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Sexta-feira, 4 de Abril de 1997 1965

I Série - Número 57

DIÁRIO

Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE ABRIL DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Duarte Oliveira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes de ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes (PSD) condenou a forma como um jornal diário retratou o Sr. Presidente da Assembleia da República e solicitou deste o seu protesto.
Também em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) pediu ao Sr. Presidente para envidar esforços no sentido de o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social vir à Comissão competente esclarecer a situação da Agência Noticiosa Lusa.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite (PSD) abordou alguns dos mais recentes actos governativos que considera justificativos da descrença dos portugueses relativamente ao Governo. No fim. respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs, Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP), Luís Filipe Madeira (PS), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e António Braga e Artur Penedos (PS).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) abordou também a questão do despacho do Sr. Ministro das Finanças que concede à UGT um aval do Estado ao contrato de empréstimo a celebrar por esta entidade com a Caixa-Geral de Depósitos. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Barbosa de Oliveira (PS).
Ordem do dia. - Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 70/VII - Estende às cooperativas de solidariedade social os direitos, deveres e benefícios das instituições particulares de solidariedade social, que for aprovada. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Inserção Social (Rui Cunha), os Srs. Deputados Filomena Bordalo (PSD), Rodeia Machado (PCP),Afonso Lobão (PS) e Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
A proposta de lei n.º 72/VII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de benefícios fiscais no quadro de constituição e actividade da Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P. foi também discutida na generalidade. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho), os Srs. Deputados Falcão e Cunha (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Manuel Varges (PS), Nuno Abecasis (CDS-PP) e Henrique Neto (PS).
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República à República de Angola, que deverá ocorrer entre os dias 8 e 13 do corrente mês.
Foi aprovado o parecer, apresentado pela Comissão de Trabalho. Solidariedade e Segurança Social, sobre a adopção de processo de urgência para a proposta de lei n.º 76/VII - Antecipação da idade de acesso de pensão de velhice para a bordadeira de casa e para trabalhadores de fábrica do sector do bordado (ALRM).
Foi igualmente aprovado um requerimento, apresentado pelo CDS-PP, de baixa à Comissão de Educação, Ciência e Cultura do projecto de lei n.º 70/VII - Cheque de Ensino (CDS-PP) para nova apreciação.
A Câmara aprovou também, em votação global, a proposta de resolução n.º 38/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI desta Convenção.
Foram ainda aprovados dois pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, concedendo autorização a um Deputado do CDS-PP para depor em tribunal e denegando-a a um Deputado do PS.
Finalmente, foi apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 224/VII Núcleos de acompanhamento médico ao toxicodependente (PSD), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Bernardino Vasconcelos (PSD), Agostinho Moleiro (PS), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), António Filipe (PCP), José Niza (PS), Jorge Roque Cunha (PSD) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos da Cruz Lavrador. _
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.

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Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Ruí Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Galão Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: no dia 18 de' Março de 1997, ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado João Carlos Duarte; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Monteiro; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e à Junta Autónoma de Estradas, formulados pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.
Na reunião plenária de 19 de Março de 1997, ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Frexes; à Secretaria de Estado das Pescas e aos Ministérios da Solidariedade e Segurança Social e para a Qualificação e o Emprego, formulados pelo Sr. Deputado António Rodrigues; a diversos Ministérios, formulados pelos Srs. Deputados Rodeia Machado e João Amaral; e aos Ministérios da Educação, do Ambiente e dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Bernardino Soares, Gonçalo Ribeiro da Costa, Isabel Castro e Heloísa Apolónia.
Na reunião plenária de 20 de Março de 1997, aos Ministérios da Administração Interna e do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Jovita Matias, Guilherme Silva e António Rodrigues; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Marta; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Coelho; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; e à Secretaria de Estado do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Na reunião plenária de 21 de Março de 1997, ao Governo, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
No dia 21 de Março de 1997, aos Ministérios da Saúde e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Castro Almeida.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados:
No dia 20 de Março de 1997 - Lino de Carvalho, na Comissão Permanente de 12 de Setembro e nas sessões de 30 de Outubro, 8 e 23 de Janeiro e no dia 19 de Novembro; José Reis, na sessão de 3 de Outubro; Fernando Pedro Moutinho, Elisa Damião e Costa Pereira, nas sessões de 9 e 30 de Outubro, 6 e 13 de Novembro e 9 de Janeiro; Antão Ramos, na sessão de 16 de Outubro; Roleira

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Marinho e Luísa Mesquita, nas sessões de 18 e 31 de Outubro e 18 de Dezembro; Macário Correia, na sessão de 24 de Outubro; Francisco José Martins, nas sessões de 6 de Novembro e 18 de Dezembro; Fernando Pereira, na sessão de 7 de Novembro; Cruz Oliveira, Fernanda Costa, Fernando Serrasqueiro, Manuel Alves Oliveira, António Rodrigues, Bernardino Soares e Sílvio Rui Cervan, nas sessões de 13 e 14 de Novembro e 15 de Janeiro; António Filipe, nas sessões de 15 de Novembro, 10 de Janeiro e 19 de Fevereiro; José Junqueiro, Miguel Relvas, José Calçada e Mendes Bota, no dia 25 de Novembro e na sessão de 8 de Janeiro; Matos Leitão e Luís Nobre, na sessão de 28 de Novembro; João Amaral, nas sessões de 5 de Dezembro e 22 de Janeiro; Jorge Ferreira, nos dias 17 de Dezembro e 28 de Janeiro; Filomena Bordalo, Isabel Castro e Manuel Moreira, nas sessões de 16 e 31 de Janeiro; Jorge Roque Cunha e Carlos Coelho, no dia 4 de Fevereiro; Manuel Frexes, na sessão de 6 de Fevereiro; Gonçalo Ribeiro da Costa, na sessão de 13 de Fevereiro; e Victor Moura, na sessão de 14 de Fevereiro;
No dia 21 de Março de 1997 - Castro Almeida e António Barradas Leitão, na sessão de 9 de Janeiro; Bernardino Soares, na sessão de 15 de Janeiro; Matos Leitão, na sessão de 29 de Janeiro; Roleira Marinho, na sessão de 31 de Janeiro; e Gonçalo Ribeiro da Costa e Isabel Castro, na sessão de 6 de Fevereiro;
Nos dias 25 e 26 de Março de 1997 - Fernando Pedro Moutinho, nas sessões de 30 de Outubro e 23 e 24 de Janeiro; Gonçalo Ribeiro da Costa, no dia 22 de Outubro; Jorge Ferreira, no dia 17 de Dezembro; Mendes Bota, nas sessões, de 8 de Janeiro e 6 de Março; e António Rodrigues, na sessão de 5 de Março.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, por diversas vezes a Assembleia da República tem sido acusada de não zelar convenientemente pela sua imagem como berço da democracia, mas julgamos que não cabe apenas à Assembleia da República mas, sim, a todo o País esse respeito.
Na minha qualidade de Deputado, fiquei indignado com uma fotografia de V. Ex.ª que hoje é publicada na primeira página de um jornal diário. Em primeiro lugar, porque acho que é uma afronta à segunda figura do Estado e, em segundo lugar, porque acho que é uma afronta a um grande democrata, que devia ser respeitado pelo seu estatuto na democracia portuguesa.
Como Deputado, pedia, pois, a V. Ex.ª que, em nome da Assembleia da República, lavrasse um protesto para o citado jornal, que, aliás, é um jornal que, em meu entender, desde há muito tempo, respeita no essencial as regras da democracia. No entanto, teve um deslize inaceitável que não pode passar sem reparo.
Se V. Ex.ª estiver de acordo, penso que, em larga medida, estarei a reflectir o pensamento da maioria dos Deputados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não conheço a fotografia, mas vou tomar conhecimento dela e depois pronunciar-me-ei.
Como sabe, é sempre difícil saber onde acaba o exercício de um direito e começa o abuso desse direito. Em, matéria de liberdade de imprensa, sempre entendi que, quando se começa a limitar essa liberdade, não se sabe onde é a fronteira em que se tem de parar. E, por vezes, é menos importante não nos susceptibilizarmos com um determinado abuso, que não seja daqueles que põem mesmo em causa a honorabilidade das pessoas, do que, no fundo, compreendê-lo ou mesmo, se necessário, desprezá-lo.
Vou ver a fotografia, mas agradeço, desde já, a sua intervenção e, depois, verei como devo reagir.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, as palavras de V. Ex. ª só tornam ainda mais importante que tal protesto se faça.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço também a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa no sentido de pedir, através dela, que seja feita uma diligência junto do Governo, que reputamos de carácter extremamente urgente, que tem a ver com o seguinte: os trabalhadores da Agência Noticiosa Lusa iniciaram hoje uma greve de quatro dias pelo incumprimento de um compromisso solene que com eles foi estabelecido em 1995 e que a administração actual se recusa a cumprir.
Esta é uma situação muito preocupante, que afecta, naturalmente, a Agência Lusa, mas que, por seu intermédio, afecta também toda a comunicação social portuguesa.
Nesse sentido, solicitávamos à Mesa que diligenciasse junto do Governo, no sentido de que o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social possa comparecer o mais brevemente possível junto da Comissão competente desta Assembleia para nos esclarecer sobre o que se passa relativamente a esta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sei se é papel da Mesa tomar uma atitude dessas, na medida em que a própria Comissão, como sabe, tem competência para solicitar a presença dos membros do Governo.
Se a própria Comissão me solicitar que o faça, terei muito gosto nisso, mas saltar por cima dela sem saber qual a sua posição a esse respeito é capaz de ser um bocado delicado. Mas verei o que posso fazer a esse respeito.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD comemorou, na passada segunda-feira, o primeiro aniversário da liderança do Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Foi um momento de regozijo e de balanço: regozijo pelos êxitos alcançados nas lutas travadas ao longo deste ano; balanço que confirmou que o PSD é, indiscutivelmente, o maior partido da oposição, a única alternativa credível ao actual poder socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O PSD soube sair do poder e tem sabido actuar de acordo com o que se espera de um partido na oposição: denunciando, desmistificando, alertando e

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opondo-se, na medida do seu peso eleitoral, a tudo o que consideramos lesivo dos interesses dos portugueses que em nós votaram.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O mesmo não se passa com o PS, que não soube adaptar-se ao mandato que os portugueses lhe confiaram.

Vozes ,do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Pediram-lhe para governar e não governa; esperava-se que deixasse de ser oposição e lá se mantém.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Na realidade, estamos perante um PS que, em vez de se ocupar com a resolução dos problemas do País, como lhe compete, se preocupa em fazer oposição sistemática ao PSD.
E, se alguma dúvida houvesse sobre este tipo de actuação, ele teve mais um episódio esta segunda-feira: foi com um espanto sem limites que se viu o Governo associar-se à nossa comemoração, realizando uma conferência de imprensa a assinalar a nossa efeméride. E apareceu a fazer oposição ao PSD como se estivéssemos no poder, reclamando medidas e sugestões para a resolução de problemas e indo mesmo ao ponto surrealista de nos questionar pelo cumprimento de promessas anunciadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O PS ainda não percebeu que resolver problemas é competência do Governo e que a sua análise crítica é tarefa da oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Nós somos oposição; nós somos a alternativa ao Governo.
A oposição não se combate com declarações públicas, mas com acções eficazes por parte do Governo, pois só assim pode retirar à oposição os argumentos de que esta hoje abundantemente dispõe.
Mas o Governo do PS está tão pouco confiante nos méritos da sua acção que até constituiu uma task force para combater o PSD. A intenção é simples: não interessa o que o PSD ou o seu líder dizem ou fazem, o que interessa ao PS é combater sempre o que o PSD tenciona dizer ou fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Talvez não se pudesse, legitimamente, esperar muito mais de um partido com uma cultura anti-poder, mas aguardava-se, com certeza, por algum bom senso, que evitasse o excesso de ridículo como aquele a que temos vindo a assistir.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não foi preciso um ano e meio de Governo socialista para que o sentimento de descrença se tenha generalizado. Essa descrença resulta em grande parte da destruição daquilo que era mais grato aos portugueses que os elegeram: em primeiro lugar, o «diálogo», uma bandeira que o PS agitou ao longo de toda a sua campanha. Hoje já poucos acreditam nele. Aos olhos da opinião pública o «diálogo» está transformado num instrumento de adiamento de decisões que o Governo não tenciona tomar.
Mas a machadada final neste conceito é dada quando sobre ele recai a suspeita de se estar a transformar em «negócio».

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Hoje mesmo veio a público um dos exemplos mais típicos e graves do alegado diálogo transformado em verdadeiro negócio. É o caso do aval de 600 000 contos concedidos pelo Governo à UGT para a obtenção de um financiamento bancário.
Desconhece-se se o Governo tenciona avalizar todas as situações de empresas ou de quaisquer outras entidades que se assemelhem a esta que acaba de resolver. Se o não fizer, como se percebe que não o possa fazer, lançou, assim, uma grave suspeita de favor sobre uma organização sindical, que não pode deixar de ser independente para que desempenhe com credibilidade as funções que lhe competem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E lançou ainda a suspeita sobre a forma de como conseguiu o acordo de concertação estratégica. O que alardeou como "diálogo", soa agora a "negócio"..

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Ou seja: se é um apoio do Governo apenas à UGT, é inaceitável e imoral, porque trata uma entidade de forma diferente de outras; se é para generalizar a outros promotores de formação, então, torna-se incomportável para o Estado.
É, em qualquer caso, uma situação grave que levanta suspeições, que não se pode ficar pela palavra de protesto, que reclama explicações rápidas e totais por parte do Governo.

Aplausos do PSD.

Queremos, por isso, que o Governo venha de imediato à Assembleia da República explicar esta questão e exigimos que o Primeiro-Ministro diga se aprova a operação ou se, mesmo que a não tenha aprovado, concorda com ela, porque a questão é suficientemente grave e sui generis, para que não fique no silêncio das formalidades administrativas. De duas uma: ou o Primeiro-Ministro não teve conhecimento desta operação, e, então, já nada se pode esperar da sua autoridade, porque nunca responderá por nada de importante e, de facto, não chefia o Governo; ou o Primeiro-Ministro avalizou a operação e deve assumir toda a responsabilidade por esse facto, e, neste caso, não ficaremos menos preocupados porque, então, deste Primeiro-Ministro e deste Governo se pode esperar toda a irresponsabilidade.

Aplausos do PSD.

O silêncio aqui é inadmissível e comprometedor. O PSD não desistirá de exigir esclarecimentos até às suas totais consequências.

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Mas não é o único caso em que surge promiscuidade entre o Governo e entidades ditas independentes.
Há poucos dias, o Diário da República publicava um despacho conjunto entre o Ministério das Finanças e o Tribunal de Contas para criar um grupo de trabalho com elementos de cada uma destas duas entidades, para acompanhar a execução da Conta Geral do Estado.
O Ministro das Finanças pode ter ficado bem mais tranquilo pelo facto de ter eliminado possíveis críticas do Tribunal de Contas à sua acção, críticas essas que sempre foram .exploradas politicamente durante os Governos anteriores. Mas o Tribunal de Contas perdeu a credibilidade e estou para ver como é que a Assembleia da República vai encarar o Relatório sobre a Conta Geral do Estado, feito por um Tribunal que trabalha a meias com a entidade que supostamente está a julgar.

Aplausos do PSD.

E o que dizer de um Secretário de Estado que sai do Governo para poder ir ocupar um cargo numa empresa pública tutelada pelo Ministro respectivo? De duas uma: ou o Secretário de Estado sai do Governo por não ser competente para desempenhar o lugar que lhe estava confiado, e não se percebe, então, como tem competência para ser presidente de uma empresa tutelada pelo Ministério de que fazia parte, ou, pura e simplesmente, resolveu trocar de lugar por motivos de interesse pessoal, o que revela uma falta de sentido de Estado a todos os títulos condenável.

Vozes do PSD: - É escandaloso!

A Oradora: - Mesmo que não seja um caso de incompatibilidade jurídica, é de certeza um caso de incompatibilidade ética e política.

Aplausos do PSD.

Também o sentimento de descrença está ligado à falta de autoridade do Estado: não há sentimento de confiança e de tranquilidade que resista ao que se passa nas forças de segurança e à situação preocupante que se vive nas Forças Armadas. E os factos não se negam com declarações nem os problemas se resolvem com intenções. É mudando as políticas que se alteram os resultados; é alterando as atitudes que se invertem as expectativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de todo este ambiente, o Ministro das Finanças acha que a descrença dos portugueses é fruto do seu pessimismo e que as críticas que fazem a tudo o que se passa à sua volta se devem à maledicência e à mentira.
Como é possível haver tanto pessimismo se os números dizem que estamos num "oásis"?... "Oásis" que ninguém vê, nem ninguém sente, mas que o Ministro, com o seu optimismo, considera existir, não aceitando o nome, é certo, mas defendendo a mesma filosofia.
Pensamos que os portugueses estão descrentes, não por pessimismo - até porque o Ministro acha que isso é sintoma de estupidez e o povo não é estúpido - mas porque são muitos e frequentes os casos de falta de sentido de Estado por parte deste Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD considera-se no direito e no dever de defender um património que construiu para os portugueses à custa de sacrifícios que lhes pediu e não o quer ver delapidado por quem em nada contribuiu para ele.
O PSD forçará o Governo a tomar as medidas necessárias à resolução dos problemas com que hoje os portugueses se defrontam e rejeita liminarmente a proposta de trazer à discussão aquilo que só estará na ordem do dia daqui a muito tempo. Não alinharemos em manobras de. diversão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O Governo tem obrigação de governar, porque para isso foi ,mandatado. Normalmente não governa, mas nos intervalos, com algumas actuações pontuais e casuísticas, como esta do dia de hoje, decide mal.
Mas de uma coisa podem ter a certeza: vamos forçar o Governo a exercer o poder para resolver os problemas do País e não permitiremos que a sua actuação tenha apenas por objectivo conservar-se no poder, destruindo, assim, o futuro dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jorge Ferreira, Luís Filipe Madeira, Octávio Teixeira, António Braga e Artur Penedos.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, estou verdadeiramente surpreendido com as palavras que acabo de ouvir da sua parte. Creio que é uma política séria, que, aliás, estimo pessoalmente, e por isso não posso deixar de lhe colocar uma pergunta essencial.
Vamos aos factos. Há uma grande diferença entre o PSD e o PP no que diz respeito ao Governo: o PSD acha que o Governo não existe; o PP acha que o Governo governa mal. É uma diferença essencial. Aliás, só se podem criticar os actos dos governos que existem, não se podem criticar os actos dos governos que não existem.
O que temos constatado nos últimos meses, Sr.ª Deputada - e vou limitar-me aos factos -, é o seguinte: o Grupo Parlamentar do PSD viabilizou na generalidade o Orçamento do Estado para 1997,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- ... e, se não fosse isso, não havia Orçamento, como V: Ex.ª sabe, porque quer o Grupo Parlamentar do PCP quer o do PP, votaram contra.
O líder do seu partido, cuja eleição hoje V. Ex.ª subiu àquela tribuna para comemorar, anunciou já em Bruxelas que o PSD viabilizará o Orçamento do Estado para 1998 e, não contente com isso, também para 1999.
O PSD, assinou, juntamente com o PS, um projecto de resolução que fez aqui votar na Assembleia da República, amarrando o País ao prazo de 1999 para uma eventual entrada de Portugal na moeda única.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Está no Tratado!

O Orador: - O PSD assinou com o PS um acordo de revisão constitucional que está transformado num autêntico caso de ridículo nacional.
Sr.ª Deputada, quer, dar-me a sensação de que V. Ex.ª, com a má consciência de ver o seu partido transformado

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4 DE ABRIL DE 1997

numa verdadeira muleta deste Governo, teve hoje a necessidade de subir àquela tribuna para fingir que era oposição. Penso que V. Ex.ª não costuma fingir em política e por isso o meu desafio é muito claro: de duas uma: ou o PSD assume de uma vez por todas que nas matérias essenciais é agora, na oposição, cúmplice do PS, como o PS no passado, na oposição, era cúmplice do PSD,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Essa última parte está mal!

O Orador: e o seu discurso que acabámos de ouvir não tem sentido, ou se V. Ex.ª pensa tudo o que disse e disse tudo o que pensa sobre o Governo, anuncie hoje aqui, à Câmara, que o seu grupo parlamentar vai apresentar uma moção de censura ao Governo. É esta a pergunta que gostava de fazer.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Ferreira fez um apelo à minha seriedade perante uns problemas, e eu faço-lhe também o mesmo apelo, e relembro-lhe que não é correcto que o senhor tenha invocado o nosso voto no Orçamento não tendo invocado o vosso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do CDS-PP.

A Oradora: - E, portanto, Sr. Deputado, não considero que tenha uma memória selectiva, portanto não tenha uma memória selectiva e não fale apenas numa parte desse voto, fale também na outra.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, o Sr. Deputado disse que existe uma diferença essencial entre o PSD e o PP, ainda bem que o reconhece! A diferença essencial entre o PSD e o PP, vou dizer-lhe qual é, na minha opinião.
Em primeiro lugar, estamos de acordo com o Governo nas matérias de regime, e isto porque somos uma alternativa ao poder. Vocês não são e, como tal, fazem acordos de natureza pontual, negociados pontualmente, com contrapartidas, acordos de governação. Nunca fizemos qualquer acordo de governação,

Aplausos do PSD.
Há um outro aspecto, Sr. Deputado, onde há uma diferença enorme entre o PSD e o PP: é que o PSD é, claramente, o partido da oposição e nunca sei bem se os senhores são da oposição ao Governo ou se são da oposição à oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Têm uma tarefa dúbia neste Parlamento

Aplausos do PSD.

E na minha opinião, Sr. Deputado, dentro deste Parlamento, os grupos parlamentares só podem ter uma de duas posições: ou são a favor do Governo ou são da oposição. Nós somos claramente da oposição...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Os senhores abstêm-se!

A Oradora: - Nós somos claramente da oposição e os senhores dão, umas vezes, a sensação de que estão a apoiar o Governo e, de outras vezes, não estão a apoiar o Governo, mas fazem oposição não ao Governo e, sim, à oposição. Há a certeza de isso é assim.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E, ao fazerem assim, ou vocês alteram um pouco a actuação dentro desta Assembleia ou qualquer dia o vosso grupo parlamentar é assim uma espécie de «Jerónimo de Sousa do Parlamento»...

Aplausos e risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputada Manuela Ferreira Leite, ouvimos com a atenção que nos merece a sua intervenção e na verdade V. Ex.ª goza ou procura gozar de uma justa reputação de pessoa sensata, mas parece-me que hoje começou a desbaratar essa reputação e a desbaratar fazendo algumas afirmações que, em meu entender, são pelo menos contraditórias e incoerentes.
V. Ex.ª constata com natural surpresa, aparente surpresa, que representa aqui o maior partido da oposição. Eu pensava que isso para si não era surpresa e os resultados eleitorais de 1995 já diziam isso.

Risos do PS.

Depois considera também uma situação insólita que o PS tenha uma task force - suponho que foi isso que disse, eu sou mau em línguas... - que visava sobretudo responder ao PSD. Bom, penso que isso da sua parte revela pouca consideração pelo PSD. Em democracia, normalmente, as maiorias têm o dever democrático de ter em consideração as opiniões, os comportamentos, as atitudes de toda a oposição mas, em especial, do maior partido da oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É uma homenagem democrática que o PS faz a um partido que naturalmente, face aos últimos resultados eleitorais, será a alternativa provável a uma futura mudança de opinião...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - «Provável»... Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Claro!

O Orador: -Em democracia é sempre «provável», mas é a mudança de opinião. Nós não comungamos dos tais «oásis perenes», que afinal eram «desertos à vista»!...

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Os senhores é que pensavam que estariam no Governo a vida inteira. Nós não pensamos isso.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Os senhores é que o dizem!

