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Quinta-feira, 8 de Maio de 1997 I Série - Número 68 2357

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE MAIO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Duarte de Oliveira
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 90 a 94/VII, da proposta de resolução n.º 56/ VII, dos projectos de lei n.º 328/VII e 330 a 335/VII, do projecto de deliberação n.º 41/VII e de respostas a requerimentos
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) falou sobre a necessidade do cumprimento do prazo para a conclusão dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Strecht Ribeiro (PS).
A Sr.ª Deputada Maria do Carmo Sequeira (PS) elogiou o Governo pela assinatura do contrato para a construção da barragem do Sabugal.
A Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar (PSD) criticou o Governo pela forma como se desenrolaram as eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas, tendo respondido, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Luís (PS).
O Sr. Deputado Arlindo Oliveira (PS) apelou a um esforço concertado entre o Governo Regional da Madeira e o Governo da República. Respondeu, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD).
A Câmara deu ainda conta do pedido de renúncia ao mandato da Sr.ª Deputada do PS Rosa Mota e aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado e à substituição de um outro.

Ordem do dia. - Foram discutidos em conjunto, na generalidade, os projectos de lei n.os 196/VII - Estatuto do dirigente associativo voluntário (PCP) e 298/VII - Estatuto do voluntariado para a solidariedade social (PSD). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados António Filipe (PCP), António Rodrigues (PSD), Rodeia Machado (PCP), Maria José Nogueira Pinto e Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Afonso Lobão (PS) e Pedro Baptista (PS).
Apreciou-se ainda, na generalidade, o projecto de lei n.º 257/VII (PSD) - Altera a Lei dos Baldios -, tendo intervindo, a diverso título, os Srs Deputados Antonino Antunes (PSD), Garcia dos Santos (PS), Odete Santos (PCP), António Martinho (PS) e Helena Santo (CDS-PP).
Finalmente, pronunciaram-se sobre o 1. º Orçamento Suplementar da Assembleia da República os Srs. Deputados Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP) e Rui Vieira (PS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Agostinho Marques Moleiro.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Maninho.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.

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Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira dó Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 90/VII - Aprova a Lei de Imprensa e 91/VII Altera a Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro (Regime da actividade de televisão) que baixaram à 1.ª Comissão, 92/ VII - Estabelece o regime jurídico da concessão de garantias pessoais pelo Estado ou por outras pessoas colectivas de direito público, que baixou à 5.ª Comissão, e 93/ VII - Estabelece as bases do interprofissionalismo agro-alimentar, que baixou às 1.ª e l0.ª Comissões, 94/VII Adapta o regime de avaliação da propriedade rústica de base geométrica ao novo regime de cadastro predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 172/95, de 18 de Julho, que baixou às 5.ª e 10.ª Comissões; proposta de resolução n.º 56/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 159, da Organização Internacional do Trabalho, respeitante à readaptação profissional e ao emprego de deficientes, que baixou às 2.ª e 8.ª Comissões; projectos de lei n.os 3281 VII - Lei das Finanças Locais (PSD), que baixou às 1 .ª, 4.ª e 5.ª Comissões, 330/VII - Elevação da povoação de Caxias a vila (PSD), 331/VII - Elevação da povoação do Carregado, no município de Alenquer, à categoria de vila (PS) e 332/VII  - Elevação à categoria de vila da povoação de Turcifal, no município de Torres Vedras (PS), que baixaram à 4.ª Comissão, 333/VII - Atribuição das associações de municípios de direito público e competências dos seus órgãos (PSD), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões, 334/VII - Regula as condições de financiamento público de projectos de investimento respeitantes a equipamentos destinados à prevenção secundária da toxicodependência (PCP) e 335/VII - Criação da freguesia do Sítio da Nazaré, no concelho da Nazaré (PSD), que baixaram à 4.ª Comissão; projecto de deliberação n.º 41/VII - Constituição de uma comissão eventual de acompanhamento e avaliação das iniciativas legislativas referentes ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (PS).
Entretanto, no dia 29 de Abril de 1997, o Governo respondeu aos requerimentos formulados pelos seguintes Srs. Deputados: Macário Correia, na sessão de 6 de Novembro, Sílvio Rui Cervan, na sessão de 5 de Fevereiro, José Reis, na sessão de 3 de Outubro, Fernando Pedro Moutinho, no dia 25 de Novembro, Lino de Carvalho, nas sessões de 28 de Novembro e 19 de Março, Ferreira Ramos, na sessão de 10 de Dezembro, Castro Almeida, na sessão de 30 de Janeiro, Carlos Coelho, no dia 4 de Fevereiro, Jorge Roque Cunha, na sessão de 12 de Fevereiro, Luís Filipe Menezes, na sessão de 20 de Fevereiro,

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Manuel Moreira, na sessão de 21 de Fevereiro, Jorge Ferreira, no dia 24 de Fevereiro, Costa Pereira, na sessão de 26 de Fevereiro, Bernardino Vasconcelos, na sessão de 27 de Fevereiro, Sílvio Rui Cervan, no dia 11 de Março e Paulo Pereira Coelho, na sessão de 4 de Abril.

Entretanto, regista-se burburinho na Sala.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Antes de dar a palavra ao próximo orador, peço que se faça silêncio na Sala e nas galerias.
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Só um forte exercício de memória permitirá, ainda hoje, lembrar programas eleitorais, promessas e Programa do Governo que abriram ao eleitorado, em 1995, perspectivas de mudança.
Numa análise retrospectiva do que tem sido a actual legislatura, torna-se claro que os meios se transformaram em fins e as linhas essenciais da conduta política foram-se esfumando em pequenas querelas interpartidárias, quase sempre marcadas por sondagens e títulos de caixa-alta.
Qualquer debate cujo tema pudesse criar expectativas de profundidade (e estou a lembrar-me, por exemplo, da cooperação e da defesa) acaba, abruptamente, num ajuste de contas entre a bancada do Governo e a bancada do PSD, num interminável e cansativo diálogo de surdos e na conjugação do verbo fazer.
Da parte do PS (e do Governo) não há, se não nalgumas áreas concretas, sequer a ambição de estar a fazer mais, mas tão-só de estar a fazer qualquer coisa. Este Governo, que conceptualizou melhor, corre o sério risco de governar muito pior.
O PSD, certamente a bancada com maior capacidade para ver de fora o que se passa lá dentro (como alguém muito bem disse), ataca o Governo como se fosse estranho a um passado recente...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - ... e, note-se, mesmo àquilo que esse passado teve de objectivamente positivo para Portugal e para os portugueses. Escondendo muitas vezes o melhor do seu património, parece também não querer, ou não poder, apresentar em sede parlamentar alternativas credíveis e novas para os problemas que hoje se colocam.
As querelas pontuais substituíram o debate ideológico. Salvo raras excepções, a confusão de pensamento instala-se transversalmente.
Esta situação é grave para o País porque, manifestamente, constitui um atraso num calendário político já apertado, para a democracia porque permite que os cidadãos interiorizem um descrédito, muitas vezes injusto e quase sempre perigoso.
Ora, se alinharmos as grandes medidas preconizadas pelos partidos e em parte adoptadas pelo Governo no seu Programa, se relembrarmos o que o PS e o PSD têm dito sobre desígnios nacionais, perceberemos claramente que nada se fará com rigor e profundidade sem uma corajosa revisão constitucional, moderna, prospectiva e eficaz. Era e é ela a chave da mudança. O patamar essencial em que assentará o edifício do futuro. A condição sine qua non das grandes reformas inadiáveis. Reformas que todos anunciaram aos quatro ventos, que Bruxelas exige, e que a solidariedade intergeracional torna um imperativo.
Igualmente os referendos dela dependem. E quem é que hoje nega a necessidade de tornar as grandes decisões nacionais participadas e, assim, solidariamente responsáveis?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A renovação, por um prazo de mais 90 dias, dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, prazo que, para o PSD, note-se, era até excessivo, significou um compromisso sério com os portugueses. Estamos, por isso, certos de que nenhum partido se poupará a esforços para que tal aconteça. O contrário seria inaceitável porque incompreensível.
Cumpre aqui frisar que muito menos o poderão fazer o PS e o PSD que, num acordo rocambolesco e mediático, deram a ideia ao País de que tudo estava feito em matéria de revisão constitucional. E não estava, como agora bem se vê.
O agendamento, em sede de conferência de líderes, de um número razoável e exequível de sessões reservadas para esse fim - o da discussão e aprovação do articulado constitucional - torna-se, assim, indispensável.
O furor legislativo de última hora do Governo que, qual mau aluno, só estudou no último período, não deve nem pode, como sempre o afirmámos, pôr em causa a conclusão, nesta sessão legislativa, da revisão constitucional, competência exclusiva deste Parlamento e tão-pouco pode pôr em causa a normal iniciativa legislativa dos diferentes partidos. Impõe-se, assim, um calendário que, permitindo a iniciativa governamental, não comprometa o essencial do trabalho parlamentar, transformando esta Casa na câmara baixa do Governo.
Concluindo, direi: a revisão constitucional, em tempo útil, é a porta que abriremos ou fecharemos para o futuro. Não só não podemos fecha-la como não podemos apenas entreabri-la.
Vai ser preciso clareza, vencer ainda resistências historicamente descabidas, arcaísmos insustentáveis. Vai ser preciso assumir responsabilidades. Em suma, vai ser preciso fazer política no verdadeiro e correcto sentido da palavra.
O Partido Popular está certo de que, na próxima conferência de líderes e tal como se assentou na última, esta planificação ficará definitivamente estabelecida.
Que cada um assuma as suas responsabilidades para que Portugal tenha a segurança de uma agenda e de um calendário políticos que garantam um edifício político sólido, todas as reformas de fundo e a participação consciente e activa de todos os cidadãos nas grandes decisões nacionais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, primeiro, gostaria de saber se, na óptica do Partido Popular, os avanços que estão a ser feitos em sede de revisão constitucional são ou não positivos.
Em segundo lugar, se a sua resposta à minha pergunta anterior for negativa, então, pergunto-lhe: quais os assuntos que entende que não estão a ser correctamente tratados?
Em terceiro lugar, considera que é assim tão importante a questão que levantou sobre o acordo PS - PSD, sa-

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bendo, como sabe, que não é possível fazer qualquer revisão da Constituição sem o voto favorável de, pelo menos, dois terços dos Deputados?
Pergunto-lhe ainda se - como, aliás, julgo ter ouvido e suponho que até em contradição com o que afirmou antes - considera que a existência do referido acordo tem impedido a efectiva revisão da Constituição, agora em segunda fase.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, do meu ponto de vista, os avanços na revisão constitucional têm sido lentos, tendo em conta que se trata de uma segunda leitura que se segue a um acordo com a dimensão que pretendeu dar-se ao acordo efectuado entre o PS e o PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Ou seja, para nós, que ficámos excluídos desse acordo - e, com isto, respondo-lhe já que os votos favoráveis de dois terços dos Deputados é o mínimo exigido, o que não quer dizer que não pudesse ter-se aberto a um máximo que, penso eu, é o espírito da democracia e deste Parlamento -, .

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - ... tudo levaria a crer que a segunda leitura iria ser mais rápida.
Devo dizer que, nesta matéria, a rapidez só me interessa no sentido de que há um prazo a cumprir, prazo este que foi assumido livremente pelos partidos aqui representados e que, a não ser cumprido, não tem, quanto a mim, explicação política e, sobretudo, compromete desde logo as grandes reformas e também os referendos. Portanto, a celeridade tem de ser uma responsabilidade, em primeiro lugar, de todos os partidos que aqui assumiram o compromisso de respeitar o prazo de 90 dias, particularmente do PSD que se contentava com 60, mas, sobretudo, dos dois partidos que, ao terem feito o acordo, quiseram dar a entender que assim simplificavam esta segunda leitura.
Aproveito para dizer-lhe que o PP optou por participar nesta segunda leitura nas matérias em que a sua presença pode ter um resultado prático. Isto é, não estamos na comissão para ouvir o PS e o PSD discutirem relativamente às áreas e aos artigos da Constituição aos quais já nada temos a acrescentar. Participamos quando pensamos que devemos protestar, mesmo que tal seja inútil, para que fique registado em acta - e, aliás, há vários exemplos de protestos que fiz, eventualmente inúteis do ponto de vista desta revisão constitucional, infelizmente para Portugal, mas úteis do ponto de vista de um registo histórico -, e estamos lá com um espírito de colaboração profunda, sempre que houver abertura, a qual, aliás, está previamente condicionada ao acordo já feito, para introduzir alguma melhoria nos artigos da Constituição.
Com isto, penso que lhe respondi.
O que vejo com muita preocupação, nomeadamente na matéria relativa aos referendos e aos três artigos das áreas sociais, é que, como tive oportunidade de dizer, sendo estas reformas um imperativo intergeracional e uma imposição
de Bruxelas, e estando contempladas, que me lembre, pelo menos no programa eleitoral do Partido Socialista, no do Partido Social Democrata, no do Partido Popular e, ainda, no Programa do Governo, gostaria de deixar bem claro que, se não houver a coragem de rever aqueles três artigos, teremos sido nós que, por acção ou omissão, trancámos o futuro aos portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Passamos ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Carmo Sequeira.

A Sr.ª Maria do Carmo Sequeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na altura das eleições legislativas de 1 de Outubro de 1995, estava eu a distribuir o programa do Partido Socialista para o círculo eleitoral de Castelo Branco quando um idoso me disse o seguinte, a propósito do regadio da Cova da Beira e da intenção de construção da barragem do Sabugal: "Sabe, eu já oiço essa história há mais de 45 anos...". Quis saber a razão de tal afirmação e o que é certo é que ele tinha razão.
António Paulouro, no livro com o sugestivo título Crónica das águas que passam, faz o historial das vicissitudes de um processo repleto de contradições e logros que teve finalmente um desenlace feliz.
Passo a referir. Em 1937 e, depois, em 1948, foram dados os primeiros sinais sobre a importância económica e social da rega da Cova da Beira pelo Engenheiro Trigo de Morais, no relatório da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, apresentado em Agosto de 1949.
Em 1950 e, mais tarde, em 1967, o Engenheiro Araújo Correia, nos Estudos de Economia Aplicada e no livro Tejo, respectivamente, apresentava a ideia e o esquema para a rega na Cova da Beira. O plano previsto pelo Engenheiro Araújo Coreia previa um conjunto coordenado que envolveria as regiões da Cova da Beira e do Alto Alentejo como fontes de energia e de água, dentro de uma só bacia hidrográfica que abrangia o Tejo, o Zêzere e a Ocreza.
Durante os anos que se seguiram, outros passos e contributos importantes foram dados para que a obra viesse a ser concretizada, tendo em conta o seu aproveitamento para fins múltiplos: rega, abastecimento público, regularização fluvial, defesa contra cheias dos cursos de água e produção de energia.
Assim, refiro alguns desses passos.
Em 1973, foi elaborado o Plano Geral do Aproveitamento Hidroagrícola da Cova da Beira pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
Em 1979, o Projecto de Aproveitamento Agrícola da Cova da Beira, em que são concedidos 70 milhões de marcos ao juro de 4,5%, amortizáveis de 30 de Junho de 1989 a 31 de Dezembro de 1999 (empréstimo da RFA, englobado numa acção de assistência técnica a Portugal).
Mas, em 1982, o governo da AD veio a desistir do reforço de 20 milhões de marcos (do tal empréstimo concedido pelos alemães) previstos para o aumento da percentagem de financiamento externo no financiamento global, quando estavam em curso as obras da barragem de Meimoa, optando pelo aumento de 40 milhões de marcos no projecto do Mondego.
Também é importante referir que o ex-Presidente da República, General Ramalho Eanes, durante a vigência dos

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seus mandatos, deu grande atenção aos problemas relacionados com o interior, tendo mostrado sempre especial preocupação com o regadio da Cova da Beira.
Em 27 de Abril de 1991, aquando da visita do Prof. Cavaco Silva à Cova da Beira, este não referiu uma única palavra sobre o projecto de irrigação da Cova da Beira, nem mesmo depois de ouvir as preocupações dos Presidentes das Câmaras Municipais de Sabugal, Covilhã e Fundão, em cujos executivos estavam representados todos os partidos com assento parlamentar. Mau prenúncio para os que acompanhavam a visita e que viria a concretizar-se um mês depois...
Em 21 de Maio de 1991, o então Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor, Macário Correia, considerou que a barragem do Sabugal não era prioritária para o projecto de regadio da Cova da Beira.
Estas declarações, proferidas numa visita ao distrito da Guarda, deitavam por terra todas as esperanças das gentes da Beira Interior na concretização do projecto em cuja viabilidade acreditavam.
Mas, em 17 de Julho de 1992, somente um ano depois, dois Secretários de Estado - o dos Recursos Naturais (António Taveira) e o da Agricultura (Álvaro Amaro) - vieram à Covilhã prometer que, afinal, a barragem do Sabugal iria ser feita, avançando até um horizonte temporal de três anos.
Diria Carlos Pinto, então Presidente da Câmara Municipal, depois de uma reunião da qual ele tinha sido o promotor: "Os que aqui vivem saberão agradecer aos governantes que materializarem o projecto". O futuro veio dar-lhe razão, castigando quem prometeu e não cumpriu.
Avanços e recuos não faltaram durante estes últimos 50 anos. Afinal, o tal idoso tinha razão!

