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Quarta-feira, 23 de Julho de 1997 3609

I Série - Número 99

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.A SESSÃO LEGISLATIVA (1996=1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE JULHO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos

Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 128 e 129/VII, do projecto de lei n.º 400/VII. do projecto de resolução n.º 62/VII e da proposta de resolução n.º 63/VII. bem conto de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado José Calçada (PCP) criticou o Governo pela não resolução dos problemas com que se confrontam as nossas comunidades de emigrantes e respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Luís (PS).
Sob a forma de interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD) reclamou pelo tratamento da RTP, no seu espaço TV Regiões, ao dar assinalável destaque a uma intervenção feita por um Deputado do PS onde foram abordados temas do distrito de Viana do Castelo. ignorando a posição de Deputados do PSD sobre a mesma matéria, e pela falta de rigor informativo daquele órgão de comunicação social.
A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite (PSD) comentou notícias vindas a público sobre a não realização no nosso país, no ano presente, do Grande Prémio de Fórmula 1 e sobre o negócio entre o Estado e o Grupo Grão-Pará e transmitiu à Câmara que, caso a audição com o Sr. Ministro da Economia não for conclusiva, o PSD avançará com um pedido de inquérito, após o que respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Henrique Neto (PS) - que também defendeu a sua honra -, Lino de Carvalho (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP) e Nuno Baltazar Mendes (PS). Na sequência a Sr.ª Deputada Helena Roseta (PS) fez uma interpelação à Mesa.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 8l a 84 do Diário. Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigos 33.º, 96.º a 103.º. 105.º a 112.º e 115.º a 118.º).
Intervieram, a diverso título. os Srs. Deputados António Martinho (PS). Cruz Oliveira (PSD). Limo de Carvalho (PCP), João Corregedor da Fonseca (PCP). Roleira Marinho (PSD). Ferreira Ramos (CDS-PP). Francisco Torres (PSD), José Magalhães (PS), António Galvão Lucas (CDS-PP). Manuela Ferreira Leite (PSD). João Carlos da Silva (PS). Maria Eduarda Azevedo, Luís Marques Guedes e Álvaro Amaro (PSD), Jorge Lacão (PS), Nuno Abecasis (CDS-PP), António Filipe (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Natalina Moura (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Guilherme Silva (PSD), Medeiros Ferreira (PS), Mota Amaral e Carlos Encarnação (PSD), Arlindo Oliveira (PS), Azevedo Soares (PSD), Ferreira Ramos (CDS-PP) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão era 1 hora do dia seguinte.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobao.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Areias Fontes.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.

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António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custodio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucilia Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.º5 128/VII - Estabelece o regime de exercício de direito do pessoal da polícia marítima (PM) e 129/VII - Altera o n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro (Lei dos Partidos Políticos), o n.º 4 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio (Lei Eleitoral do Presidente da República) e o n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 701: B/76, de 29 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 757/76, de 26 de Outubro (Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 400/VII - Elevação da vila de Valpaços à categoria de cidade (PSD), que baixou à 4.ª Comissão; projecto de resolu-

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ção n.º 62/VII - Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 1996 (Comissão de Assuntos Europeus); proposta de resolução n.º 63/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo para a Criação do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral, assinado em Estocolmo, em 27 de Fevereiro de 1996.
Foram apresentados na Mesa, na reunião plenária de 15 de Julho de 1997, os seguintes requerimentos: ao Governo e ao Ministério da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Aires de Carvalho; ao Ministério do Ambiente e à Câmara Municipal de Aljezur, formulados pelo Sr. Deputado José Reis; aos Ministérios da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Jorge Ferreira.
Por sua vez, o Governo respondeu, no dia 17 de Julho de 1997, aos seguintes Srs. Deputados: Roleira Marinho, no dia 30 de Julho de 1996 e na sessão de 6 de Fevereiro de 1997; Luís Sá, na sessão de 30 de Outubro de 1996; Carlos Zorrinho, na sessão de 6 de Novembro de 1996; Victor Moura, na sessão de 7 de Novembro de 1996; Lino Carvalho, nas sessões de 20 de Dezembro de 1996, 17 de Janeiro e 14 de Maio de 1997; Manuela Aguiar, na sessão de 8 de Janeiro e nos dias 15 de Abril e 20 e 27 de Maio de 1997; Miguel Macedo, na sessão de 21 de Fevereiro de 1997; Manuel Frexes, na sessão de 6 de Março de 1997; Bernardino Soares, nas sessões de 13 de Março, 23 e 24 de Abril e 18 de Junho de 1997; João Carlos Duarte, no dia 18 de Março de 1997; Rodeia Machado e Gonçalo Ribeiro Costa, na sessão de 19 de Março de 1997; Carlos Marta, na sessão de 20 de Março de 1997; Costa Pereira, Carlos Pinto, António Rodrigues, António, Filipe, Jorge Roque Cunha, Amândio Oliveira e Heloísa Apolónia; nas sessões de 16 e 30 de Abril e 8 e 21 de Maio de 1997; Filomena Bordalo, na sessão de 16 de Maio de 1997;
Gavino Paixão, na sessão de 28 de Maio de 1997; Isabel Castro, na sessão de 4 e no dia 17 de Junho de 1997; Manuel Moreira e Augusto Boucinha, na sessão de 11 de Junho de 1997.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os emigrantes portugueses continuam a merecer deste Governo do Partido Socialista uma atenção muito semelhante à que mereciam dos anteriores Governos do PSD. Queremos nós dizer que os nossos emigrantes continuam a ser demagogicamente utilizados - eu diria, despudoradamente manipulados - no âmbito da negociata PS/PSD em torno da presente revisão constitucional, e em termos tais que a questão conhecida como "o voto dos emigrantes" continua a fazer estragos dentro do próprio grupo parlamentar do partido que apoia o Governo e a levantar fundados protestos, e os mais sérios, não apenas dos comunistas mas de personalidades outras, das quais me permito citar Jorge Miranda e Gomes Canotilho.
Em contrapartida, e em paralelo com esta demagogia, o Governo continua, em termos de acção concreta, a mostrar o seu desrespeito pelos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo, prometendo, adiando ou avançando timidamente medidas eficazes e essenciais em matérias como o funcionamento dos serviços consulares, o ensino da língua e da cultura portuguesas, o apoio ao movimento associativo e a valorização efectiva do Conselho das Comunidades como órgão democrático e representativo.
Os Governos do PSD tomaram as medidas que bem se conhece relativamente aos nossos emigrantes - desde a alteração das "contas poupança-emigrante" ao aumento do imposto sobre os respectivos juros, desde a extinção do antigo Conselho das Comunidades à redução de verbas e professores para o ensino, desde a acumulação de milhares de processos de pedidos de bilhetes de identidade à extinção do Instituto de Apoio à Emigração e, deste modo, à extinção do apoio ao movimento associativo. É longo o rol de malfeitorias do PSD neste domínio, e de tal modo o é que reconhecemos não ser fácil ao PS igualá-lo em quase dois anos de Governo. Mas que se tem esforçado por isso, lá isso tem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Veja-se, desde logo, o que se passa com as eleições realizada no passado dia 27 de Abril para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Como já tivemos ocasião de acentuar, nomeadamente junto dos nossos emigrantes, consideramos como muito positiva a própria existência do CCP enquanto órgão directamente representativo das comunidades emigrantes, tendo estas apresentado quase uma centena de listas às eleições, provenientes quer do movimento associativo, quer de independentes. O sistema utilizado, previsto na lei, parece-nos, neste domínio, o mais ajustado. Não agrada, evidentemente, àqueles que prefeririam um órgão "corporativizado" os mesmos que, autores da extinção pura e simples do anterior Conselho, vêm agora lamentar-se da elevada taxa de abstenção, como se a sua política de 10 anos nada tivesse a ver com isso.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Mas o Governo do PS tem igualmente, nesta questão particular da abstenção, uma elevada responsabilidade. Independentemente da necessidade de uma análise mais aprofundada das causas do fenómeno, é evidente para todos que o actual Governo do PS é, objectivamente, um dos principais responsáveis pelo grau que assumiu a abstenção: primeiro, pela ausência de uma campanha de esclarecimento motivadora e eficaz; depois, pela deficientíssima organização logística do processo; finalmente, pela insuficiente descentralização das assembleias eleitorais. Confundir causas e consequências pode contribuir para fazer esquecer as responsabilidades do Governo neste domínio, mas em nada contribui para a defesa dos interesses dos emigrantes e para a credibilização do seu órgão representativa, o CCP, e, a prazo, revelar-se-á como uma estratégia sem futuro.
Aliás, estando prevista para Setembro a realização na Assembleia da República da primeira reunião plenária do Conselho das Comunidades Portuguesas, é fundamental

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que este então se possa pronunciar sobre, os problemas com que estão confrontados os portugueses da diáspora sobre a política concreta deste Governo para com os emigrantes e, finalmente, sobre a absoluta necessidade de se consagrarem em sede do próximo Orçamento do Estado as verbas que permitam um funcionamento digno e eficaz do Conselho. Eis o repto que desde já aqui deixamos e, mais do que isso, é uma excelente oportunidade que o Governo não deve desperdiçar!
Na política de emigração do Governo do PS nada justifica que, a caminho de dois anos de governação, os actos continuem tão distantes das promessas eleitorais e do próprio Programa do Governo - com a honrosa excepção, reconheça-se, da eleição do CCP.
Na verdade, continuam a marcar passo a modernização e a informatização dos serviços consulares, nada se conhecendo do ambicioso "plano estratégico" a elaborar por um grupo de trabalho criado em Junho de 1996 no âmbito da Secretaria de Estado; da revisão do regulamento consular, o qual data de 1920, já nem se fala, sendo igualmente clandestinos os eventuais resultados apurados por um outro grupo de trabalho anunciado em Janeiro de 1996 pelo Sr. Secretário de Estado; os serviços de apoio social e jurídico nos consulados e em Portugal são praticamente inexistentes; mantêm-se as discriminações praticadas por vários governos de países onde vivem os emigrantes portugueses, sem que o Governo do PS intervenha com firmeza em sua defesa, sendo certo que a atribuição da chamada "cidadania europeia" não pode servir para silenciar cidadãos que, por esse facto, não deixam de sofrer os problemas específicos da sua condição de emigrantes, nem pode ser um caminho para estabelecer várias categorias de cidadãos e de emigrantes; continuam a manifestar-se graves problemas com as reformas da segurança social, decorrentes sobretudo da falta de coordenação entre Portugal e os sistemas de outros países, quando, para além disso, o Centro Nacional de Pensões demora dois a três anos para responder aos pedidos de informação sobre os tempos de desconto feitos em Portugal; a situação do ensino do português no estrangeiro não sofreu alterações para melhor; e no Instituto Camões prosseguem, no essencial, as indefinições herdadas do Governo anterior, com graves consequências para a promoção da língua e da cultura portuguesas e para o apoio cultural às nossas comunidades de emigrantes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pelo seu dramatismo e pela situação-limite que objectivamente configura, a acção do Governo português relativamente ao repatriamento pelo. Governo dos Estados Unidos da América de emigrantes portugueses que neste país cumpriram penas de prisão por crimes de delito comum, a acção do Governo português, dizíamos, tem sido "exemplar". Exemplar pela inacção, exemplar pela subserviência, exemplar pela ineficácia, exemplar pelo legalismo! Esta maneira expedita que os Estados Unidos encontraram de resolver um problema que afinal é seu - como recentemente o reconhecia um congressista norte-americano, Sr. Frank Barney, quando afirmou que esses cidadãos "são fruto da sociedade (norte-americana), a qual tem por obrigação acolhê-los como aos demais cidadãos" -, está a criar um grave problema social nos Açores, pela dificuldade de acolhimento e integração de um elevado número de repatriados nestas condições, com poucos ou nenhuns laços com a sua terra de origem, com reduzido domínio ou total desconhecimento da língua portuguesa, com quase toda uma vida de permanência no seio da sociedade norte-americana, onde deixaram as respectivas famílias e onde, quantas vezes por razões de exclusão social, não adquiriram a respectiva nacionalidade. Temos vindo a tomar posição, no âmbito nacional e regional, sobre esta matéria. Ainda bem recentemente, aplaudimos e apoiámos uma iniciativa do Sr. Deputado Mota Amaral apresentada no quadro desta Assembleia da República. Sabemos que o assunto é delicado, mas não aceitámos que o Governo, para ocultar as fragilidades e convivências já atrás denunciadas, construa um cenário completamente fictício de acordo com o qual "o segredo é a alma do negócio". Porque, desde logo, não estamos perante um qualquer "negócio"; depois porque, mesmo que aceitássemos a bondade dessa tese, os resultados objectivos desse "negócio" têm vindo a revelar-se desastrosos! O "sucesso" do Governo português relativamente ao problema dos emigrantes repatriados não é no essencial muito diferente do seu "sucesso" relativamente aos problemas da generalidade dos nossos emigrantes. Trata-se, apenas, de uma questão de grau e, infelizmente para Portugal e para os nossos emigrantes, as situações-limite põem claramente a nu a ineficácia e a falta de vontade política do Governo do PS no sentido de dar um contributo sério para a solução progressiva dos reais problemas com que se confrontam as nossas comunidades de emigrantes!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, em primeiro lugar, quero cumprimentar V. Ex.ª pelo facto de ter trazido a este Plenário um problema relacionado com as comunidades portuguesas, aliás, como tenho feito a todos os Srs. Deputados que trazem a este Hemiciclo este problema.
Mas permita-me, Sr. Deputado, que discorde da sua intervenção, na medida em que, se quisermos fazer uma radiografia daquilo que já foi feito em 18 meses de governação, poderemos ter, com dados concretos, uma visão bem diferente, e isso é já sentido no terreno pelos nossos compatriotas, desde logo no que diz respeito à emissão dos bilhetes de identidade. Como V. Ex.ª sabe, a simples emissão de um bilhete de identidade demorava, em média, entre dois a três anos e hoje, se o processo estiver devidamente organizado, demora 30 a 40 dias, pois criou-se, para o efeito, um centro emissor no próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também como V. Ex.ª sabe, o Instituto Camões, hoje, não tem as mesmas competências das do Governo anterior: foi separado o ensino primário e secundário e remetido ao Ministério da Educação e têm sido colmatadas as lacunas que existiam, como, por exemplo, o facto de durante cinco anos não haver um coordenador de português em França, sendo França o país de maior acolhimento de professores e onde, em 10 anos, o PSD suprimiu 350 postos de professores. Ora bem, neste momento, há cerca de 115 professores e já existe um coordenador!

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No que diz respeito à reestruturação consular, na Suíça, por exemplo, onde há uma grande expressão das comunidades portuguesas, criou-se um novo consulado na área de Sion, colmatando as graves lacunas e deficiências que existiam nessa área.
Quanto ao novo Regulamento Consular - o actual data de 1920/22 - está pronto e entrará em vigor muito proximamente.
Porém, a grande novidade é, sem dúvida, a eleição democrática e universal dos conselheiros das comunidades portuguesas. O Governo anterior, através do Decreto-Lei n.º 101/90, governamentalizou, nomeou os conselheiros das comunidades portuguesas. E o que é que nós fizemos? Qual foi uma das nossas prioridades? Com o seu contributo extremamente positivo e por isso tive oportunidade de cumprimentá-lo e saudá-lo e mais uma vez o faço, fomos ao encontro de uma legítima aspiração dos emigrantes, que queriam ter os seus representantes através de um acto democrático e sincero, em que a eleição se pudesse rever como um acto autêntico e democrático. E foi isso que aconteceu. Pela primeira vez desde o 25 de Abril, através do sufrágio directo e universal, procedeu-se à eleição dos conselheiros, que nos próximos dias 8, 9 e 10 terão aqui o seu 1.º Congresso.
Sem dúvida que todos os contributos para uma política global da emigração são bem-vindos, venham eles de que bancada vierem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Luís, o senhor coloca alguns problemas com os quais estamos em consonância, como sabe. Tive ocasião de dizer da tribuna que, mau grado a fraquíssima política para a emigração desencadeada pelo actual Governo socialista - e tive ocasião de apontar alguns elementos que comprovam o que acabei de dizer - estávamos de acordo, como é evidente, com a existência do Conselho das Comunidades. O próprio facto da sua existência é em si mesmo positivo, o próprio facto de ter fundamentalmente uma raiz democrática é também positivo, mas não podemos esgotar aí as questões.
Assim, vou colocar-lhe duas questões muito claras, que é fundamental trazer neste momento à colação. Primeira, na 1.ª semana de Julho, em deslocação à África do Sul, o Sr. Secretário de Estado José Lello foi solicitado no sentido de receber um grupo de jovens emigrantes que lhe queriam colocar questões específicas. Pois bem, não conseguiram ser recebidos no primeiro dia, nem no segundo, nem no terceiro, nem no quarto e só conseguiram ser recebidos no quinto dia porque fizeram uma manifestação no aeroporto de Joanesburgo, perante a qual o Sr. Secretário de Estado José Lello, que, aliás, nisso é hábil, fez uma exploração mais ou menos populista, até creio que pegou num dos cartazes da manifestação, mesmo ao estilo do Deputado José Lello, mas depois deu o que deu. Sr. Deputado Carlos Luís, as coisas não se resolvem desta maneira!
Mais um outro dado: o Sr. Secretário de Estado José Lello ontem, se não estou em erro, ou anteontem no Brasil, em contacto com elementos eleitos para o CCP, disse que não havia verbas para ninguém no âmbito do Conselho e as comunidades é que teriam de se 'desenrascar' no sentido de elas próprias se autofinanciarem.
A questão que coloco é esta: está ou não o Governo disposto a disponibilizar uma verba específica, no quadro do Orçamento do Estado, de modo a dar um funcionamento digno e eficaz ao Conselho das Comunidades Portuguesas?
Eis uma questão concreta que aqui lhe deixo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, tem procurado V. Ex.ª que os assuntos tratados no Plenário da Assembleia da República mereçam um tratamento equitativo pelos diversos órgãos de comunicação social.
Acontece que na sessão da passada quinta-feira foram aqui abordados temas do distrito de Viana do Castelo por um Sr. Deputado do Partido Socialista que, de algum modo, os Deputados do PSD, eleitos pelo distrito de Viana do Castelo, contestaram e questionaram.
Pois bem, para espanto nosso, a RTP. no seu espaço TV Regiões, deu assinalável destaque àquela intervenção do Partido Socialista, ignorando a posição dos Deputados do PSD que repunham a verdade dos factos abordados, acrescida de que as diferentes intervenções ao longo da presente legislatura que os Srs. Deputados do PSD têm aqui abordado foram sempre silenciadas.
Assim, Sr. Presidente, através de V. Ex.ª, reclamamos pelo tratamento tendencioso que a RTP fez daquela intervenção, pela falta de rigor informativo daquele órgão de comunicação pago pelos portugueses e pelo tratamento desigual dado aos Deputados do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica registado o seu protesto. Como já tenho dito, não tenho a menor possibilidade de interferir na maneira como os órgãos de comunicação social se orientam no tratamento das notícias. Aliás, creio que não há ninguém nesta Sala que não possa, em determinado momento, ter uma queixa igual àquela de que o senhor se faz portador.
Em todo o caso, temos a Alta Autoridade para a Comunicação Social à qual o Sr. Deputado se poderá dirigir e, aí sim, encontrar acolhimento para o seu protesto.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vieram ontem e hoje a público notícias sobre o Grande Prémio de Fórmula 1 e sobre o seu associado negócio da Autodril que me merecem dois comentários.
Em primeiro lugar, sobre a realização do Grande Prémio de Fórmula 1. Há dois meses, nesta Assembleia, questionei o Ministro da Economia, num debate sobre turismo, quanto à possibilidade que ele tinha de nos garantir que estava assegurada para este ano a realização do Grande Prémio de Fórmula 1.
Como penso que todos os Srs. Deputados se recordam, o Ministro da Economia respondeu de forma inequívoca, porque à pergunta respondeu "sim". Ora, penso que o significado da palavra "sim" para o Ministro da Economia deve ser igual ao que é para todos os portugueses.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Contudo, hoje foi anunciado e declarado oficialmente que este ano o Grande Prémio de Fórmula 1, que se realizou em Espanha, não vai ter lugar em Portugal.

Vozes do PSD: - É lamentável!

A Oradora: - Isto quer dizer que o Ministro da Economia veio a este Parlamento garantir aquilo que não podia ser garantido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É mentira!

A Oradora: - Sr. Deputado, essa sua excitação resolve-se bem: basta reler a acta dessa sessão!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É mentira! A senhora é que tem de ler a acta!

A Oradora: - Significa isto, Srs. Deputados, que não se realiza em Portugal o Grande Prémio de Fórmula 1 este ano e que isso se fica a dever, exclusivamente, à incúria e ao desleixo por parte deste Governo.

Aplausos do PSD.

Porque, Srs. Deputados, não nos venham dizer que o que falta são contratos, são acordos, são negócios, porque, durante mais de 10 anos, sem que o Autódromo fosse propriedade do Estado, sem que houvesse qualquer outra espécie de negociação, o Grande Prémio de Fórmula 1 sempre se realizou em Portugal. Com certeza com muitas tarefas e com muitos, no entanto, com todo o empenho e toda a competência do Governo do PSD, tendo-se sempre conseguido que o Grande Prémio de Fórmula 1 fosse realizado no nosso país.

Aplausos do PSD.

E porque isto tinha sido uma conquista clara do PSD, uma das tais heranças que o nosso governo lhes deixou, o PSD deixa hoje aqui a sua censura clara pelo facto de Portugal ter perdido o Grande Prémio de Fórmula 1, tão importante para o desenvolvimento turístico do País e para um dos pontos essenciais do desenvolvimento económico do País.

Aplausos do PSD.

O segundo comentário que me merecem as últimas notícias que têm vindo a público tem a ver com o negócio entre o Estado e o Grupo Grão-Pará.
Na verdade, temos estado preocupados com o conteúdo desse contrato. De resto, nós já nos pronunciámos sobre as dúvidas legais e morais que esse contrato nos suscitava,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - ... mas aquilo que nos causou uma enorme preocupação foram as declarações ontem feitas por um Secretário de Estado, Secretário de Estado esse que, ainda por cima, assinou esse contrato e que sobre ele disse coisas verdadeiramente espantosas.

O Sr: Miguel Macedo (PSD): - Notáveis!

A Oradora: - Primeiro ponto: disse o Sr. Secretário de Estado que este negócio é duvidoso para o Estado. Imagine-se: se é duvidoso para o Secretário de Estado, que o assina, o que fará para nós, que vemos simplesmente a assinatura?

Aplausos do PSD.

Depois, disse o Sr. Secretário de Estado que podemos estar perante um "elefante branco". Bom, se estamos perante um "elefante branco", o Sr. Secretário de Estado e o Governo vão ter de explicar ao País por que motivo anda a querer adquirir "elefantes brancos".

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Disse, ainda, o Secretário de Estado que não foram feitas avaliações suficientes, porque o importante era resolver o problema. Pergunto: qual problema é que o Sr. Secretário de Estado resolveu? Não resolveu, com certeza, o problema do Grande Prémio de Fórmula 1 de 1997, porque já está dito que este não se realizará.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exacto!

A Oradora: - Não resolveu também a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 nos próximos anos, porque não está em lado nenhum garantido que esse prémio se vai realizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E, Srs. Deputados, dão-nos com certeza o benefício de considerar que temos toda a legitimidade para duvidar do que é que vai acontecer, se há dois meses fomos enganados nesta Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Com estes precedentes, nunca se sabe!

A Oradora: - Mais, o Sr. Secretário de Estado afirmou ainda uma outra coisa absolutamente espantosa: é que talvez tudo isto tenha de vir a ser renegociado a prazo.
Quer dizer: resolve o problema, aparentemente, durante o seu reinado e os próximos que vierem que resolvam como entenderem.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já que os anteriores não o resolveram!

A Oradora: - Não resolvemos, Sr. Deputado?!... Então, o senhor vai negar perante a Assembleia e perante o País que nunca houve Grande Prémio de Fórmula 1 em Portugal? Sempre houve!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Negociado ano a ano!

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A Oradora: - À custa do nosso trabalho, da nossa negociação e do nosso empenho.

Aplausos do PSD.

Portanto, as afirmações do Sr. Secretário de Estado, que, mais uma vez, reafirmo e relembro, assinou o contrato, são de uma gravidade extrema, porque o Sr. Secretário de Estado.- aliás, não sei se já apercebeu disso - está a trabalhar com dinheiros públicos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Não está a tratar dos dinheiros dele! O Governo não tem dinheiros dele, trata com dinheiros públicos e, nessa tramitação de dinheiros públicos, há que ter cuidados adicionais que, pelos vistos, não são compatíveis com a ligeireza com que este contrato foi assinado, o que, aliás, foi confessado pelo próprio Secretário de Estado ontem a um órgão de comunicação social público.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Srs. Deputados, queremos já afirmar o seguinte: nada nos move contra o grupo privado que fez este negócio contra o Estado;...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Vê-se! Vê-se!

A Oradora: - ... antes pelo contrário, quanto melhor ele for mais este grupo privado estará de parabéns.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - No entanto, tudo nos move na censura a este Governo que actua com este desleixo, com esta ligeireza e, muito especialmente, com tanta falta de rigor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E com resultados desastrosos!

A Oradora: - O Sr. Ministro da Economia virá a uma audição parlamentar à Comissão da Economia, Finanças e Plano e esperemos que venha até ao final deste mês.
Esperamos que nessa audição fiquem esclarecidos muitos dos pontos que, neste momento, estão totalmente vagos, mas quero, desde já, transmitir que, caso a audição que o PSD vai fazer ao Sr. Ministro da Economia não for conclusiva e porque se trata de dinheiros públicos, avançaremos com um pedido de inquérito parlamentar sobre esta questão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Henrique Neto, Lino de Carvalho, Jorge Ferreira e Nuno Baltazar Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, o meu primeiro comentário é para a surpresa que me causa o enorme contentamento da sua bancada...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O incómodo, o incómodo!

O Orador: - ... expressa dessa maneira tão viva, o que dá a ideia, pelo menos é a minha interpretação, de que aos problemas essenciais do País - o Governo governa, faz o que deve fazer -, VV. Ex.as não têm críticas substanciais a fazer.

Protestos do PSD.

Quando existem faits divers, pequenas questões e pequenos problemas,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto é uma crítica substancial!

O Orador: - ... a vossa bancada excita-se e faz este espectáculo dos pequenos problemas, das pequenas causas, das pequenas ideias, dos pequenos projectos, da pequenez, em resumo.

Protestos do PSD.

Por outro lado, V. Ex.ª não tem a mínima razão nem legitimidade...

Protestos do PSD.

Se os Srs. Deputados me deixarem falar, terei muito gosto em continuar...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que façam

silêncio.

O Orador: - ... para falar em rigor, porque aquilo que V. Ex.ª disse, se alguma coisa tem, é ausência de rigor.
Em primeiro lugar, o Sr. Ministro, quando aqui veio, disse uma palavra, não garantiu coisa alguma, porque não é possível garantir com uma palavra...

Protestos do PSD.

O Sr. Ministro disse "sim", ou seja, à questão colocada pela Sr.ª Deputada no sentido de responder "sim" ou "não", como se fosse num interrogatório de tribunal, o Sr. Ministro limitou-se a dizer "sim", não garantiu...

Protestos do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ah, "sim" não quer dizer "sim"!?...

Protestos do PS.

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Ministro, provavelmente, mesmo no "sim", estava convencido de que se poderia realizar naquelas condições e naquele dia o Grande Prémio de Fórmula 1, entre outras razões, por garantias de um anterior Secretário de Estado do vosso partido, como é público.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso foi há dois anos!

O Orador: - Seguidamente, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite falou de incúria e desleixo. Estou de

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acordo com V. Ex.ª: incúria e desleixo do Professor Cavaco Silva que, durante 10 anos, deixou apodrecer uma situação...

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Tenta tento! Tenha tento!

O Orador: - ... perfeitamente ilegal, de compadrio com a ilegalidade e com uma situação insustentável com obras de milhões de contos realizadas todos os anos, à última hora,...

Protestos do PSD.

... sem concursos públicos...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e o que este Governo está a fazer é a repor a legalidade que VV. Ex.as não repuseram durante 10 anos.

Aplausos do PS.

Devo dizer, para ser franco, que não sou um entusiasta deste acordo - não sou! -,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ainda bem!

O Orador: - ... mas reconheço que, quando o desleixo preside à orientação do Estado durante tanto tempo, qualquer solução, a melhor das soluções, nunca é uma boa solução.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, disse V. Ex.ª que o Grande Prémio de Fórmula 1 sempre se realizou em Portugal durante o vosso tempo. É verdade! Com total desrespeito pelas empresas privadas, através de requisições, impostas a uma empresa privada,...

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - ... fazendo aquilo que no fundo, como VV. Ex.as sabem, não deveria de existir num Estado de direito democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, VV. Ex.as fazem o mal, não o corrigem e depois, quando alguém pretende, neste caso o Governo, que, segundo VV. Ex.as, não governa, não resolve os problemas, em circunstâncias difíceis, devido à situação degradada em que o assunto se encontra, encontrar uma solução ideal, quando finalmente resolve o problema, VV. Ex.as vêm dizer: "Ó da Guarda! Vamos para a Procuradoria-Geral, porque há aqui ilegalidades!".
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, ilegalidades, desleixo, incúria, foram provocados pelo Governo de V. Ex.ª durante todos estes anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Henrique Neto fez duas afirmações a que não posso deixar de reagir.
Em primeiro lugar, diz que o Governo não governa. Isso já todos nós sabíamos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Confessado por si, tem alguma...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isso já cansa!

A Oradora: - Cansa, mas nunca é demais referir...

Vozes do PSD: - Exactamente!

A Oradora: - ... que é lamentável que o Governo não governe e que, quando toma alguma medida, seja para estragar. Realmente é melhor que não governe mesmo!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Mais, o Sr. Deputado, como Deputado da maioria, disse que não é um entusiasta deste acordo, o que significa que é contra ele.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É que, se não é entusiasta, sendo da maioria...

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Ó, Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas então significa que os Srs. Deputados aqui apenas defendem aquilo de que gostam?! Eu também não gosto de Fórmula 1.

Vozes do PS: - Ah!...

A Oradora: - Fique a saber!
Mas, Sr. Deputado Henrique Neto, para além de ter dito que não é um entusiasta deste acordo, disse outra coisa que eu percebo de onde vem a sua posição. É que considera que isto é um faits divers! O Sr. Deputado diz que isto são pequenas questões, pequenas causas. O Sr. Deputado está realmente fora dos problemas, por exemplo, do sector do turismo. Mas o Sr. Deputado entende que o sector do turismo é um problema menor no nosso país e que a Fórmula 1 é um faits divers para o turismo!
Sr. Deputado, penso que não há ninguém ligado ao turismo que consiga perceber o que o senhor está a dizer, quando a Fórmula 1 era considerada a melhor propaganda turística que Portugal algum dia teve.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, o Sr. Deputado está verdadeiramente fora de tudo aquilo que é importante para este país.
Quanto à incúria e ao desleixo, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que cansa a questão de os senhores estarem sempre a referir o passado.

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O Sr. Henrique Neto (PS): - As dívidas existem do passado!

A Oradora: - As dívidas existem, mas o Estado fez um acordo com a empresa e, como a empresa não cumpriu, o Estado pô-la em tribunal. É a diferença entre nós e os senhores!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Se o Sr. Deputado acha que resolve os problemas desta matéria, em que envolvem perdões fiscais, em que o próprio Secretário de Estado considera que este documento é muito duvidoso, com esse discurso, que os senhores também já faziam quando se falou do "totonegócio"...
Mas há um ponto, Sr. Deputado, que eu não quero deixar de referir: é que nunca o PSD resolveria desta maneira este problema.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Henrique Neto pediu a palavra para defesa da honra pessoal. Ser-lhe-á dada no final do debate.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. que envolve! Deputada Manuela Ferreira Leite, permita-me que comece por cumprimentar o Sr. Deputado Henrique Neto pelo esforço visível que fez para defender o indefensável...

Risos do PSD.

... e para fazer sair o Partido Socialista, doente, de mais um embaraço em que está envolvido.
Sr. Deputado Henrique Neto, os meus parabéns por defender aquilo que aqui reconheceu não ser um defensor entusiasta!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Tem toda a razão!

O Orador: - Deputado oblige da maioria!

Protestos do PS.

Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, é mau que o Grande Prémio de Fórmula 1 não se realize, mas pior é que, a pretexto da realização do Grande Prémio, se tenha feito um contrato, um acordo de perdão de dívidas com um grupo privado, que é já considerado o escândalo do ano neste pais à beira-mar plantado.

O Sr. José Calçada (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Mau é que, a pretexto da realização de um Grande Prémio, que não se vai realizar, se faça um acordo de perdão de dívidas ao Estado por dação em pagamento de património, que não está avaliado, e de perdão de dívidas que o Estado reconhece não saber quais são, em troca de um património que vai receber e de que não sabe qual é o valor.

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É um escândalo, Sr. Deputado.
É certo que o PSD não está isento deste processo, na medida em que o deixou arrastar anos e anos, realizando Grandes Prémios sem haver um único contrato escrito neste país. Não estão isentos deste processo, Sr.ª Deputada. Mas o Partido Socialista fez "pior a emenda do que o soneto"! E mesmo que nós não conhecêssemos o texto do acordo que anda por aí a circular, por cada entrevista que se lê de um membro do Governo sobre esta matéria, o nosso espanto não tem limites, Srs. Deputados.
O Sr. Secretário de Estado Vitalino Canas afirma que o Estado adquiriu um "elefante branco" e que não se conhecem as dívidas nem o valor do património e por isso o Governo optou por fazer coincidir as dívidas com o valor da Autodril.

Protestos do PS.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E ele assinou!

O Orador: - O Sr. Deputado Henrique Neto afirma que é um pequeno problema. Só que, segundo as estimativas do Ministro Mateus, esse "pequeno problema" envolve 20 milhões de contos. Mas, segundo o Sr. Deputado, é um pequeno problema!...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - 150 trabalhadores é o envolve!

O Orador: - E isto no momento em que este mesmo Governo envia a 160 000 pequenos contribuintes cartas para pagar o chamado IVA dos pequenos contribuintes.

Aplausos do PCP e do PSD.

Isto é, para os trabalhadores por conta de outrem, para o pequeno comércio e indústria, para os agricultores, é o rigor do fisco; para os grandes grupos económicos, são os favores e as benesses do Governo.
Alguém dizia, Sr.ª Deputada - e isto é mais um comentário que lhe peço do que uma pergunta que lhe faço, nos corredores da Assembleia, que o grande investimento que este grupo económico fez nos últimos anos parece ter sido o facto de a sua proprietária ter apoiado o Engenheiro Guterres nas últimas eleições.

Vozes do PCP: .- Muito bem!

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em relação aos comentários que fez à minha intervenção e àquilo que a ela estava subjacente, quero dizer-lhe que considero que o que está envolvido neste negócio é bem superior àquilo que estava envolvido no "totonegócio", não só pelo montante das dívidas em causa como pelo facto de aqui haver apenas um beneficiário, enquanto que no "totonegócio" os beneficiários eram vários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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A Oradora: - Por outro lado, também penso que, em relação ao "totonegócio", grande parte da população adora o futebol, mas duvido, a começar pelo Deputado Henrique Neto e mais outros Deputados da bancada, que tenham o mesmo amor por outro tipo de desporto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à referência que fez às culpas do PSD nesta matéria, quero dizer. Sr. Deputado, como já há pouco referi, que esta matéria está em tribunal. Nunca o PSD cedeu à facilidade de resolver este problema por via de um acordo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Teria sido fácil, mas uma coisa lhe garanto, Sr. Deputado Lano de Carvalho: é que nunca teria sido possível um acordo com o PSD nestes moldes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que temos a assistir aos nossos trabalhos, na bancada dos diplomatas, uma delegação de Deputados à Assembleia Nacional Francesa que hoje visitou o nosso Parlamento e, inclusive, reuniu com algumas comissões. Saudêmo-los.

Aplausos gerais, de pé.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, apenas para informar V. Ex.ª e, através de V. Ex.ª, esta Assembleia que o processo da Autodril com a Fórmula 1 começou por minha iniciativa, por um protocolo por mim assinado, enquanto presidente da Câmara Municipal de Cascais, na altura pelo PSD, e se esta Câmara vai investigar ou vai tentar saber tudo o que se passa em torno do actual acordo do Governo com a Autodril, eu, desde já, me coloco à disposição de todos os Deputados de todos os partidos para prestar esclarecimentos sobre qual foi a posição da Câmara Municipal de Cascais, entre 1983 e 1985, sobre esta matéria.
Mais: quero aqui esclarecer, através da Mesa, que na altura, pelas posições que tomei em nome da Câmara Municipal de Cascais, fui posta em tribunal, andei 12 anos a responder, fui absolvida de todos os processos, e o advogado que os moveu contra mim era, na altura, o presidente da distrital do PSD.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Fica registada a sua informação, Sr.ª Deputada.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estou em sérias dificuldades para saber a quem e que pedido de esclarecimento formular. Isto porque se olharmos para trás - e ainda agora recebemos um belo
contributo da Sr.ª Deputada Helena Roseta -, talvez tivéssemos de começar por perguntar se o PCP está eventualmente arrependido de ter intervencionado as empresas e o Grupo Grão Pará.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi o PCP que nacionalizou a economia, que levou o Alentejo à miséria, que intervencionou tudo e o PSD, hoje, bate-vos palmas. Devem estar contentíssimos com isso, mas eu não estou.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Você não está contente com ninguém!

O Orador: - Ou talvez tivéssemos de perguntar ao PSD - aliás, o PSD ainda está no caminho do socialismo, votou isso na Constituição, deve ser por causa dos acordos que tem com o Partido Comunista! - por que é que, durante anos, desprezou alguns empresários portugueses e não desprezou outros, por que é que resolveu alguns problemas com alguns empresários portugueses e não resolveu com outros.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ou talvez tivéssemos de perguntar se para o PSD há empresários portugueses de primeira e empresários portugueses de segunda e por que é o PSD fez acordos com alguns empresários e não fez com outros, a partir de uma flagrante injustiça que se praticou no nosso país - tenho esperança que os senhores ainda a condenem, mas já não digo nada! -, que foi a nacionalização geral da economia. Por que é que VV. Ex.as, durante anos, desprezaram este problema?
Ainda há pouco tempo, neste Plenário, ouvi a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite justificar, por exemplo, o acordo do caso Champalimaud com o argumento de que o Sr. Champalimaud tinha voltado a investir milhões e milhões de contos em Portugal!

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não ponho isso em causa, mas pergunto: e os outros?!

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Por que razão VV. Ex.as só se preocuparam em resolver um caso? Por que é que não olharam para todos?

O Sr. José Junqueiro (PS): - É estranho!

O Orador: - É evidente que o Partido Socialista, certamente baralhado com muitas coisas que lhe andam a acontecer, resolveu a questão "com os pés", como se costuma dizer em bom português.

Vozes do PS: - "Com os pés"?!

O Orador: - Exactamente, "com os pés", porque justifica um acordo desta natureza com a realização de uma prova desportiva que não vai acontecer. Também não avalia os bens públicos sobre os quais contrata: não sabe o que terá de dar nem o que vai receber! Digamos que a

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solução do problema está perfeitamente à altura das responsabilidades anteriores do PSD) e do Partido Comunista nesta situação. Estão todos bem uns para os outros.
Já que o PSD) fala demais no problema da não realização do Grande Prémio e de menos nos problemas verdadeiramente importantes da sociedade portuguesa, espero que não vejamos o PSD, na próxima sessão legislativa, lamentar que Portugal tenha deixado de ser campeão do mundo de júniores e acusar quem quer que seja de o "novo homem português" estar enterrado! Espero, repito, que não cheguemos a esse ponto!
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, gostava que V. Ex.ª me dissesse se não concorda que o tratamento dado pelos Governos do PSD ao caso Champalimaud deveria ter sido alargado a todos os empresários portugueses nas mesmas circunstâncias. É uma pergunta muito simples, Sr.ª Deputada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Bem perguntado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, começo por . cumprimentar o Sr. Deputado Jorge Ferreira pelo esforço que fez por falar sobre variadíssimas coisas menos sobre o assunto que eu aqui trouxe hoje.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Jorge Ferreira, tenho alguma dificuldade em responder-lhe, porque, a despeito de o Sr. Deputado Henrique Neto ter considerado que este assunto é um faits divers, percebo que o Sr. Deputado também se solidariza com esse faits divers, porque se assim não fosse...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não é!

A Oradora: - ... o senhor não teria arranjado outros temas, nomeadamente temas que já foram sujeitos a inquéritos parlamentares. E o Sr. Deputado veio agora, sobre um assunto diferente, falar do mesmo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Venho e virei!

A Oradora: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, eu disse, da tribuna, que nada nos movia contra este grupo privado. Se não ouviu...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Mas parece que algo vos move!

A Oradora: - O Sr. Deputado, a despeito de ser defensor dos grupos privados, vai dizer aqui ao povo português, em primeiro lugar, se concorda que foi a incúria deste Governo que levou à não realização do Grande Prémio de Fórmula 1 em Portugal, evento tão importante para o turismo, como bem sabe,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - A Sr.ª Deputada sabe que isso é falso!

A Oradora: - ... e, em segundo lugar, se concorda com a ligeireza e com a falta de rigor que está subjacente ao acordo que foi feito.
Era sobre estas matérias que eu gostaria de o ter ouvido, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite não é normal interpelar-se o interpelante, mas, uma vez que pediu um esclarecimento, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira, durante I minuto, para prestar o esclarecimento solicitado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito obrigado por me permitir usar da palavra.
Quero, de uma forma muito breve, descansar totalmente a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite com uma resposta simples: V. Ex.ª tem toda a razão, não tem é autoridade.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, V. Ex. ª afirmou, da tribuna, que o Governo tinha garantido aqui a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 de 1997. Ora, desafio-a, de uma forma absolutamente clara, a reproduzir as palavras do Sr. Ministro da Economia quando aqui esteve.
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, em resposta a um pedido de esclarecimento formulado precisamente por si, o que o Sr. Ministro disse foi algo completamente diferente. O Sr. Ministro afirmou que, do lado do Governo, estavam reunidas todas as condições para que o Grande Prémio de Fórmula 1 se realizasse em 1997 e que o resto dependia da FIA.. Foi isto que o Sr. Ministro afirmou!