O Orador: - Consideramos natural, salutar que haja alternância democrática. Consideramos isso e achamos que não pensar isso é profundamente antidemocrático e esperamos que a vossa experiência vos tenha já curado dessa doença infantil de um partido a fazer ainda experiências, a balbuciar democracia, que é o que estão a fazer agora mesmo ao espantarem-se quando eu digo isto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Continuam a ser um partido que balbucia democracia, que ainda não a pratica a sério, ainda não chegou à idade adulta da democracia,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... porque em democracia reconhecer que o adversário democrático será provavelmente um dia, quando o povo assim o quiser, alternativa, é o mínimo que se pode dizer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não dizer isto, é entrar pelo tal "oásis perene", que foi o tal deserto imediato, daí a meses.
Mas V. Ex.ª não ficou por aqui: considerou muito esquisito que déssemos importância ao PSD. Nós damos importância ao PSD, oxalá ele a mereça, coisa de que hoje ficamos a duvidar, porque ele próprio não acredita que mereça essa importância! Para nós merece, como merecem o PP, o PCP e Os Verdes. Todos merecem, mas VV. Ex.as mais, porque são de facto o maior partido da oposição. Se isto não vos chega, passaremos de facto a entender que, se calhar, estamos a perder tempo com um mau pagador.
V. Ex.ª falou ainda do problema da UGT, que vem nos jornais de hoje. Haverá quem lhe responda a isso, Sr.ª Deputada, mas V. Ex.ª, como especialista 'em assuntos financeiros, não terá dificuldade em compreender o que se passou. Para mim, é perfeitamente natural que peça esclarecimentos adicionais ao Governo, é um direito vosso e é um dever do Governo, e é também dever desta bancada dizer que o Governo deve prestar à oposição os esclarecimentos que esta precisar nesta matéria, esclarecimentos que lhe serão certamente dados, sem qualquer espécie de dúvida ou ambiguidade.
Mas, depois, disse uma frase que de facto não percebi bem: acusou-o PS de tentar pôr na ordem do dia assuntos que lhe pareceram ser marginais, não sei se eram marginais ou... Não sei a que assuntos se refere, certamente não seria ao Orçamento do Estado para 1998 ou 1999, porque esses é que ainda estão muito longínquos... Mas a regionalização, Sr.ª Deputada, está na ordem do dia há 20 anos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, peço-lhe desculpa por não lhe dar de imediato a palavra, para responder, mas a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto tinha-se inscrito para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração da bancada e eu, inadvertidamente, dei a palavra ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, para pedir esclarecimentos, quando primeiro a deveria ter dado à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, a quem também peço desculpas pelo facto.
Assim, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração da bancada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, mais do que a defesa da honra é realmente a reposição dos factos e da verdade que, em meu entender, será sempre pedagógico fazermos aqui.
A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite referiu, em primeiro lugar, que o Partido Popular apresentava medidas avulsas. Sr.ª Deputada, o PSD, tendo mais capacidade para apresentar medidas de fundo, porque também é importante dizer-se isto aqui, é talvez, neste Hemiciclo, o grupo parlamentar com mais responsabilidade, pelo conhecimento e aprofundamento das grandes questões, porque as deixou há bem pouco tempo, para poder apresentar medidas de fundo. E foi com muita pena que até hoje não vi essa bancada apresentar qualquer medida. Inclusivamente, em áreas tão importantes como as dos sectores sociais, os senhores apareceram aqui com medidas que a mais pequena bancada teria vergonha de apresentar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - E digo isto com pena.

Aplausos do CDS-PP.

Em segundo lugar, quero dizer-lhe que a nossa oposição não é dúbia. E não é dúbia por uma razão: os senhores, tendo sido poder durante muito tempo, não sabem ser oposição e o Partido Socialista, tendo sido oposição durante tanto tempo, não sabe ser poder.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas um partido como o nosso, que não quer ser poder e que tem sido oposição, está perfeitamente à vontade. Está perfeitamente à vontade!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Vocês não querem porque não podem!

A Oradora: - Isso é outra questão, Sr.ª Deputada! Não pode é querer que os seus projectos sejam aprovados. Habituámo-nos aqui a propor, com energia, medidas que reconhecemos como justas e boas e que, contudo, podem ser chumbadas, mas não desistimos. Continuamos a fazê-lo.
Portanto, uma coisa é não termos a eficácia que desejaríamos, por sermos um partido pequeno, e outra é não apresentarmos, é não fazermos um grande esforço para apresentar medidas,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - ... que poderão ou não ser coerentes com o vosso programa, mas que são coerentes com o nosso. É esta a nossa obrigação aqui.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Quero dizer-lhe ainda que o grande embuste do PSD, que me tem feito particular confusão e, no geral, à minha bancada, é termos visto o PSD votar as opções fundamentais em termos económicos e ter-se recusado sistematicamente a votar as medidas delas decorrentes.
Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: vai votar a lei de financiamento do ensino superior? Faço-lhe esta pergunta porque, em meu entender, tem essa obrigação política e moral. O PSD tem essa obrigação política e moral, nós é que a não temos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Risos do PSD.

A Oradora: - Ficamos à espera de que o PSD vote todas essas medidas.
Para terminar, quero dizer-lhe que, em relação a um comentário que fez sobre o Sr. Jerónimo de Sousa, deixo a defesa da honra do Sr. Jerónimo de Sousa à bancada do PCP, porque não nos sentimos atingidos, nem sequer percebemos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, penso que a sua intervenção veio dar razão àquilo que eu tinha dito previamente. A senhora fez um discurso que se ajustaria perfeitamente se estivesse virada para a bancada do Governo e que está totalmente desajustado quando virado para uma bancada da oposição.

Aplausos do PSD.

Portanto, Sr.ª Deputada, veio dar razão àquilo que eu disse.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem de novo a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, para responder ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, se assim o desejar.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, em todo o caso não deixo de dizer-lhe que, talvez, não só fui distraída pela intervenção da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto como não fiquei muito tocada pelas coisas que me disse - aliás, não sei exactamente qual foi o problema que me colocou.
Lembro-me de que falou da minha falta de sensatez ou de uma certa perda de sensatez. Considero que não sou insensata, porém não gostaria que sensatez fosse confundida com estupidez, para utilizar a palavra do Sr. Ministro das Finanças.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado fala na existência de uma task force como sendo alguma coisa natural e até de alguma importância que é dada ao partido da oposição, mas eu diria que estamos realmente com as situações invertidas, deveríamos ser nós a ter uma espécie de "governo-sombra" para fazer face às actuações do Governo.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Nem de uma "espécie" são capazes!

A Oradora: - Não somos capazes, mas os senhores,...

Vozes do PS: - Ah!...

A Oradora: - ... os senhores entendem que não somos capazes, mas os senhores para nos combaterem não conseguem mais do que reunirem-se para, em conjunto, debaterem o que nos hão-de fazer.

Vozes do PS: - Ah!...

A Oradora: - Ó Sr. Deputado, quando se está no Governo, o combate à oposição é feito pela acção e não pela ponderação e pela luta à oposição. Ficamos, portanto, à espera da vossa acção para nos combater. E continuaremos a considerar absolutamente lisonjeiro que percam tanto tempo connosco,...

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Acha que não merecem?!

A Oradora: - ... mas estamos muito preocupados por não perderem tempo com o País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, não vou debruçar-me sobre a expressão que utilizou. Certamente, já está arrependida e terá reparado que ao fazer a comparação que fez, na prática, ofendeu o meu camarada Jerónimo de Sousa, porque o comparou ao PP, e isso, sabe certamente, não é possível em nenhuma das perspectivas!

Risos do CDS-PP.

Nem na perspectiva político-ideológica nem na perspectiva da frontalidade e de saber quem é, em termos políticos, o inimigo principal a combater.
Vou reportar-me a algumas das questões que a Sr.ª Deputada aqui trouxe, designadamente ao que chamou os grandes erros do Governo do Partido Socialista. E gostaria de fazê-lo nos seguintes termos: boa parte e, talvez, os principais erros e defeitos do Governo do Partido Socialista são vícios e erros herdados, porque eles existem quando, fundamentalmente, copia os. Governos do PSD.
A Sr.ª Deputada referiu o problema do "oásis" e, certamente, estava a pensar naquele artigo que, há dois ou três dias, saiu num diário, escrito pelo actual Sr. Ministro das Finanças, que fez lembrar, por um lado, o Ministro Braga de Macedo na parte relativa ao oásis que não existiu, tal como agora não existe, e, por outro lado, o Pri-

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meiro-Ministro Cavaco Silva quando acusava a oposição do miserabilismo com que encarava a situação no nosso País.
Falou igualmente do negócio ou, melhor, do diálogo/ negócio relacionado com a UGT. Ora, a questão que se me suscita aqui é se, neste momento, a Sr.ª Deputada ainda tem dúvidas sobre se o que está em causa é, de facto, um negócio. O próprio Ministério das Finanças fez publicar uma nota na comunicação social onde assume que se trata de uma forma de apoio do Estado à UGT! É um negócio apoiar financeiramente a UGT, entidade que deveria ser independente e autónoma, mas que está aqui numa completa promiscuidade. Também gostaria de recordar que, talvez, esta situação - que, aliás, nós próprios queremos clarificar até à última vírgula, até ao último ponto - tenha tido início nos Governos do PSD.

O Sr. José Saraiva (PS): - Ah!

O Orador: - A Sr.ª Deputada recordar-se-á, certamente, do inquérito parlamentar à utilização pela UGT de verbas do Fundo Social Europeu, em que a maioria do PSD, na altura, impôs umas conclusões que estavam em contradição com tudo aquilo que foi apurado em comissão. Agora, são esses fundos recebidos pela UGT, entre 1986 e 1996, que estão em causa com este aval de 600 000 contos, aval não, subsídio! De facto, é um subsídio camuflado, até porque a explicação dada pela UGT esta manhã é a de que "temos a haver a componente comunitária do Fundo Social Europeu", e depois, para contrabalançar isso e fazer face a essas necessidades, obtém um empréstimo a 12 anos! Certamente, esta explicação mostra, à partida, que não há relação alguma entre uma coisa e outra... Isto para já não falar da questão da coincidência das datas: coincidiu, precisamente, com a altura da assinatura do acordo de concertação estratégica.
Sr. ª Deputada, não percebo como ainda consegue ter dúvidas sobre a natureza deste negócio.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao problema da promiscuidade que se vai alastrando neste Governo, recordo que o Governo do PSD chamava ao Tribunal de Contas "mais uma força de bloqueio", porque o Tribunal de Contas pretendia ser independente do Governo; agora, o Governo do PS já não lhe chama "força de bloqueio", mas vai para o extremo oposto: põe o fiscalizado e o fiscalizador de braço dado, a fazerem não sei o quê, porque ninguém está a fiscalizar ninguém! Certamente estão em negociações e em "concubinatos", perdoem-me a expressão, para resolver e tapar as questões...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Terminaria, Sr. Presidente, colocando a seguinte questão: no meio de tudo isto, como é que o PSD faz as críticas que faz ao Governo do Partido Socialista e, à partida, dá a garantia ao Governo de que não precisa de se preocupar, pelo menos até meados de 1998, até à aprovação do Orçamento do Estado para 1998, porque o PSD garante, desde já, que ele passará? Ou seja, o Governo do PS pode estar descansado porque não terá problemas com o PSD!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, antes de mais, não quis de forma alguma "agredir" o seu camarada Jerónimo de Sousa. Como o Sr. Deputado bem compreendeu, eu não quis fazer qualquer comparação pessoal; quis apenas, e reafirmo, fazer uma comparação política entre o papel desempenhado pelo vosso camarada Jerónimo de Sousa numa certa situação eleitoral e o papel que considero que, neste momento, o PP desempenha neste Parlamento.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, quanto aos vícios e aos erros herdados, quero dizer-lhe o seguinte: faço parte daquele grupo de pessoas que se orgulha do trabalho realizado e que não o repudia. Considero que represento aquelas pessoas que entendem que o nosso trabalho foi bom e que têm saudades de nós e, como tal, não tenho nada a negar sobre todas as tarefas que desempenhámos.
Agora, não percebo como é que, tendo havido um conjunto de portugueses que quiseram mudar essa situação, mudaram para ficar, rigorosamente, na mesma. Então mais valia não o terem feito! Evidentemente, é esse ponto que levanto, ou seja, para ficar na mesma não valia a pena ter mudado.
Quanto ao caso de hoje, o do aval do Estado à UGT, o Sr. Deputado questiona-me, claramente, sobre se o considero ou não um negócio. Direi que é razoavelmente estranho que o Presidente da UGT tenha feito, ontem, publicamente, um ataque forte ao Governo, nomeadamente dizendo que o Governo foi para férias, porque todas as medidas que estavam no acordo de concertação estratégica não tinham sido adoptadas. Como é evidente, esse aspecto é razoavelmente suspeitoso de que possa haver ali algum disfarce de qualquer ponto que previamente tenha sido acordado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Foi só depois da publicação do despacho!

O Orador: - Exactamente! Portanto, ou há aqui um negócio para comprar o silêncio da UGT ou houve um negócio para o acordo de concertação estratégica. Em todo o caso, quem julgo que deve responder por este ponto não é, com certeza, a UGT, que está na sua posição lógica de negociar aquilo que lhe é mais favorável, mas o Primeiro-Ministro deste país, que tem de explicar por que tomou determinada decisão relativamente a uma entidade e não a toma em relação a todas as entidades deste país que estão nas mesmas condições.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o grupo de pessoas que hoje se encontra a assistir à sessão é um pouco menos jovem do que habitualmente, mas nem por isso deixa de merecer a nossa estima. Temos connosco um grupo de 35 membros da Câmara Municipal de Aguiar da Beira e um grupo de 25 cidadãos da freguesia de Patais do Concelho de Alcobaça, para os anais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

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Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, V. Ex ª subiu hoje à tribuna para, em nome do maior partido da oposição, segundo o anúncio que nos fez no primeiro parágrafo, falar sobre um ano de governação do PSD por parte do Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Contudo, fez um discurso que considero muito envergonhado, muito tímido, quase que considero muito envergonhado, quase de "Semana Santa", embora já retardado no calendário, porque do Professor Marcelo Rebelo de Sousa e das suas "obras" não nos falou, rigorosamente nada.
Na realidade, era isso que esperaríamos. E sabe por quê, Sr.ª Deputada? Há suspeitas de que a Sr.ª Deputada não morrerá de amores pelo Professor Marcelo, mas poderia ter aproveitado a ocasião para fazer aqui, junto do Parlamento, a apologia não só da liderança do Professor Marcelo mas, também, das iniciativas das propostas e das acções que o maior partido da oposição, através do seu líder, tivesse apresentado aos portugueses, num combate
político à nova maioria, ao Governo do PS.
Acontece que, nesse seu discurso, a Sr.ª Deputada refugiou-se em questões que tivemos muita dificuldade em identificar como sendo acções concretas propostas do PSD, pois teceu apenas meras críticas pontuais...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Pontuais?!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - E descabidas!

O Orador: - ... muitas delas - a maior parte - ilegítimas, do ponto de vista subjectivo que elas trazem à actuação do actual Governo.
Tentou ainda vender-nos aqui a teoria de que a oposição apenas deve criticar e...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E o Governo governar!

O Orador: - ... fazer rigorosamente mais nada. Não! A obrigação da oposição é, naturalmente, criticar, mas, também, propor alternativas, o que não tem acontecido. É o caso das políticas sociais, sobre as quais não conhecemos iniciativas da parte do PSD, quer no Parlamento quer fora dele. Aliás, há um aspecto fundamental sobre o qual o PS precisa de obter uma resposta do PSD e, neste caso, da Sr.ª Deputada, uma vez que falou em nome da bancada do PSD: qual é, por exemplo, a posição do PSD sobre a questão do financiamento do ensino superior?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ora aí está uma boa pergunta!

O Orador: - Não conhecemos! Aliás, já sabemos alguma coisa que, infelizmente, nos causa alguma preocupação: a JSD pediu ao Professor Marcelo que chumbasse o projecto de financiamento! Como vai reagir a sua bancada?
Sr.ª Deputada, considera aceitável e admissível que o maior partido da oposição, que veio aqui gabar-se de o ser, e é,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E é!

O Orador: - ... não tenha uma posição política sobre a maior reforma da administração portuguesa, a regionalização? Entende que é credível tentar apresentar-se como alternativa e, à matéria fundamental, dizer "não tenho posição, não sabemos qual é a nossa posição"?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sabemos!

O Orador: - E refugiar-se no referendo, sem dizer aos portugueses o que pensa o maior partido da oposição?!
Sr.ª Deputada, são as respostas a estas questões que darão ou não crédito ou credibilidade a uma eventual alternativa democrática, na linha do que disse o meu amigo e camarada Luís Filipe Madeira, porque é assim que entendemos a democracia. E essas respostas do PSD não conhecemos.
Acresce que a Sr.ª Deputada foi Ministra da Educação do Governo do PSD e, independentemente dos méritos da pessoa em si, que não está causa, as políticas que desenvolveu, no contexto desse Governo, foram as de pior memória que há no sistema educativo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E vem hoje a Sr.ª Deputada fazer a crítica ao Governo do PS por não governar, por não agir ou por dialogar, tentando implementar políticas de contratualização nesse, como noutros sectores. É caso para dizer "por quem Deus nos manda o recado", Sr.ª Deputada!...

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, em primeiro lugar, questionou-me sobre o que eu disse acerca da acção do Professor Marcelo Rebelo de Sousa à frente do partido...

O Sr. António Braga (PS): - Uma linha!

A Oradora: - Exactamente, foi. uma linha. Mas se o Sr. Deputado tivesse estado atento, essa linha dizia assim: "Foi um momento de regozijo, regozijo pelos êxitos alcançados nas lutas travadas ao longo do ano".

O Sr. António Braga (PS): - Quais?!

A Oradora: - O Sr. Deputado quer que lhe diga quais?

Vozes do PS: - Claro!

A Oradora: - Quer que lhe fale na revisão constitucional? Quer que lhe fale no "totonegócio"?

O Sr. António Braga (PS): - Fale!

A Oradora: - Quer que lhe fale em todas essas questões que são feridas para os senhores?

Vozes do PS: - Sim!

A Oradora: - Quer que lhe fale do referendo da regionalização? Então vamos falar do referendo, da

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1976 I SÉRIE - NÚMERO 57

regionalização, da revisão constitucional, do "totonegócio", do aborto e de todas as lutas que travámos e ganhámos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, Srs. Deputados, se não o fiz foi, em primeiro lugar, porque penso que a vossa memória está fresca e, em segundo lugar, porque entendi, como maior partido da oposição, que não devo contribuir para a
maior desagregação que já existe no partido que apoia o Governo.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Foi um acto de caridade!

A Oradora: - Foi um acto de caridade, exactamente, atendendo a que ainda estamos muito próximos da Páscoa e que o vosso novo líder é o Francisco Assis!...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado António Braga, em reacção ao que eu disse, perguntou-me o que é que eu pensava sobre o financiamento do ensino superior. Dir-lhe-ei que nada penso, porque desconheço o diploma. O senhor conhece-o?

O Sr. António Braga (PS): - Mas não tem ideias?

A Oradora: - O Sr. Deputado tem alguma dúvida de que tenho ideias?. Não digo porque não conheço o diploma! Quando o conhecer, o senhor verá qual é a minha posição. Mas uma coisa que o Sr. Deputado já conhece neste momento são os pontos que suscitei da tribuna: a vossa bancada concorda, ou não com o aval que foi hoje concedido à UGT? Diga: se concorda e porque concorda.
Mais: os Srs. Deputados concordam ou não com o apoio e a promiscuidade...

O Sr. José Magalhães (PS): - Qual promiscuidade?!

A Oradora: - ... entre o Tribunal de Contas e o Ministério das Finanças? Vão ou não votar aqui a Conta-Geral do Estado, com um "parecer virtual" do Tribunal de Contas? Foi pena o Sr. Deputado não ter reagido a isso!
Quanto a outros pontos, nomeadamente o da regionalização, recuso-me a discutir política virtual!

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Ah!...

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, na sua intervenção, disse que o Governo lançou graves suspeitas sobre a organização sindical UGT e, depois, aproveitou agrave suspeita que disse que o Governo lançou sobre a UGT para lançar também uma grave suspeita, pois referiu aqui que o acordo de concertação estratégica era, eventualmente, o resultado dessa coisa nebulosa que estava por detrás do aval que o Governo agora concedeu à UGT.
Por sua vez, de uma forma a que o PCP já nos habituou, o Sr. Deputado Octávio Teixeira veio falar de um modo que é típico do seu partido, ou seja, não dizendo tudo, referiu apenas que se alguém está a ser favorecido é a UGT, porque mais ninguém foi favorecido.
Ora, porque o Sr. Deputado Octávio Teixeira fez referência à nota da comunicação social do Ministério das Finanças, gostaria de ler-lhe o n.º 4 do despacho, que foi aquele a que o Sr. Deputado se reportou, esquecendo-se de referenciar tudo aquilo que esse mesmo n.º 4 contém. Refere esse n.º 4 que o apoio do Estado ao sindicalismo em Portugal se tem traduzido das mais diversas formas, designadamente em apoios, pecuniário directo e material - por exemplo; na aquisição e cedência de imóveis para sede -, não comprometendo, por isso, a independência do movimento sindical na defesa dos interesses dos trabalhadores, como, aliás, se pode verificar nos casos da CGTP e da UGT, ambas amplamente beneficiárias deste tipo de apoios..
A nossa opinião é a de que, eventualmente, não haverá aqui qualquer benefício para estas organizações, porque elas prestam um serviço público que consideramos merecedor do apoio do Estado. Aliás, como os Srs. Deputados sabem, e muito bem, outros países da Comunidade concedem apoios às organizações sindicais, porque, como é óbvio, não têm fins lucrativos e, não tendo fins lucrativos, é claro que as dificuldades que se lhes colocam, sob o ponto de vista financeiro, e o resultado dos serviços públicos que prestam merecem, certamente, que o País seja capaz de assumir as suas próprias responsabilidades.
Mas aquilo que para o PCP é típico é que não interessam muito os factos, interessa é a suspeição, á criação de um clima adequado a uma determinada situação tendente à instabilidade social e à disponibilização de todos os agentes políticos que não perfilhem das suas ideias.
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, peço desculpa pelo facto de, na pergunta ou nos comentários que tinha para fazer à sua intervenção, ter aproveitado para me dirigir ao PCP, mas também o PCP aproveitou a sua intervenção para se pronunciar em relação a esta matéria.
De qualquer forma; Sr.ª Deputada, quero ainda fazer uma observação: a Sr.ª Deputada sabe muito bem - e digo isto porque não quero crer que, no momento em que produziu a intervenção que hoje produziu nesta Assembleia, não tenha tido o cuidado de proceder à leitura do despacho do Ministério das Finanças sobre a matéria - que o despacho tem um conjunto de explicações necessárias e fundamentais à concessão do aval. Dispenso-me de ler os fundamentos para a concessão desse aval do Estado ao financiamento concedido pela Caixa-Geral de Depósitos à União Geral de Trabalhadores, mas gostaria de dizer-lhe ainda algo que me parece muito importante: de 1994 a 1996, a UGT, fruto da acção judicial que impende sobre ela em relação aos fundos comunitários, viu congelado 0 pagamento dos saldos da, formação. Esses saldos, como a Sr.ª Deputada sabe, são muito superiores a 600 000 contos. Considera ou não a Sr.ª Deputada que cabem aqui responsabilidades morais ao Estado, se outras não couberem, para ter em atenção a criação de condições que permitam à UGT a obtenção de um empréstimo, empréstimo, esse, que é para ser liquidado pela própria a quem foi concedido e que tem, obviamente, o aval do Estado?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, e as empresas que estão nas mesmas circunstâncias?!

