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16 DE JULHO DE 1997 3397

A nossa proposta coíbe-se de dizer o que diz a Lei Fundamental de Bona, e fá-lo deliberadamente. Qual é o alcance desta norma que vos propomos? Em primeiro lugar, a consagração do direito ao desenvolvimento da personalidade não importa para a Constituição a filosofia de qualquer filósofo concreto vivo ou morto, sejam os citados pelo Sr. Deputado Pedro Roseta ou outros quaisquer, por circunspecção, não mencionados. Não há uma identificação da concepção personalista constitucional com um específico. Por isso é que na CERC todos os partidos votaram a favor desta norma, independentemente das suas extracções e matrizes político-ideológicas em relação à pessoa humana.
O que é este direito ao desenvolvimento da personalidade? É, no fundo, o direito que cada um de nós tem a ser um ente único e irrepetível, distinto ou igual aos demais, consoante delibere, queira e consiga; o direito a ser diferente ou a exigir a negação e a irrelevantização de todas as diferenças, como um pensamento mais moderno já sustenta no estrangeiro e em Portugal; o direito de autodeterminação, ou seja, o direito a escolher livremente o destino pessoal e a decidir livremente em situações de conflito que são fulcrais para a concretização da existência humana, inclusive algumas relacionadas com a própria vida, a sua continuação ou a sua interrupção, em determinadas situações-limite.
Por outro lado, a consagração deste direito implica que ao legislador não cabe proteger os cidadãos contra si próprios e impor-lhes paradigmas unidimensionais de comportamento digno, em nome daquilo a que poderia chamar-se a boa personalidade, o retrato do bom cidadão e da personalidade-modelo que caberia ao Estado impor a cada um de nós, subordinando-nos a uma espécie de standard humano, cívico ou político. Isto é completamente proscrito por esta norma constitucional e, por isso, a votámos, pois de outra forma não o poderíamos ter feito.
Por último, permita-me que refira, Sr. Presidente, que o homem, ou a mulher, tal e qual é encarado nesta norma e ao qual se reconhece o direito ao desenvolvimento livre da sua personalidade, não é visto na Constituição como uma entidade isolada, distinta ou completamente divorciada da realidade comunitária e social. É do homem integrado na realidade social que aqui se fala, rejeitando tanto o individualismo liberal como o colectivismo que anula a personalidade humana. Por isso mesmo, ao contrário do que diz a Lei Fundamental de Bona, não sentimos necessidade de aludir, como limite a este direito, aos direitos dos outros, à moral ou à ordem constitucional, mas é evidente que há limites implícitos ao seu exercício. Por exemplo, nada neste direito legitimaria práticas de restrição ou de amputação de jovens mulheres, de crianças do sexo
feminino - estou a referir-me ao conceito da excisão - , em nome de uma peculiar concepção e de um desenvolvimento específico da personalidade dessas mulheres, em obediência a uma crença, a uma convicção, que violaria, basilarmente, direitos fundamentais e a dignidade fundamental do género humano, tal e qual a nossa Constituição a consagra.
O direito de livre desenvolvimento da personalidade insere-se num quadro social, no quadro da ordem constitucional, e não é preciso proclamá-lo especificamente, porque isso aplica-se a todos os direitos que a Constituição estabelece, são limites imanentes que aqui acolhemos. Por isso, não seguimos pelo caminho alemão nem pelo caminho espanhol, seguimos o nosso próprio caminho. Esta é, seguramente, uma das normas que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem orgulho em ter impulsionado e espera conseguir que seja viabilizada por unanimidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do nosso colega. Deputado Pedro Roseta, foi brilhante e não vou seguramente competir com a extensão do brilhantismo do Sr. Deputado. Por isso, limitar-me-ei à parte do artigo 26.º que diz respeito à dignidade pessoal e à identidade genética do ser humano, lembrando dois ou três pontos muito precisos. Esses pontos prendem-se com as propostas feitas nesta matéria pelo PSD, quanto aos artigos 25.º e 25.º-A, e pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, em relação ao artigo 26.º-B.
Na primeira, a integridade moral e a identidade genética são tidas como invioláveis; na segunda, a dignidade humana será respeitada na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica e, depois, o Sr. Deputado Guilherme Silva diz que a identidade genética só pode ser alterada com o consentimento do próprio e exclusivamente para fins terapêuticos.
Quaisquer destas propostas tinham implícitos grandes perigos e a grande questão que se coloca nesta matéria é a seguinte: segundo os dados da evolução científica e do direito nesta matéria, o direito da bioética, por um lado, não se pode fazer tudo o que pode ser feito cientificamente e, por outro, não se deve restringir de forma excessiva as aplicações da biologia e da medicina.
Ora, estas propostas tinham essa dificuldade, resolviam-na mal, e creio que, agora, estamos numa boa situação, a resolver as propostas e as situações da própria Convenção Europeia da Bioética do Conselho da Europa, a que o Sr. Deputado Pedro Roseta, com grande precisão e empenho - e é-lhe devida uma palavra também no empenho que deu ao trabalho de conclusão, na Comissão de que foi presidente, relativo ao apuramento da Convenção sobre esta matéria - fez referência, evidenciando os três grandes valores, agora constantes do artigo 26.º, que são basicamente a dignidade da pessoa humana, a integridade da pessoa, e não do ser humano, e a possibilidade das aplicações no âmbito da biologia e da medicina, sem pôr em causa dignidade, identidade e integridade.
Trata-se do artigo 1.º da Convenção Europeia da Bioética, mas esta Convenção tem o cuidado de remeter para a lei a aplicação das medidas concretas, porque estamos aqui numa situação nuclear e extrema, onde a salvaguarda dos direitos fundamentais da dignidade da pessoa, da sua identidade e da integridade têm de se adequar, de modo harmónico, com a evolução científica, no âmbito da biologia e da medicina, e até com a utilização dos conhecimentos científicos para fins terapêuticos.
Por isso, a solução constitucional aberta, tal como existe, e não fechada, como em algumas propostas, não tomava inconstitucional a assinatura da Convenção; pelo contrário, recebe-a de forma harmónica e adequa-se aos valores fundamentais, modernos e decisivos, quer no sentido da protecção da dignidade humana, quer no sentido da protecção da investigação científica. É uma boa solução.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

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