapassados sem consequências de maior, o certo é que há matérias em que essa tendência legiferante importa graves e desnecessárias perturbações.

Sem dúvida que, 13 escassos anos passados sobre a regulamentação jurídica da interrupção voluntária da gravidez, com as delicadas implicações éticas, culturais e sociais que unanimemente reconhecemos ter, é tempo de menos para que devamos agora, de novo, retomar soluções e propostas que, em 1984, não mereceram acolhimento.
O nosso quadro colectivo não se alterou, neste âmbito, de forma tão sensível ou significativa que justifique inovação ou modificação da lei do aborto e que, por via disso, se tenha reaberto este debate.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos para nós como visível que o nosso sentir colectivo, que é suposto o Parlamento ter interpretado em 1984, não se alterou de então para cá e não vejo quaisquer outras relevantes razões justificativas da modificação do quadro legal vigente.
Mas se dúvidas há sobre a coincidência entre a vontade colectiva e a expressa na altura da aprovação da actual lei pela Assembleia da República, então, devemos reconhecer que essa dúvida poderá, de novo, colocar-se agora.
Assumamos, pois, que, tratando-se de questão do foro íntimo e da consciência individual, não deverá diluir-se na via da representação parlamentar, sendo antes objecto de prévia consulta em referendo, não condicionado por qualquer anterior votação do Parlamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reaberta que foi a questão do aborto na sociedade portuguesa, o recurso ao referendo prévio constitui a via mais séria, mais transparente e mais genuinamente democrática para todos nós, a começar pelos subscritores dos projectos em debate, tratarmos com profundidade e com o mais amplo debate nacional tão melindrosa matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já passaram três minutos; agradeço-lhe que abrevie.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o maior respeito por posições diferentes e contrárias, respeito esse acentuado pela própria circunstância de o meu grupo parlamentar conferir liberdade de voto aos seus membros, não posso, porém, deixar de expressar a minha posição sobre os projectos de lei em discussão.
Tenho visto invocar, entre outros, como argumento a favor da despenalização do aborto, que o projecto de lei do PCP e o projecto de lei da JS propõem, a circunstância de a actual legislação atinente a esta matéria não estar a ser cumprida.
Estranha forma esta de, com espantosa singeleza e superficialidade, procurar resolver o incumprimento das leis!
Importa, sim, avaliar da bondade ou não da legislação actual e das causas e razões do seu eventual incumprimento, adoptando as medidas, que não têm de ser necessariamente legislativas e normalmente não devem sê-lo, para lograr a sua observância.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Designadamente, refere-se que não se tem implementado a divulgação, informação e efectivação das medidas de planeamento familiar, de educação e de cultura, bem como de desenvolvimento social que a lei do aborto pressupõe e exige.

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Cabe perguntar, porém, se haverá forma mais desculpabilizante para o Estado e para os governos omitirem ou negligenciarem tais medidas do que, em vez de impor o caminho para a eliminação, de uma forma séria, das causas, procurar eliminar-se os efeitos por via da liberalização do aborto, esquecendo que a dor e os traumas de quem o tiver de praticar não se afastam apenas por este deixar de ser clandestino!?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino com uma citação do parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida sobre os projectos em discussão: «A vida humana pré-natal merece respeito e protecção, por ser o fundamento único e inédito que a maternidade representa. À luz dos princípios éticos, a vida pré-natal merece ainda melhor protecção por ser frágil e incipiente».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha.

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate de hoje na Assembleia da República, sobre o qual convergem os olhares do País, traz à actualidade política um problema do qual, e independentemente das convicções de cada um, ninguém se deve alhear.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queremos dizer-vos que somos contra o aborto e sempre a favor da vida.

Aplausos do PS.

Estamos convictos de que não haverá ninguém com posição diferente. Mas somos totalmente contra manter uma legislação que, aplicada de forma restritiva como é, origina que o aborto clandestino, feito em condições que com frequência põem em risco a saúde e até a vida da mulher, seja cada vez mais um problema sem solução à vista.
Gostaríamos de pensar que não estamos a discutir um assunto que preocupe essencialmente as mulheres, embora sobre elas recaia o ónus maior de uma situação perante a qual a sociedade prefere fechar os olhos. Mas trata-se de um problema que nos afecta a todos, independentemente do género, e sobre o qual o País e aí, sim, especialmente as mulheres esperam que se tome uma posição clara, inequívoca, consciente e responsável.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - O aborto existe, embora também exista uma lei que o proíbe e que pune as mulheres que a ele recorrem.
Fechar os olhos a esta realidade é ignorar os milhares de mulheres que, anualmente, praticam interrupções de gravidez.
Elas são empurradas para situações marginais, sem quaisquer direitos e amordaçadas no seu sofrimento.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

A Direcção-Geral de Saúde tornou pública a informação de que, em 1995, se registaram 268 abortos legais e que milhares de mulheres acorreram aos serviços de urgência dos hospitais com problemas relacionados com a interrupção de gravidez feita em condições não legais.

Será que informações destas, em que se regista legalmente em média menos de um aborto diário, nos merecem credibilidade e nos descansam a consciência?
Ficamos felizes, porque tudo vai bem, no País do faz-de-conta.
Sr. Presidente e Sr.ªs e Srs. Deputados: Somos contra o aborto, somos contra o aborto clandestino.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

Esclareça-se que, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, os projectos em apreço não contribuem para o aumento do aborto. O que irá suceder é que se vai dar um dos primeiros passos seguros para terminar com a hipocrisia reinante, que nem sequer permite, mercê de múltiplas dificuldades, que se recorra à aplicação da lei existente.
Defendemos, em simultâneo, medidas que possam contribuir para melhorar o acesso ao emprego, à habitação, à saúde, à educação, ao planeamento familiar, à educação sexual, enfim, a todo um conjunto de situações que possam vir a eliminar, em grande parte, as causas que poderão estar na origem das razões económicas e sociais que conduzem à dolorosa necessidade de interromper uma gravidez.
Proteger o indivíduo é uma das muitas responsabilidades que assistem ao Estado. O problema do aborto clandestino é um problema de saúde pública.
Como foi reafirmado na declaração final da Conferência de Pequim, os direitos das mulheres são direitos humanos e, como tal, não devem ser questionados.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

Legislar positivamente é uma das obrigações que cabem ao Parlamento.
As mulheres e homens Deputados que vão votar favoravelmente fazem-no com a consciência e responsabilidade que lhes foi cometida, de melhorar e corrigir a legislação no sentido de eliminar a situação dramática do aborto clandestino.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, quando achar que ultrapassei o meu tempo, interrompa-me e transformarei o resto da intervenção em declaração de voto, que entregarei na Mesa. Mas para que este debate tenha um mínimo de dignidade é necessário que algumas ideias possam fluir e não sejam cortadas com uma compreensível limitação de tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dois dos projectos hoje em debate, do PCP e da Juventude Socialista, pretendem revolucionar as bases éticas em que a legislação em vigor, a Lei n.º 6/84, se fundamenta. Esta procura gerir, em favor da mãe, alguns conflitos de direitos entre a grávida e o feto. A lista poderia ser alongada mas os dois projectos propõem, agora, a liberalização indiscriminada da interrupção voluntária da gravidez, por decisão da mãe biológica, durante as 12 primeiras semanas.
O debate que precedeu o parlamentar teve o mérito de nos alertar para as dificuldades na aplicação da lei e, ape-

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sar das compreensivelmente pouco rigorosas certezas, para a suspeita da importância do aborto clandestino, o que, certamente, exige ponderação e tomada de medidas. O problema é de saber quais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se preocuparam os autores destes projectos com a perseverança cívica para que a Lei n.º 6/84 fosse criteriosamente aplicada. Não se procurou compreender o porquê das resistências que existem, no que respeita ao aborto, a nível da culpabilidade individual e da vergonha social. Não se fez a crítica aos serviços públicos desta área, não se tomaram iniciativas legislativas em áreas complementares para melhorar as respostas já estipuladas por lei. Os proponentes dos referidos projectos optaram pela crença mágica na eficácia das propostas liberalizantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Indo, todavia, à substância, pode parecer que entre uma despenalização de facto da prática do aborto e uma liberalizarão de jure até às 12 semanas haja apenas uma diferença menor entre os que aparentemente, sacrificando mães biológicas, teimam em dar aos fetos o que parece serem obsoletos direitos a quem se encontra numa situação de radicalmente indefeso, mas é garante da sobrevivência da espécie e já representante vivo dos interesses das gerações futuras, e os que, liberalizando, pretendem salvar a vida de mães biológicas ignorantes, desleixadas ou vítimas de falhas técnicas, com o também propósito manifesto de criar as condições ideais para uma maternidade desejada e responsável.
É verdade que o dilema é delicado para quem compreende o drama feminino e as boa intenções da maternidade responsável. Mas mesmo admitindo-se que a liberalizarão consiga vencer as resistências que referimos e alcançar os objectivos desejados, evitar o aborto clandestino, o que está longe de estar provado, teimamos em continuar a dar direitos a quem, dentro de poucos meses, será um recém-nascido.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que abrevie o seu pensamento, até porque tem um pedido de esclarecimento, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Presidente manda-me acabar quando quiser, mas ou isto tem dignidade ou, então, vou para o meu lugar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sou eu que faço a gestão do tempo do seu grupo parlamentar, como sabe.
Faça favor de continuar.

O Orador: - Vou continuar e o Sr. Presidente, quando quiser, acabe com a intervenção.
Como dizia, teimamos em continuar a dar direitos a quem, dentro de poucos meses, será um recém-nascido, por razões civilizacionais de fundo, reforçadas por razões conjunturais de natureza fundamentalmente política, com a convicção de que assim lidamos melhor coma actualidade numa perspectivada eficácia e respeitamos mais adequadamente os direitos das futuras gerações.
As referências culturais de fundo são as que questionam e rompem com o paradigma cultural que marcou o radicalismo do passado e que eu julgava passado: a idealização do amanhã e diabolização do presente; a maximização da ruptura e a minimização da reforma; a absolutização dos direitos e desvalorização da responsabilidade; a procura de vantagens, sem limites, para a actual geração, e o desprezo cínico pelos direitos das gerações futuras.

Mas, além de razões de fundo, há também razões conjunturais que reforçam a nossa opinião.
Com o PS no Governo, estou mais confiante nos que procuram, no presente, aumentar a capacidade de reforma, a eficácia das leis e estimular o sentido de responsabilidade dos portugueses.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por indicação da direcção do seu grupo parlamentar, terminou o seu tempo. Lamento muito ter de lhe dar esta informação.

O Orador: - Sr. Presidente, se terminei o meu tempo, transformo esta minha intervenção em declaração de voto, sendo claro que o fundamental das minhas ideias não pôde aqui ser afirmado.

Aplausos do PSD, do CDS-PP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Lamento muito, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Felizmente que, apesar de várias tentativas em contrário, este debate está a situar-se naquilo que verdadeiramente está em causa.
Verdadeiramente, não são as convicções religiosas ou até as questões de consciência de cada um dos Srs. Deputados que estão em causa nesta Assembleia da República.
Não se pede aos Srs. Deputados que são contra a interrupção voluntária da gravidez que modifiquem as suas convicções, o que se pretende saber é se esses Srs. Deputados entendem, enquanto legisladores, que as mulheres que não pensam como eles devam ser perseguidas como criminosas.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

A Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro citou, muito a propósito, Karl Popper, que disse: «ninguém sabe o suficiente para ser intolerante», mas, pelos vistos, há Deputados nesta Sala que, numa matéria tão controversa, sabem o suficiente para manterem uma lei intolerante em relação aos que não pensam como eles.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O que verdadeiramente é preciso saber é se esta Assembleia da República, enquanto órgão legislativo, reconhece a cada mulher um verdadeiro, livre e responsável direito de opção entre prosseguir ou interromper, num prazo razoável, uma gravidez não desejada.
O que verdadeiramente é preciso saber é se os Srs. Deputados entendem ou não que o Estado deve proteger, em condições de igual dignidade, toda a mulher, seja qual for a sua opção, ou se, pelo contrário, entendem que o Estado deve interferir nesta questão de consciência de cada mulher, protegendo aquela que decide prosseguir a gravidez e perseguindo, como criminosa, a que optar por interromper a gravidez. Porque c a essa humilhante situação que esta sociedade reduz a condição de ser mulher, como, aliás, qualquer mulher se apercebe desde muito nova.

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Nesta sociedade é bem diferente a condição de ser homem ou de ser mulher.
Para o homem, segundo certos moralistas, a expressão da sua sexualidade é vista como uma salutar manifestação da sua vitalidade e, na verdade, é apenas condicionada pelos perigos das doenças ou pelos riscos daquilo que eles mesmos chamam, condescendentemente, de «casamentos forçados».
Mas a mulher sabe, desde muito nova, que a sua sexualidade está condicionada não pelas opções que livremente queira assumir, mas por essa feroz repressão social que teima em reduzir a sexualidade à maternidade e por leis iníquas que criminalizam as eventuais consequências dessa sexualidade.
E sabem mesmo mais: desde muito jovens, as mulheres sabem que, mesmo entre elas, existem condições muito diferentes. Há aquelas que, por terem famílias mais compreensivas, por terem mais informação ou simplesmente mais dinheiro, podem optar livremente se querem ou não prosseguir uma gravidez indesejada.
Afinal, Badajoz não fica assim tão longe!
Mas para a maioria das mulheres fica a sexualidade reprimida pelo medo de que «alguma coisa não corra bem», pelo pavor de ficar diante de uma gravidez indesejada, com as consequências que nenhum de nós tem o direito de ignorar.
Para essa mulher, a opção estará ou em prosseguir essa gravidez em condições sociais, económicas e psicológicas, muitas vezes degradantes, ou em entrar no calvário do aborto clandestino, onde, como todos sabemos, há muito pior que o horror das parteiras de vão de escada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos lei do Partido Comunista e da JS têm sido demagogicamente acusados de serem a favor do aborto, quando apenas pretendem - e já não é pouco - acabar com a legislação iníqua existente, que retira à mulher, de forma humilhante, o poder de tomar livremente as opções que só a ela dizem respeito.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Nenhum de nós é a favor do aborto, a começar pelos milhares e milhares de mulheres que alguma vez tiveram de interromper a sua gravidez. Nós somos é a favor da afirmação da plena igualdade e dignidade da mulher. E é no quadro dessa dignidade e igualdade que defendemos os valores essenciais ao direito à vida, à liberdade religiosa e a uma sã educação sexual.
Direito à vida, sim, como expressão de uma maternidade desejada e em condições sociais, económicas e psicológicas dignas.
Liberdade religiosa, sim, mas assente numa verdadeira liberdade de opção e não num conjunto de leis, tratando como criminosos os que pensam de maneira diferente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por indicação da direcção do seu grupo parlamentar, terminou o seu tempo.