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O Orador: - Sr. Deputada, era óptimo que fosse capaz de nos explicar que responsabilidades cabem ao seu partido em todo este processo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, o primeiro esclarecimento que quero dar é o seguinte: não tenho nada contra nem estou a fazer qualquer acusação à UGT. Repito: não
tenho nada contra nem estou a fazer qualquer acusação à UGT!

O Sr. Artur Penedos (PS): - Mas criou toda a suspeição!

A Oradora: - Desempenho o papel que me compete na oposição, onde toda a dúvida é legítima e toda a suspeita é necessária, quando estão em causa dinheiros públicos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Estou a questionar a aplicação de dinheiros públicos!

O Sr. Artur Penedos (PS): - Não há nada escondido!

A Oradora: - Ó Sr. Deputado, não é apenas quando há coisas escondidas que há suspeição sobre a legalidade da aplicação dos dinheiros públicos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Está tudo claro!

A Oradora: - Portanto, Sr. Deputado, não só não acuso a UGT como...
E é evidente que li o despacho, mas é evidente que esta questão não é uma questão de leitura de despachos, é uma questão de saber se existe ou não legitimidade na aplicação de dinheiros públicos, quando, para determinado objectivo, se destinam apenas a algumas entidades e não se destinam a todas as entidades nas mesmas condições, ou seja, se isto é uma violação da igualdade de tratamento perante a lei ou se se trata, efectivamente, de um favor a alguém.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E não é culpa da UGT, é culpa de quem toma essa medida, é culpa do Primeiro-Ministro deste país!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honrada sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, terá de ser essa a figura regimental, na medida em que não me resta outra, apesar de o Sr. Deputado Artur Penedos meter interpelado na maior parte do tempo do pedido de esclarecimentos à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

Sr. Deputado Artur Penedos, por acaso, não li o n.º 3 da nota do Ministério das Finanças mas o n.º 4, onde se assume que se trata de uma forma de apoio do Estado à UGT.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Só?!

O Orador: - Esta é a afirmação que o Governo faz!

O Sr. Artur Penedos (PS): - Parou aí?!

O Orador: - Mas agora V. Ex.ª e refere o n.º 4 e, então, vamos aos factos e não às suspeições. Quando V. Ex.ª refere o n.º 4, está, ao fim e ao cabo, a referir que se trata de um apoio pecuniário directo e material à UGT, quando o Governo diz que não, que é apenas um aval. Ora, aí é que está a questão dos factos e não da suspeição: é que, através de um aval camuflado, o que o Governo pretende é entregar 600 000 contos à UGT.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

Vozes do PS: - Está enganado!

O Orador: - E não me venha novamente com a tese dos "fundos sociais europeus", da componente ainda não recebida, porque, então, suscito-lhe a questão que ainda há pouco suscitei à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite: por que razão é que a UGT necessita de um aval por 12 anos, para pagar em 12 anos? Está à espera de que a Comissão Europeia continue a não lhe pagar aquilo a que os senhores dizem ter direito durante mais 12 anos?! Não! E no próprio despacho refere-se que se trata de um saneamento financeiro da UGT.
Por conseguinte, há aqui apoios directos claros!

O Sr. Artur Penedos (PS): - Não!

O Orador: - É essa a intenção, é esse o objectivo, só a forma é camuflada! Por isso mesmo, têm de atacar o Governo e a UGT, por utilizarem uma forma capciosa para encobrir um apoio financeiro directo à UGT por parte do Governo, o que é inadmissível e inaceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, a referência que fiz ao n.º 4 não tinha tanto a ver com a substância mas com o facto de o PCP, permanentemente, omitir partes dos documentos, de modo a criar as condições que mais interessam às suas teses. Esta é que é a questão! Só por isso é que referenciei o nº4!
O Sr. Deputado Octávio Teixeira sabe muito bem que, de 1994 a 1996, como já disse, houve um conjunto de saldos que não foram liquidados e que esses saldos são superiores a 600 000 contos. Mas o problema que se coloca não é esse! Quando se concede um aval a um empréstimo concedido por uma instituição de crédito a uma determinada entidade e se lhe concedem 12 anos para liquidar esse mesmo empréstimo, é porque quem está a solicitar esse empréstimo sente que não tem condições financeiras que lhe permitam proceder à sua liquidação em um, dois ou três anos. Obviamente, se se pedem 12 anos,

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é porque se tem consciência de que aquelas que são as nossas receitas não nos permitem fazer a liquidação num qualquer período. É essa a grande questão!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não esperem receber!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, e as empresas?!

O Orador: - Sr. Deputado, claro está que, perante as receitas que a central sindical UGT detém hoje, necessita, obviamente, de 12 anos para poder liquidar o empréstimo que lhe foi concedido. Se, eventualmente, os direitos que a mesma central sindical julga ter relativamente a serviços que prestou vierem a ser ressarcidos, como é óbvio, poderá vir a liquidar o empréstimo muito antes, mas, à partida, quem, com seriedade, pede um empréstimo por 12 anos, tem consciência de que a sua capacidade financeira não lhe permite fazer a liquidação antes desses 12 anos.

Vozes do PS: - E tenciona pagar!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O despacho do Sr. Ministro das Finanças, que concede à UGT um aval do Estado ao contrato de empréstimo a celebrar por esta entidade com a Caixa-Geral de Depósitos, é surpreendente; insólito e grave, por três razões.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Em primeiro lugar, os motivos são inconsistentes, já que o que é dito sobre a UGT, na apreciação do mérito, poderá ser igualmente dito acerca de inúmeras outras organizações tão relevantes, quer social quer economicamente, para o Pais e para os cidadãos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Note-se que o Partido Popular e a minha bancada não podem deixar de frisar aqui o importantíssimo papel da UGT na história do sindicalismo democrático português do pós-25 de Abril...

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Ó Santo Deus!...

A Oradora: - ... e o seu contributo decisivo no combate à unicidade sindical, mas não é isso, obviamente, que hoje, aqui, está em causa.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Gosto muito do meu avô, mas mato-o!..

A Oradora: - Em segundo lugar, cria um precedente de dimensões incalculáveis.
Em terceiro lugar, gera ambiguidades - quiçá promiscuidade - e, logo, suspeição.
O Governo não percebe que belisca a sua credibilidade, e coarcta a sua eficácia com medidas deste tipo.
É profundamente desconfortável viver num país onde o Governo, sistematicamente, sem proveito para ninguém e menos ainda para si próprio, se diminui e enfraquece com medidas avulsas, dificilmente compreensíveis para a
maioria dos portugueses, que a oposição, no seu conjunto, aqui representa. O acordo de revisão constitucional é disso um bom exemplo.
Um processo que sacrifica o líder da bancada, o presidente da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição e dois ministros da República, que beneficia um partido da oposição e vulnerabiliza o partido do Governo e, desacreditando as instituições, não traz vantagens acrescidas para Portugal e para os portugueses é, certamente, um péssimo exercício político.
Incapaz de proceder às grandes reformas, este Governo, cuja capacidade de decisão e acção sempre deixaram a desejar, mostra-se agora inapto na salvaguarda das suas próprias condições de eficácia.
Assim, o Acordo de Concertação Social, de que tanto se ufanou o Governo, fica, desde agora, ferido de suspeição, sendo possível perguntar: Quem representa a UGT? O que quer o Governo da UGT?
É certo que esta interpretação pode ser precipitada e injusta. Mas se assim for, o responsável será o Governo por não querer, ou não ser capaz, claramente, face a todas estas questões, que são também o quotidiano da política, de usar métodos claros e inequívocos.
O respeito pela identidade e independência dos parceiros sociais, no pressuposto realista das concertações necessárias e dos confrontos previsíveis, é a maior garantia do crescimento cívico em liberdade e democracia. Comprometê-lo é, do nosso ponto de vista, uma inépcia gravíssima..
É sobre este ponto, afinal essencial, que o PP solicitou a presença do Sr. Ministro das Finanças no Parlamento para, talvez então, entendermos esta questão.
Ao PP não preocupa tanto, como é óbvio, o desgaste ou auto-agressão do Governo como os malefícios que isso pode gerar para Portugal e para o futuro. E é sobre esses malefícios que há que reflectir e actuar em conformidade. Para isso serve também a oposição.

Aplausos do PP.

O Sr. Presidente: - Pará pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira .

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr.ª Deputada, gostaria de começar por lhe dizer o seguinte, usando uma metáfora simples: a minha, alma está parva!... E porquê? Porque comecei por ouvir um panegírico à UGT, que a UGT fez e faz pela democracia deste País coisas extraordinárias...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Isso é verdade!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Esperemos que continue a fazer!

O Orador: - Se por acaso quiser ouvir, eu explico-lhe, ali fora, com todo o gosto.

O Sr. António Braga (PS): - Ele é jovem!

O Orador: - Aqui só disponho de três minutos; se o Sr. Presidente me der mais tempo, seis, sete, oito, nove ou dez minutos, eu explico-lhe isso.

O Sr. Presidente: - Dou, no corredor, Sr. Deputado.

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O Orador: - Bom, o facto de eu ter referido "lá fora" tem a ver com o tempo de que disponho. De resto, o Sr. Deputado é uma pessoa inteligente e estou a falar para pessoas inteligentes...

Risos.

Bom, dizia eu que a UGT fez e faz pela democracia coisas extraordinárias. Aliás, não fui eu quem o disse, foi a Sr.ª Deputada e eu estou de acordo consigo.
Entretanto, ao ouvir isso, aqui, no meu lugar, disse: "gosto muito do meu avô, mas mato-o!".

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Ó Sr. Deputado!...

O Orador: - O que a Sr.ª Deputada fez foi, a propósito de uma crítica que quer dirigir ao Governo - e eu percebo que o queira fazer, como percebo que todos os partidos desta Assembleia e os cidadãos deste País, a propósito de tudo, queiram mais e mais esclarecimentos, ....

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite é que não percebe!

O Orador: - ... pois esse é um direito legítimo e está fora de causa - a cultura da suspeita sem provas sobre a UGT, porque quando referiu que o Acordo de Concertação Social "pode estar inquinado por" admitiu que os dirigentes sindicais da UGT são - e agora a expressão é minha - uns vendidos, são compráveis.

Vozes do CDS-PP: - Não!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Só se foi o senhor que pensou isso!

O Orador: - Sr. Deputado, agradeço-lhe o mimo, mas lamento-o!
Já agora, em relação a estas questões diria o seguinte: não percebo que relativamente ao aval do Estado se misture tudo e a certa altura se esqueça que se tratou de um empréstimo que a UGT está a pagar com dificuldades, inclusive pagando juros, à Caixa Geral dos Depósitos.
Quanto aos apoios, gostaria de dizer que o Governo não deu, até hoje, nenhuma sede à UGT e aquele comunicado que fala de sedes dirige-se exactamente a uma sede situada na Rua Vítor Cordon, que, essa sim, o Governo deu.
Entretanto, quanto aos apoios e ao serviço prestado à democracia, gostaria de lhe dizer a si e ao líder do seu partido que os sindicatos são, como os partidos políticos, organizações importantes na democracia do País e não podem ser considerados "ordas de bandidos".
Quero ainda dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que esta Assembleia sairia dignificada se discutisse a questão dos apoios ao sindicalismo português, como acontece noutros países, e termino perguntando-lhe: os partidos políticos financiados por lei são por isso menos independentes? Eu respondo-lhe: não!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, penso que se o senhor não fosse simultaneamente da UGT e da bancada do PS teria de me dar razão. De facto, não pode fazê-lo, porque está numa posição delicada, que eu compreendo e respeito.

O Sr. Artur Penedos (PS): - A senhora tem a mesma situação na sua bancada!

A Oradora: - Não, não!
Bom, o que eu disse foi: "(...) sendo possível perguntar: Quem representa a UGT? O que quer o Governo da UGT?". E acrescentei: "É certo que esta interpretação pode ser precipitada e injusta. (...)

O Sr. Artur Penedos (PS): - E é!

A Oradora: - (...) Mas, se assim for, o responsável será o Governo (...)"

O Sr. Artur Penedos (PS): - A suspeita levanta-a o PP e a responsabilidade é do Governo!...

A Oradora: - Porque repare: pôr em causa a credibilidade da UGT é , diria eu, quase mais grave do que pôr em causa a credibilidade do Governo, porque a UGT é só uma e governos há muitos. Por isso, o Governo tinha de ter muito mais cuidado na forma como fez as coisas.
Se o senhor me disser que seria bom discutirmos aqui os apoios financeiros às centrais sindicais, com certeza que estou de acordo, mas do que estamos a falar é de um despacho sub-reptício, publicado na II Série do Diário da República,...

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sub-reptício?

A Oradora: - ... que é um facto político que não podemos ignorar e que é inaceitável pela forma e até porque a fundamentação está muito fraca. Aliás, acho que qualquer um de nós a faria melhor...
Portanto, separando as questões, responder-lhe-ei dizendo que me sinto, como cidadã e como Deputada, preocupada quando os parceiros sociais são fragilizados em função de uma má operação do Governo, ...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - ... não em função da necessidade de terem de recorrer ao crédito, pois isso pode acontecer a qualquer uma dessas organizações, nem mesmo por se admitir a oportunidade e a bondade de terem alguma facilidade, pelo seu interesse público e pela sua acção relevante. Mas aí são todos e não só uns, nomeadamente a própria CGTP - sou insuspeita para o dizer -, e para isso teria de haver um quadro regulamentador.
Quando entramos na casuística pura e simples, sem que os critérios estejam perfeitamente definidos, 'na situação actual em que as coisas não estão totalmente clarificadas, acho que é lamentável que a UGT tenha de ter aqui Deputados do PS membros da UGT a justificarem-na.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Não estamos a justificar a UGT! Estamos a emitir opiniões do PS!

A Oradora: - Seria muito melhor para a UGT poder ter recebido este aval num quadro perfeitamente claro, porque é grave para a democracia portuguesa que uma

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central sindical possa ser atingida por uma suspeita, e logo desta forma, porque o processo é perfeitamente infeliz.
Perante isto, o que lhe digo é que, neste momento, mercê da dimensão que este facto político tomou, a opinião pública estará no seu direito, ainda que talvez injustamente, de fazer esse juízo.
Portanto, o ataque que fiz foi, de facto, ao Governo, pois foi o Governo que concedeu o aval. Quanto ao facto de a UGT o ter solicitado, considero que está no seu papel.
Na verdade, o Governo concedeu o aval, mas devia fazê-lo dentro de uma ponderação política a que está obrigado, porque é Governo, e não o fez. Ora, não o fazendo, pode prejudicar gravemente a UGT.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, a minha preocupação é legítima e perfeitamente compreensível. A sua não pode ser expressa da mesma maneira, porque o senhor está na bancada do Governo. Só por isso!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estavam ainda inscritos, para tratar de assuntos' de interesse político relevante, os Srs. Deputados Moura e Silva e Lemos Damião. Contudo, o período de antes da ordem do dia já ultrapassou cm muito a hora e meia, incluindo o prolongamento, e por isso não lhes poderei dar a palavra, ficando estes Srs. Deputados inscritos para o próximo período de antes da ordem do dia.
Srs. Deputados, sendo assim, dou por terminado o período de antes da ordem do dia de hoje.

Eram 16 horas e SO minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia de hoje com a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 70/VII - Estende às cooperativas de solidariedade social os direitos, deveres e benefícios das instituições particulares de solidariedade social.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Inserção Social.

O Sr. Secretário de Estado da Inserção Social (Rui Cunha): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo apresenta à apreciação da Assembleia da República possui, em meu entender, uma justificação clara que, julgo, merece, facilmente, um apoio unânime dos Srs. Deputados.
A equiparação das cooperativas de solidariedade social às IPSS para efeitos fiscais é uma medida que corrige uma injustiça relátiva que se gerou nos últimos anos e que, ao mesmo tempo, representa um sinal apontado ao futuro.
De facto, importa reconhecer que esta proposta de lei vem responder a uma aspiração legítima de largas dezenas de organizações cooperativas que, no plano da solidariedade social, vêm desempenhando um importante papel no apoio a segmentos fortemente carenciados da nossa população.
E se foi a aprovação do novo Código Cooperativo, efectuada por esta Assembleia na passada sessão legislativa, que veio reintroduzir no modelo cooperativo nacional esta figura das cooperativas de solidariedade social, é também verdade que, na prática, elas já há largos anos vêm desempenhando importante actividade. Nomeadamente no domínio do apoio à inserção social das crianças e jovens com deficiências, o modelo cooperativo demonstrou uma enorme capacidade de, unindo as vontades de famílias e técnicos, desenvolver importantes experiências que são hoje um património insubstituível na sociedade portuguesa.
Se as cooperativas desta área têm vindo, há alguns anos, a celebrar acordos com o Estado que lhes permitem o acesso a meios públicos para o investimento infra-estrutural e para o funcionâmento das suas actividades, já no domínio fiscal persistem alguns factores de discriminação negativa destas organizações.
Nada justifica, pois, que estas instituições não vejam reconhecida a sua plena igualdade de direitos e deveres face a outras instituições que, tendo optado por um distinto modelo organizativo, desempenham funções de natureza idêntica.
A aprovação desta proposta de lei é, também, Sr.ª e Srs. Deputados, um sinal de futuro no sentido em que pode constituir um estímulo para uma mais forte presença da iniciativa cooperativa no terreno da solidariedade social.
Estamos convictos que o modelo cooperativo de organização dos cidadãos constitui, mais que um notável património histórico, uma importante mais-valia para o futuro.
Existem actividades económicas onde a forma mais eficaz de responder às necessidades sociais passa pela actuação cooperativa.
Existem dimensões onde a criação e o acesso aos bens culturais se valorizam sob o impulso da iniciativa cooperativa. Na educação, no combate à exclusão social, na saúde existem, infelizmente, necessidades insatisfeitas onde a experiência cooperativa já provou ser das mais eficientes respostas sociais.
O trabalho de acção social tendente a favorecer a integração dos grupos com dificuldades específicas é um trabalho complexo e exigente onde tudo há a ganhar quando o investimento material, a formação e fixação de recursos humanos especializados são feitos em articulação com as comunidades locais e regionais numa lógica de parceria activa.
O esforço associativo dessas comunidades, nomeadamente segundo um modelo cooperativo, é um contribuo precioso para o êxito dessas parcerias.
Esta iniciativa legislativa é um passo na valorização do papel do esforço solidário daqueles que optam por este caminho para desenvolver uma actividade que merece um profundo reconhecimento social.
Estou convicto de que, no plano do combate à exclusão, na luta pela inserção social dos mais desfavorecidos, muito ainda se poderá esperar da iniciativa cooperativa.
Sr.as e Srs. Deputados, se esta medida legislativa se justifica por si própria e se a evidência da sua bondade impõe a sua aprovação, ela não constitui uma acção isolada, antes se insere no desenvolvimento de uma lógica integrada de novas políticas sociais orientadas pela prioridade à luta pela coesão social, por uma séria selectividáde na afectação dos recursos públicos e por uma elevada valorização da iniciativa e do papel dos cidadãos na defesa da solidariedade social.
Estas três características estão, de facto, bem presentes na proposta de lei que hoje trazemos a esta Assembleia, mas elas constituem, igualmente, o denominador comum da acção governativa nesta área.

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A acção governativa no domínio da colaboração com as organizações da sociedade civil no que respeita a acção social é hoje marcada pela existência de um Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, onde estão envolvidos o Estado, a ANMP, a ANAFRE e as Uniões das IPSS, das Misericórdias e das Mutualidades.
Esta realidade corresponde à construção de um novo quadro de estabilidade na promoção da cooperação entre os diversos agentes das políticas sociais.
Este está a ser um passo decisivo para que os recursos da comunidade colocados ao serviço da luta contra a exclusão social sejam mais eficazes.
Este está a ser um passo decisivo para acrescer a capacidade de actuação no combate à pobreza, à discriminação das pessoas com deficiência, à "guetização" das minorias, ao isolamentos dos idosos e das crianças.
Mas também no domínio cooperativo, para o conjunto das áreas que constituem este sector, o Governo prepara iniciativas legislativas tendentes a valorizar este importante instrumento de desenvolvimento económico e social. Assim, está em preparação uma revisão global do enquadramento fiscal deste sector, a qual atenderá à sua especificidade e às suas necessidades de apoio ao desenvolvimento.
O Governo apresentará igualmente e em breve, um programa de apoio à iniciativa cooperativa que irá, decerto, contribuir para a sua promoção e desenvolvimento.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos certos que o principal traço distintivo do movimento cooperativo é-lhe dado pelo seu carácter de movimento democrático, autónomo e independente. É esta associação livre e solidária de cidadãos que fez e fará a sua riqueza e sustentabilidade. Aos poderes públicos compete, antes de mais, criar as condições para que o seu trabalho se desenvolva com o máximo de eficácia e resultados sociais. Esta é, sem dúvida, a razão maior da proposta legislativa que hoje estamos a discutir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Secretário de Estado, tenho algumas dúvidas sobre o figurino das cooperativas de solidariedade social, pois não sei se conclui correctamente da intervenção que fez que, quando falava em largas dezenas, estava a referir-se às CERCI.
No entanto, a proposta de lei ora apresentada refere que serão cooperativas de solidariedade social equiparadas a IPPS todas as que exerçam funções ou tenham objectivos idênticos ao que está definido para os objectivos das IPPS, de acordo com os seus estatutos.
Tenho algumas questões que gostaria de apresentar, nomeadamente as seguintes: uma cooperativa de habitação ou de serviços, exercendo funções previstas nos estatutos das IPPS, vai ser uma cooperativa de solidariedade social? Qual vai ser o figurino destas cooperativas? Vão ser qualificadas pelos seus objectivos ou vão ser qualificadas pela sua constituição? E a sua equiparação ao estatuto de direitos e deveres das IPSS vai significar que também às IPSS vão ser alargados os benefícios que têm as cooperativas?
Na proposta de lei que nos foi apresentada, o Governo refere que solicitou parecer, ou ouviu, a FENACERCI. Desconhecemos esse parecer e desconhecemos também se foram ouvidas as entidades que assinaram com o Governo o pacto de cooperação para a solidariedade, a que, aliás, o Sr. Secretário de Estado fez referência.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Inserção Social.

