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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1521

Se o Parlamento evoca a si a decisão numa matéria destas em vez de a sujeitar ao veredicto dos portugueses, quando vamos buscar mais participação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando vamos construir mais democracia?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quem nega o referendo nesta matéria, que legitimidade tem para vir reclamá-lo ou aceitá-lo em assuntos que, a despeito da sua importância, não relevam como este da consciência das pessoas e dos seus valores e convicções?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguns pensarão que o Parlamento, ao querer decidir sobre estes projectos de lei, exerce as suas competências e reforça o seu papel. Receio ter de discordar.
O que verdadeiramente enobreceria este Parlamento e reforçaria a sua legitimidade era ter usado as suas competências para primeiro ouvir os portugueses, como o PSD propôs, e então, sim, nesse debate no País, certamente mais sereno do que há anos atrás, teríamos também uma decisão legítima mais madura, como os portugueses hoje merecem.
Mas, acima de tudo, no fim deste debate e da votação que se lhe seguirá, seja qual for o seu resultado, os portugueses mereciam que politicamente nos convencêssemos que os problemas humanos e sociais ligados ao aborto não se resolvem, nem resolverão, por lei nem pela invocação de pretextos morais.
O drama do aborto evita-se cuidando da dignificação da vida e da vivência humana. Evita-se e previne-se oferecendo a todos, homens e mulheres, adolescentes e gente madura, os meios de dignidade que hoje a evolução técnica e humana já consagrou mas que a vida insiste em discriminar. E aí, sim, está bem ao alcance da nossa decisão política fazer alguma coisa pelos portugueses e pela sua vida.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, apelo para o voto na despenalização do aborto. Recordo que, em 1989, apresentei uma proposta que visava tão somente retirar do Código Penal essa ameaça velada que não é suficiente para desincentivar o recurso ao abono clandestino, infelizmente sem sucesso. Em todo o caso, Srs. Deputados, uma vida não chega para mudar as nossas convicções e é necessário que sejamos coerentes, tanto nesta Câmara como na nossa vida pessoal, dando demos dessa coerência testemunho, porque, se não, ficar-nos-emos por manifestações farisaicas de piedosas intenções.
Srs. Deputados, seremos julgados pelo exercício do nosso mandato, ou seja, os eleitores avaliarão se o exercemos com uma devota e farisaica atitude a outras concepções que não sejam aquelas para que fomos eleitos. A ética do legislador, Srs. Deputados, não compete só à sua própria consciência, ela tem de atender às questões sociais, à realidade, ao que se passa na vida.
Os senhores sabem que existe prostituição, ela é clandestina mas existe, os senhores vêem-na todos os dias; os senhores sabem que se consome droga, ela é proibida mas consome-se e nós lidamos, quase diariamente, em muitos casos na nossa família, com esse fenómeno. Será que actuámos? Será que o sistema de saúde se adaptou a esta realidade da vida? Mas, sobretudo, será que a punição não é discriminatória?
Srs. Deputados, é à tolerância de que aqui falaram alguns que apelo, é em nome dessa tolerância que lhes peço que despenalizem o aborto. O relatório do meu camarada José Magalhães, uma magnífica peça que deveria ter servido de base a este debate e cuja leitura recomendo, não é, realmente, nenhum catecismo saído de nenhum concílio, não tem nada de atentatório contra as convicções e os credos de cada um, é, efectivamente, uma radiografia da situação assustadora. Há pessoas que foram criminalizadas e presas e eu interrogo-me se entre essas pessoas havia algum homem que não fosse profissional da saúde. Afinal, a maternidade e a paternidade consciente só criminalizam a mulher?
O direito à vida, em nome do qual alguns falam, talvez para exorcizar os seus medos atávicos, a sua condição de mortais, é indiscutível. No entanto, muitos são os que têm a incapacidade de vencer esses receios, esses medos, e de enfrentar essa dura realidade. Srs. Deputados, a nossa vida é breve, façamos dela um hino.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os argumentos ao longo desta tarde têm aparecido, muitas vezes, como se os intervenientes mais visassem credenciar opções já assumidas ao nível da sua consciência moral e cultural do que formular as razões e motivos determinantes da sua própria decisão ou tendentes à persuasão racional dos outros. Compreende-se: o aborto e a medida da sua despenalização constituem um tema forte, é daqueles perante os quais ninguém fica indiferente, é um tema que desafia o pensar e o sentir dos portugueses, dividindo, profunda e radicalmente, a comunidade nacional.
Neste texto e contexto de cada intervenção, as perspectivas éticas, políticas e jurídicas cruzam-se constantemente e formam blocos onde a razão e a emoção, os apelos, as pressões, as declarações de princípio e de convicção têm um lugar de destaque, o que só enobrece o debate parlamentar.
Não vou retomar o fio das argumentações para esmiuçar os contras e prós dos projectos de lei e tirar quaisquer conclusões parcelares. A esta hora já eles estão analisados e ponderados no espírito de todos nós. Pretendo apenas focar o essencial da questão política suscitada por estas iniciativas legislativas e sintetizar as razões que um maior ou menor número de Deputados pode invocar em consciência para justificar o seu voto na generalidade sobre os projectos de lei em discussão.
A ordem jurídica do Estado de direito democrático e da «sociedade aberta» não pode ser confessional, nem pensada como se fosse deduzida, ou dedutível, de qualquer decálogo, código ou cartilha moral. Pelo contrário,

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