Aplausos do PS.

Em 18 de Março de 1997, há cerca de um mês e meio, foi, finalmente, assinado o contrato para a construção da barragem do Sabugal.

Vozes do PS: - Mui to bem!

A Oradora: - Luís Capoulas Santos, Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, que ali se deslocou para presidir à assinatura, afirmou: "Cova da Beira é grande, projecto para Portugal" e "a barragem do Sabugal é apenas uma pequena parte do projecto da Cova da Beira, que é um grande projecto para o interior do País e para Portugal".

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É importante referir que também já, em 1982, o Professor Manuel Porto avisava, segundo o Jornal do Fundão de 7 de Maio: "O Projecto da Cova da Beira, se não for concretizado na sua globalidade, não será rentável nem viável".
Permitam-me, com todo o respeito, terminar, parafraseando o ex-autarca e actual Deputado do PSD, Carlos Pinto, em 17 de Julho de 1992: "os que aqui vivem(...)" - na Cova da Beira - "(...) saberão agradecer aos governantes que materializarem o projecto!"

Vozes do PS: - É bom lembrar!

A Oradora: - Estamos certos de que assim será!

Aplausos do PS.

Entretanto, regista-se, de novo, burburinho na Sala.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, estamos numa sessão plenária e há muita agitação na Sala e nas galerias. Peço, uma vez mais, silêncio!
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi em Filadélfia que vivi o dia histórico das primeiras eleições por sufrágio directo e presencial nas comunidades portuguesas do mundo.
Como estarão lembrados, o sufrágio directo e universal para o Conselho das Comunidades foi inicialmente, logo em Outubro de 1995, proposto pelo PSD, num projecto de lei de que eu própria fui a primeira subscritora, e o seu exercício in loco - extensivo a qualquer acto eleitoral - apresentado também pelo meu partido e, então, rejeitado pelas demais forças políticas.
Talvez a partir de agora queiram reconsiderar.
Se não tivesse estado em Pensilvânia e, seguidamente, em New Jersey, Connecticut e Massachussets, não poderia hoje, nesta Câmara, dar testemunho da forma fraternalmente correcta e convivial em que o acto cívico decorreu, da alegria dos que votaram, do companheirismo dos candidatos e até da esperada eficácia c desenvoltura dos serviços consulares, pelo menos ali.
Não me moveu, como é por demais evidente, qualquer despropositado intuito de fiscalização ou intendência, mas, sim, o de prestigiar o democrático nascimento, nas urnas de voto, de uma nova e esperançosa instituição política, da qual, de resto, como Deputada eleita pela emigração, exactamente ao mesmo título que o responsável governamental pelas comunidades portuguesas, tarei, por inerência, parte integrante, em representação desta Casa.
A verdade democrática destas eleições foi, todavia, atraiçoada na miragem dos números, das taxas de presença e de abstenção.
Foi a ideia peregrina de dilatar o colégio eleitoral ao seu limite máximo, irrealista, colossal, considerando como cidadãos eleitores, por decreto, sem qualquer acto individual de recenseamento, todos os inscritos nos registos consulares, foi essa ideia que determinou uma colossal abstenção, a maior a que jamais se terá assistido na civilização ocidental, em eleições nacionais. Era inevitável, era uma fatalidade matemática, engendrada por uma desastradíssima engenharia política!
Durante meses, os consulados do mundo inteiro, antes mesmo da informatização geral que os anteriores governos já anunciavam, e que o actual promete, desde há 18 meses, para o dia seguinte, houve centenas de funcionários que nada mais fizeram do que examinar muitos milhões de fichas, uma a uma, para eliminar desse fantasmagórico rol eleitoral os menores de 18 anos e todos os que, há mais de 25 anos, não davam sinal de si e se presumia terem falecido ou abandonado a área consular.
Nestas condições, não só houve um significativo número dos que permaneceram nessa área que se viu eliminado, como foram investidos na qualidade de eleitores, por vontade de quem manda, os mortos, os ausentes e também os indiferentes, às centenas de milhares...
Mesmo em Portugal, onde é obrigatório o recenseamento, não se dispensa a manifestação de vontade individual no processo respectivo, desde logo como forma de consciencialização cívica!
O louvável intento de alargar a participação real melhor teria sido servido pela simples aceitação de um voto, facilitado a todos os que devidamente documentados e

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comprovando o número da sua inscrição consular, se apresentassem, efectivamente, nas mesas devoto. Partindo ou não do caderno eleitoral existente no estrangeiro, que, neste momento, conta pouco mais de 170 000 nomes, este processo teria poupado custos astronómicos, em salários de tarefeiros e horas de trabalho de funcionários, que só serviram, afinal, para fabricar um universo de participação fictício, no interior do qual as taxas de abstencionismo só podiam ser o que foram, em vários países da Europa quase atingindo os 100%, como sucedeu coma França, condenada à partida por ser justamente ocaso ostensivo de maior desfasamento entre o colégio eleitoral efectivo e o caderno inventado pela burocracia - acrescente-se!... -, com base nas regras de jogo.
O mais extraordinário adentro do desporte governamental responsável por desfigurar, perante a opinião pública do País e perante as próprias comunidades, a imagem de um acto eleitoral - em si tão perfeito e tão democrático! -, foi a imprevisão e a incúria com que, em países inteiros, deixaram de fora, por falta de mesas de voto - e falo também da França -, a uma distância minimamente razoável, uma enorme percentagem ou mesmo a maioria dos votantes potenciais. Caso paradigmático é a Venezuela, mas também a África do Sul e, genericamente, todos os países de enorme dimensão territorial, do círculo de Fora da Europa, que parecem ser totalmente desconhecidos por quem insiste em os comparar com o, fisicamente, pequeno Portugal, onde, de resto, cada eleitor exerce o seu direito cívico ao pé da porta de casa. Que taxas de abstenção haveria dentro deste país, se a esmagadora maioria tivesse de se deslocar, para o efeito, a distâncias de centenas ou milhares de quilómetros, para já não falar de uns meros 30 km ou 40 km?
Aliás, viu-se que todo o sistema foi montado para atender apenas à proporção dos que efectivamente compareceram e, onde quer que ela haja sido excedida, como aconteceu no Rio de Janeiro, logo se formaram filas gigantescas, implicando atrasos de 4 ou 5 horas, que dissuadiram a participação de muitos milhares de cidadãos. Como é óbvio, só a conjugação do sufrágio presencial e do sufrágio por correspondência poderia ter evitado esta contradição original de dar na lei e retirar na prática o sagrado direito de sufrágio - o que os próprios responsáveis do Partido Socialista, ao menos aqueles que sabem e deveriam ter sido ouvidos, reconhecem! É esse, aliás, o sistema francês para a eleição do "Conseil Supérieur des Français de l'Étranger".
Nestas condições, como ousa o responsável principal, senão único, pelo grande desacerto a que, atónitos, assistimos, vir denunciar, como justificação dos seus próprios erros, a falta de civismo e o défice de participação democrática dos portugueses no estrangeiro? Venire contra factum proprium, já os antigos verberavam!
Como se atrevem os que acusam os candidatos, que, no escasso tempo de campanha eleitoral de que dispuseram, fizeram o seu possível, culpando-os da falta de informação que a lei incumbe ao Governo e a esta Câmara?
Assumamos as nossas responsabilidades individuais! Pela minha parte o faço, tendo realizado o meu trabalho em múltiplas sessões de esclarecimento sobre o CCP, que comecei no início de 1996 e desenvolvi, ao longo de mais de um ano, no Canadá, nas duas costas dos Estados Unidos, na Venezuela, na África do Sul e no Brasil, tendo a meu lado os que vieram a constituir, por sinal, a maioria dos cabeças de lista, incluindo no Brasil, a totalidade dos concorrentes nessa posição. Acção, como é óbvio, independentemente do posicionamento partidário de qualquer deles, até por ser muito diverso. Tive total abertura e colaboração das televisões, rádios e jornais das comunidades, mas já não da RTP1. Em alguns países, como o Brasil, contei sempre, nessas sessões públicas de debate, com a presença dos cônsules de Portugal, mas essa não foi, infelizmente, a regra e eles, e só eles, que vivem nas comunidades, poderiam ter levado a cabo acções sistemáticas de informação, como se impunha. O tempo a mais perdido nas burocracias de elaboração do mega caderno eleitoral faltou para tudo o resto, incluindo o mais importante.
Sugeri ao Governo a realização de campanhas conjuntas de informação com a Assembleia da República. O Governo, que as vem agora propor, para fomentar a mobilização futura dos portugueses nas eleições locais na Europa, para o CCP, disse, pura e simplesmente, "não!". É bom que se saiba!
Oitenta por cento do total das listas apresentadas a competição eram patrocinadas por associações. Foi graças à dinâmica que, genericamente, introduziram no processo as chamadas ONG e os meios de comunicação social comunitários, graças à sua abertura à própria efectivação do acto eleitoral que se conseguiu um resultado que, visto no contexto do núcleo relativamente restrito mas muito dinâmico das comunidades organizadas, é excelente, em alguns países que citei, e perfeitamente aceitável, noutros.
Se se tomasse por termo de comparação o caderno eleitoral para as eleições legislativas, as taxas de participação nos Estados Unidos e Brasil subiriam para mais de 40% e em muitos outros países situar-se-iam acima dos 25% verificados em Outubro de 1995.
Os aspectos mais negativos do futuro CCP serão os dos desequilíbrios da sua composição interna, decorrentes não tanto da lei como da regulamentação governamental.
Ao eliminar da participação no CCP - apesar do alerta do PSD nesta Câmara! - o território de Macau, o Governo arriscou-se a deixar a Ásia sem qualquer representação, o que só não aconteceu por mérito de uma associação portuguesa existente num país onde há somente uma trintena de compatriotas - as Filipinas.
Ao atribuir, por seu exclusivo arbítrio, apenas um representante aos países de língua portuguesa em África, o Governo mostra, também neste domínio, o seu imenso descaso face à realidade da CPLP, à particular forma de integração e ao papel especialmente relevante que os portugueses desempenham em qualquer desses países, esvaziando de conteúdo a referência com que o legislador do CCP os pretendia distinguir. Alguns dirão que o CCP dos anos 80 dava a esse espaço lusófono uma representação semelhante, mas dirão mal! O CCP de 80 era um conselho associativo e não havia, então, possibilidade de fomentar o associativismo na fase pré-democrática que aí viviam. Hoje, o mínimo que se exigiria era um conselheiro para cada um desses países, que são para nós, seguramente, não menos relevantes do que Andorra ou do que as Filipinas.
Ao excluir da participação no CCP os luso-descendentes, o Governo cortou pelo meio ou por segmentos ainda mais consideráveis o universo real das comunidades portuguesas, inseridas no quadro da lusofonia ou da lusofilia, que assume a sua expressão mais admirável no Brasil e, de algum modo, já, também, nos demais países da CPLP.
Faço minhas as palavras do Deputado Eurico Miranda, que, no Congresso de Brasília, em Março passado, verberou ao Governo de Portugal esta sua estreiteza de

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vistas, que vedou aos brasileiros envolvidos nas grandes instituições portuguesas o acesso ao CCP, que sempre tiveram na década de 80.
Ao organizar o processo eleitoral num círculo único, por país ou países, sem atender às suas dimensões continentais, à diversidade das suas regiões e da forma de integração dos portugueses nas regiões, nas províncias, nos Estados federados, o Governo permitiu que a partir de áreas consulares onde há maior concentração de cidadãos se excluíssem todas as outras. Cito de novo o caso do Brasil, onde, ao que julgo, 24 dos 25 conselheiros são dos Estados do Rio e de S. Paulo e apenas um - excepção que confirma a regra! - virá do Estado de Pernambuco. Assim, nomeadamente, Minas Gerais, Pará, Maranhão, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, onde há comunidades e, sobretudo, instituições de grandeza sem paralelo em qualquer outra parte do mundo, estarão privadas de representação e de voz.
Pela aplicação do mesmo critério, nos países da União Europeia, que cabem dentro do Brasil - não se esqueçam! -, a representação poderia ficar entregue apenas a Paris ou à Suíça.
Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O Governo tomou em mãos um quadro estatístico e em abstracto, como "outrora se traçaram as fronteiras de África, à revelia das características e afinidades dos povos, estabeleceu um "mapa de representação" que parece um jogo de espelhos côncavos e convexos.
Por tudo isto, degradou a imagem do sucesso possível destas eleições.
O CCP, que as manchetes da informação desprestigiaram pela frieza abstracta dos números das taxas de abstenção, há-de salvar-se pela força concreta das pessoas. Assim seja!
Para finalizar, Sr. Presidente, quero apenas chamar a atenção para o facto de, sempre que se fala de comunidades portuguesas, a Câmara estar pouco interessada, o que me levou a fazer a minha intervenção sob um tumulto bastante considerável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não sei se não gostei mais daquela crónica da TSF!...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, pedi silêncio por várias vezes. Só se interrompesse a sessão, mas também me parece excessivo...

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, o meu reparo não era, de forma nenhuma, como é óbvio, dirigido a V. Ex.ª, cuja intervenção agradeço.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, antes de prosseguimos, informo que assistem à reunião plenária um grupo de 50 alunos da Escola Secundária Aurélia de Sousa, do Porto, um grupo de 50 alunos da Escola C+S de Pedrouços, de Ermesinde, um grupo de 150 alunos do Colégio Luso-Francês, do Porto, um grupo de 80 alunos da Escola dos 2.º e 3.º Ciclos de Toutosa, de Marco de Canavezes, um grupo de 36 alunos da Escola Secundária do Morgado de Mateus, de Vila Real, e um grupo de 23 alunos da Escola Secundária de Augusto Gomes, de Matosinhos.
Saudemos, pois, estes cidadãos do futuro.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, inscreveu-se o Sr. Deputado Carlos Luís. Vou dar-lhe a palavra, mas peço, novamente, silêncio no Hemiciclo - na Sala e nas galerias.
Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, nesta Câmara e em diversas circunstâncias, tenho saudado V. Ex.ª e tenho-a cumprimentado pela forma como tem encarado a problemática das comunidades portuguesas. Mas, Sr.ª Deputada, deixe-me que lhe diga que esta sua intervenção foi descabida por várias razões.
Em primeiro lugar, como V. Ex.ª sabe, só a partir do dia 9 é que existe o apuramento final dos resultados das eleições do dia 27 de Abril. Logo, V. Ex.ª antecipou-se, precipitou-se e tem uma antevisão que, provavelmente, não corresponde à minha.
Por outro lado, V. Ex.ª, que votou o diploma das comunidades portuguesas, o qual foi aprovado nesta Câmara por unanimidade, teceu severas críticas a esse diploma, quando a sua bancada e V. Ex.ª - e também a cumprimento por isso - tiveram uma participação activa na sua elaboração.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Mas, Sr.ª Deputada, uma bandeira levantada no passado, pelo PSD, era o voto dos emigrantes. Essa bandeira "esvaziou-se",...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - "Esvaziou-se", não! Ergueu-se, esvoaçou!

O Orador: - ... esse balão como que explodiu e penso que o nervosismo de V. Ex.ª traduz já os resultados provisórios e a antevisão do resultado que V. Ex.ª faz.
Em primeiro lugar, quero cumprimentar todos aqueles que foram eleitos e todos aqueles que participaram, numa atitude cívica e democrática.

Aplausos do PS e da Deputada do PSD Manuela Aguiar.

E deixe-me que lhe diga, Sr.ª Deputada, que, se mais participação dos emigrantes não houve, nestas eleições para o CCP, a sua bancada é a primeira responsável.

Aplausos do PS.

E porquê, Sr.ª Deputada? É que, durante 10 anos, repito, durante 10 anos, o PSD, com maioria absoluta, silenciou as comunidades portuguesas no estrangeiro.

Aplausos do PS.