O Sr. Secretário de Estado da Inserção Social: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Filomena Bordalo, agradeço as questões colocadas.
Como sabe, o código aprovado, por unanimidade, nesta Assembleia da República introduziu, ou reintroduziu, a figura das cooperativas de solidariedade social e, na sequência dessa introdução pelo novo código cooperativo, é necessário criar um estatuto para essas cooperativas de solidariedade social.
Assim, está a funcionar um grupo de trabalho conjunto, constituído pelo INSCOOP e pela Direcção-Geral de Acção Social, no sentido de ser definido o estatuto das cooperativas de solidariedade social, exactamente porque há questões como aquelas que a Sr.ª Deputada acaba de colocar e outras afins, ou seja, se as cooperativas de solidariedade social deverão ser apenas de utentes ou se deverão ser de promotores, havendo uma série de questões que surgem acerca disto, para que não venha a utilizar-se o figurino das cooperativas de solidariedade social para obtenção de benesses que não se enquadram no espírito do legislador e no espírito a que entendemos deverão obedecer as cooperativas de solidariedade social.
Ora, este grupo de trabalho já tem feito um primeiro esboço de projecto, no sentido de ser criado um estatuto de cooperativas de solidariedade social.
Perguntar-me-á a Sr.ª Deputada: "então, se está a ser feito esse estatuto de cooperativas de solidariedade social, porquê vir aqui, agora, esta proposta legislativa no sentido de terminar com a discriminação negativa a que estavam sujeitas - e devemos dizê-lo claramente - as CERCI, que são as cooperativas, no âmbito da solidariedade social, que actuam nesta matéria e que, de há 14 anos a esta parte, são vítimas de uma discriminação negativa?
Em primeiro lugar porque, sendo a matéria de isenção fiscal uma matéria de competência reservada da Assembleia da República, esta isenção teria sempre de vir à Assembleia da República. Em segundo lugar, porque esta isenção não vai, de certeza, contundir com o estatuto que vier a ser aprovado para as cooperativas de solidariedade social, dado que esse estatuto vai enquadrar o campo em que vai delimitar-se a intervenção dessas cooperativas e a sua forma de constituição, mas ninguém põe em causa esta isenção fiscal nem estes benefícios fiscais que devem atribuídos às cooperativas. Em terceiro lugar, porque o processo legislativo é moroso, o processo de apreciação e de elaboração do estatuto também o é e não era legítimo manter por mais tempo a situação de discriminação negativa a que as CERCI estão sujeitas desde 1983.
Como sabe, até ao Decreto-Lei n.º 119/83, as CERCI estavam abrangidas por essa equiparação às IPSS; daí para cá, acabaram por não ficar equiparadas às IPSS. As mutualidades também têm um código próprio, assim como as misericórdias, as fundações e, no fundo, argumentando-se no preâmbulo do próprio Decreto-Lei n.º 119/83 que o código cooperativo iria resolver o problema das CERCI, veio a verificar-se que, em matéria de isenções e benefícios fiscais, ele não veio resolver o problema e as CERCI ficaram como cooperativas, a usufruir dos benefícios genéricos atribuídos às cooperativas mas, sobretudo em matéria de recuperação de IVA e de acesso à lei do

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mecenato, as CERCI foram alvo de uma discriminação negativa.
Aproveito esta oportunidade para, mais uma vez, realçar o papel extraordinamente relevante que as CERCI têm desempenhado, pelo que não era compreensível mantê-las por mais tempo nesta situação de discriminação.
A FENACERCI foi ouvida, tendo sido acertados alguns pormenores com esta federação. Quando este diploma foi preparado, ainda não estava em funcionamento a comissão de acompanhamento derivada do Pacto de Cooperação para Solidariedade Social, mas foram trocadas informalmente impressões, com os vários parceiros e houve parecer positivo em relação a isso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tema palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Reinserção Social, a proposta de lei que sobe hoje a Plenário da Assembleia da República, da iniciativa do Governo, visa estender às
cooperativas de solidariedade social os direitos, deveres e benefícios das instituições particulares de solidariedade
social.
É conhecido de todo que, desde há muito tempo, as cooperativas que prosseguem fins de solidariedade social, como é o caso das Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas, vulgarmente conhecidas por CERCI, reclamavam um tratamento igual às instituições particulares de solidariedade social no campo dos direitos, deveres e benefícios e do qual tinham sido afastadas com a publicação do Decreto-Lei n.º 119/83, de 5 de Fevereiro.
Tais cooperativas prosseguem efectivamente fites de solidariedade social no campo da educação e reabilitação de crianças e são credoras da nossa admiração por aquilo que representam na sociedade portuguesa, pelo seu altruísmo e dedicação à causa das crianças portadoras de deficiência.
A vertente educa ção aliada à vertente reabilitação são dois factores fundamentais que estão na origem do seu desenvolvimento e dinamismo, mas também estão na origem das grandes dificuldades económicas por que passam estas instituições. As que conhecemos, a nível nacional, e são bastantes, todas têm dificuldades económicas e, emboca a equiparação a IPSS lhes possam trazer alguns benefícios, há que estudar com profundidade - e essa é uma tarefa que compete ao Governo - outras formas de apoio que poderão suprir tais dificuldades.
Queria aqui recordar que a grande parte das cooperativas de solidariedade social não são detentoras de património, ao contrário de fundações, Santas Casas de Misericórdia e IPSS, que têm outros meios para prosseguirem os fins para que foram criadas e, no entanto, ficam com igual estatuto e idênticos deveres.
Este é um passo significativo mas insuficiente. Estas instituições, que desenvolvem a sua acção sem fins lucrativos, participam activamente na resolução das carências sociais dos cidadãos e, em particular, prestam um importante serviço à comunidade na área da reabilitação de crianças portadores de deficiência, incumbindo ao Governo reconhecer e valorizar estas instituições, apoiando-as de forma mais activa, e encontrando formas de financiamento diversificadas.
Quer isto dizer que os acordos atípicos a celebrar com estas instituições devem ter cada vez mais um maior suporte financeiro por parte do Governo.
É fundamental que se encontrem formas de integração dos deficientes na vida activa, para que não aconteça o que, muitas vezes, é uma realidade dolorosa nestas instituições, ou seja, o não encontrar saída para os jovens que são educados e formados nestas cooperativas e que têm que prolongar a sua permanência nestes estabelecimentos por falta de saídas profissionais. Também aqui, é necessário uma conjugação de esforços e encontrar formas de discriminação positiva mais atractivas para as entidades que admitam ao seu serviço cidadãos portadores de deficiência. Esperamos que o Governo dê resposta atempada a estas e outras questões sobre as instituições.
Sr. Presidente, Srs, Deputados, Sr. Secretário de Estado, a proposta de lei que visa estender os direitos, deveres e benefícios fiscais às cooperativas de solidariedade social é insuficiente e tardia mas, mais do que isso, o que se exige ao Governo é que cumpra os compromissos assumidos e publique legislação própria sobre isenções fiscais a todo, o sector cooperativo, como a isso está obrigado pelo Código Cooperativo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, estamos; nesta Câmara, perante uma proposta de lei em que se pretende que as cooperativas de solidariedade social que prossigam os objectivos previstos nos estatutos das IPSS sejam a estas equiparadas, aplicando-se-lhe o mesmo estatuto de direitos, deveres e benefícios, designadamente os fiscais.
A solidariedade social é uma questão política mas é uma questão suprapartidária. Não é monopólio de, ninguém. É uma responsabilidade social partilhada com a sociedade organizada, cabendo ao Estado, para além de uma função supletiva, reconhecer e estimular as entidades e as associações que prosseguem objectivos e acções de solidariedade social.
Ao falar de solidariedade social, não podemos deixar de fazer uma referência modesta para o grande papel que exercem as IPSS e as CERCI. As IPSS, incluindo as misericórdias, têm demonstrado uma presença actuante na acção e na promoção social, têm demonstrado uma capacidade de organização e de evolução face às novas e crescentes necessidades sociais.
As CERCI, originariamente, eram cooperativas de educação especial, tendo evoluído e alargado os seus objectivos à medida que as crianças deficientes foram crescendo e, assim, passaram a intervir também nas áreas da reabilitação e do trabalho protegido.
A par de associações de e para deficientes, que são IPSS; muito tem sido feito mas igualmente muito falta fazer neste domínio. No terreno, ambas, quer estas associações quer as CERCI, fazem solidariedade, social o melhor que podem e o melhor sabem.
O estímulo e o incentivo às entidades que prosseguem fins de solidariedade social cabe ao Estado, devendo tratar por igual quem presta o mesmo serviço - para as mesmas acções, os mesmos benefícios. Que as CERCI sejam equiparadas às IPSS, aplicando-se-lhe o mesmo estatuto de direitos, deveres e benefícios, designadamente fiscais, estamos completamente de acordo. No entanto, foi aqui informado pelo Sr. Secretário de Estado que se encontra ainda em definição o estatuto do que vão ser as cooperativas de solidariedade social. Pergunto: pelo prin-

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cípio da reversibilidade, que caminho é aberto às IPSS em termos dos benefícios de que auferem as cooperativas?
Por tudo isto e porque ainda não está claro para o meu grupo parlamentar qual vai ser o figurino das cooperativas de solidariedade social, temos de expressar a necessidade de, sobre esta matéria, haver mais esclarecimentos, pelo que consideramos que devia aguardar-se a definição do que vai ser o estatuto das cooperativas de solidariedade social para que esta proposta de lei pudesse, claramente e com transparência, ser votada nesta Câmara.
Não sei se será possível assumirmos aqui o compromisso de acelerar, dentro do que diz o Regimento, o processo legislativo e penso também que esta proposta de lei só poderá entrar em vigor no próximo Orçamento do Estado, pelo que teremos ainda algum tempo para, como serenidade e com as informações todas, podermos todos reflectir melhor sobre esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Lobão.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, esta Assembleia aprovou, recentemente e por unanimidade, um novo Código Cooperativo. Foi, então, esse o momento em que os Deputados das várias bancadas tiveram oportunidade de analisar e discutir os problemas sentidos pelo movimento cooperativo, tendo por base os projectos de lei então apresentados.
Dessa lei, que constitui hoje o novo Código Cooperativo, é justo realçar a eliminação de todas as discriminações que prejudicam o funcionamento das cooperativas. Com efeito, a partir de agora, são "aplicáveis às cooperativas, com as adaptações inerentes às especificidades resultantes do disposto no Código e legislação complementar, as normas que regulam e garantem o exercício de quaisquer actividades desenvolvidas por empresas privadas ou por outras entidades da mesma natureza, bem como por quaisquer outras pessoas colectivas de direito privado sem fins lucrativos". É o caso em apreço.
Importa recordar que a publicação do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, eliminou do novo Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, as cooperativas de solidariedade social, retirando-lhes o acesso a alguns benefícios, com o pretexto de que o Decreto-Lei n.º 454/80, Código Cooperativo, entretanto. publicado resolveria a situação destas organizações. A verdade é que não resolveu e hoje as, instituições particulares de solidariedade social gozam de um conjunto mais extenso de benefícios fiscais que aqueles que são aplicáveis às cooperativas de solidariedade social. É esta discriminação, a que hoje estão sujeitas as cooperativas de solidariedade social, que o Governo, com a proposta de lei n.º 70/VII pretende eliminar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, são inúmeras as cooperativas de solidariedade social que hoje, por todo o País, desenvolvem actividades previstas nos Estatutos das Instituições Particulares de Solidariedade Social, ao nível do apoio a crianças e a jovens, no apoio à velhice e à invalidez, na educação e formação profissional dos cidadãos e na resolução dos problemas habitacionais. A par das instituições privadas de solidariedade social, das misericórdias e das mutualidades portuguesas, as cooperativas constituem um parceiro importante do Estado no campo da solidariedade social. Algumas delas gerem mesmo equipamentos cedidos pelas autarquias locais e também têm acordos de cooperação celebrados com o Estado para o funcionamento dos seus equipamentos sociais.
Podemos dizer, com rigor, que não é possível distinguir o trabalho de voluntariado desenvolvido por uma instituição particular de solidariedade social ou misericórdia e aquele que as cooperativas desenvolvem neste campo da solidariedade.
Esta proposta de lei surge, aliás, num momento em que o Ministério da Solidariedade Social, com o apoio das instituições particulares de solidariedade social, as misericórdias e as autarquias, se propõe legislar sobre o voluntariado social. Tal iniciativa, inserida no âmbito do Pacto de Cooperação para a Solidariedade - um momento histórico, sublinhe-se - merece do Grupo Parlamentar do Partido Socialista uma palavra de apreço, já que está em causa a valorização daqueles que gratuitamente e de livre vontade desenvolvem trabalho de apoio social.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, desde 1975, por todo o País, constituíram-se inúmeras cooperativas de solidariedade social, nomeadamente para desenvolver trabalho na área de apoio à deficiência. Por todo o País, são muitos os deficientes que, de uma forma ou de outra, beneficiam das respostas que as CERCI vêm encontrando, destinadas a proteger os cidadãos deficientes. É, pois, justo e necessário que estas organizações encontrem também da parte do Estado a compreensão, a colaboração e o empenho nesse trabalho.
O Governo da nova maioria, com a presente proposta de lei, para além de permitir de modo expresso a aplicação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, dá provas do seu elevado sentido de solidariedade, reconhecendo deste modo o importante papel que as cooperativas de solidariedade social desempenham e podem vir a desempenhar. Passarão assim, e muito justamente, as cooperativas de solidariedade social a beneficiar de certos direitos de que, até ao momento, estavam excluídas, embora fiquem também sujeitas a um conjunto de deveres inerentes à actividade desenvolvida.
São estas as razões que levam o Grupo Parlamentar do Partido Socialista a dar apoio expresso a esta iniciativa do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Gostaria de lembrar, em primeiro lugar, que entre os benefícios fiscais, que agora se pretende, através desta proposta de lei, estender às cooperativas de solidariedade social, se encontra a isenção do IVA na aquisição de certos bens e serviços, que foi uma luta do Partido Popular, desde logo, no Orçamento do Estado para 1996 e lembro-me que, na altura, o Sr. Ministro me disse ser impossível. Tendo depois insistido, em sede de comissão, o Sr. Ministro voltou a dizer o mesmo:
Assim, congratulamo-nos muito que, em 1997, isso passe a ser possível, lamentando apenas que, então, nesse momento, não se tivesse pensado na situação das cooperativas.
Houve, portanto - pelo menos, eu testemunhei -, uma resistência do Governo a este benefício fiscal, que agora

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parece não apenas ser perfeitamente pacífico para as IPSS como até possivelmente extensível a outras entidades.
Gostaria de deixar claro que, não sabendo bem o que é uma cooperativa de solidariedade social, penso imediatamente nas CERCI, cuja actividade conheço bem, considerando mesmo que é, talvez, dos mais duros e mais pesados trabalhos na área da acção social, os quais são, muitas vezes, desconhecidos e incompreendidos.
Mas não é isso que está em causa, como também não está em causa o facto de o Estado ter aqui um papel importante na concessão de facilidades, porque aquilo que Estado faz com as IPSS e com estas cooperativas é, no fundo, uma parceria, reconhecendo-os, tal como o Sr. Secretário de Estado disse, como agentes idóneos para a acção social e transferindo para eles responsabilidades que, em bom rigor, são até, em sede de lei fundamental, do Estado. Portanto, nada mais claro, nada mais evidente do quê a necessidade de lhes criar condições.
Agora, a dúvida da minha bancada é a seguinte: se o estatuto das cooperativas de solidariedade social não está ainda definido; se, tal como penso, existe um grupo de trabalho para esse efeito; se a aprovação desta proposta de lei não vai ter qualquer eficácia até ao próximo orçamento, em função da lei travão, e dado que não gostaríamos de entravar este processo, pelo que, na dúvida, estaremos ao lado das cooperativas de solidariedade social, gostaria de, perguntar ao Sr. Secretário de Estado se concorda comigo em que a eficácia desta proposta de lei não é imediata.
Uma vez aprovada esta proposta, ela só se verificará no próximo orçamento; há um grupo de trabalho, em sede do Ministério, para definir o estatuto e se houver daqui um comprometimento a priori de todo o nosso empenhamento de facilitarmos todo o processo, uma vez clarificada a questão do estatuto e quando ele chegar a esta Câmara, não seria mais razoável aprovar esta proposta de lei só então, na medida em que por bem podemos estar a mal haver?
Aliás, sendo a cooperativa de solidariedade social ainda uma figura pouco clara e podendo, eventualmente, por arrastamento, ser extensível a outras realidades, penso que seria talvez mais prudente proceder deste modo, visto que não estamos a lesá-las, porque só no ano de 1998 poderão vir a beneficiar desta extensão.
Gostaria, pois, de deixar esta posição, que não é, como disse, para entravar algo que consideramos justo, uma vez que em duas discussões de orçamentos sucessivos nos batemos por esta medida, mas isto parece-nos talvez mais consentâneo com a situação actual, que é ainda de pouca clarificação em relação ao estatuto destas entidades.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada pediu um esclarecimento que talvez a Mesa possa dar. A lei travão só trava os Deputados e não o Governo, em termos de encargos financeiros.
Se acha que apesar disso tenho ainda que pedir ao Sr. Secretário de Estado que lhe complemente o esclarecimento, terei muito gosto.

Risos.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Então, nessas circunstâncias, considero que...

O Sr. Presidente: - Não existe obstáculo à vossa aprovação.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Exactamente, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão da proposta de lei n.º 72/VII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de benefícios fiscais no quadro de constituição e actividade da Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo aqui vos traz é necessária para viabilizar a grande reforma do sistema ferroviário em Portugal, a qual tem uma urgência e uma necessidade que são por demais evidentes.
O sistema ferroviário nacional continua a funcionar na base da mesma filosofia que foi consagrada pela Lei n.º 2008, de 7 de Setembro de 1945, há 52 anos. A maior parte dos portugueses não eram sequer nascidos na altura em que se instalou, como regime legal, a filosofia ainda hoje dominante no sistema ferroviário.
A Lei de Bases dos Transportes (Lei n.º 10/90, de 17 de Março) alterou alguma coisa, sobretudo no sentido de dispor que o financiamento das infra-estruturas de longa duração competisse ao Estado, como actividade de apoio à infra-estrutura e não apenas ao transporte, tendo, portanto, separado esse aspecto. Mas a filosofia da gestão, o comportamento, a situação empresarial perante os mercados, a concorrência rodoviária, que foi libertada em 1945 mas que a empresa não teve em devida conta, levaram à deterioração sistemática do regime de exploração da quota do caminho de ferro nós transportes nacionais.
Sucede que; por toda a Europa, está a realizar-se uma profunda reforma, que vai exactamente no mesmo sentido desta, a qual se faz, porventura, atempadamente, sem qualquer atraso relativamente ao que se passa na Europa.
A sua ideia de base é muito simples e é aquela que está sendo instalada em todos os países europeus: convém separar a gestão das infra-estruturas, concebidas como uma rede integrada nacional, que deve ser posta ao serviço dos transportadores privados, públicos, mistos - os que forem.
Assim, convém abrir o sistema de transportes não apenas à eficácia e à noção da competitividade, temperada sempre pela noção de serviço público essencial, quando for caso disso, mas convém não impedir que se forneça a qualquer utilizador a possibilidade de ter um bom serviço, um serviço económico, eficiente, de qualidade, um serviço também socialmente útil pelo seu conteúdo de superioridade ecológica relativamente ao transporte rodoviário.
A política deste Governo é a de acentuar, o mais que puder, a prioridade à ferrovia, como transporte do futuro, desde que se organize essa actividade nos termos do que deve ser a actividade empresarial do século XXI, nos termos do que deve ser a função do Estado, reguladora e também acauteladora do serviço público universal, nos termos de suscitar iniciativas, onde as houver, para que os transportes se façam ao melhor custo, ao melhor nível de qualidade e à melhor garantia, no fundo, de prestação de um serviço universal.
Será sempre necessário fazer com que o serviço ferroviário, sobretudo o de transportes suburbanos, se preste em

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moldes tais que haverá sempre necessidade de indemnizações compensatórias, em função da utilidade social do serviço prestado. Será sempre necessário coordenar, de uma maneira muito segura, o acesso à via, parte do sistema ferroviário nacional, mas activo, nacional e aberto à iniciativa dos portugueses. Será sempre necessário assegurar a intermodalidade no transporte suburbano, tão desprezado.
Gastaram-se dezenas de milhões de contos na linha de Sintra. Onde é que estão o interfaces? Onde estão os estacionamentos? Neste ano de 1997 vão gastar-se 150 milhões de contos na modernização dos caminhos de ferro e até ao ano de 2000 serão gastos 550 milhões de contos. E tudo isto para manter a filosofia majestática e ineficaz da gestão do caminho de ferro do ano de 1945? Não!
Nestas condições, o que estamos a fazer é assegurar que o sistema ferroviário tenha o seu lugar no sistema de transportes do futuro, seja competitivo, preste serviços aos portugueses nas suas deslocações, na sua mobilidade de casa para o trabalho e do trabalho para casa, entre cidades, entre os portos e a Europa, prestando um serviço em todos os campos, seja o das mercadorias, dos transportes suburbanos, do transporte regional, do transporte intercidades, de grande qualidade e de grande eficácia.
Confiamos plenamente na capacidade dos nossos especialistas, dos nossos trabalhadores. Que não seja o Estado a proteger, através de legislação completamente desadequada, o sossego de alguns em prejuízo de todos, começando pelos trabalhadores e pelos técnicos qualificados, que os temos, muitos e bons, no sistema ferroviário.
Tudo isto será feito com garantia absoluta de manutenção dos direitos adquiridos dos trabalhadores, de total respeito pelas regalias que eles tenham, de total respeito pelo direito ao trabalho que eles têm. Não haverá despedimentos - compromisso formal do Governo -, mas não haverá também complacência perante feudos, inacções e actividades passivas num mundo cada mais agressivo e que agride os portugueses, em primeiro lugar.
Nestas condições, quero pedir, em nome do Governo, a aprovação desta proposta de lei, porque ela se torna essencial para que a reforma se faça bem e depressa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, antes de começar a minha intervenção, gostaria de fazer uma interpelação à Mesa, se é que a figura regimental é ainda possível.

O Sr. Presidente: - Claro que é, Sr. Deputado!

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, quero perguntar-lhe se a Mesa tem alguma indicação de elementos complementares sobre a criação da REFER, fornecidos eventualmente pelo Governo, para além daqueles que constam da proposta de lei que vamos discutir.

O Sr. Presidente: - Não tenho ideia, Sr. Deputado, o que não quer dizer que não possam existir. Como sabe, a democracia, às vezes, tem as suas ditaduras e vivemos sujeitos a elas.
Não tenho a menor ideia de qualquer elemento complementar desta proposta de lei, mas talvez o Governo possa esclarecer, caso exista; de contrário, não vale a pena.

