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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1523

O Orador: - E, já agora, permitam-me que, para terminar, volte a uma citação do Evangelho aqui feita, mas desgraçadamente truncada num ponto decisivo. «Eu também não te condeno», disse Jesus à mulher. Mas prosseguiu dizendo: «vai em paz e não voltes a pecar».

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Odete Santos inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Barbosa de Melo. No entanto, o Grupo Parlamentar do PSD já não dispõe de tempo, antes pelo contrário, já usou mais três minutos do que o tempo que lhe foi atribuído. Pergunto à Sr.ª Deputada Odete Santos se o Grupo Parlamentar do PCP cede tempo ao Sr. Deputado Barbosa de Melo para lhe responder.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, como ainda temos outra intervenção para fazer, vou encurtar a minha pergunta e cedemos um minuto ao Sr. Deputado Barbosa de Melo para responder.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, vou mesmo encurtar a minha pergunta, apesar de ter umas questões para colocar a V. Ex.ª que penso serem muito interessantes.
Independentemente da questão da vida intra-uterina, a pergunta que vou colocar-lhe é aquela que já me tem ouvido colocar a toda a gente: como é que V. Ex.ª, que é um especialista em direito, justifica a manutenção de uma regra penal que não atinge os objectivos que diz querer prosseguir, porque em 1995 apenas houve, em todo o País, nove processos por aborto clandestino?
Certamente, V. Ex.ª não me vai dar essa resposta, porém há quem diga que nem todos os furtos são descobertos. Penso que V. Ex.ª não irá responder-me desse modo, porque o comportamento da sociedade em relação aos furtos e em relação ao aborto é muito diferente. Toda a sociedade sente, nomeadamente os juízes e as polícias, que a mulher recorre ao aborto em situações muito difíceis, convive mal com isso e sente que não é um crime.
Pergunto, Sr. Deputado Barbosa de Melo: como é que V. Ex.ª, um especialista em direito, ademais pertencendo à escola de Coimbra, que advoga um direito penal da tolerância e, nas suas linhas gerais, que o direito penal não pode impor a uma parte da população aquilo que a outra pensa, pode justificar a sua posição?
Por último, V. Ex.ª entende, então, que as mulheres devem ser postas na cadeia?

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo. Para além do minuto cedido pelo Grupo Parlamentar do PCP, dispõe de mais um minuto, que lhe concede a Mesa.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, começo por agradecer-lhe a gentileza da sua pergunta, a generosidade do tempo que me concedeu e a exoneração que me fez, ao formular uma pergunta a que respondeu bem.
Subscrevo a ideia do furto, mas eu não ia usar esse argumento. Fez bem ao eliminá-lo, pois fê-lo no seu tempo e não naquele que me cedeu.

A Sr.ª Deputada referiu que sou especialista em direito e pertenço a uma escola onde se advoga uma ou outra solução. Felizmente, pertenço a uma escola onde cada cabeça vale por si e há lá opiniões - sempre houve, ao longo dos tempos - para muitas coisas. E a escola de Coimbra e é essa a sua característica.
De qualquer modo, pergunta-me como é que na lei actual não se atendem a casos que são dramáticos. Não sou especialista em direito penal, mas o Código Penal, nas cláusulas gerais e nos poderes que dá a quem o aplica, resolve e permite resolver todas as questões com esse direito à humanidade que V. Ex.ª evocou.
Por último, hoje descobri uma coisa, Sr.ª Deputada Odete Santos. Conhecia, desde Hegel, a ideia da classe universal, que para ele eram os funcionários; depois, para Marx eram os proletários; enfim, cada um que organiza o Estado à sua imagem e semelhança quer sempre uma classe universal. E, hoje, surpreendido, verifico que, se calhar, esta teoria da classe universal, a nova divisão de classes, passa por isto: uns são os homens, outros são as mulheres. Julgo - é uma profunda convicção minha - que fomos todos... O homem foi criado por Deus, Ele o fez homem e mulher.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em consciência, votarei a favor do projecto de lei apresentado pelo Deputado Strecht Monteiro, de que sou um dos subscritores. Em consciência ainda, não votarei a favor dos projectos de lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez apresentados pela JS e outros Deputados socialistas e pelo Partido Comunista Português. Saúdo, contudo, os seus subscritores pela coragem e pelo mérito de terem permitido um debate saudável sobre um problema concreto e grave na sociedade portuguesa.
A minha decisão de voto resulta da ponderação livre de argumentos contraditórios e não radica em qualquer subserviência moral ou confessional. Pelo contrário, insere-se numa visão de sociedade que tem por pilares a solidariedade e a liberdade de todos e de cada um, ao longo de todo o seu ciclo de vida, uma visão de sociedade que não tolera o recurso à inviabilização de fetos saudáveis, para resolver problemas sociais. Para mim, caro camarada e amigo Manuel Alegre, a liberdade é também o maior de todos os valores, mas o problema da interrupção voluntária da gravidez não é apenas um problema de liberdade, é um problema de conflito de liberdades.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não me resigno ao tecnicismo normativo que simplesmente renega ao feto qualquer direito, nem mesmo o direito de vir a assumir os direitos resultantes da sua evolução natural.
Defendo que o problema seja encarado frontalmente na dupla dimensão, preventiva e correctiva, minimizando as situações de ocorrência de gravidez indesejada e dando soluções de viabilização aos casos que ocorrerem.
Se a imaginação que tem sido posta ao serviço da defesa das soluções liberalizadoras for canalizada para as

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