Durante 10 anos, Sr.ª Deputada, as comunidades portuguesas foram impedidas de se manifestarem democraticamente e de dizerem aquilo que têm a dizer ao Governo e aos órgãos de soberania.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Não houve um único Congresso Mundial nos últimos 10 anos das comunidades portuguesas e, através do Decreto-Lei n.º 101 /90, o PSD, em vez de promover a eleição dos conselheiros para as comunidades

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portuguesas, utilizou a mesma falácia do anterior regime para nomear presidentes de junta de freguesia e presidentes de câmara, fazendo o mesmo em relação aos conselheiros das comunidades portuguesas, pois eram nomeados por cônsules e embaixadores,...

Aplausos do PS.

... retirando, assim, a participação democrática, cívica e activa às comunidades portuguesas.
Mas a pergunta que lhe quero fazer, Sr.ª Deputada,...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem de fazê-la de imediato, Sr. Deputado, porque já ultrapassou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, depois do dia 9, quando forem apurados os resultados finais, subirei à tribuna para me pronunciar sobre esta matéria, mas faço-lhe, desde já, a seguinte observação: pelos dados que tenho, houve maior participação para o Conselho das Comunidades Portuguesas do que para a eleição de V. Ex.ª é dos outros Deputados pelos círculos da emigração. Gostaria que comentasse este facto, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Luís, agradeço as suas palavras, mas parece-me que não ouviu o que estive á dizer. Aquilo que estive a dizer foi que houve participação, para quem considera níveis de participação realistas - e níveis de participação realistas foram os que propus no meu diploma, nesta Câmara, é o nível associativo e o nível daqueles que estão inscritos voluntariamente para votar, não é o das pessoas que vivem nas comunidades, integradas nessas comunidades e que, na sua maioria, como o Sr. Deputado sabe, nunca vão votar, nem sequer nas eleições presidenciais - o tal fantasma dos quatro milhões. Estas eleições, para além dessa virtude, e de muitas outras, da participação democrática das pessoas, que sempre defendi - sou defensora do sistema, como disse da tribuna, do sufrágio directo e universal -,tiveram esta vantagem: mostrar que os tais quatro milhões de eleitores não existem, Sr. Deputado. Os que existem são os que votaram e esses devem ser prestigiados, considerados e respeitados e não devem ser integrados em universos eleitorais fantasmagóricos, que provocam taxas de abstenção como aquelas que vimos.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - A Sr.ª Deputada só tem razão quando fala do Futebol Clube do Porto!

A Oradora: - Mas como estava a dizer, o que eu afirmei, Sr. Deputado, foi que a participação destas eleições foi excelente, mas foi muito mais excelente, Sr. Deputado, no meu círculo do que no seu! Foi muito mais excelente nos países onde eu andei a divulgar o Conselho das Comunidades do que nos seus, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

Devo acrescentar que quem escolhe os tempos de palavra é quem fala. E como o Sr. Deputado já se apressou a felicitar os conselhos que estão eleitos, e até já se apressou a mencionar os que julga que são do seu quadrante político...

O Sr. Carlos Luís (PS): - Eu não disse isso!

A Oradora: - ..., o Sr. Deputado sabe muito bem quem eles são, mas eu também sei. No círculo de Fora da Europa, a eleição foi muito despolitizada e não considero que nenhum único conselheiro do meu círculo seja eleito contra mim ou contra o meu partido. São todos bem-vindos e a todos felicito por igual.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, fiz sessões de esclarecimento de uma forma completamente apartidária, nas condições que o Sr. Deputado sabe muito bem que são aquelas que a Assembleia da República nos dá, em perfeita discriminação com ás que dá a todos os outros Deputados, e não podia fazer mais do que fiz e o Sr. Deputado, com certeza, que também tez o mais que podia. O que não podemos dizer é que o Governo de Portugal fez o mais que podia, porque não fez!

O Sr. Carlos Luís (PS): - Fez, fez!

A Oradora: - O Governo de Portugal não fez! Como afirmei da tribuna, tudo isto foi organizado de uma forma perfeitamente despropositada.
O Sr. Deputado fala do fomento da participação, da quimera da participação, dos milhões em que este Governo se escuda. Este Governo libertou os portugueses há 18 meses, libertou os portugueses das comunidades para votar. E quantos votaram? Votaram os que sempre votaram, interessaram-se os que sempre se interessaram. É preciso saber respeitar aqueles que não enviam remessas para Portugal, porque a sua ligação ao País não é feita pela via económica; é preciso respeitar os portugueses que não querem participar politicamente nas eleições portuguesas, e eu respeito-os! Eu, que defendo o sufrágio dos emigrantes, e sempre defendi, respeito os que não querem votar, quem não os respeita, Sr. Deputado, é quem os integra à força num colégio eleitoral, em que todos vão contar para a abstenção.
Muito obrigada pelas suas palavras, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A autonomia das regiões insulares é uma conquista irreversível e indiscutível. A autonomia é um processo dinâmico, como dinâmica é a história dos homens.
Os madeirenses lutaram ao longo de gerações e esse esforço é patente a quem nos visita. Os socalcos arrancados às montanhas, em forma de degraus gigantes, e as Levadas que as circundam desde o norte da ilha atestam a grandeza do povo madeirense. Estas Levadas, pelo seu engenho e arte, deveriam ser consideradas património mundial.

Entretanto, regista-se, de novo, burburinho na Sala.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, peço, uma vez mais, atenção e respeito pelas intervenções

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que estão a ser feitas. Há uma agitação na Sala que não é compatível com a dignidade desta reunião plenária.
Peço, pois, aos Srs. Deputados o favor de se sentarem e que se faça silêncio na Sala.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Apesar do esforço em arrancar da rocha a terra arável, o madeirense viu-se obrigado, desde muito cedo, a abandonar a sua terra, emigrando. Era do regime de monoculturas, viradas para a exportação, que os colonos madeirenses sustentavam os donos das terras, sendo as culturas de subsistência secundarizadas, espalhando a fome e a miséria à maior parte da população.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: À inicial cultura do açúcar, seguiu-se-lhe a do vinho, que fez delícias em algumas cortes europeias. A indústria açucareira, introduzida no Brasil, entretanto descoberto, arruinou a madeirense. De exportadora vai passar a Madeira a importar açúcar. A cana-de-açúcar é novamente introduzida em substituição do vinho e as fábricas de aguardente e melaço atingem a dezena.
Entretanto, a Madeira introduziu na Europa o gosto pela banana, antes mesmo das Canárias e da América Central. A exportação para o mercado continental chega a atingir as 40 000 toneladas anuais, numa altura em que a concorrência era inexistente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É no século passado que se inicia na Madeira o que virá a ser a "galinha dos ovos de ouro" da sua economia, a transformação da Madeira em instância turística de Inverno e, muito embora de fraco desenvolvimento, é, neste sector, a Madeira pioneira em Portugal, com quase 200 anos de existência.
Assim, a indústria dos bordados da Madeira vai também ganhar importância através de mãos inglesas, que, de resto, já influenciavam a vida comercial madeirense, incentivada com o casamento de Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra.
À semelhança dos portugueses, que tinham estabelecido feitorias na Índia e em África, os ingleses estabeleceram uma feitoria na Madeira. Neste século, já foi a Madeira mais importante noutras indústrias, entre elas a dos lacticínios e a de conservas de peixe. Chegámos a ter mais de 20 fábricas de lacticínios e várias fábricas de conservas, sendo a maior parte da produção destinada à exportação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a chegar ao fim do século e quando outros povos já se encaminhavam ao encalço do século XXI, nós ignoramos a Europa e o mundo. Era a política do "Orgulhosamente só". Afogámo-nos em várias guerras e com elas consumimos e empobrecemos Portugal, os portugueses e os povos, então, coloniais, hoje, de língua oficial portuguesa.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Muito bem!

O Orador: - Só a Revolução de Abril lhes pós termo, restituindo a liberdade ao povo português e aos povos, então, coloniais. Com as autonomias das Regiões da Madeira e dos Açores consagradas, Portugal democrático, agora sim, iniciou a sua caminhada ao lado das nações mais civilizadas do mundo, não esquecendo as relações com os PALOP.
As regiões, hoje insulares, também elas, sofreram a mão fechada e centralizadora de Lisboa, à semelhança dos, então, impérios coloniais. Os madeirenses encontraram na emigração a forma de conseguir o pão, que lhes era negado na sua terra. Hoje, é fácil detectar-se madeirenses em qualquer parte do mundo, especialmente na Venezuela, no Brasil, no Canadá, na Austrália, na África do Sul e em muitas ilhas dispersas das Caraíbas e, mais recentemente, em Inglaterra e na Suíça.
A população residente na Região Autónoma da Madeira é de cerca de um quarto da residente no exterior, que atinge um milhão de pessoas. O amor à sua terra é cultivado de forma muito especial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O surto de investimento, verificado após a Revolução de Abril, na construção civil e obras públicas ficou-se a dever à autonomia e consequente regionalização. As verbas necessárias vieram dos fundos estruturais da União Europeia e do Orçamento do Estado, as quais atingiram cerca de 250 milhões de contos. Não obstante, houve necessidade de contrair empréstimos. A uma dívida inicial de 20 milhões, hoje estamos a cerca de 170 milhões de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Essa famigerada dívida, a que a Região se viu obrigada a contrair, em períodos difíceis, apesar de incompreendida, necessita de tratamento adequado, por parte do Estado, que não os constantes protocolos assinados entre o Estado e a Região.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aproveito esta oportunidade e do alto desta tribuna faço um apelo ao Parlamento e ao Governo da República, apoiado pelo meu partido, que tentem resolver com a maior celeridade possível uma situação que se arrasta há longo tempo.
Se há "Empresa" em Portugal, que mereça apoio incondicional do Estado, é esta grande "Empresa" a que os madeirenses, porto santenses e açorianos meteram ombro - a Autonomia das Regiões Insulares. Houve esbanjamento e descontrolo das finanças regionais, mas a verdade é que isso aconteceu um pouco por toda a parte, em maior ou menor grau.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Ora dor: - A Região Autónoma da Madeira é hoje diferente de há 20 anos a esta parte. As condições que se abriram às ilhas, agora regiões politicamente autónomas, devem-se, em primeiro lugar, ao povo ilhéu e ao Portugal democrático e europeu.
Os erros, dificuldades ou mesmo acidentes de percurso, não podem de forma alguma serem imputada s às instituições autonómicas mas, sim, aos seus concretos governantes. Estes é que, por vezes, não estão à altura das suas responsabilidades e confundem funções de Estado com populismo anárquico, mal-educado e trauliteiro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esqueçam, Srs. Deputados, os maus exemplos que influenciaram o anterior Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, no que se refere à regionalização administrativa do continente.
Comungamos da opinião de que, apesar de tudo, apesar de alguns desvios ao Estado de direito democrático e de alguns atentados à democracia na Região Autónoma da Madeira, valeu a pena a caminhada.

Aplausos do PS.

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Podemos afirmar que se Portugal continental iniciasse o seu processo de regionalização administrativa há mais tempo, hoje a realidade era bem outra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do surto aparente de desenvolvimento e das taxas de crescimento serem interessantes, o PIB por habitante ainda se mantém a cerca de 70% do continente e a cerca de 40% dos valores médios da União Europeia.
Verifica-se que a economia não cresceu de uma forma sustentada e sustentável. À excepção do turismo, da construção civil e de algum comércio, os sectores produtivos da economia estão estagnados. No sector agrícola, ainda conseguimos exportar bananas e flores, mas com um futuro pouco animador.
As injecções maciças de dinheiros públicos nas despesas da Administração e no lançamento de obras públicas, algumas de prioridade discutível, são responsáveis pelos indicadores económicos, especialmente pelo crescimento do PIB.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos daqueles que pensamos que o investimento público, por si só, não criará condições de futuro para a Madeira e Porto Santo, esta ilha, também ela, dependente da Madeira e necessitando de uma atenção especial, no âmbito da autonomia. A satisfação das necessidades básicas da população, educação, saúde e segurança social só podem obter resposta adequada e satisfatória se a economia for capaz de gerar riqueza e, assim, libertar recursos financeiros imprescindíveis.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - É urgente, na Região Autónoma da Madeira, mobilizar e libertar a sociedade civil, no sentido de privilegiar o esforço produtivo e o desenvolvimento da inovação e da criatividade, com vista à preparação de uma economia saudável.
O Governo Regional não pode atrofiar a iniciativa dos. cidadãos, na tentativa de tudo manietar, começando na economia e acabando no futebol, utilizando descaradamente os órgãos de informação estatizados, entre eles a RTP, a RDP e o Jornal da Madeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo da República não pode continuar nesta cumplicidade, relativamente à RTP e RDP na Região Autónoma da Madeira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O lançamento da Zona Franca Industrial não constituiu o êxito que o Governo Regional esperava, muito embora se esperasse que fosse um bom exemplo de diversificação e de internacionalização da economia madeirense.
Apesar de estarem constituídas cerca de 3000 empresas, no âmbito do chamado Centro de Negócios da Madeira, o qual inclui a Zona Franca e o Centro Offshore, bem como o Registo Internacional de Navios, o seu contributo para o desenvolvimento regional é diminuto e o número de postos de trabalho está muito aquém do que se pensava criar e a maior parte das empresas não têm qualquer actividade. As nossas acessibilidades são das mais caras do mundo, especialmente as marítimas, havendo, na prática, um oligopólio entre as três empresas que operam no mercado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso défice orçamental, no estado actual da nossa economia, é um défice estrutural e só o auxílio externo da República, da União Europeia ou de outro lugar qualquer, a fundo perdido, como é óbvio, ajudará a resolver a nossa mais que débil economia.
À solidariedade da República, deveria o Governo Regional corresponder num esforço na contenção das despesas públicas. A nossa agricultura está estagnada e os campos abandonados, especialmente no norte da Madeira. A população aproveita as novas estradas e caminha em direcção ao Funchal e zona sul da Madeira, onde já habitam 90% dos madeirenses. Nos últimos 20 anos, houve crescimento económico mas o verdadeiro desenvolvimento continua, infelizmente, a ser uma miragem para a população madeirense. Há 20 anos que o Governo da Região Autónoma da Madeira é maioritariamente do PPD/ PSD e nunca se estabeleceu um relacionamento financeiro entre a Região e o Estado, baseado na transparência e nos princípios que devem nortear as relações entre órgãos de soberania.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi necessário mudança a nível nacional, um Governo PS, para que se iniciasse a feitura de uma lei de finanças regionais a submeter a este Parlamento e se aprofundasse a autonomia, na revisão constitucional em curso. É a forma de o PS responder às autonomias e à regionalização e acabar, de uma vez por todas, com as contas de mercearia, que têm pautado o nosso relacionamento.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Há que clarificar, de forma objectiva e concreta, o futuro relacionamento financeiro entre o Estado e a, Região e, assim, iniciarmos uma nova era no relacionamento político entre governantes regionais e governantes nacionais. Que a inadmissível chantagem política não tenha mais lugar, corroendo as instituições e as relações entre as pessoas que as representam, instalando-se a suspeição, reprováveis num Estado de direito. Há que fundamentar os princípios enformadores da nova lei - e por isso entendi oportuno vir a esta Assembleia falar-vos do estado da economia da Região Autónoma da Madeira.
É preciso um esforço concertado entre o Governo Regional e o Governo da República, numa nova maneira de fazer política, diferente da que vem sendo realizada nestes últimos 20 anos, em que o folclore verbal, de teor arruaceiro, vem campeando impunemente. No passado,, reconhece-se que a chantagem deu os seus frutos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilhermino Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Arlindo Oliveira, quero, antes de mais, cumprimentá-lo e saudá-lo pela sua primeira intervenção na Assembleia da República, no exercício do seu mandato de Deputado, integrando o Partido Socialista pelo Círculo Eleitoral da Madeira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Até agora, está tudo bem!

O Orador: - Sr. Deputado, ouvi a sua intervenção e foi pena que V. Ex.ª tivesse mesclado aspectos relevantes

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e positivos com críticas menos fundadas à acção do Governo Regional e dos governos da República anteriores ao actual Governo do Partido Socialista. E digo que foi pena, porque V. Ex.ª assumiu um discurso que nem sempre foi o do seu partido, relativamente à dívida da Madeira, reconhecendo que ela foi criada por falta das necessárias transferências do Orçamento do Estado para a Região, que foi resultante de investimentos públicos que estão à vista de todos - a obra está feita - e que é necessário haver coragem para resolver este problema da dívida.
Aliás, quero lembrar que foram, pela primeira vez, os governos do Professor Cavaco Silva e do Ministro Cadilhe que assumiram uma solução que não foi ainda a solução integral, mas foi um passo importante na assumpção dos 50% dos juros da dívida e na celebração do protocolo de reequilíbrio financeiro.
É agora, depois das promessas do passado do Partido Socialista, que me dirijo ao Sr. Deputado para pedir o seu empenho e influência, enquanto elemento integrante da bancada que apoia o Governo,...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Para arranjar mais dinheiro para o futebol?

