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19 DE JULHO DE 1997 3547

Outra vez em desgraça, volta a Lisboa sob custódia, é desterrado para o Porto, é julgado pelo Santo Ofício a pretexto de acusações várias desde simpatias pelos cristãos-novos a heterodoxias. É condenado ao silêncio.
Com o triunfo de D. Pedro sobre D. Afonso VI, na crise político-dinástica de 1667, os seus inimigos são afastados, o que o traz para a área de protecção do Rei. Parte então para Roma por um período largo e regressa a Lisboa onde passa cinco anos. Mas vê-se marginalizado. Com mais de 70 anos de idade, embarca outra vez para o Brasil, para a Baía, e prepara a publicação dos Sermões, de que publica, disciplinadamente, 12 volumes, até à morte, em 1697, há 300 anos.
O que há de grande na vida e obra do Padre António Vieira é esta harmonia do cristão, pregador e missionário, do português, patriota e combatente, do homem, humanista e lutador pela dignidade dos outros homens. É esta harmonia entre o explorador da Amazónia, o mensageiro discreto e secreto do rei, humanista de grande saber e de voz profética, Orador e estilista impar. É o lutador do pensamento, o visionário realista destes quase 90 anos passados numa e noutra margem do Atlântico, dos faustos de Roma barroca dos papas aos sertões da Baía, da companhia dos grandes da política europeia aos míseros índios do Maranhão, entre o favor dos reis e a perseguição dos grandes. E sempre fiel ao seu Deus, à sua Pátria, aos seus ideais católicos e portugueses, sem parar por isso de interrogar o tempo e os seus modos, o passado, o presente e o futuro.
Porque, finalmente, Vieira era um visionário genial. Tendo lutado por um poder português no mundo, assente nos factores materiais do poder - nas armas, nas armadas, nas fortalezas -,procurando consequentemente o dinheiro e negócios necessários para os manter, ele viu também que o destino de Portugal podia, e devia, talvez estar em ser um Quinto Império. Um Império de "mil e muitos anos", uma utopia político-social, sem limite e sem distância, para chegar ao futuro, depois de cumpridos e acabados todos os impérios, inclusive o império português! Seria esse império do futuro a luta que ele travou contra o preconceito racial e esclavagista que expulsara o cristão-novo e oprimia o índio brasileiro? Talvez! Mas, de qualquer modo, que genial profetismo este, nos meados do século XVII, um padre jesuíta que pensa uma companhia transnacional para responder à globalização dos mercados e dos interesses; que prega a grande unidade e dignidade universais das criaturas do Reino de Deus neste mundo, que a tudo isto dá um sentido cristão e português!
E que espantosa modernidade, assente num profundo conhecimento da natureza humana, das suas limitações e das suas grandezas, e expressa de forma ímpar no sermão Pelo Bom Sucesso das Nossas Armas: "A mais perigosa consequência da guerra e a que mais se deve recear nas batalhas, é a opinião. Na perda de uma batalha arrisca-se um exército; na perda da opinião arrisca-se um reino. Salomão, o Rei mais sábio, dizia que 'melhor era o bom nome, que o óleo com que se ungiam os reis'; porque a unção pode dar reinos, a opinião pode tirá-los".

Aplausos do CDS-PP, do PS, do PSD e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em representação do Partido Social Democrata, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - "Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra e tantas terras para a sepultura. Para nascer pouca terra, para morrer toda a terra. Para nascer Portugal, para morrer o Mundo" - Padre António Vieira, Sermão de Santo António, pronunciado em Roma em 1670.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Sr.as e Srs. Convidados. Sr.as e Srs. Deputados: Os representantes do povo português aqui reunidos prestam homenagem ao Padre António Vieira, personalidade magna de Portugal, do Brasil, da Igreja Católica e de todo o mundo lusófono, no dia do terceiro centenário da sua morte.
Não tentarei sumariar o seu pensamento ou descrever a sua multifacetada acção, tarefas, aliás, impossíveis de levar a cabo no breve tempo de que disponho. Inspirado nos trabalhos daqueles portugueses, brasileiros e estrangeiros que se têm debruçado sobre a sua prodigiosa figura, sublinharei o que na sua vida e obra me parece actual.
É obrigatório, claro, destacar o mestre incomparável da oratória e da escrita, a quem Pessoa dá o título de "imperador da língua portuguesa". Camilo afirma que "as opulências que Vieira aditou à prosódia constituíram o idioma português no alto ponto das línguas mais ricas".
Ninguém discutirá a necessidade de ler e estudar os seus textos luminosos. Logo neste aspecto quero acentuar a sua renovada actualidade. Depois de um ocaso de dois séculos, o nosso tempo assiste ao renascer da importância da linguagem e dá retórica. Acabaram os absolutismos que desprezavam o aspecto retórico do pensamento. Como Vieira, os pensadores ou muitos pensadores de hoje de novo valorizam o papel da linguagem, instrumento indispensável à comunicação, que não é puro decalque do real.
Para Vieira, a alquimia verbal e a construção de conceitos eram meios para persuadir o ouvinte de uma verdade e para levá-lo à acção. Margarida Vieira Mendes, que infelizmente tão cedo nos deixou, nota que a clivagem posteriormente ocorrida entre acções e sistemas de valores levou à desconstrução do eu ideal. O individualismo burguês assentou na concepção pessimista da natureza humana, "no afastamento do sentido transcendente e divino dos actos humanos", "na implantação da teoria do egoísmo e na deificação do amor-próprio". Dele resultaram ideais puramente subjectivos.
Vieira visava o alimento e crescimento da alma humana colocada no caminho da perfeição. O seu objectivo último era assegurar a salvação, mas considerava necessária e urgente a construção de uma sociedade cada vez mais perfeita que apressasse o advento do Reino de Deus.
Acentuando a importância da universalidade, Vieira atribuiu a máxima relevância aos fundadores dela, os portugueses, primeiros homens que "não haviam de ser habitadores de uma só terra, de um só Reino, (...) como os outros homens, senão de todo o mundo (...)".
Na esteira da excelente lição de Vasco Pulido Valente, recordarei os fundamentos que justificam a escolha de Portugal como instrumento privilegiado dos desígnios de Deus, que o tinha escolhido para "instrumento da revelação do mundo ignorado" e a quem caberia a missão de constituir o Quinto Império, que não só enquanto espiritual, senão ainda enquanto temporal "se ordena ao fim último e sobrenatural da bem-aventurança" e "nisto se distingue dos reinos meramente políticos e humanos".
Vieira baseia-se na sua interpretação das profecias, mas também na interpretação dos factos feita pela razão natural

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