Pausa.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A presente proposta de lei, de iniciativa do Governo, pretende atribuir benefícios fiscais no acto da constituição e no quadro da actividade do que chama a empresa pública REFER - Rede Ferroviária Nacional.
Mas o que é esta empresa pública ou o que é que o Governo nos diz sobre o que será esta empresa pública?
De ciência certa - e porque o diz o preâmbulo da proposta de lei que estamos a discutir -, sabemos que a REFER, E.P. terá como "objecto principal a prestação do serviço público de gestão das infra-estruturas ferroviárias". Dito assim, desta forma simplista, isto que pode ser tudo mas também pode não ser nada.
Contudo, se dermos crédito às "informações" que, com alguma frequência, o Governo tem deixado cair na comunicação social sobre esta matéria, em vez de informados ficamos numa confusão total.
Ora se diz que o Governo pretende partir a CP em duas empresas, ora se fala em três empresas, ora se fala em quatro, mais um instituto regulador. Ora se diz que os Gabinetes dos Nós Ferroviários de Lisboa e Porto serão transformados em sociedades anónimas de capitais públicos, ora se diz que passarão a empresas públicas, e vem dizer-se agora que, afinal, integrarão a dita REFER. Ora se diz que o Governo já teria aprovado - e a comunicação social refere a data de 6 de Janeiro de 1997 - o decreto-lei que cria a REFER, ora vem agora a presente proposta, com data de 6 de Fevereiro de 1997, dizer-nos que, afinal, a REFER é uma empresa pública a criar pelo Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
Para além de esta forma de veicular informação para esta Câmara não ser a mais ortodoxa - e daí o meu pedido de esclarecimento inicial -, há, neste caso, uma complicação adicional, a de que se trata da iniciativa de um ministério, o do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, onde, normalmente, cada vez que um Secretário de Estado fala e diz uma coisa o Ministro tem de vir a terreiro dizer o contrário e vice-versa.
Naturalmente que, no meio desta confusão, se perfilam já candidatos potenciais à presidência da nova empresa ou das novas empresas. Mais jobs para mais boys...
Aliás, a confirmar-se uma indicação que vem fazendo carreira - uma das que mais insistentemente vem sendo referida -, tratar-se-á de uma decisão que, para além de ir ao arrepio de normas legais em vigor, contrariará os mais elementares princípios de ética política.
Estamos em face de uma reconhecida escassez de informação, que conduz a que a aprovação da proposta, nos termos em que ela está formulada, se transforme num cheque em branco ao Governo, que o Governo não merece e que nós, PSD, não queremos passar.
Para que o nosso voto possa ser um voto esclarecido - e normalmente será, como sempre - é necessário que nos seja dada a conhecer a configuração que o Governo quer dar à REFER, enviando a esta Câmara o decreto-lei que a cria - se é que ele já existe - ou os estudos que eventualmente existam e justifiquem a sua criação e que seja esclarecido o que é que o Governo pretende fazer no que diz respeito aos direitos e obrigações de que a CP é presentemente titular. Isto porque o texto da proposta de lei que nos é presente refere a transmissão para o património da REFER dos bens da CP afectos às infra-estru-

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curas ferroviárias, mas quanto aos correlativos direitos e obrigações nada nos diz.
Gostaria também que fosse igualmente esclarecido, de uma forma cabal, quais as intenções que o Governo tem no que respeita à participação de capitais privados na REFER e em todo o conjunto do sector ferroviário nacional.
Como é sabido, nada temos contra os processos de privatização da economia nacional, que, aliás, como todos sabem, foram iniciados pelos governos do PSD, tarde, infelizmente, porque o Partido Socialista se opôs tenazmente a que esse processo pudesse ser iniciado.
Neste caso, queremos conhecer se essas intenções não configuram socialização de prejuízos e privatização de lucros. Trata-se de matéria relativamente à qual, em recentes declarações, o Secretário de Estado-Adjunto do Primeiro-Ministro, Pina Moura, afirmou, para dentro do Partido Socialista, que "muitos continuam a confundir valores de esquerda com a estatização da economia". Estas afirmações do Sr. Secretário ,de Estado Pina Moura deixam-nos muito preocupados.
O Sr. Ministro não esclareceu, na sua intervenção inicial, nenhuma das questões que acabei de levantar e que nos parecem pertinentes. Nestas condições, o Partido Social Democrata não encontra nos elementos de que dispõe os esclarecimentos que permitam uma decisão definitiva. Esperamos que as interrogações, que referimos possam ser cabal e convincentemente esclarecidas pelo Governo para, então, decidirmos o sentido do nosso voto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP) - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A forma - e dirijo-me a si, Sr. Ministro - como esta proposta de autorização legislativa é apresentada à Assembleia da República, constitui, na opinião do meu grupo parlamentar, uma inaceitável menorização desta Câmara e uma inaceitável forma de relacionamento com este órgão, que eu; aliás, não esperava do Ministro da tutela, pelo seu passado como Deputado e pelas suas responsabilidades no desempenho desse cargo, tanto aqui como no Parlamento Europeu.
O Governo pede-nos - e era suposto estarmos a discutir essa questão - uma autorização legislativa em matéria de benefícios fiscais no quadro da criação de uma entidade que ainda não existe, em relação à qual, como já foi aqui dito, não nos foi fornecida qualquer informação para além da que consta da exposição de motivos da proposta de lei, que ainda não tem sequer corpo legal.
Admito ,que foi ao dar conta desta dificuldade que o Sr. Ministro João Cravinho veio aqui falar-nos não da proposta mas da política ferroviária. Mas isso é outro debate, que devia ter sido agendado com esse título, porque, de facto, é isso o que está por trás desta proposta de lei e era isso o que valia a pena discutir aqui é não um processo de uma política ferroviária nova, escondida atrás de um pedido de autorização legislativa, para legislar em matéria de imposto de sisa e mais uns impostos para uma entidade que ainda não está criada mas que vai ser criada.
Esta é a questão e, de facto, estamos com dificuldade de intervir no debate, a não ser que o conduzamos para os mesmos terrenos que o Sr. Ministro se sentiu na necessidade de conduzi-lo, porque, obviamente, outra questão não poderia ser.
Portanto, a primeira questão, Sr. Ministro, é a seguinte: não será útil suspender esta ordem de trabalhos e marcarmos um debate sobre a política ferroviária a partir do qual esta Assembleia saiba o que é que está a discutir e o que é que o Governo vem aqui pedir?
Seguramente que o Sr. Ministro é capaz de estar de acordo com esta ideia, porque, de facto, o que o Governo vem propor-nos, a coberto deste pedido de autorização legislativa, é que demos o aval e o voto favorável à operação em curso, em nossa opinião errada, de desmembramento da CP é de criação de condições para a privatização na área da exploração das linhas. A questão que está em cima da mesa é esta.
O Sr. Ministro veio aqui reafirmar á paixão pelo caminho de ferro, que o Governo enunciou entre as suas várias paixões durante a campanha eleitoral. Mas como tudo o que é paixão e não é amor esquece-se depressa...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Mas é intenso!

O Orador: - Pois, mas é pequeno e só ocorreu em determinados momentos, neste caso no momento eleitoral. Depois passou!
Na verdade, é uma paixão que se traduz, de facto, no prosseguimento e no aprofundamento da política do PSD, que, aliás, o Sr. Deputado Falcão e Cunha ilustrou com a ideia da socialização dos prejuízos e da privatização dos lucros. Foi exactamente isso o que o PSD fez, é exactamente isso o que o PS está a prolongar.
Mas, Sr. Ministro, permita-me dizer que a actual operação do Governo é, porventura, ainda mais grave do que a operação do PSD. O PSD criou, salvo erro, 14 pequenas empresas, no quadro das quais foi retirando áreas de intervenção da CP. Portanto, esse processo de há 30 anos do Sr. Primeiro-Ministro já passou, porque, entretanto, houve o plano de modernização ferroviária dos governos do PSD, que deram o resultado que deram. Era um plano que visava a modernização da rede ferroviária em Portugal e o relançamento do caminho de ferro, que se traduziu num agravamento exponencial do défice da CP, no encerramento de linhas e de estações, na degradação do serviço prestado pela CP.
E de tal modo é assim que hoje assistimos a uma situação que não deve ter paralelo na Europa e que é a de vermos a própria CP a pôr um anúncio a comunicar o défice dá empresa, a dizer "nós temos um défice", o que é uma coisa estranhíssima e só acontece neste país. Mas todos sabemos o que isto representa, todos sabemos que tudo isto está a cobrir a justificação que o Governo quer vir dar aos portugueses para, como muito bem disse o Sr. Deputado Falcão e Cunha, socializar os prejuízos e privatizar os lucros.
É isso o que, no fundamental, temos aqui pela frente, neste pequenino pedido de autorização legislativa em matéria de benefícios fiscais para a criação da REFER, uma empresa que não existe mas para a qual já se está a pensar em benefícios fiscais. Mas, Sr. Ministro, era isso que era preciso fazer primeiro, Sr. Ministro!
Aliás, nada obriga a este processo, nem sequer uma gestão moderna; o Sr. Ministro concordará comigo que, no quadro de empresas, públicas, é possível fazer a gestão moderna e não me diga que "empresa pública", "Estado", é igual a uma gestão ineficaz. Mesmo no âmbito da Co-

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munidade Europeia nada obriga a este desmembramento, ao contrário do que, por vezes, tem sido insinuado explicitamente, porque a directiva da Comunidade neste aspecto o que escreve é que a separação orgânica da CP entre rede e serviços é facultativa. O que é obrigatório é a existência de uma separação contabilística dentro da empresa entre os vários serviços.
Ora, isso pode e deve ser feito, em nossa opinião, no quadro da modernização da CP e no quadro de uma política ferroviária que tenha em conta os interesses específicos de Portugal, o isolamento progressivo que existe de várias zonas do território, que cada vez estão mais isoladas devido à política de encerramento de linhas - o Alentejo é um caso típico, mas outros haverá - e, portanto, nada obriga a que esta questão se coloque.
Aliás, Sr. Ministro, acho que devíamos partir para este debate fazendo uma reflexão sobre o que foram o plano de modernização ferroviário do governo anterior e os seus resultados para, à luz disso, analisarmos, então, esta nova política ferroviária do Governo.
Sr. Presidente, no fundo é isto o que está em causa, era isto que devia estar em debate e não um pedido de autorização legislativa para darmos isenção de sisa a uma entidade a constituir, que ninguém sabe bem o que é, sendo tal é a dificuldade em explicá-la que o Sr. Ministro, quando interveio inicialmente, falou na política ferroviária, falou em tudo menos naquilo para o que fomos aqui chamados.
É esta a questão, é este o nosso protesto em relação a esta forma de trabalhar e é esta a nossa posição sobre a matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado colocou à Mesa o problema de saber se não seria conveniente suspender a discussão da proposta de lei n.º 72/VII. Essa medida não cabe, como sabe, na competência da Mesa e só por dois caminhos se pode chegar lá: por um consenso que seja contrário ao que houve para o agendamento para o dia de hoje desta matéria ou através de um requerimento a pedir a sua baixa à comissão sem prévia votação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ora bem, essa é uma boa solução.

O Sr. Presidente: - De qualquer modo, como calcula, a Mesa depende da iniciativa dos Srs. Deputados.
O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território pede a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, é para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Lino de Carvalho e outro ao Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, que me acusa de vir aqui explicar política ferroviária, ao Sr. Deputado Falcão e Cunha, que me acusa de não explicar política ferroviária nem de querer falar disso - devemos estar, de facto, perante casos de incomunicabilidade relativa dentro das bancadas - quero dizer, começando pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, que esta autorização legislativa vem da forma constitucional, respeita rigorosamente os preceitos constitucionais e nesse sentido foi admitida pelo Sr. Presidente.
Esta proposta de lei vem em previsão de uma entidade que está neste momento a ser lançada, tendo sido já aprovado um decreto-lei em Conselho de Ministros que vai estar em promulgação na Presidência da República, em previsão de um futuro de tal maneira conhecido e próximo que lhe pergunto: o Sr. Deputado, que tem votado leis do Orçamento do Estado em que se pedem autorizações legislativas deste teor, às vezes às dezenas, em previsão de futuros muito mais incertos, alguma vez pediu o adiamento da votação do Orçamento do Estado? Não consta.
Sr. Deputado Falcão e Cunha, disse "diz-se...". Gostaria que explicasse à Câmara quem disse o quê a quem.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lino de Carvalho já não dispõe de tempo, mas a Mesa concede-lhe 2 minutos para responder. Tem a palavra.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Vou ser muito rápido, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, às questões colocadas pelo Sr. Ministro João Cravinho digo "não", isto é, mesmo quando no Orçamento do Estado constam alguns pedidos de autorização legislativa, o mínimo que pedimos e existe no debate são documentos adicionais.
Mas a questão não é essa. Sr. Ministro, aqui para nós, que ninguém nos ouve,...

Risos.

... pergunto-lhe: se, em vez de estar na bancada do Governo, estivesse na bancada do PS, como esteve alguns anos - não tenho aqui os Diários da Assembleia da República respectivos -, que tipo de intervenção faria perante uma questão dessas?
O Sr. Ministro não acha - e faço apelo à sua consciência parlamentar e democrática - que, no mínimo, o Governo deveria ter feito acompanhar este pedido de autorização legislativa de uma informação adicional sobre a entidade que vai criar e as condições em que ela se insere na política ferroviária? Aliás, indo de encontro ao que o Sr. Ministro disse no início, independentemente de estarmos em acordo ou desacordo, não crê que, no mínimo, o Governo deveria ter pedido à comissão parlamentar competente para reunir antes da apresentação desta proposta de leia Plenário - os pedidos de autorização legislativa não descem às comissões parlamentares a não ser nos casos em que tal seja expressamente pedido - para aprofundar uma matéria estratégica para o País, que é o futuro da ferrovia e da política ferroviária? É esta a questão, Sr. Ministro, e não outra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Falcão e Cunha, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Para dar ao Sr. Ministro o esclarecimento que acabou de me pedir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, a minha resposta é muito simples.

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O Sr. Ministro acabou de nos dizer que existe um decreto-lei que cria a REFER, E.P. Respondo à sua pergunta com outra: não seria no mínimo razoável que, à documentação que o Governo nos submete, tivesse juntado uma cópia desse decreto-lei, de modo a percebermos o que é a REFER, E.P. e como é que ela vai funcionar? É que esta foi uma das perguntas que lhe fiz.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tema palavra o Sr. Deputado Manuel Varges.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O processo de restruturação e modernização do sector ferroviário português, presentemente em curso, que colhe o nosso total apoio e é uma acção que cabe inteiramente nas competências do Governo, conduzirá, em nosso entender, basicamente, à cisão da actual CP em três entidades, conforme foi aqui explicado: uma empresa gestora das infra-estruturas, uma empresa transportadora e um instituto regulador do sector.
A criação da empresa gestora das infra-estruturas REFER, E.P. - foi, como já se afirmou, aprovada, em Conselho de Ministros, e este fê-lo, naturalmente, no âmbito dás suas competências. O Governo solicita agora à Assembleia da República uma autorização legislativa para, no que toca à constituição e à futura actividade da REFER, E.P., estabelecer determinados benefícios em matéria fiscal. É isso que estamos aqui a apreciar.
Os benefícios que se pretendem estabelecer, e para os quais o Governo vem pedir a competente autorização legislativa desta Assembleia, são: por um lado, a isenção de imposto do selo e do imposto municipal de sisa incidentes sobre aquisições de bens que se destinem a integrar o respectivo património; por outro, a isenção até finais de 1999 de imposto do selo sobre quaisquer actos,
contratos e operações de que seja sujeito passivo ou destinatária a REFER, E.P., designadamente aberturas de crédito, confissões ou constituições de dívida, fianças, hipotecas e operações financeiras. É isto que estamos a discutir
e que o Governo vem solicitar a esta Assembleia.
As razões para tal pretensão são, em nosso entender, essencialmente as seguintes.
Em primeiro lugar, para cumprir a exigência legal da constituição do capital social da REFER, E.P., são transferidos para o património desta a universalidade dos bens, direitos e obrigações hoje na titularidade do Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, do Gabinete do Nó Ferroviário do Porto, do Gabinete de Gestão de Obras de Instalação do Caminho de Ferro na Ponte sobre o Rio Tejo e das infra-estruturas ferroviárias da CP-Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.
Pretende-se, pois, que estas transferências patrimoniais entre duas entidades públicas sejam consideradas assimiláveis a cisões e a fusões envolvendo empresas públicas e/ou sociedades de capitais exclusivamente públicos no âmbito de processos de privatização e que venham, portanto, a gozar de isenção de sisa relativamente às transmissões de bens imóveis e de isenção de imposto de selo em relação aos actos e contratos, documentos e papéis exigidos por aquelas operações.
Em segundo lugar, todo um conjunto de actos e diligências a que hoje procedem os acima referidos Gabinetes, que, com a sua extinção, se fusionarão na REFER, E.P. - com particular relevância para as expropriações -, está presentemente coberto pelas isenções fiscais aplicáveis ao Estado e passaria a estar sujeito a tributação pelo simples facto de que, a ser efectuado, por uma empresa pública, inviabilizaria, se não fosse concedida esta autorização, a reconversão que se pretende operar, onerando, em nosso entender injustamente, uma mera operação de reorganização dos sectores administrativo e empresarial do Estado, da qual todos esperamos efeitos benéficos futuros para o interesse público e o desenvolvimento do País.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, a CP beneficia, durante o prazo de concessão, da isenção completa de quaisquer impostos ou, contribuições do Estado ou das autarquias locais, tanto gerais como especiais, com excepção do imposto ferroviário. Ora, sendo a REFER, E.P., tal como está aprovada, resultante de uma cisão da CP, na parte referente a património, infra-estruturas, funções, direitos e obrigações, estamos inteiramente de acordo em que esta nova entidade deva continuar a beneficiar da isenção de que hoje goza a CP, na parte que lhe for aplicável.
Por último, os investimentos em infra-estruturas ferroviárias, come é sabido, são da conta do Estado, por isso beneficiam das isenções fiscais a este aplicáveis em todas as operações.
Consideramos, pois, que a REFER, E.P., quando se substitui ao Estado nestas mesmas operações - basicamente as de natureza financeira -, deverá também beneficiar de isenções fiscais, tanto mais que os patrimónios se manterão no domínio público e reverterão sempre integralmente para o Estado se e quando a concessão da REFER, E.P. vier a ser resgatada e as suas obrigações de serviço público passarem na sua totalidade a ser de novo desempenhadas directamente pelo Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: E, contudo, se o Governo aparecesse aqui a propor integrar numa nova Rodoviária Nacional, a quem tivesse sido recentemente concedido um exclusivo de transportes, todas as estruturas da Junta Autónoma de Estradas e da BRISA, nós, Deputados, cairíamos da cadeira abaixo!

O Sr. Henrique Neto (PS): - Exactamente!

O Orador: - E perguntaríamos: mas o que é isto?!
Ora, o que acontece é exactamente o contrário. O Governo aparece aqui, num rasgo de lucidez, que não sei de onde lhe veio,...

Risos do PS.

... a dizer finalmente que as estruturas que custam fortunas fabulosas ao País não podem ter utilizações monopolistas, têm de ter utilizações diversificadas e intensivas.
Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, para isto tem a nossa total concordância. Mas o Sr. Ministro disse mais, disse aquilo que já sabíamos, ou seja, que o País se prepara para fazer investimentos de centenas de milhões de contos num modo de transporte que é a ferrovia. E o Sr. Ministro referiu mesmo a ausência de interfaces na ferrovia. Todos sabe-

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mos até que ponto isso contribuiu para pôr fora do mercado do transporte de mercadorias a ferrovia, com todos os custos que isso tem no que toca ao desgaste da rodovia e aos engarrafamentos a que todos os dias assistimos na beira de todas as nossas grandes cidades, e que, se nada se fizer, irão acabar por meter este país num "funil" sem solução.
Isto leva-me a concluir que o Sr. Ministro tem na sua cabeça, no seu pensamento, a ideia de que este problema dos transportes é intermodal e não faz sentido falar no investimento de umas centenas de milhões de contos em ferrovia se não formos capazes de articular o sistema de transportes com o desenvolvimento económico, nomeadamente com a localização dos pólos de produção e com a origem o destino não só dos passageiros mas também dos materiais a transportar. Esta articulação torna necessária, também e principalmente, a integração da via marítima no transporte do país, não só por razões de segurança externa, que as últimas greves na Europa mostraram até que ponto são fundamentais, mas também por razões de descongestionamento do território.
Sr. Ministro, são problemas demais para que sejam postos a esta Assembleia com a simplicidade desta proposta de lei. Não entendo que isso seja razão para votar contra, mas é razão para lhe perguntar algo que condicionará o nosso voto: perante a dimensão deste problema e a ausência manifesta, que se tem verificado em Portugal, de pensamento sobre a coordenação dos transportes entre si, ou destes com a produção e com o planeamento urbano, o Sr. Ministro aceita ou não, imediatamente após esta proposta de lei ser aprovada, promover e vir à Assembleia, à comissão especializada competente para o efeito, para discutirmos seriamente um problema que é de várias gerações, de vários governos e que tem a maior gravidade para o futuro de Portugal?
Se o Sr. Ministro aceita isso, penso que estamos em condições de votar favoravelmente esta proposta de lei. E digo-o por uma razão: porque esta proposta de lei, em si, não é nada. É, no fundo, o Estado conceder a si próprio algo que já tem, mudando apenas a forma de dispor as pedras no tabuleiro de xadrez. Mas esta proposta de lei pode ser o passo inicial para algo que tarda neste país e que é preciso fazer.
Sr. Ministro; quero fazer-lhe outra pergunta. Entendo perfeitamente a separação entre a função "transporte" e a função "construção de infra-estruturas". Já percebo um pouco menos o que pretende com o tal instituto dos transportes. Mas se esse instituto tiver a função, que penso ser fundamental, urgente e condicionante da nossa presença na CPLP, de ser o instrumento de cooperação com os países de língua portuguesa na área do transporte ferroviário, nos quais, não tenho dúvida absolutamente alguma, o transporte ferroviário, até para evitar os erros da Europa, será o transporte do futuro, ele é bem-vindo. Agora, se é para ser algo mais, para, em vez de nos permitir ver o conjunto dos modos de transporte, nos querer centrar num único transporte, então acabe com ele antes mesmo de pensar em criá-lo, porque seria mais uma tragédia a juntar a todas as que nos têm afligido.
Sr. Ministro, só faz sentido aprovar e, principalmente, pôr em pé esta empresa, a REFER, E.P., se percebermos em profundidade que, qualquer que seja a dificuldade, todos os portugueses vão poder passar a utilizar, não sei de que maneira, inventando novas maneiras, a 100% uma infra-estrutura que nos custa uma fortuna e que é, na maior parte do país, utilizada poucos minutos por dia, o que é uma ruína sem solução. Mas se pudermos abrir a ferrovia mediante um planeamento apurado e perfeito a vários tipos de veículos que as próprias empresas possam ter e que a iniciativa privada possa criar, na pequena circulação entre cidades e entre localidades, se dermos lugar à imaginação para explorar aquilo que nos custa uma fortuna, então, vale a pena, Sr. Ministro, e dou-lhe os meus parabéns por nos apresentar esta proposta de lei. Mas, como digo, o nosso voto favorável está condicionado às duas questões que referi: o debate e a abertura completa da ferrovia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que estamos na hora regimental das votações, vamos interromper por momentos o debate desta proposta de lei.
Vamos começar com a leitura de uma mensagem de S. Ex ª o Presidente da República à Assembleia. É do seguinte teor:
"Como é do conhecimento de V. Ex.ª, a minha deslocação a Luanda, prevista para o período de l8 a 26 do passado mês de Março, foi adiada para data não determinada, pelo que não foi utilizado a assentimento requerido a coberto da carta dirigida a V. Ex.ª, em 12 de Março de 1997.
Estando agora prevista a minha deslocação à República de Angola no período compreendido entre os próximos dias 8 e 13 do corrente mês de Abril, a convite do Presidente José Eduardo dos Santos, para estar presente na cerimónia de posse do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional daquele país, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República."
Sobre esta mensagem, incidiu um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, cuja parte conclusiva é do seguinte teor: "A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos precisos termos em que é requerido".
Srs. Deputados, vamos proceder à respectiva votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Já agora, informo a Assembleia que recebi, eu próprio, na qualidade de Presidente da Assembleia da República, idêntico convite e que tenciono deslocar-me a Angola, entre os dias 9 e 11 do corrente, no mesmo transporte em que viajará o Sr. Presidente da República. O Regimento não me impõe que peça autorização à Assembleia, mas, em todo o caso, está implícita nesta minha comunicação qualquer coisa parecida com essa.
Srs. Deputados, vamos agora votar o parecer apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre a adopção do processo de urgência para a apreciação da proposta de lei n.º 76/VII - Antecipação da idade de acesso à pensão de velhice para a bordadeira de casa e para os trabalhadores de fábrica do sector do bordado (ALRM).
Trata-se somente de votar a urgência da apreciação da proposta de lei.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que torne mais claro o que vamos votar.

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O Sr. Presidente: - Como é óbvio, vamos votar o parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, no sentido de que deve ser conferida a urgência, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, o parecer diz exactamente o contrário, ou seja, é da opinião de que não deve ser concedida a urgência.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já pedi aos serviços que me fizessem chegar o parecer.

Pausa.

Afinal, o parecer, contra. a minha expectativa, é no seguinte sentido: «A Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 286.º do Regimento da Assembleia da República, considera não existir fundamento para a adopção do processo de urgência da proposta de lei n.º 76/VII, tanto mais que, a admitir-se o mesmo processo, ficaria prejudicada a discussão pública do diploma e estão em causa matérias cuja especial relevância e natureza justificam plenamente essa discussão.
A Comissão propõe ainda a remessa do presente parecer a Plenário para que o mesmo se pronuncie sobre a urgência, de acordo com o disposto no n.º 3 do citado artigo 286.º».
Salvo erro, os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira já se pronunciaram sobre esta matéria, pelo que este argumento do parecer desaparece. Contudo, ele não é único, pois aí também se diz que "(...) tanto mais que, a admitir-se (...)". Portanto, há outras razões e não apenas esta;
Posto isto, e conhecendo agora os Srs. Deputados o teor do parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre a adopção do processo de urgência para a apreciação da proposta de lei n.º 76/VII, parecer esse que é de sentido negativo, vamos passar à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PSD e abstenções do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, só para informar a Mesa e a Câmara que o Partido Popular irá apresentar uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos agora votar um, requerimento, apresentado pelo CDS-PP, no sentido de que o projecto de lei n.º 70/VII - Cheque de Ensino (CDS-PP) baixe à Comissão de Educação. Ciência e Cultura, sem votação na generalidade, para efeito de nova apreciação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de resolução n.º 38/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da mesma Convenção.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Nuno Abecasis e de alguns Deputados do PS.