O Orador: - Termino rapidamente, Sr. Presidente, fazendo um apelo para votarem nestes projectos de lei, mas também, com a mesma franqueza, para, se, por acaso, a decisão desta Assembleia for contrária aos projectos em causa, que ao menos evitemos às mulheres deste país os discursos compreensivos sobre os dramas do aborto clandestino. Ou, pior que tudo, evitemos os discursos piedosos sobre o drama da mulher que pecou ou da mulher que caiu.
Esperemos que esta Assembleia não desiluda as mulheres deste país e afirme com independência e total sentido da suas responsabilidades os valores de uma sociedade democrática e livre, assente na igualdade plena entre homens e mulheres.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O debate que hoje aqui decorreu é extremamente importante e pôs a nu um gravíssimo problema da nossa sociedade, que constitui ameaça de morte para muitas mulheres e que é de saúde pública.
Trata-se de um problema que não é resolvido por quem teima a ignorá-lo, e este, lamentavelmente, é ainda o posicionamento hipócrita de alguns que aqui se manifestaram.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Porque a discussão que hoje aqui se está a fazer não é em tomo de valores morais ou de avaliação e juízos de valor que aqui não cabem, é, sim, em termos de considerar que há uma lei que deveria ter reduzido o aborto, e o não conseguiu; uma lei que deveria ter posto fim à ilegalidade, e que não o conseguiu; uma lei que deveria ter defendido a vida, e não o conseguiu. É essa lei profundamente penalizadora que importa alterar.
Essa alteração não significa que alguém seja a favor do aborto, não tem o significado que alguns lhe querem atribuir, ou seja, como uma forma de planeamento familiar, mas é, sim, uma solução e uma mudança que não implica que aquelas que o não queiram tenham de recorrer a ele, embora legitimamente o possam fazer, mas que também não deve obrigar aquelas que tenham de recorrer à interrupção da gravidez a fazê-lo em condições de clandestinidade, em condições humilhantes e em condições de risco para a vida.
É disso que se trata, não são outras considerações que estão em causa. O valor da vida que defendemos e a alegria que esse valor tem não podem ser dissociados desta discussão:

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Não estamos a falar da vida como resultado do acaso, estamos a falar da vida como livre escolha...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... e como resultado de uma maternidade e paternidade livremente assumidas, como liberdade sexual das mulheres e como uma decisão conscientemente tomada. Afinal, uma vida que, para nós, não é um mero acto biológico, é, sim, mais do que o direito à vida, o direito a ser desejado, a ser amado e a ser feliz.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de alguns Deputados do PS.

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1528 I SÉRIE - NÚMERO 42

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP trouxe hoje à Assembleia uma questão real e difícil da situação das mulheres em Portugal. Uma questão social, de saúde pública e de política criminal.
Pela nossa parte, quisemos e empenhámo-nos num debate sério, ponderado e profundamente virado para a realidade nacional e não num debate extremado, cego e demagógico.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Como sempre o fizemos e hoje mesmo abundantemente o repetimos, para nós, para o PCP, a permissão do aborto em determinadas circunstâncias não se substitui à necessidade de a nossa sociedade promover as condições económicas e sociais que permitam à mulher criar e educar os filhos que deseja, nem se sobrepõe ou se substitui ao planeamento familiar e à educação sexual.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É para nós inequívoco que a interrupção voluntária da gravidez não é, nem pode ser, usada como um meio contraceptivo.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

É sempre um último recurso, um facto penoso, difícil e traumatizante para a mulher. Mas também não aceitamos que se prossigam políticas de natalidade através do Código Penal, como hoje aqui foi várias vezes sugerido.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Com a apresentação do nosso projecto de lei e a utilização de um direito regimental para impor a sua discussão e votação, o PCP quis, e quer, combater o flagelo social do aborto clandestino. Combate esse que não se faz pela via da dissimulação, como a que nos é oferecida pelos que agora se agarram à invocação do planeamento familiar para impedir a despenalização do aborto, quando, antes, difamaram a legislação nessa matéria, e que pouco ou nada fizeram e fazem para que se concretize plenamente esse direito no nosso pais, nomeadamente nas zonas do interior e junto das camadas populacionais mais desprotegidas.
Do mesmo modo que esse combate necessário não se faz com a consagração da sentença de que «desde que seja proibido, podem fazer-se abortos». Opinião em cuja defesa incorrem, ao fim e ao cabo, aqueles que se opõem à exclusão da ilicitude do aborto, mas não exigem paralelamente a maior eficácia da aplicação da lei, no sentido de sujeitar a prisão os muitos milhares de mulheres que recorrem ao aborto, quer as mulheres sem condições económicas que são empurradas para o aborto clandestino, realizado sem quaisquer condições de segurança, quer as mulheres da média e alta burguesias que o realizam em qualquer boa clinica, no país ou no estrangeiro.
Aliás, durante todo o debate, fizemos uma pergunta aos opositores ao projecto de lei do PCP: querem os Srs. Deputados que essas mulheres sejam presas? Sintomaticamente, nenhum desses Srs. Deputados respondeu à nossa pergunta!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Nem se combate esse flagelo social com uma oposição à despenalização do aborto por razões filosóficas ou religiosas, mas que, simultaneamente, desemboca na manutenção do drama do aborto clandestino.
Porque o aborto clandestino existe, apesar de a lei o proibir, muitas mulheres morrem ou sofrem graves lesões físicas e psíquicas para toda a vida, em consequência das condições em que o fazem.
Srs. Deputados, fazemos um esforço sincero para compreender que razões de ordem filosófica ou religiosa possam criar problemas de opção e decisão a Deputados que são chamados a votar esta lei, mas o nosso apelo vai no sentido de que ponderem que o seu voto favorável, em boa verdade, não representará nenhuma denegação dos valores em que acreditam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque a questão que hoje está em debate não é ser-se a favor ou contra o aborto, condenar ou não o aborto. O aborto é sentido por todos nós, e principalmente pela mulher que a ele recorre, como um último recurso, um mal a prevenir e a evitar.
A questão sobre a qual, hoje, verdadeiramente, os Deputados se têm de pronunciar é se o aborto deve continuar a ser feito clandestinamente, como hoje sucede, ou se deve passar a ser feito em serviços de saúde, em condições que salvaguardem a vida, a saúde e a dignidade da mulher.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O aborto pode ser um problema de consciência para a mulher que decide abortar ou para o médico que é chamado a intervir. Mas o que está em causa para o Deputado, enquanto legislador, não é de índole moral ou ética, o que o legislador tem o dever de decidir é se, dentro de certo prazo de gestação, a mulher, que em sua própria consciência não pode continuar a gravidez, deve ser punível à face da lei e ser obrigada a recorrer ao aborto clandestino ou se se lhe deve dar a possibilidade legal de, conscientemente, interromper a gravidez em condições de saúde e segurança, sem sujeição a punição criminal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aprovar uma lei de despenalização do aborto, Srs. Deputados, não significa uma obrigação a seguir por quem sobre o aborto tenha um entendimento diferente, já que as consciências e convicções individuais podem e devem seguir as suas próprias orientações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Inversamente, nas questões de consciência individual, o que o legislador não pode nem deve permitir é que a lei imponha a todos os cidadãos as convicções e regras de comportamento sufragadas apenas por uma parte da sociedade, assim violando e restringindo, objectiva e legitimamente, a consciência dos que têm outras diferentes, regras e convicções, igualmente legítimas e respeitáveis.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

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Srs. Deputados, esperamos que votem com a consciência clara e assumida de que o projecto de lei do PCP, tal como está, subscrito por mais de cinco dezenas de Deputados do PS, não propõe aos Deputados que obriguem quem quer que seja a fazer um aborto mais.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O que propõe é que os Deputados, pelo seu voto, assegurem que cada uma das mulheres portuguesas, nas primeiras 12 semanas de gestação, possa escolher livre e conscientemente o recurso à interrupção da gravidez e que, se assim o decidir, como resposta às suas angústias, o possa fazer em condições de segurança e dignidade, independentemente da sua condição económica e social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É isto e apenas isto que o projecto de lei do PCP propõe e que os Deputados têm de decidir. É isto e apenas isto que uma lei da República deve garantir. São estas responsabilidades políticas e solidariedade social que são devidas pelos Deputados da República às mulheres portuguesas.

Aplausos do PCP e de Os Verdes, de pé, e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado não haver mais inscrições, dou por terminado o debate.
Informo que deu entrada na Mesa um requerimento do Grupo Parlamentar do PCP exercendo o seu direito potestativo no sentido de precipitar a votação para o mesmo dia em que teve lugar o debate e ainda um requerimento, subscrito por Deputados de todos os grupos parlamentares, no sentido de a votação dos diplomas se fazer nominalmente.
Foi ainda entendimento da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares que, se algum dos proponentes, ou melhor, se o titular do direito ao agendamento potestativo requeres-se a votação para o próprio dia, assim se faria em relação a todos os projectos de lei e não apenas ao originário do PCP.
Temos, pois, de votar o requerimento subscrito por Deputados de todos os grupos parlamentares solicitando a votação nominal dos três diplomas que estiveram em discussão.
Vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Pausa.

Neste momento deu entrada na Sala o Sr. Deputado do PS Raúl Rêgo, tendo sido aplaudido pelo Sr. Presidente e outros elementos da Mesa e, de pé, pelo PS, pelo PCP, por Os Verdes e por alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio interpretar o sentimento de todos os Deputados deste Hemiciclo saudando o regresso do Sr. Deputado Raúl Rêgo ao Plenário, o que dá a todos uma grande alegria.
Seja bem-vindo ao seu lugar.
Srs. Deputados, vamos então proceder, em primeiro lugar, à votação nominal, na generalidade, do projecto de lei n.º 177/VII - Interrupção voluntária da gravidez (PCP).

O Sr. Secretário vai proceder à chamada dos Srs. Deputados, por ordem alfabética, e cada um fará o favor de proferir o respectivo sentido de voto.

O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu à chamada, tendo-se registado a seguinte votação:

Acácio Manuel de Frias Barreiros (PS) - A favor
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo (PSD) - Contra
Adérito Joaquim Ferro Pires (PS) - Contra
Adriano de Lima Gouveia Azevedo (PSD) - Contra
Agostinho Marques Moleiro (PS) - A favor
Aires Manuel Jacinto de Carvalho (PS) - A favor
Albino Gonçalves da Costa (PS) - A favor
Álvaro dos Santos Amaro (PSD) - Contra
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira (PSD) - Contra
Antonino da Silva Antunes (PSD) - Contra
António Afonso de Pinto Galvão Lucas (CDS-PP) - Contra
António Alves Marques Júnior (PS) - Contra
António Alves Martinho (PS) - Abstenção
António Bento da Silva Galamba (PS) - A favor
António Costa Rodrigues (PSD) - Contra
António de Almeida Santos (PS) - A favor
António de Carvalho Martins (PSD) - Contra
António Fernandes da Silva Braga (PS) - Contra
António Fernando da Cruz Oliveira (PSD) - Contra
António Fernando Marques Ribeiro Reis (PS) - A favor
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP) - A favor
António Germano Fernandes de Sá e Abreu (PSD) - Contra
António João Rodeia Machado (PCP) - A favor
António Joaquim Correia Vairinhos (PSD) - Contra
António José Barradas Leitão (PSD) - Contra
António José Gavino Paixão (PS) - A favor
António José Guimarães Fernandes Dias (PS) - A favor
António Moreira Barbosa de Melo (PSD) - Contra
António Paulo Martins Pereira Coelho (PSD) - Contra
António Roleira Marinho (PSD) - Contra
António Soares Gomes (PSD) - Contra
Arlindo Cipriano Oliveira (PS) - A favor
Armelim Santos Amaral (CDS-PP) - Contra
Arménio dos Santos (PSD) - Contra
Arnaldo Augusto Homem Rebelo (PS) - A favor
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes (PS) - Contra
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho (PS) - A favor
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos (PS) - A favor
Artur Ryder Torres Pereira (PSD) - Contra
Augusto Torres Boucinha (CDS-PP) - Contra
Bernardino José Torrão Soares (PCP) - A favor
Bernardino Manuel de Vasconcelos (PSD) - Contra
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja (PS) - A favor
Carlos Alberto Dias dos Santos (PS) - Abstenção
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas (PCP) - A favor
Carlos Alberto Pinto (PSD) - Contra
Carlos Justino Luís Cordeiro (PS) - Abstenção
Carlos Manuel Amândio (PS) - A favor
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD) - Contra
Carlos Manuel Duarte de Oliveira (PSD) - Contra
Carlos Manuel Luís (PS) - A favor
Carlos Manuel Marta Gonçalves (PSD) - Contra
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho (PSD) - Contra
Cláudio Ramos Monteiro (PS) - Contra
Domingos Fernandes Cordeiro (PS) - A favor
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco (PSD) - Contra
Eduardo Ribeiro Pereira (PS) - A favor
Elisa Maria Ramos Damião (PS) - A favor
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo (PS) - Contra

