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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1507

eliminando por completo a proibição hoje constante do n.º 3 do artigo 140.º do Código Penal, autorizaria as grávidas a abortarem sempre que livremente o entendam e sem qualquer limite ou fundamento, depois das 12, das 16 semanas, ou de qualquer outro prazo, por todo o tempo da gravidez, e portanto também, por exemplo, aos 7 ou aos 8 meses e meio; por outro lado, porém, os médicos e os hospitais não poderiam assistir a essas interrupções de gravidez fora dos limites do artigo 142.º
Isto é o mais requintado maquiavelismo, a que se recorre simplesmente para destruir o sistema actual, introduzindo agora normas inexequíveis, com intenção de mais tarde, aproveitando a confusão e a perplexidade gerais que terão causado, fazer passar, numa correcção atabalhoada e de emergência o que agora ninguém aceitaria a pretexto de que a terra estará queimada e já não haverá nada para salvá-la. Maquiavelismo que, em boa verdade, melhor seria chamar requentado do que requintado, porque é truque já muito visto e que dificilmente enganará ainda alguém, ou então é, pura e simplesmente, uma monumental inépcia, o mais completo absurdo político que alguma vez terá sido proposto nesta matéria a qualquer parlamento de países civilizados.
Porque de duas uma: ou o aborto é proibido fora das condições do artigo 142.º, e então compreende-se que não seja permitido nos hospitais e que os médicos não possam assistir a grávida num acto que é ilícito - mas terá de ser também proibido à grávida, como aliás acontece em todas as legislações semelhantes que conhecemos -, ou o aborto é totalmente livre, como o passaria a ser pela revogação completa do n.º 3 do artigo 140.º, e, sendo lícito que as grávidas decidam interromper a gravidez por todo o tempo de gestação e sem qualquer fundamento definido por lei, então é absurdo que um legislador que se diz preocupado com os riscos do aborto clandestino afinal interdite às mesmas grávidas o recurso a assistência clínica e hospitalar, empurrando-as de facto para as mãos de curandeiros ou negociantes, fora de todo o controlo das autoridades clínicas e administrativas!
Neste extraordinário e aberrante modelo, a autorização irrestrita de abortar, que a revogação do n.º 3 do artigo 140.º implica, só poderá funcionar na prática como um incentivo ao aborto clandestino - o contrário mesmo do que os seus proponentes afirmam desejar. O que o projecto comunista, de facto, transmite às grávidas é esta coisa espantosa e que faria rir até às lágrimas, se a matéria consentisse que ao pranto se juntasse o riso: grávidas, podeis abortar quando quiserdes, mas, se quiserdes fazer isso que vos digo que vos é permitido, não conteis com assistência clínica idónea, porque proíbo-a e puno quem vo-la prestar! Podeis abortar à vontade, mas, nessa circunstância, tereis de abortar nos curandeiros!
Abstenho-me de esboçar uma explicitação das espantosas incertezas e confusões jurídicas a que um sistema destes poderia dar origem. E abstenho-me de imaginar sequer os efeitos políticos e psicológicos que teria a tentativa de consagrar em lei um tal absurdo regulatório. Nem consigo crer que possa ser seriamente ponderado por alguém que se tenha apercebido, realmente, do que transmite e do que significa, independentemente das opções de fundo. É que quem, como eu, não concorda com a despenalização total do aborto, não poderá aceitá-lo, mas também não poderá aceitá-lo quem quiser a despenalização total, a menos que esteja disposto a propor para o seu País uma lei hipócrita e criminógena.

Há, portanto, no projecto do PCP ou um colossal dislate ou um maquiavelismo pouco lisonjeiro para a inteligência dos Srs. Deputados e da opinião pública nacional.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não seja ordinário!

O Orador: - Tanto basta para, sem mais, lhe assinalar o justo lugar que lhe pertence: o caixote do lixo da História, de onde, afinal, jamais deveria ter saído!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal é o país da Europa onde mais abortos se praticam ilegalmente por ano, onde mais mulheres morrem por causa de abortos clandestinos e onde mais mulheres ficam mutiladas em consequência de interrupções feitas em condições degradantes, sem um mínimo de higiene e de segurança. Este problema não é um problema do foro íntimo, é um flagelo social que exige uma decisão política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E essa responsabilidade é nossa, porque esta é a sede da representação nacional.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Não se trata de saber quem é por ou contra o aborto. Ninguém aborta por prazer! Não se trata tão-pouco de uma questão entre católicos e não católicos, crentes e não crentes. Trata-se de saber quem é por ou contra a adaptação da realidade jurídica à realidade social,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... quem é por ou contra a persistência de uma proibição que está em contradição com a vida, e que a vida, na prática, todos os dias, já revogou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, ao fim e ao cabo, de saber quem é pela verdade na lei ou pela continuação nela da mentira e da hipocrisia.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Este é que é o fundo da questão! Trata-se de um problema de saúde pública e de política criminal, mas também de um problema social e moral em que, como em muito poucos, se espelha e reflecte a desigualdade de classe e de condições económicas. Quem tem meios pode fazer a interrupção em clínicas de luxo, em Espanha ou cá dentro, sob a designação seráfica de «tratamentos ginecológicos», quem os não tem é obrigado a fazê-lo em situações que constituem um atentado à saúde física e psíquica da mulher. Disse-o, como só ele sabe, o meu querido amigo Almeida Santos, na intervenção que aqui fez em 1982: «Sabemos que o aborto se pratica das formas mais sofisticadas, em clínicas de luxo, às formas mais sórdidas, em desvãos de escada, tudo uma vez mais dependendo do dinheiro que se tenha».

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