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3860 I SÉRIE - NÚMERO 102

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental da defesa da honra e consideração, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Queiró acusou-me de estar a atacar a instituição militar. Se tiver a paciência de ler a acta desta sessão, verá que critiquei, e contra isso me insurjo, o uso, pelo poder civil - e foram estas, textualmente, as minhas palavras, porque tenho razoável memória -, para fins inconfessáveis,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Usou quem'?!

A Oradora: - ... dos tribunais militares para se perpetuar no poder. Felizmente, depois veio o 25 de Abril!
Por outro lado, eu não sabia que o Sr. Deputado se tinha erigido em representante dos interesses das forças armadas. Não sei se hei-de ficar ou não satisfeita. De qualquer modo, pode ser um passo em relação à solução de um problema que os militares têm muito a peito, que é o da representação de interesses profissionais próprios. Provavelmente, o Sr. Deputado já está bastante avançado neste processo!
Para terminar, pois não quero atrasar mais a hora do almoço, deixo aqui este protesto em relação à intervenção, no que me diz respeito, feita pelo Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Carrilho, não quero dar grandes explicações mas apenas aproveitar esta possibilidade para eu próprio também defender a minha honra relativamente ao que a Sr.ª Deputada disse.
A questão é esta, Sr.ª Deputada: não represento aqui as forças armadas, nem qualquer interesse particular. Represento o povo e tenho uma noção muito correcta do que são aqui as minhas funções e do que é o âmbito da minha representação parlamentar, o que não significa que não possa defender aqui a instituição militar. Mas cada um faz como entende e eu penso que devia de ter feito a intervenção que fiz, não tenho de lhe retirar uma vírgula. Não tenho uma perspectiva sindical do Parlamento, pelo que não estou aqui a defender qualquer interesse corporativo específico, essa é a interpretação da Sr.ª Deputada, e é, aliás, livre de fazê-la, como eu sou livre, obviamente, de a rejeitar, que é o que estou neste momento a fazer rigorosamente.
Para além disso, devo dizer que ouvi bem o que disse, ou seja, a utilização, pelo poder civil, dos tribunais militares para fins inconfessáveis. Ouvi bem, repito, o que a Sr.ª Deputada disse...

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Antes do 25 de Abril!

O Orador: - ... e até sou capaz de estar de acordo consigo, quando refere isto relativamente às intenções do poder civil a que se referia.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr.. Deputado?

O Orador: - O que eu digo é que isto traduz em si, obviamente, uma ofensa àqueles que se deixaram utilizar, e isso é que eu não posso permitir.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Deputado, se me der licença - e peço desculpa por estar a interrompê-lo - irias não é ofensa nenhuma, é uma realidade. Historicamente, está demonstrado, e toda a gente sabe, que o poder civil dirigido por Salazar controlou as forças armadas e que as forças armadas eram controladas e não autónomas, porque não havia qualquer autonomia. Não foi uma ditadura militar, foi uma ditadura civil-policial e há, através da PIDE, documentos que provam plenamente que o poder civil controlava a nomeação de determinadas autoridades militares, e foi também através disso que se perpetuou.
Portanto, não estou a cometer qualquer ofensa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP propôs que a existência de tribunais militares ficasse circunscrita ao tempo de guerra, solução que acabou por ser adoptada e que parece ser adequada.
O debate realizado em sede da CERC não foi tão entusiástico, foi bastante diferente, mas, como o Sr. Deputado Luís Queiró sabe, a política também se faz assim. Quando se muda de posição, muda-se de figurão ou de figurante, o que pode dar este aspecto. Mas, de facto, o debate na CERC foi mais sensato e houve preocupações.
A questão foi colocada nestes termos: haverá necessidade de, em tempo de paz, manter esta instituição? A resposta pareceu ser negativa, isto é, era adequado que, em tempo de paz, fossem os tribunais comuns a gerir esta situação, não em ter-mos normais, com juízes assessores, e por isso há uma norma, a do artigo 213.º, que prevê que juízes militares acompanhem os juízes civis no acto do julgamento.
A razão para considerar a existência de tribunais militares em tempo de guerra é por si demonstrativa da sua necessidade. Há factores específicos de disciplina, pois não é uma organização qualquer, tem uma dinâmica muito específica. E o simples facto de se reconhecer a necessidade de existência de tribunais militares em tempo de guerra mostra, pelo menos da nossa parte, que não há qualquer sentido antimilitar nesta votação, porque, se houvesse, não seria compreensível. Não consigo conceber como é que, em 1997, alguém se pode pautar aqui por critérios desse género. Os tribunais militares funcionaram ao longo deste tempo com critérios democráticos, embora, na minha opinião, tenham excedido muitas vezes a sua competência. Aliás, uma das razões que leva a considerar esta solução adequada é o facto de os tribunais militares terem tido, ao longo deste período, um comportamento que muitas vezes era excessivo, pois pretendiam, e fizeram-no, julgar crimes que qualificavam como de essencialmente militares, mas que não podiam ser, nem do ponto de vista jurídico e muito menos do ponto de vista do bom senso. Como exemplo disto, tenho citado frequentemente - e mais uma vez o faço - o caso em que o tribunal militar julgou a situação de furto ou, melhor, de um abuso de confiança por parte de uma funcionária do supermercado da Manutenção Militar, que ficou com o dinheiro correspondente ao valor de um peru. Este caso foi julgado como um crime essencialmente militar, o que não é de facto prestigiante para a instituição, mas sucedeu, como é óbvio, depois do 25 de Abril, senão não estaria aqui a dá-lo como exemplo. Isto sucedeu muito depois do 25 de Abril e deu até origem a um parecer da Assembleia.

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