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1530 I SÉRIE - NÚMERO 42

Fernando Alberto Pereira de Sousa (PS) - A favor
Fernando Alberto Pereira Marques (PS) - A favor
Fernando Antão de Oliveira Ramos (PS) - A favor
Fernando Garcia dos Santos (PS) - A favor
Fernando José Antunes Gomes Pereira (PSD) - Contra
Fernando José de Moura e Silva (CDS-PP) - Contra
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira (PSD) - Contra
Fernando Manuel de Jesus (PS) - A favor
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho (PSD) - Contra
Fernando Pereira Serrasqueiro (PS) - Abstenção
Fernando Santos Pereira (PSD) - Contra
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo (PSD) - Contra
Francisco Antunes da Silva (PSD) - Contra
Francisco Fernando Osório Gomes (PS) - A favor
Francisco José Fernandes Martins (PSD) - Contra
Francisco José Pereira de Assis Miranda (PS) - A favor
Francisco José Pinto Camilo (PS) - A favor
Francisco Manuel Pepino Fonenga (PS) - A favor
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres (PSD) - Contra
Gilberto Parca Mada1 (PSD) - Contra
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa (CDS-PP) - Contra
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho (PS) - A favor
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva (PSD) - Contra
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia (Os Verdes) - A favor
Henrique José de Sousa Neto (PS) - A favor
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves (PSD) - Contra
Hugo José Teixeira Velosa (PSD) - Contra
Isabel Maria de Almeida e Castro (Os Verdes) - A favor
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel (CDS-PP) - Contra
João Álvaro Poças Santos (PSD) - Contra
João António Gonçalves do Amaral (PCP) - A favor
João Bosco Soares Mota Amaral (PSD) - Contra
João Calvão da Silva (PSD) - Contra
João Carlos Barreiras Duarte (PSD) - Contra
João Carlos da Costa Ferreira da Silva (PS) - A favor
João Cerveira Corregedor da Fonseca (PCP) - A favor
João do Lago de Vasconcelos Mota (PSD) - Contra
João Eduardo Guimarães Moura de Sá (PSD) - Contra
João Rui Gaspar de Almeida (PS) - Abstenção
Joaquim Manuel Cabrita Neto (PSD) - Contra
Joaquim Manuel da Fonseca Matias (PCP) - A favor
Joaquim Martins Ferreira do Amaral (PSD) - Contra
Joaquim Moreira Raposo (PS) - A favor
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida (PS) - Contra
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (PS) - A favor
Jorge Alexandre Silva Ferreira (CDS-PP) - Contra
Jorge Lacão Costa (PS) - A favor
Jorge Manuel Damas Martins Rato (PS) - A favor
Jorge Manuel Fernandes Valente (PS) - A favor
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro (PS) - A favor
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha (PSD) - Contra
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão (PS) - A favor
José Alberto Cardoso Marques (PS) - Contra
José Álvaro Machado Pacheco Pereira (PSD) - A favor
José António Ribeiro Mendes (PS) - A favor
José Augusto Gama (PSD) - Contra
José Augusto Santos da Silva Marques (PSD) - A favor
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha (PSD) - Contra
José Carlos Correia Mota de Andrade (PS) - A favor
José Carlos da Cruz Lavrador (PS) - Abstenção
José Carlos das Dores Zorrinho (PS) - Contra
José Carlos Lourenço Tavares Pereira (PS) - Abstenção
José Carlos Pires Póvoas (PSD) - Contra
José da Conceição Saraiva (PS) - Contra
José de Almeida Cesário (PSD) - Contra
José de Matos Leitão (PS) - Contra
José Ernesto Figueira dos Reis (PS) - A favor
José Fernando Araújo Calçada (PCP) - A favor
José Fernando Rabaça Barradas e Silva (PS) - A favor
José Guilherme Reis Leite (PSD) - Contra
José Luís Campos Vieira de Castro (PSD) - Contra
José Luís de Rezende Moreira da Silva (PSD) - Contra
José Macário Custódio Correia (PSD) - Contra
José Manuel Costa Pereira (PSD) - Contra
José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - A favor
José Manuel Rosa do Egipto (PS) - A favor
José Manuel Santos de Magalhães (PS) - A favor
José Maria Teixeira Dias (PS) - A favor
José Mário de Lemos Damião (PSD) - Contra
José Mendes Bota (PSD) - Contra
José Pinto Simões (PS) - Abstenção
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias (PS) - A favor
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria (PS) - Contra
Laurentino José Monteiro Castro Dias (PS) - A favor
Lino António Marques de Carvalho (PCP) - A favor
Lucília Maria Samoreno Ferra (PSD) - Contra
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal (PS) - A favor
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró (CDS-PP) - Contra
Luís Carlos David Nobre (PSD) - Contra
Luís Filipe Menezes Lopes (PSD) - Contra
Luís Filipe Nascimento Madeira (PS) - A favor
Luís Manuel da Silva Viana de Sá (PCP) - A favor
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes (PSD) - Contra
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes (PSD) - Contra
Luís Pedro de Carvalho Martins (PS) - A favor
Manuel Acácio Martins Roque (PSD) - Contra
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro (PS) - Abstenção
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira (PS) - A favor
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS) - A favor
Manuel Alves de Oliveira (PSD) - Contra
Manuel António dos Santos (PS) - A favor
Manuel Castro de Almeida (PSD) - Contra
Manuel Fernando da Silva Monteiro (CDS-PP) - Contra
Manuel Filipe Correia de Jesus (PSD) - Contra
Manuel Francisco dos Santos Valente (PS) - A favor
Manuel Joaquim Barata Frexes (PSD) - Contra
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes (PS) - Contra
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos (CDS-PP) - Contra
Manuel Maria Moreira (PSD) - Contra
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves (PS) - Contra
Manuel Porfírio Varges (PS) - Contra
Maria Amélia Macedo Antunes (PS) - Abstenção
Maria Celeste Lopes da Silva Correia (PS) - A favor
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha (PS) - A favor
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira (PS) - Abstenção
Maria do Céu Baptista Ramos (PSD) - Contra
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro (PS) - Contra
Maria Eduarda de Almeida Azevedo (PSD) - Contra
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto (PSD) - Contra
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa (PS) - A favor

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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1531

Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta (PS) - A favor
Maria Helena Pereira Nogueira Santo (CDS-PP) - Contra
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino (PS) - A favor
Maria Jesuína Carrilho Bernardo (PS) - A favor
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto (CDS-PP) - Contra
Maria Luísa Lourenço Ferreira (PSD) - Contra
Maria Luísa Raimundo Mesquita (PCP) - A favor
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira (PSD) - Contra
Maria Manuela Dias Ferreira Leite (PSD) - Contra
Maria Odete dos Santos (PCP) - A favor
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia (PSD) - Contra
Mário da Silva Coutinho Albuquerque (PSD) - Contra
Mário Manuel Videira Lopes (PS) - A favor
Martim Afonso Pacheco Gracias (PS) - Abstenção
Miguel Sento Martins da Costa de Macedo e Silva (PSD) - Contra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque (PS) - Contra
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (PSD) - Contra
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura (PS) - A favor
Nelson Madeira Baltazar (PS) - A favor
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva (CDS-PP) - Contra
Nuno Kruz Abecasis (CDS-PP) - Contra
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes (PS) - A favor
Octávio Augusto Teixeira (PCP) - A favor
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro (PS) - A favor
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte (PS) - A favor
Paulo Jorge dos Santos Neves (PS) - A favor
Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Contra
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho (PSD) - Contra
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa (PSD) - Contra
Pedro Luís da Rocha Baptista (PS) - A favor
Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD) - Contra
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho (PSD) - Contra
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge (PS) - A favor
Raimundo Pedro Narciso (PS) - A favor
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo (PS) - A favor
Rolando Lima Lalanda Gonçalves (PSD) - Contra
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz (PS) - A favor
Rui do Nascimento Rabaça Vieira (PS) - A favor
Rui Fernando da Silva Rio (PSD) - A favor
Rui Manuel Palácio Carreteiro (PS) - A favor
Sérgio André da Costa Vieira (PSD) - Contra
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva (PS) - A favor
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto (PS) - A favor
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan (CDS-PP) - Contra
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos (PS) - A favor
Victor Brito de Moura (PS) - A favor
Vital Martins Moreira (PS) - A favor

Pausa.

Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, quero informar que, lamentavelmente, me equivoquei no meu sentido de voto.

O meu voto é a favor, pelo que, se fosse possível, agradecia que fosse corrigido.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, coloca-me um problema embaraçoso.
Se todas as bancadas estivessem de acordo, validaríamos o sentido de voto que agora expressou em consciência - tanto se invocou hoje a consciência - e não o voto por erro.

Pausa.

Dado haver consenso, considera-se validado o seu voto a favor.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas «sob a forma» é que não pode ser.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Como interpelação, Sr. Presidente,...

O Sr. Presidente: - Se é uma interpelação, faça favor.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, quero afirmar que é a primeira vez que, desde que sou Deputado - e já vai para 10 anos que o sou -, é possível, depois de uma votação estar encerrada, alguém alterar o seu sentido de voto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Espero que, a partir de agora, isto constitua jurisprudência para todos os Deputados e para todos os grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe licença para fazer alguns reparos: primeiro, a votação não estava encerrada; segundo, não é a primeira vez que acontece; terceiro, pedi o consenso da direcção das bancadas.
Respeito o seu protesto, mas a Mesa mantém a sua deliberação.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vai proceder-se a uma segunda chamada dos Deputados que não responderam à primeira porque poderiam estar distraídos, já que, entretanto, entrar na Sala não entraram com certeza.

O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu a nova chamada, tendo faltado os seguintes Srs. Deputados:

Alberto de Sousa Martins (PS)
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares (PSD)

Página 1532

1532 I SÉRIE - NÚMERO 42

José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro (PS)
José Manuel de Medeiros Ferreira (PS)

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): - Sr. Presidente, é para informar que farei a entrega na Mesa de uma declaração de voto em nome de 11 Deputadas.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, numa votação deste género têm o direito de apresentar as respectivas declarações de voto sem necessidade de as anunciar.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o resultado da votação é o seguinte: 115 votos contra, 99 votos a favor e 12 abstenções, pelo que o projecto de lei n.º 177/VII não fez vencimento.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

Vamos proceder à votação nominal, na generalidade, do projecto de lei n.º 235/VII, que altera os prazos de exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez, apresentado pelo PS, e de que é primeiro subscritor o Deputado Strecht Monteiro.

O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu à chamada, tendo-se registado a seguinte votação:

Acácio Manuel de Frias Barreiros (PS) - A favor
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo (PSD) - A favor
Adérito Joaquim Ferro Pires (PS) - A favor
Adriano de Lima Gouveia Azevedo (PSD) - Contra
Agostinho Marques Moleiro (PS) - A favor
Aires Manuel Jacinto de Carvalho (PS) - A favor
Albino Gonçalves da Costa (PS) - A favor
Álvaro dos Santos Amaro (PSD) - Contra
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira (PSD) - Contra
Antonino da Silva Antunes (PSD) - A favor
António Afonso de Pinto Galvão Lucas (CDS-PP) - Contra
António Alves Marques Júnior (PS) - A favor
António Alves Martinho (PS) - A favor
António Bento da Silva Galamba (PS) - A favor
António Costa Rodrigues (PSD) - A favor
António de Almeida Santos (PS) - A favor
António de Carvalho Martins (PSD) - Abstenção
António Fernandes da Silva Braga (PS) - A favor
António Fernando da Cruz Oliveira (PSD) - Contra
António Fernando Marques Ribeiro Reis (PS) - A favor
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP) - A favor
António Germano Fernandes de Sá e Abreu (PSD) - Abstenção
António João Rodeia Machado (PCP) - A favor
António Joaquim Correia Vairinhos (PSD) - Abstenção
António José Barradas Leitão (PSD) - A favor
António José Gavino Paixão (PS) - A favor
António José Guimarães Fernandes Dias (PS) - A favor
António Moreira Barbosa de Melo (PSD) - Contra
António Paulo Martins Pereira Coelho (PSD) - A favor
António Roleira Marinho (PSD) - Contra
António Soares Gomes (PSD) - Contra
Arlindo Cipriano Oliveira (PS) - A favor
Armelim Santos Amaral (CDS-PP) - Contra
Arménio dos Santos (PSD) - A favor
Arnaldo Augusto Homem Rebelo (PS) - A favor
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes (PS) - A favor
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho (PS) - A favor
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos (PS) - A favor
Artur Ryder Torres Pereira (PSD) - Abstenção
Augusto Torres Boucinha (CDS-PP) - Contra
Bernardino José Torrão Soares (PCP) - A favor
Bernardino Manuel de Vasconcelos (PSD) - A favor
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja (PS) - A favor
Carlos Alberto Dias dos Santos (PS) - A favor
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas (PCP) - A favor
Carlos Alberto Pinto (PSD) - Abstenção
Carlos Justino Luís Cordeiro (PS) - A favor
Carlos Manuel Amândio (PS) - A favor
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD) - Contra
Carlos Manuel Duarte de Oliveira (PSD) - Contra
Carlos Manuel Luís (PS) - A favor
Carlos Manuel Marta Gonçalves (PSD) - Abstenção
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho (PSD) - Contra
Cláudio Ramos Monteiro (PS) - Abstenção
Domingos Fernandes Cordeiro (PS) - A favor
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco (PSD) - Contra
Eduardo Ribeiro Pereira (PS) - A favor
Elisa Maria Ramos Damião (PS) - A favor
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo (PS) - A favor
Fernando Alberto Pereira de Sousa (PS) - A favor
Fernando Alberto Pereira Marques (PS) - A favor
Fernando Antão de Oliveira Ramos (PS) - A favor
Fernando Garcia dos Santos (PS) - A favor
Fernando José Antunes Gomes Pereira (PSD) - Contra
Fernando José de Moura e Silva (CDS-PP) - Abstenção
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira (PSD) - A favor
Fernando Manuel de Jesus (PS) - A favor
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho (PSD) - A favor
Fernando Pereira Serrasqueiro (PS) - A favor
Fernando Santos Pereira (PSD) - Abstenção
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo (PSD) - Contra
Francisco Antunes da Silva (PSD) - Contra
Francisco Fernando Osório Gomes (PS) - A favor
Francisco José Fernandes Martins (PSD) - Abstenção
Francisco José Pereira de Assis Miranda (PS) - A favor
Francisco José Pinto Camilo (PS) - A favor
Francisco Manuel Pepino Fonenga (PS) - A favor
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres (PSD) - Abstenção
Gilberto Parca Madaíl (PSD) - Abstenção
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa (CDS-PP) - Contra
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho (PS) - A favor
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva (PSD) - Contra
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia (Os Verdes) - A favor
Henrique José de Sousa Neto (PS) - A favor
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves (PSD) - Contra
Hugo José Teixeira Velosa (PSD) - Contra
Isabel Maria de Almeida e Castro (Os Verdes) - A favor