O Orador: - ... para que, ao inaugurar-se uma nova era com a lei das finanças regionais - e espero que o Governo a apresente aqui e que a aprovemos ainda na presente sessão legislativa -, a sua bancada tenha hoje um discurso coerente com o do passado a fim de que haja uma assumpção da dívida por parte do Estado para, dessa maneira, se verificar um marcar de uma nova relação, um marcar de um novo estatuto nas relações entre as regiões autónomas e o Estado no âmbito financeiro, porque será essa a forma de se dar o passo seguinte. Se os governos do PSD continuassem a exercer o mandato popular, seria esse o passo seguinte e tanto assim é que a marca que deixou foi o protocolo de reequilíbrio financeiro.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, agradeço as suas primeiras palavras. De facto, é a minha primeira intervenção neste Hemiciclo e estava um pouco emocionado, mas a verdade é que me sinto muito honrado por fazer esta intervenção em nome do Partido Socialista/Madeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Queria dizer-lhe - e ainda bem que o Sr. Deputado reconhece - que, com o Partido Socialista no poder, uma nova era se inaugurou no relacionamento entre a Região e o Governo central.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É pena que a Região não responda da mesma maneira democrática, dialogante e civilizada que o Governo da República utiliza.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Lá isso é verdade!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo da República é um governo responsável, estende a mão à Região Autónoma porque entende que esta é parte integrante de Portugal mas, por vezes, os governos regionais, na pessoa do seu presidente, lembram mais um país saído de uma república qualquer de um país africano.

Protestos do PSD.

Se o Sr. Deputado reparar, o relacionamento dos países africanos, hoje independentes, de língua oficial portuguesa é muito mais civilizado com a República Portuguesa do que aquele que se verifica entre o Governo regional e a República, apesar de o relacionamento actualmente oferecido pelo Governo do Partido Socialista ser um relacionamento institucionalizado, correcto. dialogante, em que põe as funções de Estado acima das funções partidárias. Ainda bem que V. Ex.ª, Sr. Deputado, o reconhece. Faço-lhe o seguinte apelo: que aconselhe o Presidente do Governo regional a ficar pela Madeira, a resolver os problemas - da Madeira, a resolver os problemas da dívida, em vez de vir aos fins-de-semana para Lisboa (embora tenha o seu direito) fazer propaganda política e deixar mal os madeirenses, porque estes merecem mais e melhor do seu Presidente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de uma carta de uma Sr.ª Deputada a pedir a renúncia do mandato e de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre retoma de mandato e substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o pedido de renúncia da Sr.ª Deputada Rosa Mota (PS) diz o seguinte: "Rosa Maria Correia dos Santos Mota, Deputada eleita pelo Círculo Eleitoral do Porto, vem requerer a V. Ex.ª se digne aceitar o pedido de resignação ao mandato para que foi eleita".
O parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor:

l - Em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizada no dia 7 de Maio de 1997, pelas 10 horas, foram observadas a seguinte retoma de mandato e substituição de Deputados:
a) Retoma de mandato, nos termos do artigo 6.º, n.os l e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março)
Grupo Parlamentar do Partido Socialista:
Rosa Maria Correia dos Santos Mota (Círculo Eleitoral do Porto), em 3 de Maio corrente, inclusive, cessando Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
b) Substituição, nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março)
Grupo Parlamentar do Partido Socialista:
Rosa Maria Correia dos Santos Mota (Círculo Eleitoral do Porto), por Sérgio Carlos Branco Barros e Silva, com efeitos a 3 de Maio corrente, inclusive. Na mesma data, em consequência da renúncia ao mandato da Deputada Rosa Mota, assume o mandato em regime de efectividade o Deputado Fernando Antão de Oliveira Ramos, que já exercia funções em regime de substituição, conforme relatório n.º 3 da Comissão Eventual de Verificação de Poderes, de 7 de Novembro de 1995.

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2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A retoma de mandato e a substituição em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o parecer está à discussão.
Dado que não há pedidos de palavra, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminou o período de antes da ordem do dia

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 196/VII - Estatuto do dirigente associativo voluntário (PCP) e 298/VII - Estatuto do voluntariado para a solidariedade social (PSD).
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP propõe hoje à Assembleia da República que aprove um estatuto legal do dirigente associativo voluntário. Trata-se de cidadãos dirigentes de associações que não visem o lucro económico dos respectivos associados, dirigentes esses que não tenham um vínculo remunerado com essas associações mas que, pelo contrário, exerçam as suas funções directivas em regime de gratuitidade, na base de um total voluntariado.
Estes são cidadãos credores da nossa admiração, do nosso reconhecimento, na medida em que, por uma opção pessoal e exclusivamente por abnegação, dão horas do seu esforço, prescindem do seu descanso em benefício das associações de que são dirigentes, associações que não funcionariam sem esses dirigentes e sem esse esforço voluntário. São cidadãos que nada pedem em troca nem nada recebem em troca a não ser cansaço, a não ser problemas que têm de resolver em nome das suas associações e que recebem o prazer pessoal, que é o de dar o melhor de si próprios em benefício da comunidade, em benefício das suas colectividades.
A adopção de um estatuto social para o voluntariado relativamente a um certo tipo de associações não é inédita, há várias situações no direito português em que é consagrada a situação específica de determinados dirigentes. Embora não se trate propriamente de associações, existe já um estatuto dos eleitos locais e um estatuto próprio dos dirigentes sindicais e de comissões de trabalhadores.
Mas, para referir concretamente várias situações de associações cujo dirigente tem um estatuto específico, bastará lembrar a existência do Estatuto Social do Bombeiro, do Estatuto do Dirigente Desportivo, embora abranja exclusivamente os dirigentes das federações desportivas e não propriamente os dirigentes dos clubes ou das colectividades, do Estatuto do Dirigente Associativo Estudantil, embora aí não se destine a regular uma situação para com a entidade patronal mas uma relação específica entre o dirigente associativo estudantil e o funcionamento da respectiva escola.
Por outro lado, de há muito que se tem vindo a falar num estatuto específico para os dirigentes das instituições privadas de solidariedade social (para o que temos hoje um projecto do PSD também em discussão, especificamente sobre essa matéria), para além de, também há muito, se falar num estatuto específico para os dirigentes de associações de pais e encarregados de educação que exerçam funções de direcção, administração ou gestão das escolas nessa qualidade. Portanto, não é matéria inédita: há várias expressões no direito português.
O nosso projecto diz respeito ao dirigente associativo em geral e insere-se numa linha, que temos vindo a privilegiar, de luta por uma política e por uma legislação de apoio ao movimento associativo que tenha em conta aquele que é o seu inestimável valor social. Ninguém pode ignorar que o associativismo constitui uma das maiores riquezas do nosso país. Bastaria perguntarmos o que seria do desporto nacional se não existissem as colectividades que lhe dão corpo. Importa aqui lembrar que o desporto amador corresponde a cerca de 90% do total do fenómeno desportivo em Portugal e que é assegurado, no essencial, por colectividades que são dirigidas precisamente por dirigentes associativos voluntários. Bastaria pensar o que seria da nossa cultura se não existissem as bandas de música que muitas colectividades alimentam por esse país fora, se não existissem os grupos de teatro amador, se não existissem os cine-clubes, se não existissem as colectividades que promovem as mais diversas iniciativas de âmbito cultural e recreativo.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Bastará pensar o que seria a acção social no nosso país se não existissem instituições particulares de solidariedade social, se não existissem associações de apoio aos idosos, se não existissem as associações de deficientes.
Poderíamos pensar, ainda, o que seria de nós todos se não existissem as associações de bombeiros, que existem, felizmente, por este país fora!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os dirigentes destas associações desenvolvem uma actividade cujo mérito só o Estado não reconhece. Efectivamente, se algum membro do Governo ou se algum Deputado, de qualquer partido, visitar uma colectividade, como acontece frequentemente, não deixará, nas palavras, de enaltecer o enorme esforço desenvolvido por todos os seus dirigentes voluntários e de garantir o seu apoio a que sejam tomadas medidas de incentivo à actividade das associações! Mas, depois, aquilo a que assistimos é a um enaltecimento nas palavras e a um desprezo prático no actos! Creio que hoje estamos aqui perante uma oportunidade de demonstrar que assim não é e de verificar quem é que está disposto, efectivamente, a dar um passo positivo no apoio do Estado às associações.

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Este projecto de lei visa, acima de tudo, apoiar o associativismo. A situação actual em que as colectividades se encontram, de pagar para poder existir, não faz nenhum sentido! O regime de utilidade, pública é hoje praticamente irrelevante, dada a sua manifesta desactualização: uma banda de música tem de pagar 17% de IVA pelos instrumentos que adquire; uma colectividade que faça um peditório entre os seus associados ou entre a população para recolher dinheiro para construir uma sede ou para comprar equipamentos vê "fugir" pela porta das Finanças uma parte significativa do seu esforço. Não é possível ignorar muitas colectividades, algumas delas centenárias e de grande prestígio, outras com enormes responsabilidades na medida em que movimentam centenas, quando não milhares, de jovens praticantes desportivos, que têm hoje uma dificuldade extrema em encontrar pessoas que possam - não é que queiram, mas que possam - ser dirigentes que assegurem o funcionamento dessas colectividades. Há colectividades de grande importância e de enorme prestígio que, hoje em dia, se vêem na contingência de terem de fazer três e quatro assembleias gerais para conseguir encontrar pessoas que tenham possibilidades reais de assegurar a respectiva direcção.
Ao contrário do que alguns possam dizer, o que nós propomos é muito pouco, mas gostaríamos, inclusivamente, de poder propor mais a cidadãos como os dirigentes das colectividades, que dão tanto à colectividade, que dão tanto ao seu semelhante. Propomos apenas que lhes seja permitida alguma disponibilidade relativamente ao seu regime laborai. Isto sem prejuízo para as respectivas empresas que os empregam e dando até algumas vantagens às empresas que queiram colaborar neste esforço, através de um esquema de mecenato, na medida em que as empresas que estejam disponíveis para assumir o encargo financeiro da disponibilidade laborai que seja permitida nos termos da lei possam ser majoradas em sede de IRC por esse facto. Queremos acreditar que as empresas não deixarão de aderir a este esforço. Há muitas empresas que apoiam as colectividades do local onde exercem a sua actividade, que o fazem com gosto e que, seguramente, também estarão disponíveis para apoiar os respectivos dirigentes desta forma.
Não estamos a propor benesses para ninguém - que isto fique registado, porque é importante. Esta disponibilidade quê propomos para os dirigentes associativos não é para eles irem ao cinema ou para estarem com a família, embora muitos deles bem precisassem de poder estar mais tempo com a família! Nós propomos uma disponibilidade para trabalhar para o bem da comunidade, para o bem do País. Quando os dirigentes associativos de todos os partidos, sem qualquer excepção, reivindicam um estatuto próprio, não o fazem para poderem beneficiar com ele, apenas querem que toda a comunidade possa ser beneficiada com esse estatuto que eles reivindicam.
Alguns Srs. Deputados poderão criticar um ou outro aspecto deste projecto de lei - estão no seu direito, achamos muito bem que o façam. Encontremos soluções de consenso, mas não se procurem encontrar pretextos para recusar liminarmente a adopção de um estatuto para o dirigente associativo voluntário. Avancemos alguma coisa que vá para além da injusta situação actual. E isso que propomos a todos os Srs. Deputados. Nenhum dirigente associativo, nenhum associado de qualquer associação, seja de que partido for, compreenderá que este projecto de lei seja recusado na generalidade. Os Srs. Deputados que recusem liminarmente a apreciação deste projecto na especialidade e que recusem a aprovação de um estatuto próprio para os dirigentes associativos, que tenha em conta os meritórios e inestimáveis serviços que eles prestam ao País, assumirão perante todos os dirigentes associativos voluntários e perante todas as colectividades a responsabilidade de lhes negar um pouco - um pouco! - do justo reconhecimento que, lhes é devido.
Daí que apelamos a todos os Srs. Deputados para que a Assembleia da República não desperdice esta oportunidade de poder atribuir legalmente um estatuto social mais justo aos dirigentes associativos voluntários, que tanto fazem pela juventude, pela cultura, pelo desporto, pela acção social no nosso país.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O voluntariado social representa uma das formas mais generosas da participação dos cidadãos em prol dos mais carenciados. Constitui, aliás, um dos dados mais seguros da evolução da sociedade portuguesa o papel relevante das instituições particulares de solidariedade social pelos inestimáveis serviços que prestam à comunidade. A actividade das IPSS é já hoje manifestamente reconhecida, quer pelas populações quer pelo próprio Estado, apesar das dificuldades com que exercem a sua actividade. E ainda um dos domínios onde se pode contribuir para o crescimento de novos postos de trabalho.
Convicto desta realidade, o PSD apresentou um projecto de lei de apoio à criação de emprego pelas IPSS que aguarda a oportunidade de agendamento. E preciso destacar a tarefa e o empenho das pessoas que nelas trabalham. O esforço e por vezes o sacrifício, sem buscar qualquer proveito pessoal, merecem ser destacados e reconhecidos publicamente por toda a comunidade. Mais se destaca quando esta acção se acumula com o desempenho de funções profissionais, o que implica uma perda dos seus tempos livres em acções de solidariedade social para com os outros. Esta é ainda uma das manifestações mais puras da democracia participativa e particularmente do valor participação, consolidando este valor como um dos mais relevantes deste final de século.
As tarefas dos voluntários para a solidariedade social são relevantes e merecem a nossa atenção, dignificando o seu estatuto perante a sociedade, assumindo que o seu papel representa uma acção social complementar à exercida pelos profissionais. As políticas de inserção social e de fomento à solidariedade social para serem eficazes devem contar com um movimento de voluntariado dinâmico e actuante.
O projecto de lei que hoje apresentamos visa contribuir para alcançar estes objectivos de reconhecimento e dignificação de um conjunto de pessoas que generosamente estão disponíveis para ajudar os outros. Sobrelevam aqui o espírito de abnegação, o valor de participação, o sentido de auxílio ao próximo num claro pronunciamento a favor da vitalidade da sociedade civil, tantas vezes enunciada, mas muitas vezes esquecida. Daí igualmente que se reconheça que a acção de voluntariado constitui uma das formas de intervenção social menos rígidas e mais inovadoras, cujos resultados têm uma repercussão directa junto dos cidadãos e sem qualquer tipo de intervenção de organismos públicos, o que a torna num verdadeiro retrato do