Srs. Deputados, foi-me chamada a atenção para o facto de já estarmos em condições de votar a proposta de lei n.º 70/VII, que acabámos de discutir. Na realidade, como a discussão acabou antes da hora regimental das votações, nada há, que impeça que a votemos desde já.
Vamos, portanto, votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 70/VII - Estende às Cooperativas de Solidariedade Social os direitos, deveres e benefícios das Instituições Particulares de Solidariedade Social.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Para informar a Mesa de que os Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira farão entrega de uma declaração de voto relativamente à proposta de resolução n.º 38/VII.

O Sr. Presidente: - Devia tê-lo dito na altura, Sr. Deputado. De qualquer modo, fica registado.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, para dizer que, em relação ao último diploma votado, a nossa bancada apresentará uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta proposta de lei baixa à 8 e Comissão.
O Sr. Secretário vai dar conta de dois pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que serão votados após a respectiva leitura. .

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do 2.º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca do Porto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Silvio Rui Cervan (CDS-PP) aprestar depoimento, na qualidade de testemunha, no processo n.º 372/96, que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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4 DE ABRIL DE 1997 1991

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do 3.º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca do Porto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Afonso Lobão (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no processo n.º 138/96, que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora prosseguir a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 72/VII.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Relativamente ao debate em curso, peço que compreendam o meu desabafo de que, às vezes, não se pode ser cura numa freguesia destas, ou seja, é difícil ser cura na freguesia da governação do País. É que numa altura em que, julgava, deveríamos estar nesta Câmara a discutir as oportunidades de Portugal antecipar muitas das modernizações já evidentes na Europa e no mundo; numa altura em que, pensava, deveríamos discutir profundamente quais os modelos de transporte integrados, que não são só de transporte ferroviário mas também de transporte intermodal, com barcos rápidos, com as novas vias de comunicação, tão essenciais para o desafio da competitividade dos países no próximo século; numa altura em que, julgava, o verdadeiro desafio enfrentado pelo País seria essa discussão da modernidade, devendo, mais do que seguir apenas os exemplos que vêm da Europa, encontrar forma de, em alguns casos e em algumas áreas, antecipar aquilo que os europeus não fizeram, num esforço de modernidade, nesse mesmo momento, quando o Governo se limita a vir aqui apresentar uma proposta, simples, para pôr em prática algumas coisas - e, recentemente, já o disse nesta Câmara - existentes em muitas partes do mundo, procurando meramente tornar mais eficazes, menos caros e mais competitivos os sistemas de transporte a cargo do Governo, nomeadamente o transporte ferroviário...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me interrompê-lo, mas há ruído a mais na sala e, embora o Sr. Deputado tenha uma voz bastante audível, não é tão fácil quanto isso ouvi-la.
Srs. Deputados, agradeço que deixem de conversar dois a dois, pois não é razoável que o façam dentro da Sala.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Como dizia, neste momento, dois partidos da oposição, o PSD e o PCP, em vez de discutirem a questão de fundo, de modernização do País e de resposta aos desafios muito sérios que se colocam a esse nível, em vez de terem ideias e de discutirem a essência das questões, vêm com problemas formais, o que só revela ou esconde a falta de ideias e de propostas.
E é interessante salientar que são os mesmos partidos que nos meios de comunicação dizem que o Governo não governa, quando o Governo apresenta - e vem aqui defender propostas de modernização e de alteração das estruturas - neste caso, das estruturas dos transportes - no país, que, agora, procuram -, esperemos que não o consigam - inviabilizar que o Governo governe.
E fazem-no quase sempre da mesma maneira e com a mesma incapacidade para compreender os tempos que vivemos - aliás, o Sr. Deputado Nuno Abecasis já o referiu. É que ninguém põe a questão de as empresas rodoviárias terem de ser donas das auto-estradas, ou de as empresas marítimas serem donas do mar. Esses problemas não se põem porque são hábitos adquiridos. Ou seja, aquilo que preocupa os partidos da oposição são os seus hábitos adquiridos, é a sua incapacidade de alterar e a tendência para estar permanentemente contra toda e qualquer mexida, alteração, transformação, enfim, contra tudo o que é progresso, defendendo antes as situações estabelecidas.
E, no caso do PSD, é sintomático que coloque sempre o mesmo problema: os "jobs for the boys"! É que, no fundo, aquilo que interessa ao PSD é a defesa continuada e sistemática dos " jobs" que continuam a ter no aparelho
de Estado em larga maioria.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O facto de o PSD vir aqui sistematicamente abordar este problema é a revelação mais do que evidente de que está preocupado não com o problema da modernização ou do progresso do País mas com a defesa das suas posições adquiridas, ao longo de 10 anos, no aparelho de Estado.
Por outro lado, o PCP continua a falar de desmembramento. Sr. Deputado Lino de Carvalho, desmembramento implica que as empresas não sejam integradas verticalmente, que as infra-estruturas ferroviárias possam ter uma maior utilização, durante muito mais horas, por empresas diversas, que concorram entre si e que ofereçam um melhor serviço aos utentes. Os senhores estão contra isso?!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é nada disso!

O Orador: - Já aqui estiveram da outra vez e estão aqui novamente... Assim, não defendem os trabalhadores, nem os consumidores, nem os utentes do sistema ferroviário.

Aplausos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é nada disso! Sabe que não é!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Neto, vou fazer-lhe uma pergunta muito rápida.
V. Ex.ª reage à proposta de lei do Governo por fé,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exacto!

O Orador: - ... ou seja, acredita naquilo que o Governo diz e vota favoravelmente. Nós, pelo nosso lado, votamos face à documentação que nos foi apresentada e essa não é suficiente para votar.
Quanto aos "jobs for the boys", gostava de dizer-lhe que o actual presidente da CP, que tomou posse, se a

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memória não me falha, em 1996, também é um "boy" e também foi ocupar um "job".

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Ora essa!

O Orador: - Mas nós não estamos preocupados com isso! O que eu disse foi outra coisa: é que nos jornais ,tem vindo escrito que para esta empresa irá alguém, cuja nomeação, disse e repito, á concretizar-se, vai ser feita ao arrepio das leis vigentes - se for verdade - e vai contra a ética política nesta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Falcão e Cunha, o Sr. Deputado falou de fé, mas, tanto quanto sei, a única fé existente em Portugal, nos últimos anos, foi a do seu partido no Professor Cavaco Silva! E era uma fé cega!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E deu mau resultado!

O Orador: - E deu mau resultado, como disse o meu colega.
Por outro lado, disse-nos. V. Ex.ª "se for verdade". Bom, na altura própria, poderá certificar-se sé é ou não verdade. E não é muito curial abordarmos nesta Câmara assuntos que não sabemos - neste caso. V. Ex.ª - se correspondem ou não à verdade.
Relativamente à ética, é evidente que o Partido Socialista não recebe sobre isso quaisquer lições do vosso partido, por razões que o país inteiro conhece e, melhor do que ninguém, esta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Neto, o Sr. Deputado importa-se de entregar às bancadas, particularmente à do PCP, os elementos de informação de que dispõe, que, porventura, resultaram da última reunião de articulação entre o PS e o Governo?... É que nós não os temos! E, se não os temos, não devemos intervir no debate em condições que sustentem a proposta de autorização legislativa que veio aqui para discussão. Se é para intervir no debate, como, aliás, o Sr. Ministro interveio e eu também tive obrigação de intervir, sobre a política ferroviária, então, o Sr. Deputado Henrique. Neto seguramente está de acordo com a tese, que nós já aqui expusemos, de que isto dá cobertura a um processo de desmantelamento dos caminhos de ferro portugueses e de privatização das linhas, num quadro de progressiva perda de qualidade das nossas linhas ferroviárias.
A minha questão é esta, Sr. Deputado Henrique Neto: não está preocupado com isto? Não acha que, primeiro, se deveria ter feito aqui o balanço da política do plano. de modernização ferroviária do Governo anterior e, em função disso, fazer-se esta discussão da política ferroviária e só depois disso tratar estes problemas da REFER e dos benefícios fiscais? Não acha que esse era o caminho certo, Sr. Deputado? É essa a questão que estamos aqui a discutir.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não acha, porque quer a privatização da Linha do Oeste!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, por princípio, sou sempre a favor de todos os debates e, portanto, neste caso, quantos mais debates houver e puder haver melhor. Estamos todos de acordo sobre isso.
O que falta ao vosso partido e a V. Ex.ª é credibilidade para falarem sobre isso porque sistematicamente são contra, sem levantar quaisquer questões essenciais. Eu podia respeitar a sua posição se V. Ex.ª, hoje, tivesse feito aqui um conjunto de perguntas sobre temas que considerasse relevantes nesta matéria, para que o Governo, eventualmente, pudesse responder. Mas não foi isso que VV. Ex.as fizeram! VV. Ex.ª, como sempre, tentaram obstaculizar o debate desta questão e sempre com a mesma preocupação, ou seja, de que nada mude.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território. Dispõe de mais 2 minutos que lhe foram cedidos pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Grupo Parlamentar de Os Verdes ter-me dado 2 minutos, prova de que conhece bem que o sistema ferroviário e a reforma que nos propomos fazer é, de facto, um progresso notável em termos de defesa dos valores ambientais.
Em remate, gostaria de salientar, em primeiro lugar, a intervenção do Sr. Deputado Nuno Abecasis, dizendo-lhe o seguinte: é com o maior gosto e satisfação que os membros do Governo, deste Ministério irão à comissão parlamentar respectiva discutir, tão longamente e em tantas sessões quantas as que forem entendidas convenientes, a política ferroviária, a política de intermodalidade, de que fazemos o centro da nossa acção, a política marítimo-portuária e a política de mobilidade, nos diversos escalões em que o problema se põe, tanto mobilidade de pessoas como de mercadorias.
Portanto, agradeço-lhe muito a sua sugestão e quero dizer-lhe que será, com o maior gosto que, em qualquer momento que a Comissão entenda conveniente, todos nós estaremos à disposição dela para prestar todos os esclarecimentos.
Em segundo lugar, gostaria também de dizer-lhe, porque pôs a questão muito precisamente quanto aos problemas de cooperação, que este Ministério já vem tendo, precisamente em, matéria ferroviária, mas não só, uma política de cooperação com países de expressão portuguesa, com especial acento em Moçambique, onde se têm deslocado diversas missões, designadamente uma presidida pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto, que teve a acompanhá-lo um grupo muito numeroso de empresários altamente qualificados, de que resultou, nomeadamente, um

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acordo entre a EMEF, a Portos de Moçambique e a GECALSTHOM.
Também a FERNAVE e os STCP têm programas de cooperação. Está ali o Sr. Deputado Carlos Brito, Presidente dos STCP, que animou essa política de cooperação. Este instituto de que falamos é o Instituto Regulador da Ferrovia.
Mas os problemas de cooperação, como o Sr. Deputado Nuno Abecasis muito bem observou, são mais vastos e o que queremos é levar, tanto quanto possível, esta experiência de intermodalidade, de conjugação e de coordenação dos diversos modos de transporte para os países de expressão portuguesa, oferecendo-lhes não os conceitos de há 20 ou 30 anos mas, sim, os próprios conceitos que estamos a querer aplicar. Queria dar-lhe esta garantia.
Srs. Deputados Henrique Neto e Manuel Varges, creio que interpretaram bem o espírito, a letra e o sentido desta proposta nas suas várias dimensões.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho queixa-se da articulação. Ora, eu queria também fazer-lhe um convite: articule-se connosco. Estou à sua inteira disposição para me articular consigo e com o seu grupo parlamentar. Marque uma hora. Já uma vez numa reunião de debate geral... Fiz vários debates sobre esta questão. Isto é uma questão incógnita!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Queremos é que nos forneça os documentos!

O Orador: - Fiz vários debates sobre este tema! Com os documentos!
Uma vez, com a Federação dos Sindicatos Ferroviários, por razões de agenda - ela queria fazer disso um problema político -, ficou marcada uma reunião às 7 horas da manhã, para grande espanto dos ferroviários, que se levantam cedo, apesar de tudo.
Portanto, Sr. Deputado, das 6 às 24 horas, articule-se connosco! Quanto às outras seis horas de intervalo, se fizer uma proposta, mesmo assim aceitá-la-emos.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho perguntou se as empresas públicas não podem ser eficientes. Mas o que propomos é uma empresa pública, e confiamos nela! Se o Sr. Deputado nos pergunta isso, tenho de lhe dizer que é um homem de pouca fé! É um homem totalmente desnorteado! Já não acredita nas empresas públicas! Já quer que elas, de facto, não funcionem! Mas quero dizer-lhe que esta vai funcionar. O Sr. Deputado é capaz da querer impedir que tal aconteça, mas não vai conseguir, garanto-lhe eu.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Outra para a privatização!

O Orador: - Se ela funcionar, o senhor vai ficar muito triste! Vai ficar muito triste, garanto-lhe eu!
Sr. Deputado Falcão e Cunha, então V. Ex.ª pergunta-me se nesta empresa pública, na REFER E.P., vai entrar capital privado? Tenho a impressão de que esse é assunto a discutir ali com o Sr. Deputado Lino de Carvalho, mas não com o Governo, porque é ilegal e impossível.
Finalmente, em relação aos esclarecimentos que quer ter, devo dizer-lhe o seguinte: o Sr. Deputado conhece esta matéria muitíssimo bem, ela está documentadíssima. Sabe que é uma reforma dificílima, que é uma reforma inadiável, que é uma reforma essencial e sabe também que o PSD falhou redondamente. Preocupa-o agora que possamos ter êxito. Sr. Deputado Falcão e Cunha, não lhe assaco responsabilidades, digo, simplesmente, que todo o País sabe que a reforma, esta mesmo que propomos, tem de ser feita.
Portanto, estamos à disposição de todo o Parlamento, dos Deputados da comissão especializada, para fazer os inúmeros debates que são necessários para acertar uma política nacional de mobilidade, racional e, eficaz, que, efectivamente, passe à prática, como até agora nunca foi feito. É uma das grandes reformas nacionais. Fá-la-emos.
Parece que o problema de alguns Srs. Deputados é que estão a vê-la a caminhar. Nomeadamente, disseram-me assim: "não se meta por aí, porque as greves não lhe vão sequer deixar passar do primeiro projecto". Pois bem, já aguentei uma greve, que nada tinha a ver com isto razoável... -, uma pseudogreve...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Ministro ainda não reparou que não está na concertação social, está na Assembleia da República!

O Orador: - Estou aqui a dizer-lhe o seguinte: os trabalhadores da CP foram os primeiros a saber que esta reforma é condição absolutamente essencial à salvaguarda dos seus postos de trabalho, e é por isso que esta reforma vai ser feita porque tem o apoio da grande maioria dos trabalhadores da CP.

Aplausos do PS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Então, não ponha o carro à frente dos bois!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, permita-me só que, muito rapidamente, diga ainda o seguinte: como há pouco disse ao Sr. Deputado Nuno Abecasis, mas é evidente que é para toda a Assembleia, o Sr. Deputado Octávio Teixeira, se quiser, pode participar nas reuniões que certamente a Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente organizará e verá que esta reforma tem por base, de facto, estudos sérios, propostas concretas e que estarão à disposição de todos os parlamentares.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, não lhe perguntei se ia privatizar uma empresa pública. O senhor vai privatizar empresas públicas, acabou de nos anunciar que vai privatizar a ANA, EP...
A ANA não é uma empresa pública?!

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Não terá capitais privados!

O Orador: - Então, explique-me, Sr. Ministro: qual é a lógica?
O senhor não pode criar hoje uma empresa pública ferroviária e daqui por meio ano ou um ano transformá-la numa sociedade de capitais públicos e abri-la ao capital privado.

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Mas a pergunta que eu fiz não foi essa, Sr. Ministro. O que eu quero é ser esclarecido das intenções do Governo no que respeita à participação de capitais privados na REFER, EP e em todo o conjunto do sector ferroviário. Foi isto que eu li e foi isto que eu disse, Sr. Ministro! Usemos as palavras sem termos medo delas. Não me "atire poeira para os olhos", porque as empresas públicas não podem, obviamente, vender o capital em Bolsa, mas são privatizáveis. Nós privatizámos algumas, e o Sr. Ministro vai privatizar a ANA, segundo o que nos tem afirmado.
Agora, diga-nos se. é ou não lógica a pergunta, que fiz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro não dispõe de tempo para responder, mas a Mesa concede-lhe o necessário para o efeito.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Não quero que paire qualquer dúvida sobre este assunto.
Sr. Deputado Falcão e Cunha, o Governo não tem a intenção de privatizar a gestão da rede de infra-estruturas nacionais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Só de infra-estruturas?!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É a exploração de infra-estruturas de serviços!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 72/VII.
Vamos dar início à discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 224/VII - Núcleos de acompanhamento médico ao toxicodependente (PSD).
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos temos a consciência de que o problema da toxicodependência tem vindo a assumir progressivamente proporções alarmantes nos nossos estabelecimentos prisionais e de que não se conhece uma estratégia de actuação coerente para o combater de forma eficaz. Nos últimos anos, o número de consumidores de droga, de toxicodependentes, entre os detidos não tem cessado de aumentar, estimando-se em cerca de 70% aqueles que à entrada da prisão manifestam comportamentos de dependência ou de consumo. Esta situação decorre sobretudo da existência na comunidade prisional de um elevado número de indivíduos condenados por ilícitos criminais directa ou indirectamente relacionados com os estupefacientes e as substâncias psicotrópicas. O nosso sistema prisional, já de si assoberbado com os problemas gritantes da sobrelotação, vê-se assim confrontado, e de forma aumentada, com todos os componentes deste flagelo da sociedade portuguesa, isto é, o tráfico, a distribuição, o consumo e ainda os riscos decorrentes da sua utilização abusiva.
Ninguém ignora que estas condições sociais de vivência e promiscuidade numa comunidade pequena e superlotada, onde não apenas se tem acesso a todo o tipo de drogas mas também se partilham seringas, são determinantes para a fácil propagação das doenças infecto-contagiosas, nomeadamente a SIDA, a hepatite B e a tuberculose. Ninguém ignora também a prevalência e a expansão assustadora, neste meio, das drogas duras, designadamente a heroína, e que muitos jovens se iniciam no seu consumo enquanto cumprem penas por delitos menores.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estes graves problemas de saúde pública apanharam desprevenido o nosso sistema prisional. Os serviços clínicos nele existentes não estavam preparados para responder a estas situações e os actuais programas de intervenção disponíveis nesta área têm sido incipientes, face à grandeza deste fenómeno.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A realidade é que muitas das pessoas que entram no sistema e que são toxicodependentes saem com o mesmo problema, e em relação à SIDA e à hepatite B há mais seropositivos à saída das nossas cadeias.
É hoje também inegável que a crescente taxa de reincidência por práticas reiteradas de crimes relacionados com a toxicodependência resulta da circunstância de os cidadãos, enquanto privados da sua liberdade, não disporem de meios para modificarem os seus comportamentos e desenvolverem uma educação sanitária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim sendo, torna-se imperioso a adopção de medidas que, tendo em conta a dimensão do fenómeno, as características e a necessidade da população reclusa, permitam superar este flagelo. O Partido Social Democrata, embora reconhecendo , a importância das acções de natureza essencialmente preventivas, da necessidade de adopção de critérios especiais de distribuição deste tipo de detidos e de iniciativas para a melhoria do funcionamento dos estabelecimentos, entende dever propor, como medida prioritária e urgente, a criação de um serviço de saúde específico, capaz de prestar gratuitamente apoio especializado a estes reclusos com problemas de consumo de drogas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: À excepção da privacidade da sua liberdade, o toxicodependente mantém a titularidade de um conjunto de direitos fundamentais, de que se destaca o direito à saúde. Este projecto de lei, agora apresentado, pelo PSD, pretende tão-s6 dar corpo a esse direito inalienável, assegurando-lhes assim as mesmas alternativas de tratamento e com a qualidade equivalente à que teriam em meio livre, com o objectivo de melhor prepararem a sua reinserção na vida activa, depois de cumpridas as suas dívidas para com a sociedade.
As unidades de acompanhamento médico propostas na presente iniciativa legislativa devem inscrever-se na diversificação dos cuidados globais de saúde a prestar aos indivíduos privados da sua liberdade e dispor dos meios suficientes por forma a assegurar uma assistência continuada e permanente à população toxicodependente. Importa desenvolver-lhes uma actividade preventiva e curativa, coordenar os projectos de tratamento adequados a cada caso e proceder à articulação com os serviços correspondentes do Ministério da Saúde e eventualmente com organizações não governamentais no sentido de garantirem o acompanhamento continuado dos reclusos e ex-reclusos toxicodependentes.
Outro aspecto que relevamos nesta iniciativa legislativa é a possibilidade de a instituição, como suporte terapêutico, ter programas de substituição, desde que assumidos volun-

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tariamente pelo doente. É conhecido o relativo sucesso que a utilização das drogas de substituição têm tido em situações mais problemáticas de dependência da heroína nos sistemas penitenciários de alguns países. Com efeito, a experiência demonstra que nesses estabelecimentos os indivíduos submetidos a este modelo de tratamento têm uma vida mais estruturada e conseguem uma melhor integração social, sendo possível manter a sua população mais estável em relação à dinâmica do seu funcionamento.
Acresce, ainda, que estes projectos terapêuticos, ao possibilitarem uma intervenção continuada do profissional de saúde, permitem prevenir a deterioração progressiva da saúde e controlar os seus comportamentos de risco.
Esta aproximação pragmática do problema, não sendo a solução ideal, resulta da ideia de que não é realista esperar que, num ambiente hostil, os consumidores de heroína desistam, num curto espaço de tempo, do seu consumo e adiram facilmente a qualquer outro programa de recuperação.
Por último, queremos realçar que o projecto de diploma em apreço, embora tendo como objectivo principal propor medidas concretas no âmbito do efectivo tratamento daqueles que, pelas circunstâncias mais diversas, se tornaram dependentes da droga, poderá ainda contribuir para diminuir a sua circulação no interior dos estabelecimentos e controlar a propagação das doenças transmissíveis, vertentes importantes do mesmo fenómeno.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A abordagem da problemática da toxicodependência em meio prisional exige de todos uma postura firme e de grande pragmatismo.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se não formos capazes de encontrar um conjunto de soluções que permitam, com eficácia, não só combater o tráfico como prevenir e tratar os toxicodependentes nestes meios fechados e controlados, estamos a pôr em causa toda a política que no nosso país se vem seguindo no combate à droga. Da nossa parte, não ficaremos de braços cruzados perante este problema que todos sabemos que existe e é dramático.
Quem fez da droga nas prisões motivo de campanha eleitoral não poderá, em nome da coerência, deixar de apoiar esta nossa iniciativa; aqueles que afirmavam que não havia uma política para a toxicodependência e que tudo estava mal têm agora a oportunidade de apresentarem as suas propostas concretas.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Propostas que garantam, de facto, o direito à saúde nas prisões e que reforcem a prevenção do consumo e do tráfico de droga nesse meio.
Sendo esta uma questão que diz respeito a todos, é portanto legítimo esperar de todos um debate sério, sem qualquer exploração de natureza política ou ideológica, na procura das melhores soluções para responder com realismo a tão magno problema.
Estamos na fonte da lei. É uma proposta legislativa que apresentamos, é um conjunto de princípios normativos. O tratamento de substituição e a recuperação dos reclusos são o seu conteúdo útil, principal e necessário.
A lei sobrepõe-se aos protocolos, aos acordos administrativos ao entendimento entre ministérios.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A lei é a vontade da comunidade politicamente organizada. Em nome de quem sofre que esta seja a vontade unânime desta Câmara; em nome da segurança nas prisões, pela recuperação dos cidadãos reclusos e da sua plena reintegração na sociedade a que têm o direito de pertencer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Moleiro.

