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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1515

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas eu não estou aqui apenas como Deputada, estou também como militante: militante dos valores do socialismo democrático - da liberdade, da solidariedade e da tolerância. Já aqui foi dito que são quase sempre as mulheres mais pobres, ou as mais jovens, ou mesmo as adolescentes, quem se sujeita ao aborto clandestino. Apesar de já há largos anos o planeamento familiar ser uma incumbência do Estado, a discriminação económica e etária continua a verificar-se. A lei não se cumpre, o planeamento familiar é insuficiente, faltam verbas, falta informação, às vezes falta vontade. E enquanto esta desigualdade entre mulheres pobres e mulheres ricas, mulheres ignorantes e mulheres informadas, persistir, haverá para mim, Deputada socialista, uma questão de consciência.
Srs. Deputados, além do mais, sou mulher: mulher com direito à vida, com direito à liberdade, que é a lei do amor; mulher com direito à felicidade, que me cabe construir, para mim e para os outros, com as minhas mãos e com os meus actos. Invoco essa grande mulher que foi Natália Correia, já aqui lembrada. Com ela aprendi que se cura a vida com a vida. Dela recebi a lição de que «o itinerário é interior». Ninguém nos pode acorrentar a preconceitos, tabus ou códigos morais obsoletos e hipócritas. Recordo Natália Correia na sua «Ode às mães para descerem dos montes», verdadeira litania contra o ódio, contra a guerra, contra a violência, contra a poluição, contra a intolerância, contra todas essas ameaças, afinal planetárias, ao direito à vida, para a espécie humana e para todos ,os seres vivos, mesmo os mais humildes. Permitam-me que vos traga aqui o seu recado: «O tempo do ódio está a acabar, digo-vos. O tempo da alegria está a chegar».

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

A Oradora: - Alegria, pois. E que maior alegria para uma mulher que a de saber que espera um filho desejado? Não permitamos que esse direito à felicidade nos seja confiscado. Ninguém tem legitimidade para o fazer.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deixo para o fim do meu testemunho a invocação do meu próprio passado. Sou católica, fui militante activa do Concílio Vaticano II, tenho João XXIII como uma das referências da minha vida. «Ninguém tem a verdade toda», dizia ele. Nunca o esquecerei. Certamente conhecerão o episódio evangélico da mulher apanhada em pecado, que ia ser flagelada, segundo a Lei de Moisés. Interrogaram então o Mestre, diz o texto, para o tentar. A resposta é conhecida: «Quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra». Mas o final da parábola é talvez menos conhecido: ouvindo aquilo, os homens foram-se afastando e deixaram a mulher só com o Mestre - «Onde estão os que te queriam condenar»? «Foram-se embora, Senhor», respondeu ela. «Se eles não te condenaram, Mulher, também eu não te condeno». Esta é a palavra que hoje tomo para mim. Se em tantos anos de vigência da lei - desta e da anterior - os tribunais portugueses não condenaram todas as mulheres que abortaram, nem todos os médicos que as ajudaram, também eu não as condeno!

Votarei em consciência a favor dos três diplomas que estamos aqui a apreciar. Agradeço aos jovens do meu partido a oportunidade que nos deram ao trazer aqui esta matéria. E a todos vos digo: não serei eu, Deputada, socialista e mulher, a condenar, por um acto doloroso que nenhuma mulher deseja, as jovens, as adolescentes e as mulheres do meu país.

Aplausos do PS, de pé, e do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados, como gostaria que os eleitores do meu distrito, do meu país, antes deste debate parlamentar e após uma ampla, profunda e serena discussão pública, se tivessem pronunciado sobre esta matéria! Como gostaria, que os eleitores do meu país se tivessem pronunciado se sim ou não à despenalização que libera o aborto! É exactamente esta a questão real que está em discussão: sim ou não à liberalização do aborto. Questão que atravessa e divide a sociedade portuguesa e relativamente à qual há ainda um défice de informação e de debate. Liberalizar o aborto é transformar o aborto num método anticoncepcional, é desencorajar e desconsiderar a paternidade e a maternidade responsáveis.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Não é verdade!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Não percebe nada disto!

A Oradora: - O aborto clandestino é uma realidade que ninguém pode ignorar e que eu não quero ignorar. Não é, no entanto, com a liberalização do aborto que se ultrapassa o drama (sim, o drama) das mulheres que tal decisão têm de tomar. Mas votar favoravelmente as leis em presença não é a forma de descansar as nossas consciências, antes importa aumentar a eficácia da aplicação da lei em vigor, importa reforçar o apoio à maternidade e à paternidade, a protecção da família e a promoção dos seus valores, importa intensificar a informação e o debate, num quadro de valores fundamentais, importa promover programas de educação sexual nas escolas, importa aplicar com eficácia a lei do planeamento familiar, importa encaminhar recursos para aumentar o número de estruturas sociais de acolhimento de crianças e apoio às famílias, importa simplificar a lei de adopção, sem perda da defesa dos direitos da criança e das famílias.
Sr.ªs e Srs. Deputados, são estas as vias, estes os grandes desafios a que nos obriga a legitimidade do nosso mandato e da representação dos nossos eleitores. Legislemos sobre estes desafios e estaremos a respeitar as mulheres, a respeitar a vida e os seus valores.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Filomena Bordalo, ouvi com

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