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pulsar da referida sociedade civil. Esta é uma tendência crescente em toda a Europa, com consagração em Espanha, na Bélgica, em Itália e no Reino Unido e pelo próprio Conselho da Europa, que aprovou uma recomendação neste sentido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Através do presente projecto de lei, consagra-se a gratuitidade das tarefas a desempenhar pelos voluntários sociais, os deveres e direitos que lhes são inerentes, a possibilidade de serem criadas associações de voluntários com estatuto similar às associações de solidariedade social. É ainda criado um organismo de natureza nacional que agregue os representantes das principais estruturas que trabalham em domínios do voluntariado e que funcionará como interlocutor do Governo para desenvolver e incrementar a acção para o voluntariado social.
O voluntariado para a solidariedade pode parecer uma contradição, numa sociedade virada mais para o consumo e para a busca do lucro fácil, porque transporta consigo valores essenciais da solidariedade. Ele é testemunho do trabalho em equipa, da generosidade, do compromisso livre de trabalhar para os outros sem buscar proveitos pessoais.
Assume ainda um reconhecimento do papel das IPSS, instituições que se têm substituído muitas vezes ao próprio Estado e que importa continuar a dinamizar pelas acções que desenvolvem. A política social não se harmoniza com intervenções estatistas e estáticas. A flexibilidade e o dinamismo de que se tem revestido o trabalho das IPSS tem de ser reconhecido continuadamente - quer pelas instituições em si, quer pelos profissionais que nelas trabalham, quer pelos voluntários que com elas cooperam.
Este é o desiderato do nosso projecto e esperamos contar com o apoio dos restantes grupos parlamentares para este fim: reconhecer o trabalho dos voluntários para a solidariedade social e contribuir para a dignificação da acção das pessoas e para o fomento e protecção do próprio voluntariado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Rodeia Machado, a quem concedo a palavra.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Rodrigues, ouvi com atenção a apresentação do projecto de lei do PSD sobre esta matéria e gostava, fazendo alguns considerandos, de colocar-lhe algumas perguntas.
Naturalmente que não questionamos o voluntariado, pois para nós é algo de importante pelo muito que tem dado a este país e que espero continue a dar, mas o vosso projecto de lei merece da nossa parte algumas considerações. Não compreendemos muito bem qual a razão por que propõe que o estatuto desse voluntariado social se transforme em IPPS, na medida em que as IPPS já existem e esse voluntariado também. Portanto, esse voluntariado tem de se integrar perfeitamente nas IPPS. É claro que essas associações têm toda a legitimidade de existir, mas criar uma associação própria só para voluntariado não nos parece uma ideia muito acertada. Qual a razão por que esse voluntariado não se integra nas associações com o próprio estatuto das IPPS? Equiparar associações de voluntários a IPPS parece-nos excessivo.
Aliás, também nos parecem excessivos os deveres imputados. Assim, o artigo 5 º do vosso projecto diz: "Constituem em especial deveres do voluntário para a solidariedade social: (...) d) Guardar sigilo relativamente aos factos de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções e que não se destinem a ser publicitados;" e, se bem que não nos preocupe naturalmente a realização das tarefas definidas, já nos parece complicado o dever de sigilo atrás referido. Creio que é ir longe de mais em relação a esta matéria até porque do ponto de vista prático, naturalmente, a aplicação de qualquer sanção a um voluntário é extremamente difícil de fazer exactamente pelo seu carácter voluntário. E marcar no estatuto estes deveres como fundamentais creio que é demasiado excessivo.
Por outro lado, a criação das associações configura para nós uma coisa que pode parecer cedência de mão-de-obra dessa associação a terceiras entidades o que configura uma espécie de Manpower embora sem fins lucrativos. Gostaria que esclarecesse devidamente esse ponto.
Em suma, está o seu partido disponível para, no caso de o diploma ser votado favoravelmente, proceder, em sede de especialidade, a uma análise exaustiva e a alterações que pudessem consubstanciar aquilo que acabei de dizer?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir de esclarecimento, está também inscrita a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, a quem concedo a palavra.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, permita-me que antes do pedido de esclarecimento faça uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, após a intervenção do Sr. Deputado António Filipe de apresentação do projecto de lei do PCP, tinha-me inscrito para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado, mas, por qualquer lapso que não me imputável, não me foi dada a palavra. Não é possível fazê-lo agora?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, penso que não é regimental.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sendo assim, farei a minha pergunta ao Sr. Deputado António Rodrigues.
Sr. Deputado, li com atenção este projecto de lei do PSD e, ao contrário do projecto do PCP que me parece bastante mais razoável, considero-o um projecto de esquerda que nunca governou - é uma coisa curiosa! -, desde logo, pelo facto de atirar com uma série de encargos para cima das empresas sem que se diga porquê, com que fundamento ou com que direito.
Assim, cria um seguro social voluntário que não sei o que é mas que me poderá explicar. Depois cria uma coisa que é uma tentação inevitável para a bancada do PSD: um comissariado que é aquilo com que começamos tudo para nada acabar! Além disso - e isso é que me parece grave porque vem duma bancada que não sendo de direita também não é de esquerda -, há a ideia de burocratização e funcionalização do voluntariado. Acho que os senhores

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confundiram o mercado social de emprego com o voluntariado. Só que não é a mesma coisa.
Ora, o voluntariado assenta, sobretudo nas sociedades mais desenvolvidas, num espírito de civismo em que as pessoas se disponibilizam a dar uma parte do seu tempo, certamente com algum sacrifício, para várias coisas em que acreditam. Portanto, elas não pediram nem pedirão um comissário, que não vão conhecer e que não lhes vai fazer nada, nem um seguro social voluntário que criará encargos às empresas e que virá a redundar em prejuízo delas.
Estamos a tratar do mercado social de emprego ou do voluntariado?! Para que servem uma comissão e um comissariado?! Se fizéssemos o balanço dos que existem não estaríamos agora a responder a esta pergunta...! Aliás, como é que explica que as empresas possam ser penalizadas por terem voluntários?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, permita-me que lhe diga que julgava que as questões de voluntariado seriam transversais e consensuais nesta Câmara e que facilmente conseguiríamos chegar a um entendimento sobre este tema. Ora bem, da parte do PSD, tal como o desafio que lancei da tribuna aos restantes grupos parlamentares, aceitamos o repto de, em sede de especialidade, melhorar este diploma, pois não temos a pretensão de apresentar uma verdade única relativamente a esta matéria. Aliás, discutindo este assunto de boa fé - e foi neste sentido que apresentámos o projecto -,julgo que a actividade das IPPS que se faz em todo o país e que se tem multiplicado felizmente, engloba dentro de si virtualidades que devem ser potenciadas. E, mais do que isso, deve, acima de tudo, passar pela dignificação das pessoas quede alguma forma generosamente acabam por dar o seu contributo. Assim, o intuito de apresentação deste projecto de lei é, mais do que qualquer conteúdo do diploma, dizer à sociedade portuguesa na sua globalidade e às pessoas que voluntariamente prestam a sua actividade, que reconhecemos o trabalho que elas prestam. Daí que tenhamos tentado construir um projecto que de alguma forma dissesse às pessoas que queremos reconhecer essa tarefa já que não são retribuídas pelo tempo que sacrificam na sua vida pessoal. Em suma, a Assembleia da República e a própria sociedade portuguesa dizem-lhes: muito obrigado pelo que fazem.
Relativamente às questões em concreto, embora possa reconhecer que o diploma não o expresse devidamente, julgo que está a ver um fantasma relativamente à suposta Manpower. Falamos aqui em associações de voluntários porque entendemos que há muita gente que presta a sua actividade em termos de voluntariado que é generosa mas, por vezes, não tem formação suficiente para o efeito e as IPPS muitas vezes não lhes dão sequer essa formação, nem tem capacidade, nem vontade de perder tempo com esse tipo de situações. Pretendemos que as pessoas que querem alcançar um determinado objectivo tenham oportunidade - também transversalmente porque a actividade das IPPS e extraordinariamente transversal, pois vai da infância até à velhice tratando de uma multiplicidade de situações, quando provêm de instituições diferentes -, de se juntar no sentido de poderem não só obter troca de experiências mas, acima de tudo, ter acções de formação relativamente às matérias ou às acções que querem vir a desenvolver. Mas, como lhe disse, estamos disponíveis para limar qualquer aresta relativamente a este projecto de lei.
Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, acho que está a olhar para este diploma e a ver fantasmas porque nem pretendemos ser estatistas nem ser burocratas. E se prevemos a criação de uma comissão é porque há situações em que comissões se justificam, nomeadamente para haver representantes e interlocutores válidos .junto do Governo numa matéria tão importante quanto esta. Não temos a pretensão nem queremos criar tantas comissões ou grupos de trabalho como têm sido criados por esse país fora por este Governo. Neste caso em concreto, e porque se trata exclusivamente de matéria que resulta do voluntariado das pessoas que pretendem acima de tudo ajudar os outros, entendemos que deve haver aqui uma representação institucional que possa, perante o Governo, representar as matérias do voluntariado porque as questões do voluntariado são transversais, diagonais, ultrapassam toda uma série de situações.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - E é uma representação fundamental?

O Orador: - Não. O que está aqui em causa é poder haver uma resposta imediata e não de falsos diálogos em que por vezes os membros do Governo prometem respostas relativamente a situações e sistematicamente adiam. E dou-lhe um exemplo: O Governo, nomeadamente o Ministério da Solidariedade Social, desde Setembro que pretende criar qualquer coisa à volta do estatuto do voluntariado ou a "Carta do voluntariado", mas, como não sabe ainda muito bem que solução dar a este tipo de questões, até agora não conseguiu produzir um documento - anunciou-o várias vezes aos próprios parceiros sociais, à União das IPPS, às Misericórdias, etc., mas até agora nada!
O que queremos é criar um quadro institucional em que o Governo, obrigatoriamente, tenha de dialogar com estas instituições e que não esteja na sua livre disponibilidade receber ou não as pessoas relativamente a esta matéria.
Portanto, não queremos ser burocratas, bem pelo contrário: queremos é dar uma verdadeira expressão ao voluntariado através das suas próprias organizações. Como disse, o que estamos a tentar e, acima de tudo, reconhecer perante a sociedade portuguesa um estatuto para aquelas pessoas que, como disse, e bem - aliás, concordei consigo e é isso que está na base do nosso projecto de lei -, desempenham este papel na sociedade.
Daí que sejam fixados direitos e deveres, que podem ser exagerados, apesar de no meu entender não o serem, mas, como já disse, estamos disponíveis para limar todas as arestas relativamente a este projecto de lei em sede de especialidade.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Já agora responda à questão dos encargos atribuídos às empresas.

O Orador: - Sr.ª Deputada, julgo que, cm relação aos encargos para as empresas, eles não são excessivos e, acima de tudo, penso que as empresas e os empresários conscientes têm de ter também uma visão em relação à solidariedade no seu global, pelo que têm de ter aqui uma parcela de participação nestas tarefas.

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O que está previsto no diploma são dispensas, que considero razoáveis, e creio que neste espaço há, perfeitamente, aceitabilidade por parte das empresas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para urna intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PP não questiona a virtualidade do voluntariado social, a utilidade pública do serviço prestado por aqueles que põem a sua generosidade ao serviço da comunidade, nem tão-pouco a eficácia do serviço personalizado promovido pelos agentes de acção social; questiona, sim, a legitimidade de uma lei que impõe aos agentes privados a obrigação de suportar os custos do voluntariado social.
Penso que é bom que tenhamos em consideração a realidade do País, pois a nossa estrutura produtiva assenta, sobretudo, na média e na pequena empresa, não tendo a dispensa de um trabalhador a mesma relevância para uma empresa que tem 200 ou 300 trabalhadores, ou seja, para uma grande empresa, do que tem para um pequeno estabelecimento de comércio, com dois ou três trabalhadores. Contudo, nenhum dos projectos de lei ora apresentados leva em consideração este aspecto que, julgo, fundamental.
Aliás, o próprio Estatuto do Dirigente Sindical estabelece uma relação entre o número de trabalhadores que podem ser dispensados e o número de trabalhadores que estão ao serviço dessa empresa, porque, na verdade, temos de olhar para a realidade e quando estamos a legislar não podemos esquecê-la.
O projecto de lei que o PSD apresenta tem vista larga nos direitos que atribui, mas é cego quanto às diferentes consequências que recaem sobre quem passa a ter deveres, nomeadamente as entidades empregadoras.
O projecto de lei do PCP, no nosso entender, devia objectivar o campo de aplicação que este estatuto pode incluir e comportar. De facto, sou sensível aos argumentos apresentados pelo Sr. Deputado António Filipe, com toda a pertinência, pois, hoje, a cultura é, seguramente, feita pelas entidades e associações recreativas, pelos ranchos folclóricos, pelas bandas de música, por tudo isso, que têm uma utilidade pública que é inquestionável, mas, no nosso entender, a redacção proposta no diploma é um saco demasiado grande.
Na verdade, reconheço aos agentes culturais, aos agentes de voluntariado social, uma utilidade pública, mas já tenho alguma dificuldade em reconhecer utilidade social e pública, por exemplo, à associação de columbófilos portugueses ou à de filatelistas portugueses ou à dos coleccionadores de moedas, com todo o respeito que me merecem.
Mas, Sr. Deputado, não é a mesma coisa! Estas associações não têm a mesma relevância social e quanto a isso o projecto de lei do PCP devia objectivar e ser mais restrito naquilo que tem utilidade pública e que, por isso, deve ser suportado pela sociedade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao projecto de lei apresentado pelo PSD, penso que era importante estabelecer uma relação entre o número de trabalhadores que podem ser dispensados e o número de trabalhadores que tem uma empresa.
Sr. Deputado, repito, não é a mesma coisa para uma empresa com dois ou três trabalhadores dispensar um trabalhador do que para uma empresa com 100 ou 200 dispensar dois ou três!... São realidades completamente diferentes.
Srs. Deputados, quando o interesse político, mesmo motivado por razões sociais, esquece a realidade, não tenhamos dúvidas: cedo ou tarde é a realidade que esquece a lei!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, gostaria de referir dois aspectos que me parecem importantes, o primeiro dos quais é o de chamar a atenção quanto à forma como no projecto de lei do PCP se prevêem os encargos atribuídos às empresas decorrentes deste projecto. Foi nossa ideia não impor quaisquer encargos às empresas - e quero salientar este aspecto - na medida em que para nós não é exigível a qualquer empresa privada que tenha de suportar a ausência ao emprego e as remunerações por faltas ao emprego de pessoas que estejam ao serviço de outras entidades.
Isso é evidente! Daí que o que previmos no nosso diploma que, caso as empresas voluntariamente queiram assumir esses encargos, tenham até uma majoração em sede de IRC por esse facto, uma espécie de, digamos, mecenato um tanto atípico, que valeria a pena trabalhar e regulamentar, na medida em que - e ternos exemplos conhecidos de empresas que apoiam as colectividades da sua área muitas vezes a troco de publicidade ou até a troco de nada - essa seria uma forma possível de apoiar as actividades, possibilitando que o apoio das empresas também fosse dado por essa via.
Quanto à questão que o Sr. Deputado colocou ela tem pertinência, isto é, temos consciência de que uma coisa é por exemplo, uma entidade como a "Voz do Operário", que é centenária, que tem centenas de alunos nas suas escolas, que envolve uma actividade importantíssima para a cidade de Lisboa e para o País, e outra coisa é uma colectividade que possa ter sido criada anteontem para associar meia dúzia de pessoas...
Portanto, somos sensíveis à necessidade de poder trabalhar nalguma objectivação, mas inicialmente pensámos que era, pelo menos na generalidade, difícil e poderia ser injusto estar, desde já, a avançar com uma forma taxativa colocando aqui um âmbito de aplicação que excluísse logo à partida algumas associações, pois isso poderia ser apressado da nossa parte.
Contudo, creio que seria de todo o interesse, em sede de especialidade, que todos os partidos pudessem contribuir para encontrar soluções justas, que é aquilo que pretendemos encontrar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

