O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

19 DE JULHO DE 1997 3551

vidas de muitos desses homens. Assim foi Vieira. Vieiras, hoje, precisam-se.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Excelências, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Eminência, demais Autoridades Civis, Militares e Religiosas, Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores.
Sr. Presidente da República: Evocar a memória do grande português que foi o Padre António Vieira numa sessão parlamentar a que V. Ex.ª se digna assistir, é fazê-lo não apenas no cenário institucional do povo que ele tanto amou, mas na presença do símbolo da pátria que idolatrou até ao quase delírio. Bem haja por ter querido juntar-se a nós.
Sr. Primeiro-Ministro: Quero agradecer-lhe, não apenas a sua presença, o que já seria justificação bastante para um gesto de agradecimento, mas o facto de me ter lembrado a necessidade deste acto solene, ao aproximar da data que estamos a evocar.
Srs. Deputados, Ilustres Autoridades, Srs. Convidados: É bonita, é significativa e é solene a moldura humana que a vossa presença empresta a esta cerimónia evocativa. Obrigado a todos.
Estes nossos discursos seriam, na curiosa cronologia de Vieira, "sermões da tricentésima". Só que nem são sermões, nem são dele, não obstante a eloquência dos que já ouvimos até agora. E a primeira dificuldade em celebrá-lo há-de ser termos de falar dos seus sermões através dos nossos.
Nenhum outro Orador e escritor exerceu sobre mim e sobre a minha maneira de comunicar com os outros no foro, na acção partidária ou no Parlamento - mais marcante influência e mais persistente desejo de imitação.
Durante muito tempo, extractos dos seus sermões foram o meu breviário. Tentei identificar-me sempre com a sua espantosa maneira de dizer as coisas. Ele foi para mim, e ainda é, a personificação da língua portuguesa. Há Camões, eu sei. A sua lírica ainda me deleita. O seu poema épico ainda me empolga. E há Mestre Gil, o supremo jogral. E Eça, o da inultrapassável ironia. E Pessoa, poeta genial que tem de comum com Vieira o apelo messiânico, o nacionalismo redentorista e a familiaridade com o sobrenatural. E o Grão Vasco, a Josefa de Óbidos, o Columbano. E D. João II, para só citar o mais perfeito dos príncipes. O génio encarnou muitas vezes no meio de nós. Não nos é, enquanto povo, nem alheio nem estranho.
Apesar disso, o Padre António Vieira tem um lugar aparte na galeria dos nossos maiores. Se a Pátria, segundo Pessoa, é a língua portuguesa, se Vieira foi, no dizer do mesmo Pessoa, " o imperador da língua portuguesa", ele continua a ser, através do registo dos seus escritos, um dos mais altos expoentes da personificação da Pátria.
Viveu, em revolta, as últimas três décadas do cativeiro filipino. Experimentou, na maior ansiedade, os primeiros anos da restauração. Viveu ainda tempo bastante para fruir a exaltação de uma Pátria redimida.
Nasceu fadado e cresceu talhado para uma vida cruzada pelos sentimentos mais excessivos e contraditórios.
Filho de modestos servidores do paço, foi toda a vida tocado pela sedução do poder e dos fulgores palacianos.
Neto de uma mestiça, transportou no sangue uma instintiva empatia pelos índios e pelos "irmãos pretos" do Brasil, como ele próprio lhes chamou Culturalmente formado na Companhia de Jesus, segundo o rigor, a inflexão e a exaltação mística de Loiola, permaneceu instintivamente missionário, por entre as galas de pregador da Capela Real, de diplomata incumbido das mais delicadas missões, de impulsionador de projectos empresariais ou apenas de confidente de reis e testemunha activa de intrigas palacianas. Na tradição da Companhia terá bebido também a crença messiânica e o profetismo sebástico.
João Lúcio de Azevedo assinala que a Companhia de Jesus se tornou "foro activo de sebastianismo", proclamando os seus padres, segundo ele, por todos os lados, "terem ido à fala com D. Sebastião". Diz-se que, após ter sido extinto em Portugal - se é que definitivamente o foi -, o sebastianismo subsistiu, impressivo, nos sertões nordestinos do Brasil. Não, decerto, por inclinação natural dos nativos, mas porque Vieira e outros jesuítas, lá deixaram a semente dessa requentada reacção colectiva contra a humilhação de um desígnio perdido.
Apesar de moldado numa cultura de obediência, Vieira foi, não obstante, um rebelde. Duzentos e cinquenta anos depois, Salazar tê-lo-ia rotulado de "perigoso revolucionário", para o qual só existia uma "missão": malhar com os ossos nas alfurjas do Limoeiro. Atenta, a Inquisição censurou-o, inquiriu-o durante quatro anos daquela sua doce e conhecida maneira, julgou-o, fixou-lhe residência, prendeu-o. Suma injúria para quem tão bem falava e escrevia: "privou-o de voz activa e passiva". Por seu desígnio, o pregador não mais pregava.
Mas não o domou. À pergunta "aceita ou não lisamente as censuras e admoestações da Cúria", disse, corajosamente, "não".
Não nos havemos de espantar dos rigores a que foi sujeito. Os regimes absolutos têm a sua lógica. E ouvir Vieira dizer o que disse dos índios, dos escravos e dos colonos do Brasil, poria fora de si o ditador mais compassivo, se é que os ditadores são permeáveis à compaixão!
Mas, atenção! O Padre António Vieira não foi, nem podia ter sido, um abolicionista. Era cedo demais para que o fosse num dos maiores teatros da escravatura de então. Foi-o, quando muito, em relação aos índios, embora sob a acusação de que os quis libertar para os sujeitar, libertos, à tutela da Companhia de Jesus. Quanto aos escravos negros, zelou por que fossem tratados como seres humanos e filhos de Deus. Só muito rara e cautelosamente a mais se afoitou. A escravatura fazia ainda parte da ordem natural das coisas.
É célebre a sua comparação do escravo a Cristo no Sermão do Rosário: "Cristo despido e vós despidos; Cristo sem comer e vós famintos; Cristo em tudo maltratado e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isso se compõe a vossa imitação".
E noutro passo: "Eles mandam e vós servis; eles dormem e vós velais; eles descansam e vós trabalhais; eles gozam o fruto do vosso trabalho, e o que vós colheis é um trabalho sobre outro".
Não resisto a citar ainda: "Os Senhores poucos, os escravos muitos; os Senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os Senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os Senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses; os Senhores em pé, apontando para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados, com as

Páginas Relacionadas