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1526 I SÉRIE - NÚMERO 42

sar das compreensivelmente pouco rigorosas certezas, para a suspeita da importância do aborto clandestino, o que, certamente, exige ponderação e tomada de medidas. O problema é de saber quais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se preocuparam os autores destes projectos com a perseverança cívica para que a Lei n.º 6/84 fosse criteriosamente aplicada. Não se procurou compreender o porquê das resistências que existem, no que respeita ao aborto, a nível da culpabilidade individual e da vergonha social. Não se fez a crítica aos serviços públicos desta área, não se tomaram iniciativas legislativas em áreas complementares para melhorar as respostas já estipuladas por lei. Os proponentes dos referidos projectos optaram pela crença mágica na eficácia das propostas liberalizantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Indo, todavia, à substância, pode parecer que entre uma despenalização de facto da prática do aborto e uma liberalizarão de jure até às 12 semanas haja apenas uma diferença menor entre os que aparentemente, sacrificando mães biológicas, teimam em dar aos fetos o que parece serem obsoletos direitos a quem se encontra numa situação de radicalmente indefeso, mas é garante da sobrevivência da espécie e já representante vivo dos interesses das gerações futuras, e os que, liberalizando, pretendem salvar a vida de mães biológicas ignorantes, desleixadas ou vítimas de falhas técnicas, com o também propósito manifesto de criar as condições ideais para uma maternidade desejada e responsável.
É verdade que o dilema é delicado para quem compreende o drama feminino e as boa intenções da maternidade responsável. Mas mesmo admitindo-se que a liberalizarão consiga vencer as resistências que referimos e alcançar os objectivos desejados, evitar o aborto clandestino, o que está longe de estar provado, teimamos em continuar a dar direitos a quem, dentro de poucos meses, será um recém-nascido.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que abrevie o seu pensamento, até porque tem um pedido de esclarecimento, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Presidente manda-me acabar quando quiser, mas ou isto tem dignidade ou, então, vou para o meu lugar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sou eu que faço a gestão do tempo do seu grupo parlamentar, como sabe.
Faça favor de continuar.

O Orador: - Vou continuar e o Sr. Presidente, quando quiser, acabe com a intervenção.
Como dizia, teimamos em continuar a dar direitos a quem, dentro de poucos meses, será um recém-nascido, por razões civilizacionais de fundo, reforçadas por razões conjunturais de natureza fundamentalmente política, com a convicção de que assim lidamos melhor coma actualidade numa perspectivada eficácia e respeitamos mais adequadamente os direitos das futuras gerações.
As referências culturais de fundo são as que questionam e rompem com o paradigma cultural que marcou o radicalismo do passado e que eu julgava passado: a idealização do amanhã e diabolização do presente; a maximização da ruptura e a minimização da reforma; a absolutização dos direitos e desvalorização da responsabilidade; a procura de vantagens, sem limites, para a actual geração, e o desprezo cínico pelos direitos das gerações futuras.

Mas, além de razões de fundo, há também razões conjunturais que reforçam a nossa opinião.
Com o PS no Governo, estou mais confiante nos que procuram, no presente, aumentar a capacidade de reforma, a eficácia das leis e estimular o sentido de responsabilidade dos portugueses.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por indicação da direcção do seu grupo parlamentar, terminou o seu tempo. Lamento muito ter de lhe dar esta informação.

O Orador: - Sr. Presidente, se terminei o meu tempo, transformo esta minha intervenção em declaração de voto, sendo claro que o fundamental das minhas ideias não pôde aqui ser afirmado.

Aplausos do PSD, do CDS-PP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Lamento muito, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Felizmente que, apesar de várias tentativas em contrário, este debate está a situar-se naquilo que verdadeiramente está em causa.
Verdadeiramente, não são as convicções religiosas ou até as questões de consciência de cada um dos Srs. Deputados que estão em causa nesta Assembleia da República.
Não se pede aos Srs. Deputados que são contra a interrupção voluntária da gravidez que modifiquem as suas convicções, o que se pretende saber é se esses Srs. Deputados entendem, enquanto legisladores, que as mulheres que não pensam como eles devam ser perseguidas como criminosas.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

A Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro citou, muito a propósito, Karl Popper, que disse: «ninguém sabe o suficiente para ser intolerante», mas, pelos vistos, há Deputados nesta Sala que, numa matéria tão controversa, sabem o suficiente para manterem uma lei intolerante em relação aos que não pensam como eles.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O que verdadeiramente é preciso saber é se esta Assembleia da República, enquanto órgão legislativo, reconhece a cada mulher um verdadeiro, livre e responsável direito de opção entre prosseguir ou interromper, num prazo razoável, uma gravidez não desejada.
O que verdadeiramente é preciso saber é se os Srs. Deputados entendem ou não que o Estado deve proteger, em condições de igual dignidade, toda a mulher, seja qual for a sua opção, ou se, pelo contrário, entendem que o Estado deve interferir nesta questão de consciência de cada mulher, protegendo aquela que decide prosseguir a gravidez e perseguindo, como criminosa, a que optar por interromper a gravidez. Porque c a essa humilhante situação que esta sociedade reduz a condição de ser mulher, como, aliás, qualquer mulher se apercebe desde muito nova.

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