Aplausos do PS.

V. Ex.ª mentiu, Sr.ª Deputada!

Protestos do PSD.

Tenho de dizer, quer os senhores gostem quer não, porque eu digo aquilo que entendo que devo dizer, que a Sr.ª Deputada não falou verdade! E se eu estiver enganado, a Sr.ª Deputada provar-me-á, se faz favor, com a reprodução das declarações do Sr. Ministro da Economia, em resposta a V. Ex.ª.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a Sr.ª Deputada também quis omitir outro facto da intervenção do Sr. Ministro da Economia, uma vez que o ouviu garantir que, na esteira do acordo que tinha feito com a FIA, o Estado português tinha assegurado a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 entre os anos de 1998 e 2003. Foi isso que o Sr. Ministro disse e não aquilo que a Sr.ª Deputada acabou por referir!

Aplausos do PS.

É importante que V. Ex.ª tenha isso em conta, porque estou a referir-me a factos.

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Sr.ª Deputada, deixe-me dizer-lhe, com toda a sinceridade, que não foi justa, pois sabia, até demais, que o Sr. Secretário de Estado Vitalino Canas não proferiu as declarações que V. Ex.ª lhe imputou e sabia, nomeadamente, do desmentido que o mesmo já havia feito ao jornal Público

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... esclarecendo que nunca afirmou que o negócio era duvidoso ou que se tratava de um "elefante branco".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E mesmo tendo conhecimento desse desmentido, ou não cuidando de saber se o Sr. Secretário de Estado o tinha feito, uma vez que a notícia era um título de jornal e nem sequer estava entre aspas, V. Ex.ª não se dispensou de atribuir ao Secretário de Estado afirmações que ele não produziu. Não podemos aceitar isso, Sr.ª Deputada!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado - e o que agora vou dizer não se destina apenas à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite -, pode custar muito a alguns Srs. Deputados...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Os Srs. Deputados podem invocar os negócios e as tropelias que quiserem, mas o que é facto é que o Governo não perdoou uma dívida. O que fez, ao fim e ao cabo, foi aceitar uma dação em pagamento de determinados bens com referência a uma dívida. E tal não se deveu ao facto de a senhora em questão ou as pessoas que dirigem a Autodril terem apoiado quem quer que fosse no âmbito de quaisquer eleições ou de o Sr. Eng.º Guterres ou outros membros do Governo - e desafio-os a provar o contrário alguma vez terem sujado as mãos fosse no que fosse.
Os senhores são indignos quando aqui vêm tentar indiciar determinadas coisas que são, absolutamente, falsas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes disse que eu tinha mentido. Para eu ter mentido, o Sr. Deputado deve ter sonhado...

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - De facto, o Sr. Deputado ou não esteve presente nesta Câmara, e eu vou fornecer-lhe uma cópia da acta dessa sessão,...

Vozes do PS: - Faça-o agora!

A Oradora: - ... ou sabe que o que perguntei ao Sr. Ministro da Economia era se estava garantida a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 para este ano. O Sr. Ministro respondeu "sim" e eu fiquei agora a saber que o "sim" quer dizer "não"!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, sou forçado a recorrer a esta figura de defesa da consideração pessoal para lhe dizer que a normal e saudável luta política deve ter limites e que esses limites passam pela correcção que é devida a esta Câmara.

Vozes do PSD: - Olha quem fala!

O Orador: - Todos perceberam perfeitamente que eu não disse que o Governo não governava mas, sim, que eram VV. Ex.as que o afirmavam e, depois, atacavam o Governo quando tomava decisões. Isso era evidente, claro, por isso considero dispensável que, na normal luta política, repito, se usem métodos deste tipo, isto é, colocar na boca de parlamentares aquilo que eles não disseram.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, esta defesa da consideração pessoal é também, de alguma maneira, a defesa da consideração dos métodos políticos que aqui utilizamos, na medida em que V. Ex.ª afirmou que o Governo é o culpado pela não realização do Grande Prémio de Fórmula 1 em Portugal. Ora, o mais elementar bom senso, o mais elementar conhecimento da realidade deve levar a compreender-se que o Grande Prémio de Fórmula 1 se realizaria na propriedade privada de uma empresa privada, ou seja, não seria possível garantir, por um lado, e culpar, por outro, o Governo pela não realização do Grande Prémio de Fórmula 1 na propriedade de uma empresa privada.
Esta situação, como V. Ex.ª bem sabe, foi provocada pelo Governo da sua bancada, por isso o recurso a um conjunto de incorrecções, a fuga à realidade ou, se quiser, a fuga à verdade não deveria ser o método normal de trabalho nesta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente; Sr. Deputado Henrique Neto, como bem sabe, a última coisa que eu queria era atingi-lo na sua honra, mas também creio que tal não se verificou.
Concebo que o Sr. Deputado não tenha afirmado que o Governo não governa, e digo-o porque entendo que o senhor faz parte de uma concepção de Governo que julga que isto é governar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, faço-lhe essa justiça.

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No entanto, o Sr. Deputado afirmou que não era um entusiasta deste acordo, e essa parte foi por mim referida, realmente.
Quanto ao resto, designadamente que estávamos a querer fazer um empreendimento numa empresa privada, numa propriedade privada, queria apenas recordar que no ano passado, com este Governo, o Grande Prémio de Fórmula 1 esteve a cargo de uma empresa privada, numa propriedade privada. No futuro, não sabemos se vai ter lugar numa propriedade pública nem sabemos onde! Pelos vistos, de acordo com o Secretário de Estado, que o assinou, será feito num "elefante branco"!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 81 a 84 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 12, 18, 19 e 20 de Junho próximo passado.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos, agora, prosseguir com a apreciação das alterações à Constituição, sendo certo que o primeiro artigo a ser apreciado é o artigo 96.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, se me permite, vou referir-me ao artigo 96.º e 100.º, em conjunto.

O Sr. Presidente: - Refira-se aos que quiser, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: As alterações que agora são introduzidas à Constituição em matéria de política agrícola e de desenvolvimento rural mostram-se, em meu entender, ajustadas e oportunas. Poucas em número, é certo - talvez não se justifique ir mais longe -, mas adequadas ao momento actual, que reclama a sua introdução.
Na verdade, preocupações como "o reforço da competitividade, assegurar a qualidade dos produtos e a sua eficaz comercialização", integradoras dos objectivos da política agrícola, demonstram uma nova perspectiva no que respeita à agricultura, à sua importância e ao seu papel na economia nacional.
Mas quando se especifica na Constituição que à política agrícola tem também como objectivo "o desenvolvimento do mundo rural" está a reconhecer-se uma realidade que é a da estreita ligação entre mundo rural e agricultura. É que, por vezes, corre-se o risco de se aceitar pacificamente, como muito normal, que possa haver, alguma vez, mundo rural sem agricultura.
Vem a propósito lembrar a introdução no artigo 91.º, relativo a "Objectivos dos planos", o objectivo, novo, de "os planos de desenvolvimento económico e social" passarem a ter por objectivo, também, a defesa do mundo rural. Se outros motivos não houvesse para considerar positiva a inclusão deste objectivo, a sua adequação à Declaração de Cork da Conferência Europeia sobre o Desenvolvimento Rural constituiria uma razão suficiente. Nela se considera "o desenvolvimento rural sustentado" uma prioridade. É-o, nesse documento, para a União Europeia, é-o também, agora, em termos constitucionais, para Portugal.
Merece também uma referência positiva a explicitação clara, no n.º 2 do artigo 96.º, de que o "Estado promoverá uma política (...) de desenvolvimento florestal". É o reconhecimento, na própria Constituição da República, do peso e da importância do sector florestal para a nossa economia, mas num quadro em que, convém acentuá-lo, se respeitam "os condicionalismos ecológicos".
No que ao artigo 100.º diz respeito, as alterações verificadas adequam o articulado às novas realidades, resultantes, elas próprias, da evolução que tem vindo a verificar-se, na sequência dos próprios condicionalismos a que a política agrícola está sujeita.
Por um lado, na alínea b), verifica-se o reconhecimento da importância da fileira económica e, de certo modo, da perspectiva interprofissional; a alínea c), por seu turno, integra o conceito de co-responsabilização na " cobertura de riscos resultantes dos acidentes climatéricos e fitopatológicos imprevisíveis ou incontroláveis".
Em síntese, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as alterações verificadas reconhecem e potenciam a realidade plural da agricultura portuguesa, contribuem para a coesão económica e social de todo o território nacional e têm presente que a função do agricultor é a de "produtor competitivo, prestador qualificado de serviços e protector activo da paisagem e do ambiente". Merecem, assim, a confirmação da nossa aprovação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao artigo 96.º, alínea a), a questão do desenvolvimento do mundo rural e da modernização do tecido empresarial é, objectivamente, das situações mais carentes que importava frisar na Constituição, relativamente ao desenvolvimento que se pretende imprimir na nova política agrícola e nos seus objectivos.
Melhorar as infra-estruturas, aumentar e incentivar a produção, melhorar os meios humanos, técnicos e financeiros sem melhorar e incentivar o reforço da competitividade, seria um esforço inglório, como se tem constatado na evolução e no desenvolvimento das nossas empresas agrícolas.
Não vale a pena ter só os melhores produtos, tais como o azeite, o vinho e a castanha, entre outros, sem ter canais eficazes de promoção e de informação, para impor a sua qualidade, reconhecida por todos, e igualá-los, em termos de competitividade, com os seus congéneres europeus. É isto que sentimos que iremos melhorar com a nossa contribuição e têm sido estes os objectivos do Governo anterior e do Partido Social Democrata, em termos de reforço da competitividade, da melhoria dos produtos agrícolas e da nossa própria política.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações que, em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, obtiveram maioria qualificada neste título das "Políticas agrícola, comercial e industrial", embora não acolhendo a totalidade das propostas do PCP nesta matéria, de melhoria de alguns dos comandos constitucionais inscritos nestes artigos, traduzem-se em algumas benfeitorias da Constituição neste terreno, designadamente as do artigo 96.º, que estamos agora a analisar. Refiro-me, nomeadamente, às duas alterações relativas à introdução das políticas de desenvolvimento florestal e de desenvolvimento rural como objectivos da política agrícola e intimamente ligadas com ela.
São duas alterações positivas, em nosso entender, que resultam também de propostas que apresentámos em sede de debate da revisão constitucional, embora lamentemos que outras que tenhamos apresentado não tenham tido vencimento, designadamente a consagração, como um dos objectivos da política agrícola, do comando de o Estado criar as condições para a promoção da produção nacional e para assegurar um rendimento justo e mínimo para os agricultores.
Quando abordarmos o artigo 100.º, vamos ter oportunidade de voltar a este tema, designadamente à promoção da produção nacional, que obteve maioria, embora não qualificada de dois terços, na CERC. Pensamos que é uma questão importante e que não é incompatível com a inserção de Portugal numa economia de mercado aberta, mas que, por não ter obtido uma maioria de dois terços na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, sobretudo devido ao voto do PSD, implicará que a discutamos, novamente, aqui, e que a discutamos quando chegarmos ao artigo 100.º, com o apelo ao PSD para que até lá reconsidere o voto que assumiu na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca:

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentei uma proposta relativa ao artigo 96 º, com duas alíneas, e mantenho-a, para discussão e votação, no que se refere à alínea d).
Em primeiro lugar, entendo que a diversificação da produção da agricultura e a valorização dos produtos nacionais no mercado integram os objectivos constitucionais da política agrícola, tendo em conta as dificuldades criadas ao sector pela política desenvolvida pela União Europeia.
Mas também se propõe, em relação a esta alínea, quando se refere "Assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração", que já consta da Constituição, a introdução de um inciso, relativamente ao qual gostaria de saber se as restantes bancadas estarão de acordo, no seguinte sentido: "(...) tendo em conta a necessidade de salvaguarda dos valores ecológicos, culturais e humanos das populações no quadro do desenvolvimento rural".
Julgamos que esta proposta vai ao encontro das preocupações que deveremos manter neste campo e que são, realmente, compatíveis com as necessidades de salvaguarda dos valores que atrás referi.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem, para nós, sociais-democratas, um significado assinalável, explicitar e constitucionalizar normas que reforcem os "objectivos da política agrícola" e que encaminhem para o sector políticas que, levem à sua modernização e adaptação e contribuam para o reforço do tecido social, ao mesmo tempo que promovem o desenvolvimento e apontam para a melhoria das condições de vida do mundo rural.
Assim, são de destacar as alterações introduzidas no artigo 96.º da Constituição, como sejam: "o reforço da competitividade", o assegurar "a qualidade dos produtos e a sua eficaz comercialização", como constava, aliás, do projecto de revisão constitucional do PSD.
Isto representa um significativo avanço naquilo que poderá contribuir para a melhoria do nível de vida dos agricultores e dos trabalhadores agrícolas e, por outro lado, ajudará a caminhar para uma maior autonomia dos que trabalham a terra, atingindo um melhor nível de produção e rendimento, de modo a inverter a tradicional situação de subsídio-dependência.
Por outro lado, acentua-se a vertente florestal no texto constitucional, com o inciso que passará a constar do artigo 96.º, n.º 2, " O Estado promoverá uma política de ordenamento, de reconversão agrária 'e de desenvolvimento florestal', de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do País".
A expressão "e de desenvolvimento florestal" transporta consigo a importância da floresta no contexto do mundo rural e da economia nacional, ao mesmo tempo que .estamos a proteger os recursos hídricos, a reforçar a produção, a promover a qualidade de vida, a aproveitar as potencialidades naturais, a estimular a competitividade, a potenciar uma riqueza que se entrelaça com outros recursos, todos eles envolventes da qualidade de vida das comunidades rurais e capazes de contribuirem significativamente para o seu desenvolvimento e para o desenvolvimento local e regional.
O património florestal, com o novo enquadramento constitucional, fica mais valorizado e mais protegido e, decerto, os valores multifuncionais da floresta e os ecossistemas passarão a constar das prioridades nacionais, levando a uma melhor integração das zonas rurais, ajudando a quebrar o seu isolamento, oferecendo mais e melhores condições e oportunidades àqueles que apostam em fixar-se nas zonas do interior, prioridades que sempre estiveram subjacentes à prática política do PSD.
Esta foi uma reflexão que ficou da discussão deste artigo na CERC e que muito se deve às posições defendidas pelo PSD, com a certeza de que o texto constitucional se enriqueceu com esta norma e se fixou um novo veículo de valorização do património florestal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 97.º.

Pausa.

Uma vez que ninguém pretende usar da palavra provavelmente ficou tudo implícito nas intervenções que tiveram lugar a propósito do artigo 96.º -, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 98.º.

Pausa.

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Uma vez que também não há inscrições, passamos à apreciação das alterações relativas ao artigo 99.º.

Pausa.

Parece que também ninguém pretende usar da palavra a propósito do artigo 99.º, pelo que passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 100.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP)-. - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 100.º tem duas alterações de sinal contrário, duas aprovadas em sede de CERC por maioria qualificada e uma outra aprovada por maioria simples.
Quero começar por me referir a esta última, que tem a ver com um aditamento à alínea e) do artigo 100.º, "Auxílio do Estado", mediante a qual se propõe que, para além daquilo que está hoje constitucionalmente definido, o apoio do Estado também compreenda o apoio à racionalização dos circuitos de comercialização e à promoção da produção nacional. Esta proposta não obteve, em sede de CERC, maioria qualificada e não compreendo verdadeiramente porquê, na medida em que este texto não colide em nada nem com o funcionamento das instituições de mercado na economia, nem com a inserção de Portugal no quadro europeu. Pelo contrário, tendo em conta esse contexto, uma norma constitucional que propõe que aquele que é o apoio do Estado compreenda também a racionalização dos circuitos de comercialização e o apoio à promoção da produção nacional é um instrumento que o Estado pode usar no apoio à agricultura nacional e a aspectos da fileira agroalimentar, no contexto da inserção comunitária e da concorrência em mercados abertos em que estamos envolvidos. A racionalização dos circuitos de comercialização e a promoção da produção nacional são factores essenciais para o reforço da competitividade da nossa agricultura tanto a nível do mercado interno como a nível dos mercados externos. Esta alteração foi aprovada por maioria simples em sede de CERC e não vemos, sinceramente, razão para que esta maioria simples não se transforme aqui, no Plenário, numa maioria qualificada de dois terços que permita a inserção desta norma na Constituição da República Portuguesa como um novo comando constitucional.
Já o mesmo não diremos, infelizmente, das alterações propostas para as alíneas b) e c) do n.º 2 deste mesmo artigo. Essas alterações fragilizam e diminuem os imperativos dados ao Estado no que toca às actuais formulações. É que hoje, imperativamente, o apoio do Estado compreende, designadamente, entre outros: "Apoio de empresas públicas e de cooperativas de comercialização a montante e a jusante da produção" e "Socialização dos riscos resultantes dos acidentes climatéricos (...)". É disso que se trata, quando se aprovou há tempos o Seguro Agrícola e o Fundo de Calamidades, é isso que está na Constituição da República Portuguesa. Portanto, substituir este comando por "Apoio à cobertura de riscos" é contraditório com a própria legislação que tem vindo a ser aprovada e não está de acordo com a regra no sector, que é a socialização dos riscos por via das relações contratuais feitas no campo dos seguros agrícolas e dos fundos da calamidade criados nesta matéria.
Repito, Sr. Presidente, se esta alínea b) do n.º 2 piora a actual redacção constitucional, bom seria que, no que toca à nova alínea e), aprovada por maioria simples na CERC, se pudesse traduzir em sede de Plenário pela sua aprovação por maioria qualificada.
É este o apelo que aqui deixamos aos grupos parlamentares que não contribuíram para a maioria qualificada na CERC.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a este artigo, o Partido Social Democrata continua a defender - e já o fez com veemência aquando da discussão na CERC - a proposta de substituição da alínea b) do n.º 2, ou seja, "Criação de formas de apoio à comercialização a montante e a jusante da produção" - é um sentido adequado da política agrícola apoiar a comercialização -, dado que assim abrange todas as empresas que se dedicam efectivamente à produção agrícola, quer a montante quer a jusante.
Por outro lado, é óbvio que temos que assumir o abandono da política do apoio financeiro a todas aquelas empresas que orbitam à volta do Estado. Queremos deixar esta questão bem vincada, porque se o objectivo é, tal como nos artigos 96.º e seguintes, a revitalização do mundo rural, então, o mundo rural faz-se com todas as empresas agrícolas, com todos os agricultores e cada vez mais eles se sentem menos obrigados a sobreviver com as empresas públicas e até do próprio Estado, ainda a vigorar no sector.
Portanto, uma das prioridades que o Partido Social Democrata defende é a criação de formas de apoio à comercialização a montante e a jusante da produção, visando objectivamente uma abrangência total para as empresas agrícolas, para os agricultores em particular, mas omitindo ou diminuindo esse esforço para as empresas públicas e mesmo para as cooperativas de comercialização.
Relativamente à proposta de substituição da alínea c) do n.º 2, tal como se acabou de referir, o Partido Social Democrata entende que a socialização dos seguros tem que ser substituída pela criação de seguros subsidiada, cada vez mais abrangente e cada vez mais de interlocução com os próprios pares, que neste momento são as entidades representativas dos agricultores e que nos podem apoiar e dar informação relativamente a estas questões.
Assim, numa lógica de defesa do próprio Estado, se a socialização obrigava as empresas seguradoras a, de alguma forma, receberem do próprio Estado verbas que lhes garantissem efectuar esses seguros com custos mínimos, a partir de agora há uma maior responsabilidade das partes por forma a que estes seguros venham a ser efectuados com os mínimos custos para o Estado, mas com o máximo de representatividade por parte dos agricultores.
É esse o objectivo e é por isso que o Partido Social Democrata entende que com a aprovação destas duas propostas de substituição fica assegurada a vontade de melhorar e revitalizar o mundo rural.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cruz Oliveira, se é verdade que o Partido Social Democrata apoia e defende o apoio à comercialização,

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se também é verdade que votou contra uma proposta do Grupo Parlamentar do PCP, não lhe parece que há aqui uma incongruência entre as propostas que defenderam recentemente aquando do debate, na especialidade, de uma proposta de lei do Governo e o que afirma agora, neste Plenário?
Não considera que a racionalização dos circuitos comerciais, formas de apoio à concentração de oferta, e a promoção da produção nacional face a um mercado aberto, seriam formas bem interessantes, bem positivas de apoiar a produção nacional e, no fundo, a agricultura nacional?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira, para responder.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, relativamente ao que acabou de dizer, quero tranquiliza-lo, porque objectivamente não existe nenhuma duplicidade de pensamento, nem das pessoas em causa, nem do Partido Social Democrata. Devo dizer-lhe que, tendo em conta a experiência anterior, constatámos que a racionalização dos circuitos de comercialização é, de alguma forma, de recear. O mesmo já não acontece com o apoio e o incentivo à produção, quer a montante quer a jusante da produção. O PSD votou contra a proposta do PCP precisamente pela inclusão da racionalização dos circuitos comerciais, pelas razões atrás expostas pelo meu companheiro que estava na CERC, pelas que aduzi e por outra que objectivamente lhe quero transmitir, a finalizar. É que a racionalização dos circuitos comerciais em termos dos mercados agrícolas mais desenvolvidos não tem dado o efeito que se pretende e algumas das etapas que queremos correr também nos levam a ter alguma cautela e algum bom senso.
Em suma, não existem questões políticas de fundo, mas experiência assumida, com a racionalização nos restantes mercados da União Europeia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 101.º.
Não havendo inscrições, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 102.º.

Pausa.

Como também não há inscrições, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 103.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular intervém na discussão deste artigo, o último artigo do Título III - "Políticas agrícola, comercial e industrial", no sentido de fazer menção à nossa proposta de eliminação de todo este título por ser nosso entendimento que a definição dos objectivos das políticas referidas não deveria constar do texto constitucional. Esta nossa opinião e esta nossa posição levaram-nos - e aproveitamos para fazer a justificação do nosso sentido de voto na CERC - a votar a maior parte das propostas no sentido da abstenção sendo certo que teremos que reconhecer que as alterações introduzidas, na maioria dos casos, conduzem a uma desprogramatização e à retirada de alguns conceitos anacrónicos ainda existentes ao longo de todo este Título III.
Ou seja, e numa palavra, achamos que houve uma evolução positiva nas alterações introduzidas, mas pensamos que a Constituição da República Portuguesa não deveria conter qualquer definição ao nível das políticas agrícola, comercial e industrial, que deveriam ser feita através de lei ordinária com a maleabilidade que tal facto confere à própria velocidade destas actividades e à necessidade que por vezes se sente de intervir e de alterar matérias que assim ficam rigidamente fixadas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 105.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alteração do artigo 105.º é, a meu ver, fundamental em termos da consagração do novo regime macro-económico a que vimos chegando em consenso parlamentar.
De facto, dado o consenso parlamentar explicitado na Resolução de 13 de Fevereiro sobre a moeda única, não fazia mais sentido ficar refém da letra da Constituição de 1992 no que se refere ao seu artigo 105.º - "O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora na definição e execução das políticas monetária e financeira e emite moeda, nos termos da lei". Era necessária uma redacção consentânea com o espírito da alteração constitucional resultante do novo regime macro-económico em que vivemos desde Dezembro de 1992.
Como defendi em Dezembro de 1995 aquando da ratificação pela Assembleia da República da nova Lei Orgânica do Banco de Portugal, que consagra a estabilidade dos preços como objectivo primeiro das autoridades monetárias e que, por isso mesmo, levantou dúvidas quanto à sua constitucionalidade por parte do PP e do PCP, era já esse o espírito da revisão constitucional de 1992.
Simplesmente, pelo facto de nessa altura ainda não estar totalmente materializada a mudança de regime e, mais do que isso, por não existir ainda um claro consenso, tanto no Governo como na oposição, quanto aos objectivos da política macroeconómica, a revisão da Constituição não reflectiu em nada as mudanças operadas. A minha proposta de alteração do artigo 105.º da Constituição da República Portuguesa feita em Dezembro de 1995 também não foi tida em conta por ter sido considerada "politicamente inoportuna" e por isso este artigo não foi discutido aquando da primeira leitura na CERC.
Não deixei, no entanto, de insistir no facto de que o espírito da última revisão constitucional e, sobretudo, o espírito do mais recente consenso quanto aos objectivos da política monetária e da política económica em geral fossem traduzidos na letra da presente revisão.
Em primeiro lugar, porque a letra deve corresponder ao espírito da lei. Essa seria, aliás, uma das principais, senão a principal, alteração constitucional em matéria económica na actual revisão.
Em segundo lugar, a defesa de uma nova redacção para o artigo 105.º visava também evitar que uma eventual inconsistência da letra da Constituição da República Portuguesa ao Tratado de Maastricht pudesse servir como argumento formal para a exclusão de Portugal da 3.ª fase da União Económica é Monetária. Sublinho "em segundo

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lugar", sobretudo agora que essa possibilidade já foi devidamente afastada pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Aliás, nunca tive dúvidas de que a discussão do artigo 105.º seria reaberta e que a CERC aprovaria a sua alteração.
Quero, no entanto, registar aqui a cooperação do anterior Presidente da CERC, Dr. Vital Moreira, para voltar a abrir à discussão um artigo sobre o qual não tinha sequer versado a primeira leitura da Constituição e quero, igualmente, salientar o espírito de abertura do actual Presidente da CERC, Deputado Jorge Lacão, ao convidar-me para a sua discussão na segunda leitura.
Registo, no entanto, com pena, que nesta matéria o consenso se ficou apenas a dever à possibilidade de exclusão de Portugal no exame sobre as condições de adopção da moeda única, com medo do julgamento de terceiros.
Sabemos que uma tal subalternização dos objectivos constitucionais não é boa para a democracia, nem sequer é eficiente à luz das várias teorias da Constituição, quer elas defendam alguma incerteza associada ao estádio constituinte, quer defendam uma discussão objectiva das escolhas básicas a inserir na Lei Fundamental.
Pior seria, no entanto, que, depois de assegurado o cumprimento de todos os critérios económicos estabelecidos no Tratado, Portugal ficasse de fora da 3.ª fase da UEM em 1 de Janeiro de 1999, tal como outros Estados que o não conseguissem, apenas pelo incumprimento de uma formalidade legal. Seria um risco que correríamos sem qualquer necessidade. Poder-se-á dizer um risco pequeno, dada a actual conjuntura de incumprimento pontual de outros critérios por parte de outros países. Não sei! A nossa dimensão não é a dimensão da França.
Julgo, no entanto, que devemos estar preparados para os desafios que nos propomos, independentemente do que se passa com outros países. De qualquer modo, seria absurdo chumbar no exame para a moeda única por um mero esquecimento ou, pior, por mera teimosia do legislador. Seria um desprestígio para a Assembleia da República fazer uma nova revisão constitucional em 1998 para corrigir a redacção de um só artigo da Constituição.
Para além do mais, e tal como no que se refere aos outros critérios de convergência, o importante é dar um sinal político, não apenas aos parceiros na União ou a instituições como o Instituto Monetário . Europeu ou a Comissão Europeia mas, sobretudo, aos cidadãos portugueses, em geral, e aos agentes económicos, em particular, de que o País está disposto a aceitar as regras do jogo da futura União Económica e Monetária.
É, aliás, fundamental constitucionalizar as regras do jogo, a que os alemães chamam e o Sr. Deputado José Magalhães já o citou várias vezes na CERC, ordnungspolitische Grundsatze, que garantam os melhores resultados económicos no longo prazo.
Ora, a mera compatibilização jurídica, político-partidária ou meramente burocrática dos textos não se compadece nem com as boas razões económicas nem com os motivos políticos que estão na base de tal alteração, pelo que a verdadeira Constituição económica fica muitas vezes, como salientei na discussão do artigo 80.º, na semana passada, fora da Constituição, à revelia da redundância da letra da Lei Fundamental - o melhor exemplo disso é a consagração de uma expressão que nada quer dizer, como a expressão "economia mista".
Com efeito, se os legisladores nacionais não quisessem, por motivos que eu próprio como Deputado não saberia explicar, constitucionalizar aquilo que declaram ser os seus objectivos de política macroeconómica, estaríamos perante uma situação de clara inconsistência política. Tal inconsistência poderia ser, a meu ver, considerada uma boa razão, seguramente melhor do que o não cumprimento pontual de um dos outros critérios (que são necessariamente mais arbitrários), para a não participação do nosso País na União Económica e Monetária.
Optou-se, no entanto, na CERC, por uma revisão minimalista do texto do artigo 105.º, a saber: "O Banco de Portugal é o banco central nacional e exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais a que o Estado português se vincule".
Esta redacção do artigo 105.º remete-nos para a Lei Orgânica do Banco de Portugal e, indirectamente, através dela, para os estatutos do Banco Central Europeu e, directamente, para o Tratado da União Europeia. São, no fundo, estes textos que passam a constituir a verdadeira Constituição macroeconómica do País.
Talvez o próprio alcance da Resolução de 13 de Fevereiro não tenha sido ainda internalizado pela Assembleia da República. O próprio PP preferiu a conformidade com os tratados europeus e os requisitos formais. da moeda única à consagração por vontade interna do objectivo da estabilidade dos preços!... Situação esta que contrasta, claramente, com a opção do novo Governo britânico em consagrar internamente a autonomia da política monetária na prossecução do objectivo da estabilidade dos preços, apesar de não ter ainda tomado qualquer decisão quanto à participação do Reino Unido na União Económica e Monetária.
Uma alternativa possível seria a eliminação, pura e simples, do artigo 105.º da Constituição. A maioria das Constituições dos Estados-membros da União Europeia não se refere sequer ao banco central. No entanto, seria pena não constitucionalizar um objectivo, que demorou tanto tempo a consensualizar em Portugal e que é o símbolo do consenso de regime em matéria económica que se estabeleceu entre todos os partidos da esquerda e da direita moderadas por toda essa Europa e por todo esse mundo fora.
É por isso que a eventualidade de uma revisão reactiva do artigo 105.º, de acordo com as reacções vindas de fora do Parlamento, sem conteúdo económico e remetendo para a lei ordinária e para os tratados internacionais, pode ser considerada uma solução menos boa.
Se o consenso parlamentar se esgotar nesta redacção, votarei a favor dela como votei na CERC com o meu Grupo Parlamentar, a quem agradeço, em primeiro lugar, a possibilidade que me deu de, na fase final deste processo, singularizar as minhas posições numa matéria em que me tenho empenhado particularmente e, em segundo lugar, o facto de não ter votado contra a minha proposta na CERC.
Congratulo-me por ter sido possível discutir estas matérias e chegar a uma redacção alternativa do artigo 105.º, reconhecendo-se que, nesta matéria, a revisão constitucional de 1992 tinha ficado por fazer.
Trata-se de um passo positivo, a meu ver indispensável, na direcção certa. O que era matéria tabu pôde ser discutida na segunda leitura da CERC e no Plenário da Assembleia da República. Senão, como poderíamos criticar o défice democrático nestas matérias, reivindicando um papel acrescido para os parlamentos nacionais no próprio processo de integração europeia? Como poderíamos explicar aos portugueses as vantagens da reforma monetária em

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curso na Europa se nos mostrássemos indisponíveis, pelo menos, para nos aproximarmos do seu objectivo primordial na nossa própria Constituição?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta alteração ao artigo 105.º tem um nome: moeda única. Tudo o resto é retórica parlamentar!
De tal modo é assim que, se outra fossa a motivação, estranho seria que nenhum dos projectos iniciais de revisão constitucional tivesse incluído qualquer alteração ao artigo 105.º.
De facto, a proposta que hoje vem a Plenário e que, apesar de tudo, ainda fica aquém das intenções ultraliberais do Sr. Deputado Francisco Torres não consagra um maior grau de autonomia, de independência e de melhoria das funções do Banco de Portugal. O que ela consagra é, no plano constitucional, a dependência total do Banco de Portugal e, portanto, das nossas políticas monetárias em relação ao Banco Central Europeu e às condições para a criação da moeda única no quadro da União Europeia.
Esta é que é a questão em torno da qual se devem separar as águas. Diria mesmo que, para ficar o que fica, Srs. Deputados, se calhar, era melhor ter a coragem toda e retirar, pura e simplesmente, da Constituição o artigo 105.º, porque com o que fica é evidente que o Banco de Portugal deixa de ter o papel, que é insubstituível, no que toca à sua colaboração e intervenção na definição e execução da política monetária e financeira.
Ora, isto significa que Portugal deixa de ter uma intervenção activa e de primeiro plano na definição e na execução da sua própria política monetária e financeira, porque se o tivesse precisava do Banco de Portugal com essas funções.
Isto é, nós alienamos essa questão fundamental para as nossas políticas económicas em resultado da criação da moeda única, em resultado dos bancos centrais e do Banco Central Europeu, nós entregamos a definição das nossas políticas monetárias e financeiras e o papel insubstituível do Banco de Portugal nas mãos do Banco Central Europeu e, designadamente, dos interesses da Alemanha e do Banco alemão nesse processo.
Aliás, a gravidade e o caricato deste processo é que, mesmo no âmbito do processo de integração na moeda única, que alguns nesta Casa defendem, os próprios proponentes reconhecem que não está claro se a actual redacção, apesar de tudo, não seria compatível com esse processo.
Há o receio e o medo de, por causa da redacção constitucional, se chumbar, como disse o Sr. Deputado Francisco Torres, no exame para a moeda única. Isto é, não se trata sequer de vermos qual é a melhor redacção para as funções que o Banco de Portugal tem, mesmo nesse quadro, na defesa dos interesses nacionais; trata-se, pura e simplesmente, de uma opção exclusiva de subserviência face a hipotéticos receios de que, se se mantiver a actual redacção, Portugal não possa entrar no concerto da moeda única.
Isto não tem nada a ver com os interesses nacionais e com os interesses da economia portuguesa; tem, sim, a ver com uma opção de cócoras, com uma opção de bom aluno, perante interesses que, no fundamental, são interesses contrários e estranhos aos interesses nacionais.
Sr. Presidente, com esta redacção, se calhar, melhor seria que nada ficasse na Constituição da República Portuguesa em relação ao Banco de Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS votou favoravelmente na CERC a redacção que nos é agora trazida sobre o estatuto constitucional do Banco de Portugal.
Devo dizer, como na altura referimos, que não partilhamos os receios de uma possível incompatibilidade entre a redacção que está em vigor e as obrigações comunitárias, designadamente a caminhada para a moeda única.
A norma constitucional foi cuidadosamente redigida em revisões constitucionais anteriores, precisamente, para acautelar que Portugal pudesse estar no tal pelotão da frente em matéria da moeda única, por forma a que não houvesse obstáculos constitucionais invocáveis contra Portugal e contra os interesses de Portugal tal qual são interpretados pela esmagadora maioria dos seus representantes.
Por mera cautela, ponderámos as redacções que foram aventadas, a do Sr. Deputado Francisco Torres, que não colheu consenso na CERC, e esta, que tem diversas vantagens.
Nesta matéria, a grande separação de águas foi feita em 1989 e em 1992, pelo que não há que refazê-la. O Banco de Portugal tem estatuto idêntico ao dos outros bancos centrais, nem maior nem menor nem superior nem inferior - aliás, é assim que em Estados que partilham soberanias tem de ser.
Em segundo lugar, não vimos necessidade de encorpar esta cláusula. O Sr. Deputado Francisco Torres insistiu nessa solução até à votação, mas nós não vimos vantagem numa solução desse tipo, porque não cabe a esta norma nem ser uma espécie de sinopse da Constituição, nem ser o contrário da Constituição, isso é inteiramente evidente, nem uma válvula de esvaziamento daquilo que a Constituição diz noutros artigos.
De facto, não há aqui nenhuma cláusula que tenha relevância para medir a identidade da Constituição económica portuguesa. Sempre foi essa a função deste artigo e não quisemos alterá-la nesta revisão constitucional.
Por mera cautela, como já disse, esta norma passa a eliminar quaisquer dúvidas de terceiros, as quais, de resto, não se colocavam em território nacional mas, quiçá, no exterior e contra nós quanto às condições jurídico-constitucionais portuguesas para preencher e estar conforme ao figurino que os Estados-membros aceitaram na caminhada comum para a moeda única.
O preenchimento dessas condições, diria, até, o sobre-preenchimento dessas condições, coloca Portugal numa posição verdadeiramente acima de qualquer suspeita, eu diria, blindada em relação a esses critérios. Outros poderão ser invocados, mas este não. E só essa clarificação, Sr. Presidente, teria valido a pena o nosso voto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP votou, em sede de

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Comissão, contra a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Francisco Torres e, para além de outras razões, que aduzirei a seguir, bastaria a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, que, claramente, afirmou que a redacção que actualmente está na Constituição não evitaria, de forma alguma, que progredíssemos...

O Sr. Francisco Torres (PSD): - É a opinião do Deputado José Magalhães.

O Orador: - É a do Deputado José Magalhães, com a qual o nosso partido está de acordo.
De facto, a redacção actual não impediria que prosseguíssemos um caminho que poderemos ser forçados a prosseguir. Aliás, sobre esse aspecto não tenho qualquer dúvida em admitir que a única coisa que temos a fazer é participar de forma tão interessada quanto possível neste processo e estudar todo este conjunto de situações com que nos vamos confrontando, para que, tanto quanto exequível, possamos ir defendendo os nossos interesses à medida que vão avançando em várias frentes as negociações que poderão redundar naquilo que o Sr. Deputado Francisco Torres dá, desde já, como adquirido.
Essa é a diferença entre a minha posição e a do Sr. Deputado Francisco Torres, com quem tenho tido longas conversas nas reuniões da Subcomissão de Acompanhamento da União Económica e Monetária e nem sempre estamos em desacordo - aliás, quase sempre estamos em acordo -, não tanto em relação à essência do problema mas em relação ao método.
Votámos contra esta proposta pela razão já aduzida e porque não queremos que haja aqui, ao contrário do que defendemos para toda a Constituição, uma programatização pelas más razões. Queremos uma Constituição desprogramatizada, simples, e não com 290 artigos e 1000 incisos. Como não queremos rigorosamente nada disso, somos a favor de redacções que não programatizem a Constituição. Neste caso, trata-se de programatizar, entre aspas, no sentido em que o Sr. Deputado Francisco Torres vê nisto uma relação quase de causa-efeito. Aliás, o próprio Deputado José Magalhães falou no sobrepreenchimento, que é algo que, logo à partida, me soa mal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas é português!

O Orador: - É português e correcto: Mas trata-se de sobrepreenchimento e não temos razão para utilizar esse tipo de atitude numa situação destas, em que estamos a discutir um processo que está longe de estar concluído. Não há que ser bom aluno ou utilizar o sobrepreenchimento de condições para andar à frente, quando não se torna necessário. E não se torna necessário, como se tem verificado na Subcomissão de Acompanhamento da União Económica e Monetária, porque ainda está em discussão todo um conjunto de coisas que são de primordial importância, nomeadamente no que diz respeito às funções do Banco Central. Estou a referir-me, por exemplo, ao caso da função fiscalizadora ou supervisora do Banco Central, assunto que foi discutido na Subcomissão de Acompanhamento da União Económica e Monetária com o Sr. Governador do Banco de Portugal, que, curiosamente, não deu acolhimento a uma posição que, posteriormente, o Sr. Ministro das Finanças seguiu aqui, quando se referiu à possibilidade de essa função supervisora poder vir a ser mais coordenada no futuro, já que todos os sectores - o financeiro, o segurador e até o do mercado de capitais - têm cada vez mais uma interligação entre si.
Penso que a nossa posição de voto na CERC está justificada, não é necessário sobrepreencher condições para aderir ou mostrar vontade de aderir a uma coisa à qual poderemos vir a ser forçados a aderir, mas que ainda tem um percurso longo a ser percorrido. Esse percurso tem é de ser percorrido de uma forma séria e de mentalidade aberta. E esta a nossa posição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou começar por comentar as observações do Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Sr. Deputado, não sou ultraliberal nem me vejo assim de maneira alguma. Acredito é que um conjunto de regras do jogo claras pode ajudar todos a compreender bem o que se passa na economia e a ter regas mais justas, que gerem, depois, investimentos de maior qualidade.
Também julgo que é discutível a questão de saber se o Tratado estava ou não incompatível com a nossa Constituição. Em minha opinião, a revisão de 1992, que foi feita para compatibilizar a possibilidade de ratificação do Tratado da União com a nossa Constituição, não levou isso em conta, porque mantinha o Banco de Portugal com interferências do próprio Governo e do Ministério das Finanças.
O Sr. Deputado José Magalhães entende que não .havia qualquer inconsistência, mas o Instituto Monetário Europeu, que tem uma palavra bastante importante nesta matéria, à cabeça, na análise sobre Portugal, lembrava o artigo 105.º da Constituição. O próprio Governador do Banco de Portugal sempre defendeu no exterior, como era sua obrigação, a ideia de que o espírito da revisão de 1992, como diz ó Professor Gomes Canotilho, era o de dar independência ao Banco Central, mas o facto é que a letra não acompanhou o espírito. A meu ver, a letra carecia de ser modificada.
Ao apresentar esta proposta, não receei o chumbo em matéria de qualificação para a moeda única, Sr. Deputado. Não era isso que eu receava. Esta parece-me uma questão, aliás, como disse na minha intervenção, totalmente secundária. Foi pena que eu só conseguisse chegar à discussão e à reabertura deste artigo através desta ameaça de chumbo de Portugal na qualificação para a moeda única, porque me parece que essa é uma questão secundária. O principal é estabelecer na nossa Constituição, dado que a estamos a rever, os objectivos para a política económica, nomeadamente para a política monetária, que nesta Assembleia são consensuais. Ora, se em Fevereiro último aprovámos, por grande maioria, nesta Assembleia, uma resolução a favor da moeda única, onde se referia o objectivo da estabilidade dos preços, que está consensualizado num tratado que ratificámos e que consta da lei orgânica que também ratificámos nesta Assembleia, por que razão não o constitucionalizamos? Não acreditamos nos objectivos que nos propomos, que defendemos todos os dias? Isto é que é estranho, isto é que é pena.
Não se trata de uma questão da incompatibilidade. Isso é discutível e, obviamente, Portugal poderia até passar no exame, mas, à cautela, como diz o Sr. Deputado José Magalhães, agora estamos mais "blindados". Eu também julgo que tanto o superpreenchimento como a "blindagem" não são necessários. Poderemos ter os mesmos defeitos que outros países, mas prefiro estar mais consentâneo com o Tratado da União. No entanto, creio não é por aí que "o gato vai às filhós".