Página 1533

21 DE FEVEREIRO DE 1997 1533

Ismael António dos Santos Gomes Pimentel (CDS-PP) - Contra
João Álvaro Poças Santos (PSD) - Contra
João António Gonçalves do Amaral (PCP) - A favor
João Bosco Soares Mota Amaral (PSD) - Contra
João Calvão da Silva (PSD) - Abstenção
João Carlos Barreiras Duarte (PSD) - Contra
João Carlos da Costa Ferreira da Silva (PS) - A favor
João Cerveira Corregedor da Fonseca (PCP) - A favor
João do Lago de Vasconcelos Mota (PSD) - A favor
João Eduardo Guimarães Moura de Sá (PSD) - A favor
João Rui Gaspar de Almeida (PS) - A favor
Joaquim Manuel Cabrita Neto (PSD) - A favor
Joaquim Manuel da Fonseca Matias (PCP) - A favor
Joaquim Martins Ferreira do Amaral (PSD) - Abstenção
Joaquim Moreira Raposo (PS) - A favor
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida (PS) - A favor
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (PS) - A favor
Jorge Alexandre Silva Ferreira (CDS-PP) - Contra
Jorge Lacão Costa (PS) - A favor
Jorge Manuel Damas Martins Rato (PS) - A favor
Jorge Manuel Fernandes Valente (PS) - A favor
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro (PS) - A favor
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha (PSD) - A favor
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão (PS) - A favor
José Alberto Cardoso Marques (PS) - A favor
José Álvaro Machado Pacheco Pereira (PSD) - A favor
José António Ribeiro Mendes (PS) - A favor
José Augusto Gama (PSD) - Contra
José Augusto Santos da Silva Marques (PSD) - A favor
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha (PSD) - Contra
José Carlos Correia Mota de Andrade (PS) - A favor
José Carlos da Cruz Lavrador (PS) - A favor
José Carlos das Dores Zorrinho (PS) - A favor
José Carlos Lourenço Tavares Pereira (PS) - A favor
José Carlos Pires Póvoas (PSD) - A favor
José da Conceição Saraiva (PS) - A favor
José de Almeida Cesário (PSD) - A favor
José de Matos Leitão (PS) - A favor
José Ernesto Figueira dos Reis (PS) - A favor
José Fernando Araújo Calçada (PCP) - A favor
José Fernando Rabaça Barradas e Silva (PS) - A favor
José Guilherme Reis Leite (PSD) - Contra
José Luís Campos Vieira de Castro (PSD) - Abstenção
José Luís de Rezende Moreira da Silva (PSD) - A favor
José Macário Custódio Correia (PSD) - A favor
José Manuel Costa Pereira (PSD) - Contra
José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - A favor
José Manuel Rosa do Egipto (PS) - A favor
José Manuel Santos de Magalhães (PS) - A favor
José Maria Teixeira Dias (PS) - A favor
José Mário de Lemos Damião (PSD) - Contra
José Mendes Bota (PSD) - A favor
José Pinto Simões (PS) - A favor
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias (PS) - A favor
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria (PS) - A favor
Laurentino José Monteiro Castro Dias (PS) - A favor
Lino António Marques de Carvalho (PCP) - A favor
Lúcia Maria Samoreno Ferra (PSD) - A favor
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal (PS) - A favor
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró (CDS-PP) - Contra
Luís Carlos David Nobre (PSD) - A favor
Luís Filipe Menezes Lopes (PSD) - Contra
Luís Filipe Nascimento Madeira (PS) - A favor
Luís Manuel da Silva Viana de Sá (PCP) - A favor
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes (PSD) - Abstenção
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes (PSD) - Contra
Luís Pedro de Carvalho Martins (PS) - A favor
Manuel Acácio Martins Roque (PSD) - A favor
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro (PS) - A favor
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira (PS) - A favor
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS) - A favor
Manuel Alves de Oliveira (PSD) - Contra
Manuel António dos Santos (PS) - A favor
Manuel Castro de Almeida (PSD) - A favor
Manuel Fernando da Silva Monteiro (CDS-PP) - Contra
Manuel Filipe Correia de Jesus (PSD) - Contra
Manuel Francisco dos Santos Valente (PS) - A favor
Manuel Joaquim Barata Frexes (PSD) - Contra
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes (PS) - Abstenção
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos (CDS-PP) - Contra
Manuel Maria Moreira (PSD) - A favor
Manuel Maninho Pinheiro dos Santos Gonçalves (PS) - A favor
Manuel Porfírio Varges (PS) - A favor
Maria Amélia Macedo Antunes (PS) - A favor
Maria Celeste Lopes da Silva Correia (PS) - A favor
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha (PS) - A favor
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira (PS) - A favor
Maria do Céu Baptista Ramos (PSD) - Contra
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro (PS) - Abstenção
Maria Eduarda de Almeida Azevedo (PSD) - Abstenção
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto (PSD) - A favor
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa (PS) - A favor
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta (PS) - A favor
Maria Helena Pereira Nogueira Santo (CDS-PP) - Abstenção
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino (PS) - A favor
Maria Jesuína Carrilho Bernardo (PS) - A favor
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto (CDS-PP) - Contra
Maria Luísa Lourenço Ferreira (PSD) - A favor
Maria Luísa Raimundo Mesquita (PCP) - A favor
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira (PSD) - A favor
Maria Manuela Dias Ferreira Leite (PSD) - Abstenção
Maria Odete dos Santos (PCP) - A favor
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia (PSD) - Abstenção
Mário da Silva Coutinho Albuquerque (PSD) - Abstenção
Mário Manuel Videira Lopes (PS) - A favor
Martim Afonso Pacheco Gracias (PS) - A favor
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva (PSD) - A favor
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque (PS) - A favor
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (PSD) - A favor
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura (PS) - A favor
Nelson Madeira Baltazar (PS) - A favor
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva (CDS-PP) - Contra
Nuno Kruz Abecasis (CDS-PP) - Contra
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes (PS) - A favor
Octávio Augusto Teixeira (PCP) - A favor

Página 1534

1534 I SÉRIE - NÚMERO 42

Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro (PS) - A favor
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte (PS) - A favor
Paulo Jorge dos Santos Neves (PS) - A favor
Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - A favor
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho (PSD) - Contra
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa (PSD) - Contra
Pedro Luís da Rocha Baptista (PS) - A favor
Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD) - Abstenção
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho (PSD) - A favor
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge (PS) - A favor
Raimundo Pedro Narciso (PS) - A favor
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo (PS) - A favor
Rolando Lima Lalanda Gonçalves (PSD) - Contra
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz (PS) - A favor
Rui do Nascimento Rabaça Vieira (PS) - A favor
Rui Fernando da Silva Rio (PSD) - A favor
Rui Manuel Palácio Carreteiro (PS) - A favor
Sérgio André da Costa Vieira (PSD) - A favor
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva (PS) - A favor
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto (PS) - A favor
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan (CDS-PP) - Contra
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos (PS) - A favor
Victor Brito de Moura (PS) - A favor
Vital Martins Moreira (PS) - A favor

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada dos Srs. Deputados que não responderam à primeira.

O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu a nova chamada, tendo faltado os seguintes Srs. Deputados:

Alberto de Sousa Martins (PS)
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares (PSD)
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro (PS)
José Manuel de Medeiros Ferreira (PS)

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o resultado é o seguinte: 155 votos a favor, 47 votos contra e 24 abstenções.
O projecto de lei n.º 235/VII foi, pois, aprovado na generalidade, indo baixar à 1.ª Comissão.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Manifestações de protesto por parte de público presente nas galerias.

As pessoas que se encontram nas galerias não se podem pronunciar, sob penas de eu ter de as mandar evacuar imediatamente para não produzirem efeitos sonoros que não são desejados nem respeitáveis.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos passar à votação nominal, na generalidade, do projecto de lei n.º 236/VII - Interrupção voluntária da gravidez, apresentado por Deputados do PS e de que é primeiro subscritor o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu à chamada, tendo-se registado a seguinte votação:

Acácio Manuel de Frias Barreiros (PS) - A favor
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo (PSD) - Contra
Adérito Joaquim Ferro Pires (PS) - A favor
Adriano de Lima Gouveia Azevedo (PSD) - Contra
Agostinho Marques Moleiro (PS) - A favor
Aires Manuel Jacinto de Carvalho (PS) - A favor
Albino Gonçalves da Costa (PS) - A favor
Álvaro dos Santos Amaro (PSD) - Contra
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira (PSD) - Contra
Antonino da Silva Antunes (PSD) - Contra
António Afonso de Pinto Galvão Lucas (CDS-PP) - Contra
António Alves Marques Júnior (PS) - A favor
António Alves Martinho (PS) - A favor
António Bento da Silva Galamba (PS) - A favor
António Costa Rodrigues (PSD) - Contra
António de Almeida Santos (PS) - A favor
António de Carvalho Martins (PSD) - Contra
António Fernandes da Silva Braga (PS) - Contra
António Fernando da Cruz Oliveira (PSD) - Contra
António Fernando Marques Ribeiro Reis (PS) - A favor
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP) - A favor
António Germano Fernandes de Sá e Abreu (PSD) - Contra
António João Rodeia Machado (PCP) - A favor
António Joaquim Correia Vairinhos (PSD) - Contra
António José Barradas Leitão (PSD) - Contra
António José Gavino Paixão (PS) - A favor
António José Guimarães Fernandes Dias (PS) - A favor
António Moreira Barbosa de Melo (PSD) - Contra
António Paulo Martins Pereira Coelho (PSD) - Contra
António Roleira Marinho (PSD) - Contra
António Soares Gomes (PSD) - Contra
Arlindo Cipriano Oliveira (PS) - A favor
Armelim Santos Amaral (CDS-PP) - Contra
Arménio dos Santos (PSD) - Abstenção
Arnaldo Augusto Homem Rebelo (PS) - A favor
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes (PS) - Contra
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho (PS) - A favor
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos (PS) - A favor
Artur Ryder Torres Pereira (PSD) - Contra
Augusto Torres Boucinha (CDS-PP) - Contra
Bernardino José Torrão Soares (PCP) - A favor
Bernardino Manuel de Vasconcelos (PSD) - Contra
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja (PS) - A favor
Carlos Alberto Dias dos Santos (PS) - A favor
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas (PCP) - A favor
Carlos Alberto Pinto (PSD) - Contra
Carlos Justino Luís Cordeiro (PS) - A favor
Carlos Manuel Amândio (PS) - A favor
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD) - Contra
Carlos Manuel Duarte de Oliveira (PSD) - Contra
Carlos Manuel Luís (PS) - A favor
Carlos Manuel Marta Gonçalves (PSD) - Contra
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho (PSD) - Contra
Cláudio Ramos Monteiro (PS) - Contra
Domingos Fernandes Cordeiro (PS) - A favor
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco (PSD) - Contra
Eduardo Ribeiro Pereira (PS) - A favor