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O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Deputado António Filipe, gostaria apenas de dizer que registo com agrado a sua intervenção e que, naturalmente, o PP, em sede de especialidade, está disponível para apresentar propostas concretas, no sentido de corrigir aquilo que entendemos que são insuficiências ou, eventualmente, erros dos projectos de lei.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Lobão.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Recentemente foi assinado o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, envolvendo o Governo, as Misericórdias, as Mutualidades Portuguesas, as Instituições Particulares de Solidariedade Social e as autarquias locais. Tal facto constituiu, sem dúvida, um marco histórico na cooperação abrindo mesmo outras portas para a intervenção social.
O Estado, com a assinatura de tal documento, para além do reconhecimento da importância da sociedade civil, incentiva mesmo os cidadãos a integrar parcerias de intervenção social.
E é justo sublinhar que a sociedade civil, representada aqui pelas instituições de solidariedade social e outros agentes sociais, tem respondido a este desafio lançado pelo Governo do Partido Socialista, envolvendo-se, por exemplo, responsavelmente na construção de redes sociais locais, que aproximam os cidadãos e rentabilizam os recursos disponíveis no combate à exclusão social e à pobreza para minorar problemas, sejam eles na área dos sem abrigo, dos idosos, dos deficientes, dos jovens ou das crianças e na aplicação do rendimento mínimo garantido.
Tudo isto confirma o que, aquando da discussão do Programa de Governo, o Partido Socialista indicara quanto ao propósito de construir uma sociedade mais solidária pata a qual é necessário o contributo de todos os parceiros que de uma forma empenhada são co-responsáveis na aplicação das políticas que visam o bem-estar dos cidadãos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Consciente da importância e do papel desempenhado pelos dirigentes e outros colaboradores das Instituições de Solidariedade Social, o Governo, no âmbito do referido Pacto da Solidariedade para a Cooperação, propôs-se "criar condições para o incentivo do mecenato social e para o estímulo do voluntariado a regular cm estatuto próprio" e desenvolveu já esforços nesse sentido.
Com efeito, se em Dezembro de 1996 o Governo da nova maioria avançava com a hipótese da criação de um estatuto próprio do voluntariado, hoje já não restam dúvidas que a criação daquele estatuto será em breve uma certeza. Com efeito, o Ministro da Solidariedade e Segurança Social, solicitou em Outubro à Direcção-Geral de Acção Social a elaboração no prazo de 4 meses de um relatório sobre o voluntariado social.
Este estudo foi já elaborado, encontrando-se, neste momento, em poder da Comissão de Acompanhamento e Avaliação, instituída no âmbito do Pacto, devendo servir de base de reflexão alargada para a adopção do regime jurídico do voluntariado social.
Tal significa que o projecto de diploma que vier a ser adoptado resultará de um trabalho cuidado e da participação e consensualização entre as partes envolvidas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É sabido que o voluntariado desempenhou desde sempre um papel primordial no campo da assistência social. Desde a mais remota antiguidade até aos nossos dias, o papel da acção voluntária foi significativo. Ao longo do tempo, homens e mulheres generosos foram desenvolvendo a sua acção em substituição do Estado ou em articulação com ele para fazerem face a situações de injustiça social.
Quem no nosso país não conhece o papel e o esforço desenvolvidos por Instituições como a Cruz Vermelha, a Caritas, as Conferências de S. Vicente de Paulo, os Voluntários nos Hospitais, nos Serviços Prisionais, etc.?
Quem no nosso País não conhece o trabalho empenhado de uma das mais de 2800 Instituições de Solidariedade Social?
É esse trabalho altamente meritório que o Governo, no âmbito do Pacto da Solidariedade para a Cooperação, e o PSD através deste seu projecto de lei pretendem ver reconhecido.
Aliás, o mesmo se passa na União Europeia, que tem dedicado especial atenção à problemática do voluntariado e da assistência, quer nos seus instrumentos jurídicos quer através da adopção de posições das instituições comunitárias. Aliás, países europeus há que dispõem já hoje de enquadramento jurídico do voluntariado social. nomeadamente a Itália e a Espanha quer através de lei própria do voluntariado social - caso da Itália - quer de leis que abarcam não só os aspectos ligados às organizações mas também aos voluntários, situação vivida em Espanha.
As próprias instituições tem promovido colóquios, debates e seminários para o aprofundamento de princípios, direitos e deveres - contributo importante para o anteprojecto de estatuto que deve nascer sob o signo da concórdia e da participação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República aprecia hoje o projecto de lei n.º 298/VII, da autoria do PSD, que pretende definir os princípios e as regras que regulam a actividade do voluntariado para a solidariedade.
O Grupo Parlamentar do PS gostaria de ver no diploma legal que resultar deste debate e da discussão em sede de especialidade considerados aqueles que julgamos poderem ser os princípios enquadradores do voluntariado, nomeadamente o da solidariedade, da participação, da coordenação e integração - que pressupõe a existência de um órgão nacional responsável pelo voluntariado - e o da cooperação, tal como desejamos ver considerados como direitos dos voluntários o acesso a programas de formação, à justificação de faltas, ao reembolso de despesas que tenham efectuado no exercício do seu trabalho e enquadramento num regime de segurança social.
Assim, e embora se considere a iniciativa legislativa do PSD como positiva, ela carece, certamente, de aperfeiçoamentos em sede de comissão especializada, pelo que o Grupo Parlamentar do PS vai aguardar pelo envio da proposta de lei, pois que a discussão conjunta dos dois diplomas, resultará certamente, num estatuto mais rico já que possui a chancela dos principais interessados, nomeadamente das associações de voluntários e dos próprios cidadãos que se dedicam a tão nobre actividade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o PS é inquestionável o interesse do movi-

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mento associativo. Ele é expressão directa do sentido comunitário de um povo e tem o mérito de, por vocação própria, suprir a inércia social e, muitas vezes, a inépcia do Estado em enfrentar as necessidades das populações. Ele é um veículo educativo e delegário sem paralelo e materializa o funcionamento das actividades lúdicas, educativas, sociais e políticas - aliás, tem ainda o mérito de juntar a estas características a pluralidade e a extrema diversidade das suas actividades, do que resulta um enorme mérito.
Entendo que, sendo assim, não podemos aqui, por via da Assembleia da República, procurar deturpar nem beliscar algumas das suas características essenciais, sendo uma delas a sua autonomia nessa dimanação delegaria da sociedade civil, a força resultante de ter uma dinâmica própria - o que, em linguagem popular, se chama o "carolismo" do movimento associativo, que é uma das suas características essenciais.
Sem pôr em causa as características essenciais do movimento associativo, que acabei de descrever, entendo que cabe ao Estado ter um papel revitalizador e de apoio ao movimento, nomeadamente no que respeita ao apoio técnico e financeiro através do financiamento de serviços ou de isenções fiscais. Admito, portanto, o papel do Estado no apoio e na revitalização deste movimento associativo. Contudo, entendo, concretamente no projecto de lei do PCP, que este texto levanta uma série de objecções que me parecem dificilmente amovíveis.
O projecto de lei defende um sistema de faltas justificadas nas empresas, sendo os seus números os seguintes: 24 horas para os presidentes das associações, 16 horas para os tesoureiros e secretários, e 8 horas para os vogais.
Em segundo lugar, defende que essas faltas devem ser remuneradas no que respeita à Administração Pública e, ainda, apresenta uma prioridade na marcação de férias, salvo um conceito que o projecto de lei explicita como incompatibilidade insuprível.
Ora, em relação a isto, coloco algumas interrogações: que conexão, orgânica ou de qualquer tipo, podemos estabelecer entre as empresas privadas e as associações? Considerando poder estabelecer-se uma conexão entre o interesse público das associações e a Administração Pública, admitindo que esta conexão política possa ser feita, como suprir num caso destes mais um aumento dos custos da Administração Pública, sabendo-se que estas associações, ao contrário das que o Sr. Deputado António Filipe enunciou, têm por base um conceito absolutamente genérico e não restringido ou específico?
A ilimitação do número de associações, neste projecto de lei, a indefinição da grandeza de cada associação porque há uma associação desde que haja cinco pessoas -, a não hierarquização do interesse público das associações, considerando o mesmo interesse para a associação de filumenismo ou para a associação de apoio aos idosos, e a não especificação de ramos podem levar, em concreto, à seguinte situação: podemos encontrar, numa oficina mecânica com oito trabalhadores, um que é presidente de uma associação, outro que é secretário de outra associação e mais dois que são vogais de outra associação, e pode acontecer que, nesta empresa com oito empregados, quatro estejam a usar o crédito de horas concedido ao abrigo desta legislação. Numa empresa com 100 trabalhadores, pode acontecer aparecerem 20 ou 30, no mesmo mês e até no mesmo dia, a querer usufruir do crédito de horas e a empresa é penalizada, não pelo vencimento mas pelo facto de ter uma baixa na produção ou na mão-de-obra disponível de 20 ou 30%.
Devo dizer que, num caso destes, a própria admissão de trabalhadores poderia passar a ser coarctada por parte dos empresários, na medida em que sabemos da relativa inocuidade ou da eficácia apenas relativa da Inspecção-Geral de Trabalho e sabemos que dificilmente se vê contornável mais este motivo de discriminação prática na admissão de trabalhadores.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, considero que o texto deste projecto de lei é contraditório com os propósitos que o PCP apresenta, e de que comungo, no que diz respeito à vitalização do movimento associativo.
Sinceramente, não sei se é possível aproveitar o texto para ser melhorado na especialidade, pois tenho dúvidas de que estes aspectos que acabo de referir não sejam essenciais. Penso, antes, que o caminho a seguir será outro, em que não corramos o risco de as medidas tutelares aqui apresentadas em favor do movimento associativo, como o PCP apresenta, virem a voltar-se contra o próprio movimento associativo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Baptista, fiquei lamentavelmente surpreendido com a sua intervenção. Há pouco, o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva ou a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, não me recordo bem, disse que o projecto de lei do PSD parecia um projecto de gente de esquerda. Sr. Deputado, devo dizer-lhe que a sua intervenção ultrapassou toda a gente pela direita, pelo menos, todos os que estão representados neste Hemiciclo.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Enquanto, da parte do PSD e do PP, vimos compreensão relativamente à situação do movimento associativo e alguma abertura para ultrapassar a situação actual, que é um completo absurdo, sem pés nem cabeça, porque uma pessoa é penalizada por exercer uma actividade socialmente meritória, da parte do Sr. Deputado vimos o encontrar de alguns pretextos mal amanhados para dizer que este texto não serve e recusar liminarmente esta ideia. Foi isso que vi.
Sr. Deputado, permita-me que lhe lembre o seguinte: vem agora dizer que se se tratasse de uma política de isenções fiscais e outros apoios ao associativismo, tudo estaria bem. Então, deixe-me dizer-lhe que o Sr. Deputado chegou atrasado, porque há uns meses discutimos aqui precisamente isso, por proposta do PCP, e os senhores votaram contra. Se tivesse falado antes, talvez o PS não tivesse votado contra aquele projecto de lei e ele tivesse sido aprovado.
Depois, o Sr. Deputado vem dar exemplos até ao absurdo. Diz: imaginem que há uma empresa que tem oito trabalhadores, dos quais vários são dirigentes associativos então, a empresa cessa a laboração Sr. Deputado, levando os exemplos até ao absurdo, também posso dizer que nessa empresa podiam ser todos bombeiros voluntários e que, quando tocasse a sineta, a empresa pararia.
Sejamos sérios na forma como encaramos as questões. A intervenção do Sr. Deputado Pedro Baptista é o exemplo claro do enaltecimento das palavras e do total desprezo pelos

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actos. Isto é, o Sr. Deputado, em relação ao associativismo, diz: muito bem, os dirigentes associativos voluntários têm todo o nosso reconhecimento e devem ser apoiados; mas perante uma proposta concreta de apoio, o Sr. Deputado arranja umas desculpas para a recusar liminarmente.
A pergunta que lhe faço é esta: que justificação o Sr. Deputado vai dar aos dirigentes associativos, designadamente os da sua região, por exemplo, a Federação das Colectividades do Distrito do Porto, por votar contra este projecto de lei? Que justificação vai dar aos dirigentes da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio por recusar este projecto de lei? Que justificação vai dar quando for visitar uma colectividade, se lhe perguntarem por que razão o Sr. Deputado votou contra este projecto de lei? Eles não compreendem e nós, de facto, também não!

Vozes do PCP. - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, em nome de uma vasta e longa experiência no movimento associativo, não tenho dificuldade alguma em responder às associações que me levantarem a questão acerca do sentido do meu voto neste projecto de lei do PCP. A primeira resposta que darei é a de que este projecto é tão mal feito, o texto é tão fraquinho que justifica essas inoperâncias todas.

Protestos do PCP.

Ou seja, o texto está, à partida, falhado.
Em segundo lugar, sobre a questão de ser ou não de esquerda, quero esclarecer que, realmente, somos capazes de não ser da mesma esquerda, com certeza não somos da mesma esquerda há muitos anos,...

Vozes do PCP: - Não somos, não! Nunca fomos!

O Orador: - ... caso contrário, não tínhamos estado sempre em lados opostos da barricada, eu de um lado e os senhores do outro. É que, para mim, a esquerda, para além de muitas coisas, é também responsabilidade, é também a análise concreta das situações, é também melhoria da situação económica, social e cultural do País e não, irresponsavelmente, tentar lançar cocktails molotov - passe a expressão, em sentido figurado - e areia para a máquina da produção, no sentido de criar conflitualidades, em que os trabalhadores acabam por ser as vítimas.
Se VV. Ex.as acham religiosamente que devem analisar a situação concreta... Se VV. Ex.as acham que o exemplo que dei - de uma oficina com oito operários que pode ter, com esta legislação, quatro deles dispensados por pertencerem a diversas associações - é absurdo, é porque já estão há tanto tempo na burocracia parlamentar que já não sabem o que é uma oficina, que é uma coisa que, aliás, vos acontece há várias décadas!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados do PCP, ser coerente é defender positivamente as coisas e não arranjar forma de virar contra aqueles que dizemos defender as atitudes que tomamos!
Srs. Deputados do PCP, façam um projecto de lei bem feito e terão o apoio do PS!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminada a discussão dos projectos de lei n.os 196/VII e 298/VII.
Vamos passar à discussão do projecto de lei n.º 257/ VII - Altera a Lei dos Baldios (PSD).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Em 2 de Julho de 1992, procedeu-se neste Plenário à apreciação de dois projectos de lei sobre os baldios.
Deles saiu a Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, conhecida por "Lei dos Baldios", a qual constituiu um marco histórico na evolução do pensamento legislativo sobre a matéria.
Essa lei definiu -"baldios" como "terrenos possuídos e geridos pelas comunidades locais" e preocupou-se em viabilizar uma gestão actualizada das respectivas utilidades.
Por um lado, possibilitou a alienação de áreas muito restritas, desde que justificadas por razões de gestão urbanística do território ou de natureza económica e social das respectivas comunidades, estabelecendo sempre os condicionalismos e os parâmetros dessas alienações.
Por outro, mostrou-se sensível à conveniência em regularizar certas construções irregularmente edificadas sobre baldios, viabilizou actos de expropriação e permitiu a constituição de servidões, tudo em nome de uma administração mais dinâmica, capaz de potenciar a "crescente melhoria das condições de vida das populações".
A experiência de mais de três anos de vigência da lei revelou a necessidade de algumas alterações, aperfeiçoamentos e ajustamentos que, de resto, se inserem nos parâmetros do pensamento evolutivo do legislador de 1993.
Assim, em primeiro lugar: a Lei n.º 68/93 permitiu que os proprietários de construções irregulares pudessem adquirir a propriedade da parcela de terreno baldio estritamente necessária ao fim da construção. "por recurso à acessão industrial imobiliária, nos termos .gerais do direito", fixando-lhes, para tanto, o prazo de dois anos, decorrido o qual podem "as respectivas comunidades locais adquirir a todo o tempo" essas construções, pagando o valor da respectiva avaliação.
Mas o que aconteceu foi que o prazo de dois anos expirou em 1995 e - fosse por desconhecimento da lei, fosse por falta de capacidade económica dos particulares, fosse por falta de interesse das comunidades locais em adquiri-las (devido, porventura, tanto à falta de liquidez como à vontade de evitar factores de perturbação social) -, o certo é que subsistem pelo país fora inúmeras construções por "legalizar".
Justificava-se, por isso, que, no mínimo, se fixasse novo prazo, já que não é próprio falar de prorrogação de um prazo extinto.
Mais aconselhável nos parece, contudo, retirar a limitação temporal. Assim, qualquer das partes interessadas poderá, no momento próprio, desencadear o processo de regularização, mediante o recurso à acessão industrial imobiliária.
Entendeu-se, contudo, que remeter tout court para a acessão industrial imobiliária equivaleria, na prática, a