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O problema é o seguinte: estamos á rever uma Constituição que é Lei Fundamental e, se não fizermos esta alteração, estaremos a deixar, como em tantos outros artigos, a Lei Fundamental fora da Constituição. Por exemplo, temos artigos que falam em economia mista, e todos sabemos que essa é uma definição que não existe, mas inserimo-la na Constituição apenas para acautelar aquilo que não sabemos bem o que é e que representa uma transição de um determinado estádio para outro. Quando mencionamos, neste artigo, que relegamos o artigo 105.º para a Lei Orgânica do Banco de Portugal, para o Tratado da União, para os Estatutos do Banco Central, isso é que é subalternizar a Constituição aos tratados internacionais, à moeda única, como disse o Sr. Deputado Lino de Carvalho. Eu não o quero fazer.
Em minha opinião, deveríamos fazer como os ingleses, que consagraram - não na Constituição, porque não a têm como nós - o objectivo da estabilidade dos preços, independentemente de virem ou não a participar na moeda única. Por exemplo, o PP - e chamei a atenção para uma eventual inconsistência política na minha interpretação - um orçamento equilibrado, pelo menos excluindo as despesas correntes, independentemente da moeda única, dos critérios de Maastricht, do pacto de estabilidade, e, para ser coerente, a meu ver, deveria defender a estabilidade dos preços independentemente da moeda única. Mas acabou por votar contra a estabilidade dos preços e a favor da moeda única, ou, pelo menos, absteve-se na questão da moeda única.
Por isso, quero salientar que o essencial é ter ficado claro, e era essa a minha preocupação, um consenso de regime que se vem estabelecendo nesta Câmara e, sobretudo, no País, acerca da estabilidade dos preços, de atirarmos para trás das costas os objectivos economicistas, arrumando estas questões na discussão da conjuntura do dia-a-dia e os desequilíbrios macroeconómicos de uma vez por todas, passando às questões importantes. Esse consenso tem sido difícil, demorou anos, e gostaria que isso ficasse claro, nesta discussão.
Por outro lado, pretendia que se fizesse uma discussão acerca deste artigo, para não irmos a reboque do Tratado da União, porque, se não se discutisse este artigo, se nada se fizesse, estaríamos a incorporar automaticamente na nossa lei o Tratado da União, que foi ratificado, os Estatutos do Banco Central e a Lei Orgânica do Banco de Portugal e a passar um estatuto de menoridade à própria Assembleia da República.
Se os parlamentos nacionais não se querem afastar do acompanhamento de todo o processo de integração monetária e europeia e se queremos explicar aos nossos cidadãos as vantagens da moeda única, que são aqui aclamadas por esta Câmara com uma grande maioria, temos de discutir estas questões de forma franca e aberta e de defendê-las na ordem interna, começando exactamente por aí. É o primado da Constituição sobre a lei ordinária e os tratados internacionais que está em causa.
Por isso, mais uma vez, me congratulo com o facto de ter sido possível esta discussão, tanto na CERC, na segunda leitura da Constituição, como em Plenário. Esta discussão, a meu ver, foi salutar e permitiu salientar as diferenças que existem entre os partidos, não só quanto à construção da moeda única mas, sobretudo, quanto aos objectivos de política monetária e económica. É isso que tem de ficar claro para todos os que representamos neste Parlamento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há intervenções que valem por si, pelas próprias contradições que encerram. Foi o que resultou tanto da intervenção, há pouco, do PS como, agora, do PSD, pela voz do Sr. Deputado Francisco Torres.
O PS diz que, no seu entendimento, a redacção actual do artigo 105.º não colide com os compromissos de Portugal para uma eventual criação da moeda única e para a eventual entrada de Portugal na moeda única. O Sr. Deputado Francisco Torres, agora, clarificando melhor o seu pensamento, vem dizer que, em sua opinião, essa não é a questão central do debate e até considera que, de facto, é defensável que a redacção actual não colide também com esse objectivo. Apesar disso, por cautela - eu diria, por medo -, aceitam alterar o articulado do artigo 105.º e reconhecem que não é necessário, mesmo para os objectivos que defendem da moeda única,...

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Mas é necessário para a independência das autoridades!

O Orador: - Então, por quê? Por razões de compatibilização das funções do Banco de Portugal com os objectivos de política económica, com os equilíbrios macroeconómicos, Sr. Deputado? Em que é que colide isso com o que está actualmente escrito, ou seja, "O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora de definição e execução das políticas monetárias e financeiras e emite moeda, nos termos da lei"? Em que é que colide a actual redacção com estas preocupações, Sr. Deputado Francisco Torres? Em nada! Zero, Sr. Deputado Francisco Torres! Para esse objectivo, qual é a diferença entre o que está na Constituição e o que vai ficar? Nenhuma, Sr. Deputado!
É evidente que essa não é a questão central. A questão central continua a ser a da moeda única, a de, mais uma vez, Portugal, através do PS e do PSD, se apresentar como claríssimo bom aluno, sem qualquer réstia de dúvida para quem nos quer impor essa moeda única.
É curioso verificar que os mesmos partidos que negam, na revisão constitucional, a inscrição na Constituição da possibilidade de um referendo sobre a moeda única, simultaneamente, querem impor, neste articulado relativo ao Banco de Portugal, uma formulação que torna quase irreversível, no que toca ao estatuto do Banco de Portugal, a sua relação e o seu entrosamento com o Sistema Europeu de Bancos Centrais, com o Banco Central, com as norma internacionais que daí decorrem na sequência da moeda única.
Trata-se de uma contradição de fundo, significativa. Os senhores não aceitam que, através da Constituição, seja permitido perguntar aos portugueses se estão a favor ou contra a moeda única, mas querem constitucionalizar, na norma relativa ao Banco de Portugal, desde já, o papel de dependência do Banco de Portugal em relação às instituições financeiras internacionais que vão gerir a moeda única. É óbvio, Sr. Deputado, que esta contradição não pode passar em claro. Ela significa que, por um lado, mais uma vez, os senhores negam ao povo português a possibilidade de ter uma voz activa em relação à moeda única e, por outro, querem impor-lhe, sem o ouvir, a adopção

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da moeda única, através, neste caso particular, das alterações às normas constitucionais que regem o estatuto do Banco de Portugal, com reflexos na sua independência, na sua autonomia e no seu papel fundamental e insubstituível na colaboração da definição das políticas monetárias e financeiras do País. Esta questão é, obviamente, grave, Srs. Deputados.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas responder muito brevemente ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, embora ele tenha feito uma intervenção.
Sr. Deputado, o problema da independência do Banco de Portugal tem a ver com a redacção em vigor deste artigo, que diz "colabora". O Banco de Portugal não tem de colaborar com o Governo nesta matéria. É por isso que defendemos que sejam estabelecidos na própria Constituição os objectivos em termos de política monetária, para que o Banco de Portugal os execute, em plena liberdade e em total independência. Esta nova redacção é favorável à independência e não à dependência do Banco de Portugal. Aliás, não se menciona neste artigo o Banco Central Europeu ou a união monetária. Se ela não vier a verificar-se, o Banco de Portugal continua, obviamente, como consta do anteprojecto da sua lei orgânica, a executar a política monetária com toda a independência.
Não há qualquer contradição entre o facto de não haver referendo e a consagração desta matéria na Constituição. Pelo contrário, há uma grande coerência. Não vale a pena perguntar algo em que acreditamos, por que nos batemos nas várias eleições e que foi aqui ratificado na anterior legislatura. Portanto, a coerência é total. O PCP fez muitas propostas de alteração à Constituição, constitucionalizou muitos artigos nas anteriores revisões e mesmo nesta, mas não põe tudo a referendo. Não vaia referendo tudo o que se insere na Constituição. No que toca a esta matéria, estamos a constitucionalizar aquilo que é um consenso entre a maioria dos Deputados desta Câmara, por isso, não tem de ir a referendo, uma vez que já foi sufragado muitas vezes em várias eleições e foi aqui ratificado, na anterior legislatura, o Tratado da União.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, peço-lhe que me clarifique esta contradição: o Sr. Deputado acaba de defender a não introdução na Constituição da possibilidade do referendo à moeda única porque isso fazia parte de programas políticos, de propostas políticas que tinham sido defendidas e debatidas, em sede de campanha eleitoral, tanto pelos senhores como pelo PS, que obtiveram a maioria nesta Casa. Muito bem! Então, por que é que, em matéria de regionalização, que também fez parte de programas eleitorais dos partidos que têm a maioria nesta Casa, os senhores exigem o referendo? Por que é que exigem para um caso e não para o outro, quando os argumentos são iguais?
Gostaria que me respondesse a esta questão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, podemos continuar a discutir este assunto fora daqui, pois, como sabe, é uma questão interminável.
Dei-lhe a minha opinião pessoal, que, aliás, coincide com a da maioria dos Deputados nesta Câmara, de que tratados internacionais ratificados por esta Assembleia não eram, com a actual Constituição, sujeitos a referendo.
A questão da regionalização é diferente e tem sido discutida até à exaustão aqui, na Assembleia da República. Terei todo o gosto em continuar a discuti-la consigo, mas não aqui, porque demoraria muito tempo.
Sabe qual é a minha resposta, sabe qual é o meu pensamento e, portanto, não há aqui qualquer contradição.
Aqueles tratados internacionais que aqui foram ratificados e que foram sufragados nas eleições pelos programas eleitorais dos vários partidos são muito claros, enquanto a regionalização depende dos moldes em que é feita, das regiões que forem apresentadas, e por aí fora, e a matéria a propósito dela não é muito clara nos programas dos partidos.
No entanto, podemos continuar a discussão sobre esta matéria num outro local e numa outra altura, que não esta.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não fique mais embaraçado!

O Orador: - Não fico, não! De maneira alguma, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão das alterações relativas ao artigo 106.º - "Sistema fiscal".
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo e as alterações que nele são introduzidas são importantes porque pretendem, de alguma forma, constitucionalizar aspectos que reforçam a defesa do contribuinte.
Não temos dúvidas de que a consagração da ideia de que a obrigação de. pagar impostos está assimilada pela sociedade - se não está assimilada por todos os contribuintes, está assimilada, pelo menos, pela sociedade -, no entanto, o direito de decidir que impostos pagar e se se quer ou não gerar rendimentos ou actos que conduzam à tributação deve pertencer aos contribuintes, como é evidente, pelo que é absolutamente impensável que possa existir a ideia da retroactividade do imposto.
Que o imposto não deve ser retroactivo era uma ideia mais ou menos elementar, que genericamente era aceite; no entanto, a sua não consagração em termos constitucionais levava a que, às vezes, houvesse algumas dúvidas nessa matéria.
Ainda este ano, como bem nos recordamos, aquando da discussão do Orçamento do Estado, havia umas normas que levantavam dúvidas sobre a possibilidade de os impostos que nelas estavam autorizados terem ou não efeitos retroactivos. Admitia-se que não tinham; no entanto, a dúvida pairava e era necessário esclarecer. É por isso importante que fique incluído, como um grande direito dos contribuintes, que não existe a possibilidade de haver a retroactividade do imposto.

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Um outro aspecto que nos parece importante, como protecção dos direitos dos contribuintes, é o de que a administração fiscal seja suficientemente eficaz e se paute por algumas regras que levem a que os direitos dos contribuintes não sejam lesados.
Um outro ponto que nos parece importante, que corresponde a uma proposta feita pelo PSD no sentido de alterar o n.º 3 do artigo 106.º, tem a ver com aspectos da execução por dívidas fiscais. Entendemos que, quando um contribuinte está para ser executado por dívidas fiscais,
essa execução deverá ficar suspensa se, por qualquer motivo, ele provadamente é credor do Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Este parece-nos um aspecto elementar na defesa dos interesses dos contribuintes, porque a administração fiscal funciona não apenas para receber dinheiro dos contribuintes mas também para os proteger. É nessa óptica que entendemos que a administração fiscal se de verá orientar, no sentido de criar condições para que a relação entre os contribuintes e a administração fiscal seja séria e gira confiança.
Daí o objectivo da nossa proposta de alteração ao n.º3 do artigo 106.º, que consideramos essencial para obviar a aspectos mais negativos da administração fiscal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista congratula-se, antes de mais, com a introdução, na Constituição da República, do princípio da não retroactividade do imposto. Este princípio não estava na nossa Constituição, embora, no plano jurídico, fosse reconhecido que o princípio das expectativas dos cidadãos e o princípio da justiça da lei fiscal só podem ser efectivamente salvaguardados desde que os impostos sejam criados antes do surgimento do facto tributário que lhes dá origem.
Considerarmos, portanto, um avanço significativo na garantia dos direitos dos cidadãos perante o Estado em termos fiscais a introdução do princípio da não retroactividade do imposto, mas é claro que, no nosso entendimento, a constitucionalização do princípio da não retroactividade do imposto tem de ser articulado claramente com a possibilidade de introdução em lei fiscal de normas conjunturais de incidência, que nada têm a ver com a criação de novos impostos posteriormente à existência de factos tributários.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Outro dado bastante importante, com que nos congratulamos também, é o desaparecimento na Constituição da referência à existência do imposto sobre
sucessões e doações e a substituição por uma referência à tributação do património em termos que contribuam para a igualdade entre os cidadãos.
Entendemos que a reforma fiscal de 1988 incidiu sobre os impostos sobre o rendimento, tendo-se esquecido, porque era bastante mais difícil, de fazer a reforma dos impostos sobre o património.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Este Governo tem desencadeado passos importantes ao nível das declarações de princípios e dos estudos necessários para a concretização, num curto prazo, de uma reforma fiscal, reforma essa que não esquecerá, bem pelo contrário, introduzirá modernização e moralidade na tributação do património.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O desaparecimento da norma constitucional que prevê o imposto sobre sucessões e doações não implica necessariamente o seu desaparecimento, mas significa que há uma disponibilidade para o estudo deste imposto e para a sua adaptação ou eventual substituição em termos que, globalmente, a tributação sobre o património seja justa e igualitária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, um grande avanço nesta revisão constitucional poderá resultar da aprovação da proposta 53-P, do PS, que tem a ver com o princípio da compensação de dívidas entre os contribuintes e a administração fiscal.
É o mesmo princípio que a Sr.ª Deputada Manuel Ferreira Leite referiu, mas, em nosso entender, a sua concretização deve ser programática, remetendo para lei especial as formas de compensação de dívidas e outras garantias dos contribuintes que sejam credores da administração fiscal, ao contrário da proposta feita pelo PSD, que, em nosso entender, tem uma aplicação normativa que pode conduzir a grandes dificuldades técnicas e até a injustiças na sua aplicação.
Isto porque a suspensão da execução fiscal numa situação em que o contribuinte é credor perante a administração fiscal impede, pela suspensão do processo executivo, que a própria administração fiscal, no seu poder de império, possa nomear à penhora créditos que o Estado detém sobre si próprio.
Ou seja, passamos da situação hoje existente de que o Estado só paga se o cidadão comprovar que não deve nada ao Estado para uma situação em que o contribuinte só paga ao Estado se o Estado comprovar que não deve nada ao contribuinte. É uma situação que, devido ao sistema de tributação que temos, que se baseia no princípio da declaração, poderia introduzir perversidades extremamente perigosas e conduzir novamente a um escalar das dívidas dos contribuintes perante o Estado, criando novas situações de grande dificuldade de resolução.
Compreendemos, aceitamos e aplaudimos o princípio da compensação de créditos, em que não se possa exigir ao cidadão, que está sucessivamente a ser credor do Estado e prejudicado porque o Estado não é pessoa de bem, e, ao mesmo tempo, estar o Estado a exigir o pagamento pontual e rigoroso das obrigações do contribuinte. Estamos de acordo com este princípio; simplesmente, a sua aplicação não se pode fazer em sede de revisão constitucional com um sentido tão normativo de aplicação imediata, exige uma legislação extremamente cuidada...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é demagogia!

O Orador: - Não é demagogia, Sr. Deputado!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os senhores não fazem nada!

O Orador: - Existem muitas normas programáticas na Constituição! Aceito que V. Ex.ª diga que é demagogia, porque em demagogia V. Ex.ª é especialista...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e, portanto, tem, com certeza, melhor visão do que é ou não é demagogia!
Neste caso, ou se inclui na Constituição uma norma que, depois, em si, vai ter aplicabilidade prática através do seu desenvolvimento em lei avulsa ou, então, se introduz um princípio que perverte completamente o jus imperii, que vai criar o facilitismo e, inclusive, vai impedir ao Estado de nomear à penhora créditos que os cidadãos têm sobre si próprio,

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A proposta 45-P, do PSD, impede que o Estado se possa fazer pagar...

O Sr. José Magalhães (PS): - Impediria!

O Orador: - Impediria, se fosse aprovada, que o Estado se possa fazer pagar de créditos que os cidadãos tenham perante o Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não a querem. Assumam!

O Orador: - Assumimos a proposta 53-P, que, em nossa opinião, corresponde perfeitamente às necessidades de consagração constitucional deste princípio.
A Constituição é claramente o local onde se consagram os grandes princípios estruturantes da ordem jurídica, não é o local para se fazer demagogia,...

Aplausos do PS.

... nem é o local para se apresentarem propostas que, pela sua natureza, iriam novamente provocar o escalar das dívidas ao Estado e a crise da autoridade do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galeão Lucas.

O Sr. António Galeão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o PP apresentou algumas propostas sobre o artigo 106.º. A primeira ficou prejudicada, a segunda acabou por ser incluída indirectamente e a terceira, que era a introdução de um n.º 5, aparece, em última análise, agora contemplada nesta proposta 45-P, apresentada pelo PSD.
Ao contrário do que foi dito pelo Sr. Deputado João Carlos da Silva, há aqui situações claramente distintas e que interessa clarificar. O que pretendemos - e decorre também da proposta de aditamento do PSD - é que nenhum cidadão possa, de facto, ser executado ou condenado em qualquer pena por dívidas fiscais enquanto não lhe tiverem sido satisfeitos os créditos líquidos exigíveis que detenha sobre qualquer entidade pública. Isto é claro e, hoje, não está garantido de forma alguma!
A proposta 53-P, de VV. Ex.as, diz que "A lei prevê formas de compensação de dívidas (...)" - já hoje há formas de compensação de dívidas, juros e outras situações parecidas - "(...) e outras garantias dos contribuintes que sejam credores da administração fiscal". Sem entrar em grandes pormenores técnicos, era para nós absolutamente fundamental - dissemo-lo na segunda leitura e queremos repeti-lo agora - que uma proposta do tipo da proposta 45-P, onde está contido, de alguma forma, um problema de compensação, mas esse terá de ser resolvido a seu tempo, fosse incluída numa alínea do artigo 106.º.
Se esta revisão não incluir no artigo 106.º uma alínea com este tipo de redacção, isto é, que não permita um cidadão ser executado por dívidas fiscais, enquanto estiver perante a administração fiscal em posição credora devidamente reconhecida, não há dúvida de que não avançamos significativamente na defesa do contribuinte, embora caiba, depois, esclarecer situações emergentes dos casos concretos.
A proposta apresentada pelo Partido Socialista não nos satisfaz, é demasiado minimalista, e, uma vez que não avocámos a nossa, apoiaremos a do PSD e não a do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Galeão Lucas, relativamente a esta questão da compensação, não estamos a falar em termos de princípios. Não estamos a discutir o princípio da possibilidade da compensação de créditos entre o cidadão e a administração fiscal, pois estamos de acordo com ele. Agora, a questão está em saber se esse princípio deve ser concretizado na Constituição ou, pura e simplesmente, expresso na Constituição e concretizado em lei avulsa.
Há determinados direitos e questões que podem ser directamente aplicáveis através da Constituição, porque a sua aplicabilidade prática não suscita grandes problemas de concretização.
Porém, V. Ex.ª sabe, tão bem como eu, que, quando estamos a falar do regime fiscal, de legislação fiscal, a aplicabilidade técnica das matérias não se compadece com duas ou três linhas escritas numa Constituição, que podem inviabilizar soluções concretas, as quais funcionam no dia-a-dia, e que, de um dia para o outro, passariam a ser inconstitucionalizadas por uma redacção menos reflectida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É justo que na Constituição fique uma obrigação de o Estado legislar sobre determinada matéria - e isto traduz-se num compromisso não só político mas jurídico-constitucional, pelo que VV. Ex.as e nós ficamos obrigados a elaborar a legislação que desenvolva este princípio; outra coisa é incluir na Constituição uma norma, como a proposta pelo PSD, que, V. Ex.ª com certeza compreendê-lo-á, é de aplicação directa aos processos de execução fiscal, em curso neste momento.
Atente, Sr. Deputado, na seguinte situação: um contribuinte qualquer deve, hoje, uma fortuna à administração fiscal por não ter pago os seus impostos, havendo processos de execução fiscal, e, ao mesmo tempo, esse contribuinte é fornecedor do Estado ou credor de determinados reembolsos de outro imposto. Esta norma proposta pelo PSD, a ser aprovada, faria com que o Estado tivesse de suspender imediatamente o processo de execução fiscal,...

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O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Não!

O Orador: - O senhor conhece esta norma?

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Conheço!

O Orador: - Então, está completamente enganado!

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - O senhor não sabe ler!

O Orador: - Eu sei ler! Estou com óculos, mas, graças a Deus, ainda sei ler!
O que aconteceria era que o Estado teria de suspender imediatamente o processo de execução fiscal,...

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - É que não querem!

O Orador: - ... pagar os créditos que o cidadão tem sobre ele e, seguidamente, poderia reabrir o processo...

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Se não quer, diga-o claramente!

O Orador: - O Sr. Deputado está muito nervoso. Se quer falar, faça o favor de se inscrever.
Como dizia, o Estado teria de suspender a execução fiscal, pagar os créditos do cidadão sobre o Estado e, seguidamente, reabrir a execução fiscal, sem ter uma garantia patrimonial a que pudesse recorrer para se pagar dos seus créditos.
A situação em causa não permitiria ao Estado sequer nomear a penhora os créditos que o cidadão tem sobre outros institutos do Estado.
Esta norma proposta pelo PSD...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - ... é uma norma que necessita de desenvolvimento em sede de processo legislativo ordinário e não pode ser aposta na Constituição nos termos em que está, sob pena de bloquear totalmente os processos de execução fiscal que hoje correm nas nossas repartições de finanças.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Carlos da Silva, insisto no que disse: a proposta do Partido Socialista não resolve os problemas que pretendemos ver resolvidos, embora reconheça haver aí um problema de compensação.
Agora, quando o Sr. Deputado refere que, estando nós a falar da Constituição, não devemos introduzir determinadas normas neste processo de revisão constitucional, não quero entrar por aí.
A meu ver, esta era uma das matérias em que eventualmente se justificava - e não em muitíssimas outras que fôssemos bastante mais específicos e claros na defesa dos contribuintes, dos cidadãos, e não vejo qualquer inconveniente - antes pelo contrário, só vejo vantagens em que fique claro na Constituição este princípio, com o qual, presumo, o Sr. Deputado está de acordo...

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - O princípio está na nossa proposta!

O Orador: - Então, se se encontrar uma redacção que permita o princípio da compensação...

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - É a nossa!

O Orador: - Não, não é!
Seria uma redacção do tipo da que foi apresentada pelo PSD, acrescentada - e, enfim, não vou tomar agora a meu cargo o ónus de escrever esse acrescento à proposta, pois qualquer um de nós poderá fazê-lo em 30 segundos - de qualquer coisa no sentido de "salvaguardando os casos em que, havendo créditos do Estado superiores àqueles que o cidadão tem sobre o Estado, eles possam ser compensados".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Agora, o Estado deve suspender a execução, claro - não vejo qualquer inconveniente nisso e isso deve ficar na Constituição da República Portuguesa. E isto, por maioria de razão, se tivermos em conta um inúmero conjunto de matérias aqui consignado e em relação ao qual estamos rigorosamente em desacordo.
Portanto, se há matéria em que, julgo, é nossa obrigação pormo-nos de acordo é esta, no domínio quer dos princípios quer obviamente da aplicação, porque o problema mencionado pelo Sr. Deputado, não vamos negá-lo, pode colocar-se e não queremos suster uma execução de alguém que deva cinquenta centavos e seja credora de cinco.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - A aprovação disto é ao que leva!

O Orador: - Assim, se essa alteração surgir nesse sentido, mas não naquele em que a proposta do PS está redigida, porque para nós, mal ou bem, não dizem a mesma coisa, daremos obviamente o nosso apoio e percebemos que esse problema existe e terá eventualmente de ser resolvido.
Agora, é fundamental que os senhores aceitem este princípio. Uma vez aceite, estamos entendidos.

Vozes do PSD. - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afigura-se-me que devemos começar por sublinhar que, ao contrário da nossa posição, que é de abertura, porque o que está em causa é a defesa do contribuinte, o Partido Socialista assume uma posição perfeitamente intransigente na defesa de uma tese que, é manifesto, fica muito aquém do objectivo que dizem proposto e pretendem pôr em prática.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Há um ponto, Srs. Deputados, que devemos ter presente: o sistema fiscal encontra no princípio da justiça fiscal um princípio estrutural e estruturante, o mesmo acontecendo com o princípio da legalidade tributária. Mas não esqueçamos o princípio da ética. E, relativamente à ética, se estamos sempre a impor aos cida-

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dãos que devem cumprir os seus deveres fiscais, também o Estado tem de assumir o seu papel enquanto pessoa de bem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Ora, ser pessoa de bem, neste caso, significa tão simplesmente aceitar a compensação e a suspensão. Porque aqui trata-se da suspensão em tempo e não da suspensão tardiamente, dentro daquelas delongas que, sabêmo-lo, a administração, designadamente a fiscal, é, por vezes, bem pródiga em desenvolver.
Assim, dando provas sobejas da nossa abertura e do nosso efectivo compromisso de defender o contribuinte, propomos que à redacção por nós já apresentada para o n.º 3 do artigo 106.º acresça o seguinte:"(...) devendo a lei salvaguardar adequados mecanismos de compensação fiscal".
São ambos princípios, volto a referi-lo, que têm toda a dignidade para constar da Constituição e ambos os princípios, volto a dizê-lo com toda a ênfase possível, devem depois ser desenvolvidos e condensados na legislação ordinária.
Presumo que os Deputados do Partido Socialista vão ter uma resposta a dar, que, por se encontrarem distraídos neste momento, talvez não seja imediata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 106.º, queremos começar por congratular-nos pelo acordo unânime quanto à introdução na Constituição do princípio da não retroactividade dos impostos. Este princípio fazia parte' de uma proposta nossa, como, aliás, das de outros partidos, e o seu acolhimento em sede constitucional é, nesse aspecto, um passo positivo.
Mais diremos que, para nós, o acolhimento desta formulação da natureza não retroactiva dos impostos abrange a que tínhamos usado no artigo 106.º, isto é, o facto de essa não tributação também dizer respeito aos factos geradores do próprio imposto. A formulação que tínhamos proposto para o artigo 106.º foi depois encurtada, enxuta, nesta fórmula que acabou por ficar na Constituição, a de os impostos não terem natureza retroactiva, mas, em nossa opinião, ela deve abranger essa formulação inicial, no sentido de nesse conceito de não terem efeitos retroactivos estar incluído o nosso de ser vedada a tributação relativa aos factos geradores ocorridos antes da própria lei que impede que eles tenham natureza retroactiva.
Em relação à outra proposta em discussão, queremos dizer, desde já, que a proposta de aditamento ao artigo 106.º formulada. pelo PSD nos parece mais correcta e mais justa, do ponto de vista fiscal, que a proposta sobre a mesma matéria, mas relativa ao artigo 107.º, formulada pelo PS.
Em nossa opinião, não deve tratar-se unicamente de a lei prever formas de compensação de dívidas - é uma fórmula demasiado vaga esta formulação constitucional do PS, porventura a única permitida pelo Sr. Ministro Sousa Franco. A formulação do PSD, no sentido de ninguém poder ser executado por dívidas fiscais enquanto estiver perante a administração fiscal em posição credora, parece-nos, do ponto de vista da defesa dos direitos dos contribuintes e da justiça fiscal, mais correcta e mais próxima das próprias formulações do PCP, em sede das propostas que apresentámos para o n.º 3 do artigo 107.º.
Por isso, votaremos favoravelmente a proposta 45-P do PSD, lamentando que o Sr. Ministro Sousa Franco não tenha permitido que o Partido Socialista subscrevesse também uma proposta de idêntico teor em relação á esta matéria - talvez, até à altura da votação, possa haver outra opção...
Outra questão, Sr. Presidente, diz respeito ao artigo 107.º...

O Sr. Presidente: - Ainda lá não chegámos, Sr. Deputado. Vamos entrar, de seguida, na discussão do artigo 107.º, mas ainda não entrámos. Tenho de respeitar a ordem das inscrições e o Sr. Deputado ficará, desde já, inscrito.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, antes de concluirmos a discussão deste artigo 106.º e passarmos à do 107.º, gostaria de dizer o seguinte: depois do debate nesta Câmara, os três partidos da oposição deixaram explícita uma clara adesão ao princípio, decorrente dos direitos de cidadania fiscal, de não haver execução fiscal de cidadãos, quando eles se encontrem numa posição credora reconhecida pela própria administração. Ficou também claro do debate que há uma cautela a ter aqui, no sentido de evitar que um cidadão que seja credor da administração fiscal de, por exemplo, 100 possa ver suspensa uma execução de 1000 contra si próprio. Ou seja, o mecanismo de compensação fiscal é um mecanismo que, necessariamente, terá de ser adequadamente utilizado pela lei de forma a acautelar os dois interesses em presença, o interesse do particular, cidadão, e o interesse colectivo da Administração relativamente a dívidas fiscais.
Finalmente, quero deixar registado em acta que, antes de terminada a discussão este artigo 106.º, o PSD vai entregar na Mesa uma adenda à nossa proposta inicial, uma vez que o princípio é o mesmo que o PSD sempre defendeu e que aqui foi corroborado, quer pelo Partido Popular quer pelo Partido Socialista. Essa adenda vai no sentido de que a lei deve salvaguardar mecanismos adequados de compensação fiscal para que fique totalmente afastada a dúvida sobre se o princípio deve ou não ser adquirido, uma vez que pode estar em causa algum prejuízo maior para a administração fiscal, embora não seja essa, seguramente, a intenção dos proponentes.
Esperamos que haja uma aceitação generalizada por parte da Câmara relativamente a este princípio...

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Vai haver!

O Orador: - ... porque é, de facto, um princípio de elementar justiça, que repõe no plano devido a administração fiscal face ao cidadão no sentido de que aquela, tal como toda a Administração Pública em geral, deve servir os cidadãos e não servir-se deles.
Portanto, trata-se de um princípio que, após esta clarificação, esperamos que possa merecer a adesão cabal desta Câmara, em particular do Partido Socialista que é o

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partido fundamental para, em conjunto connosco, poder perfazer os dois terços necessários à aprovação desta alteração da Constituição que, como ficou explícito neste debate, é claramente uma benfeitoria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fico a aguardar a entrega da proposta que referiu mas talvez fosse mais prático alguém requerer o adiamento da votação deste artigo 106.º de modo a haver mais tempo de meditação sobre a possibilidade de uma formulação que mereça a aprovação de toda a Câmara. Parece que todos são sensíveis ao problema e, no fundo, o que falta é uma redacção que elimine as resistências que ainda existem. Portanto, talvez se faça luz de repente com uma redacção que mereça o consenso de todos.
Assim, na devida altura, se alguém quiser requerer o adiamento da votação, ganharíamos tempo para poderem continuar a discutir noutra sede.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão das alterações relativas ao artigo 107.º.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a este artigo, também nos congratulamos com a introdução da consagração da tributação do património, tal como está referida no artigo 107.º, substituindo, portanto, apenas a parte referente ao imposto sobre sucessões e doações.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fazia parte das nossas propostas uma de substituição do imposto sobre as sucessões e doações pela tributação sobre o património conforme ficou inscrito no texto da CERC. Nesse aspecto, congratular-nos-íamos e estaríamos de acordo com esta alteração. Só que, entretanto, essa alteração, que nos parecia positiva, de acabar com o imposto sobre as sucessões e doações e substituí-lo por um imposto sobre o património, foi acompanhada por uma outra que nos parece ser profundamente negativa.
Refiro-me ao n.º 3 deste artigo, cuja redacção é " O imposto sobre sucessões e doações será progressivo, de forma a contribuir para a igualdade entre os cidadãos" que será substituído pelo seguinte: "A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos". São duas coisas completamente diferentes.
Aliás, socorrendo-nos do anterior presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, autor de textos anotados sobre esta matéria juntamente com Gomes Canotilho, a própria ideia de igualdade em matéria de tributação do património resulta da forma progressiva do imposto. Esta ideia de progressividade do imposto, segundo eles, aumentando as taxas à medida que aumenta o valor do património, é um conceito fundamental para atenuar as desigualdades e, portanto, para chegar ao próprio conceito de igualdade.
A expressão que estava inserida anteriormente, e que ainda está, no texto constitucional é, quanto a nós, muito mais correcta do ponto de vista dos princípios constitucionais fiscais do que o princípio que agora vai passar a estar inserido. Isto é, a igualdade atinge-se, também e fundamentalmente, pela concepção progressiva do imposto sobre o património. O contrário pode vir a não suceder.
Nesse sentido, Sr. Presidente, parece-nos que esta substituição do conceito de progressividade pelo conceito de igualdade piora a formulação que ainda consta da Constituição e, de algum modo, anula ou, pelo menos, diminui em muito o alcance da substituição do imposto sobre sucessões e doações pelo imposto sobre o património.
Lamentamos que assim seja pois, estando inscrita na Constituição a ideia de progressividade, em sede de sucessões e doações, não vemos qual a razão por que esta ideia de progressividade é substituída pela ideia de igualdade na tributação do património, sendo certo que, para se atingir a ideia de igualdade, é necessário a progressividade das taxas à medida que o valor do património também é maior.
É esta a questão que deixamos em aberto e que gostaríamos que alguém esclarecesse.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 107.º, o Partido Popular, durante a segunda leitura da Constituição e mesmo no seu próprio projecto de revisão constitucional, apresentou algumas propostas de alteração e uma de eliminação do n.º 3. Essa nossa proposta foi rejeitada, mas entendemos que merece claramente o nosso apoio a redacção para o n.º 3 que acabou por ser objecto de acordo entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, que é a seguinte: "A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos". Isto, independentemente de poder ou não haver redacções mais felizes, visando eventualmente objectivos diferentes dos que presidiram à intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Portanto, no que se refere ao artigo 107.º, consideramo-nos satisfeitos com a redacção encontrada e que foi objecto de consenso durante a segunda leitura.
Todos sabemos que a tributação do património levanta problemas, que há que salvaguardar situações e que prevê-las face a processos de integração que estão em curso neste momento.
Por fim, relativamente à proposta que apresentámos no sentido da eliminação do n.º 3 deste artigo, parece-nos que era mais ajustada ao que é a justiça fiscal que deve imperar num Estado de direito como o nosso, visando, em última análise, os objectivos que creio que todas as outras bancadas também visam.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, faço uma pequeníssima intervenção em jeito de resposta, apenas para transmitir a posição do PSD em relação à preocupação suscitada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Sr. Deputado, o problema é que, já no n.º 2, relativo à tributação sobre as empresas, não existe o princípio da progressividade. Como sabe, não existe porque a progressividade é apenas um instrumento entre vários que podem ser utilizados em termos de impostos. A razão de não existir o princípio da progressividade no n.º 2 tem a ver

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com a base heterogénea do universo empresarial. Ou seja, temos pequenas e médias empresas, temos grandes empresas e, portanto, não era possível encontrar uma lógica de progressividade única como acontece no imposto sobre o rendimento que é um imposto único.
No que diz respeito à tributação, o problema é o mesmo, Sr. Deputado. Isto é, como existe uma heterogeneidade na base da tributação, os instrumentos ao dispor do legislador para o imposto sobre o património vão incidir quer sobre empresas quer sobre particulares, pessoas individualmente consideradas. A progressividade será um dos instrumentos possíveis mas haverá outros, tais como benefícios fiscais, e haverá mesmo a própria base de avaliação da massa tributável que é um dos instrumentos fundamentais para atingir a tal igualdade. Portanto, optou-se - e do meu ponto de vista, bem, atendendo a esta heterogeneidade da base que não existe no n.º 1 relativamente ao IRS - por estabelecer na Constituição apenas o princípio da equidade no sentido de contribuir pára a igualdade entre os cidadãos porque esse é que é o valor fundamental para que deve ser direccionada a legislação da tributação sobre o património.
De resto - não sei se o Sr. Deputado terá participado nesse debate na CERC -, o PSD chegou a propor o princípio da equidade fiscal como um princípio ainda mais genérico, mas optámos pelo da igualdade porque já tem curso na nossa Constituição em sede de sistema fiscal.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, faço uma curta intervenção para responder ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Sr. Deputado, penso que há algo em que poderemos estar de acordo que é que esta redacção encontrada para a proposta de substituição do n.º 3 do artigo 107.º não parece ser a mais feliz, para usar a expressão do Deputado António Galvão Lucas.
É que, perante a dissertação que o Sr. Deputado acabou de fazer sobre o tipo de imposto que está em discussão, terei de responder-lhe que o imposto de que estamos a falar, a tributação do património que substituiu o imposto sobre as sucessões e doações, aproxima-se mais do imposto sobre o rendimento pessoal - que está previsto no n.º 1 do artigo 107.º e que, como tal, é progressivo e não foi alterado - do que da tributação sobre as empresas que o Sr. Deputado invocou em justificação para a não existência da progressividade.
Estamos em sede de tributação sobre o património, em sede de tributação sobre sucessões e doações relativamente a património pessoal e, como tal, a sua tributação deve ser progressiva, as taxas devem ir aumentando à medida que o património também vai aumentando, exactamente nos precisos termos em que está consagrado na Constituição no n.º 1 deste mesmo artigo quanto ao imposto sobre o rendimento pessoal, e que não foi alterado, embora, obviamente, a fonte da riqueza seja diferente - a fonte da primeira é o trabalho, a da segunda é, por exemplo, uma herança. Mas a génese de um património pessoal, de uma riqueza pessoal que, no n.º 1, justifica a existência da tributação progressiva também deveria levar ao mesmo raciocínio quanto ao n.º 3. Ou seja, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o raciocínio aplica-se ao n.º 1 e não se aplica ao n.º 2 que é relativo à tributação sobre as empresas.
Portanto, também aqui nos parecia fundamental ,que, neste contexto, a tributação sobre o património incluísse a ideia de progressividade como instrumento para a redução das desigualdades que são geradas por um património crescente e que implicasse taxas eventualmente idênticas.
De qualquer modo, apesar desta nossa leitura crítica e da preferência que damos à formulação progressiva, é também nosso entendimento que, independentemente do resultado da votação que iremos fazer, devemos continuar a considerar este n.º 3, para efeitos de interpretação constitucional futura, como podendo incluir a ideia da progressividade, embora sublinhe que, em nossa opinião, a ideia da progressividade deveria estar claramente explicitada para evitar quaisquer dúvidas ou ambiguidades futuras de interpretação constitucional, considerando nós até que, segundo a leitura do próprio Sr. Deputado Luís Marques Guedes, esta tributação sobre o património se inclui mais no conceito do n.º 1 relativo ao imposto sobre o rendimento pessoal, que é progressivo, do que sobre a tributação das empresas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na discussão das alterações relativas ao artigo 108.º.

Pausa.