Página 1535

21 DE FEVEREIRO DE 1997 1535

Elisa Maria Ramos Damião (PS) - A favor
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo (PS) - Contra
Fernando Alberto Pereira de Sousa (PS) - A favor
Fernando Alberto Pereira Marques (PS) - A favor
Fernando Antão de Oliveira Ramos (PS) - A favor
Fernando Garcia dos Santos (PS) - A favor
Fernando José Antunes Gomes Pereira (PSD) - Contra
Fernando José de Moura e Silva (CDS-PP) - Contra
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira (PSD) Contra
Fernando Manuel de Jesus (PS) - A favor
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho (PSD) - Contra
Fernando Pereira Serrasqueiro (PS) - A favor
Fernando Santos Pereira (PSD) - Contra
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo (PSD) - Contra
Francisco Antunes da Silva (PSD) - Contra
Francisco Fernando Osório Gomes (PS) - A favor
Francisco José Fernandes Martins (PSD) - Contra
Francisco José Pereira de Assis Miranda (PS) - A favor
Francisco José Pinto Camilo (PS) - A favor
Francisco Manuel Pepino Fonenga (PS) - A favor
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres (PSD) - Contra
Gilberto Parca Madaíl (PSD) - Contra
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa (CDS-PP) - Contra
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho (PS) - A favor
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva (PSD) - Contra
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia (Os Verdes) - A favor
Henrique José de Sousa Neto (PS) - A favor
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves (PSD) - Contra
Hugo José Teixeira Velosa (PSD) - Contra
Isabel Maria de Almeida e Castro (Os Verdes) - A favor
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel (CDS-PP) - Contra
João Álvaro Poças Santos (PSD) - Contra
João António Gonçalves do Amaral (PCP) - A favor
João Bosco Soares Mota Amaral (PSD) - Contra
João Calvão da Silva (PSD) - Contra
João Carlos Barreiras Duarte (PSD) - Contra
João Carlos da Costa Ferreira da Silva (PS) - A favor
João Cerveira Corregedor da Fonseca (PCP) - A favor
João do Lago de Vasconcelos Mota (PSD) - Contra
João Eduardo Guimarães Moura de Sá (PSD) - Contra
João Rui Gaspar de Almeida (PS) - Abstenção
Joaquim Manuel Cabrita Neto (PSD) - Contra
Joaquim Manuel da Fonseca Matias (PCP) - A favor
Joaquim Martins Ferreira do Amaral (PSD) - Contra
Joaquim Moreira Raposo (PS) - A favor
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida (PS) - Contra
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (PS) - A favor
Jorge Alexandre Silva Ferreira (CDS-PP) - Contra
Jorge Lacão Costa (PS) - A favor
Jorge Manuel Damas Martins Rato (PS) - A favor
Jorge Manuel Fernandes Valente (PS) - A favor
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro (PS) - A favor
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha (PSD) - Contra
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão (PS) - A favor
José Alberto Cardoso Marques (PS) - A favor
José Álvaro Machado Pacheco Pereira (PSD) - A favor
José António Ribeiro Mendes (PS) - A favor
José Augusto Gama (PSD) - Contra
José Augusto Santos da Silva Marques (PSD) - A favor
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha (PSD) - Contra
José Carlos Correia Mota de Andrade (PS) - A favor
José Carlos da Cruz Lavrador (PS) - A favor
José Carlos das Dores Zorrinho (PS) - Contra
José Carlos Lourenço Tavares Pereira (PS) - A favor
José Carlos Pires Póvoas (PSD) - Contra
José da Conceição Saraiva (PS) - Contra
José de Almeida Cesário (PSD) - Contra
José de Matos Leitão (PS) - Contra
José Ernesto Figueira dos Reis (PS) - A favor
José Fernando Araújo Calçada (PCP) - A favor
José Fernando Rabaça Barradas e Silva (PS) - A favor
José Guilherme Reis Leite (PSD) - Contra
José Luís Campos Vieira de Castro (PSD) - Contra
José Luís de Rezende Moreira da Silva (PSD) - Contra
José Macário Custódio Correia (PSD) - Contra
José Manuel Costa Pereira (PSD) - Contra
José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - A favor
José Manuel Rosa do Egipto (PS) - A favor
José Manuel Santos de Magalhães (PS) - A favor
José Maria Teixeira Dias (PS) - A favor
José Mário de Lemos Damião (PSD) - Contra
José Mendes Bota (PSD) - Contra
José Pinto Simões (PS) - A favor
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias (PS) - A favor
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria (PS) - Contra
Laurentino José Monteiro Castro Dias (PS) - A favor
Lino António Marques de Carvalho (PCP) - A favor
Lucília Maria Samoreno Ferra (PSD) - Contra
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal (PS) - A favor
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró (CDS-PP) - Contra
Luís Carlos David Nobre (PSD) - Contra
Luís Filipe Menezes Lopes (PSD) - Contra
Luís Filipe Nascimento Madeira (PS) - A favor
Luís Manuel da Silva Viana de Sá (PCP) - A favor
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes (PSD) - Contra
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes (PSD) - Contra
Luís Pedro de Carvalho Martins (PS) - A favor
Manuel Acácio Martins Roque (PSD) - Contra
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro (PS) - Abstenção
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira (PS) - A favor
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS) - A favor
Manuel Alves de Oliveira (PSD) - Contra
Manuel António dos Santos (PS) - A favor
Manuel Castro de Almeida (PSD) - Contra
Manuel Fernando da Silva Monteiro (CDS-PP) - Contra
Manuel Filipe Correia de Jesus (PSD) - Contra
Manuel Francisco dos Santos Valente (PS) - A favor
Manuel Joaquim Barata Frexes (PSD) - Contra
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes (PS) - Contra
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos (CDS-PP) - Contra
Manuel Maria Moreira (PSD) - Contra
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves (PS) - Contra
Manuel Porfírio Varges (PS) - Contra
Maria Amélia Macedo Antunes (PS) - A favor
Maria Celeste Lopes da Silva Correia (PS) - A favor
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha (PS) - A favor

Página 1536

1536 I SÉRIE - NÚMERO 42

Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira (PS) - A favor
Maria do Céu Baptista Ramos (PSD) - Contra
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro (PS) - Contra
Maria Eduarda de Almeida Azevedo (PSD) - Contra
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto (PSD) - Contra
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa (PS) - A favor
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta (PS) - A favor
Maria Helena Pereira Nogueira Santo (CDS-PP) - Contra
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino (PS) - A favor
Maria Jesuína Carrilho Bernardo (PS) - A favor
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto (CDS-PP) - Contra
Maria Luísa Lourenço Ferreira (PSD) - Contra
Maria Luísa Raimundo Mesquita (PCP) - A favor
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira (PSD) - Contra
Maria Manuela Dias Ferreira Leite (PSD) - Contra
Maria Odete dos Santos (PCP) - A favor

No momento em que a Sr.ª Deputada Odete Santos expressou o seu voto, um assistente presente nas galerias aplaudiu, tendo sido mandado retirar pelo Sr. Presidente.

Maria Teresa Pinto Basto Gouveia (PSD) - Contra
Mário da Silva Coutinho Albuquerque (PSD) - Contra
Mário Manuel Videira Lopes (PS) - A favor
Martim Afonso Pacheco Gracias (PS) - A favor
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva (PSD) - Contra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque (PS) - Contra
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (PSD) - Contra
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura (PS) - A favor
Nelson Madeira Baltazar (PS) - A favor
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva (CDS-PP) - Contra
Nuno Kruz Abecasis (CDS-PP) - Contra
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes (PS) - A favor
Octávio Augusto Teixeira (PCP) - A favor
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro (PS) - A favor
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte (PS) - A favor
Paulo Jorge dos Santos Neves (PS) - A favor
Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Contra
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho (PSD) - Contra
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa (PSD) - Contra
Pedro Luís da Rocha Baptista (PS) - A favor
Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD) - Contra
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho (PSD) - Contra
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge (PS) - A favor
Raimundo Pedro Narciso (PS) - A favor
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo (PS) - A favor
Rolando Lima Lalanda Gonçalves (PSD) - Contra
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz (PS) - A favor
Rui do Nascimento Rabaça Vieira (PS) - A favor
Rui Fernando da Silva Rio (PSD)- A favor
Rui Manuel Palácio Carreteiro (PS) - A favor
Sérgio André da Costa Vieira (PSD) - Contra
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva (PS) - A favor
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto (PS) - A favor
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan (CDS-PP) - Contra
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos (PS) - A favor
Victor Brito de Moura (PS) - A favor
Vital Martins Moreira (PS) - A favor

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada dos Srs. Deputados que não responderam à primeira.

O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu a nova chamada, tendo faltado os seguintes Srs. Deputados:

Alberto de Sousa Martins (PS)
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares (PSD)
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro (PS)
José Manuel de Medeiros Ferreira (PS)

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à contagem.

Pausa.

Srs. Deputados, o resultado é o seguinte, coincidindo nisso os dois Srs. Secretários da Mesa que fizeram o escrutínio: 111 votos a favor, 111 votos contra e 2 abstenções.

Aplausos por parte de público presente nas galerias.

As pessoas que se encontram nas galerias não podem manifestar-se, até porque a votação ainda não terminou.
Srs. Deputados, como sabem, em circunstâncias como esta, o Regimento prevê que se entre de novo em discussão e que se houver um segundo empate isso equivale a rejeição.

Pausa.

Peço desculpa, Srs. Deputados, mas o Sr. Secretário acaba de corrigir que não foram 2 abstenções mas 3 abstenções.

Pausa.

Srs. Deputados, há aqui uma divergência entre os Srs. Escrutinadores, que me induziram em erro quanto ao anúncio do resultado. Tenho uma dúvida: a de saber em que sentido votou o Sr. Deputado Matos Leitão.

Pausa.

Uma vez que me informam que esse Sr. Deputado não se encontra na Sala, agradecia que o chamassem. É a única dúvida que a Mesa tem e desta dúvida depende o resultado da votação.

Pausa.

Uma vez que o Sr. Deputado Matos Leitão já está presente, agradecia que dissesse em que sentido votou.

O Sr. Matos Leitão (PS): - Votei contra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito bem.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

Página 1537

21 DE FEVEREIRO DE 1997 1537

Sendo assim, Srs. Deputados, agradeço que oiçam com atenção a proclamação do resultado da votação.
Ao contrário do que foi dito, a de que tinha havido um empate, o que implicava uma segunda votação, o resultado agora verificado por todos os Srs. Escrutinadores e desfeita a dúvida sobre o sentido de voto do Sr. Deputado Matos Leitão, é o seguinte: 112 votos contra, 111 votos a favor e 3 abstenções.
O projecto de lei n.º 236/VII foi, pois, rejeitado, na generalidade.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

Manifestações de protesto por parte de público presente nas galerias.

Srs. Agentes da Autoridade façam favor de evacuar as galerias.

Pausa.

Srs. Deputados, não vou terminar a sessão sem antes vos felicitar pelo nível do debate aqui travado. O resto não conta, o que conta é o nível e a dignidade do debate que aqui travaram. Foi um excelente debate, de grande nível e quero felicitar-vos por isso. Muito obrigado.
Resta-me informar que a próxima reunião se realiza amanhã, a partir das 10 horas, com sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 23 horas e 5 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas aos projectos de lei n.ºs 177/VII (PCP), 235/VII (Deputado Strecht Monteiro e outros, do PS) e 236/VII (Deputado Sérgio Sousa Pinto e outros, do PS), sobre a interrupção voluntária da gravidez.

As Deputadas socialistas que votaram favoravelmente o projecto de lei n.º 177/VII, do PCP, declaram que o fizeram na convicção de que, em sede de especialidade, será possível corrigir alguns aspectos que consideram de necessária revisão.

As Deputadas do PS - Maria da Luz Rosinha - Paula Cristina Duarte - Sónia Fertuzinhos - Natalina Moura Rosa Albernaz - Fernanda Costa - Isabel Sena Lino Jovita Matias - Maria Carrilho - Helena Roseta - Maria Celeste Correia.

Ao votarmos na generalidade o projecto de lei n.º 177/VII (PCP), o nosso sentido negativo de voto fundamentou-se nos seguintes pressupostos:
Reconhecemos a existência de motivos para a interrupção voluntária da gravidez e admitimos que existem situações extremas em que tal atitude por parte da mulher é humanamente compreensível;
Uma avaliação sobre a situação actual, no que especificamente se refere aos resultados da aplicação das Leis n.ºs 3/84 e 6/84, respectivamente Lei da Educação Sexual e Planeamento Familiar e Lei da Exclusão e Ilicitude em alguns casos de NG, para a saúde e o bem-estar da mulher e da família, leva a admitir que persiste uma baixa efectividade na aplicação dessas Leis, tornando-se prioritária uma adequada e completa aplicação das leis em vigor;
A despenalização da conduta da mulher que consinta na NG - a livre pedido da mulher - nas primeiras 12 semanas, que o projecto de lei n.º 117/VII prevê, despenaliza também a conduta da mulher que pratique a IVG fora dos prazos e condições estipuladas no artigo 142.º do Código Penal. A nosso ver, torna-se difícil justificar esta impunidade dado que a vida em gestação é um interesse protegido, ao menos indirectamente na Lei Fundamental, que só poderá ser «sacrificado» ocorrendo colisão de interesses em termos de um deles dever prevalecer e a prática de tal acto fora desses casos tipifique um ilícito penal.
No projecto de lei, encontra-se também omissa a questão de acreditação do profissional que ateste a malformação do feto em situação de aborto eugénico.

Os Deputados do PS, Alberto Marques - Adérito Pires.

Joaquim Sarmento, Deputado do Partido Socialista, vem, nos termos da alínea m) do artigo 81.º do Regimento da Assembleia de República, apresentar a sua declaração de voto em relação aos projectos de lei n.ºs 177 e 236/VII, nos termos seguintes:
1 - O aborto interrompe a esperança de uma vida humana. É, em si, um acto perverso e que só excepcionalmente se deve consubstanciar perante a defesa de outros direitos superiores à vida do ovo ou embrião que a mãe transporta no ventre.
A mãe, ao transportar o feto, grande mistério da criação, terá que respeitar os direitos deste e os elementos que o transformarão, ulteriormente, numa criança.
Isto significa que os direitos do embrião só poderão ser subalternizados perante riscos de vida ou de saúde da mãe que o alimenta, direitos, aliás, já consagrados pela lei vigente.
A interrupção voluntária da gravidez é, pois, à luz do direito à vida e de preservação da espécie humana, princípios inseridos no direito natural que precede toda a ordem jurídica, um atentado.
A vida é um bem ontológico e um bem jurídico que a lei preserva, punindo os seus prevaricadores. Tal é posto em causa pelos projectos de lei n.ºs 177 e 236/VII, que remetem para a mãe o exclusivo direito de dispor da vida do filho, nas primeiras 12 semanas, veiculando uma ruptura com os princípios de humanismo solidário que deve constituir a matriz de vivência social.
Não se ignora a realidade pungente dos abortos clandestinos e dos negócios chorudos, à sua volta, mas não é com a liberalização do aborto que se resolve esse flagelo social mas, sim, com planeamento familiar, educação social e prevenção, vertentes que urge desenvolver e aprofundar.
2 - O meu voto contra constitui uma decisão que obedece apenas aos ditames da minha consciência.
Recuso-me a ver na discussão desta temática um conflito entre católicos e não católicos, entre conservadores e progressistas, entre direita e esquerda. E por conseguinte repudio a intolerância e extremismos emergentes de diversos quadrantes que intoxicaram a opinião pública nas semanas que precederam este debate.
Parafraseando Karl Popper, «nenhum de nós sabe o suficiente para ter o direito de ser intolerante».

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É, pois, com inteira humildade democrática que legitima a minha convicção interior, que assumo esta postura, votando contra os projectos de lei em apreço.