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inviabilizar o desejável impulso de regularização, na medida em que são requisitos da aplicação daquele instituto a prova da boa fé e a de que a obra incorporada tem um valor superior ao do terreno que a alberga. Por isso, e atendendo a que a maioria das construções sobre baldios decorre de vendas ou autorizações das juntas de freguesia, que hoje não são fáceis de provar, insere-se uma presunção de boa fé. E, como forma de acautelar os autores das mais modestas incorporações, atribui-se-lhes sempre o direito à aquisição da propriedade do terreno, ainda que o valor deste seja superior ao da obra incorporada.
Trata-se de mostrar sensibilidade para situações em que, não estando elevados valores em causa, por vezes uma pequena diferença pode deixar desprotegidas pessoas carecidas de tecto, contra o recebimento de uma quantia irrisória que lhes não confere alternativa a outra habitação.
Daí a nova redacção proposta para o n.º 2 do artigo 39.º
Em segundo lugar: em muitos casos desde tempos imemoriais, existem múltiplas canalizações de águas a atravessar terrenos baldios, tantas vezes conjunta e paralelamente umas às outras, indo desde as fontes ou nascentes até às povoações e servindo utentes que em regra são pessoas de modesta condição social e económica.
Trata-se de outras "construções" não previstas no artigo 31.º da Lei dos Baldios mas que consubstanciam uma realidade em tudo semelhante a elas e merecedora de tratamento análogo. que urge solucionar, no interesse do universo de compartes (que arrecadarão receitas), no interesse dos donos e utentes das águas e das canalizações existentes (que deixarão de estar numa situação precária) e no interesse mais vasto da comunidade (que só tem a ganhar com a clarificação e a legalização dessas situações de facto irregulares e geradoras de conflitos sociais).
O problema põe-se, também, quanto ao próprio direito às águas, algumas a ser fruídas, designadamente para terrenos rústicos de cultivo, igualmente desde tempos que excedem a memória dos vivos e sem que tais terrenos possam dispor de outras águas.
Acresce que a servidão de aqueduto, como a de presa, só pode ser constituída se existir direito à água, quer esse direito seja de propriedade ou de servidão, e, portanto, não será possível aplicar o regime do artigo 1561.º do Código Civil sem alegar e provar esse direito à água.
Ninguém ignora que as explorações e captações de água em baldios se fizeram, em regra, mediante autorização de órgãos autárquicos, por vezes com emissão de licenças já desaparecidas e, em muitos outros casos, mediante usucapião.
Não pode também esquecer-se que, ao longo dos anos, os baldios foram considerados ora terrenos do domínio público, ora do domínio privado das autarquias, ora prescritíveis, ora imprescritíveis.
Mas sempre foi prática aceite a aquisição das águas dos baldios.
Teve-se também por oportuno e útil aproveitar esta iniciativa legislativa para clarificar a situação, uma vez que os baldios não são terrenos públicos, como não são do domínio privado, sendo antes terrenos comunais, que, pelo menos nos casos abordados na Lei n.º 68/93 e neste projecto de lei, se comportam como integrados no domínio privado indisponível.
Razões de equidade e ditames de paz social impõem que assim se proceda.
Esse é o motivo por que nos propomos adicionar ao artigo 39.º os n.º 3 a 6, que, por um lado, transpõem para a Lei dos Baldios, mutatis mutandis, as soluções preconizadas no artigo 1561 º do Código Civil e, por outro, visam dar resposta às preocupações expostas.
Terceiro: o artigo 30.º da Lei n.º 68/93 é do seguinte teor: "Podem constituir-se servidões sobre parcelas de baldios, nos termos gerais do direito, nomeadamente por razões de interesse público".
Pretende-se eliminar a expressão "nomeadamente por razões de interesse público", que se apresenta como inútil e equívoca.
Tal como se escreveu no relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, «a substituição proposta não altera o significado do preceito actualmente em vigor, limitando-se a clarificar que não é admissível interpretá-lo no sentido de que sobre os terrenos baldios apenas se podem constituir servidões de interesse público».
Facto é que há situações reais que urge solucionar: é o que acontece com os casos em que não existe outra alternativa à instalação de canalizações para condução de água até aos prédios de destino senão através dos baldios, estando os utentes dispostos a pagar as indemnizações mas deparando por vezes com oposição injustificada (tantas vezes movida por querelas pessoais e sustentada contra os reais interesses das comunidades) ou com meros obstáculos formais ou burocráticos difíceis de ultrapassar; é também o que se passa com casas de habitação que, após regularização ao abrigo do artigo 39.º, continuam encravadas, sendo que o remédio passa pela constituição voluntária ou forçada de servidões de passagem sobre os baldios até à via pública.
Sabe-se que notários e tribunais têm discutido o alcance do mencionado artigo 30.º.
Notários há que, na dúvida, colocam reservas à celebração de escrituras de constituição de servidão por utilidade particular sobre parcelas de terreno baldios, preferindo recusá-las.
Há também notícia de processos judiciais, nos quais ainda se discute o exacto alcance do mencionado aniso 30.º.
Mesmo perante a evidência de que a lei actual permite a constituição de servidões voluntárias ou judiciais por utilidade particular, é indiscutível o interesse e a oportunidade de clarificação, com reflexos até na pendência e no agilizar dos processos judiciais.
Com esse objectivo, propomos a mera simplificação da redacção do artigo em causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta intervenção, seguimos muito de perto a "Nota justificativa" com que instruímos o projecto de lei.
Assim procedemos porque dificilmente conseguiríamos melhor concisão para o curto espaço de tempo regimental que a grelha nos confere.
No seu decurso, fomos aflorando os imperativos de justiça social, dos quais dimana o relevante interesse político e a oportunidade das alterações - o que nos dispensa agora de os repetir.
Os demais partidos políticos representados nesta Assembleia irão certamente viabilizar este diploma, ainda que porventura entendam que, em sede de especialidade, possam ser feitos alguns ajustamentos.
Desde já, adiantamos que nós próprios proporemos nova redacção do n.º 2 do artigo 39.º, no sentido de clarificar que a possibilidade de regularização se aplica apenas às construções efectuadas antes da entrada em vigor da presente lei.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Garcia dos Santos.

O Sr. Garcia dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, a Assembleia da República volta a discutir a questão dos baldios. Depois de 1976 e após a devolução dos baldios às comunidades locais, que o chamado Estado Novo de Salazar desapossara, já foram objecto de cerca de duas dezenas de iniciativas legislativas. Este facto, só por si, demonstra bem, por um lado, a importância que os baldios têm para as comunidades e, por outro, a dificuldade ou complexidade em legislar sobre uma matéria tão sensível como a fruição e gestão de bens comunitários, com tradição secular, sem pôr em causa a sua função económica e social.
No entanto, pensarmos que, com a Lei n.º 68/93, que resultou dos projectos de lei 109/VI (PS), e 163/VI (PSD) foi encontrado um ponto de equilíbrio, que gerou a concordância generalizada das comunidades locais e permitiu conciliar interesses em jogo.

O Sr. António Martinho (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Decorridos que estão cerca de quatro anos, vem agora o Grupo Parlamentar do PSD propor alterações à lei em questão. Sendo certo que se justificam algumas alterações com vista à clarificação de algum do seu articulado, manda a verdade que se diga que o Grupo Parlamentar do PSD e o Governo de, Cavaco Silva andaram distraídos durante os 90 dias subsequentes à entrada em vigor da Lei n.º 68/93.
E que aquela lei, no artigo 41.º, diz: "Sem prejuízo da entrada em vigor das normas da presente lei que possam ser directamente aplicáveis, o Conselho de Ministros procederá à regulamentação necessária à sua execução no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei . Como é sabido, nada fizeram. Estão a fazer algo agora e reconhecemos que o Grupo Parlamentar do PSD está imbuído de boa intenção, tendo porventura o seu projecto de lei aspectos positivos. Mas - pasme-se! - o Grupo Parlamentar do PSD, ao legislar no sentido de resolver e clarificar alguns problemas, gera outros.
Passemos, então, à análise das propostas de alteração constantes do projecto de lei n.º 257/VII do Grupo Parlamentar do PSD.
No artigo 30.º (Constituição de servidões), elimina a expressão "nomeadamente por razões de interesse público". Nada a objectar.
No artigo 39.º (Construções irregulares), elimina a segunda parte do corpo do n.º 2, relativo a construções irregulares, e adiciona quatro números, transpondo para a legislação sobre os baldios as soluções do artigo 1561.º (Servidão legal de aqueduto) do Código Civil.
Entendemos que se, por um lado, é conferida alguma justeza ao argumento esgrimido pelo Grupo Parlamentar do PSD, por outro, não nos parece de todo correcto adoptar uma solução extrema, como seja a de acabar com o prazo legal de regularização das construções irregulares existentes à data da entrada em vigor da Lei dos Baldios, permitindo "a qualquer das partes por sua iniciativa e em qualquer momento desencadear um processo judicial tendente à desejável regularização".
Compreendemos que a situação de carência económica e de desconhecimento da lei, invocados pelo Grupo Parlamentar do PSD no seu projecto, embora este último não aproveite a favor do infractor, tenham obstado à legalização das incorporações. Mas somos de opinião de que a inexistência de prazo legal só irá agravar ainda mais a situação, proporcionando aos proprietários de incorporação um comportamento de inércia total quanto à resolução da mesma.
Este facto, a verificar-se, feriria os direitos das comunidades que têm a seu cargo o uso, fruição, gestão e administração dos baldios que foram incorporados.
Estamos convictos de que a solução ora apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD não resolveria o problema. Com a faculdade conferida a qualquer das partes, de regularizar a situação a todo tempo. podem as comunidades locais proceder à referida regularização dos terrenos baldios sem que os particulares mais carenciados ou "enfermos de tal ignorância jurídica" tenham qualquer oportunidade de ver a situação resolvida a seu favor.
Não foi, certamente, essa a intenção do legislador ao conceder o prazo de dois anos aos particulares para que procedessem à regularização das construções irregulares que incorporam nos terrenos baldios.
Assim, o argumento do Grupo Parlamentar do PSD cai por terra com a sua própria justificação.
Alargar o prazo para se proceder à regularização das construções, que, à data, ainda continuam ilegais, achamos desejável; contudo, já não nos parece correcto acabar com ele.

O Sr. António Martinho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Acresce ainda dizer que existe uma certa contradição entre a "Nota justificativa" e o corpo do articulado do projecto de lei, nomeadamente, no seu artigo 39.º, n.º 2. Pois, se na "Nota justificativa" o Grupo Parlamentar do PSD se debate pela eliminação do prazo previsto na redacção do artigo 39.º, n.º 2, da Lei n.º 68/93, defendendo que "a qualquer das partes" deveria ser conferido o direito a desencadear o processo judicial tendente à desejável regularização das construções irregulares, no articulado o Grupo Parlamentar do PSD preocupou-se apenas com os proprietários das incorporações, omitindo os interesses das comunidades locais.

O Sr. António Martinho (PS): - Bem visto!

O Orador - Fica, assim, clara a intenção do Grupo Parlamentar do PSD de proteger os particulares, proprietários das incorporações irregulares, atribuindo-lhes esse direito intemporal que lhes permita adquirir as parcelas de terreno baldio afectos ao implante. Ou não será verdade? Esta questão coloca-nos, desde já, outro problema: o que acontece às incorporações deixadas ao abandono pelos proprietários?
A redacção pretendida pelo Grupo Parlamentar do PSD não salvaguarda esta situação, ao contrário do que acontece com a Lei n.º 68/93, que permite que as comunidades locais beneficiem das benfeitorias realizadas no terreno baldio, quando o proprietário não deseje regularizar a situação.
A protecção que o Grupo Parlamentar do PSD pretende conferir aos proprietários das incorporações justifica-se ainda quando subsume a situação jurídica do seu artigo 39.º, n.º 2, no artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil. Ou seja, parte do princípio de que todos os proprietários estão de boa fé, sendo-lhes, por isso, conferido o direito de adquirirem o terreno baldio que suporta a incorporação.
Ora, para se provar a boa fé, nos termos do artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil, é necessário que se verifi-

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que uma das duas situações seguintes: ou o autor da obra desconhece que o terreno é alheio (o que nos parece difícil, uma vez que o baldio é de conhecimento público); ou o proprietário ou o legítimo possuidor do terreno (neste caso, os compartes da comunidade em que terreno se insere) autoriza a incorporação.
Devemos ter presente que, se em muitos casos os proprietários da obra estão de boa fé, porque autorizados pelos compartes ou até pelas juntas de freguesia, outros não estão. E foi por isto mesmo que o legislador remeteu a resolução da situação para a acessão industrial imobiliária, prevista na IV subsecção, secção III, do Capítulo II do Código Civil, para abranger ambas as situações. Não partiu de uma situação inilidível, como quer fazer agora o Grupo Parlamentar do PSD, ao remeter a resolução do problema apenas para o artigo 1340.º do Código Civil.
Relativamente ao n.º 3 do novo artigo 39.º proposto pelo Grupo Parlamentar do PSD, levantam-se duas situações distintas, que convém aqui analisar: uma, que respeita ao reconhecimento do direito à utilização da água privada, ainda que esta perpasse os baldios, e à constituição de aqueduto nos termos do artigo 1560.º do Código Civil e, outra, relativamente às águas que nascem e brotam a céu aberto em terrenos baldios, sendo por isso pertença das comunidades.
Se na primeira questão, estamos no domínio das águas privadas e, por isso, do artigo 1380.º do Código Civil, em relação às quais nada consta que sejam constituídas servidões legais, nos termos do artigo 30.º da Lei n.º 68/93, sobre os baldios, pelos legítimos proprietários daquelas.
Na segunda questão, já não podemos afirmar que há um direito privado à água. Esta é pertença do terreno baldio, pelo que só às comunidades locais cabe decidir, em sede própria, qual o destino que lhes pretende dar.
Aliás, era este o entendimento do legislador de 1976, que conferia, nos termos do artigo 6.º, alínea k) do Decreto-Lei n.º 39/76, à assembleia de compartes a competência para resolver esta matéria. E foi também esta linha de pensamento seguida pelo legislador de 1993, quando atribuiu competência ao Conselho Directivo para propor...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, esgotou e ultrapassou o tempo do PS, pelo que lhe peço que conclua.

O Orador: - Sr. Presidente, termino de imediato.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resta-nos acrescentar que a ideia base subjacente ao projecto de lei do Grupo Parlamentar do PSD é aceitável, uma vez que pretende fazer face a situações práticas geradoras de conflitos sociais e jurídicos. Contudo, carece, em nosso entender, de alguma precisão e esclarecimento, quanto aos objectivos a alcançar com a presente iniciativa legislativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista manifesta a sua disponibilidade para, em sede de comissão, na especialidade, analisar, numa atitude positiva, responsável e coerente com as posições que assumiu no passado, este projecto de lei, tendo sempre presente a necessidade de acautelar os legítimos interesses das comunidades locais e evitar eventuais violações aos princípios consignados na Constituição, bem como o surgimento de novos conflitos que dele possam resultar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Garcia dos Santos, há um Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos, mas o Partido Socialista não só esgotou como ultrapassou o tempo de que dispunha. Porém, fui informado de que o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes lhe concede 1 minuto.
Assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Garcia dos Santos, gostaria de começar por fazer uma observação. V. Ex.ª manifestou alguma admiração e censura pelo facto de o Governo do PSD não ter procedido à regulamentação da lei. Quanto a isto, só quero dizer-lhe. muito concretamente, o seguinte: há cerca de dois anos que o PS está no Governo e, nestes dois anos, o Governo do PS não sentiu ainda qualquer necessidade de o fazer.

Protestos do PS.

Fico à espera que o Governo do PS proceda a essa regulamentação. No entanto, em minha opinião, essa regulamentação não se impõe. Está prevista, mas não se impõe. Admito que o Governo do PSD não tenha feito essa regulamentação, precisamente por ter tido esse mesmo entendimento.
Por outro lado, registo com agrado que V. Ex.ª revelou as nossas boas intenções, quando elaborámos este projecto de lei. Estou convencido de que algumas das observações feitas poderão ser - e sê-lo-ão certamente - objecto de discussão em sede de especialidade. Com certeza, isso não vai impedir o nosso entendimento na generalidade.
De qualquer forma, quero dizer-lhe, só, aqui e já, que não é verdadeira a afirmação de que se privilegia os proprietários particulares. Isto, pela simples razão de que esta iniciativa pode evidentemente ser iniciada, de imediato, já a seguir, tanto pelos compartes como pelos próprios particulares. Qualquer um deles pode tomar a iniciativa. E o que é certo é que, se a assembleia de compartes tomar a iniciativa, os próprios particulares têm de tomar logo a sua posição.
Quanto à presunção, devo dizer-lhe que o que resulta claramente - e, se é necessário um esforço aclarativo, ele fica já nesta fase, o que pode significar, de certa forma, um recurso aos trabalhos preparatórios - é que esta presunção é aquilo a que chamamos em direito uma presunção tantum juris, portanto, uma presunção que admite prova em contrário. É apenas para facilitar uma prova que sabemos ser difícil de se fazer.
Mas se entenderem que isso necessita de clarificação, ela pode ser feita e a isso não nos opomos, porque esse é o nosso espírito.
Sr. Deputado Garcia dos Santos, por falta de tempo não quero abusar da bondade da Mesa -, deixaremos para sede de especialidade eventuais discussões sobre esta matéria, que, reconhecemo-lo, é das mais difíceis c delicadas com que os juristas, os advogados e os juízes se deparam nos nossos tribunais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Garcia dos Santos, para o que dispõe de 1 minuto concedido pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes.

O Sr. Garcia dos Santos (PS): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes o tempo que nos dispensou.

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Sr. Deputado Antonino Antunes, quanto à questão de nós também não termos tomado qualquer iniciativa enquanto Governo, devo dizer-lhe que, face ao artigo da lei que lhe referi, os 90 dias já tinham expirado - o que, no entanto, não quer dizer que o grupo parlamentar não pudesse ter tomado a iniciativa.

O Sr. António Martinho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Agora, o que é de admirar é que, tendo VV. Ex.as manifestado a pertinência e a urgência desta lei, não tivessem feito uma lei com mais cuidado - e foi o Sr. Deputado, um dos subscritores deste projecto de lei, que naquela tribuna disse já haver artigos que tinham de alterar.

Protestos do PSD.

Mais do que distraídos foram apressados e não foram capazes de acautelar uma redacção mais cuidada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Isto é uma lei da Assembleia da República, não é um decreto-lei!

Vozes do PS: - Isto não é um projecto de lei sobre tis baldios, é um projecto "à balda"!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, agradeço que não mantenham diálogo, porque o tempo já é pouco.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado Garcia dos Santos.