Como não há pedidos de palavra, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 109.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do ponto de vista do Partido Social Democrata, o inciso da anualidade do Orçamento no artigo 109.º justifica-se por ter ocorrido um avanço significativo neste processo de revisão constitucional relativamente ao capítulo do planeamento, aquando do debate sobre a Organização económica, no sentido de erradicar, de vez, da Constituição o princípio da planificação da economia, substituindo-o por um princípio mais moderno e mais adequado: o princípio da definição de objectivos estratégicos do desenvolvimento económico e social - os chamados planos de desenvolvimento económico e social.
Nesse sentido, sairão da Constituição as normas que, definindo a obrigatoriedade de existência de planos anuais, também determinavam que o Orçamento do Estado era a expressão financeira desses mesmos planos. Ora, de acordo com as alterações a introduzir na Constituição, se a periodicidade dos planos passa a ser uma opção de cada Governo e do seu programa, livremente sufragado pelos portugueses, é evidente que se torna necessário reafirmar no texto constitucional o princípio da anualidade obrigatória do Orçamento do Estado. É essa a justificação desta alteração ao artigo 109.º, uma vez que nenhuma proposta de alteração à Constituição pretendeu, em algum momento, retirar o princípio da anualidade das leis do Orçamento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Avocámos a Plenário a discussão da proposta de aditamento de um n.º 4 ao artigo 109.º, apresentada pelo CDS-PP, do seguinte teor: "A proposta de Orçamento não pode apresentar um nível de despesas

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correntes que exceda em mais de 3% as receitas correntes previstas para o mesmo ano".
Esta proposta tem suscitado alguns comentários, designadamente o de que, por esta via, estaríamos a comprometer-nos com objectivos de convergência. Não é nada disso que se trata, até porque estamos a falar de despesas correntes; trata-se, sim, de um acrescento que consideramos desejável para que haja, à partida - e estamos a falar de despesas correntes -, uma limitação em termos de défice, que não é o verdadeiro défice orçamental, já que está em causa uma percentagem em termos de despesas correntes face às receitas correntes.
Dou esta pequena explicação para evitar que, mais uma vez, a proposta do CDS-PP seja considerada como uma adesão a critérios de convergência, o que, aliás, não seria nada que me soasse a heresia, até porque já aqui foi referido - e é verdade - que o Partido Popular defende todo um conjunto de regras de contenção, de redução de taxas de juro e de despesa, políticas estas que, em última análise, são semelhantes a muitos dos critérios de convergência, critérios estes que, ao fim e ao cabo, são saudáveis para a condução da economia da forma como nós preconizamos.
Seja como for, este é um pequeno esclarecimento que entendemos ser necessário trazer aqui e daí, talvez, a insistência na avocação a Plenário da discussão desta alteração ao artigo 109.º. No demais, consideramos correcta a posição do PSD quanto ao aspecto da anualidade da lei do Orçamento.
É tudo quanto este artigo nos, suscita, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações que, tudo indica, vão ser introduzidas nesta revisão constitucional em matéria de elaboração do Orçamento são reduzidas. Na verdade, nenhuma grande, grande alteração orgânica e conceptual foi objecto de um consenso de dois terços e creio, francamente, que ainda bem.
A grande, grande alteração traduzir-se-ia, como é inteiramente óbvio, em distinguir, na elaboração orçamental, dois momentos: o momento da ponderação das alterações fiscais e o momento da conglobação das receitas e despesas. Mas essa distinção, que envolveria uma prática orçamental totalmente diferente da nossa e o fim dos chamados valets budgétaires e da própria inserção de normas fiscais no Orçamento, implicaria uma tão grande mudança e, porventura, uma mudança tão incomportável para os nossos modos de funcionamento que, verdadeiramente, ninguém colocou essa hipótese em cima da mesa e os grupos de trabalho que, no âmbito da reforma fiscal, ponderaram soluções possíveis para esta questão não chegaram, formalmente, a aventar, sequer, tal hipótese como hipótese consistente.
Resta, então, o reino das pequenas mudanças. E essas mudanças, apesar de pequenas, não são irrelevantes. Por um lado, clarificou-se, de forma absolutamente inequívoca, o princípio da anualidade do Orçamento, que era obtido na vigência do texto actual por subtis e complexas hermenêuticas e agora é proclamado de forma absolutamente cristalina e inequívoca, por outro lado, alargou-se a extensão das obrigações relatoriais na preparação do Orçamento e na sua submissão à Assembleia da República e, por fim, clarificou-se que tudo o que diz respeito à concepção do enquadramento e da arquitectura orçamental deve ser inserido na zona mais nobre das competências legiferantes da Assembleia da República.
Se articularmos estas alterações com o disposto no artigo 90.º, em matéria de planeamento, de elaboração e execução de planos, teremos o retrato desta revisão constitucional: sintética e comedida. O nosso problema não é tanto de arquitectura constitucional mas, sim, de mais eficácia da administração fiscal, de mais eficácia na preparação orçamental e de mais eficácia do Parlamento na discussão e no controlo orçamental, aspecto de que não se fala neste artigo.
O resultado é, portanto, sóbrio. A tarefa está nas nossas mãos a nível infra-constitucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas deixar uma nota de congratulação em relação à proposta de alteração à alínea e) do n.º 3 deste artigo 109.º, que vem consagrar constitucionalmente as "transferências das verbas para as regiões autónomas e as autarquias locais", em sede de Orçamento do Estado.
Gostava de recordar aqui que desde 1979, com o primeiro diploma de finanças locais, e, mais tarde, em 1987, esta foi uma prática que veio sendo introduzida e, por isso, melhorada desde que definido o primeiro regime financeiro autárquico. Muito nos satisfaz que agora ela passe a ser, também, prática constitucional.
De resto, aproveito para recordar que, na própria lei do Orçamento, o PSD entende já hoje que, para além da prática que veio seguindo, nos últimos anos, de desagregação em termos de verbas, bem poderemos chegar a uma discriminação entre autarquias, locais, isto é, em sede de lei do Orçamento deve constar a indicação não apenas das verbas a transferir para os municípios mas, também, para as freguesias. Ou seja, neste contexto, deve ser dada igual importância aos dois tipos de autarquias existentes. Só assim haverá, no âmbito da discriminação financeira, o conhecimento claro e inequívoco da responsabilidade de qualquer Governo em matéria de transferências de verbas para os diferentes tipos de autarquias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para urna intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de fazer algumas observações sobre a proposta de aditamento de um novo número ao artigo 109.º. Este aditamento parece-me insusceptível de ser aceite por parte do Grupo Parlamentar do PSD porque, a ser aprovado, retiraria à Assembleia da República a possibilidade de discutir o Orçamento.
Com efeito, é o Governo que toma a iniciativa de apresentar uma proposta de Orçamento, mas o Orçamento é uma lei e, como tal, é um produto da Assembleia da República - que das alterações introduzidas pelos Deputados nessa proposta de lei sejam retiradas leituras políticas por parte do Governo ou por parte dos grupos parlamentares, isso é um aspecto que não tem de ficar consagrado na Constituição. Mas a verdade é que não se trata de um decreto-lei mas, sim, de uma lei que é obra

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desta Assembleia, a partir de uma proposta originária do Governo, pelo que penso que é impensável retirar aos Deputados a possibilidade de apresentarem propostas de alteração a essa proposta de lei.
Mais: a forma como está restringida essa possibilidade de os Deputados apresentarem propostas de alteração, só por si, seria inaceitável, porque qualquer alteração que envolva aumento de despesa só poderia ter como contrapartida um aumento de receita, isto é, já nem se aceita que esse aumento de despesa pudesse ter como contrapartida uma outra redução de despesa, teria de ser por via da receita!
Por outro lado, num Orçamento, a receita é uma previsão, como de resto a despesa, em relação à qual os Deputados têm menos elementos para poder fazer correcções. Portanto, qualquer proposta de alteração de despesa que tivesse como hipótese uma alteração de receita seria sempre uma forte demagogia, porque ela redundaria ou na correcção da previsão da receita para a qual não temos elementos ou, provavelmente, pior do que isso, em propostas de alienação de património, cada vez que quiséssemos apresentar uma proposta de alteração de despesa - nada melhor do que apresentar uma proposta de alteração de despesa e, como contrapartida, por exemplo, vender a TAP!
Posto isto, Sr. Presidente, julgo que esta proposta não encerra apenas um problema de redacção mas, sim, um problema de princípio. A Assembleia da República não pode abdicar do papel nobre que tem de produzir a lei do Orçamento, que não é um decreto-lei, porque se assim fosse, então, talvez pudéssemos pedir a sua ratificação e fazer pequenos ajustamentos. Mas não é um decreto-lei, é uma lei.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, escolho esta figura regimental porque, há pouco, quando intervim, apenas me referi a uma alínea do n.º 3 e não ao n.º 4.
Da sua intervenção, resulta que é exacto que não se deve vedar aos Deputados a possibilidade de apresentar alterações à proposta de Orçamento que, em última análise, envolvam aumento do défice, por exemplo. Ora, poder-se-ia retirar do texto da proposta de alteração que tal não seria possível, já que uma das leituras possíveis era que, de facto, ao apresentar-se uma proposta de aumento de despesa, teria de haver uma indicação clara sobre onde se vai buscar a receita para cobrir essa despesa.
Embora admitamos a possibilidade de poder ser melhorada a sua redacção, o objectivo é claramente o de evitar que, durante um processo de discussão do Orçamento, se apresentem propostas - ao longo da minha curta experiência, já tive oportunidade de presenciar situações desse tipo -, de forma maciça e sucessiva, sem se indicar claramente qual a contrapartida para essas despesas, isto com a flexibilidade natural que pode e deve haver. De facto, posso defender um Orçamento com um défice não de 2,5% mas de 4 ou 5%, se entender que tal valor não é contrário à política que preconizo.
Todavia, penso que terá de haver alguma melhor definição do tipo de receitas que terão de apresentar para fazer face às despesas - e não serão, com certeza, receitas decorrentes da venda de activos, como a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite referiu, de património ou de privatizações!
Esta é, portanto, uma norma que gostaríamos de ver introduzida, eventualmente melhorada, para que, em sede de discussão na especialidade de um Orçamento do Estado, não fosse possível apresentar-se, em catadupa, propostas de aumento de despesa, sem que houvesse a contrapartida da indicação do local onde se vai buscar a receita. Isto, sob pena de, tal como já aconteceu aqui recentemente, estarmos a entrar numa discussão irrealista, se quiser, ou, eventualmente, não construtiva, porque não conduz, necessariamente, a uma solução exequível, para além do grau de flexibilidade que considera desejável, e com o qual também concordo, e da maior correcção que representa a indicação do local onde se podem encontrar as receitas.
Portanto, ao fazer este tipo de pedido de esclarecimentos, estou, talvez, mais a esclarecer do que a pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada, mas, já agora, gostava de saber se não vê como compatibilizar esta ideia, e julgo que me fiz entender, com aqueles que são os argumentos de carácter técnico que apresentou.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Galvão Lucas, quanto à sua questão sobre se deverá, no fundo, ser permitido fazer propostas de alteração que agravem o défice, digo-lhe o seguinte: por que não? Por que não? Qualquer Deputado, nesta Casa, qualquer grupo parlamentar tem o direito de o fazer, com as respectivas consequências políticas, Sr. Deputado.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Claro!

A Oradora: - Se houver um grupo parlamentar que faça propostas de alteração que agravem muito o défice do Orçamento proposto pelo Governo, alguém será, com certeza, politicamente punido por esse motivo. Se houver propostas consideradas irresponsáveis, com certeza, politicamente, alguém será punido.
Mas, Sr. Deputado, a minha intervenção não introduz nenhum elemento de natureza técnica, introduz simplesmente elementos de natureza política. O Orçamento do Estado é uma proposta de lei da qual sai uma lei, obra desta Assembleia, e não podem os Deputados, de forma nenhuma, ter qualquer tipo de limitação na elaboração dessa lei.
Estou de acordo com a existência da lei-travão, que, no fundo, impede que os Deputados possam fazer esse tipo de propostas de alteração no decurso da execução do Orçamento, porque, como é evidente, não se pode, de repente, alterar a política que o Governo está a seguir, de acordo com o Orçamento que tem, mas relativamente à proposta de lei de Orçamento, Sr. Deputado, com a sua proposta, redigida assim ou assado, diria que a Assembleia da República deixava de ter competência em matéria orçamental. E, na verdade, não podemos estar limitados absolutamente por nada, a não ser por motivos de natureza política e quanto a estes cada um os assumirá da forma como entender.
Portanto, Sr. Deputado, qualquer limitação na discussão do Orçamento retira a esta Assembleia um dos momentos nobres que lhe compete, que é o da discussão do Orçamento.
Na fase de execução do Orçamento, se o Sr. Deputado quiser propor mais alterações além da lei-travão, po-

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demos ponderar; no entanto, na fase de preparação do Orçamento, entendo que nenhuma limitação pode ser imposta a esta Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um princípio que vem das Cortes!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há momentos, neste debate da revisão constitucional, em que olho para a Mesa e sinto que o Sr. Presidente gostaria de estar aqui, do nosso lado, a discutir esta matéria. E estou convencido de que se estivesse não poderia aprovar esta proposta do PP, curiosamente, apoiada pelo Partido Socialista. Aliás, quase juraria que, se o Partido Socialista estivesse na oposição, também não apoiaria esta proposta do PP.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Obviamente!

O Orador: - É que esta proposta do PP, apoiada pelo Partido Socialista, a ser aprovada e constitucionalizada, significaria, pura e simplesmente, a expropriação dos poderes orçamentais da Assembleia da República. Ora, a lei orçamental é da competência exclusiva da Assembleia da República, mas o PP e o PS querem transformar aquele que é o resultado do debate político, da condenação ou do apoio político dos eleitores às propostas que aqui sejam aprovadas ou rejeitadas, num travão constitucional à liberdade e aos poderes constitucionais da Assembleia da República numa matéria tão nobre e tão importante. É evidente que a aprovação desta proposta significaria que, praticamente, nada mais poderíamos fazer aqui do que dizer "sim" ou "não" àquelas que são as traves-mestras fundamentais das propostas do Governo.
Mas, mais, Sr. Deputado Galvão Lucas, e a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite já teve oportunidade de o referir: suscita-se aqui uma questão política de fundo e também uma questão técnica. E, tecnicamente, penso que esta proposta até está mal redigida. Vejamos: mesmo que valesse o princípio que está inscrito na proposta, e não vale, por que é que um Deputado que, amanhã, quisesse fazer uma proposta que envolvesse aumento de despesas, teria, necessariamente, de propor um aumento de receitas e não poderia diminuir despesas? Qual é, digamos, a lógica técnica desta proposta? Isto, sem prejuízo de estarmos, obviamente, em completo desacordo quanto à questão de fundo e de estarmos apenas a falar no terreno em que os senhores se colocam.
Por outro lado, fazer depender o debate e a votação do Orçamento dos défices orçamentais pretendidos pelo Governo, submeter a intervenção dos Deputados à necessidade de respeitarem os défices pretendidos pelo Governo significaria, já não direi pôr o défice na dependência de Maastricht, como o PP propõe noutro momento do Orçamento, mas a governamentalização de todo o processo orçamental da Assembleia da República. Isto, obviamente, é uma proposta inaceitável, que colide com a nossa autonomia, com a independência da Assembleia da República, com o poder exclusivo que a Assembleia da República tem sobre o Orçamento e cujo balanço e leitura política têm de ser feitos pelos eleitores e não por um travão constitucional como aquele que os senhores propõem.
Congratulamo-nos por a proposta não ter merecido maioria qualificada, mas sublinhamos o facto curioso de o Partido Socialista ter acompanhado esta proposta do PP.
Por último, Sr. Presidente, também não quero deixar de me congratular com o facto de a Constituição consagrar, no mesmo plano de outras normas, a transferência de verbas para as autarquias locais. Penso que é um princípio positivo que retiramos da prática e da legislação ordinária para a sua constitucionalização.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a' sua intervenção foi clara e, portanto, o meu pedido de esclarecimentos tem um pouco a ver com a intervenção da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite e não com aquilo que disse.
É óbvio que a nossa intenção não era a de coarctar a possibilidade de um Sr. Deputado fazer propostas no sentido de aumentar o défice ou, enfim, a de retirar, em última análise, a esta Câmara a possibilidade de propor ou elaborar o Orçamento que muito bem entender, com o tal preço político que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite referiu.
Portanto, antes de suscitar o problema técnico quê o Sr. Deputado equacionou, e relativamente ao qual não tenho qualquer problema em reconhecer que tem alguma lógica - podem encontrar-se compensações do lado da receita mas também se podem encontrar compensações através da redução da despesa -, a questão está em saber se tem ou não o entendimento político que temos, ou que, pelo menos, eu tenho, de um processo de discussão do Orçamento. É que, a manter-se a posição que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite aqui defendeu, estamos, em última análise, a permitir que uma proposta de alteração do Orçamento equivalha a um voto contra o Orçamento. Mas é uma liberdade que VV. Ex.as entendem que esta Câmara deve ter, mesmo para além de tudo o que é admissível, mesmo para além de tudo o que é realista, baseada numa sucessão de propostas não justificadas em algo parecido com aquilo que propomos. VV. Ex.as consideram isso aceitável e legítimo e, portanto, é alguma coisa que não deve ser coarctada.
Pergunto: é esse o entendimento do Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Galvão Lucas, nestas coisas, os adjectivos contam. Penso que, relativamente ao debate do Orçamento, não é adequado usar expressões tão subjectivas como "propostas irresponsáveis" e "propostas irrealistas", porque estamos em sede de um debate particularmente importante, que resulta na definição e aprovação do conjunto das despesas e receitas anuais do País. E este é um poder exclusivo da Assembleia da República! Isto é, no momento em que o Governo elabora a sua proposta de Orçamento e a entrega na Assembleia ela passa a ser uma proposta que está na Assembleia e que virá a ser uma lei da Assembleia, que tem competência exclusiva nesta matéria. O que o Governo terá de fazer, no caso de ter maioria relativa ou mesmo tendo maioria absoluta, é um processo de debate político e de negociação política,

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considerando ou não as propostas apresentadas pelos vários partidos representados na Assembleia da República. A conclusão desse processo é uma conclusão política: ou o Governo as aceita ou não aceita e, se não aceita, tem mecanismos para expressar a sua não aceitação, como a apresentação de uma moção de confiança ao Plenário e, eventualmente. no limite, a provocação de eleições antecipadas. Agora, o que não podemos, a pretexto disso, é coarctar de tal modo os poderes orçamentais da Assembleia da República que afectemos profundamente o poder legislativo numa matéria tão fundamental como a do Orçamento do Estado.
Esta é uma questão central da nossa intervenção legislativa e o balanço político dessa intervenção é tirado por cada um, isto é, tira-o o Governo, tira-o a oposição e tirá-lo-ão os eleitores. Esse é que é o caminho justo, o caminho justo não é coarctar e colocar a Assembleia da República na dependência dos objectivos programáticos do Governo, como sejam os défices que o Governo estabelece. Por que razão é que se o Governo estabelece um défice de 2,6 a Assembleia não pode aumentá-lo para 2,7 ou diminui-lo para 2,3? Por que é que não o poderá fazer? Esta é uma opção política da Assembleia e de que a Assembleia não deve largar mão.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo indica que não haverá nenhuma alteração em matéria de poderes orçamentais e de margem de manobra orçamental parlamentar.
Há Constituições outras onde soluções deste tipo são aventadas, designadamente a Constituição germânica, por razões que têm a ver com os chamados factores de governabilidade. Na Constituição portuguesa isso não acontece, mas também é bom de ver que o quadro que existia em 1976 não existe hoje e a liberdade existente neste domínio é uma liberdade que é, cada vez mais, consciência das possibilidades e necessidades. E ninguém, seguramente, é alheio a isso! O Orçamento não é uma página em branco para ninguém, mesmo para os mais extremos partidos de oposição.
Estamos numa era em que as palavras viajantes incluem expressões como "pacto de estabilidade", "planos de convergência", "fiscalização conjunta por parte das estruturas da União Europeia em relação ao exercício orçamental com vista à realização de metas comuns", etc. Assim é, e tudo indica que assim será!
Dito isto, governaremos, governará quem governar, sempre no quadro que está actualmente gizado, o que significa que quem perturbar os equilíbrios, quem perturbar os défices, sem avançar com alternativas, goza daquilo a que chamaria uma liberdade de Pirro, porque pode ter a obrigação de ser Governo para executar a "cama" orçamental onde quis "deitar" outros e pode acabar "deitado". Mas isso faz parte das regras do jogo democrático!... Já assim era e continuará a ser, todos estamos extremamente cientes disso e perfeitamente activos e preparados para todos os cenários.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão das alterações relativas ao artigo 109.º.
Parece haver consenso no sentido de procedermos à discussão das alterações relativas ao artigo 33.º, que ficou suspensa, com a formulação das propostas 88-P, apresentada por Deputados do PS e do PSD, e 90-P, apresentada por Deputados do Partido Comunista.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 33.º, um dos artigos que foi abordado com mais mediatização durante a primeira fase dos trabalhos da CERC, tem a ver com a alteração dos mecanismos de extradição.
Como é sabido, hoje em dia, existem problemas internacionais com o combate ao terrorismo, bem como com o combate a formas de criminalidade internacional organizada, que são hoje preocupações essenciais dos Estados modernos e são causa dos principais focos de criminalidade violenta que existem um pouco por todo o mundo civilizado. E evidente que Portugal não podia estar à margem do processo de cooperação judiciária que tem vindo a desenvolver-se sobre esta matéria, designadamente no contexto da União Europeia e, por essa razão, foi avançado um conjunto de propostas que tinham por único objectivo flexibilizar o texto constitucional, no sentido de permitir ao legislador ordinário, nomeadamente ao Estado português, lato sensu, a negociação e a adesão a convenções internacionais que tivessem por objectivo o combate mais eficaz a esses fenómenos, hoje em dia tão dramáticos, como são o terrorismo e a criminalidade internacional organizada.
Nunca esteve minimamente na intenção de qualquer das propostas presentes na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, ao contrário do muito que para aí se disse e se escreveu - seguramente por pessoas menos informadas, -, permitir a extradição de cidadãos que fossem enfrentar, no Estado requisitante, julgamentos que tivessem por objectivo a pena de morte. Nunca foi esse o objectivo de nenhuma das propostas, sempre houve, ao invés, a preocupação, por parte dos Deputados da Comissão Eventual para Revisão Constitucional, de salvaguardar no texto constitucional a não admissibilidade de extradição quando não houvesse garantias de que uma semelhante pena não seria aplicada ao cidadão em causa. No entanto, são conhecidas as posições que, publicamente, foram assumidas sobre esta matéria. Valha a verdade que, do lado do PSD, houve, até ao último momento, relativamente a esta matéria, dúvidas sobre, em qualquer circunstância, mesmo com garantias, admitir a possibilidade da extradição para países cujas ordens jurídicas contenham a pena de morte. Foi possível, já depois do acordo político, uma reapreciação desta questão, feita de modo sério, com a audição das entidades e das autoridades responsáveis e politicamente envolvidas nesta matéria ao nível do Estado, e saiu uma nova redacção, que é a que temos agora para discussão no Plenário, a da proposta 88-P.
Nesta proposta, há um avanço significativo que, em nome do PSD, não quero deixar de frisar e que tem a ver com, a par do afastamento liminar de quaisquer hipóteses de extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, a pena de morte, o afastamento liminar de situações de extradição a que corresponda uma qualquer pena de que resulte lesão irreversível da integridade física. Todos sabemos como, em alguns países, existe ainda a barbárie de penas criminais que implicam mutilações, sejam castrações em situações de crimes

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de violação, sejam amputações de membros em crimes de roubo, situações perfeitamente desumanas a que, ainda hoje, repito, assistimos em alguns países. Por essa razão, e dada a lógica da irreparabilidade deste tipo de penas, em paralelo com o problema que se coloca também na pena de morte - todos sabemos que a execução desse tipo de penas implica algo de irreparável e de completamente inadmissível à luz dos direitos humanos -, este avanço parece-nos muito significativo e, dado que não constava de nenhuma das propostas iniciais, o PSD honra-se e orgulha-se de ter sido possível encontrar o entendimento em torno desta matéria.
Para além disso, termino explicitando que, face à tal polémica que se gerou na sociedade portuguesa, também houve oportunidade de deixar claro que em todas essas situações de extradição, quer de cidadãos portugueses, quer de outros cidadãos, por crimes a que correspondam penas que não sejam pena de morte nem de que resulte lesão irreversível da integridade física seja sempre necessário existir uma convenção internacional a que Portugal tenha aderido, convenção internacional, essa, que salvaguarde, por um lado, o princípio da reciprocidade entre os dois países, entre as duas ordens jurídicas, e, por outro, o princípio de que, quando esteja em causa a extradição de cidadãos portugueses, tenha de haver, ao abrigo dessa convenção internacional, a garantia de que o julgamento terá sempre um procedimento que respeite a justiça e a equidade em termos processuais. E a forma conhecida, como os Srs. Deputados sabem, em termos de Direito Internacional, do due process of law, a chamada regra de garantias de defesa, que salvaguarde, em todas as instâncias, sempre, todos os mecanismos possíveis de defesa de um qualquer cidadão acusado de um crime dentro da lógica de que existe uma presunção de inocência até prova cabal em contrário.
Portanto, é esta a proposta final que surge, felizmente, por entendimento já consagrado entre o PSD e o PS, o que possibilita a sua concretização em termos de Constituição. Parece-nos um verdadeiro avanço que irá permitir, sem transigirmos em nenhum dos valores essenciais que estão presentes numa matéria tão delicada como esta, a adesão de Portugal a mecanismos internacionais de combate a crimes de terrorismo e criminalidade organizada lato sensu. Sem nunca transigirmos em nenhum dos valores essenciais que estão presentes numa matéria tão delicada como esta, insisto, mas permitindo uma cooperação judiciária que salvaguarde os interesses de Portugal e, em primeira linha, que salvaguarde também a segurança, que é uma das questões fundamentais em termos dos direitos humanos e tantas vezes, hoje em dia, descurada, infelizmente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca, ao longo deste processo de revisão constitucional, nem antes dele e estou convencido de que também tal não ocorrerá depois dele, se ouviu a voz de um Deputado a admitir que se pudesse consignar qualquer solução de extradição para que o eventual extraditante fosse, em qualquer Estado terceiro, submetido a pena de morte. Sempre nos orgulhámos da circunstância de a pena de morte ter sido banida da história constitucional e criminal portuguesa, sempre nos orgulhámos da circunstância de termos sido, nessa matéria, um exemplo para o mundo civilizado e não seria, seguramente, desta vez que aceitaríamos decair de tal propósito. Não aceitamos a pena de morte na ordem jurídica interna, não colaborámos nem colaboraremos nunca com qualquer solução que admita a pena de morte a título de regime-regra ou, mesmo, a título excepcional. Por isso mesmo a solução originária do acordo PS/PSD encarou uma fórmula que jamais admitiria que qualquer cidadão que fosse objecto de extradição pudesse ser subordinado a pena de morte. No entanto, essa solução veio a confrontar-se com algumas perplexidades e - por que não dizê-lo também com verdade? - com algumas interpretações claramente erróneas.
Porque a Constituição não deve ser apenas um programa jurídico mas deve ser também, do ponto de vista simbólico, um elemento referencial para a coesão nacional, e dado que, neste domínio, algumas perplexidades nos pareceram excessivas, sempre se nos afigurou adequado fazer um esforço e um trabalho de revisão das soluções em torno do artigo 33.º, para que, por um lado, não subsistissem quaisquer ambiguidades interpretativas relativamente às soluções que viessem a ser fixadas mas, por outro lado, não fechássemos os olhos à problemática da criminalidade internacional, que exige também uma resposta adequada do Estado português no âmbito do Estado de direito em que nos inserimos.
Por isso, foi com muito gosto que, no quadro da CERC, tive a possibilidade de, com os Deputados que dela fizeram parte, promover uma série reflectida de audiências a um conjunto de entidades institucionais e a outras personalidades independentes da vida pública portuguesa, no sentido de podermos reflectir em conjunto sobre as melhores vias de solução. Desde membros do Governo, como o Ministro da Presidência e o Ministro da Justiça, até eminentes responsáveis, como o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o Presidente do Tribunal Constitucional, desde personalidades independentes até representantes de instituições da sociedade civil ligadas à problemática da protecção dos direitos fundamentais ou, ainda, à Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, a todos pudemos conceder a palavra que, naturalmente, era um direito de cidadania - e reflectir em conjunto sobre uma solução compatível.
Por isso me congratulo, em meu nome pessoal e, seguramente, também em nome da bancada do PS, de que essa solução, partilhada certamente por um consenso alargado nesta Câmara, possa agora ser objecto de apreciação. Com ela, fica inteiramente claro que não é admitida - como, aliás, nunca se quis que fosse - a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, a pena de morte. E temos agora até a possibilidade de ir mais longe, no sentido de acrescentar algo que (permitam-me que agora o refira) já se encontra mais próximo da própria solução originária do projecto do PS e que são as situações em que possa resultar lesão irreversível da integridade física.
Admite-se também, noutro plano, e feitas estas salvaguardas, que, para todos, prevalecerá a possibilidade de extradição de cidadãos portugueses mas em condições extremamente restritivas. Em primeiro lugar, na base de uma reciprocidade estabelecida por via de convenção internacional; em segundo lugar, exclusivamente nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada; em terceiro lugar, desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias ligadas à protecção dos direitos humanos como são as de um processo justo e equitativo.

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É neste quadro de soluções, acrescidas àquelas que vêm admitir que na extradição por crimes que, eventualmente, pudessem corresponder a pena perpétua, no caso dos países que a requeressem, também aí se assegure, necessariamente, que haja possibilidade de vir a superar esse tipo de pena para que ela não tenha essa natureza de pena perpétua, já que, nesse domínio, teria contradição com a ordem penal portuguesa, e é na similitude com a ordem penal portuguesa e, naturalmente, também na base de soluções de reciprocidade estabelecidas por via convencional que se há-de podes encontrar a melhor solução.
A prova deste artigo é a de que, efectivamente, do diálogo - quando este é bem conduzido - pode nascer a luz. E a luz que ilumina a proposta do artigo 33.º é, a todas as luzes, bem o acredito, uma solução que dignificará a Constituição da República Portuguesa na melhor tradição da protecção dos direitos do Homem, sem qualquer desresponsabilização do Estado naquilo que também lhe incumbe de combate à criminalidade internacional.

Vozes do PS e dos Deputados do PSD Barbosa de Melo e Mota Amaral: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Primeiro que tudo, queria dizer que o PP vê com grande satisfação a forma final que tem a redacção deste artigo 33.º. Tivemos ocasião de receber a delegada em Portugal da ACNUR, os delegados da Amnistia Internacional, os delegados da Justiça e Paz e, bem ou mal, a verdade é que pairava um receio muito grande de que a Constituição da República Portuguesa, por força de acordos internacionais ultimamente estabelecidos, viesse a violar um princípio fundamental do nosso ordenamento moral, que é o respeito, em qualquer circunstância e contra tudo, pela vida humana, pela dignidade humana.
Exactamente por causa deste artigo, o meu partido mandou-me, pela primeira vez, à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, da qual eu não fazia parte mas onde fui, precisamente, repito, por causa deste artigo.
Quando se discutiu esta matéria foi dito que o problema já não existia. Porém, isso significa o seguinte: se já não existia, então é porque alguma vez esteve em risco de existir. De qualquer maneira, não fui eu quem disse que já não existia - aliás, até posso recordar quem disse isso -, mas, repito, se não já existia é porque esteve em risco de existir!
Sr. Deputado Jorge Lacão, não estou muito de acordo consigo quando disse que a discussão acendeu a luz. Eu diria que a discussão impediu que se apagasse a luz. É que a luz, felizmente para Portugal, estava acesa há muitos anos, pois nós fomos pioneiros de algumas das grandes conquistas da dignidade do Homem. Convém não esquecermos isso!
É evidente que a Assembleia da República também tem de demonstrar alguma coragem ao redigir desta forma o artigo 33.º e ao estabelecer os limites que, de algum modo, poderão ser entendidos como contraditórios ou limitativos de acordos internacionais. Mas não nos doam as mãos, porque há certas determinações que, quando violam a consciência colectiva, são para não respeitar, mesmo que seja através da Constituição.
Em boa hora assim aconteceu e isto não nos responsabiliza em relação ao flagelo que hoje percorre o mundo inteiro, em particular a Europa, ou seja, o terrorismo; antes pelo contrário, isto cria-nos maior obrigação em relação ao terrorismo e à ajuda à sua limitação e eliminação.
Exactamente porque essa luta é em favor da dignidade dos homens e pelo respeito pela sua integridade física é que ela nunca poderia ser feita usando as armas que queremos combater, isto é, nunca poderia ser feita permitindo mutilações, supressões da vida humana, supressões para todo o sempre da liberdade dos homens.
Teríamos, pois, de encontrar outras formas de mostrar a nossa fidelidade e a nossa boa qualidade de parceiros internacionais de determinados países que sofrem dolorosamente o problema da criminalidade organizada e do terrorismo. Creio que conseguiremos encontrá-los e para isso contribuirá a afirmação que a Assembleia da República faz de respeito pelos princípios fundamentais.
De qualquer maneira, quero dizer que o PP se sente, de algum modo, também responsável por esta redacção para o artigo 33.º, pelo que votá-lo-emos favoravelmente, embora - não sei bem em nome de que diálogo! - não tenha sido pedido que puséssemos nele a nossa assinatura, mas a verdade é que nos batemos por esse princípio.
Em todo o caso, com ou sem assinatura, a nossa alma e essência como partido democrático está também contida nesta redacção.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, assinalar que estamos em condições de discutir o artigo 33.º, mas não havíamos sido consultados para a obtenção do consenso que o Sr. Presidente referiu.
Quero, pois, registar este facto, mas ....

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se exigisse consenso, poderíamos nunca vir a discutir a proposta.

O Orador: - Não temos objecção, Sr. Presidente, mas, como V. Ex.ª anunciou que havia consenso de todas as bancadas, quero registar que a minha não foi consultada. De qualquer forma, estamos em condições de discutir esta proposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero assinalar que estamos, de facto, perante um recuo nos termos do acordo subscrito entre o PS e o PSD, e ainda bem que esse recuo aparece, pois é positivo e, digamos, evita, desta forma, aquilo que poderia ter sido um retrocesso histórico de grandes proporções. É que Portugal, há 130 anos, aboliu a pena de morte e assumiu um papel de vanguarda nesta matéria e tantos anos depois veio admitir extraditar cidadãos ameaçados de aplicação da pena de morte, isto apesar de uma formulação vaga de garantias que chegou a ser alvitrada no texto, que foi tornado público, do acordo entre o PS e o PSD.
Na verdade, nesse texto dizia-se que essa extradição "deve poder ser admitida se ao Estado português forem dadas garantias consideradas suficientes de que a pena ou medida de segurança será substituída por outra de duração limitada ou por qualquer outra forma não executada". Portanto, admitia-se uma excepção a este princípio que, quanto a nós, deve ser respeitado enquanto questão de princípio, que é o de não extraditar cidadãos que, segun-

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do o direito do Estado requisitante, possam ser sujeitos à pena de morte.
Assim, nesta matéria, verifica-se que as intenções expressas no texto do acordo assinado entre o PS e o PSD não vão ser levadas à prática e por isso não serão texto constitucional, e ainda bem!
Trata-se não só de uma proposta mas também do reconhecimento de que a argumentação utilizada por alguns Deputados do PS, na CERC, caiu pela base, porque, de facto, aquilo que foi apresentado para fundamentar o acordo entre o PS e o PSD - e que foi, aliás, reafirmado na presença do Sr. Ministro da Justiça numa reunião expressamente convocada para o efeito - foi que, se tal proposta não fosse levada à prática ou não fosse traduzida no texto constitucional, Portugal ficaria numa situação embaraçosa no plano internacional relativamente a compromissos que teria assumido. E, mais do que isso, Portugal tornar-se-ia numa espécie de refúgio dos mais perigosos criminosos e ficaria, por esse motivo, sujeito à condenação da generalidade da comunidade internacional ou, pelo menos, dos países civilizados.
Tudo isto foi dito abundantemente na CERC e, portanto, consideramos importante que este recuo seja dado e que se reconheça que, afinal, essa argumentação não tinha razão de ser, pois nada justifica que fosse admitida na Constituição Portuguesa a extradição de cidadãos sujeitos à pena de morte segundo o direito do Estado requisitante.
No entanto, há outros aspectos relativos à extradição que importa referir e que são, para nós, motivo de discordância relativamente à proposta apresentada hoje pelo PS e pelo PSD.
O primeiro aspecto respeita, desde logo, ao tratamento a dar à pena de prisão perpétua ou a qualquer pena de duração ilimitada. Lembro-me que este é um dos pontos que, no projecto originário do PS, era considerado como motivo de recusa de extradição e entendemos que tal se justifica, de alguma forma por razões um pouco análogas às que presidem à não admissão da extradição por crimes a que corresponda a pena de morte.
. Em todo o caso, digamos que a situação não é idêntica, pois, de facto, a protecção de cidadãos sujeitos a pena de morte tem a ver com o valor definitivo da vida; de qualquer forma, a não admissão por Portugal da prisão perpétua deve significar também um empenhamento no plano internacional para abolição dessa sanção penal, ou seja, prisão perpétua ou penas de duração indeterminada ou indefinida.
Portanto, a não admissão de extradição nesses casos seria também um elemento de militância a favor dessa causa. Aliás, por essa razão, apresentámos hoje uma proposta idêntica à que os Deputados do PS apresentaram na CERC, que foi a de considerarem, na sequência do debate da primeira leitura, que deveriam contemplar na sua proposta a prisão perpétua. Fizeram-no com o nosso apoio e formalizaram uma proposta nesse sentido que, pensamos, é válida e por isso a retomámos em Plenário.
Outra questão respeita à extradição de nacionais. Aqui importa reter que, no fundo, a argumentação que se invoca para passar a permitir a extradição de nacionais - e o texto apresentado pelo PS e pelo PSD tem uma formulação eufemística, pois diz, no n.º 1, que "não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional", retirando-se daqui a palavra extradição, e depois passa a admitir-se, em determinadas circunstâncias, a extradição de cidadãos portugueses, o que significa que a extradição de cidadãos portugueses não é admitida a não ser nos casos em que o é! - é a mesma que os senhores utilizaram para justificar, a determinada altura, que também nos casos em que correspondia pena de morte pudesse haver extradição.
Portanto, se essa argumentação caiu pela base num dos casos, também não tem razão de ser para justificar a extradição de cidadãos nacionais. Aliás, ainda há poucas semanas, tomámos conhecimento, pela comunicação social, do caso do julgamento de um cidadão português encontrado em Portugal que tinha cometido um crime em França e que foi severamente condenado por um tribunal português, não tendo sido necessária, de forma alguma, a sua extradição para que ele pudesse ter um julgamento justo.
Por outro lado, também não se verifica que a não extradição de nacionais possa representar para Portugal qualquer embaraço internacional. De facto, o actual texto constitucional não viola qualquer compromisso internacionalmente assumido pelo Estado português, pois a própria Convenção Europeia de Extradição prevê que os Estados signatários possam formular reservas, tendo em atenção o respectivo direito nacional, para além de também prever expressamente o direito de cada Estado a não extraditar os seus nacionais, o que é, aliás, reivindicado pela esmagadora maioria dos países do mundo, e mesmo a Convenção dos Acordos de Shengen, que é muitas vezes citada como fundamento para a alteração constitucional pretendida, é_ aplicável sem prejuízo da Convenção Europeia de Extradição e no respeito pelas reservas que cada Estado lhe formulou, e também porque, como acabei de referir, é inteiramente falso que a não extradição signifique impunidade.
Segundo o Código Penal português em vigor, a lei penal portuguesa aplica-se a um vasto elenco de crimes praticados fora do território português, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado.
Portanto, não há argumentos válidos no sentido de admitir a extradição de cidadãos nacionais. Se um cidadão português encontrado em Portugal e procurado noutro país por um crime grave pode ser julgado em Portugal pergunta-se: por que razão há-de esse cidadão ser extraditado? A não ser que seja por falta de confiança nos tribunais portugueses! E por que razão há-de Portugal admitir excepções constitucionais à proibição da extradição de cidadãos nacionais, quando a verdade é que a esmagadora maioria dos países do mundo, incluindo os da União Europeia, não o faz?
Temos para nós que a resposta a esta questão tem a ver não propriamente com compromissos assumidos no plano internacional pelo Estado português mas, sim, pelo fundamentalismo europeísta de que o PS e o PSD tantas vezes dão provas de que basta que essa matéria esteja em discussão num qualquer órgão ou instância da União Europeia para irem a correr apresentar os seus prestimosos serviços e apresentarem-se como alunos bem comportados, limitando, dessa forma, a soberania dos Estados numa matéria tão importante e tão fundamental como é a da justiça e a dos assuntos internos.
Portanto, nós continuaremos a opor-nos a que se admita constitucionalmente a extradição de cidadãos nacionais, pois não vemos razão válida para que ela passe a ser permitida.
Concluiria, Sr. Presidente, fazendo referência a duas propostas apresentadas pelo PCP relativamente ao artigo 33.º que não dizem respeito propriamente à matéria da extradição mas a outras matérias que são tratadas neste artigo.

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Uma delas diz respeita à expulsão. Pensamos que a expulsão de cidadãos do território nacional deve ser decidida por uma autoridade judicial. É que, nas actuais circunstâncias, tendo em conta as limitações que têm sido introduzidas nos últimos anos em vários países europeus e também em Portugal, que negam, na prática, a muitos cidadãos que entram no território de um Estado europeu a possibilidade de apresentarem pedido de asilo, considerar que pode haver uma expulsão administrativa de um cidadão que tenha entrado em território nacional, a qual só não funcionará nos casos em que o cidadão tenha requerido o pedido de asilo, pode significar uma expulsão administrativa de um cidadão que deveria ser merecedor de protecção por parte do Estado português tendo em conta eventuais perseguições que sofra no seu país de origem. Temos muito receio que muitos cidadãos, a quem se justificaria a concessão do direito de asilo em Portugal, que entrem no nosso país e não tenham a possibilidade de apresentar o seu pedido de asilo sejam dele expulsos administrativamente.
Portanto, entendemos que o actual texto constitucional, neste ponto, deveria ser aperfeiçoado por forma a consagrar a necessidade de uma decisão judicial, que naturalmente deveria ser célere, que impeça a expulsão administrativa de cidadãos do território nacional.
Uma última proposta que apresentamos neste artigo diz respeito à concessão de asilo por razões humanitárias. É uma evidência que o actual texto constitucional não consagra essa possibilidade, a qual, tendo estado consagrada durante muitos anos na legislação portuguesa, deixou de o estar aquando da última revisão da lei de asilo realizada em 1993. Entre 1980 e 1993, existiu em Portugal um instituto legal que previa a concessão de asilo por razões humanitárias, designadamente, motivadas pela eclosão de conflitos armados nos países de origem dos requerentes de asilo.
Parece-nos que as razões que levaram à consagração legal desse direito em 1980 permanecem nos dias de hoje. Contestámos essa alteração em 1993, no que, aliás, fomos acompanhados por outros Srs. Deputados, designadamente, do Partido Socialista, aquando da discussão um tanto tempestuosa da alteração da lei de asilo, em 1993, e considerámos que não havia razões que justificassem uma alteração no sentido negativo do regime legal, que vinha de 1980, de conceder, nessas condições, o asilo em Portugal por razões humanitárias.
Aliás, entendemos que fazem sentido duas coisas. Em primeiro lugar, que legalmente essa possibilidade seja restaurada. Sabe-se que actualmente é possível, por razões humanitárias, que o Governo português utilize um poder discricionário de conceder uma autorização excepcional de residência a cidadãos que estejam nessas condições, mas isso não confere o estatuto de refugiado. Por isso, entendemos que deve ser concedido esse estatuto também por razões humanitárias. Em segundo lugar, entendemos que teria todo o sentido que a essa possibilidade fosse dada dignidade constitucional.
Nesse sentido, apresentámos uma proposta para que a Constituição da República Portuguesa consagre a concessão de asilo em Portugal por razões humanitárias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr.. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, primeiro que tudo, queria dizer que estou inteiramente de acordo em que a nossa Constituição, no n.º 7 do artigo 33.º, consagre o direito de asilo por razões humanitárias. Aliás, não entendia .muito bem que, quando foram as razões humanitárias que obrigaram à alteração do articulado nos números anteriores, se eliminassem as razões humanitárias para o direito de asilo. Todos nós sabemos que há razões políticas, mas também há razões humanitárias para conceder o direito de asilo. Portanto, conta com a nossa concordância para a sua proposta quanto ao n.º 7.
Quanto ao n.º 5 do mesmo artigo, aí já não estou de acordo consigo. E não estou de acordo consigo porque a sua alteração introduz o caso de quem, estando em Portugal, na realidade, não devia estar. Estou de acordo que todos aqueles que aqui estão não possam, uma vez que se acolheram ao abrigo do ordenamento jurídico português, ser expulsos a não ser através de uma medida jurídica. No entanto, para os que entraram à sorrelfa, os que não estão cá dentro a não ser de uma forma ilegítima porque não entraram legalmente, porque entraram iludindo a vigilância ou aproveitando a falta de vigilância das fronteiras nacionais ou porque pediram asilo e não lhes foi concedido porque não foi reconhecida razão para isso, não vejo razão nenhuma para que não possam, por uma pura e simples medida administrativa, ser reconduzidos ao seu direito natural, que é o de passearem pelo mundo mas não o de ficarem dentro das nossas fronteiras. Por isso, a vossa alteração, a meu ver e no meu partido, não se justifica.
Entendemos que se deve manter, porque é suficiente, a formulação que estava no actual n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Quanto ao n.º 7, pensamos que deveria ter outra forma referindo as razões políticas e humanitárias, porque, no fundo, o Sr. Deputado põe as humanitárias e retira as políticas. Não sei se há alguma razão escondida para isso, mas penso que são tão válidas umas como as outras e ambas devem ser tidas em conta.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra ó Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, congratulo-me pela concordância que expressou relativamente à concessão do direito de asilo por razões humanitárias. O motivo de não constarem nesse n.º 7 as Lazões políticas é porque elas já estão consagradas. A Constituição da República Portuguesa, noutro número deste artigo, considera como direito fundamental a obtenção de asilo em Portugal por razões políticas e daí o facto de termos autonomizado as razões humanitárias no n.º 7.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Deputado, como não sou jurista, preciso de uns esclarecimentos complementares.
Leio no actual n.º 7 o seguinte: "A lei define o estatuto do refugiado político" e no novo n.º 7, proposto pelo Partido Comunista Português, o seguinte: "A lei regula a

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concessão do direito de asilo por razões humanitárias". A meu ver, deu-se uma coisa mas tirou-se outra. Ou não será assim?