O Sr. Agostinho Moleiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, o Partido Socialista reitera a sua confiança nas boas intenções dos Deputados do PSD que, neste momento, estão a preocupar-se com a problemática da toxicodependência nas prisões.
Reafirmamos também a posição de sempre do Partido Socialista: a toxicodependência é um problema de todos os portugueses e, como tal, de todos os seus representantes, independentemente dos partidos que aqui representam.
Apesar do mérito desta iniciativa legislativa, temos sérias dúvidas sobre se ela vai contribuir para a solução dos problemas do dia-a-dia da saúde dos toxicodependentes em sistema prisional. Afinal, Sr. Deputado, o que são os núcleos de acompanhamento médico ao toxicodependente? Será que são um serviço vertical, um serviço que atravessa o Serviço Nacional de Saúde, um serviço unidisciplinar, dirigido apenas aos profissionais médicos? Será que os Srs. Deputados querem um serviço dirigido, unicamente, à problemática localizada do toxicodependente recluso?
O protocolo recentemente celebrado entre os Ministérios da Justiça e da Saúde é um bom exemplo do sistema harmonioso e globalizante que apoiamos, um serviço com o envolvimento de todos os grupos profissionais e serviços. Afinal, o que são os vossos núcleos, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos?

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Moleiro, muito obrigado pelas questões que me colocou. Pareceu-me ter bastantes dúvidas acerca da forma como se deve enfrentar a problemática da droga nas prisões, mas essa não era a perspectiva do Partido Socialista em campanha eleitoral e no seu programa eleitoral. Dizia então que não havia qualquer política, que era necessário desenvolver estruturas específicas para o tratamento da toxicodependência em meio prisional e que o dinheiro gasto com a reclusão podia ser melhor aproveitado. Portanto, pensava que essas questões e dúvidas, de saber se os núcleos são ou não transversais e em que plano se situam em relação ao Serviço Nacional de Saúde, não se punham, pelo menos para V. Ex.ª!
Os núcleos de acompanhamento médico ao toxicodependente constituem uma estrutura especializada para, de facto, dar uma resposta global e apresentar a possibilidade de todos os toxicodependentes em meio prisional poderem ter condições assistenciais de qualidade equivalente às que existem para os toxicodependentes em meio livre.
O Sr. Deputado entenderá que, se calhar, não havia necessidade de o Serviço Nacional de Saúde criar os SPTT,

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mas eles existem! Existe um serviço autónomo a tratar de toxicodependentes.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Estamos a querer inserir este serviço especializado dentro e na esfera dos cuidados de saúde a prestar ao recluso. Tendo enclausurado - permita-me dizer isto - a nata dos heroinómanos num determinado local, por que não avançar com estruturas especializadas nesse mesmo local, atendendo à dimensão do estabelecimento, com certeza, por que não avançar, dizia, para promover os tratamentos adequados, nomeadamente o tratamento de substituição? Portanto, não entendo as questões que coloca, Sr. Deputado.
Fala-me ainda do acordo, mas esse acordo, como referi há pouco, é um mero conjunto de intenções que vinculam dois ministérios e que não tem a força da lei.
VV. Ex.as, que disseram que não havia lei nem uma política, têm, hoje, a oportunidade de, com as vossas opiniões - estamos abertos a isso, este projecto não é um projecto acabado -, dar corpo a uma necessidade premente que a sociedade exige.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, o projecto de lei que o Partido Social Democrata apresenta contém boas intenções, mas, permita-me que lhe diga, julgo que as soluções são pouco ambiciosas. Contém boas intenções, porque pretende combater uma situação que me parece que a todos deve envergonhar. Afirmo mesmo que o consumo de droga dentro dos estabelecimentos prisionais configura e reflecte a impotência do Estado no combate ao narcotráfico. E se não temos capacidade para combater o tráfico dentro das cadeias como poderemos combatê-lo cá fora?! Esta é a questão fundamental!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, se a droga continuar a passear-se nas cadeias, como temos verificado, sabendo nós que mais de 70% dos reclusos são toxicodependentes e alguns passam a sê-lo, depois de terem entrado nos estabelecimentos prisionais, acredita que, mantendo o acesso dos reclusos à droga, vai conseguir que, por livre iniciativa, por vontade própria, eles adiram ao programa de tratamento e de reabilitação, com o que, confesso, o meu grupo parlamentar e eu próprio temos muitas dúvidas?
Por outro lado, Sr. Deputado, quero colocar-lhe uma segunda questão, que tem a ver com o próprio tratamento e com a eficácia da proposta apresentada pelo Partido Social Democrata.
Pensamos que é urgente, que é imperativo estabelecer um relacionamento e definir as regras de relacionamento entre os estabelecimentos prisionais e as unidades de tratamento e reabilitação dos toxicodependentes, mas a fórmula apresentada pelo Partido Social Democrata oferece-nos algumas dúvidas. É que não podemos confundir o tratamento de um toxicodependente com o tratamento de uma constipação, a toxicodependência não se trata com Aspirina. O tratamento da toxicodependência é mais ou menos eficaz conforme é mais ou menos estreito o acompanhamento e a ligação entre o terapeuta e o toxicodependente. E poderá acontecer - acontecerá, seguramente - que o período de tratamento não coincida com o período de detenção, pelo que se pode perguntar: irá o toxicodependente mudar de terapeuta? Irá o toxicodependente mudar de instituição onde recebe o tratamento? Esta é uma questão de eficácia que gostava de ver respondida objectivamente, porque, sendo certo que é pertinente, sendo certo que o Partido Social Democrata suscita uma questão que deve merecer a nossa maior atenção, penso que, em termos de eficácia, a solução apresentada tem algumas limitações, porque, como disse há pouco, é difícil determinar o período necessário para a reabilitação do toxicodependente. E, por isso, pergunto: quando esse período não coincide com o período de detenção, para onde vai o toxicodependente? Para que estabelecimento vai? Muda de terapeuta? É que se muda de estabelecimento, com certeza, vamos prejudicar a eficácia desse tratamento.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tema palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, ouvi-o atentamente e verifiquei que os pressupostos que V. Ex.ª enuncia são precisamente aqueles que enunciei na minha intervenção.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - As intenções são boas, faltam soluções!

O Orador: - Não são intenções, tem aqui a solução concreta! E a solução concreta, conforme já referi, é a de criar unidades nos estabelecimentos mais dimensionados, unidades concretas e especializadas que possam apoiar, coordenar programas, administrar produtos, de modo a que, depois, possamos, de facto, fazer a reintegração do recluso na sociedade.
A grande dúvida do Sr. Deputado parece-me que é a de saber, iniciando o recluso um tratamento no estabelecimento prisional e não se sabendo quanto tempo demora, qual a oportunidade que ele pode ter no exterior. Ora, ela está mencionada no nosso projecto de lei, quando refere que "Em cada estabelecimento prisional, na dependência do serviço de assistência médica, é criado um núcleo de acompanhamento médico ao toxicodependente, que funcionará em articulação com o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência". Aliás, Sr. Deputado, quando um doente é internado num hospital não fica lá até estar totalmente curado, tem alta e é orientado para o seu médico de família, para acabar o seu tratamento.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - O tratamento da toxicodependência tem especificidades muito próprias!

O Orador: - Com certeza. Mas, então, o Sr. Deputado propõe que nada se faça?!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Por amor de Deus! Não estou a dizer nada disso!

O Orador: - No fundo, a questão que está a colocar é essa!

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Há aqui uma proposta muito concreta para tratar os toxicodependentes, se, de facto, quisermos tratá-los, enquanto detidos, incluindo os programas de substituição com metadona.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - O que pressupõe protocolos entre os estabelecimentos prisionais e as instituições que estão vocacionadas para essa situação!...

O Orador: - Já respondi a isso tudo e está contido na minha intervenção!
Não há outra forma de prolongar o tratamento, tal como sucede no exemplo que lhe apresentei há pouco em relação aos hospitais, senão mediante a articulação com o SPTT, com os serviços que, no exterior, têm as mesmas funções. Não quer, com certeza, que o próprio núcleo de acompanhamento tenha uma consulta aberta para o exterior?! Naturalmente, não vai querer isso?!
Penso que esta proposta é ambiciosa, bem dimensionada e só desta forma, de uma forma realista, é que conseguimos, de facto, tratar os toxicodependentes, sobretudo os que são dependentes de heroína, que representam a maior percentagem no meio prisional.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema sobre o qual incide esta iniciativa legislativa é, reconhecidamente, um problema de extrema gravidade.
É sabido que a maioria dos reclusos nas prisões portuguesas são toxicodependentes, o que está ligado à própria causa da prisão pois, como se sabe, grande parte da criminalidade relaciona-se com problemas de toxicodependência, sendo reconhecido que o sistema prisional se debate com problemas de saúde muito graves que estão relacionados com o problema da toxicodependência nas prisões.
Portanto, é inequívoco que este problema tem de ser encarado de frente - aliás, a comissão parlamentar que se ocupa dos problemas da toxicodependência teve já oportunidade de visitar o Estabelecimento Prisional de Lisboa e de, juntamente com os seus responsáveis, tomar contacto directo com experiências existentes nesse estabelecimento, por forma a minorar os problemas de toxicodependência aí existentes.
Contudo, há que reconhecer que essa experiência - e outras que existem - é ainda uma gota de água num oceano muito grande de carências que não tocam o acompanhamento que é necessário fazer a milhares de cidadãos utilizadores de droga que estão detidos nas prisões portuguesas.
Portanto, da nossa parte, temos por hábito apreciai as iniciativas legislativas pelo que elas contêm, independentemente das discordâncias que tenhamos sobre outras matérias relativamente a quem as apresenta.
Na verdade, lamentámos durante muitos anos, nesta Assembleia, a circunstância de o PSD ter votado contra iniciativas legislativas meritórias pelo facto de elas serem apresentadas por partidos da oposição. De facto, nós não orientamos a nossa actividade parlamentar por esse princípio e apreciamos as iniciativas legislativas, venham elas de onde vierem, pelo seu mérito.
Assim, relativamente a esta iniciativa legislativa, podemos dizer que ela coloca um problema que reconhecemos relevante e daí que, na generalidade, apreciemos este projecto de lei favoravelmente e não nos oporemos à sua aprovação para discussão na especialidade.
Por outro lado, não somos sensíveis a uma argumentação do tipo de que não vale a pena aprovar iniciativas legislativas na Assembleia da República, porque isso está constante do programa de Governo ou porque o ministério a fez um protocolo com o ministério b. É muito útil que o façam, mas os protocolos entre ministérios não são fontes de direito como não o é o programa de Governo, embora deva ser cumprido, pelo que é importante que a Assembleia da República sobre problemas importantes aprove leis e possa pedir contas ao Executivo pelo cumprimento das leis que aqui são aprovadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Até porque importa salientar o seguinte: relativamente a esta matéria, a revisão da lei da droga, que se realizou não há muito tempo nesta Assembleia da República, apontou para a responsabilização dos serviços prisionais no acompanhamento aos toxicodependentes reclusos - aliás, essa foi uma benfeitoria muito útil introduzida na última revisão da lei da droga -, estabelecendo o princípio de que os reclusos com problemas de toxicodependência devem ser acompanhados e que essa responsabilidade compete aos serviços prisionais, em articulação com o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência.
Foi também estabelecido um protocolo entre os Ministérios da Justiça e da Saúde que não vai muito mais além, na medida em que estabelece que "será elaborado um programa coerente para a prevenção, tratamento, desintoxicação, acompanhamento e reinserção social de detidos toxicodependentes com cooperação do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, através dos centros de atendimento de toxicodependentes nas áreas geográficas em que se integram os estabelecimentos prisionais". Bom, isto não adianta muito mais, na medida em que não está estabelecido sob que princípios se pautará o tal "programa coerente" que é necessário fazer.
Agora, é evidente que o projecto de lei apresentado pelo PSD merece alguns reparos, na especialidade, sobre questões para as quais me parece importante, desde já, chamar a atenção.
Primeira questão: não temos uma posição fixista relativamente à forma orgânica, isto é, se deve ser ou não através de um núcleo de acompanhamento médico em cada estabelecimento prisional. Admitimos que sim, mas essa é uma questão cuja solução a adoptar é algo sobre a qual valerá a pena ouvir as pessoas que intervêm no meio e que conhecem estes problemas. Portanto, na especialidade poderá ser apurado com maior rigor qual a melhor forma orgânica de conceber estas soluções de acompanhamento.
A segunda questão refere-se à missão a atribuir ao núcleo de acompanhamento médico ao toxicodependente. Parece-nos também que essa missão, tal como é concebida no artigo 2.º, é demasiado taxativa, na medida em que atribui como missão do núcleo de acompanhamento a recuperação dos toxicodependentes. É que a recuperação de toxicodependentes não é algo que possa ser assegurado, exclusivamente, através de um núcleo de acompanhamen-

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to médico dentro do sistema prisional. A recuperação de toxicodependentes vai ter de se fazer cá fora, vai ter de ser provada na prática. Portanto, parece demasiado lata a missão estabelecida tão taxativamente a estes núcleos de acompanhamento médico, pelo que será importante procurar encontrar uma formulação talvez um pouco mais rigorosa relativamente a esta matéria.
Há uma terceira objecção que gostaria, desde já, de colocar e que tem a ver com o direito ao tratamento de substituição. Não temos qualquer dúvida de que o cidadão toxicodependente tem direito ao tratamento, e ao tratamento gratuito; quanto à forma desse tratamento, parece-nos que isso é uma opção clínica. Portanto, será talvez demasiado taxativo dizer que o toxicodependente recluso tem direito a tratamento de substituição. Isto é, terá, se houver uma decisão clínica nesse sentido, ou não terá, se a decisão clínica for outra. Creio que, também aqui, a formulação escolhida pelo partido proponente está demasiado taxativa e valeria a pena também precisar esta questão.
Daí que nos parece que este projecto de lei justifica que lhe sejam introduzidos melhoramentos durante a discussão na especialidade, mas esta é uma matéria que, pela sua gravidade, justifica que a Assembleia da República se pronuncie sobre ela, faça um debate aprofundado porque é uma questão sobre a qual vale a pena que esta Assembleia da República aprove um diploma legislativo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, começo por uma constatação desencantada: estamos a discutir um problema sério, um problema importante e um problema grave para o País, que todos os dias faz as primeiras páginas dos jornais e aberturas de telejornais, e constato que não somos acompanhados nesta preocupação - numa sociedade tão mediática - pelos nossos jornalistas. Lamento isso!
Esta é uma das partes do problema que temos, mas, dentro das prisões, temos um outro problema mais grave. E começo agora a minha intervenção por enquadrara realidade prisional de hoje dentro daquilo que existe, que são 50 estabelecimentos prisionais em Portugal, dos quais 13 são centrais, que são os maiores; três, especiais; 29, regionais; e ainda cinco cadeias de apoio. É este o universo que temos. Depois, temos uma evolução muito preocupante em relação ao número de reclusos: em 1974, havia em Portugal 2519; em 1997, no dia I de Março, havia 14052. É um salto brutal que deve levar-nos a pensar, com muita preocupação, em toda esta evolução. É evidente que isto não tem só a ver com a toxicodependência, mas tem fundamentalmente a ver com a toxicodependência.
Depois, temos ainda outro problema: é que o sistema prisional comporta 8599 lugares e, neste momento, temos mais de 14 000 detidos, como disse, o que leva a situações de grande aperto.
Depois, lemos o problema que estamos agora aqui a debater e que tem a ver com aquilo que já foi dito pelo Sr. Deputado Bernardino de Vasconcelos: é que, destes 14 000 reclusos, estima-se que 70% deles sejam, a maior parte, seguramente, consumidores mas também, bastantes, toxicodependentes - 70% é uma grande percentagem! E, destes 14 000, 2800 são seropositivos - isto significa que 20% da população prisional é seropositiva.
Finalmente, 120 doentes já com SIDA, o que significa que nem todos estarão lá - provavelmente, terão já saído das prisões em situações terminais. Este é o quadro de fundo desta situação.
Para a resposta a isto, o que é que, neste momento, existe? A resposta existe desde 1990, à volta disso começou há seis ou sete anos - e eu tive a possibilidade de, enquanto funcionário do Gabinete de Planeamento e Combate à Droga, acompanhar o nascimento deste projecto, uma vez que ele nasceu lá e foi depois transferido, como está neste momento, para a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. O que se fez (e que não existia há seis ou sete anos) e começou do zero foi o seguinte: neste momento, temos equipas pluridisciplinares, médicos, psicólogos, etc., em nove estabelecimentos, que são os mais importantes - foram criados nos últimos anos, a maior parte deles dentro da vigência do PSD. Este universo vai ser ampliado a curto prazo com mais quatro, dentro da linha de sequência que vem de trás (quando se fala aqui de críticas ao Governo feitas pelo PS guando era oposição, quero também sublinhar que o essencial dessas críticas foi feito a uma área específica, que tinha a ver com a área da saúde e não com a da justiça, porque esta sempre funcionou bem nesta matéria, quer antes, quer agora), o que, a juntar aos nove que já havia, representa um salto com algum significado.
Temos também as chamadas Unidades Livres de Droga: foi igualmente um projecto-piloto, a partir dessa experiência que referi, que começou pela Ala G; agora já há a Ala G-2, que foi inaugurada pelo actual Ministro da Justiça; e, a abrir até ao fim deste ano de 1997, serão mais cinco - Paços de Ferreira, Leiria, Linhó, Santa Cruz do Bispo e Porto; a abrir em 1998, serão mais duas - Sintra e Pinheiro da Cruz. Penso que isto significa que há uma preocupação anterior e actual em relação a esta questão. Logicamente, os meios são limitados, mas tem-se feito bastante e vai fazer-se mais.
Em relação às comunidades terapêuticas (estou a falar de toxicodependência e situações prisionais), há duas: uma, em Lisboa, e outra, nas Caldas da Rainha, que é mais uma casa de saída do que propriamente uma comunidade, e vão abrir no próximo ano mais duas: em Sintra e Tires. Isto não é tudo, obviamente, mas representa um aumento de resposta significativo para a situação com que nos confrontamos. Não será ainda suficiente mas é aquilo que vai fazer-se, que o Governo pode fazer e, no tempo disponível até este momento, penso que demonstra um esforço sério.
Há ainda um plano de enquadramento legal, que é a questão da legislação, porque tudo isto tem de ter suporte legal, não se pode fazer as coisas só por boas intenções.
Só para vos dar uma ideia, devo dizer que isto começou em 1993, de uma forma mais séria, com um despacho do Director-Geral dos Serviços Prisionais, que definiu o plano de apoio aos reclusos com problemas de toxicodependência. Foi, portanto, o arranque oficial desta questão. No entanto, já com o actual Governo, de uma forma mais sistemática, tudo se desencadeou a partir da Resolução n.º 62/96 do Conselho de Ministros, onde foi definido o programa de acção para o sistema prisional, que estabelecia alguns protocolos relacionados com as questões interministeriais.
Já este ano se alterou a lei orgânica da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. E para quê? Para criar um lugar que não existia, que era o de subdirector-geral, relaciona-

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do com as questões de saúde, e um director de serviço da área da saúde, porque sem comandos, a este nível, as coisas também não podiam funcionar no sistema prisional.
Portanto, tudo isto foi preciso fazer e tem sido feito.
Logo a seguir, em 18 de Março (há menos de um mês), foi nomeada uma comissão para estudar a reestruturação dos serviços prisionais em termos técnicos. No dia 21 de Março, foi assinado o protocolo, que já aqui foi referido e que, daqui a pouco, irei desenvolver.
Finalmente, em 23 de Março - e isto são coisas recentíssimas -,foi publicado no Diário da República um despacho conjunto dos Ministérios da Justiça e para a Qualificação e o Emprego, em matéria de ocupação, formação profissional e emprego aos reclusos. Digamos que é a vertente da recuperação e da reinserção. Tudo isto vai ser feito com a colaboração da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, do Instituto de Reinserção Social e do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Penso que, sem nenhuma demagogia, provavelmente, nesta matéria, se a gravidade do problema é bastante considerável, o esforço do Governo anterior e do Governo actual também têm sido dignos de registo e, logicamente, muito se fez a partir do zero.
Devo dizer que fiquei mais esclarecido com a intervenção do Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos do que com os quatro artigos do projecto de lei do PSD, porque, no fundo, o que estamos aqui a discutir e temos como referência é uma folha de papel, não é mais do que isso, com quatro artigos, que nos deixam grandes perplexidades e dúvidas, porque a questão, em nosso entender, está mal explicada. Mas como estamos a analisar a partir do articulado do projecto e não propriamente do discurso dos Deputados, gostaria de fazer algumas considerações.
Em primeiro lugar, entendemos que ele é redutor, na medida em que, ao que parece, se dirige apenas a toxicodependentes e não a outras situações e outras patologias, como sejam a tuberculose, a hepatite B, etc. Parece, pois, que só tem a ver com a toxicodependência.
Em segundo lugar, tem uma série de componentes, eu diria de autocrítica, na medida em que, tendo sido o PSD a criar todas estas estruturas que hoje estão a ser implementadas (do lado da Justiça, o que eu já referi; do lado da Saúde, o SPTT e os CAT), o que teria sentido e coerência é que qualquer proposta vinda do PSD aproveitasse as estruturas que ele próprio iniciou, que têm sido reforçadas e melhoradas, para que, realmente, dessem a resposta que todos desejamos que seja dada.
Em terceiro lugar, é um projecto que poderia sair caro, porque não aproveita os dispositivos que já existem no terreno, nomeadamente do lado da Saúde, o SPTT e os CAT, e, do lado da Justiça, as estruturas que já existem nas prisões. Não é preciso inventar coisas novas, o que é preciso é reforçar o que já existe. Apresenta urna outra componente que tem uma certa debilidade técnica, porque desconhece, ou não teve em conta, a realidade disponível da resposta já existente hoje. Bem sei que o projecto foi apresentado em Outubro do ano passado, mas a diferença não é muito grande.
Finalmente, o projecto é um pouco genérico e inconclusivo. Aliás, só através da intervenção do Sr. Deputado é que percebi melhor quais eram os objectivos.
Portanto, nessa matéria, de intenções e objectivos, estamos totalmente de acordo. Sabemos onde é que queremos chegar e porquê.
Surgiram, entretanto - e aqui é que está a questão nova -, entre Outubro de 1996 e o presente, dois diplomas fundamentais: o protocolo, que foi assinado no dia 21 de Março entre o Ministro da Justiça c a Ministra da Saúde, que, independentemente do valor que tem - e também concordo com o Sr. Deputado António Filipe que uma lei vale mais do que um protocolo -, cria um plano nacional para a saúde dos estabelecimentos prisionais, que abrange os seguintes aspectos: prevenção, tratamento, desintoxicação, acompanhamento e reinserção social dos detidos toxicodependentes, com a participação não só dos CAT regionais como também com o apoio dos Ministérios para a Qualificação e o Emprego e da Solidariedade e Segurança Social.
Este protocolo revê ainda o enquadramento jurídico dos detidos inimputáveis, que é uma questão que estava a ficar esquecida; estabelece um programa de prevenção da sida, acompanhado de cuidados de saúde para os seropositivos e doentes, designadamente através da distribuição de preservativos, que é uma coisa que também já devia ter sido feito há muitos anos. Finalmente, estabelece um programa de diagnóstico, tratamento e prevenção da transmissão da tuberculose, que é hoje uma das grandes causas de doença nas prisões. Como é que isto funciona? Funciona a partir das estruturas existentes, da definição de protocolos regionais entre a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e as ARS, o que garante o acesso ao apoio farmacêutico, mais auxílios de diagnóstico, assistência ambulatória e internamento em hospitais.
Como medidas avulsas e imediatas, temos, por exemplo: a vacinação do pessoal prisional e dos detidos contra doenças infecto-contagiosas, nomeadamente a hepatite B. É, aliás, uma questão que não oferece discussão e que já devia ter sido feita, uma vez que os próprios guardas prisionais estão em causa.
Portanto, constata-se que há que aproveitar os meios existentes, através de um reforço de verbas e de recursos humanos. Porém, há aqui uma questão que é essencial, porque quando isto começou, há seis ou sete anos, a primeira coisa que se fez foi formar os guardas prisionais, porque não faziam a mínima ideia o que era um toxicodependente, sabiam o que eram presos, mas o resto não sabiam. E foi a partir daí que tudo continuou.
Finalmente, em matéria de diplomas, queria referir um despacho conjunto que saiu há dias e que foi subscrito pelos Ministros da Justiça e para a Qualificação e o Emprego, que tem a ver com a outra preocupação do projecto do PSD - e também nossa -, que é a questão da inserção social e profissional dos reclusos e ex-reclusos, o que é garantido através da ocupação, da formação profissional e do emprego dos reclusos, em acções coordenadas e desenvolvidas pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e pelo Instituto de Reinserção Social.
Portanto - e em resumo -, entendemos que, a partir, digamos, da embalagem adquirida com este debate, temos condições para melhorar e ampliar o âmbito de um diploma a elaborar conjuntamente pelos Deputados desta Assembleia. Como a preocupação é comum e não há polémicas, não há também divergências nem questões ideológicas ou partidárias, havendo apenas o propósito de criar um diploma bem feito, que seja claro, que as pessoas entendam e que seja viável.
Ora bem, como esse trabalho é mais técnico do que político, seria de toda a utilidade que ele pudesse ser feito calmamente em sede de especialidade. E aproveito a oportunidade para avançar, digamos, aquilo que pensamos ser a melhor forma de proceder e que é não fazer a votação do diploma na generalidade e depois, na especialidade, ele ser analisado como deve ser.