O Orador: - Sr. Deputado, quanto ao entendimento, já o manifestámos e algumas destas questões preocupam-nos. Só que VV. Ex.as, com este projecto de lei, poucos problemas resolvem e, ao resolverem um problema, se calhar, originam três ou quatro. Tenho pena, mas, a seu tempo, esta questão será ventilada e certamente resolvida.
Além disso, suscitam problemas ainda de maior gravidade, como o de não distinguirem, por exemplo, águas originárias de terrenos baldios ou de terrenos privados, apontando para soluções que considero de alguma gravidade. E, mais, Sr. Deputado, esta situação é não só lesiva para os compartes mas até para alguns proprietários, porque aponta inclusivamente para que a água excedente de uma nascente privada, só porque atravessa um baldio, possa ser adquirida pela assembleia de compartes, o que é manifestamente inconcebível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com presunção tantum juris ou juris tantum, tanto basta para que o PCP vote contra este projecto de lei.
Foi muito eloquente a intervenção do Sr. Deputado Antonino Antunes e creio ter demonstrado que o que quer é resolver problemas jurisprudenciais, diversas interpretações do tribunal, e problemas de pessoas que deixaram passar o prazo de dois anos e, agora, não podem exercer o direito.
Ora, Sr. Deputado Antonino Antunes, temos uma larga tarefa à nossa frente! Se tivermos de seguir toda essa orientação em relação a todos os casos de pessoas que, por outras razões e noutras matérias, deixaram passar os prazos e não podem exercer o direito, se tivermos de resolver o problema das diversas interpretações jurisprudenciais noutras matérias, a Assembleia não vai fazer outra coisa, Sr. Deputado Antonino Antunes, se não pôr-se aí a fazer leis para dizer: "não é assim, senhores juízes, é assado; e, então, o prazo já não é esse, mas mais aquele".

Vozes do PS: - É verdade!

A Oradora: - Então, lanço um repto ao Sr. Deputado e ao PSD, consubstanciado na seguinte questão: estão dispostos a fazer um projecto de lei para dizer que não há prazo para as acções de investigação de paternidade e de maternidade e que aqueles que perderam o direito à herança, agora, vão passar a tê-lo?

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Que comparação tão infeliz!

A Oradora: - Não foi isso, mas a questão é semelhante, Sr. Deputado Antonino Antunes! Onde é que já se viu, numa Assembleia com cabeça, alguém vir dizer "Ah, vocês deixaram passar o prazo, mas a gente, agora, vai pôr aqui que não há prazo"?! V. Ex.ª também está disposto a alterar a lei dos despedimentos e a dizer que os trabalhadores não têm apenas o prazo de um ano para exigirem a indemnização, mas podem fazê-lo a todo o tempo?
O Sr. Deputado Antonino Antunes sabe tão bem como eu que há uma coisa que se chama certeza e segurança jurídica e também sabe que o seu projecto de lei vai ao arrepio de toda a certeza e de toda a segurança jurídica. Aliás, este é mais um passo na gesta heróica e épica, "em demanda do Santo Graal", do PSD contra os baldios e contra os compartes!

O Sr. António Martinho (PS): - É um risco!

A Oradora: - E nós sabemos muito bem que o PSD, na revisão constitucional, propôs a eliminação do artigo 82.º da Constituição, onde se encontra a consagração da propriedade social dos meios de produção! Sabemos isso!
Mas, Sr. Deputado Antonino Antunes, VV. Ex.as foram longe demais. Primeiro, nessa questão do prazo; segundo, porque, enquanto uma pessoa contra um privado, na acção industrial imobiliária, tem determinados requisitos a cumprir e tem de provar a sua boa fé e que o valor que a sua obra trouxe ao terreno é superior ao valor deste, aqui, quando estão em causa interesses de comunidades locais e não os de uma pessoa, VV. Ex.as abrem mão de tudo isto e defendem que não é preciso provar nada, podendo apropriar-se da parcela de solo de qualquer maneira e a todo o tempo.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Pagando-a!

A Oradora: - Sr. Deputado Antonino Antunes, de facto, isto é demais!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado Antonino Antunes, porque razão VV. Ex.as não se contentam com o que consta

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do Código Civil em relação à servidão legal de águas para uso doméstico, para aproveitamento agrícola e para indústrias, que não dá o direito aos titulares do direito de servidão de se apropriarem da água dos outros?
Creio que, efectivamente, estamos hoje a assistir, num momento em que nem sequer o PSD regulamentou a lei de 1993, como já foi aqui denunciado, mas também o PS, que está há dois anos no Governo e ainda não o fez,...

Vozes do PS: - Há ano e meio!

O Sr. António Martinho (PS): - Estamos a tratar disso!

A Oradora: - Estão a tratar disso! Vamos a ver, porque, se calhar, estão dependentes de algum acordo em relação ao artigo 82.º da Constituição. E não sei que mais surpresas o PS nos reservará nessa matéria de revisão constitucional!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado Antonino Antunes, a lei ainda nem regulamentada foi. Através dos tempos, foram feitas as maiores obstruções ao exercício dos direitos dos compartes e eles já estão habituados a isso, porque toda esta actuação em relação aos baldios já vem de muito longe. E agora VV. Ex.as vêm fazer uma investida contra a propriedade comunal para esbulhar, para colocar no comércio jurídico águas e bocados de terreno, fora daquilo que a lei actualmente prevê em relação aos privados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o projecto de lei fala por si, as contradições na exposição de motivos são enormes. O vosso projecto de lei diz, na exposição de motivos, e V.Ex.ª repetiu-o aqui, que toda a gente sabe que há construções que têm na sua base vendas, autorizações e licenças camarárias que levaram a essas utilizações. Então, se toda a gente sabe, não podem provar a boa fé?! Não! O que V. Ex.ª quis foi, de facto, prosseguir uma cruzada contra os compartes, contra os baldios, contra uma propriedade que, no norte serrano, tem desempenhado uma função económica e social importante.
Mas eles continuarão a lutar e VV. Ex.as não contarão connosco para qualquer alteração à lei existente.

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - O Sr. Deputado já esgotou o seu tempo.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Os Verdes acabam de me conceder 1 minuto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, faça favor.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, fez um desafio ao Grupo Parlamentar do PS, mas recordo-lhe a parte final da intervenção do Sr. Deputado Garcia dos Santos, onde reconhecemos que a Lei dos Baldios merece, necessita e deve ser regulamentada. Qualquer grupo parlamentar pode exercer o direitos de legislar e propor um projecto de lei, mas o meu colega Deputado
Garcia dos Santos foi claro quando disse que o PS está disponível para enriquecer este projecto de lei, tendo sempre presente a necessidade de acautelar os legítimos interesses das comunidades locais e evitar eventuais violações aos princípios consignados na Constituição.
Sr.ª Deputada, quanto ao artigo 82.º da Constituição, da nossa parte prezamos muito o direito das comunidades aquilo que é propriedade comunitária.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, dispondo de muito pouco tempo para o efeito. Mas informam-me que Os Verdes concedem-lhe também 1 minuto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, serei muito breve.
Apetecia-me responder, perante esta profissão de fé, à maneira de Gil Vicente: muito folgo eu com isso. Mas como nestas coisas da fé, que não de convicções, a fé muitas vezes abala, é sempre bom estar com um pé atrás.

Risos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nosso entender, o projecto de lei n.º 257/ VII, ao pretender a eliminação da limitação temporal prevista no n.º 2 do artigo 39.º, vai, de facto, beneficiar ambas as partes interessadas, na medida em que permite a ambas desencadear o processo tendente à regularização da situação em qualquer momento. Entendemos que, por um lado, vai resolver um conjunto de situações que se encontram por resolver há já algum tempo e, por outro, vai permitir que o dono das construções, que neste caso em concreto e na sua grande maioria são pessoas de fracos recursos económicos e com poucas habilitações literárias. que a lei em vigor fez cair numa solução sem solução, isto é, numa solução sem alternativa.
No entanto, entendemos também - e congratulamo-nos com o facto de o PSD já ter reconhecido que é necessária aqui a clarificação de uma limitação temporal, por exemplo, aceitando que esta nova redacção apenas se aplicará às situações já existentes à data da entrada em vigor da lei - que a forma como o artigo está redigido é, de facto, bastante ampla porque não tem qualquer limitação temporal, e essa não nos parece uma situação justa.
Por outro lado, no projecto de lei, o estabelecimento da presunção legal é acompanhado do direito à aquisição do terreno, ainda que o valor deste seja maior do que o da obra incorporada. Esta presunção legal, ora proposta, é uma inversão do princípio que não só marca as origens históricas do instituto da acessão como predomina nas soluções dos diferentes sistemas estrangeiros em vigor sobre esta matéria.
De acordo com o disposto nos artigos 1339.º e 1342.º do Código Civil, o beneficiário da acessão pode ser quer o dono do solo quer o dono do implante. A solução proposta pelos autores do projecto de lei, pelo contrário, consagra a fatalidade da reversão para o dono do implante do solo em que implantou. Ora, esta disposição, em nosso entender, só pode valer na exacta medida em que reflicta o princípio da função social do direito real, isto é, só acei-

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tamos a presunção de boa fé do dono do implante desde que ceda mediante simples prova em contrário. Por isso, entendemos que, de facto, também essa clarificação deve constar no diploma.
Estas são as considerações que, do ponto de vista do PP, nos merece o presente projecto de lei em discussão, pelo que, em sede de especialidade, não abdicaremos de apresentar estas alterações, sendo certo que, de um modo geral, concordamos que as soluções apresentadas visam dar resposta a um conjunto de situações que a prática da lei reclama e que, portanto, urge pôr em prática.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente. peço a palavra para um pedido de esclarecimento no tempo de 1 minuto que me foi concedido pelo Partido Popular.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Santo, antes de mais, queria congratular-me não propriamente pela posição que tomou, porque acredito que é uma posição sensata e de boa fé, mas, acima de tudo, por ter tocado no ponto essencial da questão.
Tenho pena que a Sr.ª Deputada Odete Santos já não se encontre presente para me ouvir, mas aquilo que mais me surpreendeu nesta discussão - foi o facto de a Sr.ª Deputada se ter esquecido de que aquilo que estamos aqui a defender, no essencial, quando tratamos das construções e das canalizações, são os interesses dos pobres e dos pequenos proprietários, porque só esses é que constroem nestas situações e só esses é que não têm estas situações legalizadas.
Foi, pois, uma intervenção contra os pobres e contra os pequenos proprietários aquilo em que se consubstanciou a posição defendida pela Sr.ª Deputada Odete Santos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Ó Sr. Deputado, a Sr.ª Deputada Odete Santos já não está presente e V. Ex.ª pediu a palavra para um pedido de esclarecimento à Sr.ª Deputada Helena Santo, de maneira que faça favor de usar da palavra para esse efeito.

O Orador: - Sr.ª Deputada, no fundo, era isto que eu queria dizer, portanto penso que o meu pedido de esclarecimento está feito.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, queria apenas dizer-lhe que, de facto, comungamos dessa preocupação. Foi ela que nos levou a tomar a posição de viabilizar este projecto de lei, sem prejuízo de apresentarmos as alterações que já referi.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é só para informar a Câmara que a Sr.ª Deputada Odete Santos já não está aqui porque na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional está a ser debatido um artigo em que ela está directamente envolvida. Ela saiu porque presumiu que já não houvesse qualquer referência à intervenção que fez.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - E também já não tinha tempo!
Srs. Deputados, terminámos a discussão do projecto de lei n.º 257/VII.
Vamos passar ao último ponto da nossa ordem de trabalhos, que é a apreciação e votação do I.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para 1997.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui a discutir o l.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para o ano de 1997, que visa dar cumprimento não só à lei como também ao acórdão do Tribunal de Contas, no sentido de que o saldo de gerência do ano de 1996 deva ser incorporado no Orçamento de 1997 logo após o seu apuramento e não, como acontecia no passado, no fim do ano económico em causa.
Ora, este Orçamento Suplementar, que assim dá cumprimento à decisão e ao acórdão do Tribunal de Contas, mais não visa do que interpretar fielmente os diplomas legais que regem esta matéria, e, por isso, merece o total acordo do Partido Popular.
O saldo de gerência do ano de 1996 já foi objecto de intervenção do Partido Popular. mas na sede própria, quando se discutiu a Conta de 1996, e por isso escuso de estar a repetir as considerações que fizemos na altura sobre esta matéria.
Quero apenas realçar o pronto cumprimento das determinações do órgão jurisdicional em causa por forma a que nada haja a apontar à Assembleia da República nesta matéria, e por esse motivo o Partido Popular não pode deixar de louvar a Sr.ª Secretária-Geral. Desejamos que, de futuro, e ainda relativamente ao mesmo e outros acórdãos, a Assembleia saiba assim cumprir fielmente aquilo que o Tribunal de Contas determina.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra para apenas dar um breve esclarecimento à Câmara das razões por que neste momento, passados poucos meses após a aprovação do Orçamento da Assembleia da República, é necessário um orçamento suplementar.
A primeira razão - o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa já o referiu - é justamente a de fazer a integração do montante correcto do saldo da Conta de 1996. Lembro que aprovámos o Orçamento para este ano em 31 de Janeiro e, como é normal, o saldo aí referido, o saldo respeitante à Conta de 1996, foi encontrado por estimativa pois não podia deixar de ser de outro modo. Passado um mês e tal, fechou-se a Conta de 1996, encontrou-se o saldo correcto, e agora trata-se de o integrar.
Também assim se procede à correcção de verbas que têm a ver com o facto de posteriormente terem sido recebidas

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guias de reposição, quer da parte dos partidos, quer da parte de Deputados, referentes, na sua totalidade, a subvenções para campanhas eleitorais e a subsídios de reintegração.
Do lado da receita. são, pois, estas as duas alterações mais significativas.
No capítulo da despesa, procedeu-se também ao reforço das dotações orçamentais relativas a encargos assumidos em 1996, que tinham o respectivo cabimento e estavam devidamente autorizadas, mas cujo pagamento não foi efectuado durante o exercício desse ano económico. Vão, portanto, ser efectuados durante o ano de 1997. Daí termos de reforçar as respectivas dotações.
Há também que referir as alterações, a que, enfim, procedemos todos os anos, que têm a ver com a fixação do salário mínimo nacional. Há verbas orçamentais cujo valor depende da fixação do salário mínimo nacional, como sejam os subsídios de refeição e outros.
Reforçam-se ainda as verbas que se destinam à conservação, manutenção e reparação das instalações e procedeu-se também a um reforço da dotação provisional.
Digamos que estes são os movimentos orçamentais mais importantes e, como disse o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, ao que eu acrescentaria mais qualquer coisa, trata-se não só de acolher, como é natural, as recomendações do Tribunal de Contas mas também de conformar o nosso Orçamento com o decreto-lei que regulamenta a execução orçamental para o ano em curso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos passar à votação do 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para 1997.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, parece-me evidente e óbvio que V. Ex.ª encerre o debate não havendo mais inscrições, mas quanto à votação tenho algumas dúvidas, uma vez que o período regimental de votações decorrerá na sessão plenária de amanhã, às 18 horas, tanto quanto sei.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Carlos Coelho, o que está na ordem do dia é "apreciação e votação (...)", e foi isto que foi decidido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Porém, se houver objecções a que assim se proceda, poderá ser votado na reunião plenária de amanhã...

O Orador: - Sr. Presidente, o que foi decidido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares foi o agendamento da matéria para hoje, e a menos que haja alguma razão que torne para a Assembleia muito penosa a sua votação na reunião plenária de amanhã ela efectuar-se-á agora. Mas, perante isto, agradecia que o Sr. Deputado Rui Vieira, que é o Presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, nos dissesse se há algum elemento nesse sentido, ou seja, se há algum elemento que torne totalmente imperioso que a votação seja feita hoje. Caso contrário, creio que devemos manter a regra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Carlos Coelho, não há qualquer problema em que a votação se faça amanhã, à hora regimental. Portanto, assim se fará.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, e terá como ordem do dia a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 47/VII, do projecto de lei n.º 241/VII (CDS-PP) e do projecto de deliberação n.º 40/VII (PS).
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Domingos Fernandes Cordeiro.
José António Ribeiro Mendes.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

Arménio dos Santos.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
Cláudio Ramos Monteiro.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Mário Manuel Videira Lopes.
Nelson Madeira Baltazar.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Alberto Pinto.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Fernando José de Moura e Silva.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Nuno Kruz Abecasis.

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Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho c Silva.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

DIÁRIO da Assembleia da República

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