O Orador: - Sr. Deputado, o actual n.º 6 garante o direito de asilo mediante ameaça de perseguição cem consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana". Ou seja, aquilo que normalmente se chama a concessão de asilo por razões políticas e a que o Sr. Deputado aludia está consagrado no actual n.º 6, o qual, como não há nenhuma proposta de alteração, vai manter-se.
O actual n.º 7 diz: "A lei define o estatuto do refugiado político" e a nossa proposta é a de que este n.º 7 passe a n.º 8 e que o direito de asilo por razões humanitárias seja colocado entre as duas disposições citadas. Assim, creio que teremos condições para estar inteiramente de acordo nesta matéria.
A outra questão que referiu é pertinente e justifica que eu diga algo mais. Verificamos que existe actualmente, e com cobertura constitucional, a possibilidade de expulsão administrativa de cidadãos estrangeiros que tenham entrado irregularmente em território nacional. Pensamos que a diversidade de situações em que se tem verificado, particularmente nos últimos anos, a entrada irregular em território nacional carece de uma ponderação quanto se trate de expulsar todo e qualquer cidadão do território nacional. Aliás, o próprio legislador, e por unanimidade, considerou que para muitos cidadãos que há um anos atrás entraram em Portugal em situação irregular e que consolidaram a sua situação de ligação ao território nacional através da constituição de agregado familiar, de uma relação de trabalho estabilizada, se justificava uma medida excepcional no sentido da regularização dessas situações e ela verificou-se, pois já por duas vezes se procedeu, em termos legislativos, a uma tutela da situação de cidadãos cuja situação, não obstante terem entrado em Portugal irregularmente e estarem numa situação irregular, se justificava que fosse devidamente regularizada, a bem dos próprios mas também da comunidade nacional.
Portanto, permitir que todos esses cidadãos pudessem ser expulsos por mera decisão administrativa poderia criar situações de enorme injustiça e levar a expulsões administrativas de cidadãos que há muitos anos poderiam residir em Portugal, ter cá os seus filhos, ter cá a sua família, ter cá o seu emprego. Por isso justifica-se uma especial ponderação quando se trata de expulsar cidadãos.
Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa admite que não possa haver uma decisão administrativa nos casos em que tenha havido um pedido de asilo. Importa salientar que, havendo uma tramitação meramente administrativa quanto ao requerimento de asilo, se verifica também que muitos cidadãos que entram irregularmente em Portugal e noutros países da União Europeia...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou todos os limites. Tem de terminar.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, importa salientar que, havendo uma tramitação meramente administrativa quanto ao requerimento de asilo, se verifica também que muitos cidadãos que entram irregularmente em Portugal e noutros países da União Europeia não têm possibilidades práticas de requerer o asilo em Portugal, pelo quese impunha que, antes de uma expulsão sumária, pudesse haver uma apreciação judicial relativamente à sua situação. Isto porque a entrada de qualquer cidadão requerente de asilo é, por definição, uma entrada irregular e se isso não for considerado corre-se o risco de fazer com que muitos desses cidadãos não tenham sequer á oportunidade de pedir asilo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volto ao artigo 33.º no que concerne à extradição e à expulsão e vou focar três ou quatro pontos.
O primeiro é, como já foi aqui lembrado, para referir o texto inicial do acordo. Foi um texto que me surpreendeu, surpreendeu a generalidade dos membros da CERC e surpreendeu os próprios fautores do acordo. Sendo assim, foi fácil reabrirmos as audições, ouvirmos as mais relevantes personalidades para se pronunciarem sobre esta matéria e, enfim, repercorrer o processo para chegar a uma solução conforme com os princípios da nossa cultura tradicional e do nosso humanismo próprio nesta área.
Na verdade, vou repetir, porque é bom que fique claro, que, no texto inaugural, permitia-se que houvesse extradição por crimes a que correspondesse no direito do Estado requisitante pena de morte, desde que o Estado desse garantias de que a não ia executar.
Isto é contrário a toda a nossa sensibilidade neste domínio, tal como já foi aqui lembrado, e gostaria de o repetir.
Em meu entender, a única alteração que deveria fazer-se do artigo 33.º é referente ao n.º 3, que diria apenas isto: "não há extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física", mantendo-se a proibição constitucional de extradição relativamente a portugueses. Esta seria a minha proposta. Todavia, chegou-se a um outro acerto: em certos crimes, e só nesses - os casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada -, os portugueses podem ser extraditados. O princípio desta última versão já me parece aceitável.
Deste modo, os nossos juízes, em cada pedido de extradição, ficam obrigados a averiguar, em primeiro lugar, se existem condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional; em segundo lugar, se o crime que dá origem ao pedido de extradição é de terrorismo ou de criminalidade organizada, porque só em relação a estes hão-de consentir na extradição; em terceiro lugar, se o Estado que requisita a extradição tem, no seu direito processual, princípios que assegurem a sua justiça e equidade. São termos aqui indeterminados, que devolvem ao poder judicial uma larga margem de apreciação, mas que é conveniente existirem, para fazerem rodar as coisas na prática da vida.
Como se salvaguarda, nesta versão, aquilo que é essencial, subscrevi também esta proposta.
Esta proposta tem uma vantagem, porque houve - e deste vício padece a proposta do PS - uma generosidade excessiva por parte do nosso Tribunal Constitucional, que, a partir de uma proibição, a de que não há extradição em caso de pena de morte, por um excesso de "escuteirismo", acabou por identificar à pena de morte outras penas, nomeadamente a prisão perpétua. No entanto, ao fim e ao cabo, em poucos sistemas civilizados alguém está preso a vida toda. Vejam-se tantos casos, e célebres!...

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O Tribunal Constitucional foi longe demais e agora fica claro que, sendo caso de pena de morte ou pena que importe lesão irreversível da integridade física, entre elas a amputação, como já foi aqui lembrado, ninguém é extraditado, seja português, seja estrangeiro. É o princípio do humanismo do nosso Direito neste domínio. Nós outros casos, em que sejam aplicáveis penas de duração indefinida ou que envolvam a perda da liberdade com carácter perpétuo, poderá haver extradição se o Estado requisitante der garantias consideradas suficientes de que essa pena, que na nossa cultura é um tanto desumana, não será aplicada. Mais uma vez, fica devolvida à jurisprudência uma longa e rigorosa tarefa de integração neste domínio.
A partir do momento em que entre em vigor este preceito, ficará claro que os portugueses só poderão ser extraditados nestas duas condições: terem cometido um destes dois tipos de crime e não haver pena de morte ou lesão corporal irreversível no Estado requisitante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era apenas isto que gostaria de dizer. Termino, repetindo que, apesar de esta não ser a minha proposta, subscrevi-a.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive ocasião, na CERC, juntamente com o Sr. Deputado Alberto Martins, de introduzir o debate sobre necessidades decorrentes da construção de um espaço judiciário europeu, que poderiam ou deveriam levar, na leitura que fizemos e que foi compartilhada por outras bancadas, à alteração de alguns aspectos deste artigo.
Nesta circunstância, e estando dito o que já está dito, gostaria apenas de me congratular com o resultado e de fazer algumas observações.
Este artigo comporta uma mudança histórica, duas clarificações positivas e um aditamento virtuoso. É isto e apenas isto que comporta.
A mudança histórica é, obviamente, a que acabou de referir agora o Sr. Deputado Barbosa de Melo. Trata-se de uma mudança que implica a possibilidade de extradição de cidadãos portugueses, hoje proibida, ao mesmo tempo que se mantém a proibição absoluta de expulsão, que agora se separou em número autónomo, que será o primeiro na ordem narrativa constitucional.
Essa quebra de um princípio histórico, antigo e, no essencial, virtuoso, mas mantido no fundamental, é justificada por razões que, apesar dos cuidados, e por causa deles, que a redacção mereceu, devem ser sublinhadas.
De facto, nas condições modernas da criminalidade internacional, e sendo embora verdade que o Estado português pode e deve julgar, ao abrigo do artigo 5.º do Código Penal, quem, por alguma razão, não possa ser extraditados, a verdade é que a máxima eficácia punitiva não é atingível em processos complexos, nos quais estão envolvidos criminosos de múltiplas nacionalidades, sem um julgamento conjunto no sítio e pelo tribunal que é competente em razão do local do crime. Como é óbvio, Portugal poderia, em relação a um grupo terrorista que faça rebentar uma bomba em Espanha, julgar o português que, aí tendo estado, fugisse para Portugal. Mas, como é óbvio também, o Estado espanhol está em melhores condições de investigação e organização processual, de concatenação de factos e de julgamento de todos os implicados nesses crimes, e só nesses crimes, porque de outros não se trata neste artigo.
Portanto, estes crimes, não apenas de sangue mas que se rebelam contra valores principais, primordiais, das ordens jurídico-constitucionais e que são ameaças sérias à ordem, à estabilidade, à liberdade e à vida cívica normal, como agora se viu, tragicamente, no País Basco, não podem merecer o mesmo grau de protecção que outras situações jurídicas, apesar dos laços de sangue e da nacionalidade.
A construção de um espaço judiciário e jurídico europeu é, seguramente, feita entre Estados democráticos, Estados de Direito, nos quais há o processo justo e equitativo, o due process of law, que é a alma mater da garantia dos direitos e das liberdades de quem quer que seja, mesmo de quem cometeu um crime.
Congratulamo-nos, por isso, por ter sido possível uma redacção como a do n.º 3 deste artigo, que só admite extradição de portugueses em casos de terrorismo - e é de acções criminosas que se trata e não de um qualquer pensamento, pois não há crimes de pensamento, não há delitos mentais, trata-se de actos, acções concretas, em preparação ou em conjecturação, em desenvolvimento, em realização - e de criminalidade internacional organizada, conceito que a Constituição não desenvolve e que fica para o legislador ordinário, mas que tem limites e balizas claras, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante assegure garantias devidas de defesa, de protecção, ou seja, de liberdade e não de sancionamento arbitrário.
Há ainda outra mudança histórica, que é a proibição de extradição, em geral, quando o Estado requisitante não assegure a não aplicação de uma sanção que se traduza em lesão irreversível da integridade física. Isto hão decorria da redacção actual da Constituição, portanto, é um mais, uma benfeitoria clara, uma melhoria inequívoca. O PS tinha uma fórmula mais abrangente, que aludia a penas indignas, infamantes ou desumanas. Todavia, esta fórmula recolhe o essencial da nossa ideia de revisão constitucional, que ninguém desconhece, seguramente não o Sr. Presidente da Assembleia da República, que, noutra qualidade e com outro estatuto, teve ocasião de sugerir essa amplificação, o que é positivo e agora, no fundamental, é acolhido.
Passemos às duas clarificações. A primeira é muito importante, mas traduziu-se numa não alteração. Em matéria de pena de morte, como já foi dito, nunca passou pela cabeça de quem quer que seja nesta Casa decair da posição fundamental do Estado português, que proscreve a pena de morte e garante uma luta à escala internacional contra ela. Do que se tratou foi de saber se se devia ou não transpor para a Constituição, ipsis verbis, aquilo que é a orientação do Tribunal Constitucional, expressa inequivocamente em casos como o caso Varizo e outros. Concluiu-se, do debate, que tal não era necessário, pelo que se deixa imprejudicada a jurisprudência do Tribunal Constitucional neste ponto, com o exacto âmbito que ela tem, nem mais nem menos. E, neste ponto, divirjo do que disse o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Em segundo lugar, define-se bem e corrige-se, no n.º 5 deste artigo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional. O n.º 5 que nós propomos, e que vai ser votado amanhã, distingue-se da orientação do Tribunal Constitucional em vários pontos, desde logo porque este estendeu às penas de prisão perpétua o que a Constituição aplicava tão-só à pena de morte. Ao fazermos agora uma aclaração cristalina, dizemos rigorosamente o que se desejou, e

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que, de resto, parece equilibrado: só é admitida a extradição quando o direito do Estado requisitante preveja pena ou medida de segurança privativa ou restritiva de liberdade com carácter perpétuo ou duração indefinida em determinadas condições, que nos parecem, francamente, cautelosas e satisfatórias.
Trata-se, portanto, de um resultado globalmente positivo, que respeita boas regras em matérias de direitos humanos. Congratulamo-nos com o facto de ter sido possível atingir esse resultado, e o diálogo político e humanitário bem como a ligação às instituições e à sociedade civil funcionou bem neste caso porque todos nos empenhámos neste sentido, desde logo, esta bancada, o que me parece positivo.
A última observação diz respeito ao direito de asilo. Nesta matéria, tudo indica que a Constituição não será alterada. O PSD não deu consenso para qualquer alteração. Pela nossa parte, estaríamos disponíveis para algumas alterações, com consciência, todavia, de que o quadro de emergência que em 1993 "tocou a rebate" e nos trouxe à Assembleia da República em pleno mês de Agosto acabou, está enterrado, faz parte da história e não voltará.
A proposta de lei n.º 97/VII, com vista a rever o regime em matéria de asilo e refugiados, que está pendente na Assembleia, é muito clara em relação a questões que não estão directamente contempladas na Constituição nem foram objecto de qualquer proposta, tanto do PCP como de qualquer outro partido. Não trata apenas do asilo no sentido que a Constituição lhe dá, que é correcto, de resto, e que consta de instrumentos do Direito Internacional a que Portugal está obrigado. Preocupa-se também com aquilo a que se chama o reagrupamento familiar, com a autorização de residência por razões humanitárias e com a protecção temporária de pessoas deslocadas do seu país em consequência de graves conflitos armados que originem em larga escala fluxos de refugiados.
Infelizmente, as circunstâncias da política internacional levaram a situações que transcendem o quadro previsto nas convenções que ainda hoje regem o direito de asilo e que se encontram, em muitos aspectos, anquilosadas. Não podemos, nós, Portugal, no momento em que se reflecte sobre o asilo a nível global, a nível da União Europeia, e em que a matéria é objecto de contradição internacional, declarar unilateralmente, nesta matéria, regras que excedam ou estejam muito para além daquilo que qualquer país da União Europeia configure como desejável na sua própria ordem jurídica. Como é óbvio, somos autónomos e soberanos neste domínio, mas creio que a Constituição é já generosa e impõe aos órgãos de soberania portugueses na União Europeia que impulsionem para o exterior essa generosidade, mas não implica obrigatoriamente que aumentemos a densidade da Constituição neste ponto. Felicitamo-nos por ela não ser alterada e garantimos a sua aplicação, o que já será boa obra.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedia palavra para uma breve intervenção, a fim de pôr em evidência algo que, de alguma forma, tinha dito, embora sumariamente, na primeira intervenção que fiz.
Está a ser utilizada, a favor da possibilidade de extradição de cidadãos portugueses, a mesma argumentação do tipo terrorista que foi utilizada, em determinada altura, na CERC, para justificar a extradição dos cidadãos que se sujeitassem a pena de morte, desde que fossem dadas algumas garantias. E volta aqui a falar-se na questão das garantias, como se determinados Estados pudessem dar algumas garantias que pudéssemos considerar aceitáveis.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não brinquemos com as palavras!

O Orador: - Não se tratará de garantias judiciais mas, sim, de garantias políticas, como foi posto em evidência. E eu pergunto: que garantias políticas poderá dar um país onde exista um regime ditatorial, por exemplo, quanto à não aplicação de determinado tipo de penas?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para esses não há possibilidade de extradição!

O Orador: - Está a ser repetida a argumentação que foi utilizada nessa altura, sem fundamento. De facto, quem ouvisse agora o Sr. Deputado José Magalhães ficaria com a ideia de que estamos perante um imperativo inadiável de permitir que os cidadãos portugueses possam ser extraditados para outros países, de modo a serem julgados por crimes que lá tenham cometido. Então, temos de perguntar se tem havido, por parte de qualquer outro Estado, alguma queixa em relação a Portugal, por algum cidadão português que tenha cometido um crime noutro país não poder ser julgado porque Portugal não o quer extraditar. Não conheço caso nenhum, mas se algum dos Srs. Deputados tiver conhecimento de um caso desses que o diga, porque creio que isso ajudaria ao debate. Não conhecemos a existência de situações dessas nem de alguma lista de pedidos de extradição de cidadãos portugueses para outros países, nem sequer temos notícia de cidadãos que tenham andado para aí a cometer crimes como esses que foram referidos e que se tenham vindo a refugiar em Portugal, em relação aos quais exista alguma situação de impunidade. Manifestamente, não conhecemos qualquer caso dessa natureza!
Portanto, Srs. Deputados, estão a colocar isto com um dramatismo como se Portugal estivesse sujeito à condenação internacional pelo facto de não permitir a extradição dos seus nacionais, que é uma coisa que a esmagadora maioria dos países do mundo reserva para si, ou seja, o julgamento dos seus nacionais, desde que estejam no território do Estado respectivo, e que, naturalmente, não ficam impunes, porque serão julgados nesse país.
Pergunto, assim, que razões de desconfiança é que pode haver nos tribunais portugueses para se retirar aos cidadãos portugueses a possibilidade de serem eles a julgar os seus nacionais, desde que estejam no território do Estado, que, aliás, é uma coisa que acontece na esmagadora maioria dos países ao cimo da terra.
Por isso, não se vê qualquer razão válida para estarem agora com este tipo de argumentação, que, aliás, é tão decalcada na que foi utilizada na primeira leitura da CERC, quando ainda se dava por bom o tal texto do acordo que, embora possa surpreender quase toda a gente, foi escrito e assinado por representantes do PS e do PSD. Mas a transposição do raciocínio é tão grande que, num momento em que estamos a falar de extradição de nacionais, o Sr. Deputado José Magalhães vem aqui falar de bascos. Ora bem! Não estamos a falar de outras situações, estamos a falar de cidadãos portugueses!

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Já agora, introduzia aqui uma outra reflexão. Há uns anos atrás, houve uma situação muito debatida na opinião pública portuguesa, que foi a situação em que se encontrava uma cidadã portuguesa que tinha sido julgada em Espanha. Provavelmente todos os Srs. Deputados se lembrarão da situação que foi criada a uma cidadã portuguesa chamada Susana Poças, se não estou em erro, em relação à qual, inclusivamente, o Engenheiro António Guterres, que, na altura, não era Primeiro-Ministro, mas era Secretário-Geral do PS, segundo foi noticiado, fez um dossier, que entregou ao Primeiro-Ministro de Espanha da altura, o Sr. Filipe Gonzalez, para que intercedesse no sentido de essa jovem poder ser transferida para Portugal, dado que estava em Espanha numa situação muito preocupante do ponto de vista dos direitos humanos.
Segundo aquilo que os Srs. Deputados agora estão a propor, essa cidadã, se estivesse em Portugal, em vez de ser julgada em Portugal por tribunais portugueses, seria extraditada para Espanha para se sujeitar precisamente às situações que todos os portugueses quiseram, na altura, evitar.
Portanto, chamo a atenção para as consequências muito graves que esta norma constitucional, se for aprovada, pode implicar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 110.º.

Pausa.

Como não há pedidos de palavra, passamos ao artigo 111.º.

Pausa.

Como também em relação ao artigo 111.º não há pedidos de palavra, passamos ao artigo 112.º.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A minha intervenção vai ser inversamente proporcional à importância desta proposta que o PSD apresenta.
Além de constituir um sistema de governo e de organização e funcionamento da sociedade, a democracia é também uma filosofia e um sistema de valores, cujo fundamento radica no respeito dos direitos da pessoa e dos seus títulos de cidadania. Não existindo um modelo ideal de democracia, a sua construção é um processo evolutivo, contínuo e persistente, que deve ter em atenção a realidade viva e concreta do mundo em que vivemos.
Nesta óptica, começa a generalizar-se a ideia de que não é correcto falar em democracia em termos neutros, uma vez que os seres humanos são homens e mulheres, iguais em direitos e dignidade, que devem gozar das mesmas oportunidades de realização. É claramente uma nova noção de democracia, decorrente da constatação daquela dualidade e da consciência renovada dos direitos das mulheres enquanto parte integrante, inalienável e indivisível dos direitos humanos.
Até há pouco, a teoria democrática desconhecia a dimensão masculino-feminino. Hoje, esta nova maneira de olhar a humanidade impede que se continue a falar de
democracia em termos abstractos e exige que, retirando-se daí todas as ilações, a verdadeira democracia seja não só representativa e pluralista mas também Paritária.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Começa a ser evidente que é incompleta uma democracia sem a representação e participação de mais de metade da humanidade. Daí que se imponha "democratizar a democracia".
Situando-se aqui a verdadeira essência da democracia paritária, as políticas públicas de promoção da igualdade de oportunidades para homens e mulheres devem estimular a participação de uns e outras em todos os sectores da vida cívica, política, económica, social e cultural das sociedades.
Em Portugal há ainda uma "invisibilidade quase absoluta da mulher" no exercício de funções nos escalões superiores de direcção, tanto na esfera do aparelho político e da Administração, como das estruturas empresariais e da administração das empresas.
Certamente que pesa a herança cultural, que sempre privilegiou, através de mitos e estereótipos, o exercício do poder na rectaguarda, retirando ou diminuindo a apetência pelo exercício do poder visível.
No plano político, o ideal moderno de democracia e de cidadania é claramente universalista, postulando, na sua opção pela dimensão humanista do agente social, a capacidade civil e política de todos, homens e mulheres, como outrora reivindicou a separação de poderes ou o sufrágio universal. Paralelamente, atendendo ao papel - tantas vezes decisivo - das mulheres na construção dos regimes democráticos, é natural e inevitável o sentimento de que, em democracia, deve ser igual a participação efectiva de ambos os sexos na vida política.
Numa reflexão sobre política e democracia constata-se, porém, que é ao nível da esfera pública que mais se faz sentir a exclusão das mulheres relativamente aos órgãos de tomada de decisão ou, pelo menos, a ausência de uma partilha real do poder entre os dois sexos. Isto independentemente da proclamação da igualdade formal. Existe um fosso efectivo entre a igualdade proclamada e a prática vivida.
Não obstante, é pacífico que, após uma evolução lenta, as mulheres adquiriram já no presente século direito à igualdade política, afirmando-se como cidadãs de corpo inteiro.
Hoje, está em causa a criação de uma nova ordem social, em que a identidade feminina possa realizar-se tanto ao nível privado como público, no interesse da sociedade no seu todo e para dar resposta adequada aos interesses e às necessidades dos povos.
Assim, como uma das apostas democráticas do próximo século, o PSD propõe que a futura Constituição política portuguesa assuma o compromisso de o Estado português promover a participação política efectiva, em termos paritários, de homens e mulheres.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito equilibrado!

O Sr. Presidente: - Para uma. intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com alguma emoção e sem amargos de

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boca que tomo a palavra para tecer algumas considerações sobre o artigo em apreço.

A bancada do PS congratula-se abertamente com nova redacção do artigo 112.º. A nova redacção conferida ao artigo 112.º, que flui do acordo de revisão constitucional celebrado entre o Grupo Parlamentar do PS e o Grupo Parlamentar do PSD, ao consagrar a participação directa e activa dos homens e das mulheres como condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, é um exemplo vivo do reforço da participação política e da promoção da igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e da não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos.
A consagração da obrigação de a lei promover a igualdade entre homens e mulheres no exercício de direitos cívicos, bem como a não discriminação em função do sexo, representa, assim, mais um importante patamar na defesa e na promoção dos direitos das mulheres e da igualdade de oportunidades.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A consagração de tais direitos está, em termos de inserção sistemática e da opção legislativa, bastante correcta e adequada, dado que o artigo 13.º, enquanto cláusula genérica, já pressupõe a igualdade na aplicação do direito, sendo a base constitucional deste princípio a igual dignidade social de todos os cidadãos.
Contudo, este preceito não deve ser encarado como o único artigo garante da igualdade. Nem tudo o que respeita a esse ideal está concentrado e plasmado no artigo 13.º. A Constituição concretiza em muitos preceitos o princípio da igualdade.
Não podemos subestimar a importância do artigo 12.º, que plasma a participação directa e activa na vida política como princípio objectivo da organização do poder político e como componente essencial do sistema constitucional democrático.
A formulação agora proposta para o artigo 112.º vem ao encontro das declarações finais da IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as mulheres, realizada em Pequim, em Setembro de 1995, onde estivemos presentes, integrando a delegação governamental. Nesta Conferência pretendeu-se, entre outras coisas, eliminar a discriminação do género e promover uma nova cooperação de mulheres e homens no século XXI.
Ora, nas relações entre homens e mulheres, o exercício da cidadania plena exige, para além de um tratamento de não discriminação jurídica, política e social, que se garanta a aplicação de medidas positivas destinadas a corrigir as limitações de base social e cultural de que as mulheres são ainda alvo no tempo presente.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas a promoção da igualdade, em sede de revisão constitucional, não se cingiu somente às inovações e mais-valias introduzidas no artigo 112.º. Foram também atingidos estes objectivos últimos através de alterações aos seguintes artigos, os quais - sublinhe-se obtiveram maioria qualificada em sede da CERC e do Plenário: no artigo 9.º passou a considerar-se tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre homens e mulheres, bem como a igualdade de oportunidades; o artigo 26.º passa a consagrar a protecção legal contra quaisquer formas de discriminação; o artigo 59.º passa a prever a consagração do direito à conciliação da actividade profissional com a vida familiar; no artigo 67.º refere-se a expressamente o direito a uma maternidade e paternidade
conscientes; registe-se ainda que o artigo 81.º, alínea b), passa a consagrar a promoção da justiça social e o assegurar da igualdade de oportunidades. Isto ocorre ainda - e bem! - quando na Cimeira de Amsterdão se atingiram também resultados positivos.
É de elementar justiça que as mulheres participem na vida política ao lado e em plano de igualdade com os homens, como protagonistas e não na rectaguarda. Enquanto tal não acontecer, de forma explícita ou subtil, a filosofia do poder, a linguagem e as regras do jogo político continuarão a ser definidas pelos homens.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - E não só!

A Oradora: - A plena democracia pressupõe que as relações de poder entre homens e mulheres estejam equilibradas. Enquanto tal princípio não for atingido, a plena democracia será uma mera sombra de si mesma.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O Grupo Parlamentar do PS vota, assim, favoravelmente as alterações introduzidas ao artigo 112 º e congratula-se com o facto de o texto constitucional, na área dos direitos das mulheres, poder contribuir mais e melhor para este justo equilíbrio.
Os Deputados do Grupo Parlamentar do PS assinarão, naturalmente, uma declaração de voto que será posteriormente entregue.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero congratular-me, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, com o facto de ter sido possível a alteração
deste artigo em termos que podem vir a constituir uma bandeira na luta pela igualdade de homens e mulheres.
Recordo-me que, no dia 1 de Fevereiro de 1995, ouvi no Parlamento Paritário, realizado na Sala do Senado, neste mesmo edifício, o Secretário-Geral do PS, hoje Primeiro-Ministro, adiantar uma proposta bastante mais ousada, que,
na altura, teve manchettes de primeira página e de aberturas de telejornais, que era a proposta de quotas obrigatórias de participação das mulheres em eleições.
Esta proposta foi para a "gaveta", fez o seu papel na época, entretanto, neste momento, é aprovada uma proposta que creio que é mais sensata, o que não significa que implique menos obrigações na perspectiva de apontar para o empenho efectivo dos órgãos do poder político e da generalidade dos agentes políticos no sentido de garantir cada vez mais a democracia paritária, que é nosso objectivo, o fim de qualquer tipo de discriminação, seja de que natureza for, em relação à mulher, sobretudo num campo que deveria ser aquele em que a discriminação devia ser menos possível, que é exactamente o campo da participação política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

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O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, ao contrário dos oradores anteriores, não me vou congratular mas, sim, lamentar o retrocesso na nossa Constituição.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é verdade!

O Orador: - É assim mesmo, Sr. Deputado!
Julgo que os cidadãos são homens e mulheres e os senhores entendem que é preciso dizer que as mulheres também são cidadãos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Muito bem !

O Orador: - E digo isto com o à-vontade de ser membro de um partido que tem uma secretária-geral, que é uma mulher, que tem uma presidente do grupo parlamentar, que é uma mulher, e sabendo que estou num país da Europa, onde; na minha escola, hoje, há muito mais mulheres do que homens,...

O Sr. José Magalhães (PS): - E na minha!

O Orador: - ... em toda a universidade há muito mais mulheres do que homens, e com o à-vontade de ter sido quem primeiro nomeou directoras municipais em Portugal, quando ninguém tinha coragem de o fazer, e porque entendo que as minhas colegas Deputadas são igualzinhas a mim, não precisando de quotas para se afirmar, porque têm qualidade mais do que suficiente.
Os senhores entendem o contrário! Gostam de pôr etiquetas! Gostam de ter uma Constituição que é um catálogo de supermercado, mas eu não gosto! Por isso não me congratulo com essa posição, pois acho que mais uma vez estamos a andar para trás. Não somos uma país do terceiro mundo! As mulheres portuguesas não precisam de nada disto para se afirmar, porque já se afirmaram!

O Sr. José Magalhães (PS): - São é poucas!

O Orador: - Atentem, por exemplo, na função pública e em quantos órgãos directivos femininos e masculinos aí existem!
Então, Srs. Deputados, daqui a algum tempo e pela mesma razão, talvez queiram alterar a Constituição para defender os homens. Nessa altura, como agora, estarei contra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora interromper os nossos trabalhos, retomando-os às 21 horas e 30 minutos, com a discussão do artigo 115.º.
Agradeço que sejam pontuais, nomeadamente as direcções dos grupos parlamentares. Eu sê-lo-ei, como habitualmente.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 20 horas e 05 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão do artigo 115.º.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o artigo 115.º da Constituição aborda a temática dos actos normativos, questão fundamental à organização e à própria estrutura do Estado de direito que somos, que se funda naturalmente numa ordem jurídica.
A questão nova que quero aqui abordar e que resulta do acordo entre o PSD e o PS tem a ver com uma clarificação feita neste artigo I15.º, um dos artigos nucleares da nossa ordem jurídica. Essa clarificação incide sobre um aspecto, que, ao longo do tempo, tem sido fruto de alguma querela doutrinária, para não dizer mais, e diz respeito à própria categoria dos actos normativos, ou seja, a querela que se tem gerado em torno do chamado "valor reforçado" das leis e dos decretos-leis.
Foi possível, de facto, através do entendimento entre o meu partido e o Partido Socialista, apresentar uma proposta de alteração à Constituição, que, do nosso ponto de vista, milha em favor de uma clarificação desta matéria, passando a separar, por um lado, a temática relativa à subordinação natural, nunca posta em causa por quem quer que seja, das leis e dos decretos-leis autorizados aos diplomas autorizantes, bem como dos decretos-leis de desenvolvimento de leis de bases aos regimes jurídicos que decorrem dessas mesmas bases gerais, e, por outro, numa norma autónoma, a explicitação constitucional de que, para além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria qualificada de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas, devem entender-se como leis de valor reforçado.
Esta é uma clarificação que põe fim, de certa forma, a algumas dúvidas doutrinárias sobre esta matéria e, sobretudo, tem a vantagem, do ponto de vista do PSD, de proceder a uma arrumação mais adequada, no texto constitucional, da matéria respeitante à hierarquia dos actos legislativos, hierarquia essa tão mais importante quanto é certo que, vivendo como vivemos num Estado de direito, todos os cidadãos estão subordinados à lei e ninguém está acima dela. É bom, portanto, que os cidadãos saibam distinguir o valor dessas leis e saibam, por assim dizer, em matéria legislativa, "as linhas com que se cosem".
Uma outra referência relativamente a este artigo 115.º, resultante do acordo de revisão entre o PSD e o PS e que, parece-me, também se traduz num ganho em termos de clareza do texto constitucional e da nossa ordem jurídica, diz respeito ao aditamento de um novo número, onde se explicita que "a transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna assume a forma de lei ou de decreto-lei (...)" consoante se trate de matéria reservada à Assembleia da República ou de matéria concorrencial em que o Governo também tenha iniciativa legislativa.
Este é um mecanismo que, a nosso ver, flui directamente do pressuposto, já consagrado na nossa Constituição, de que à Assembleia da República, sede da democracia representativa, compete a função de acompanhamento e fiscalização da aplicação de tratados internacionais que vinculem nomeadamente a ordem jurídica interna, de que é apanágio o Tratado da União Europeia. Portanto, parece-nos que, a fim de se poder permitir, sempre através de um mecanismo de fiscalização própria dos actos normativos por parte da Assembleia da República, que haja uma assunção dessas competências por

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parte deste Parlamento, é natural que uma norma como esta fique na Constituição, para clarificar aquilo que já era a boa doutrina, mas que, sem margem para dúvidas, passa a ser a regra no nosso Estado de direito. Ou seja, estabelece-se, sempre e em qualquer circunstância, que toda a transposição de directivas, seja qual for a matéria sobre que elas impendam, deve ser realizada através de um acto legislativo, por forma a permitir sempre, em última instância, um controle e uma fiscalização adequados, em termos políticos e legislativos, por parte da Assembleia da República.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de congratular-me, em nome da minha bancada, pelo facto de ter sido possível introduzir algumas clarificações no que diz respeito ao artigo matricial no tocante aos actos normativos na ordem jurídica constitucional portuguesa.
Na verdade, há nesta matéria benfeitorias alcançadas. A revisão constitucional de 1989 não definiu um elenco nem fez uma espécie de definição geral do que sejam leis de valor reforçado. Em sede de competências do Tribunal Constitucional, curiosamente, tornou-se claro, ao atribuir-se-lhe a competência para declarar "a ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado", que, a contrario, as leis orgânicas, criadas expressamente nessa revisão constitucional, não eram as únicas leis de valor reforçado. Mas tratava-se de uma forma, digamos, de segundo grau - e, seguramente, não a mais desejável - de exprimir um conceito, que, agora, fica inequivocamente plasmado num novo número, qualificado nesta numeração provisória como 2-A e constante da proposta 89-P. O sentido dessa norma é inequívoco: qualifica como um elenco de valor reforçado não apenas através da menção específica de determinado tipo de leis mas também com uma definição de carácter geral, a qual, todavia, é muito cuidadosa. Por exemplo, face a esta definição, a lei de finanças locais não é uma lei de valor reforçado, nos termos constitucionais, porque só "aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas" é que, como tal, podem ser qualificadas face ao texto constitucional. Isto foi premeditado, é objecto de crítica de outros partidos, mas obedeceu a um desígnio muito preciso.
A outra inovação fundamental diz respeito à clarificação do regime de transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna. Nessa matéria, esclarece-se que há uma reserva de lei ou de decreto-lei, consoante a matéria versada. Em todo o caso, isto tem um significado extremamente importante, quando temos em consideração que o poder legislativo na ordem jurídica portuguesa, desde 1976 - e não desde 1989 ou de 1997 -, compreende a existência de assembleias legislativas regionais dotadas de competência própria para efeitos de legislar sobre matérias de interesse específico e com respeito pela reserva de soberania da República. Essas duas regras mantêm-se. A alteração hoje plasmada no artigo 115.º, n.º 3, será especificamente discutida quando debatermos o artigo 229.º. Nessa sede e não talvez nesta, pela minha parte - o Sr. Deputado Medeiros Ferreira fará uma intervenção, cujo alcance poderá ser de utilidade bastante específica neste e noutros domínios -, gostaria de examinar essa matéria, isto é, quando discutirmos toda a questão do poder legislativo regional e as alterações que aí serão configuradas - duas delas resultam dos n.os 3 e 4 do artigo 115.º, mas verdadeiramente será mais oportuno exprimir a filosofia de reforma a propósito do artigo 229.º.
Nesta matéria, Sr. Presidente, há clarificações muito positivas e não há alteração da matriz essencial da Constituição da República em termos do poder legislativo: todo o poder legislativo é subordinado da Constituição; todo o poder legislativo da República ou de órgãos com competência própria a nível das regiões autónomas está sujeito a controle de constitucionalidade, a controle de legalidade, a instâncias múltiplas de controle democrático, sendo, por isso, um sistema de poder legislativo com uma arquitectura racional e controlada que submetemos a veredicto da Câmara.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente à matéria em discussão neste artigo, gostaríamos de deixar expressas duas notas. Uma primeira, no sentido de nos congratularmos com a explicitação neste artigo da forma de transposição das directivas comunitárias para a ordem jurídica interna. A proposta de aditamento que decorre do debate realizado na CERC é, a nosso ver, um progresso, no sentido de deixar claro que a transposição das directivas comunitárias para a ordem jurídica interna depende de um acto de soberania, por via da Assembleia da República ou do Governo. Parece-nos que esta inovação neste artigo é de saudar, pelo que lhe manifestámos o nosso assentimento e concordância no debate ocorrido na CERC.
Por outro lado, não podemos deixar de estranhar que, pela primeira vez, a Constituição da República passe a consagrar um princípio segundo o qual só se aplica a todo o território nacional a legislação que expressamente assim o diga. Isto tem origem, como todos o sabemos, num projecto de revisão constitucional apresentado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, em que se previa a transformação da Madeira e dos Açores em Estados regionais e em que obviamente se apontava como projecto futuro a transformação de Portugal num Estado federal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Rejeitado!

O Orador: - Obviamente que, do nosso ponto de vista, a consagração constitucional desta disposição é o princípio da legalização do separatismo legislativo,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Eh!...

O Orador: - ... porque não faz sentido, em nossa opinião, num Estado unitário, como, apesar de tudo, o PS e o PSD não tiveram coragem de deixar de dizer que Portugal era - a não ser que, entretanto, haja evoluções ao longo dos debates aqui no Plenário, o que não é de excluir, atendendo às circunstâncias a que a execução do acordo de revisão constitucional está a obedecer. Apesar disso, pensamos que esta expressão contida no artigo 115 º e contra a qual votámos na Comissão não pode passar em claro.
Se não tivesse significado político, ela não teria sido proposta; se não tivesse significado político, o PS e o PSD

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não a teriam negociado e, tendo significado político, é mau, porque significa uma tentativa de meter pela janela da Constituição aquilo que não se conseguiu meter pela porta.
Queremos, pois, deixar expressa a nossa discordância relativamente a esta disposição, porque entendemos que as leis gerais da República, no sentido lato que têm, por definição, sendo Portugal um Estado unitário, se devem aplicar a todo o território nacional, sobretudo sem necessidade de o dizerem.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o conjunto das alterações propostas tem um sentido contraditório. Há alterações que, a nosso ver, são positivas, estando neste caso, designadamente, o aditamento de um n.º 8. Na realidade, corresponde a uma preocupação que temos de valorizar a posição da Assembleia da República perante o processo de integração comunitária o facto de se dispor que "a transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna assume a forma de lei ou de decreto-lei (...)".Como é sabido, quer a figura da directiva quer a do regulamento têm uma origem no Direito Administrativo, são conceitos que derivam do Direito Administrativo interno. Entretanto, o processo de integração comunitária foi-se desenvolvendo e, hoje em dia, há quem designe, indistintamente, por actos legislativos quer as directivas quer os regulamentos, sendo esta uma matéria em aberto. Porém, entendemos mais cauteloso utilizar a expressão "actos normativos", a benefício de clarificação ulterior. Agora, a verdade é que grande parte das questões que cabiam aos parlamentos nacionais é, hoje em dia, objecto de directivas, chegando mesmo a áreas que regulam a capacidade eleitoral dos eleitores.
Por isso mesmo, esta possibilidade de a transposição das directivas, em todas as situações, se fazer por via de lei ou de decreto-lei - e, em última instância, podendo sempre ser chamado à apreciação parlamentar - é algo que nos parece de apoiar e de grande importância.
Quero também sublinhar, porque isso correspondia, aliás, a preocupações contidas nas propostas do PCP, o facto de ter sido criada a possibilidade de uma maioria qualificada de aprovação, quer do n.º 2, quer do n.º 2-A, que tinham sido aprovados na CERC apenas com maioria não qualificada.
Neste contexto, creio que é importante, em primeiro lugar, o facto de se afirmar uma supremacia clara da intervenção legislativa da Assembleia da República e, por outro lado, o facto de se clarificar o conceito de lei de valor reforçado em termos que não são tão claros quanto aqueles que adiantámos, designadamente a propósito de alguns casos concretos. Em todo o caso, correspondem a formulações que não andam longe de parte da redacção das que tínhamos apresentado e abrem caminho para resolver alguns dos problemas que se colocaram neste plano. Dou um exemplo que é particularmente actual: a questão da Lei de Finanças Locais. Sem dúvida nenhuma que é um escândalo o facto de esta Assembleia aprovar leis por maioria, até por unanimidade, como aconteceu com a Lei n.º 1/79 e com a Lei n.º 1/87, e, depois, ano após ano, os governos, através de maiorias parlamentares de ocasião, permitem-se desrespeitar as leis aprovadas pela Assembleia da República.
Parece-nos evidente que determinados diplomas, como a Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, a Lei de Finanças Locais, cabem por inteiro no conceito, que agora é proposto, de leis que são pressuposto normativo necessário de outras leis ou que devam ser respeitadas por outras leis.