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Portanto, neste momento é tudo o que me ocorre dizer.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Roque Cunha e Bernardino Vasconcelos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Niza, quero lembrar que não estamos aqui a discutir a Lei Orgânica dos Serviços Prisionais. A nossa intenção é, em relação a um problema que toda a gente encara como importante - e o Sr. Deputado, no diagnóstico que fez, foi perfeitamente claro em relação a isso -, se possa dar consubstanciação através de um acto nobre desta Assembleia da República.
Como é evidente - e discordo da sua afirmação de que o diploma devia ter mais qualidade -, em termos instrumentais, competirá ao Governo, fundamentalmente, actuar nesta área. A nós sugere-nos algumas interrogações a circunstância de ter havido experiências-piloto nos oito estabelecimentos prisionais que referiu e que desde 1995 para cá não se tenha continuado o que estava previsto em relação a esse programa. E quando diz que o protocolo foi assinado e que ele, só por si, nos dará uma garantia de que todos estes problemas serão resolvidos, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que ficaria muito mais tranquilo se, por orientação desta Assembleia, depois de um trabalho aturado na especialidade, ouvindo outras pessoas, outros técnicos, pudéssemos dar ao País um sinal de que este problema é de tal maneira importante que queremos para ele uma atitude especial.
É que, Sr. Deputado, tenho muitas dúvidas - e também gostaria de conhecer a sua opinião - quanto à concretização deste problema. Se os serviços públicos, só por si, em relação às solicitações do exterior, têm, como bem sabe, grandes listas de espera para as pessoas que estão em regime livre e querem aceder ao tratamento e se, em relação às administrações regionais de saúde, que, como todos sabemos, têm problemas em termos de pessoal e de trabalho, receamos que esse tipo de responsabilidade sejam diluídas nessas instituições e não haja um serviço devidamente articulado tanto com a Administração Regional de Saúde como com o SPTT, serviço esse que possa fazer um trabalho específico. É que, Sr. Deputado, como sabe - e terminaria com isto -, quando se está a falar de toxicodependência, não se está só a falar de consumos mas também de comportamentos de risco e, como é evidente, todas as questões de seropositividade, de patologia infecto-contagiosa, de prevenção e de reinserção estariam aí integradas.
Portanto, penso - e gostaria de conhecer um pouco melhor a sua posição - que aquilo que propomos é uma evidência de tal maneira evidente (perdoe-me a redundância) que não fará muito sentido estarmos a pensar que não vamos sujeitar esta matéria a votação na generalidade.
Gostava, pois, de saber por que razão sugere esse tipo de procedimento e quais as dúvidas que tem para fazer o tipo de sugestão que tez.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado José Niza, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou depois?

O Sr. José Niza (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, quero dizer ao Sr. Deputado Jorge Roque Cunha que uma das grandes aquisições do protocolo, independentemente do seu conteúdo, foi conseguir algo que não tinha sido conseguido até hoje - e, designadamente, o PSD também não o conseguiu - que foi pôr de acordo o Ministério da Justiça com o Ministério da Saúde. Isso parece que não é importante mas é decisivo.
Em relação à questão do protocolo, eu acho excelente que o protocolo tenha sido produzido e assinado, porque se não houvesse protocolo estávamos numa situação mais pobre do que aquela em que estamos agora. Eu não estou a defender - nem disse isso, antes pelo contrário - que, uma vez que há um protocolo, o melhor é irmos para casa jantar mais cedo. Não foi isso o que eu disse. O que eu disse há pouco, citando até o Deputado António Filipe, foi que independentemente de concordarmos com o conteúdo do protocolo e com a forma como está organizado achamos que está bem feito e que responde, digamos que teoricamente, ao que é necessário fazer -, se ele tiver de subir mais alguns degraus e deixar de ser um protocolo para ser transformado em lei, logicamente nós iremos beber as ideias que lá estão e, como é óbvio, a lei prevalece sobre isso. Nós somos Deputados e não estamos aqui para fazer protocolos mas, sim, para fazer leis. Portanto, temos também de assumir o que estamos aqui a fazer.
Em relação ao que disse, não concordo consigo. O Sr. Deputado disse: "bom, nós já fizemos estes quatro artigos, agora o Governo que faça o resto."

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não, eu não disse isso.

O Orador: - No fundo é o que está escrito. Isto terá que ser "interpretado" do seguinte modo: um partido da oposição que diz "agora o Governo faça como entender" está a dar um grande voto de confiança ao Governo.
Por outro lado, se não me leva a mal, acho também que estamos perante uma certa prova de preguiça. Os senhores legislavam melhor quando eram Governo do que agora, que são oposição, ou seja, dantes faziam coisas mais bem feitas, mais completas, mais coerentes.
Não me leve a mal, mas fiquei um pouco frustrado ao ler o vosso projecto de lei, pois esperava mais, até porque os objectivos talvez merecessem mais.
Sei que, por vezes, se fazem coisas à pressa. Nós fizemos muitas quando estávamos na oposição. Por vezes é preciso, de um dia para o outro, fazer um projecto de lei, há um congresso de um partido e anuncia-se lá que se vai fazer uma coisa e no dia seguinte isso tem de estar feito. Todos já passámos por isso. Agora, o produto final e a sua qualidade...

O Sr. António Filipe (PCP): - Agora é que estamos a saber certas coisas!

O Orador: - Tenho a impressão de que isto tem a ver com todos, não há quem escape a estas coisas.
Sr. Deputado, por exemplo, a questão da estomatologia nas prisões - que é algo que nunca tinha sido abordado e não tem a ver com a toxicodependência - é uma das coisas que consta do protocolo que foi assinado. Os toxicodependentes reclusos também têm dentes e devem ser tratados como nós.

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Sr. Deputado, não sei se ficou alguma questão por responder.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - E a questão sobre a votação?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, solicito-lhe que conclua, porque ainda tem outro pedido de esclarecimento.

O Orador: - Falta-me apenas a parte final da resposta, que penso ser importante, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, a razão é muito simples. Não há qualquer manobra regimental. Creio que há tanta coisa a melhorar no vosso projecto de lei que vale a pena debruçarmo-nos sobre ele, e tem o nosso compromisso... Não estamos aqui para enganar ninguém. Penso que podemos fazer um trabalho de melhoria em sede de especialidade, sem estarmos a comprometer-nos com uma votação, pois, sinceramente, não nos apetece votar a favor desse projecto de lei, porque achamos que não há razões técnicas para o fazer. No entanto, como é lógico, não queremos inviabilizar nada, antes pelo contrário.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, ouvi com atenção o Sr. Deputado José Niza, que sobre estes assuntos tem lata experiência, mas também tem o condão de tentar transmitir-nos "a nuvem por Juno".
O Sr. Deputado referiu as grandes acções já desenvolvidas pelo PS na área da toxicodependência nos estabelecimentos prisionais. A primeira pergunta que me surge é: em quantos mais estabelecimentos prisionais, a partir de Outubro de 1995, começaram a existir programas de apoio a toxicodependentes semelhantes aos que existiam, até essa data, em cerca de sete ou oito estabelecimentos prisionais? Em teoria, se em três anos se desenvolveram esses mesmos projectos de apoio em oito estabelecimentos, VV. Ex.as em ano e meio de governo deveriam ter atingido pelo menos quatro novos estabelecimentos prisionais.
Disse ainda que o nosso projecto de lei é redutor. Sr. Deputado José Niza, o nosso projecto não é redutor. O que queremos tratar, de facto, são os toxicodependentes, e há pouco já se disse que está ali a nata dos toxicodependentes. A prevalência, entre os toxicodependentes, dos heroinómanos é de 40%.
O que queremos é criar um serviço especializado, em conexão com todo o serviço de saúde global, que o próprio sistema prisional terá de prestar aos seus detidos. Não se trata de um projecto de lei redutor. Diz-me que há outras doenças. Pois com certeza que há. A SIDA, por exemplo. Um bom acompanhamento dos heroinómanos é suficiente para controlar mais e melhor a propagação da SIDA. Não tenha dúvidas! O mesmo se pode dizer quanto à hepatite B, não falando já do próprio tráfico, que, de uma forma indirecta, poderá diminuir com os programas de substituição.
Diz V. Ex.ª que o nosso projecto de lei aparece em Outubro de 1996. Não admira! VV. Ex.as, em Abril de 1996, fizeram publicar uma resolução do Conselho de Ministros que diz: "Dentro de três meses, há que estabelecer um protocolo entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Saúde para resolver o problema da toxicodependência nas prisões". Ora, VV. Ex.as não o apresentaram! Fizeram-no, sim, no dia 21 do mês passado, depois - e esta é a leitura que faço - de ter sido agendado o projecto de lei do PSD para este dia.
Retomando o meu raciocínio de há pouco, dizia eu que a sua ideia de assistência ao toxicodependente preso consiste numa ida do SPTT às cadeias - no fundo, é esta a relação que estabelece. O Sr. Deputado não sabe as listas de espera que o SPTT tem? O Sr. Deputado não sabe as listas de espera que os próprios serviços prisionais, em relação a programas de apoio, têm? O Sr. Deputado não sabe que, impondo-se tratamentos de substituição, eles terão de ser feitos também aos sábados e aos domingos? E, nesses casos, é o SPTT que vai lá fazê-los? O Sr. Deputado lembra-se de o Sr. Dr. Nuno Miguel, em audição na Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga, ter dito que, tendo prescrito a um seu doente, que foi preso, uma substância que havia necessidade de lhe ser administrada com alguma periodicidade, não o pôde fazer - e isto no EPL, onde a organização está melhorada! -, porque não havia enfermeiro? Conhece, por exemplo, essa situação?
Por último, Sr. Deputado, é muito claro que este Parlamento...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem de terminar, porque já tem variadíssimos tempos negativos.

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente. Termino já.
Sr. Deputado, é notório que a maioria dos Deputados neste Parlamento está sensibilizada para votar, na generalidade, a favor deste projecto de lei, sendo, depois, bem-vindas todas as opiniões para o melhorar. Por que é que VV. Ex.as também não lhe dão essa oportunidade e tomam uma posição de voto favorável?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, começando pela primeira pergunta, sobre a razão pela qual o PS considera o vosso projecto redutor, isso já foi explicado. Porém, também admito que tenha sido para poupar papel. É que, realmente, com as restrições financeiras existentes na Assembleia e com os apelos, nesse sentido, do nosso Presidente, Almeida Santos, talvez tenha sido para poupar papel. E, se assim foi, essa atitude, reconheço-o, é louvável...
Em relação à resolução do Conselho de Ministros, tem razão. Efectivamente, está lá escrito que, em três meses, devia ter sido apresentado trabalho. Porém, permita-me prestar-lhe um esclarecimento. Considero totalmente legítima a sua dedução e, se estivesse no seu lugar, teria desconfiado e pensado o seguinte: "Por que é que este Governo, sabendo que o nosso projecto de lei estava agendado para o dia 3, foi aprovar isto uma semana antes?" Posso dizer-lhe que, por acaso, foi uma coincidência e é fácil perceber porquê. É que o Governo nomeou uma comissão...

Risos do PSD, do CDS-PP e do PCP.

Os Srs. Deputados já irão concordar comigo...

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2002 I SÉRIE - NÚMERO 57

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Foi a expressão "por acaso", que o Sr. Deputado utilizou.

O Orador: - Como dizia, o Governo, na sequência da resolução do Conselho de Ministros, nomeou uma comissão, que teve de trabalhar. Essa comissão teve dificuldades, como sempre tinha havido antes, em pôr de acordo os interesses contraditórios do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde, designadamente em matéria de dinheiros, porque as pessoas querem saber quem é que paga e quanto é que custa, e os ministros são muito forretas nesta matéria. Ora, isto atrasou a questão de tal forma que, em vez de serem três meses, passaram a ser nove - e isso aconteceu no dia 21 de Março, como podia ter acontecido hoje ou daqui a 15 dias. Portanto, não houve aí qualquer calendário organizado.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Nós acreditamos!

O Orador: - É verdade! Como disse, a primeira ideia que me ocorreu foi esta: "Lá está o Governo a antecipar-se ao debate". Mas não foi! Depois, tirei isso a limpo.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Na sua sinceridade, acredito!

O Orador: - Não posso ser mais sincero do que isto. Mas, da mesma maneira que digo o que pensei, também digo o que me foi esclarecido. E, realmente, percebi que não tinha sido... Além do mais, nós também aqui estamos para levar isto com alguma bonomia e este até é um episódio com alguma graça.
Em relação às listas de espera no SPTT, infelizmente, sempre as houve. Em alguns casos, designadamente aqui na área de Lisboa, há algumas extensões que estão praticamente sem listas de espera e, por exemplo, em Évora e Beja, também constatámos, aquando das visitas que aí fizemos, que não há praticamente listas de espera. Mas, por exemplo, no Centro das Taipas, há uma lista de espera imensa. Ora, o que há a fazer é reforçar o SPTT no Centro das Taipas, é atacar os problemas onde eles estão. Portanto, enquanto tivermos listas de espera em tudo... Aliás, Sr. Deputado, sendo ambos médicos, sabêmo-lo. Por exemplo, ainda há dias, uma amiga minha disse-me que queria ser operada a um mioma e que a tinham informado de que a operação só podia realizar-se daqui a três anos. Ora, isto é algo que sempre aconteceu, mas que algum dia terá de acabar, e todos temos de nos esforçar para que isso aconteça. Isto nada tem a ver com a política, tem a ver, digamos, com os problemas que temos de enfrentar e resolver.
Em relação à questão da metadona e aos tratamentos de substituição, estou totalmente de acordo consigo. Desde há 20 anos, ou seja, desde 1977, quando fui director nacional do CEPD, que se começou a dar metadona no CEPD do Porto e, desde essa altura até ontem, tenho perguntado qual a razão por que os responsáveis do SPTT e dos CAT não encaravam a metadona como uma solução alternativa, designadamente nas prisões do sistema prisional, em que ainda tem uma indicação acrescida, porque resolve muitos problemas.
É evidente que é um mal menor, porque também é um narcótico, mas também é evidente que consegue pôr as pessoas mais equilibradas!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado José Niza, peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Estou totalmente de acordo consigo, aliás, já temos falado nisso. Agora, acontece o seguinte: não podemos decretar metadona por lei da Assembleia da República! Isso não podemos fazer! Trata-se de uma matéria que compete aos médicos e tenho pena que eles não tenham mais sensibilidade para esse aspecto.
Felizmente, foi ontem anunciado, pelo seu Director, que o Centro das Taipas vai criar um programa de metadona para 100 toxicodependentes. Ao fim de 20 anos, acho que já foi um avanço!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma intervenção muito curta apenas para referir, relativamente ao projecto de lei n.º 224/VII, que cria núcleos de acompanhamento médico ao toxicodependente em cada estabelecimento prisional, que até há mais de um ano e meio atrás, o PSD não apresentou - e, na nossa perspectiva, não apresentaria um projecto de lei com este conteúdo, mas hoje apresenta.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - Não vale a pena, na nossa perspectiva, afirmar porquê, porque a razão é, naturalmente, óbvia. É isso que nos leva a questionar também se os autores deste projecto de lei acreditam convictamente na proposta que apresentam.
Mas vamo-nos abstrair dos autores deste projecto de lei e analisar objectivamente o texto do mesmo, que é aquilo que, naturalmente, aqui nos interessa.
Este projecto de lei contém uma proposta de acompanhamento médico regular aos reclusos toxicodependentes nas prisões. Estabelece também, no nosso ponto de vista, a gratuitidade de todo o tipo de tratamento necessário, que são princípios relativamente aos quais o Partido Ecologista Os Verdes dá o seu acordo, reservando-nos, naturalmente, em algumas questões específicas, na nossa perspectiva mais duvidosas, para uma discussão na especialidade.
Sabendo que a realidade de reclusos toxicodependentes em Portugal é assustadora; sabendo das condições dos estabelecimentos prisionais em Portugal, da sua precariedade, da sua desumanidade, que têm, naturalmente - e já por diversas vezes o temos referido neste Plenário -, como primeiro objectivo punir os reclusos, esquecendo a sua função de ressocializar, que também têm; sabendo, nomeadamente também, das condições precárias e da carência e escassez de serviços médicos e enfermarias nas prisões; sabendo que a taxa de reincidência dos toxicodependentes é muito elevada, cremos que é preciso dar, de facto, passos para desagravar esta realidade e para entender, de uma vez por todas, a pena de prisão como uma medida que tem uma função fundamental, que é, repito; a ressocialização do recluso.
Naturalmente que não nos vamos cansar de repetir esta questão enquanto for necessário fazê-lo. É uma questão da qual fazemos um ponto de honra.
A pena de prisão, na nossa perspectiva, tem uma função fundamental, que é ressocializar e tudo o que contribuir para isso, terá, naturalmente, o apoio do nosso grupo parlamentar.

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4 DE ABRIL DE 1997 2003

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, antes de dar por encerrados os trabalhos, resta-me informar que a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, pelas 10 horas, constando de um período da ordem do dia com a apreciação do Decreto-Lei n.º 42/97, de 7 de Fevereiro [ratificação n.º 28/VII (PSD)], a discussão da proposta de resolução n.º 39/VII e a discussão conjunta das propostas de resolução n. os 40 e 41/VII.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 70/VII, à votação do parecer, apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, sobre a adopção do processo de urgência para a proposta de lei n.º 76/VII e à votação global da proposta de resolução n.º 38/VII.

O Grupo Parlamentar do PSD absteve-se na votação da proposta de lei n.º 70/VII por entender, e como ficou confirmado no debate na generalidade, em Plenário, que, não existindo ainda um quadro normativo que regula a existência e a própria definição do conceito das cooperativas de solidariedade social, não se encontra qualquer motivo justificativo para a sua aprovação neste momento.
O próprio Governo afirmou que o Estatuto destas cooperativas ainda se encontra a ser redigido, pelo que votar hoje esta proposta é manifestamente extemporâneo. Não se trata, como é óbvio, de valorar estas instituições mas, sim, de aguardar com prudência a definição de um regime jurídico para lhe conceder depois os meios adequados ao seu funcionamento.

O Deputado do PSD, António Rodrigues.

O Partido Popular votou favoravelmente o parecer da Comissão de Solidariedade, Segurança Social e Trabalho, relativo ao pedido de tratamento de urgência para a proposta de lei apresentada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, pelos seguintes motivos:
1 - O Partido Popular apresentou um projecto de lei que versa a mesma matéria, pelo que se afigura aconselhável que os projectos sejam analisados em conjunto.
2 - Qualquer alteração à idade de reforma para as bordadeiras da Madeira só pode ser efectivada, em respeito para com a lei-travão, após a aprovação do próximo orçamento do Estado.
Pelo exposto, o pedido de urgência funda-se numa manobra política, em detrimento da seriedade, que não pode ter a anuência do Partido Popular.

O Deputado do CDS-PP, Nuno Correia da Silva.

Os Deputados sociais-democratas eleitos pelo Círculo Eleitoral da Madeira, abaixo assinados, votaram favoravelmente a proposta de resolução n.º 38/VII, que aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo relativo à Aplicação da Parte XI da mesma Convenção, porquanto:
a) Em resposta a requerimento oportunamente dirigido ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, obtiveram a garantia de que não tinham fundamento as dúvidas que se vinham levantando quanto à consideração das Ilhas Selvagens, como "Rochedos", afastando-se assim qualquer hipótese de aplicação àquelas "Ilhas" do previsto no artigo 121.º, n.º 3, da Convenção;
b) Daí decorre, por força do aproveitamento económico que a Região Autónoma da Madeira vem dando, desde sempre, àquelas Ilhas e à presença humana que de há longos tempos ali se mantém, reforçada, há alguns anos a esta parte, com elementos que integram os serviços da Reserva Natural, o impedimento de qualquer alteração que envolva a redução das actuais áreas que integram o Mar Territorial, a Zona Económica Exclusiva e a Plataforma Continental e os demais direitos do Estado português, decorrentes da Ordem Jurídica Interna e desde sempre aceites e internacionalmente respeitados;
c) Em reforço do entendimento supra-referido, a Convenção e o Acordo são objecto de ratificação subordinada, entre outras, às seguintes declarações:
"1 - Portugal reafirma, para efeitos de delimitação do Mar Territorial, da Plataforma Continental e da Zona Económica Exclusiva, os direitos decorrentes da legislação interna portuguesa no que respeita ao território continental e aos arquipélagos e ilhas que os integram.
2 - Portugal declara que, numa zona de 12 milhas marítimas contígua ao seu Mar Territorial, tomará as medidas de fiscalização que entenda por necessárias, nos termos do artigo 33.º da presente Convenção.
3 - De acordo com as disposições da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, Portugal goza de direitos soberanos e de jurisdição sobre uma Zona Económica Exclusiva de 200 milhas marítimas contadas desde a linha de base a partir da qual se mede a largura do Mar Territorial.
4 - Os limites de fronteiras marítimas entre Portugal e os Estados cujas costas lhe sejam opostas ou adjacentes, são aqueles que se encontram historicamente determinados, com base no Direito Internacional".
d) Desta forma, Portugal pode, com respeito pela sua tradição marítima e de País activo no âmbito do alargamento e aperfeiçoamento de instrumentos internacionais, ratificar a Convenção sobre Direito do Mar, em cujos trabalhos de elaboração empenhadamente participou e que se concluíram em Montego Bay, em 10 de Dezembro de 1982, sem que daí advenha para o Estado português e para as Regiões Autónomas que o integram, e designadamente para a Região Autónoma da Madeira e para todas as Ilhas que dela fazem parte, qualquer limitação, restrição ou diminuição dos direitos que actualmente, interna e externamente, lhes assistem.

Os Deputados do PSD, Guilherme Silva - Correia de Jesus - Hugo Velosa.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Carlos Justino Luís Cordeiro.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Carlos Correia Mota de Andrade.

Partido Social Democrata (PSD):

Antonino da Silva Antunes.
António Moreira Barbosa de Melo.
João Carlos Barreiras Duarte.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Manuel Costa Pereira.

Página 2004

I SÉRIE - NÚMERO 57 2004

Luís Carlos David Nobre.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
José António Ribeiro Mendes.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

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