O Deputado do PS, Joaquim Sarmento:

Dois dos projectos hoje em debate, do PCP e da Juventude Socialista, pretendem revolucionar as bases éticas em que a legislação em vigor, Lei n.º 6/84, se fundamenta. Esta procura gerir, em favor da mãe, alguns conflito de direitos entre a grávida e o feto. A lista poderia ser alongada. Mas os dois projectos propõem agora a liberalização indiscriminada da interrupção voluntária da gravidez, por decisão da mãe biológica, durante as 12 primeiras semanas.
O debate que precedeu o parlamentar teve o mérito de nos alertar para as dificuldades na aplicação da lei e, apesar das compreensivelmente poucas rigorosas certezas, para a suspeita da importância do aborto clandestino. O que, certamente, exige ponderação e tomada de medidas. O problema é saber quais.
Não se procurou, contudo, a perseverança cívica para que a Lei n.º 6/84 fosse criteriosamente aplicada. Não se procurou compreender o porquê das resistências que existem, no que respeita ao aborto, a nível da culpabilidade individual e da vergonha social. Não se fez a crítica à impotência dos serviços públicos nesta área. Não se tomaram iniciativas legislativas em áreas complementares, para melhoraras respostas ao já estipulado por lei e no Código Penal. Os proponentes dos referidos projectos optaram pela crença mágica na eficácia da proposta liberalizante...
Indo, todavia, à substância.
Pode parecer que, entre uma despenalização de facto da prática do aborto e uma liberalizarão de jure até às doze semanas, haja apenas uma diferença menor. Entre os que, aparentemente, sacrificando mães biológicas teimam em dar aos fetos o que parece serem obsoletos direitos a quem se encontra numa situação de radicalmente indefeso. Mas são garante da sobrevivência da espécie. E já representantes vivos dos interesses das gerações futuras. E os que liberalizando pretendem salvar vidas de mães biológicas ignorantes, desleixadas ou vítimas de falhas técnicas. Com o também propósito manifesto de criar as condições ideais para uma maternidade desejada e responsável.
É verdade que o dilema é delicado para quem compreende o drama feminino e as boa intenções da maternidade responsável. Mas, mesmo admitindo-se que a liberalizarão consiga vencer as resistências que referimos, e alcançar os objectivos desejados, evitar o aborto clandestino, o que está longe de estar provado, teimamos em continuar a dar valor e direitos aos que dentro de poucos meses serão recém-nascidos. Por razões civilizacionais de fundo. Reforçadas por razões conjunturais de natureza fundamentalmente política. Com a convicção que assim lidamos melhor com a actualidade numa perspectiva da eficácia. E respeitamos mais adequadamente os direitos das futuras gerações.
As referências culturais de fundo são as que questionam e rompem com o paradigma cultural que marcou o radicalismo do passado e julgava eu passado: a idealização do amanhã e diabolização do presente; a maximização da ruptura e minimização da reforma; a absolutização dos direitos e desvalorização da responsabilidade; a procura de vantagens, sem limites, para a actual geração, è o desprezo cínico pelos direitos das gerações futuras.
Mas além de razões de fundo, há também razões conjunturais que reforçam a nossa opinião.
Com o PS no Governo, estou ainda mais confiante nos que procuram no presente, aumentar a capacidade de reforma, a eficácia das leis e estimular o sentido de responsabilidade dos portugueses.
É por esse caminho que, no meu entender, devemos ir: procurar criar condições para que a actual legislação seja aplicada. Exigir do actual Governo respostas médicas adequadas de molde a que os serviços públicos de saúde viabilizem a actual legislação de interrupção voluntária da gravidez. Melhor planeamento familiar. Mais protecção do casal, da família e da maternidade. Educação sexual idónea para os jovens. Uma mais corajosa, e mais de acordo com o nosso tempo, atitude em relação à adopção. É de exigir uma reforma radical na prática da adopção onde os casais adoptantes são tratados, mais como criminosos do que heróis que são. Se necessário aperfeiçoando a própria lei. Por esta via salvaremos, creio eu, bem mais vidas do que liberalizando o aborto. Uma prática descomplexada da adopção resolveria também a maioria das situações de mal estar feminino a que os projectos do PCP e da Juventude Socialista procuram dar resposta. O PCP, afirma na nota justificativa, preconizar a despenalização do aborto até às 12 semanas, a pedido da grávida, «tendo por base causas económicas e sociais». A JS faz proposta semelhante também «a pedido da mulher, por motivos ligados à defesa da sua própria liberdade pessoal em matéria de maternidade ou em defesa da sua dignidade moral e social». Eu, por mim, sinceramente, prefiro fetos adaptados a fetos mortos!
Poder-me-ão dizer os signatários dos projectos em questão que também desejam o mesmo que nós, mais a referida liberalização nas 12 primeiras semanas...
Acontece que vias que aparentemente se completam na realidade se opõem. Desenvolver o sentido da responsabilidade parece-me ser, na actualidade, no campo da educação sexual, a via mais eficaz para salvar vidas.
O eventual manto diáfano que separa o dar-se direitos ao feto, apesar da despenalização de facto da prática do aborto, que não depende do legislador, e a liberalizarão do aborto, é a nosso ver, o da frágil delimitação da fronteira entre a barbárie e a civilização humana. Não acompanhamos os promotores de uma civilização que sinto como banalizando a morte. Mesmo quando procuramos compreender as suas pretensas boas intenções. Porque a atitude moral de Miguel Unamuno adapta-se a muitas circunstâncias. Viva a Vida.

O Deputado do PS, Eurico Figueiredo.

Não vou equacionar o momento a partir do qual considero existir vida. Admitamos que o feto já o é e que por isso é que existe legislação sobre o aborto. Entendo, assim, aquela legislação como forma de preservar um direito fundamental - o direito à vida. Caso contrário, não seria necessário legislação sobre esta matéria.
Está, pois, relativizado o direito à vida: numa hierarquia de conflitos, hoje, é legal abortar-se em determinados casos (perigo de vida ou lesão física ou psíquica para

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a mãe, perigo de morte para a mãe, malformações no feto e violação da mulher). Sem querer entrar em grandes considerações sobre a actual legislação, não posso deixar de referir que ela encerra, em si mesmo, algumas redundâncias como é o caso da violação. Aqui legisla-se não sobre o feto ou a saúde da mãe mas, sim, sobre o acto que lhe deu origem; ora isto enquadra-se, eventualmente, nas lesões psicológicas da mulher e não deve ter prazo.
Sobre os projectos de alteração à lei do aborto é meu dever e obrigação ter um sentido de voto sobre eles. Aqui poderia questionar a legitimidade do meu voto porque não assumi, no projecto político-partidário do PS, qualquer compromisso sobre esta matéria com os eleitores. É uma matéria do foro íntimo e da consciência, também política, de cada um. Assim votarei única e simplesmente por convicção pessoal. Aceito, contudo, caso venha a ser feito um referendo sobre esta matéria, a traduzir, posteriormente, no meu sentido de voto, a vontade maioritária dos eleitores que represento.
Sabe-se que se pratica o aborto para além dos casos legislados. Referem-se como sendo 20000 o número de abortos clandestinos por ano. Em consequência das desadequadas condições em que são efectuados os abortos, conhecem-se alguns efeitos secundários - orgânicos, psicológicos, financeiros - para as mulheres, para os casais, para o sistema de saúde e para a sociedade em geral.
Acredito que uma mulher, ou o casal, quando toma a decisão de abortar, o faz em consciência. Não será uma decisão fácil, independentemente da sua condição religiosa ou cultural. Ao fazê-lo, julgo que tem direito a cuidados de saúde garantidos pelo Estado.
Por outro lado, o médico, no acompanhamento à mulher grávida, tem, também, um papel fundamental. Cada caso é um caso. Acredito na deontologia médica para fazer uma avaliação correcta do caso em análise e, em face disso, dar um BOM conselho médico. Incluindo a sua objecção de consciência para não praticar aquele acto médico.
Entendo, pois, que a decisão do acto de abortar se deve confinar ao foro da mulher (ou casal) e do médico e, como tal, ser despenalizado. Do mesmo modo, entendo que o Estado deve garantir condições de saúde para qualquer acto médico. Incluindo o do aborto, porquanto admitia relativização do direito à vida.
Outra questão é a dos prazos. Sendo coerente com o que atrás afirmei, discordo de prazos seja em que casos for. Contudo, do estado do conhecimento científico actual, do direito comparado a outros países da União Europeia e da cultura portuguesa, tenho que admitir a razoabilidade da Lei, isto é, são razoáveis os alargamentos dos prazos que são apresentados.
Assim, sobre os projectos em discussão, na generalidade, declaro votar a favor.

O Deputado do PS, José Ribeiro Mendes.

Sou contra o aborto como uma prática banal e corrente.
Sou contra o aborto como prática anticoncepcional.
Sou contra o aborto como forma de planeamento familiar.
Tenho uma única certeza nesta matéria.
Todas as mulheres portuguesas o são!

Ao votar na generalidade os dois projectos que descriminalizam a interrupção voluntária da gravidez - o projecto de lei n.º 177/VII, do PCP, e o projecto de lei n.º 236/VII, de Sérgio Sousa Pinto e outros Deputados do PS -, o meu sentido de voto positivo fundamenta-se nos seguintes pressupostos:
Nenhuma mulher recorre à interrupção voluntária da gravidez sem sentir uma enorme angústia e sofrimento.
A actual Lei n.º 6/84 não existe para a sociedade portuguesa, ninguém a cumpre.
O aborto clandestino, desregrado, ofende a saúde pública e causa na mulher que a ele recorre uma insanável dualidade, que faz perigar a sua saúde integral.
Somos o único país da Europa dos 15 onde ainda se morre como consequência do aborto clandestino.
O Padre Feytor Pinto considerou que nesta matéria existe uma dupla moral de conteúdos, quase incompatíveis.
A Professora Purificação Tavares trouxe-me a mensagem de uma mulher que passo a transcrever: «Peço para lhes dizer (aos Deputados) que o bebé já tinha nome e que esta decisão foi a mais difícil da minha vida!».
O aborto clandestino é um trauma gravoso sobre os projectos futuros da maternidade.
A discussão na Assembleia da República sobre a descriminalização da IVG, apesar de se ter iniciado há 15 anos, ainda está em curso e necessita de continuar a ser debatida - não votarei contra esta hipótese.
É por estas e outras razões que voto na generalidade «SIM» aos dois projectos mencionados, mas em particular pelo facto de pretender continuar a discutir esta matéria, encontrar outros suportes para apoio da decisão e isso só será possível se, através do meu voto, possibilitar a sua passagem à discussão na especialidade.
Existe, finalmente, outra certeza que passei a ter, um estádio da discussão que já ultrapassei: não serei nunca eu que condenarei à prisão nenhuma mulher deste país por uma IVG, efectuada nos termos em que o projecto da Juventude Socialista a coloca.

O Deputado do PS, Nelson Baltazar.

Sou convictamente, contra o aborto.
Assumo, nesta como em todas as questões que constituem matéria legislativa e, assim, exigem o exercício consciente de uma das minhas funções de Deputado - a função de legislar votando projectos de lei - uma posição que decorre da minha qualidade de Deputado eleito por uma região concreta, por cidadãos concretos. Sou, também nesta vertente, «eu próprio e as minhas circunstâncias» que inclui a minha formação, a minha experiência de vida. Sinto dever interpretar a vontade dos meus eleitores. Sinto, de igual modo, dever exercer o meu mandato, em liberdade pessoal plena.
Enquanto legislador, não legislo para mim. Legislo, de facto, para a sociedade portuguesa no seu todo. Enquanto cidadão, cumpro - devo cumprir - as leis. Mas uso ou não as faculdades que as leis me dão.
Ao votar os projectos de lei n.ºs 177, 235 e 236/VII deve forçosamente ter-se presente vários aspectos.
Tenho para mim que a questão central no debate e votação dos projectos de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez não é fazer aprovar ou não uma lei que reflicta as minhas convicções religiosas. Na verdade, Por-

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tugal não é um Estado confessional. E a ter presente as convicções cristãs há sempre lugar à tolerância do Novo Testamento, evidenciada no perdão a Maria Madalena.
A questão essencial estará, sim, em se considerar ou não como crime o recurso ao aborto, em determinadas circunstâncias.
Ora, é um facto que em Portugal, apesar de a criminalização do aborto estar prevista num artigo do actual Código Penal, coexistem, mais ou menos pacificamente, as mulheres que abortam e as que não abortam; o sentimento de reprovação social quanto à prática do aborto esbateu-se a tal ponto que a norma incriminadora do actual Código Penal entrou em situação de «anomia», ou seja, em desuso.
Assim, a norma do Código Penal, actualmente, tem apenas uma função, a de descriminar as que podem abortar em boas condições e as que têm de abortar nas condições conhecidas do «aborto clandestino», ofendendo desse modo o princípio da igualdade de oportunidades das pessoas.
Por outro lado, as normas do Código Penal não traduzem a proibição de tal ou tal conduta, aferida pela consciência individual, confessional ou não, de quem quer que seja, mas, sim e apenas, aferida pela consciência social. E, efectivamente, a opção pela interrupção voluntária de gravidez diz respeito à consciência de cada mulher, em cada situação.
A realidade, ao que parece, é que se fazem, em Portugal, cerca de 20 000 abortos clandestinos por ano. Em condições muitas vezes degradantes.
Ao debater e votar estes projectos de lei, há, pois, que ter em consideração uma questão de saúde pública. Despenalizar não é incitar ao aborto; é somente permitir que quem opte pela interrupção voluntária de gravidez o possa fazer com dignidade e em condições de higiene e segurança.
A este nível se coloca também, em meu entender, a criação de centros de aconselhamento familiar (CAF), em cada distrito, como consta do projecto de lei n.º 236/VII, o que constitui uma novidade.
Por tudo isto, votei favoravelmente os projectos de lei n.º 235/VII, de que é primeiro subscritor o Deputado Manuel Strecht Monteiro, e o projecto de lei n.º 236/VII, 'de que é primeiro subscritor o Deputado Sérgio Sousa Pinto. Abstive-me na votação do projecto de lei n.º 177/VII, de que é primeira subscritora a Deputada Maria Odete Santos, porque considero exagerada a amplitude do artigo 1.º, pois não coloca nenhuma condição. Mas também porque o PCP optou por fazer de uma matéria tão sensível como é esta um pretexto para simples luta política, o que rejeito.

O Deputado do PS, António Martinho.