O Sr. José Magalhães (PS): - A lei de finanças não é!

O Orador: - Como é sabido, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente em relação à Lei de Finanças Locais, foi noutro sentido. Julgamos que esta alteração vai num caminho que corresponde à preocupação que adiantámos, preocupação essa que, inclusive, foi ao ponto de propor que a Lei de Finanças Locais, tal como a Lei de Finanças Regionais, tivesse o estatuto de lei orgânica ou que, pelo menos, tivesse um reconhecimento explícito da natureza de lei de valor reforçado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas isso foi rejeitado!

O Orador: - Este aspecto não foi assegurado. Creio, no entanto, que o facto de ter-se criado agora uma maioria qualificada neste sentido abre caminho para resolver de forma mais adequada um problema como este que foi colocado no passado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não há!

O Orador: - Entretanto, entendemos que vai num sentido bem diferente - e num sentido claramente .negativo - aquilo que é acordado pelo PS e pelo PSD no âmbito do artigo 115.º, sobretudo quando articulado com as alterações que foram propostas para os artigos 229.º e 230.º e que diz respeito ao problema da competência legislativa das regiões autónomas.
Entendemos que esta competência legislativa deveria ser clarificada e aprofundada. É um ponto em que, aparentemente, estaremos todos de acordo. Isso não significa de forma nenhuma que seja clarificada e aprofundada num sentido que, manifestamente, não respeita alguns princípios que nos parecem fundamentais.
Desde logo, neste contexto, é importante para nós que as leis da República devam ser respeitadas e que não se criem margens de ambiguidade como a que se traduz em afirmar que apenas têm de respeitar-se os princípios fundamentais e não as leis gerais da República, sobretudo quando os artigos 229.º e 230.º não vão num sentido clarificador que não dê margem para possibilidade de manifesta exorbitância neste tipo de questões.
Da mesma forma, também entendemos que não faz sentido que, num Estado unitário, que queremos fortemente descentralizado do ponto de vista político-administrativo, mas que é um Estado unitário, se afirme que são leis gerais da República as leis e os decretos-leis que assim o decretem. Este era o regime jurídico que estava previsto e era praticado nas antigas colónias...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Este é o regime que, ainda hoje, está previsto para o território de Macau. Este não é um regime para um Estado que queremos que seja unitário, embora com ampla descentralização político-administrativa.
Isto é manifestamente desconforme com princípios básicos do nosso regime democrático e, por isso mesmo,

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não podemos fazer mais do que dizer: "Estamos frontalmente contra; não contem connosco para acompanhar este tipo de soluções".

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entrámos na apreciação de uma disposição, no Plenário da Assembleia, que é talvez a que se reveste de maior importância, conjugadamente com o artigo 229.º, que adiante trataremos, no aprofundamento da autonomia regional nesta revisão constitucional.
Quem sentir e viver a autonomia sabe que o poder legislativo regional é um pilar fundamental da autonomia regional. Sem o reforço dos poderes legislativos das assembleias legislativas regionais não há aprofundamento da autonomia. E era importante que nesta revisão constitucional se encontrassem as fórmulas sucedâneas das vigentes na actual Constituição que pusessem termo a uma jurisprudência do Tribunal Constitucional extremamente restritiva que, de tão restritiva, era, simultaneamente, atentatória da dignidade do Estado e da dignidade das regiões autónomas e dos seus órgãos de governo próprio, em particular das assembleias legislativas regionais.
A frequência com que o Tribunal Constitucional considerava enfermarem de ilegalidade ou de inconstitucionalidade diplomas de ambas as assembleias legislativas regionais era reveladora de que algo estava mal no quadro constitucional vigente e na redacção da actual Constituição. É bom que se assuma que esta revisão constitucional e estas alterações visam corrigir igualmente uma jurisprudência restritiva do Tribunal Constitucional em matéria dos poderes das assembleias legislativas regionais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Penso que esta revisão deveria ser também um marco importante para se pôr termo a uma suspeição, que, eventualmente, poderei assumir como recíproca, entre as regiões autónomas e o Continente, entre o Estado e as regiões autónomas, entre os órgãos de soberania e os órgãos regionais. É tempo de assumirmos com naturalidade a unidade do Estado que construímos com as autonomias dos Açores e da Madeira. Não é a autonomia regional, se for entendida e aperfeiçoada nestas ocasiões, como está a ser, que atenta contra a unidade nacional. É o contrário: são as imperfeições, as incorrecções que impedem que as assembleias legislativas regionais regulamentem no quadro próprio das suas competências de forma adequada à especificidade de cada uma das regiões e encontrem as soluções mais adequadas em cada momento e dêem resposta às exigências, que também são cada vez maiores, de cada uma das regiões autónomas.
Foi aqui referido que, no projecto de revisão constitucional que subscrevi, proporia um Estado federal. Não proponho um Estado federal mas não me repugna absolutamente nada se, na evolução histórica, for entendido que tal via serve melhor o Estado e as comunidades portuguesas integradas no Continente e nas regiões autónomas. Não me repugna essa evolução, não sei por que terá de ter-se medo dessa solução, repito, se, em dado momento histórico, for entendido que é a melhor. Portanto, não é porque me repugna essa solução que digo que, neste projecto, não defendi a solução de um Estado federal.
No projecto de revisão constitucional que apresentei, falava efectivamente em "Estados Regionais" e em "Constituições Regionais". Aliás, tive oportunidade de explicitar, na CERC, o porquê e o alcance do uso dessas duas expressões. Não tinham nada a ver com um Estado federal porque a existência deste passaria pela capacidade de as regiões aprovarem as suas próprias Constituições, enquanto, no projecto, os estatutos, que passariam a designar-se "Constituições Regionais", continuariam a ser aprovados pela Assembleia da República.
No entanto, prevendo-se a hipótese da regionalização do Continente e numa ideia de emprestar alguma dinâmica ao fenómeno da autonomia regional - os nomes têm por vezes algum sentido -, era com base nessa diferenciação entre regiões meramente administrativas e regiões que têm autonomia política e com esse sentido de alcance de um mero nomen juris que eu falava em "Estados Regionais" e "Constituições Regionais", nem mais nem menos do que isso.
Mas não vale a pena esta catalogação que, de vez em quando, se coloca relativamente às regiões autónomas: ou é um Estado federal, ou está a caminho de um Estado federal, ou é qualquer coisa próxima disso... É talvez algo que tem matizes federais, nalguns casos tem até soluções mais avançadas do que as federais, noutros aspectos estará aquém das soluções federais, mas assumamo-lo como uma solução sui generis, uma solução portuguesa que é e tem sido a adequada a que Portugal dê resposta e se construa no Atlântico, no dia-a-dia das populações portuguesas que vivem nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Quais são as alterações que introduzimos ao artigo l l5.º e qual o seu significado relativamente aos poderes legislativos das assembleias legislativas regionais?
Na actual redacção, estipula-se, como limite aos poderes das assembleias legislativas regionais, as leis gerais da República que a Constituição procurava definir de algum modo como sendo todas aquelas que, pela sua natureza, envolvessem a respectiva aplicação a todo o território nacional.
Fizeram-se duas alterações que me parecem da maior importância para a clarificação e o alargamento dos poderes das assembleias legislativas regionais. Deixa de se apontar as leis gerais da República como limite aos poderes das assembleias para passar a falar-se em princípios fundamentais das leis gerais da República.
Qual a importância e o significado desta alteração? É que, como há pouco disse relativamente à tal jurisprudência restritiva do Tribunal Constitucional, bastava um diploma regional expor um determinado pormenor de forma um pouco diferente da de uma lei geral da República para que o Tribunal Constitucional considerasse que aquele enfermava de ilegalidade, assim impedindo que a solução mais adequada à especificidade da região, diferenciada da do Continente, pudesse ser aplicada e tornar-se vigente na região. O importante - e a Constituição salvaguarda-o é que os princípios fundamentais de diplomas que se considera que devem ter na sua filosofia uma solução nacional sejam acatados e respeitados pelas assembleias legislativas regionais quando legislam no domínio da sua competência e do interesse específico de cada uma das regiões. É um passo extremamente importante que concilia toda uma ordem jurídica portuguesa que é um todo em todo o território, incluindo as regiões autónomas, mas que dá margem de flexibilidade bastante para que essa regulamentação adaptada às especificidades de cada uma das regiões possa agora ser adoptada sem a indignidade de

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passar pelo risco, muitas vezes antecipadamente certo, da consideração pelo Tribunal Constitucional de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.
Há uma alteração a este artigo 115.º, mais concretamente ao n.º 5, que veio reformular o conceito de lei geral da República, questão que, aliás, merecia grande discussão na própria jurisprudência constitucional e na doutrina. Falava-se tão-só nas leis ou decretos-leis cuja razão de ser envolvesse a sua aplicação a todo o território nacional, agora, exige-se uma segunda clarificação. Ou seja, relativamente a essas leis que tenham vocação de aplicação a todo o território nacional e assim o decretem, é necessário que o legislador lhes atribua esse aval e revele essa vontade de aplicação a todo o território nacional. Portanto, passa a haver dois requisitos: não basta que uma lei se afigure como vocacionada para aplicação a todo o território nacional, é necessário que o legislador assim o decrete. Não bastará, ainda, que o legislador, eventualmente deturpando o alcance e o sentido do legislador constitucional, passe a "carimbar" todas as leis e decretos-leis com a qualificação de lei geral da República. Passa a ser necessário que se verifique e se confirme se aquele "carimbo" tem correspondência substantiva material na lei em causa.
Portanto, é bom que fique claro que são dois requisitos que têm de estar cumulativamente patenteados na lei para que ela seja uma lei geral da República e para que os seus princípios fundamentais funcionem como limite à competência das assembleias legislativas regionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cada passo que temos dado, e já demos alguns...

O Sr. José Magalhães (PS): - Nem sempre!

O Orador: - ... na revisão de 1989, no aprofundamento e aperfeiçoamento da autonomia regional, em particular no caso das competências das assembleias legislativas regionais, dá-me um grau de satisfação porque, conhecendo bem a realidade das regiões autónomas e a necessidade imperiosa deste reforço dos poderes legislativos, tenho a certeza de que daqui sairão novos caminhos que permitirão que a reafirmação de Portugal no Atlântico se faça de uma forma cada vez mais adequada às necessidades das populações, reforçando também, por esta via, a unidade nacional.
É neste sentido, com este espírito, alcance e finalidade, e não com qualquer intuito, aqui patenteado nalgumas intervenções anteriores, que ponha em causa a unidade nacional - só um desconhecimento da realidade das regiões autónomas pode levar a um juízo dessa natureza ou, então, a uma filosofia menos autonomista ou anti-autonomista ou mais centralistas e, essa sim, atentatória da unidade nacional. Mas, dizia, é neste quadro que o PSD tem adoptado, como é sabido, uma posição de liderança dos processos das autonomias regionais, quer nos anos de governação nas regiões, quer a nível de Governo e em momentos de revisão constitucional, manifestando uma abertura relativamente a soluções que, ainda que gradualistas, têm permitido o reforço da autonomia regional.
Queria lembrar aqui que, face a esta alteração do artigo 1 l5 º - se for necessário, formula-se uma proposta nesse sentido, pois parece-me que ela é uma decorrência dessa alteração -, impõe-se a alteração da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, que prevê a fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade de diplomas regionais quando "(...) se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República".
Deve, pois, ficar em acta que esta parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º tem de ser alterada: onde hoje está "lei geral da República", deve ler-se "princípios fundamentais das leis gerais da República". Só assim a matéria da fiscalização da constitucionalidade estará em sintonia com as soluções materiais que se consagram agora no artigo 115.º.
Sem prejuízo de voltar a esta matéria...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Outro pequeno passo!

O Orador: - ... aquando do debate sobre os artigos 229.º e 230.º, onde se completa o quadro de avanços do poder legislativo das assembleias legislativas regionais, queria terminar a minha intervenção com o registo da satisfação de ter sido possível o entendimento entre os dois maiores partidos para este avanço e para a consagração desta solução. Quem sentir as autonomias como uma forma de construir Portugal no Atlântico e como um reforço da unidade nacional não terá qualquer dificuldade em acompanhar-nos e em votar favoravelmente as soluções agora em debate.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: À primeira vista, seria descabido que um homem que não é um jurista, como eu, falasse sobre o artigo 115.º, que é uma norma destinada, sobretudo, aos juristas,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E aos cidadãos que todos somos!

O Orador: - ... para os ajudar a interpretar a ordem legislativa elaborada por políticos e juristas, nesta Assembleia e fora dela. Este artigo 115.º destina-se, pois, a ajudar os juristas a ordenar a competência própria e a hierarquia das leis.
Faço esta intervenção sobretudo tendo em conta que neste artigo I 15.º vamos introduzir melhorias no que diz respeito à função de distribuição legislativa da República Portuguesa.
Desde logo, prevê-se o acolhimento, pela República Portuguesa, das normas da União Europeia, as directivas comunitárias - é essa a inovação do n.º 8 do artigo 115.º. Ora, gostaria de informar a Câmara, porque talvez o desconheça, que esta matéria do acolhimento das directivas comunitárias na ordem interna dos Estados-membros da União Europeia não é uma questão pacífica. Muitos Estados-membros ainda não aperfeiçoaram o seu modo legal e formal de acolhimento das directivas e regulamentos, sobretudo dás directivas comunitárias. E o Estado português dota-se, a partir deste momento, de uma forma muito concreta de acolhimento na ordem interna dessas directivas, através de leis ou de decretos-leis. Trata-se de algo que me parece importante sublinhar.
Todavia, não é apenas em relação à ordem externa que a Assembleia da República vem melhorar o artigo 115.º, também o faz no que diz respeito à articulação da competência legislativa regional, que será sempre feita dentro do critério e do interesse específico. E, nesse domínio, nada se

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altera nesta revisão constitucional, a não ser impedir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional venha a ser "mais papista do que o Papa", ou seja, venha a interpretar o sentimento que desde a Constituinte de 1976 e, de certa maneira, desde o estatuto provisório, aprovado pelo VI Governo, de que V. Ex.ª, Sr. Presidente, fez parte. A generosidade e, diria, o equilíbrio institucional do ponto de vista legislativo estava razoavelmente estabelecido.
Acontece, Sr. Presidente, para quem não o saiba, que a expressão "leis gerais. da República" não aparecia na primeira versão da Constituição de 1976. Assim, quando aqui se faz referência às leis gerais da República não se está a falar do conceito de lei geral da República mas, sim, de uma realidade residual, que é aquela que está para além das matérias legislativas reservadas à Assembleia da República, quer do ponto de vista absoluto, quer do ponto de vista relativo, das matérias legislativas da competência do Governo da República, das leis-quadro, das leis de base, das leis orgânicas, já que todas elas fazem parte do conceito de lei geral da República. Mas não é nesse sentido que a Constituição, depois da sua revisão de 1982, acolheu o conceito de lei geral da República.
Como o Sr. Presidente deve estar recordado, tal como muitos dos Srs. Deputados aqui presentes, a introdução do conceito de lei geral da República faz-se só em 1982, exactamente para dirimir ou tentar esclarecer a natureza dessas leis, para além de todas aquelas de que já falei e que não se sabia se eram ou não leis gerais da República. Então, acrescentou-se que a sua razão de ser seria a aplicação a todo o território nacional. Mas essa melhoria não resolveu a questão, Sr. Presidente.
O Tribunal Constitucional agarrou-se não tanto a essa matéria mas a algo que está consagrado no n.º 3 do artigo 115.º, e que me parece uma verdadeira melhoria: a ideia de que capacidade legislativa das assembleias legislativas regionais, sempre dentro do critério de que só podem legislar em matéria específica, tem de ter em conta os princípios fundamentais das leis gerais da República.
É essa melhoria que considero extraordinariamente positiva, isto é, o facto de a capacidade legislativa regional não ter de se submeter à letra das leis gerais da República, no sentido restrito que aqui lhes é dado pela Constituição, a partir de 1982, mas aos princípios fundamentais das leis gerais da República.
Dito isto, quase pareceria facultativo o acrescento que se faz no n.º 4 deste artigo 115.º, e que muito tem a ver com a história da introdução do conceito de leis gerais da República para caracterizar o que há de residual na legislação que se aplica a todo o território nacional. Refiro-me ao aditamento "e assim o decretem".
Já afirmei na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional que tenho algum receio de que essa fórmula, assim como a introdução do conceito de lei geral da República em 1982, em vez de esclarecer as competências das assembleias legislativas regionais, venha a criar problemas políticos. E não ficaria bem com a minha consciência se não o dissesse aqui de uma forma serena, porque acredito, e acredito desde sempre, Sr. Presidente, como sabe, que existe uma grande complementaridade entre a República e as regiões autónomas. Vejo, aliás, nas regiões autónomas, uma espécie de fermento na soberania comum que fortalece a unidade nacional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É nessa perspectiva que me coloco.
Portanto, penso que a fórmula "e assim o decretem" pode criar problemas políticos, sem ajudar a qualquer clarificação jurídica. Temo isso, temo que, por omissão ou por demasiada explicitação, essa fórmula venha a criar maiores dificuldades, mas espero que assim não seja! Espero que o bom senso e o entendimento mútuo venha, de facto, a ter lugar, quer na República quer na região autónoma.
Sr. Presidente, vou já terminar a minha intervenção, uma vez que não tenciono, a propósito do artigo 115.º, discutir as competências próprias das regiões autónomas. Entendo que elas devem ser discutidas no capítulo próprio, ou seja, a partir do artigo 227.º. Por isso, Sr. Presidente, não abuso mais da sua paciência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Nunca abusa, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também queria dizer alguma coisa sobre este tema do artigo 115.º, até porque faço tenção de, no local próprio, aquando do debate sobre o artigo 229.º, deixar a discussão destas matérias aos nossos colegas das regiões autónomas.
Todavia, gostaria de dizer aqui algo que considero relevante.
Em primeiro lugar, ternos de ter por indiscutível que, nos termos do artigo 6.º da Constituição, na fórmula vigente e de acordo com aquele aditamento que, do meu ponto de vista, aliás, nada acrescenta, já resulta, claramente, que estamos perante um Estado unitário, e que faz parte da unidade deste Estado a autonomia, quer do poder local, quer do poder regional, já que estes integram a unidade do Estado. Esta é a lição que resulta, clara e linearmente, do artigo 6.º da Constituição. O resto, diria, são nominalismos. Se é unitário, se é outra coisa, é arranjar palavras que apenas traduzem a tentação portuguesa de viver da querela dos universais e das palavras. Aliás, se não fora isso, que lugar seria aqui o nosso, se estamos numa Câmara parlamentar, numa Câmara onde se parla?! O Estado unitário é, pois, a ideia básica de tudo isto.
Sucede que há qualquer coisa que me legitima a falar desta matéria.
O projecto de Constituição que apresentei na tribuna em 11 de Julho de 1975, do PPD, é que define já a epítome, digamos assim, do regime autonómico regional. E foi o único que o fez!
Depois, o anteprojecto da Constituição para o Título VII foi feito por mim em sede de comissão, com a fórmula que veio a Plenário. E logo no início se verificou que a Comissão Constitucional interpretou restritivamente o poder legislativo regional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Por isso é que, em 1980, tendo sido incumbido, conjuntamente com dois colegas, Cardoso da Costa e Vieira de Andrade, da elaboração de um anteprojecto a apresentar pela AD ao Plenário, incluí lá esta fórmula, visto que essa parte também foi da minha autoria. Esclareça-se que, nesse livro, repartimos as autorias.
Nessa ocasião, propus que os decretos legislativos regionais versassem sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões, não reservadas aos poderes da

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República, e não pudessem dispor contra os princípios fundamentais das leis da República. Isto está publicado e é acessível a todos VV. Ex.as.
Mas, em 1980, a expressão que usei - "princípios fundamentais das leis da República" - não teve acolhimento. Congratulo-me, por isso, com o facto de, volvidos todos estes anos, finalmente, a boa doutrina ter entrado no texto constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à outra parte, comungo de algumas reservas pessoais relativamente à expressão "que assim o decretem". Gostaria de ver isto formulado, pelo menos na negativa, isto é, com uma expressão do tipo "que não digam o contrário" ou, como se estabelece naquele velho artigo do Código Comercial, "se o contrário do próprio acto não resultar". Isto seria, porventura, mais subtil e menos atentatório de uma certa concepção de unidade global do território português. De qualquer modo, trata-se de uma questão secundária.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem observado!

O Orador: - Comungo, pois, das precauções que foram aqui suscitadas pelo Deputado Medeiros Ferreira, mas espero que, com isto, tenhamos dado um passo necessário para libertar o poder legislativo regional de uma teia que o envolveu progressivamente e estagnou as autonomias regionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Veja lá o que vai dizer!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 115.º é, seguramente, uma trave constitucional e é também um dos artigos mais difíceis do nosso ordenamento constitucional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Já o era, em sede interpretativa, antes desta revisão constitucional, admito que continue a sê-lo depois desta revisão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Estamos a clarificá-lo!

O Orador: - E não foi por menos esforço de todos os Srs. Deputados, que procuraram clarificar, tanto quanto possível, o alcance deste artigo em todos os domínios. Pela minha parte, estou convencido de que algum benefício resultará desse esforço.
Em primeiro lugar, a possibilidade de podermos consagrar um n.º 2, e um n.º 2 novo, que se desdobrará e permitirá tornar mais evidentes as relações de articulação entre várias das nossas leis, naquilo que elas têm, designadamente, de pressuposto normativo, por força da Constituição, de outras leis ou que por elas devam ser respeitadas, é um ponto de inovação no artigo 115.º que vai alargar consideravelmente os domínios da fiscalização por ilegalidade.
Também assim será porque o âmbito das leis com valor reforçado, designadamente por um aumento do elenco das leis orgânicas, será igualmente alargado neste processo de revisão constitucional. Mas, naturalmente, temos de nos ancorar. E a ancoragem desta inovação resulta da própria definição que uma proposta de n.º 2-A nos permite, ao determinar que as leis que são pressuposto normativo de outras o serão, necessariamente, por força da Constituição. Ou seja, não será por qualquer interpretação doutrinária, por mais interessante que possa ser, que essa força e esse pressuposto normativo serão estabelecidos, isso resultará ou não da Constituição: E é por isso que não posso acompanhar o Sr. Deputado Luís Sá no seu afã, que respeito e considero, de tentar que a Lei das Finanças Locais seja um pressuposto normativo necessário de outras leis, designadamente da lei do Orçamento. Esse pressuposto normativo ou está na Constituição ou não está! Está, por exemplo, quando a Constituição estabelece a lei do enquadramento orçamental como um pressuposto legal necessário da lei do Orçamento e está na Constituição, por exemplo, quando se estabelece, no artigo 255.º, que a lei de criação das regiões administrativas é um pressuposto legal necessário das leis de instituição em concreto de cada uma das futuras regiões administrativas.
Mas esta clarificação, a meu ver, não poderia deixar de ser feita, para que não subsistissem alguns equívocos em torno desta inovação constitucional.
Por outro lado, temos de considerar um outro aspecto do artigo 115.º que se reporta à necessidade de melhor coordenar as competências legislativas regionais com as competências legislativas da República e, particularmente, dos órgãos de soberania. Como já foi aqui sublinhado, foram dados passos muito positivos e um deles, não de pequena importância, é o de admitir que a iniciativa legislativa regional possa ocorrer, desde que se conforme com os princípios fundamentais das leis gerais da República.
Estão, assim, definidos três pressupostos claros: primeiro, a iniciativa legislativa regional tem de versar sobre matéria de interesse regional específico; segundo, as iniciativas legislativas têm de respeitar e não podem decorrer em matérias da reserva de competência dos órgãos de soberania; em terceiro lugar, devem respeitar os princípios fundamentais das leis gerais da República.
Mas reside aqui, porventura, um problema novo: a nova definição do conceito de leis gerais da República, ou seja, aquelas que, pela sua natureza, devam aplicar-se a todo o território nacional e assim o decretem.
Pois bem, Srs. Deputados, a questão que já abundantemente tivemos ocasião de travar na CERC é a seguinte: e se uma lei deva aplicar-se a todo o território nacional e, porventura, não o explicite de forma inequívoca nas suas disposições normativas?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Chapéu!

O Orador: - Se estamos em certo domínio legislativo, perante matérias da competência exclusiva dos órgãos de soberania - recordo, obviamente, os artigos 167.º e 168.º e também os de competência exclusiva do Governo, na parte da auto-regulamentação -, e, para além das matérias dá competência exclusiva constitucionalmente expressas, é hoje jurisprudência largamente admitida no Tribunal Constitucional que outras matérias há que, pela sua natureza, devem ser consideradas como reserva da competência própria dos órgãos de soberania, e se uma lei que se deva aplicar a todo o território não

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se decreta como lei geral da República, fica excluído constitucionalmente e, sobretudo, jurisprudencialmente que possa ser uma lei da competência reservada dos órgãos de soberania? Obviamente que não! Nada, na Constituição, permitiria essa leitura e, por isso, neste ponto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional não terá, provavelmente, que inflectir tanto quanto outros Srs. Deputados aqui sugeriram.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - E é por isso que temos de ser prudentes!
O Partido Socialista chamou a atenção do PSD para este ponto, durante os debates parlamentares, admitimos outras possibilidades de construção da definição conceptual do que seja lei geral da República, chegámos mesmo a sugerir, de acordo com o nosso projecto originário, que as leis gerais da República também abarcassem as leis de competência própria dos órgãos de soberania, mas não foi este o consenso possível a que pudemos chegar. Por isso, não podemos excluir a realidade constitucional que, na sequência deste processo de revisão, deixaremos consignada, que é a de que haverá leis da competência exclusiva dos órgãos de soberania, haverá leis da competência própria dos órgãos de soberania, haverá leis gerais da República e haverá ainda leis da República sem esse grau de generalidade.
Estamos, naturalmente, a criar um encargo jurisprudencial ao Tribunal Constitucional, mas uma coisa que nós, legisladores constituintes, não podemos ter a presunção de fixar aqui é a jurisprudência do Tribunal Constitucional, de acordo com a interpretação que há-de fazer sobre a articulação dos actos normativos, em função da versão do artigo 115.º.
Eram estas as observações que queria fazer, desde logo por uma razão: porque sempre entendi, e continuo a entender, que não há qualquer perigo de ruptura na relação legislativa entre a República e as regiões autónomas. Desenvolvemos um esforço e fizemos uma caminhada no sentido do aprofundamento da capacidade de iniciativa legislativa regional e saúdo-o de forma inequívoca, mas estou inteiramente tranquilo quanto às garantias constitucionais de perfeita articulação entre a competência legislativa dos órgãos de soberania e a competência legislativa das assembleias legislativas regionais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, quero colocar-lhe questões de duas ordens.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado, como dirigente do Partido Socialista com responsabilidades na área das autarquias locais, sempre defendeu que a Lei das Finanças Locais era uma lei de valor reforçado. Pergunto-lhe o seguinte: neste momento, mudou de opinião? Como interpreta aquilo que está desenhado no acordo, designadamente após a perspectiva que se abriu de incluir uma definição de leis de valor reforçado no artigo 115.º?
A segunda questão que lhe coloco tem uma natureza completamente diferente.
V. Ex.ª conhece o facto de, na primeira leitura, se ter desenhado um acordo com a seguinte base: em primeiro lugar, clarificar o poder legislativo, definindo uma cláusula geral, ou seja, estabelecendo que seria da competência das regiões autónomas o que fosse do seu interesse específico; em segundo lugar, elencar as matérias da competência legislativa das regiões autónomas, a título exemplificativo, o que clarificaria, imediatamente, uma ampla zona; em terceiro lugar, porque isto são três partes do mesmo triângulo, elencar as matérias da competência dos órgãos de soberania, designadamente desenvolvendo o actual artigo 230.º, com base na proposta do próprio projecto do PS, que, depois, o PS meteu na gaveta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Em benefício de uma solução melhor!

O Orador: - Assim, a pergunta que lhe faço é a seguinte: o Sr. Deputado, depois deste caminho, considera que a solução a que se chegou, neste e noutro plano, é equilibrada?
Para se inspirar, cito-lhe, a propósito, um artigo do seu antecessor na Presidência da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em que afirmava o seguinte: "dá-se um extraordinário passo para uma transição sub-reptícia de um Estado unitário, com duas regiões autónomas, para um Estado tripartido". E acrescentava: "é nisto que dá o transaccionamento sem princípios e o negocialismo sem escrúpulos em matéria de revisão constitucional".
Mas, já agora, também para se inspirar, acrescento uma expressão de um artigo do Professor Joaquim Gomes Canotilho: "as cedências ao PSD, em matéria de regiões autónomas, são cedências que se pagam com riscos para a unidade nacional, com inaceitáveis riscos para a unidade nacional".
A nossa posição nesta matéria é extremamente clara: tudo a favor da clarificação dos poderes legislativos regionais, numa base de prudência, de equilíbrio e de princípios. Pergunto ao Sr. Deputado se pode dizer, em consciência, que a solução a que o Partido Socialista e o PSD chegaram vai no mesmo sentido. A minha resposta convicta é não!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Pois a minha é sim! E tem o mesmo peso que a sua!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, relativamente à primeira questão que me colocou, sobre a Lei das Finanças Locais, independentemente do ponto de vista que possamos ter sobre o seu significado e importância, a verdade é que não decorria até agora da Constituição que ela fosse um pressuposto normativo necessário de outras leis nem vai decorrer desta revisão constitucional que esta matéria se altere no que a Lei das Finanças Locais diz respeito.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se me pergunta se eu, no plano político, entendo que essa lei, uma vez em vigor, qualquer que ela seja, deva ser respeitada, particularmente pela Lei do Orçamento do Estado, no plano político, respondo-lhe: entendo que sim. Se me pergunta, no plano da técnica

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constitucional, se a Lei das Finanças Locais é uma lei de valor reforçado na solução constitucional adoptada, terei de responder que não é, efectivamente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é!

O Orador: - Quanto à segunda questão que me coloca, a das regiões autónomas, Sr. Deputado Luís Sá, eu tenho respeito por opiniões divergentes das minhas mas também entendo que nem todas as opiniões divergentes das minhas, só por o serem, são correctas. Já vivemos - felizmente - num Estado democrático descentralizado, sem prejuízo da natureza unitária desse Estado, que permite a existência de ordens legislativas derivadas ao nível das regiões autónomas. Não estamos, portanto, a inovar nesse domínio. Se é possível, hoje, a existência de uma ordem jurídica regional, a título derivado, isso vai continuar a ser possível. O trabalho que se fez neste processo de revisão constitucional foi conscientemente orientado no sentido de aprofundar a iniciativa legislativa regional. E quero dizer-lhe, sem nenhuma ambiguidade, que esse foi um dos compromissos eleitorais mais determinantes do PS nas últimas eleições. E talvez não tenha sido também por acaso que o PS, em melhor consonância com as próprias populações das regiões autónomas, é hoje, e ao fim de 20 anos, maioritário numa delas, justamente em nome de uma orientação política claramente consentânea com os interesses desta região autónoma.
Mas sobre se eu tenho alguma dúvida de que a unidade nacional pudesse sair afectada deste processo de revisão constitucional, dir-lhe-ei que não sairá, Sr. Deputado. Não sairá porque a articulação que vai ser feita entre a indicação, a título exemplificativo, do que sejam matérias de interesse específico regional, é uma solução constitucional perfeitamente sustentada; porque o continuar-se a exigir essa necessidade de prova sobre o interesse específico regional não está posto em causa; porque o continuar-se a determinar que, para além do interesse específico regional, as regiões autónomas têm de respeitar inteiramente as matérias de competência reservada da Assembleia da República e do Governo não está posto em causa nesta revisão constitucional. O garantir-se que, na demais iniciativa legislativa regional, ela se conforma aos princípios fundamentais das leis gerais da República, não exclui a possibilidade de fiscalização, seja em sede preventiva, quanto às questões de inconstitucionalidade, seja em sede sucessiva, também quanto às questões de ilegalidade, que permite um controle jurisdicional efectivo da constitucionalidade e da legalidade ao nível da iniciativa legislativa regional.
Por isso, Sr. Deputado Luís Sá, estou inteiramente tranquilo em ter contribuído para a autonomia regional na lógica do compromisso político assumido pelo PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão voltou a colocar aqui, no debate em Plenário, uma questão tipo hipótese académica, que já tinha colocado na Comissão, sobre a qual pretendia que me desse um esclarecimento, porquanto me parece uma questão sem sentido no quadro dos problemas que estamos a levantar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Dói-lhe?!

O Orador: - Não me dói nada, Sr. Deputado, estou óptimo de saúde! Com esta revisão e nesta parte, estou optimamente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Veja lá se tem uma fraqueza!

O Orador: - Se há dores, não são minhas, Sr. Deputado.
Mas o Sr. Deputado Jorge Lacão põe a hipótese de uma lei da competência reservada de um órgão de soberania que não tenha a indicação de que se trata de uma lei geral da República, que não se autoqualifica dessa forma, e se isto vem impedir que seja tida como tal. n problema que se coloca em relação ao limite de competências da assembleia legislativa regional não é face a essa lei, o problema é outro. Se V. Ex.ª adianta e antecipa que se trata de uma lei da competência reservada de um órgão de soberania, o limite da competência da assembleia legislativa regional já está adquirido porque, como se sabe, tem como limite a competência reservada dos órgãos de soberania. Portanto, não tem nada a ver com o problema de essa lei autoqualificar-se ou não, tem a ver com um problema prévio que é o da delimitação das competências das assembleias legislativas regionais face à competência reservada dos órgãos de soberania. Portanto, não tem relevância nenhuma esse problema que coloca quanto a essa não qualificação, até porque é possível uma lei da competência reservada da Assembleia não ter um destino para todo o território nacional. Pode reservar-se apenas ao continente, como pode reservar-se até a uma parte apenas do território do continente, nada impede que a Assembleia legisle num quadro mais estrito, se houver uma situação específica ou conjuntural que possa determiná-lo.
Mas queria colocar ainda um outra questão - e, já agora, queria ouvi-lo claramente sobre este problema - que é a hipótese de o legislador classificar indevidamente como lei geral da República uma lei que material e manifestamente não o é. Queria que V. Ex.ª me dissesse qual a sua opinião face às duas exigências agora constitucionalmente impostas: se essa lei, só porque assim se autoqualifica, se impõe como limite à competência da assembleia legislativa regional, ou se, como é meu entendimento, faltando-lhe um dos requisitos, que é o da materialidade de uma lei geral da República, de lei com vocação para aplicação ao território nacional, e por um abuso de autoqualificação e incorrecção, ela não pode funcionar enquanto lei como limite e se não há a exigência do cumprimento, ou da inspiração, ou do respeito pelos seus princípios fundamentais por parte das assembleias legislativas regionais.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, não me custa reconhecer a pertinência da questão que coloca: se faltar o requisito formal ou, melhor, se houver um requisito formal e faltar o requisito substancial, se essa lei, apesar de estar formalmente declarada como lei geral da República, o é quanto à substância. Eventualmente, pode estar aí também uma fonte de inconstitucionalidade, não me repugna nada reconhecê-lo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Tanto monta a que o Sr. Deputado também reconheça o outro lado da razão na minha argumenta-

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ção de há pouco: uma lei que, justamente, tenha o requisito substancial e lhe falte o requisito formal, nem por isso pode deixar de ser uma lei de competência reservada dos órgãos de soberania. O que quer dizer, Sr. Deputado Guilherme Silva, que a sua questão é pertinente pelo lado em que a colocou, tanto quanto a minha questão é pertinente pelo lado em que eu a coloquei. O que estamos, de facto, é a colocar o Tribunal Constitucional na indispensabilidade de um grande trabalho jurisprudencial no futuro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Devo congratular-me com o alto nível das argumentações produzidas esta noite acerca do artigo 115.º da Constituição e das propostas que estão perante o Plenário da Assembleia da República para a sua alteração. Julgo, no entanto, que estamos a ir longe demais.
Na verdade, as propostas que obtiveram consenso dentro da maioria para a revisão constitucional durante os trabalhos da Comissão Eventual, são propostas bem concretas e não posso deixar de as qualificar como modestas. Não vale a pena, por isso, pôr em causa toda a elaboração política, doutrinal, jurisprudencial já fixada, ao longo das mais de duas décadas de vigência da nossa Constituição, relativamente a esta matéria. Tudo isto que foi adquirido, está para permanecer! Aquilo que a Assembleia da República introduzirá de novo - se vierem a ser aprovadas as propostas que resultam dos trabalhos da Comissão Eventual - é apenas uma limitação do entendimento da lei geral da República, enquanto travão à capacidade legislativa regional, apenas aos princípios fundamentais dessa mesma lei e não ao seu conteúdo, completo e pormenorizado.
E, por uma questão de certeza de direito, e apenas, obviamente, para futuro, também ficará estabelecido aceitando-se as propostas da Comissão Eventual - que as leis gerais da República deverão decretar, deverão determinar com clareza que assim se assumem, que assim se tomam como leis gerais da República. Este requisito formal é, como todos os requisitos formais, essencial (não quer dizer que seja substancial - são conceitos diferentes). E, obviamente, será, daqui para futuro, uma maneira de, com mais certeza, sabermos quais são aqueles diplomas que constituem leis gerais da República e que, por isso mesmo, de alguma forma - insisto, quanto seus princípios fundamentais - tolhem a capacidade de elaboração em matéria legislativa incluída nas competências das assembleias legislativas regionais.
É apenas isso que está em causa, Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados. Transformar esta questão, que é um pequeno pormenor, numa questão de fundo, de alteração substancial do nosso regime constitucional - como parecem pretender alguns dos partidos que não se inseriram na maioria constitucional quanto a este ponto, parece-me exagerado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não é maioria constitucional, é maioria de revisão constitucional!

O Orador: - Tem razão, tem toda a razão - é a maioria necessária para a revisão constitucional. De resto, em muitas matérias, efectivamente, existe uma unanimidade de pontos de vista entre todos os partidos políticos parlamentares.
Em síntese: parece-me exagerado, não é necessário trazê-los aqui à colação, agitar velhos fantasmas! Não adianta! Não é pelo facto de, a partir de agora, as assembleias legislativas regionais serem limitadas apenas pelos princípios fundamentais das leis gerais da República - quanto ao resto, continua a entender-se tal como tem sido entendido até agora - que vai cair a honra da pátria e a unidade nacional na lama! Sejamos objectivos: não há razão nenhuma para alarmes. E, como muito bem foi sublinhado por alguns dos Srs. Deputados que já intervieram antes de mim, tanto da parte do PSD como do parte do PS, nomeadamente o Sr. Deputado Jorge Lacão e o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, o nosso objectivo é dar uma resposta, uma resposta necessária, à interpretação que o Tribunal Constitucional, em termos restritivos, introduziu, o nosso intuito é de, de alguma forma, libertar - insisto, desta maneira bem concretizada e bem delimitada - o poder legislativo regional, uma das grandes aquisições, uma das grandes conquistas da Constituição do 25 de Abril.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, apesar do estilo mais sofisticado e tranquilo com que o Sr. Deputado Mota Amaral acaba de tentar tranquilizar-nos relativamente a estas disposições do artigo 115.º, o que é um reflexo da forma como exerceu a autonomia enquanto foi Presidente do Governo Regional - aliás, contrastando com outros estilos bem mais preocupantes e que devemos ter presentes quando discutimos estas matérias, porque a Constituição se destina à vida prática dos cidadãos e deve ter em conta as realidades concretas de quem vai lidar com ela, aplica-la e ter a responsabilidade de a respeitar...

O Sr. João Amaral (PCP):. - Estão a fazer-lhe uma injustiça, Sr. Deputado Mota Amaral!

O Orador: - Apesar desse estilo, penso que esta discussão serviu para demonstrar duas coisas importantes. A primeira é que, ao contrário do que o Sr. Deputado Guilherme Silva defendia a propósito do n.º 4, dizendo que se visava, por via constitucional, limitar uma interpretação restritiva que o Tribunal Constitucional tem feito de várias matérias relacionadas com este problema, se acaba por conseguir o efeito exactamente inverso. Como o Sr. Deputado Jorge Lacão acabou de reconhecer, através do n.º 3 está-se desde já a encomendar mais trabalho ao Tribunal Constitucional e a abrir um maior campo de conflitualidade potencial entre quem exerce o poder nas regiões autónomas e os órgãos de soberania da República. Isto tem de ser registado porque, como comecei por dizer, a Constituição da República Portuguesa é executada e respeitada, ou não, por homens e políticos concretos e todos temos presente as afirmações extremistas, não produzidas pelo Sr. Deputado Mota Amaral, nem porventura produzidas na região autónoma em que tem mais experiência mas noutra, em que, de facto, basta lembrar esse comportamento para vermos com muita preocupação o combate político que aqui se está a inaugurar e a prometer a partir do momento em que se abram polémicas sobre o facto simples de descortinar o que é um princípio fundamental de uma lei geral da República. Está bem de ver, se pensarmos em certos políticos e em certas afirmações, até

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recentes, sobre o modo de interpretar as autonomias e até os objectivos prosseguidos por essas autonomias, que estamos com este n.º 3 do artigo 115.º, conjugadamente com o seu novo, novíssimo, n.º 4, a criar mais problemas do que aqueles que vamos resolver. E como ficou bem patente, apesar da tentativa tranquila do Sr. Deputado do Sr. Deputado Mota Amaral, estamos nesta matéria, como em outras, não perante um acordo de revisão mas perante um desacordo de revisão. O problema é que quem pagará esse desacordo é o país.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão do artigo l 16.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 116.º e às propostas de alteração que sobre ele recaiem há duas coisas que vale a pena dizer. Em primeiro lugar, a alteração para o n.º 2 era necessária pois era uma verdadeira ficção em termos constitucionais uma vez que o recenseamento eleitoral já não era único para todas as eleições por sufrágio directo e universal posto que havia várias eleições em relação às quais o universo eleitoral era composto de modo diferente atendendo a que havia novos direitos que foram reconhecidos em relação aos cidadãos comunitários e em relação, em regime de reciprocidade, a cidadãos oriundos dos PALOP. Portanto, trata-se, verdadeiramente de uma alteração necessária e obrigatória.

O Sr. José Magalhães (PS): - Diz muito bem!

O Orador: - Em relação ao n.º 6, qual o problema que aqui se coloca e porque é que é feita esta proposta? Se atentarmos no que aconteceu há relativamente pouco tempo em dois países europeus, verificamos como foi possível realizar rapidamente um novo acto eleitoral e instituir novos órgãos eleitos com uma rapidez que em Portugal é absolutamente impossível de fazer. O que acontece é que tem havido, quer na Constituição da República Portuguesa, quer na nossa lei ordinária, vários obstáculos a que os órgãos eleitos entrem rapidamente em funções, a que a campanha eleitoral decorra com rapidez, as crises políticas ou os actos eleitorais decorram com rapidez e presteza para a sua resolução.
Havia obstáculos na lei ordinária, a maioria dos quais foi superada, houve alterações há bem pouco tempo em relação aos prazos da campanha eleitoral e em relação aos prazos para a repetição de actos eleitorais, foram ambos reduzidos. Aliás, a própria rigidez da lei constitucional em vários artigos - e este é o primeiro dos quais tratamos - impedia que a rapidez fosse assegurada ao nível da lei constitucional e se repercutisse a lentidão ao nível da lei ordinária.
Sendo assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, propomos que haja uma alteração no encurtamento do prazo previsto no artigo 116.º, n.º 6, pois pensamos que é um bem para a democracia, é um bem para a clarificação do preceito constitucional e é um entrave que deixa de existir para a lei ordinária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O conjunto de alterações propostas para o artigo 116.º tem um sentido que julgamos positivo. Por um lado, o facto de se clarificar que o recenseamento é único - e sublinho único, como regra geral -, mas que se tem que ter em conta a situação particular que decorre, designadamente, do artigo 15.º e do facto de haver emigrantes, sobretudo emigrantes que votam para as eleições, é para nós algo de perfeitamente explicável mas sem deixar de sublinhar que a regra é efectivamente a da unicidade do recenseamento.
Diferente é, naturalmente, a opinião que temos acerca da alteração decorrente do artigo 124.º, n.º 2, já que ela decorrerá do acordo PS/PSD em matéria de voto para as presidenciais, matéria sobre a qual temos uma opinião que é conhecida e que em breve será debatida.
Quanto ao problema da explicitação do princípio da transparência das contas eleitorais, parece-nos algo que também reputamos de positivo. Está em cima da mesa, com uma maioria simples da CERC, mas para apreciação em Plenário e com eventual perspectiva de evolução, a ideia de baixar o prazo nos termos do qual deve ser marcada a data de eleições no acto de dissolução de órgãos colegiais. Nesse caso também entendemos que o prazo actual é francamente alargado, cremos que haveria vantagens em diminuí-lo, somos sensíveis aos problemas colocados pelo STAPE devido naturalmente à qualificação técnica que é suposto ter, mas julgamos também que as questões aqui trazidas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, tal como já tinha levado à CERC, o seu próprio conhecimento directo deste sector e destes serviços, são para nós motivo que vai no sentido de confiar que baixar o prazo não vai ser sinónimo de impossibilidade de cumprir o novo prazo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Confiamos, portanto, que a administração eleitoral tudo fará para, alterada a Constituição da República Portuguesa, vir a corresponder àquilo que vier a ser fixado e, portanto, permitir-nos a todos que no caso de dissolução de órgãos colegiais possamos ver as eleições realizadas num prazo mais curto do que actualmente acontece.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quero, entretanto, sublinhar o facto de não ter havido maioria para consagrar constitucionalmente a existência da Comissão Nacional de Eleições. É conhecido da parte de todos a importância que tem cada vez mais a administração pública independente. Julgamos que a CNE, independentemente das críticas pontuais que possa haver aqui ou ali, tem desempenhado um papel importante e que a alternativa para a sua extinção era pura e simplesmente a actuação dos tribunais que não seriam suficientes para resolver expeditamente uma série de questões que lhe são colocadas ou, então, a actuação da administração eleitoral dependente do Governo que é, como é sabido, uma administração eleitoral dependente de um Governo controlado por um partido. Julgamos, por isso, que teria havido vantagens em, aliás correspondendo a uma proposta reiteradamente apresentada pelo PCP, consagrar

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a Comissão Nacional de Eleições. Infelizmente, não foi este o entendimento, designadamente do PSD, mas haverá outras oportunidades no futuro para a questão ser recolocada.
Entretanto, independentemente da não consagração da CNE na Constituição da República Portuguesa, é evidente que ela vai continuar a desempenhar o seu trabalho, como está a desempenhar desde já no próprio processo eleitoral conducente às eleições autárquicas.
Sobre a proposta, que também subiu a Plenário, e que diz respeito às listas de cidadãos eleitores para a Assembleia da República, gostaríamos de dizer que nos congratulamos com o facto de ir passar a ser obrigatória a existência de listas de cidadãos eleitores, designadamente para os municípios. No entanto, julgamos que no caso de assembleias que dão origem a executivos e designadamente parlamentos a partir dos quais é formado governo, a questão da governabilidade e da possibilidade de existência de uma maioria que dê existência ao Governo é algo de bastante importante. Aliás, não compreendemos que haja quem se preocupe com esta questão para efeitos de alterar o sistema eleitoral e que faça dela tábua rasa quando se trata de alterações deste tipo em relação à Assembleia da República. Os partidos, no fim de contas, são grupos de cidadãos eleitores, simplesmente grupos de cidadãos eleitores dotados de estabilidade e que têm que responder perante o Tribunal Constitucional e desde logo com a fiscalização das contas eleitorais, e, por isso mesmo, o facto de a apresentação de listas para a Assembleia da República ser reservada aos partidos políticos e às coligações de partidos políticos não consiste numa amputação de direitos dos cidadãos e, pelo contrário, é algo que nos parece perfeitamente explicável em face de um dos objectivos importantes do Parlamento que é exactamente dar origem a soluções governativas. Este tem sido, de resto, o entendimento de importantes constitucionalistas portugueses em cuja lição nos revemos neste plano.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de princípios gerais de direito eleitoral, esta revisão constitucional trará verdadeiramente duas alterações relevantes e curiosamente ambas em matéria daquilo que poderíamos chamar mecânicas, uma mecânica de recenseamento e a outra a própria arquitectura e os prazos de realização dos actos eleitorais. Mais nada nesta sede.
As propostas que apresentámos para consagrar a possibilidade de apresentação de candidaturas independentes obtiveram provimento em matéria de autarquias locais, concretamente em matéria de municípios, mas não aqui pois o PSD opõe-se absolutamente a essa opção e inviabilizou uma solução deste tipo que tinha, de resto, a oposição de outros partidos, como acabámos de constatar. Donde, a margem de inovação possível nesta matéria.
Francamente também, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a não inovação não é desvirtude quando o ponto de partida é bom. E este ponto de partida não é bom, é excelente, é um pilar de democraticidade e de legitimidade das instituições portuguesas, funcionou bem e nesse sentido os dois acrescentos são positivos mas são minudentes.
Primeiro acrescento: diferenciação em matéria de recenseamento. Não é esse o problema essencial porque o problema essencial nessa matéria é encontrarmos, a nível infraconstitucional, uma forma de o actualizarmos e de o aproximarmos da realidade sem quebrar nenhum princípio de lisura procedimental e de bom processamento.
A segunda novidade é introduzir-se o princípio da transparência em matéria de contas eleitorais reforçando o que já decorre da Constituição da República Portuguesa, mas é bom de ver que o legislador ordinário vai ter muito mais trabalho do que isso, vai ter que regular cuidadosamente todo o aspecto do financiamento das campanhas, matéria em que os bons princípios já constam da Constituição da República Portuguesa.
Terceira alteração, igualmente positiva, é o facto de se acelerar, de se encurtar de 30 dias todo o sistema posterior a qualquer dissolução de órgãos colegiais baseados no sistema de sufrágio directo. É verdade que a máquina que acompanha as nossas eleições, o STAPE, teve uma atitude de grande prevenção nesta matéria e de alguma deificação do regime legal em vigor, mas a verdade é que esse regime legal em vigor não é o único possível, os prazos podem ser compactados sem nenhuma lesão dos direitos dos intervenientes. A experiência de outras democracias revela-nos que isso é possível e, por exemplo, noutra sede da Constituição, garantimos que a Assembleia da República reúna no terceiro dia posterior ao acto eleitoral com base nos resultados computadorizados que o país tem no acto eleitoral poucas horas depois do fecho das urnas. Esses resultados não são infirmáveis, salvo catástrofe ou apocalipse informática que está longe de poder acontecer, ou que é difícil que aconteça, e que tem sempre controle manual por parte dos partidos políticos que fazem eles próprios as suas contas. Portanto, a República está preservada da fraude, não há que ter receio de fazermos em Portugal o que permite noutros países que as transições governamentais ocorram, não com prazos de um e dois meses, como aconteceu no último fenómeno de alternância, mas em poucos dias, como é possível e como os cidadãos exigem.
Uma última palavra, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para lamentar que não tenha sido possível uma norma expressa de consagração da Comissão Nacional de Eleições. Trata-se de um órgão independente que obtém uma constitucionalização através da cláusula geral que vamos inserir em sede de Administração Pública. Portanto, não é verdade que não haja uma credencial constitucional para a existência da CNE - passa a haver, não existia -, mas teria sido melhor, provavelmente teria sido óptimo, inserir uma referência expressa à CNE, que é um órgão que se prestigiou e ao qual nos afeiçoámos no decurso do funcionamento das próprias instituições e que, suponho, nenhum partido quererá, a algum título, extinguir ou diminuir.
Na verdade, os períodos de combate às forças de bloqueio por parte do PSD foram, aparentemente, substituídos agora por uma verdadeira paixão pela CNE, que o PSD exibe quase, diria, "lambuzando" a CNE de beijos embaraçosos que também não lhe ficam bem nem cheiram a sinceridade.
Teríamos preferido uma boa credencial constitucional a esses actos de "paixonite aguda" a propósito de uns conflitos que todos conhecemos. É este o saldo, e é positivo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estávamos a ir tão bem, e estamos, e eu

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gostaria apenas de traçar três pequenos comentários em relação a esta matéria, principalmente tendo em conta as duas intervenções anteriores dos Srs. Deputados Luís Sá e José Magalhães.
Relativamente ao conjunto das duas intervenções gostaria de realçar três coisas. Em primeiro lugar, a questão do recenseamento.
Esta questão não é apenas aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães disse, pois, na verdade, há que fazer modificações muito importantes no recenseamento, há que informatizar o recenseamento o mais urgentemente possível...

O Sr. José Magalhães (PS): - Já devia estar!

O Orador: - Já devia estar, é verdade; se tivessem sido cumpridos os prazos que deixámos já nesta altura estaria cumprido o recenseamento informatizado. V. Ex.ª perdeu uma boa oportunidade para estar calado...

O Sr. José Magalhães (PS): - E V. Ex.ª fez mal em dormir!...

O Orador: - Mas é necessário fazer um novo recenseamento eleitoral, radical, porque há nos cadernos eleitorais muitas coisas que não estão bem, que devem estar perfeitamente ultrapassadas e é preciso fazer um recenseamento novo.

O Sr. José Magalhães (PS): - De acordo!

O Orador: - V. Ex.ª também está de acordo com isso - aliás, era o que faltava se não estivesse...
Em segundo lugar, é necessário apontarmos para uma actualização de todo o processo eleitoral, pois aquilo que estamos a fazer é apenas mexer em prazos que o tornam mais expedito e ágil, mas há muita outra coisa a fazer no processo eleitoral ao nível da lei ordinária.
Não podemos, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, deixar o processo tal como está; temos de alterná-lo, de modificá-lo e de modernizá-lo e este trabalho não pode deixar de ser feito.
Em terceiro lugar, há uma coisa relativamente à qual não estamos de acordo: penso que a CNE não é propriamente a última palavra em relação a instrumentos deste tipo em processos eleitorais. Todos os países europeus já deixaram há muito de ter instrumentos como a CNE e foram substituídos por tribunais ou por secções de tribunais constitucionais.
É este o aceno de futuro que deixo em relação aos demais partidos, pois penso que esta seria a fórmula que resolveria todos os problemas em relação a esta dimensão de fiscalização do processo eleitoral, porque, para o resto, está a administração eleitoral, que tem sido inatacável durante todos estes anos e que tem praticado o seu trabalho com inegável isenção e mérito, por isso não é necessário uma comissão que duplique algumas áreas de interferência da administração eleitoral.
De facto, seria muito mais simplificado todo o processo de fiscalização eleitoral se ele radicasse em tribunais ou numa secção especializada do Tribunal Constitucional. É, pois, esta a solução que defendo.
Finalmente, gostaria de dizer, Sr. Deputado José Magalhães, que a CNE tem para nós, nesta altura ainda, um valor acrescido, pois é um instrumento fundamental enquanto existe e deve ser seguido por todos, inclusivamente pelos "marechais" do Norte.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, a questão que quero colocar-lhe é sobre a CNE e é esta: o senhor, ao mesmo tempo invoca a CNE para efeitos de ser respeitada pelos "marechais" do Norte, diz que é inútil e que poderia ser substituída por qualquer outro tipo de estrutura.
Ora, o meu entendimento é o de que a CNE tem, efectivamente, a partir desta revisão, uma credencial constitucional expressa, o que não significa, de forma alguma, que não fosse vantajoso que a própria CNE tivesse uma consagração expressa, como aliás, propusemos.
Contudo, a questão que coloco, e o senhor que contactou com a administração eleitoral conhece bem situações deste género, é a seguinte: Sr. Deputado, tive oportunidade de, numa experiência pessoal de sete anos como membro da CNE, lidar com muitas situações em que a CNE telefonou para freguesias recônditas, para câmaras municipais dos mais diferentes pontos do país, ou, pura e simplesmente, dialogou até com a administração eleitoral central, procurando que determinadas irregularidades não fossem cometidas e, frequentemente, evitou que essas irregularidades fossem cometidas e chegassem a tribunal, isto é, actuou no sentido preventivo e de impedir que se chegasse à fase do litígio aberto, tendo evitado, assim, a irregularidade e a ilegalidade que, eventualmente, teriam de ir a tribunal.
Ora, este tipo de actuação persuasiva, pedagógica e preventiva foi absolutamente indispensável. E mais: entendo que continua a sê-lo, porque temos uma administração eleitoral muito descentralizada, que envolve, designadamente, as freguesias e os municípios, e este tipo de actuação tem um significado muito importante que não pode ser desempenhado pelo STAPE ou pelo Ministério que aparece imediatamente ligado a um partido político, isto enquanto a CNE tem uma composição plural que lhe dá uma autoridade bastante maior - aliás, a própria presidência por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça dá-lhe uma autoridade e uma imagem de independência melhor, no sentido de poder desempenhar este papel persuasivo e preventivo que os tribunais não podem, porque têm por missão intervir no momento em que há o litígio aberto que não pode ser resolvido por estes meios:
Era, pois, sobre estas reflexões que gostaria de ouvir o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, longe de mim dizer que a CNE não teve méritos e um papel muito positivo na nossa democracia e na fiscalização dos nossos processos eleitorais. Teve e ainda tem! É um órgão que existe e deve ser dignificado enquanto existe.
O meu problema não é esse. O que digo é que, segundo a minha solução, este órgão, hoje, devia com vantagem ser substituído por outro com base perfeitamente jurisdicionalizada. Deveria ser um tribunal, não devia ser uma Comissão Nacional de Eleições constituída como é. O meu entendimento das coisas é este, e que, nesta altura, todos os países europeus acabaram por ter em relação

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a organismos idênticos, mas longe de mim desprezar quer aquilo que ela fez, quer aquilo que ela faz, quer a sua existência, quer a dignidade com que todos os seus membros têm trabalhado e trabalham.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, passamos à discussão do artigo 117.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, Deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira, círculo eleitoral do Funchal, congratulamo-nos com a consagração dos direitos das oposições na Assembleia da República, gozando também desse direito nas assembleias regionais, na medida em que, até ao presente, as oposições vivem numa situação de excepção em que o Governo da região e as assembleias regionais deixam as oposições numa situação de desconhecimento dos negócios do Estado e do Governo regional.
Assim, este artigo é a consagração na Constituição dos direitos da oposição, pelo que gostaríamos de vê-lo aprovado pela Assembleia da República e com ele nos congratulamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero associar-me à satisfação do Sr. Deputado Arlindo Oliveira pelo facto de a Constituição ter recolhido, ao fim e ao cabo, algo que já decorre de uma prática generalizada em ambas as regiões autónomas e da própria lei.
Espero que o Sr. Deputado Arlindo Oliveira e o seu partido saibam fazer o correcto uso destas prerrogativas constitucionais e que obtenham no terreno e na pugna eleitoral normal os resultados correspondentes àquilo que é o seu grau de capacidade para servir as regiões autónomas.
Naturalmente que o insucesso do passado tem revelado que não têm merecido a confiança dessas populações no que respeita à Região Autónoma da Madeira e espero que não pense que seja a Constituição a varinha mágica para suprir essas insuficiências.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O direito de oposição é, nas actuais democracias representativas, e sobretudo no Estado representativo de partidos, um dos mais importantes direitos fundamentais.
Creio, na verdade, que a teoria da separação de poderes, tal como foi formulada, designadamente pelos filósofos liberais, está, em grande medida, posta em causa a partir do momento em que a maioria parlamentar e o Governo têm a mesma liderança e constituem um todo orgânico no qual a ideia de um papel do Parlamento que controla o poder é, de algum modo, diluída.
Sabemos que a maioria parlamentar, por vezes, pode ter momentos um pouco desorganizados, mas, independentemente desta questão, este é um problema de fundo e iniludível. Por isso, entendemos que, neste quadro, têm razão os que afirmam que há uma nova separação de poderes diferente da que foi formulada, por exemplo por Locke e Montesquieu, e que essa separação de poderes não consiste já na separação clássica, designadamente entre legislativo e executivo, mas consiste, acima de tudo, na separação entre, por um lado, maioria parlamentar e Governo e, por outro lado, partidos da oposição.
Nesse sentido, o facto de ao n.º 2 se acrescentar à ideia de direito de oposição democrática a de que é definida nos termos da Constituição e da lei tem uma importância exacta, a de que deve ser definido um estatuto de oposição suficientemente densificado para ter em conta este problema fundamental das democracias modernas. A alternativa de uma situação em que as oposições tenham um conjunto de direitos suficientemente largos e devidamente explicitados é uma situação em que, na prática, não há separação de poderes.
Por isso mesmo, entendemos que é importante o facto de, explicitando princípios que, de algum modo, estavam na Constituição, serem expressamente consagrados os direitos de oposição dos partidos políticos representados nas assembleias legislativas regionais.
Por isso, acompanharemos as duas propostas que estão feitas pela CERC e apelamos a que o PSD noutros planos, por exemplo no dos direitos de intervenção dos partidos nas assembleias legislativas regionais, no direito de participação na Mesa, etc. - matérias que foram aprovadas com maioria simples e que o PSD inviabilizou - possa ainda reconsiderar até ao momento da respectiva apreciação, no sentido de que os princípios aqui referidos venham a ter um conteúdo efectivo, designadamente quando chegar o momento de debater o artigo 234.º neste Plenário.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir o Sr. Deputado Guilherme Silva, fiquei desvanecido com os seus conselhos em relação à Madeira, para que façamos bom uso destas liberdades que a Constituição nos confere. Acho graça e lamento, embora me sinta feliz por estar aqui, na Assembleia da República, a lutar pelos direitos, as liberdades e as regras mais elementares da democracia na Madeira, ter de recorrer à Assembleia da República para ver respeitadas as regras mínimas de democracia, especialmente na assembleia legislativa regional.
É preciso a Assembleia da República, de certa forma, fazer imposições, para que a democracia seja respeitada na Madeira. Não será demais dizer que, se não fossem, de facto, as imposições da Constituição, na Madeira, ainda viveríamos num Estado de excepção, e em alguns pontos é verdade que ainda se vive. Nunca é demais lembrar a falta de pluralidade na Mesa da assembleia legislativa regional;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... nunca é demais lembrar que, para vencer-se na Madeira, é preciso ter "cartão laranja". Já que

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referi o "cartão laranja", quero dizer que se fala muito aqui, no continente, dos boys e dos jobs, mas os boys e os jobs, na Madeira, são todos do PSD, mesmo aqueles que competia ao Governo da República designar.
Portanto, congratulamo-nos com o facto de ficarem exarados na Constituição os direitos da oposição e o direito de sermos informados, a respeito de todos os assuntos de Estado, da governação madeirense, mas é pena que tenha de ser a Constituição a impô-lo.
O Presidente do Governo Regional, que nunca foi democrata nem tem gosto pela democracia, sempre foi um homem que defendeu o regime anterior, basta ler a História recente...

Protestos do PSD.

Admiro-me que seja o Sr. Deputado Guilherme Silva a defender essas teses...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Vá lá ganhar as eleições!

O Orador: - Sr. Deputado, se quer intervir, inscreva-se. O Sr. Deputado não gosta de ouvir-me falar. Já na CERC não gostou de ouvir-me falar.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não entrem em diálogo.
Sr. Deputado Arlindo Oliveira, queira concluir a sua intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino, dizendo ao Sr. Deputado Guilherme Silva que não recebo, da parte da bancada do PSD, lições de democracia, muito menos nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É esse o mal!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir a intervenção do Sr. Deputado Arlindo Oliveira talvez compreenda um pouco melhor alguma má vontade ou hostilidade do PS em relação às regiões autónomas e às autonomias. Naturalmente, avaliadas de uma forma interna, daí o juízo menos correcto que possa fazer sobre autonomia regional e as pessoas que a possam mais significativamente representar.
O Sr. Deputado Arlindo Oliveira diz que precisa de vir queixar-se à Assembleia da República de falta de democracia na Região Autónoma da Madeira. Sr. Deputado, só posso dar uma interpretação a esse seu desabafo: o Sr. Deputado lá sabe o que o seu partido terá feito a nível regional para considerar-se eleito de forma menos democrática. Eu fui eleito, mas fui eleito democraticamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Fui eleito democraticamente, por isso não tenho esses problemas de consciência. No entanto, registamos e compreendemos o seu desabafo quanto a essa dúvida ou a essa certeza sobre uma forma de eleição menos democrática, que terá havido no seu caso, mas não no meu.

Protestos do PS.

Em relação aos boys e aos jobs, o Sr. Deputado Arlindo Oliveira é um belo boy e também tem um belo job na Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Ah, sim?!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, não gostaria de continuar a maçar os colegas com este diálogo, no entanto pergunto-lhe se conhece alguém que tenha sido eleito pelo círculo eleitoral da Madeira de um modo não democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado disse que vim aqui queixar-me. Não venho aqui queixar-me mas, sim, defender direitos, liberdades e garantias, por forma a ficarem consignadas na Constituição e para que sejam respeitadas na ilha da Madeira. Do que o Sr. Deputado se queixou ainda há pouco - e queixou-se, efectivamente - foi das suspeições constantes de Lisboa em relação à Madeira. Mas, se elas existem, a culpa é do Governo Regional da Madeira, porque está sempre a dar razões a Lisboa para ter suspeições, nomeadamente pela forma como se dirige à República e aos portugueses. Ainda há pouco tempo o Presidente do Governo Regional foi obrigado a pedir desculpa a está Assembleia, e com certeza que o foi pelo uso da sua livre linguagem, a respeito da qual não faço mais comentários nem aplicarei mais adjectivos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já nem se respeita o Cavaco!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Arlindo Oliveira, vamos lá a ver se nos entendemos. Quem falou na falta de democracia na Região Autónoma da Madeira não fui eu, foi V. Ex.ª. E como levantou essa dúvida com tanta convicção, pus-lhe o problema de saber se isso tinha a ver com a sua própria eleição de forma menos democrática. Mas ainda bem que V. Ex.ª confirmou que não há eleições na Região Autónoma da Madeira que não sejam plenamente democráticas, ou seja, que na Região Autónoma da Madeira há plena democracia. Ainda bem que V. Ex.ª o confirmou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não havendo mais oradores inscritos para intervir a respeito do artigo 117.º, passamos à discussão do artigo l l8.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a discussão das propostas sobre o artigo 118.º abordamos uma questão de forte incidência política relacionada, como todos sabemos, com as questões do referendo. São questões particularmente caras ao PSD, por elas lutou desde o princípio...

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O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e por elas esteve só nessa luta durante muito e muito tempo.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Estivemos anos e anos a lutar para que o instituto do referendo fosse constitucionalizado e com ele e por ele reforçada a democracia representativa em que acreditamos e que confiamos ser o sistema político mais adequado à defesa da liberdade e da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A solidão nesta luta terminou em 1989, e bem, mas o que então se decidiu ficou um pouco aquém do que se pretenderia para o referendo. Estamos hoje a discutir o aprofundamento e o alargamento deste instituto, com propostas com as quais, manifestamente, nos congratulamos. Em minha opinião, se a Assembleia aprovar, como tudo faz crer, as propostas presentes, dará ao povo português a possibilidade de se exprimir, através de referendo, em circunstâncias importantes e necessárias.
Acima de tudo, estão em causa três questões fundamentais.
Em primeiro lugar, o alargamento do âmbito do referendo a questões de relevante interesse nacional que sejam objecto de convenções internacionais. Esta matéria é crucial e, a nosso ver, vai assumir, nos tempos futuros, importância acrescidas. A diplomacia tende a multilateralizar-se, a participação de Portugal em diversas convenções e tratados tende a acentuar-se e é natural que, ao negociar-se, no âmbito internacional, convenções ou tratados, estes abordem matérias que, pela sua natureza, significado ou especial relevo, possam merecer o voto específico dos portugueses mediante referendo.
Por isso, este alargamento é uma aquisição fundamental para o aperfeiçoamento do nosso sistema democrático e para a capacidade de o povo português, em determinados e precisos momentos, expressar a sua vontade.
Também o poder de iniciativa é alargado, e bem. Faz todo o sentido estender a um número significativo de portugueses a possibilidade de, através desta Assembleia, submeter ao país, no seu conjunto, e ao eleitorado questões que considere pertinentes e relevantes.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É também, ainda aqui, um enriquecimento da própria democracia representativa. Não podemos ter a pretensão de imaginar que no facto de os partidos apresentarem ao eleitorado os seus programas e verem esses programas aprovados, com maior ou menor quantidade de votos, se esgota a possibilidade de o povo ou uma sua significativa fatia manifestar, em determinados momentos concretos e perante matérias específicas, uma vontade própria e clara. Temos de ter a humildade de perceber que, embora representando legitimamente o povo português nesta Assembleia, não temos o exclusivo das preocupações e das soluções para o povo português.
Este alargamento de iniciativa vai permitir que questões novas ou mesmo antigas possam ser revistas ou reanalisadas por iniciativa popular. Cabe a esta Assembleia, naturalmente, debruçar-se sobre essa iniciativa popular e apreciar se ela tem um âmbito nacional ou se apenas representa interesses específicos, que não merecem a dignidade do referendo. O seu alargamento, insisto, é um enriquecimento da nossa democracia.
O terceiro aspecto que nos dá, ao PSD, uma dupla alegria é vermos os emigrantes poderem também votar em referendos sobre matérias que lhes digam especificamente respeito. Esta capacidade "casa-se" com uma luta antiga do PSD, na qual também estivemos sós durante demasiado tempo, para que os emigrantes portugueses, nos termos que a Constituição fixar, possam fazer ouvir e sentir a sua vontade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os referendos podem tratar de matérias que digam directamente respeito aos emigrantes e faz todo o sentido que eles possam pronunciar-se sobre elas. De resto, não percebo, nunca percebi e estou até hoje para perceber, embora conheça intelectualmente alguns argumentos, o medo em relação ao voto dos emigrantes. Nunca percebi e espero que esse medo seja um traço da história que desapareça, de modo a que, finalmente, os emigrantes portugueses, em todos os momentos, e, insisto, nos termos em que a Constituição definir, possam exprimir a sua vontade. São portugueses, fazem parte da vontade nacional,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - fazem parte da identidade nacional,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... são tão portugueses como nós, têm o direito de escolher como nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é por isso, com uma especialíssima satisfação, que faço esta intervenção, porque, por um lado, congratulo-me por ver o enriquecimento da democracia portuguesa, o enriquecimento da Constituição portuguesa, e, por outro, ainda por cima, em termos que foram sempre bandeiras fortíssimas do partido a que tenho a honra de pertencer.
Espero que, no futuro, não tenhamos de estar tanto tempo para fazer vingar aquelas ideias que têm a ver não com questões...

Protestos do Deputado do PS Marques Júnior.

Posso continuar, Sr. Deputado, se assim insistir!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Continue agora em espanhol, para eles, naquela bancada, perceberem!

Risos do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em argentino!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço aos Srs.
Deputados que não entrem em diálogo.
Faça favor de terminar a sua intervenção, Sr. Deputado Azevedo Soares.

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O Orador: - Sr. Presidente, parece-me que os Deputados do PS não estão contentes com a minha satisfação...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - É provável que assim aconteça, Sr. Deputado, mas tem de continuar a sua intervenção!

O Orador: - Mas têm de registar a minha satisfação e, democraticamente, respeitá-la.
Estou certo de que o PS vai, nesta Constituição, acompanhar o PSD neste movimento de enriquecimento, fortalecimento e aprofundamento da democracia portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Azevedo Soares, a primeira questão que lhe quero colocar é a seguinte: o Sr. Deputado está extremamente preocupado com a intervenção dos portugueses através do referendo.
Ora, uma das questões que inquieta os portugueses, que inquieta os povos da Europa, que faz cair governos é exactamente a questão da moeda única.
Tive oportunidade de ler as conclusões do último Conselho Nacional do PSD, em que o seu partido não permite referendar nem a moeda única, nem o caminho para a moeda única, nem os prazos, nem qualquer matéria neste plano. Era o grande problema, mas, agora, parece que é, exactamente, o problema que o PSD quer esquecer inteiramente.
Mas mais: neste momento, estamos perante o Tratado de Amsterdão, com pontos extremamente importantes, por isso era natural que o povo português se pudesse pronunciar ao menos sobre este Tratado. E o que é que leio aqui? Leio que o PSD quer apenas três perguntas. A primeira é "Concorda com o aprofundamento da integração de Portugal na União Europeia, de acordo com o Tratado de Amsterdão?"; a segunda é "Concorda com o reforço da cooperação policial europeia no combate ao tráfico de droga, às mafias e outras formas de criminalidade organizada?" - esqueceu aqui um ponto importante, que preocupa, por exemplo, muito o Deputado Medeiros Ferreira, e eu próprio até tive oportunidade de intervir sobre essa matéria, que era acrescentar aqui "sem as devidas cautelas, em matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos" - ; e a terceira é "Concorda com o reforço da cooperação europeia no combate ao desemprego?".

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Concorda ou não?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Responda!

O Orador: - O Sr. Deputado quer um referendo para perguntar: 6 europeus, concordam que a Comunidade dê um automóvel a cada cidadão?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Responda a isso!

O Orador: - Porque o resto, o Tratado, no seu conteúdo, nas suas contradições, pura e simplesmente, não quer referendar, assim como não quer referendar as grandes questões que se colocam verdadeiramente ao povo português.
Já agora, queria colocar-lhe uma outra questão: tendo o PSD acordado com o PS que os emigrantes votam quando se trate de referendos que recaiam sobre matérias que também lhes digam especificamente respeito, o que é que o Sr. Deputado entende por matérias que lhes dizem respeito e por matérias que não lhes dizem respeito?
Há ainda uma outra questão que lhe quero colocar: para um referendo ter efeito vinculativo é necessário que participem 50% dos eleitores. Ora, toda a gente sabe que a abstenção técnica em Portugal, ou seja, os eleitores indevidamente inscritos, é astronómica, e o Sr. Deputado Carlos Encarnação pode falar amplamente sobre isto. Sabemos, por exemplo, que, para o Parlamento Europeu, votaram 24% dos eleitores. Então, como é que o Sr. Deputado justifica este tipo de normas que constam do acordo?
Por outro lado, em relação a matérias que são, designadamente, da competência da Assembleia da República, o que é que leva a permitir referendar apenas as bases do ensino e a excluir toda uma série de outras? É um mistério, mas talvez o Sr. Deputado contribua para esclarecer a minha mente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, tenho muito gosto em me dirigir a V. Ex.ª. Repare o seguinte: sempre defendemos o referendo, mas nunca o defendemos contra a democracia representativa! Ou seja, não vamos com o referendo agredir a ratificação de um tratado aprovado nesta Assembleia! Portanto, há um Tratado que foi ratificado nesta Assembleia numa altura em que não havia possibilidade de haver referendo.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Porque o PSD não deixou!

O Orador: - Não havia possibilidade de haver referendo, não por culpa nossa, do PSD, mas por culpa de outros partidos representados nesta Assembleia.
Agora, usar o referendo contra uma ratificação parlamentar está fora da nossa ideia! Os referendos, com o seu valor vinculativo, terão incidência nos trabalhos posteriores da Assembleia, mas nunca para se virarem contra as suas próprias decisões. Por isso, a questão da moeda única morre por aqui.
É certo que percebo que V. Ex.ª gostaria de ver aqui referendadas essas complicadas questões, mas julgo que se trata de um assunto que está mais do que tratado.
O Estado português comprometeu-se através de negociações de boa fé, tidas de boa fé na comunidade internacional, assinou tratados, esta Câmara ratificou esse Tratado, e agora iríamos andar com tudo para trás e pôr em causa, perante nós próprios e a cena internacional, uma decisão totalmente legítima, totalmente democrática e assumida neste Parlamento?! Não faz sentido! Há uma questão de credibilidade nacional que não podemos ferir, tanto internamente como externamente.
Sobre as questões que têm a ver com os votos...

O Sr. João Amaral (PCP): - Eu explico-lhe. Posso fazer-lhe uma pergunta?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, sei que V. Ex.ª me explicaria tudo. Acontece que, nesta matéria, não estou

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preparado para compreender tudo, porque tenho o meu ponto de vista, tenho a minha convicção. Tenho ouvido alguns argumentos, simplesmente há uma questão de escolha, Sr. Deputado! E aqui é preciso escolher! De resto, tudo tem explicação!

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço desculpa! Já há pouco disse que ouvia mas não percebia!

O Orador: - Quanto aos emigrantes, naturalmente que só caso a caso, só perante o referendo em concreto, é que V. Ex.ª poderá definir se o assunto se aplica ou não aos emigrantes. Mas, por exemplo, no que se refere ao próprio referendo tantos emigrantes sobre o Tratado de Amsterdão, havendo portugueses na Europa, não fará sentido que, pelo menos esses, votem num referendo sobre o Tratado de Amsterdão? Parece-me que sim! Mas isso é uma opinião pessoal ainda não decidida politicamente!
Penso, pois, Sr. Deputado, que temos de enriquecer a democracia, temos de enriquecer a Constituição, e não começarmos a fazer referendos sobre toda a História portuguesa, que seria um sem fim de referendos, que nunca mais terminaria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PSD tem, na verdade, extrema cautela em escolher os Deputados que intervêm sobre determinadas matérias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - É normal!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação, como se sabe, intervém quando o PSD não tem nada de significativo para dizer!

Risos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

Por outro lado, numa matéria como esta, com tantas dificuldades para os partidos aqui representados, com excepção do PP, só um Deputado com grande senso diplomático, como o Sr. Deputado Azevedo Soares, poderia ter feito esta intervenção. O sorriso que ele teve, a que não foi incapaz de resistir, não se devia, certamente, à satisfação pela aprovação desta norma mas, sim, pela incongruência que notava entre aquilo que ia dizendo e aquilo que foi, no passado, a posição do PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Veja-se, por exemplo, que, na sua intervenção, fez apelo a uma determinada humildade que todos nós devemos ter, no sentido de sabermos que não podemos sempre dar resposta cabal aos anseios do povo português, esquecendo-se que fez parte de um governo em que era afirmado por membros desse governo, porventura pelo próprio Sr. Deputado, que bastava a inscrição da opção europeia da forma que foi feita no programa partidário para evitar qualquer referendo acerca destas matérias.

Vozes do CDS-PP: - Bem lembrado!

O Orador: - Disse depois que esperaria não ter de demorar tanto tempo para ver consagradas outras opções como demorou a consagrar esta opção do referendo. Dir-lhe-ia que o referendo, tal como estava consagrado constitucionalmente, tinha a valia que tinha, por isso é que nunca foi utilizado e que quem teve de esperar cinco anos por esta alteração foi o PP, sofrendo todos os impropérios por parte de vários Deputados deste Parlamento, como o Sr. Deputado Jorge Ferreira fez questão de referir numa última sessão acerca de política europeia.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não se arme em vítima!

O Orador: - Aquilo que nos interessa referir hoje é que consideramos de extrema importância o avanço que foi feito nesta revisão constitucional em relação ao referendo, que era um instituto que, pelos contornos que tinha, era dificilmente utilizável. Consideramos importante e relevante ter-se eliminado um alibi utilizado nos últimos anos no sentido de submeter à consideração do povo português matérias importantes para o seu futuro.
Não foi possível, no entanto, ainda consagrar constitucionalmente matérias a referendar, que permitissem, de alguma forma, colocar ao povo português e à sua decisão soberana, por exemplo, e directamente, matérias no que se relaciona com a possibilidade de questionar a moeda única ou o processo, o caminhar e prazos desse processo.
Tivemos, em sede de Comissão, posições de voto contra, por exemplo no que se refere à possibilidade de o referendo ser iniciado através de petição por parte de cidadãos, porque nos parece contraditório, quando se impede que os cidadãos possam pronunciar-se sobre determinadas matérias de relevo e se lhes dê a ilusória ideia de que podem desencadear um processo de referendo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Também votámos contra a norma que veio retirar valor ao referendo em que não tenha havido uma participação superior a 50% dos eleitores nessa decisão. Parece-nos contraditório, porque, em relação a eleições, como já foi aqui referido, que têm uma participação mínima de cidadãos, não há na lei, hoje, qualquer similitude, qualquer norma semelhante. Daí o nosso voto contra.
Diria, para terminar, que esta foi uma luta do PP que levou cinco anos a vingar, pelo menos em parte, e que ficamos obviamente satisfeitos e queremos congratular-nos com os passos dados, os quais permitirão, no futuro, uma intervenção mais democrática por parte dos cidadãos, evitando quaisquer alibis, como aqueles que ocorreram nos últimos cinco anos em Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a possibilidade de aprofundar o instituto do referendo é certamente um dos passos positivos desta revisão constitucional.

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A democracia representativa é fundamental no quadro da nossa ordem constitucional, mas o aprofundamento da democracia participativa é também um caminho em que nos empenhámos politicamente de forma inequívoca.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A muito custo!