Votei favoravelmente, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 235, 236 e 177/VII, pelas razões abaixo indicadas:
O projecto de lei n.º 235/VII (altera os prazos da exclusão de ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez), dado que o seu conteúdo essencial, ainda que de alcance limitado e circunscrito à regulação dos prazos da IVG nos limites do actual regime da ilicitude, alarga positivamente as possibilidades de decisão fundamentada da mulher quanto à interrupção ou não da gravidez, em termos que só podem favorecer os imperativos de uma maternidade conscientemente assumida,

O projecto de lei n.º 236/VII (interrupção voluntária da gravidez), em consideração pelo facto de a sua proposta essencial - despenalização parcial da IVG nas primeiras 12 semanas - considerar a relevância da protecção jurídica do primado da decisão da mulher fundada na preservação de valores de dignidade moral e social, bem como na exigência ética de uma maternidade e paternidade conscientes.
O projecto de lei promove, por outro lado, a superação de opções que, na actual política criminal, representam ainda uma desproporcionada imposição autoritária de valores, todavia longe de merecerem suficiente consenso ético jurídico na comunidade. O projecto de lei, ao optar em benefício de um quadro jurídico com tutela efectiva da autonomia do indivíduo mas no equilíbrio dos bens jurídicos carecidos de preservação - a dignidade da mulher e a gestação intra-uterina no processo de formação da pessoa humana - promove, a meu ver, adequadamente, à luz da experiência derivada da deficiente aplicação da Lei n.º 6/84, o recuo da reacção criminal para limites mais compatíveis com a vivência de uma sociedade tolerante. O valor da tolerância implica, necessariamente, a consideração pelo valor da vida.
Há, no entanto, que ter sempre em consideração que os direitos fundamentais de natureza pessoal - como o direito fundamental à vida - são isso mesmo, direitos da pessoa, sujeito com autonomia, dotado de identidade e de consciência e, como tal, com uma dignidade juridicamente protegida. Por isso, na compatibilização de valores, os que se incorporam nos direitos pessoais fundamentais não devem ser desproporcionalmente afectados ou diminuídos.
Considero ainda que as disposições constantes do projecto de lei n.º 236/VII poderão contrariar de modo mais eficaz os factores que incrementam o aborto clandestino. Assim se poderá qualificar melhor uma correcta política de saúde e de planeamento familiar.
O projecto de lei n.º 177/VII (altera os prazos de exclusão de ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez), tendo, no entanto, em consideração que várias das opções legislativas propostas parecem regular de modo menos harmonioso o equilíbrio de valores suscitado entre o respeito devido à autonomia de decisão por parte da mulher e a protecção do bem jurídico que representa a gestação in útero.
Tais opções sempre carecerão de exigente reavaliação em sede de especialidade e na perspectiva de uma votação final que desejavelmente possa garantir, no plano do direito, um adequado equilíbrio na ponderação dos valores carecidos de protecção.
No entanto, e na perspectiva de uma decisão favorável ao referendo, tomando por base as iniciativas acolhidas pela Assembleia da República, afigura-se-me que o conjunto das opções legislativas que suscitam a despenalização da IVG, ainda que com soluções não inteiramente coincidentes, deveriam poder merecer deliberação positiva por parte dos Deputados que, em sua consciência, em homenagem à dignidade da mulher, considerem aconselhável a revisão do actual regime de ilicitude.

O Deputado do PS, Jorge Lacão.

Entendo, pessoalmente, não ter mandato dos cidadãos do meu círculo eleitoral - perante quem respondo - para, neste momento, tomar decisões de opção ou rejeição de qualquer dos projectos de lei em apreciação.

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Na campanha eleitoral, nos compromissos eleitorais, no programa de candidatura, no diálogo, ou reuniões e debates públicos prévios às eleições de 1995 nunca esta matéria foi abordada, logo, enquanto legislador, não me encontro em condições de interpretar o sentido de voto daqueles que represento.
Enquanto cidadão, e como juízo pessoal sobre a questão social e política da interrupção voluntária da gravidez, defendo as soluções previstas no projecto de lei n.º 236/VII.
Hoje, votei favoravelmente os três projectos de lei em apreciação. Fi-lo, porque entendo que só com esta votação a Assembleia da República mantém em aberto o quadro legal de soluções e respeita o direito dos cidadãos a apreciar, discutir e decidir - livres de condicionamentos ou restrições - a solução legal a adoptar.
Isto porque defendo a realização de um referendo nacional sobre a interrupção voluntária da gravidez que permita aos cidadãos o exercício do direito, que tem de afirmar livre e claramente a sua vontade.
Na sequência desse referendo nacional, saberei interpretar, como legislador, a vontade dos cidadãos que, enquanto Deputado e nesta Câmara, represento.

O Deputado do PS, Laurentino Dias.

Não tendo podido intervir no debate dos projectos de lei em epígrafe, pretendo, através desta declaração de voto, expor as razões essenciais do meu voto favorável.
Enquanto socialista democrático e, por isso, militante dó Partido Socialista, considero que numa sociedade cultural, filosófica e ideologicamente plural, nenhuma corrente doutrinária ou religiosa, nenhuma concepção ética ou axiológica, deve impor-se sobre as demais através da autoridade do Estado, em domínios do foro íntimo, da assunção do corpo e da sexualidade, daquilo que deve ser a dimensão inexpugnável da liberdade do indivíduo.
Enquanto Deputado socialista no Parlamento de um Estado democrático e laico, cabe-me, como legislador, procurar que a lei assegure o bem comum, no respeito dos princípios acima enunciados, de forma tolerante e socialmente justa, equitativa e simultaneamente eficaz face às situações concretas.
O aborto criminalizado e, por isso, clandestino é um problema social e de saúde pública. Não é um problema ético para o legislador e só é de consciência para a mulher que é obrigada a interromper a sua gravidez.
Sendo um problema social e de saúde pública, não é resolúvel tratando-o como problema de polícia e não se enfrenta através do Código Penal. Assim tem sido reconhecido na generalidade dos países desenvolvidos e democráticos.
Um membro do Partido Socialista, Secretário-Geral, Deputado ou militante de base, por causa das suas convicções religiosas, da sua noção dos direitos da pessoa, da sua concepção de vida, ou de outras razões legítimas, pode ser liminarmente contra a prática do aborto em quaisquer circunstâncias. Não pode, porém, deixar de considerar a questão nas suas dimensões social e política, em nome de princípios intrínsecos à identidade socialista, como o do melhoramento reformista da sociedade na tolerância e na liberdade. Face ao que é uma política retrógrada, autoritariamente intervencionista e repressiva do Estado, tem de tomar partido. Tanto mais que essa política não é sequer dissuasora. Na realidade social existente, empurra, pelo contrário, milhares de mulheres para os circuitos clandestinos onde, consoante as suas posses, praticam o doloroso acto que em consciência decidiram praticar, muitas vezes em condições que põem em perigo a sua própria vida e alimentando um negócio degradante para a cidadania.
Um Deputado do Partido Socialista, posto perante a necessidade de legislar sobre tal matéria no sentido da despenalização, pode sentir-se, eventualmente, perante um dilema entre convicções de natureza diferente. Mas, enquanto Deputado, o que se lhe pede não é que sancione ou incentive a prática do aborto mas, sim, que contribua para terminar com uma situação de hipocrisia moral, jurídica e social, em coerência com a sua adesão voluntária à cultura humanista, defensora de um Estado republicano e laico, inerente à ideia e identidade socialistas.
Ficará para a História que, no dia 20 de Fevereiro de 1997, houve Deputados eleitos em nome do Partido Socialista que, ao arrepio das suas responsabilidades políticas, votaram em consonância com a direita conservadora. Direita que, na sua lógica cultural e ideológica, perfilha uma visão repressiva, machista, intolerante, do acto de conceber a vida, que nega a assunção do corpo pela mulher, enquanto pessoa e cidadã vivendo na sua circunstância concreta, social e material, que a legislação criminalizadora que existe e continuará a existir não contempla.
Lamentando em nome dos princípios e razões enunciados o resultado final da votação, considero, por um lado, ter agido em consonância com o mandato que me foi atribuído pelo povo português e, por outro, ter sido coerente com a minha condição de socialista.

O Deputado de PS, Fernando Pereira Marques.

A interrupção voluntário da gravidez foi tema que mobilizou a opinião pública nacional na passada semana. A facilidade com que uns escrevem, outros falam e ainda outros tantos e tantos outros murmuram em surdina, quantos e quantas vezes julgando-se no maior dos esconderijos, foram e continuarão a ser situações que apenas terão um resultado: o perpetuar da hipocrisia.
Os diplomas acerca da IVG em discussão na Assembleia da República, independentemente do próprio resultado, parece terem conseguido o mérito de mobilizar a atenção dos portugueses, tantas vezes distraídos e distantes das instituições e da discussão de outras matérias de relevo.
Quanta emoção exagerada e quanto fundamentalismo balofo, às vezes desumano, foi empreendido no sentido de condicionar o sentido de voto, que todos - indivíduos e instituições - pediam em consciência. Tudo isto se saldou em pólvora seca e que cada um, espero, tenho agido no estrito respeito pelo ditame da sua própria consciência, esta alicerçada no conhecimento da sua floresta.
Ninguém pode ser indiferente ao que vê, ao que ouve e ao que lê.
Num Estado democrático todos têm o direito de difundir livremente as suas convicções, mas acresce-lhes o dever, sem norma legal, de se comportarem de acordo com elas. O mesmo será dizer que ninguém tem o direito, sejam quais forem os valores que cada um encarne, de os impor, pelo lei, a outro.
A vida não se autoriza, nem se proíbe. A vida dá-se e adquire-se de forma puramente livre, transparente, e só será

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de facto vida e viva, se o for desejada com ansiedade, carinho e amor.
O que esteve em causa na Assembleia da República e que porventura persistirá na sociedade portuguesa, não era a liberalização, nem do aborto nem de outra coisa.
O que esteve e continuará a estar em causa era e é tão-só se o que tanta gente faz, e que outros no passado fizeram, sempre clandestinamente, devia ou não continuar a ser clandestino.
Clandestinamente, porque embora a lei veja o aborto como crime, a verdade é que, na prática, ela nunca o conseguiu proibir.
Ou não é verdade que no campo criminal, não se conhecem prisioneiras por aborto e que no campo social, não se conhecem actos de marginalização ou exclusão porque familiar, vizinha ou amiga o tenha praticado...
Para quê continuar a proibir o que, afinal, na prática apenas depende de cada um e do imperativo da sua própria consciência?
O que esteve em causa foi algo bem mais sublime, foi de a cada mulher, a cada casal ou a cada família, pela via legal, ser dada a responsabilidade de cada qual decidir sobre aquilo que sempre foi sua atribuição.
O legislador não deve hoje, acerca da IVG, pretender que as mulheres e os casais que não pensam como ele tenham a possibilidade de virem a ser perseguidos como criminosos.
O que esteve em causa não foi a contracepção por aborto! O aborto é por si só, no mínimo, humilhante... e ninguém aborta por prazer.
O que esteve em causa foi reconhecer o livre e responsável direito de opção, em casos acidentais/excepcionais, entre prosseguir ou interromper, num prazo razoável, uma gravidez de todo não desejada.
Poderá parecer que quem assim escreve é um defensor do aborto liberalizado. Puro engano! Eu sou um amante da vida.
Concluindo:
Porque o aborto clandestino tem constituído no fundo o aborto «legalizado» nas piores condições;
Porque as minhas convicções acerca da IVG não devem nem podem obrigar a que o meu semelhante não tenha o direito de pensar de maneira diferente desses meus valores;
Porque entendo que a interrupção voluntária da gravidez é matéria que, única e exclusivamente, deve depender do foro e consciência de cada mulher e de cada casal;
Porque é notório o número de casos que, após a realização de um aborto clandestino, acabam no recurso às urgências dos hospitais;
Porque sou contra a hipocrisia é, acima de tudo, a favor da vida consciente e da pura responsabilização individual da mulher e do casal no tocante à matéria em apreço;
Por julgar que a interrupção de uma gravidez, mesmo que voluntária, será sempre uma opção de fronteira e, seguramente, dolorosa e traumática para qualquer mulher que, em clandestinidade, apenas pode recorrer a locais e pessoas de duvidosa sabedoria, quer científica, quer higiénica, o que é desde logo uma situação de alto risco, o que pode levar a um trauma bem mais gravoso e de consequências irreparáveis,
Votei favoravelmente os projectos de lei n.ºs 235/VII (Strecht Monteiro) e 236/VII (Juventude Socialista) e votei com abstenção o projecto de lei n.º 177/VII (PCP).

O Deputado do PS, Carlos Alberto Santos.

Os Deputados da JSD, que têm posições pessoais divergentes sobre o aborto, votaram contra os projectos de lei da JS e do PCP que propõem a liberalização do aborto.
Voto contra que representa um vivo protesto à atitude hipócrita e demagógica do PS e do PCP de não admitirem, não permitirem que esta questão fosse objecto de consulta aos portugueses.
Entendemos que os Deputados desta Câmara não se encontram mandatados pelo povo português para decidir sobre a liberalização da interrupção voluntária da gravidez. O aborto é matéria de consciência individual de cada um. Não dos Deputados mas de todos os portugueses e portuguesas.
230 não podem assim decidir por 10 milhões e defender um referendo que seja na prática um veto ou ratificação dos portugueses à decisão que hoje daqui sair é uma hipocrisia, uma falácia do PS, e no plano dos princípios inaceitável.
Defendemos uma consulta popular onde todos os portugueses tenham a palavra e a soberania da decisão livre e actualizada, e não influenciada e determinada pela votação de hoje.
Por tudo isto, votamos contra. Contra a decisão arrogante e prepotente do PS e do PCP que querem que o Parlamento se substitua aos portugueses, quando o que devia era representar a vontade do País. Vontade essa que é hoje ciará na maioria esmagadora dos portugueses: a vontade e o desejo legítimo de se pronunciarem e votarem neste debate.
Em política há matérias em que os Deputados devem fazer tudo; o que podem, como há outras em que, mesmo podendo, o não devem fazer. Muito menos nas costas dos portugueses.

Os Deputados da JSD, Sérgio Vieira - Hermínio Loureiro - João Moura de Sá - João Carlos Duarte.

Nos três projectos de lei em discussão, distingo entre os do PCP e da JS, por um lado, e o do Sr. Deputado Strecht Monteiro, por outro.
Aqueles, ao consagrarem a liberalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas, têm subjacente uma visão anti-natalista e uma certa contracultura niilista - a contra-cultura da morte.
A minha visão é natalista, a minha cultura é a cultura da vida, as únicas que dão horizonte (s) à pessoa humana. Por isso voto contra os dois projectos, por convicção, em nome da ética de atitude, com certeza, mas ainda em nome da própria ética da responsabilidade... pela continuação das gerações e pelo futuro da espécie humana.
O projecto de Strecht Monteiro actualiza a lei vigente, alargando os prazos previstos para o aborto nos casos excepcionais nela contemplados. Fundamenta a modificação em alegadas razões técnicas e científicas pró-natalistas. A aceitarem-se como verdadeiras e exactas as alegadas razões técnico-científicas poderia votar favoravelmente.
Porém, cientistas há que contestam essas razões, não vendo, por isso, necessidade de alterar alei.
Não tendo sido possível formar a minha convicção numa ou noutra das orientações, abstenho-me na votação deste projecto, esperando, se vier a ser aprovado na generalidade, correcções na especialidade que me ajudem a decidir.