O Orador: - E no aprofundamento dos objectivos da democracia participativa, a valorização do instituto do referendo tem um lugar fundamental. Ora, sublinhámos, desde logo, esse lugar fundamental, ao contribuirmos, designadamente, para que a iniciativa do referendo possa não apenas ser suscitada mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo dirigida ao Presidente da República mas ainda resultar de cidadãos eleitores dirigida à Assembleia da República. Esta foi uma das matérias em que mais persistentemente nos empenhámos, no sentido de tentar obter um consenso alargado. Tal como também o fizemos relativamente à possibilidade de outorgar aos cidadãos eleitores o direito de iniciativa popular legislativa, para que também nesse domínio se aprofunde mais um dos direitos de participação democrática.
Congratulamo-nos, pois, com este facto, tal como com o de o referendo poder ser um instituto consagrado não apenas a nível nacional mas igualmente, como resultará desta revisão constitucional, no domínio das regiões autónomas. Esse foi um outro esforço que positivamente pudemos levar a cabo e com o qual nos congratulamos.
Congratulamo-nos ainda com o facto de o referendo, como instrumento de consulta popular directa, poder, no futuro, passar a ter uma eficácia muito significativa também no domínio das autarquias locais, onde, até ao momento, se encontrava verdadeiramente condicionado pelos limites constitucionais que lhe estavam impostos.
Alargámos, por isso, de modo significativo, as possibilidades de recurso ao referendo. Como igualmente alargámos o âmbito material do referendo. Com isso, permitiremos, designadamente, que matérias relevantes, que sejam objecto de tratados a aprovar na Assembleia dá República, possam, com algumas excepções estabelecidas no artigo 118.º, ser objecto de iniciativa referendária.
Lamentam-se aqueles que, no plano político, tudo têm feito contra o aprofundamento da União Europeia que não tivéssemos aqui consagrado a possibilidade do referendo ab-rogatório. Dito de forma mais evidente, o referendo que possibilitasse uma consulta em torno da questão da moeda única. Porém, como já aqui foi salientado, em matéria de referendo, não cedemos a lógicas de oportunismo circunstancial. Por isso, não admitimos que possam prevalecer, como tese institucional, soluções referendárias contra a própria deliberação legítima dos representantes, assumida no Parlamento. Que o Parlamento possa aprovar leis ou tratados e que, depois, pudesse haver soluções abrogatórias por via referendária, era caminho aberto para conflitos de extrema dificuldade no funcionamento entre representantes eleitos e aqueles que directamente fossem chamados ao exercício desse mesmo referendo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sejamos ousados nas inovações positivas, mas prudentes na defesa do sistema representativo.
Por outro lado, Srs. Deputados, também nos congratulamos pela circunstância de o referendo poder vir, no futuro, a abarcar matérias sobre as quais possam ser chamados a pronunciar-se cidadãos residentes no estrangeiro, mas aí obviamente apenas nos domínios e nas matérias que lhes digam especificamente respeito. E, articulado com esta solução do artigo 118.º, prevalece também uma nova atribuição de competência ao Tribunal Constitucional, ao qual se comete a responsabilidade de, em sede de fiscalização preventiva, não apenas avaliar obrigatoriamente, como já acontecia, a constitucionalidade das propostas de referendo como também determinar o universo eleitoral para cada um dos referendos que se venha a estabelecer.
Estão, por isso, garantidas as condições. tanto de democraticidade plena no momento deliberativo e da decisão quanto de fiscalização da constitucionalidade das iniciativas referendárias.
Ao Sr. Presidente da República, em última instância, tanto para os referendos nacionais como para os referendos regionais, competirá a decisão política quanto à oportunidade da sua convocação.
Não quero confundir a solução do referendo do artigo I 18.º com o referendo específico, que provavelmente também adoptaremos neste processo de revisão constitucional, na fase de institucionalização em concreto da regionalização. A seu tempo, abordaremos esta matéria, mas, quando o fizermos, teremos ocasião de estabelecer as diferenças específicas de regime de uma solução de referendo face ao regime geral do artigo 118.º.
Agora, quero tão-só aproveitar para fazer o seguinte aviso a todos nós: ao estabelecermos no n.º 11 do artigo 1 18.º que "o referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento", temos de tomar consciência de que daqui derivará muito provavelmente ou a necessidade de um enorme esforço para a actualização do recenseamento eleitoral ou eventualmente - questão que não pode ser escamoteada - um novo recenseamento na sociedade portuguesa. É que suponho haver algo, Srs. Deputados, a que, no futuro, não nos poderemos dar ao luxo: é de não dar natureza vinculativa ao referendo, apenas por causa das chamadas "abstenções técnicas", ou seja, das imperfeições que resultam de um registo de recenseamento que, por múltiplas razões, apresenta muitos sinais de desactualização. São exigências de actualização da própria Administração, no que diz respeito à actualidade do recenseamento dos cidadãos eleitores, e esse será também um passo para a verdade da democracia portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estamos, neste momento, perante uma possibilidade política real de o referendo, no futuro, ter um papel maior no sistema político português. Já o tentámos em 1993, a propósito da questão do Tratado da União Europeia, e aqueles que, neste momento, dizem que pretendemos um referendo ab-rogatório, desde logo, é bom que se lembrem que o referendo não se realizou nessa altura, pura e simplesmente porque o impediram.
Porém, o problema que se coloca é outro: é que, independentemente da ratificação do Tratado de Roma, do Tratado da União Europeia, do Acto único, etc., nada há - rigorosamente nada! - que possa impedir um Estado, no exercício dos poderes soberanos, de determinar se e quando adere à moeda única. A Suécia, por exemplo, deliberou não o fazer e, no entanto, estava obrigada ao

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Tratado da União Europeia; a França, na sequência da vitória do partido socialista, dos ecologistas, enfim, da esquerda, suscitou o problema de não estar de acordo com o Pacto de Estabilidade e colocou-o na Cimeira de Amsterdão. Naturalmente, poder-se-ia dizer - e já ouvimos o Ministro das Finanças fazê-lo nesta tribuna - que o Pacto de Estabilidade é uma mera e inelutável consequência do Tratado da União Europeia, não podendo ser posto em causa. Mas foi! E foi-o por vontade do povo francês, do governo francês, e não seria aplicado se efectivamente tivesse havido condições para tal.
Por isso mesmo, dizemos que o povo português e esta Assembleia têm o direito de, na sequência da revisão da Constituição e se fosse essa a vontade do poder de revisão constitucional, se pronunciar sobre a questão de saber se e quando queria a moeda única e se eventualmente pretendia essas prioridades. Mal estaríamos se, como ainda aconteceu esta tarde, ouvíssemos invocar a necessidade de sermos bons alunos,...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Olha se não fôssemos!

O Orador: - ... de não perturbar o caminho para a moeda única - e isto a propósito do artigo 105.º sobre o Banco de Portugal - e, à noite, disséssemos que estamos obrigados, que o caminho é inevitável e que nada, absolutamente nada, nem a vontade do povo português, pode impedir. que assim seja.
Naturalmente, é preciso que, nesta matéria, haja um mínimo de decoro. E, a propósito de decoro, convém ainda chamar a atenção para o seguinte aspecto: quando o artigo 256.º foi acordado pelo PS e pelo PSD, os dois partidos afirmaram, e bem, que não se tratava de perguntar ao povo português se queria ou não as regiões administrativas;...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - ... tratava-se, sim, de perguntar se queria as regiões administrativas tal como estavam estabelecidas na lei. Ora, isto significa que, nesta matéria, era a vontade soberana, maioritária, desta Assembleia da República que era sujeita a referendo. E a minha pergunta é esta: por que é que a vontade desta Assembleia é sujeita a referendo no caso das regiões administrativas e não o pode ser no caso da moeda única?

O Sr. João Amaral (PCP): - Bem perguntado!

O Orador: - Evidentemente, há aqui uma duplicidade de critérios. Duplicidade de critérios que leva, aliás, a ouvir também com muita frequência o seguinte: quando ouvimos falar de moeda única ou de aspectos que convém meter debaixo da mesa, diz-se imediatamente que "há uma vontade da Assembleia da República", "a Assembleia da República votou"; quando não convém, como aconteceu, por exemplo, com as regiões administrativas, ouvimos dizer imediatamente - e o líder do PSD disse-o amplamente - que "a Assembleia da República não tem legitimidade para decidir uma tal questão, ela tem de ser sujeita a referendo". Isto é, há também aqui uma duplicidade de critérios.
O problema que temos em cima da mesa e que, a meu ver, é muito claro é este: temos de consagrar a viabilização da democracia directa, nisso estamos de acordo, e este facto é importante. Mas não é a democracia directa para fazer traquinices, tropelias, isto é, para usá-la contra a democracia representativa, quando convém, e para escondê-la quando não convém.
A propósito desta questão, quero colocar um outro problema, o dos referendos acerca de tratados que têm a ver, corri o n.º 6 do artigo 7.º, ou seja, de tratados que dizem respeito à construção da união europeia. E para quê? Para dizer, também aqui, o seguinte: não me congratulo tanto como o PP nesta matéria. E, desde logo, porquê? Porque pode dar-se o caso de haver um tratado nos termos do qual Portugal não tem direito a um comissário europeu - isso é algo que está desenhado e muitos de nós pronunciámo-nos sobre esta matéria - e, então, o referendo sobre um tal tratado pode dizer algo muito simples: pode perguntar se as pessoas estão de acordo com o reforço de verbas a Portugal para garantir a coesão económica e social, se estão de acordo com o reforço de políticas sociais, se estão de acordo com o reforço da política de emprego, e esquecer o problema de Portugal não ter um comissário europeu sobre esta matéria. Isto é, o que é referendado não é o tratado no seu conjunto, mas as questões politicamente correctas que o poder político, a maioria - eventualmente, a mesma maioria de revisão constitucional, que aqui se desenhou e que normalmente funciona também para as questões comunitárias -, entender que convém para obter resultados pré-determinados. E a prova disto é, neste momento, a situação que temos em cima da mesa: não relativamente à moeda única, parque isso já está decidido - e creio que já vimos que, independentemente de estar previsto no Tratado da União Europeia, o problema do "se", do "quando", do caminho, é um problema da decisão soberana de cada povo. Alguma coisa nos impede, por exemplo, de aumentarmos o défice do Orçamento do Estado e de, com isso, Portugal não entrar para a moeda única imediatamente? Por acaso, algum dos Srs. Deputados defende que o Governo português está privado de apresentar uma proposta de lei de Orçamento do Estado, que, em vez de 3% de défice, tenha 3,15% ou 3,05%? Naturalmente que não!
Assim, convém que, nesta matéria, haja um mínimo de contenção e de coerência e, já agora, se reduza ao mínimo a hipocrisia.
Uma outra questão que quero colocar neste plano é a seguinte: o n.º 2 adianta a proposta de iniciativa dos cidadãos. A iniciativa dos cidadãos é importante, trata-se de mais uma questão que é remetida para a lei ordinária mas, naturalmente, tem um significado.
Entretanto, gostaria de sublinhar que o que está aqui previsto é uma petição qualificada e não um direito de os cidadãos, eventualmente um número muito elevado de cidadãos, verem a respectiva proposta de referendo ter seguimento.
De resto, é esta a questão que se coloca, e que o Sr. Deputado Jorge Lacão referiu, em relação à matéria da iniciativa legislativa.
Um outro problema que quero referir é o de voto dos emigrantes no referendo.
O que se desenha desde já nesta matéria - e basta ouvir com atenção os Srs. Deputados do PSD e do PS é de duas uma: ou uma constante abdicação do PS, como, aliás, tem sido muito frequente, ou, então, um conjunto de problemas que vão substituir o consenso constitucional por um permanente conflito sobre as mais diferentes questões. Ou seja, em matéria de sistema eleitoral da Assembleia da República, já temos remissão para a lei ordiná-

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ria. Em matéria de eleição do Presidente da República, os laços de efectiva ligação à comunidade nacional é que determinarão quem vota e veremos surgir problemas muito interessantes que irão, ser colocados por esta formulação. Quanto ao problema das câmaras municipais, temos também a remissão para a lei ordinária do chamado sistema de governo. Agora, temos aqui uma nova questão interessante: os emigrantes votarão nos referendos que lhes digam especificamente respeito.
Ora, independentemente de já termos ouvido o Sr. Deputado Azevedo Soares dizer "o Tratado de Amsterdão diz respeito aos emigrantes, e de que maneira! Há muitos emigrantes nessa Europa!", também já ouvi o PSD dizer que o problema das regiões diz respeito aos emigrantes pois chá tantos emigrantes que saíram das regiões que até estão desertificadas. Há tantos transmontanos, tantos beirões, tantos alentejanos por esse mundo fora..."

Vozes do PSD: -- E há!

O Orador: - Verifico que os Srs. Deputados do PSD dizem freneticamente que sim com a cabeça, enquanto os Srs. Deputados do PS estão a perguntar a si próprios que acordo fizeram e o que vão conseguir com estas e outras questões que estão em cima da mesa. A não ser que seja mesmo isto que querem e que, eventualmente, isto lhes dê satisfação, que é algo que não pode excluir-se inteiramente.
Isto para dizer, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que, independentemente de alterações positivas que reconhecemos - por exemplo, a alteração ao n.º 1, que foi proposta por nós; o facto de se verificar em termos adequados a competência do Governo e da Assembleia da República em matéria de propostas de referendo, bem como outras alterações pontuais -, no conjunto, o que está desenhado é a perspectiva de uma grande confusão, uma grande incoerência e pode acontecer que o povo português seja chamado a pronunciar-se sobre questões secundárias e não sobre questões fundamentais.
De resto, isto não é novo, no passado já conhecemos uma matriz inspiradora desta matéria: a ideia de o primeiro referendo a realizar em Portugal ser sobre a administração da RTP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado por me conceder a palavra e também pelos ecos que provocou na Câmara esta concessão da palavra por V. Ex.ª.
Não vou falar do referendo constitucional porque já me referi a ele ultimamente. Não costumo repetir ad nauseara o que penso, pelo que vou tentar ser económico nas palavras.
Queria lembrar, neste debate geral sobre o artigo l 18.º, uma coisa que se perdeu da nossa discussão, quê vinha da proposta do PSD e que tratava do seguinte: a iniciativa para o referendo podia pertencer à Assembleia da República, aos cidadãos eleitores e, antes deles, ao Governo. Eram, pois, três as entidades que, segundo a nossa proposta, tinham o poder de iniciativa para referendos e a decisão última cabia ao Presidente da República. Mas essas iniciativas passavam necessariamente pela Assembleia da República,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... o referendo era convocado pelo Presidente da República, mediante proposta da Assembleia. Foi a homenagem, que julgamos ser devida, à dimensão parlamentar do nosso sistema.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Só através de concordância da Assembleia da República é que o Presidente da República podia provocar um referendo.
O que veio a estabilizar-se e está na proposta comum não respeita este desiderato e diria mesmo que vai ter de ficar para a próxima. É que, como está aqui e vai ser consagrado, um governo minoritário pode tomar a iniciativa de, por si, apresentar ao Presidente da República uma iniciativa de referendo, pondo de lado a Assembleia da República, e o Presidente da República pode convocar os eleitores para um referendo, à margem e contra o parecer eventual da Assembleia da República, isto é, da maioria daqueles que estão investidos para exercer a representação do povo português...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Na sede da democracia representativa!

O Orador: - A nossa proposta é que tinha razão, mas perdeu-se e, de vez em quando, compete-me a mim "repescar nos salvados" e dizer "nós tínhamos razão!".

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não é rigorosamente um pedido de esclarecimentos mas é um comentário que está aberto em todos os sentidos e, portanto, também a contra-comentário ou a complementação de tomada de posição.
Na verdade, o que fizemos na revisão do n.º 1 do artigo 118.º foi meramente explicitar o que decorria da Constituição no teor com que vigora hoje. Em 1989, quando se consagrou o referendo, o chamado "referendo com cautelas", uma das cautelas consistiu precisamente em impedir que o referendo fosse instrumento de guerrilha institucional, fazendo com que a Assembleia se ingerisse na esfera própria do Governo e, vice-versa, que o Governo pudesse utilizar o referendo como uma forma de colisão com o Parlamento, colisão que; todavia, sempre seria dependente de uma intervenção presidencial, uma vez que, como se sabe, o referendo é um acto livre do Presidente da República.
Portanto, nesta matéria não há colisões de Governo contra o Parlamento e de Parlamento contra o Governo, havendo o exercício normal da competência presidencial, a qual, seguramente, tem como um dos objectivos; qualquer que seja a configuração específica do seu titular, evitar a guerrilha institucional e a perturbação da paz institucional entre órgãos de soberania através de um instrumento que, ainda por cima, implica a intervenção popular directa.
A proposta do PSD, que discutimos muito longamente na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, parlamentarizava por completo a propositura de referendos ao

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Presidente da República, o que significa que, por exemplo em relação a situações de Governo minoritário que enfrentasse uma maioria conglobável de sinal contrário à sua própria orientação, poderia acontecer que o Governo nem em matérias da sua competência pudesse suscitar ao Presidente da República - nunca impor mas suscitar - a convocação do referendo. Teria sempre de ter uma espécie de viabilização das suas propostas de referendo através de uma participação parlamentar necessária...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... em matérias que, todavia, são da competência própria do Governo. Não faz sentido nenhum à luz da separação interdependência que vigora entre nós e a uma recta concepção que não é obsessivamente parlamentarizadora e tem em conta as várias composições possíveis do próprio Hemiciclo. Esta solução é a que mais respeita os vários figurinos, as várias possibilidades de articulação - maiorias relativas, maiorias relativas muito poderosas, maiorias relativas menos folgadas, conglobações de votos - que permitem a um governo pedir ao Presidente que, se entender, convoque referendos com respeito pela separação de competência. É, portanto, uma solução harmoniosa para o sistema, não é harmoniosa com uma concepção hiperparlamentarizadora para a qual, aliás, o PSD, aparentemente, só acordou depois de perder a maioria e de estar em minoria no Parlamento mas com possibilidades de intervenção castradora da acção de um Governo que dispõe de uma maioria relativa. E, portanto, uma interpretação pérfida, gizada sobre a situação de hoje, um tanto vingativa,...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E a vossa é defensiva!

O Orador: - ... e que, porque a vingança é má conselheira institucional, não serve, seguramente, para moldar um regime capaz de vigorar em diversas situações políticas.
Esta solução encontrada é harmoniosa, a vossa é vingativa e, de resto, conjuntural.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado José Magalhães tinha dito que ia tecer um comentário à intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo mas dá-me a impressão que não lhe pediu qualquer esclarecimento. Em contrapartida, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Magalhães...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Presidente, inscrevi-me para fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Muito bem. Então, dou primeiro a palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira que estava inscrito antes.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já que estamos em maré de comentários e que as preocupações de parlamentarização do PSD parece estarem acompanhadas pelas preocupações de governamentalização do Sr. Deputado José Magalhães, convém lembrar que a proposta inicial do nosso projecto de revisão constitucional previa que, além da Assembleia da República e do Governo, também o Presidente da República tivesse poder de iniciativa em matéria de referendo,...

Uma voz do PS: - Outro desvio!

O Orador: - ... o que, face à preocupação de equilíbrio institucional do Sr. Deputado José Magalhães, muito nos espanta que não tenha acolhido esta nossa solução. A não ser que a acolha mas que esteja completamente limitado pelo reduzido poder de manobra de que dispõe pelo facto de ter de fazer um acordo com o PSD...

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

De resto, o Sr. Deputado ganha sempre, está sempre a ganhar. Aliás, se olharmos para trás, para as outras revisões, verificaremos que o Sr. Deputado está sempre a ganhar! Por este andar, qualquer dia acaba aqui e, portanto, nós vamos tomar algum cuidado! Fica desde já claro que só vai ganhar até ali!

Protestos do Deputada do PS José Magalhães.

Não sei se é devido ao adiantado da hora, mas o Sr. Deputado José Magalhães aceita mal os comentários relativos aos seus próprios comentários e contagia o Deputado João Amaral que, entretanto, recordando velhas companhias e jornadas antigas, decidiu juntar os seus protestos aos do Deputado José Magalhães...

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Continuando, há um aspecto que convém que fique clarificado.
O regime que estamos a discutir constitui seguramente um progresso relativamente ao antecedente,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está!

O Orador: - ... mas convém notar que não está liberto dos receios profundos, quer do PS quer do PSD, e da desconfiança congénita que ambos os partidos revelam relativamente ao instituto referendário.
Como já bem observou o Sr. Deputado Ferreira Ramos, desde logo, nunca ouvimos o PS e o PSD estabelecerem tectos de validade em função da participação dos cidadãos para os vários actos eleitorais. Pois bem, descobriram que o referendo só deve ter efeito vinculativo se houver um determinado grau de participação eleitoral. Isto só se explica por uma manifesta desconfiança em relação aos cidadãos que corresponde à vossa concepção profunda do referendo que, todos nos lembramos, historicamente, só deveria servir para escolher a administração da RTP. E que jeito dava agora, Sr. Deputado, fazer um referendo desses...

O Sr. José Magalhães (PS): - Proponha-o!

O Orador: - Portanto, existe, de facto, esta desconfiança profunda em relação
ao instituto referendário que, depois, se concretiza nestas cláusulas defensivas face à própria cidadania que está implícita na matéria do referendo.
Mas há, ainda, outra questão, que convém que fique expressa no debate, que tem a ver com aquilo a que chamamos "as ilusões do referendo" que, eventualmente, se pretende passar para a opinião pública. Estas "ilusões" têm

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a ver com dar a sensação que se alarga o regime constitucional do referendo muito mais do que efectivamente se alarga e que, pela conjugação de disposições, não poderão referendar-se tantas matérias quantas as que se quer dar a entender que se quer referendar.
Resta-nos deixar a nossa opinião contrária a esta desconfiança. Resta-nos reafirmar que, por nossa vontade, o regime do referendo seria muito mais profundamente alterado do que é. Resta-nos esperar que não sejam precisos cinco anos para que os senhores, PS e PSD, juntos e ao vivo, dêem mais um pequeno passo, como o que deram de 1992 para cá, para que seja possível optimizar o regime constitucional do referendo, tendo confiança nos cidadãos e acreditando no referendo como mecanismo de expressão da vontade popular.
Do nosso ponto de vista, o referendo é, ao fim e ao cabo, um instrumento essencial para a superação da crise de representação das democracias puramente representativas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não era suposto intervir sobre esta matéria, mas devo confessar que fiquei perfeitamente perplexo com a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - O que eu fui fazer!

O Orador: - O Sr. Deputado teve a ousadia de dizer que a proposta do PSD tinha que ver com uma lógica "vingativa" ou "retaliativa" - creio que foi esse o termo que utilizou - relativamente à actual circunstância. De facto, fugiu-lhe a boca para a verdade, porque o problema do Sr. Deputado e, em suma, o problema do Partido Socialista em relação a esta matéria é, de facto, circunstancial.
O Partido Socialista, apesar de ter um Governo minoritário e de a sede da democracia ser a Assembleia da República, não foi capaz de esquecer essa circunstância nem de devolver à sede da democracia representativa a mais-valia, o poder decisório em matéria da utilização dos referendos. Além do mais, utilizou um argumento que acho espantoso, espantoso porque vindo de quem vem, já que se trata de alguém que conhece não só a matéria constitucional como a capacidade e a iniciativa legislativa dos vários órgãos de soberania.
Com efeito, o Sr. Deputado José Magalhães sabe bem que o argumento em que estribou a sua intervenção, isto é, o argumento das matérias da competência exclusiva de cada um dos órgãos, pura e simplesmente, não colhe! É que, que eu saiba - e o Sr. Deputado também sabe, porque não sabe outra coisa senão isto! -, a única matéria em que o Governo tem competência legislativa exclusiva, sem a concorrência da Assembleia da República, é a relativa à sua organização interna! Obviamente, nunca haverá qualquer referendo, porque o Governo nunca pedirá ao Sr. Presidente da República para fazer um referendo sobre a sua organização interna. Sei que a descoordenação socialista é grande e que, eventualmente, o Primeiro-Ministro actual tem algumas dúvidas sobre como organizar e ter mão no seu Governo, mas daí a pedir um referendo ao Presidente da República vai uma distância muito grande!

O Sr. José Magalhães (PS): .- Posso interrompê-lo?

O Orador: - Não pode, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Tem medo!

O Orador: - Portanto, com toda a franqueza, esse argumento de salvar, ao menos, a possibilidade de o Governo, no âmbito da sua competência própria, pedir ao Presidente da República a realização de um referendo para que essa matéria não fique descurada é rotundamente falso. Falso, porque a competência desta Assembleia é concorrencial com a do Governo em todas as matérias, excepto na que diz respeito à organização interna deste. E nenhum Governo decente, capaz e competente há-de pedir ao Sr. Presidente da República a realização de um referendo para que o povo português lhe diga como é que deve organizar-se e trabalhar.
É evidente que esse seu argumento, Sr. Deputado José Magalhães, vindo de quem vem...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - No caso presente, talvez seja necessário!

O Orador: - Com franqueza, deveria haver um pouco mais de imaginação para rebater o argumento usado pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, e que, de resto, já tinha sido objecto de discussão na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em que o Sr. Deputado José Magalhães participou activamente, como lhe competia. Esse, sim, é um argumento perfeitamente sólido e directo. E se os senhores, neste momento, por razões circunstanciais, designadamente porque têm um Governo minoritário, não o pretendem acolher, não o acolham! Tudo bem, ninguém o questiona.
Por outro lado, o Sr. Deputado Barbosa de Melo, aquando da sua intervenção, deixou claro que, do seu ponto de vista, esta era uma oportunidade perdida, em virtude de não se ter, nesta revisão, a par do aprofundamento da democracia referendária, reforçado a vertente da democracia representativa, que tem a sua sede nesta Casa. Ou seja, a Assembleia da República deveria, em nome da correcta complementaridade do referendo relativamente à democracia representativa, ter sempre uma palavra a dizer quanto à realização de referendos.
Já não comento, sequer, o que foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira a propósito da proposta do Partido Popular, porque é evidente, para todos nós - penso que o Sr. Deputado Jorge Ferreira tem a perfeita consciência disso -,que a iniciativa do referendo por parte do Presidente da República, longe de ser um equilíbrio de poderes no nosso sistema, implicaria um desequilíbrio de poderes, porque seria um apelo à lógica plebiscitária, permitindo que o Presidente da República, eventualmente contra a maioria representativa da Assembleia da República e o Governo, catalisasse vontades populares no sentido de alguma subversão.
Num sistema político como o português, o modelo que atribui capacidade de iniciativa directa ao Presidente da República em matéria de referendos, do meu ponto de vista, desvirtua o equilíbrio de poderes e não concorre, minimamente, para a consolidação dessa mesma separação e interdependência, própria do nosso modelo.
Termino, dizendo que, do ponto de vista do PSD, é evidente que nos congratulamos, e muito, com o que foi conseguido em sede da Comissão Eventual para a Revi-

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são Constitucional e na sequência do acordo político, bem como com acordo do Partido Popular nas questões fundamentais deste artigo 118.º, relativamente ao aprofundamento da democracia referendária.
Todavia, reforçando o que aqui foi dito pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, não deixo de lamentar que, em alguns aspectos que eram, de certa forma, um contrapeso e um garante dos avanços que estamos a fazer nesta matéria e que não subvertem o nosso modelo - um modelo assente na democracia representativa e em relação ao qual não temos razões para duvidar da sua funcionalidade nem da sua bondade democrática -, não tenha sido possível ir um pouco mais longe, fazendo acrescer algumas garantias, entre as quais - e não se trata de uma garantia menor - a possibilidade de um referendo constitucional. Esta é, também, uma "bandeira" antiga do Partido Social Democrata, com, pelo menos, quase 20 anos de existência, mas que ainda não foi desta! Mas, em nome da participação e da soberania do povo português relativamente ao nosso modelo de Estado de direito democrático, o PSD não desistirá de pugnar por isso e, a seu tempo, provavelmente, tal como em todas as outras matérias, a História há-de dar-nos razão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não gostaria de deixar sem resposta duas das questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, por favor não utilize, constantemente, a técnica de dizer que o PSD lutava por este modelo desde o século XVI! Não é verdade!

Risos do Deputado do CDS-PP Jorge Ferreira.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Foi uma descoberta do PSD nesta revisão, e nada mais! A ideia de parlamentarização da iniciativa referendária foi uma descoberta de "há 15 minutos", de Março de 1996! Mais nada. Não transforme um pássaro que voou pela sua bancada, depois de cair no chão, derrubado em eleições democráticas, numa inspiração divina de não sei quem ou do fundador do partido, que a transmitiu - não sei se por teleférico! - ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
Em segundo lugar, a Constituição é harmoniosa, tem um triângulo mágico de paz institucional que evita que qualquer órgão abuse das suas funções. Por isso é que o Presidente da República não realiza referendos por iniciativa própria e só o pode fazer sob proposta, embora seja livre na decisão; por isso é que o Parlamento não propõe referendos sobre matéria da competência do Governo e por isso é que o Governo não propõe referendos sobre matéria da competência parlamentar. É nesta separação que reside a harmonia.
Em terceiro lugar, Srs. Deputados, esta solução foi aprovada por consenso em 1989 e, nessa altura, o PSD não defendeu o que agora foi dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes mas, sim, o que está na acta - e muito bem! O Sr. Deputado não estava cá, estava nos juniores, mas isso foi dito!
A verdade é que essa solução foi aprovada e a doutrina tem interpretado, como agora explicitamos, o conteúdo que vem desde a revisão de 1989. Portanto, não se tratou de uma inspiração súbita do Partido Socialista, nos haustos de um Governo de maioria relativa, mas de uma solução encontrada em 1989, quando o Partido Socialista era oposição ao Governo cavaquista, que desde então vigorou pacificamente, embora sem grande aplicação.
Trata-se, portanto, uma solução virtuosa.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Em 1989 não era tão virtuosa assim!

O Orador: - E o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não tem nada de regressar - a não ser que lhe apeteça! às raízes que o PSD nunca teve nessa matéria, já que ela foi agora improvisada. Sr. Deputado, não doutrine, edificando uma coisa que é conjuntural e há-de passar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já mudou de argumento!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, também gostaria de fazer um comentário sobre a ligação que o PPD/PSD faz, desde sempre, à teoria do referendo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Com um intervalo cavaquista pelo meio!...

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, a sua memória oscila muito, mas a minha é muito constante, sabe!
Ora, o que acontece é o seguinte: a seguir ao 25 de Novembro, como VV. Ex. as sabem, o MFA propôs ,um Segundo Pacto MFA/Partidos - os documentos que vou referir estão publicados. E a proposta apresentada pelo PSD, em Janeiro de 1976, foi no sentido de a Constituição de 1976, que viria a ser aprovada em 2 de Abril pela Assembleia Constituinte, dever ser sujeita, ela própria, depois de aprovada pela Assembleia Constituinte, a referendo popular, dispensando-se aí - e correctamente - a promulgação por parte de um Presidente da República que não era eleito pelo povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Faço esta referência apenas para lembrar que a ligação do PPD ao referendo tem muitas e variadas raízes.

O Sr. José Magalhães (PS): - É plebiscito!

O Orador: - Não é plebiscito! Referendar uma Constituição não é um plebiscito, porque nem sequer é a plebe que intervém, é o povo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive de ir ao Porto, mas regressei apressadamente, porque já sabia que esta discussão seria apaixonante e que íamos ter aqui um debate vivo em torno de uma questão central, que é a de saber se as alterações a introduzir no artigo 118.º vão ou não permitir o referendo sobre a moeda única. Essa é uma questão importante, que fez com que milhares de cidadãos se dirigissem a esta Assembleia.
Aliás, até está sentado aqui à frente, numa das bancadas, alguém que, ainda há muito pouco tempo, lutava furiosamente... - furiosamente é uma palavra inadequada! -, lutava com ardor...

Risos.

... pela realização do referendo. Na bancada reservada à imprensa vejo algumas pessoas ensonadas, perguntando: "Mas o que é que lhes sucedeu? Onde é que está o referendo sobre a moeda única?" - não está! - "Então o que é que eles estiveram aqui a discutir?" Estiveram a debater o que não fazem a mínima tenção de incluir na Constituição!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É que todos os Deputados já sabem, e o Sr. Presidente também, porque seguiu este processo com muita atenção, que a técnica seguida para realizar o referendo é a que está prevista no acordo de revisão constitucional celebrado entre o PS e o PSD. Não é uma iniciativa parlamentarizada nem deixa de o ser, é a que consta do acordo que está assinado, subscrito.
Portanto, o que aqui se passou foi um graciosíssimo exercício intelectual, em que participaram - peço à imprensa que o registe - os mais ilustres constitucionalistas que acompanham este processo de revisão constitucional. Não sei se o Sr. Deputado Jorge Lacão participou, mas se não participou...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Devia ter participado!

Risos do CDS-PP.

O Orador: - ... devia ter participado, porque participaram todos os demais ilustres constitucionalistas! Só que não discutiram o que deviam e nem sequer ensaiaram responder à questão fundamental que aqui foi colocada! E a questão é de uma simplicidade enorme.
De facto, o que aqui se debateu foi o combinado entre PS e PSD, aliás com o apoio do PP, porque quando o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gentilmente, resolveu explicar qual era o consenso que havia em torno da questão relativa à moeda única, ele não se esqueceu dos senhores...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Olhe que não!

O Orador: - E não houve nenhum protesto.
A questão que se coloca é muito simples: os Srs. Deputados do PS e do PSD têm ou não capacidade política, entendimento político para responder àquilo que é uma exigência nacional e que se traduz numa reclamação de muita gente, que é a de uma decisão com o alcance que tem a adesão à moeda única ser sujeita a um grande debate nacional que culmine com uma deliberação do povo tomada em referendo. E essa é uma questão sobre a qual os senhores não podem fazer exercícios teóricos! Aliás, nem sequer têm legitimidade para os fazer, porque o exercício que fizeram em torno de um conflito entre a vontade popular e a decisão da Assembleia está vertido num referendo que VV. Ex.as defendem, que é o referendo sobre a regionalização. A Assembleia vai deliberar que haja regiões e quais são as regiões e VV. Ex.as vão submeter essa decisão a referendo.
É esse o vosso argumento contra um referendo sobre a moeda única, sendo certo que o paralelo nem pode ser feito? E tanto não pode ser feito, que a decisão dos diferentes Estados, sobre se aderem ou não, é livre!

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Já foi aqui citado o caso da Suécia, que diz que não tem nenhum opting-out, que não tem absolutamente nada, que subscreveu o Tratado por inteiro e diz, pura e simplesmente, que não adere, porque não quer, não está para isso! Ninguém a manda aderir e, por isso, não aceita.
VV. Ex.as entendem que o povo português não se pode pronunciar sobre se Portugal adere ou não, coisa relativamente à qual o Governo é livre de decidir, mesmo nos termos do Tratado? Por que é que o povo português não se pode pronunciar sobre isso? O povo português pode e deve pronunciar-se e VV. Ex.as têm g dever de explicar aqui com que cara é que respondem às exigências dos cidadãos que se dirigiram a esta Assembleia, pedindo que isso fosse feito. Se esta é uma decisão de um certo alcance e consequências, VV. Ex.as não podem brincar com ela! De uma decisão com consequências que, no plano dos interesses nacionais, marcam definitivamente o nosso futuro, como é que podem dissociar o povo português?
Este debate não pode terminar aqui, com um exercício teórico em torno de uma questão interessantíssima sobre a qual ninguém faz a mínima tenção de apresentar qualquer proposta de alteração. Este debate tem de ser feito aqui, em torno daquilo que é, de facto, essencial.
Acho muita graça à possibilidade de o Presidente da República, sozinho, poder fazer referendos.

Risos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

E parece que seriam contra o Governo e contra a Assembleia. Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães deu inteira razão ao Sr. Deputado Barbosa de Melo, porque, com aquele exemplo que deu, afinal, os tais referendos com o Governo poderiam ser feitos contra uma maioria parlamentar, mas os do Presidente da República seriam contra outras maiorias. Mas, Srs. Deputados, essa é uma questão teórica, é um lindo exercício, a questão central é a de saber se vai ou não ser acolhida por esta Assembleia a possibilidade de haver um referendo sobre a moeda única. Trata-se de uma questão concreta, é uma resposta concreta que se exige!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Amaral, desta vez, por muito

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esforço que qualquer um de nós possa fazer, não se nota qualquer distinção, nem de conteúdo, nem de estilo, talvez, entre o discurso que acabou de proferir e qualquer intervenção que sobre a matéria pudesse ter sido produzida pelo Sr. Deputado Manuel Monteiro. Tale qual o mesmo registo, tal e qual o mesmo discurso, tale qual a mesma inspiração!

O Sr. João Amaral (PCP): - Só há uma diferença: ele não o faz e nega-o!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - A gente desculpa-o! É do adiantado da hora!

O Orador: - Nem uma palavra do Sr. Deputado João Amaral acerca das preocupações que o PCP, eventualmente, possa ter relativamente ao destino da União Europeia! Nem uma palavra do PCP, através do Sr. Deputado João Amaral, relativamente ao destino da União Europeia, numa lógica de solidariedade! Nem uma palavra do Sr. Deputado João Amaral relativamente à problemática da Europa social e do combate ao desemprego, no quadro da União Europeia! Nada! Zero! Um vazio completo de tomada de posição conscienciosa relativamente aos problemas que marcam o destino da Europa no momento que atravessamos!
O que é que preocupa o Sr. Deputado João Amaral: em teoria constitucional, inventar, como já tive ocasião, de dizer há pouco, mas ele não ouviu, porque vinha do Porto para Lisboa, um referendo obrigatório. Ou seja, um referendo que contradiga o acto parlamentar de aprovação de um tratado internacional e o acto de ratificação pelo Presidente da República desse mesmo tratado internacional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está!

O Orador: - Era isto que o Sr. Deputado João Amaral queria que nós introduzíssemos como solução na Constituição da República. Pois bem, Sr. Deputado João Amaral, nós não o queremos, porque temos demasiado respeito pelas regras da democracia representativa e o senhor, com o exemplo que aqui esteve a dar, demonstrou que se está para ela completamente nas tintas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nós não estamos! Nunca estivemos no passado, não estamos no presente, nem estaremos no futuro!

O Sr. José Magalhães (PS): - É com alma!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado João Amaral, se o Sr. Deputado quiser pôr de lado a lógica do referendo abrogatório e discutir, em termos adequados, a lógica do referendo sobre matérias que devam ser objecto de aprovação por lei ou por tratado,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso, sim!

O Orador: - ... então, temos matéria para discutir. E, há pouco, tivemos ocasião de a discutir, em termos adequados, com o Sr. Deputado Luís Sá, que manifestou divergências aceitáveis mas num tom e de um modo...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito sensato!

O Orador: - ... que o Sr. Deputado João Amaral não foi capaz de utilizar neste momento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem observado!

O Orador: - Depois, a História tem ironias! O Sr. Deputado João Amaral vem aqui fazer toda esta prosa de escândalo relativamente à impossibilidade de um referendo sobre a moeda única, esquecendo-se de que o Partido Comunista foi um adversário visceral da possibilidade de utilização do referendo em sede constitucional.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - O PCP tem a memória que tem!... Mas o PCP, que, historicamente, está contra a introdução do referendo na Constituição, quer agora, pela voz do Sr. Deputado João Amaral, defender a lógica do referendo ab-rogatório.

O Sr. António Filipe (PCP): - Ó Sr. Deputado Lacão!... Isso foi no tempo do Sr. Deputado José Magalhães!...

O Orador: - Ou seja, do ponto de vista da coerência institucional, a vossa posição não tem um mínimo de sustentação, assim como também não a tem, do ponto de vista da cultura democrática. A vossa preocupação política, do ponto de vista do destino da Europa, não revelou aqui a mínima sensibilidade!
Sr. Deputado João Amaral, a esta hora da manhã, mais nada lhe digo, e, já que devo concluir, concluo dizendo-lhe o seguinte: poupe-nos, porque esse seu tipo de discurso está completamente gasto e exausto, talvez ainda convença alguém dentro do PCP mas fora do PCP, com certeza, não convence.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Lacão, vamos tratar das questões uma a uma.
Quanto à cultura democrática, é o Sr. Deputado Lacão e a sua bancada que deixam sem resposta as reclamações que têm sido feitas para que haja um referendo sobre a moeda única.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Em matéria de cultura democrática, são VV. Ex.as que violam uma regra básica! Tanto falam da participação dos cidadãos e, perante uma questão central, quando se vislumbra uma oportunidade de essa participação se concretizar, VV. Ex.as dizem: não! Referendo sobre a moeda única, antes de haver Tratado de Maastricht, não! Depois de haver Tratado, não! Para o futuro, não! Nunca! Referendo sobre a moeda única não pode existir!
Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz que não colocamos questões centrais sobre a Europa? Mas V. Ex.ª toma-nos por quem? Quer submeter a referendo a seguinte pergunta: portugueses, achais que a Europa deve preocupar-se com o vosso emprego? E os portugueses, que são estúpidos como tudo, dizem que não!...

Risos do CDS-PP.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado João Amaral fez uma caricatura de si próprio!

O Orador: - Por amor de Deus! Sr. Presidente, Sr. Deputado, apesar de já ser muito tarde, todos somos capazes de raciocinar e de concluir que uma pergunta como esta é uma pura mistificação. E é isto que o Sr. Deputado Lacão, que, pelos vistos, tem um discurso fresco, pretende fazer! O Sr. Deputado não quer que se discuta uma questão central, o destino da Europa, em torno do problema da moeda única, não quer que se discutam coisas sérias sobre o destino da Europa, o que quer que se discuta sobre a Europa são as mistificações que é capaz de fazer. E, diga-se, tem um algum jeito para mistificações! Às vezes sai-se mal, mas tem algum jeito!
Em terceiro lugar, Sr. Deputado Jorge Lacão, o Sr. Presidente da República não ratificou um tratado que estabeleça que Portugal adere à moeda única. Quanto muito o Tratado estabelece que Portugal, se quiser e nos termos que quiser, pode aderir à moeda única. E isso está tão demonstrado que o senhor não responde a essa questão com o exemplo concreto da Suécia, que é aqui trazido e não porque a Suécia seja um país esquisito mas porque a Suécia, cumprindo o que consta do Tratado, disse, pura e simplesmente, que não quer, para desgosto de muitos dos senhores, que fizeram o possível para que ninguém falasse nisso, aliás, devo dizer, com muitas colaborações, porque quem folheou a comunicação social escrita nessa altura viu que teve pouca relevância. Os senhores nem querem ouvir falar disso, mas é um facto e por isso é que é aqui trazido. Não é essa a situação da Dinamarca, por exemplo, que tem um opting-out, não é essa a situação da Inglaterra, que, aquando do Tratado, disse logo que não aderia à moeda única, é a situação de um país que aderiu integralmente a Maastricht e entende que não vai aderir à moeda única. E Portugal pode fazer isto mesmo!
Mas aquilo que proponho, em nome do PCP, não é que Portugal não adira, é que essa decisão, muito simplesmente, seja deixada ao povo português. Neste contexto, não se vai discutir aqui qual é a minha posição ou a posição do Sr. Deputado Jorge Lacão, o que se vai discutir é se é possível ou não que se inclua na Constituição que seja o povo português, repito, o povo português - e sei que é uma expressão que vai saindo da Constituição -, a decidir essa questão. Impedir que isso se concretize é que é falta de cultura democrática, impedir que isso se concretize é que é indesculpável, impedir que isso se concretize é que é uma vergonha sem nome que os senhores assumem perante esta revisão constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, o relógio marca 1 hora.
Há ainda dois oradores inscritos, mas creio que o curial será manter a sua inscrição para o início da próxima sessão, cuja ordem do dia será a continuação da apreciação das propostas relativas à revisão constitucional, a qual terá lugar amanhã, às 10 horas. Isto, porque o que foi combinado e consensualizado entre todos foi que os nossos trabalhos terminariam à badalada da 1 hora.
Está encerrada a sessão.

Era 1 hora do dia seguinte.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Manuel Francisco dos Santos Valente.
Mário Manuel Videira Lopes.

Partido Social Democrata (PSD):

José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raul d' Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Carlos Alberto Pinto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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3678 I SÉRIE - NÚMERO 99

DIÁRIO da Assembleia da República
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