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Por fim, importa que o Estado e a sociedade dêem novo e maior impulso a uma política activa, efectiva e eficiente de promoção e protecção da maternidade, com planeamento familiar, informação, formação e educação, para que mulheres e casais não sejam impelidos por razões económicas e sociais para o aborto.
Afinal, o aborto é um problema, não constitui a solução!

O Deputado do PSD, Calvão da Silva.

A interrupção voluntária da gravidez suscita opiniões profundamente controversas, face às diversas influências presentes no juízo de cada um. Aspectos de natureza ideológica, religiosa, social ou política contribuem para as convicções de cada cidadão.
Pela delicadeza do assunto, é por demais evidente a necessidade de o mesmo ser submetido a referendo. O voto popular directo vale mais do que o somatório das opiniões individuais dos Deputados. Contra o bom senso, o PS e o PCP decidiram forçar o agendamento e a votação de projectos de lei, retirando aos portugueses o direito de se pronunciarem em consulta prévia.
Enquanto Deputado, cada um de nós é portador dos compromissos e programas sufragados à data da eleição e das orientações e deliberações dos órgãos legítimos do partido, a acrescentar à própria consciência e sensibilidade em cada matéria.
Voto contra os projectos n.ºs 177/VII (PCP) e 236/VII (PS) porque:
Os seus autores não permitiram a submissão da questão de fundo à consulta prévia dos portugueses;
Não quero contribuir para a decisão de se alterar a lei actual, sem que o debate se faça em profundidade e participação da opinião pública seja total e completa;
A legítima orientação maioritária dos órgãos próprios do PSD é contrária à aprovação destas alterações feitas e pretendidas deste modo incorrecto.
No entanto, desejo que fique claro que na minha consciência individual existem sentimentos de compreensão e de tolerância para com quem se vê obrigado a recorrer à interrupção voluntária da gravidez, nas primeiras semanas por razões diversas, ou até mais tarde por motivos eugénicos comprovados.
O problema real de milhares de portugueses, crentes de vários credos e confissões políticas ou religiosas, terem de recorrer a práticas clandestinas em Portugal ou no estrangeiro é real e não deve ser ignorado.
Também será recomendável eticamente que ninguém se veja com hipocrisia a defender, em público, o que poderia, em casos especiais, não praticar em privado.
Hoje, as ciências médicas já apontam para soluções abortivas logo no início do processo de gestação, com o trivial recurso a simples fármacos sem qualquer intervenção ou conhecimento de terceiros, donde resulta a dificuldade em criar uma lei punitiva para estes casos.
Convirá que o debate prossiga, de par com o reforço e a divulgação alargada dos mecanismos de planeamento familiar, assim como recomenda o bom senso que não se vejam os conceitos de índole moral como estáticos e imutáveis para sempre.
Os problemas devem sobretudo evitar-se por informação e educação para que ninguém fique com a tentação de os resolver só pela via punitiva e por uma pretensa censura, eventualmente com moralismos inadequados à evolução científica e ao sentimento profundo da maioria das pessoas.

O Deputado dó PSD, Macário Correia.

Votei contra os projectos de lei n.ºs 177 e 236/VII por entender que se imporia um debate e, eventualmente, outras formas de consultas públicas prévias sobre a matéria.
Considero, pessoalmente, que, não estando, ao que julgo, nas intenções de ninguém promover campanhas persecutórias das mulheres que praticam a interrupção
voluntária da gravidez - ou seja, a aplicação da lei que criminaliza tal acto -, a autêntica defesa da vida não é com os códigos penais que se alcança, mas com a criação do condicionalismo social, cultural, económico para uma maternidade desejada.
Ciclicamente, assiste-se, neste hemiciclo de S. Bento, à discussão à volta dos mesmos preceitos jurídicos, consabidamente incumpridos, em que só a clandestinidade das práticas não sentenciadas pela justiça se converte às vezes, em caso de infortúnio, na pior forma de sanção.
A criminalização do aborto não é um meio eficaz de atingir o objectivo, nem de salvar a virtude das mulheres (porque ninguém é virtuoso à força), nem de salvar a vida do nascituro.
Combater a despenalização meramente ao nível de uma querela abstracta, sob o pano de fundo de uma atitude de resignação e indiferença face ao statu quo, é um contra senso.
A verdadeira questão moral que se põe, independentemente do credo de cada um, é o despertar a consciência e a vontade das mulheres para darem vida; a verdadeira questão social é a da protecção da sua integridade física e
psíquica e do seu estatuto familiar e profissional.
Por isso as leis relevantes pelo seu poder de alterar as circunstâncias que rodeiam e determinam a decisão das mulheres em favor da concepção são aquelas com que o Estado incentiva a natalidade com medidas de natureza
económica e com os meios adequados ao acolhimento e educação das crianças. Como actualmente não faz.
Os gestos com que urge marcar a sociedade civil são os da solidariedade muito concreta às futuras mães e às famílias, sobretudo às famílias monoparentais.
Os gestos que hoje faltam.

A Deputada do PSD, Manuela Aguiar.

A minha abstenção na votação na generalidade do projecto de lei n.º 235/VII, que altera os prazos de exclusão de ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez, tem, resumidamente, os seguintes fundamentos:
1. O primeiro subscritor, Sr. Deputado Strecht Monteiro, declarou na sua intervenção em Plenário, ao proceder à apresentação do referido projecto de lei, que iria eliminar no artigo 4.º a obrigação do médico ou outro profissional de saúde de indicar «o profissional que praticará a interrupção voluntária da gravidez».
Tal cláusula, a ser aprovada, constituiria um erro de tal modo grave que por si só motivaria o meu voto contra

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o referido projecto. Na verdade e como refere o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) no seu Parecer, a cláusula da objecção de consciência tem fundamento ético e corresponde ao direito fundamental de ninguém poder ser obrigado a agir contra os ditames da sua consciência. E acrescenta: «As alterações propostas viriam limitar e restringir esse direito, o que é inaceitável; a introdução da obrigação do objector indicar o nome de um não- objector é inadmissível, para além de ser inexequível em muitos casos».
Sublinho, portanto, a importante alteração aceite pelo primeiro subscritor.
2. Estou de acordo com a precisão proposta no projecto excepcionando de ilicitude a remoção de seres gerados seguramente inviáveis em, qualquer fase da gestação. Como acentua o relator do Parecer do CNECV, Professor Doutor Walter Osswald, nestas circunstâncias «não se afigura eticamente correcto defender uma vida sem projecto e que seguramente se vai extinguir, à custa de um sofrimento materno acentuado e que poderá deixar sequelas permanentes».
3. No que respeita ao alargamento dos prazos propostos nos casos de exclusão de ilicitude previstos nas alíneas c) e d), embora me suscitem reservas não são suficientes para justificar um voto contra o projecto nesta fase da discussão.
Por um lado, trata-se de casos excepcionais. Por outro, todo o CNECV esteve, de acordo no seu parecer no ponto em que afirma que «a extensão dos prazos para as causas de exclusão de ilicitude (...) não suscita dificuldades de ordem ética já que a questão de fundo é a da própria interrupção da gravidez e não a da fase da vida pré-natal em que é praticada».
Devo sublinhar que entendo estar o chamado aborto eugénico mal delimitado na alínea c) do artigo 142.º do Código Penal. Apesar de uma pequena melhoria na formulação proposta no projecto votado, mantêm-se as dificuldades de ordem ética referidas no Parecer do CNECV.
Por minha parte, aceito o abortamento de seres seguramente condenados a uma vida puramente vegetativa. Mas sou contrário a formulações que abram as portas, pelo seu carácter vago ou demasiado genérico (quais são as doenças consideradas graves? que malformações genéticas se referem? todas?), a um eugenismo desenfreado que pode ilegitimamente pôr em causa a vida de muitos que, embora com deficiências, poderiam ter uma vida consciente. E vários deles foram mesmo personalidades marcantes da Humanidade, bastando lembrar Helen Keller. Que dizer ainda do risco de pôr em causa a vida de seres nos, quais são diagnosticadas doenças graves e incuráveis de manifestação tardia, cuja sintomatologia se inicia geralmente pelos 30 ou 40 anos de vida?
Entendo, portanto, que seria importante que na especialidade se concretizassem, na formulação da referida alínea c), os casos excepcionais em que o abortamento não deve dar lugar a penalização.
Fica claro que, nos casos limitados em que aceito a exclusão de ilicitude no aborto eugénico, aceito o alargamento do prazo, uma vez que há muitos cientistas e médicos que entendem que é assim possível salvar fetos que mais tarde se podem evidenciar como normais.
4. Finalmente, no que respeita à criação de Comissões Técnicas de Avaliação de Defeitos Congénitos, partilho das dúvidas constantes do referido relatório elaborado pelo Sr. Prof. Osswald.
5. Em conclusão, o meu voto é um voto de expectativa. O seu sentido na votação final global dependerá das alterações que vierem a ser aprovadas na, votação na especialidade.
Sem esquecer também a importância de marcar a diferença entre este projecto e os dois outros votados no mesmo dia, para mim absolutamente inaceitáveis, o meu voto na generalidade, por todas as razões acima referidas, não podia deixar de ser de abstenção.

O Deputado do PSD, Pedro Roseta.

A questão mais relevante nos projectos de lei n.ºs 177 e 236/VII, apresentados, respectivamente, pelo PCP e pelo PS (Deputado Sousa Pinto), prende-se com a introdução de uma nova excepção à regra fixada no Código Penal de considerar como ilícito penal a interrupção voluntária da gravidez. A excepção em causa exclui a ilicitude no caso de a interrupção voluntária da gravidez resultar de pedido da mulher grávida e se verificar nas primeiras 12 semanas de gravidez.
A excepção configura-se como uma verdadeira mudança no sistema da nossa lei penal e não como uma mera alteração dentro do espírito da lei. Com efeito, enquanto as restantes alterações propostas, incluindo as contidas no projecto de lei n.º 235/VII apresentado pelo PS (Strecht Monteiro) propõem apenas o alargamento de prazos em situações já consideradas pela nossa lei penal como excluindo a ilicitude, a excepção em causa é nova, e até aqui sempre expressamente rejeitada.
A Lei n.º 6/84 introduziu no nosso ordenamento jurídico os quatro casos admitidos como excluindo a ilicitude na interrupção voluntária da gravidez: dois deles prendem-se com situações de perigo grave para a vida e saúde da mulher grávida; um prende-se com situações de perigo grave para a vida e saúde do feto e da futura criança; o último é relativo a situações de violação.
A nova excepção agora em causa distingue-se totalmente destas, pois não é relativa a imperativos de saúde da mãe ou do feto ou determinada como resultado de crimes contra a autodeterminação e liberdade da mãe, antes resulta de mera vontade da mulher sem necessidade de ser fundamentada em qualquer causa objectiva.
O PCP e os apoiantes do projecto de lei PS (Sousa Pinto) alegam que não é a criminalização de tais situações que tem impedido que várias mulheres pratiquem o aborto ilegal, por razões de ordem económica ou social. E fazem-no, porque clandestinamente, em locais impróprios e por pessoas mal preparadas, provocando com isso variadíssimos casos de morte da mulher ou de lesões graves na sua saúde.
Não desconhecemos esta realidade, nem a aceitamos encolhendo os ombros ou tapando os olhos. Mas entendemos que não é pela via da 'descriminalização do aborto que se poderão evitar estas situações. Por este raciocínio feriamos que descriminalizar todos os actuais ilícitos penais que são amiúde violados com consequências graves na segurança e saúde das pessoas. Figura-se os casos de consumo, de drogas, da eutanásia ou até de psicopatas assassinos. Tudo casos em que os factos são praticados apesar de constituírem ilícitos penais.
Por nós, entendemos que a criminalização de uma determinada conduta contém em si, não apenas um mero

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juízo repressivo mas, antes de mais, um juízo ético de reprovação social. Descriminalizar uma conduta significará, por isso, que a sociedade entende que esse comportamento não deve ser eticamente censurável.
Ora, estou profundamente convicto de que não é esse o sentimento generalizado do povo português, não é seguramente o meu.
Os próprios proponentes dos projectos de lei do PCP e PS (Sousa Pinto) consideram que tal comportamento é censurável, embora, segundo eles, não devesse ser reprimido. Entendo que, sendo censurável, não deve ser por isso descriminalizado.
A solução para o problema não passa pela descriminalização, antes por melhores condições de planeamento familiar, de mudanças de mentalidades sexuais e sociais, por modificações na legislação laboral e de protecção da família. Só atacando de frente as verdadeiras causas do problema ele, alguma vez, poderá ser resolvido. E isso, penso, é o que todos desejamos. Descriminalizar o aborto não só não evitará qualquer uma das causas do problema, como propiciará um seu recrudescimento pelo laxismo social e ético criado. Antes, já hoje os tribunais examinam a medida da culpa no caso concreto, decidindo pela aplicação e graduação da pena. Razão pela qual muitos casos não são reprimidos, apesar de eticamente censuráveis.
Pelo contrário, sou favorável ao alargamento do prazo de exclusão da ilicitude em abortos eugénicos, pois está hoje cientificamente afirmado que muitas doenças ou malformações do feto apenas são identificáveis, com plena certeza, após as actuais 16 semanas fixadas na lei. É o caso, por mero exemplo, das Mucopolissacaridoses, doenças hereditárias do metabolismo causadas por deficiências enzimáticas especificas.
Razão pela qual votei contra os projectos de lei n.ºs 177 e 236/VII e a favor do projecto de lei n.º 235/VII.

O Deputado do PSD, Moreira da Silva

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.

Partido Social Democrata (PSD):

João do Lago de Vasconcelos Mota.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Rui Fernando da Silva Rio.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Manuel de Medeiros Ferreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO Da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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