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3956 I SÉRIE - NÚMERO 104

Em geral, pois, a mesma forma processual que vier a ser adoptada pela lei pode ser instrumento adequado à tramitação de urna ou de várias destas providências constitucionais que aqui se encontram hoje previstas. O sistema de tutela jurisdicional dos administrados conta com acções de todos os tipos admitidos na processualística: num primeiro grupo, acções constitutivas, por exemplo, a anulação de actos e contratos administrativos, a substituição eventual de actos administrativos ilegais por outros que tenham sido ilegalmente omitidos; num segundo grupo, acções declarativas, como o reconhecimento de direitos, a declaração de nulidade de actos jurídicos, as acções de cumprimento, na medida em que elas não são configuradas ou muitos sistemas não as configuram, como acções de condenação; num terceiro grupo, acções de condenação; num quarto grupo, acções executivas, e lembro, sei lá, a intimação para a entrega de um documento, que já se encontra regulada na nossa lei, a execução das sentenças administrativas e as providências cautelares.
Termino com uma reflexão geral. Essas alterações, em si mesmo, pouco mudam no direito ordinário vigente, o que lembram é ao legislador o seu dever de melhorar continuamente as garantias jurisdicionais dos administrados e o seu dever - é um outro dever também - de racionalizar, tornando cada vez mais compreensível para todos o sistema destas garantias.
O orgulho de lutar pelo direito em sede própria, em vez de procurar sedes diferentes, deve ser objecto do culto por parte do legislador. Quando penso nisto, vem-me muitas vezes à mente uma descrição de Mestre Gil, quando uma das suas personagens - o lavrador - diz a respeito do vilão: "(...) cada hum pella o villão por seu geito (...)". E diz ainda Mestre Gil: "(...) se não levão torta a mão, não lhe achão nenhum direito (...)". Referia-se, naturalmente, à pequena corrução, mas há a grande corrução. E uma das corruções da nossa mentalidade democrática está nisto: os mais cultos muitas vezes preferem jogar o jogo das influências, das pressões, das chantagens na política, em vez de, leal e frontalmente, fazerem o seu combate pelo direito na sede própria, que são os tribunais. Oxalá que o Parlamento continue a empenhar-se nesta nobre tarefa de ajudar os portugueses a saberem lutar pelos seus direitos na sede adequada!

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É pena que nesta revisão constitucional, por vezes tão atribulada, não se dê a mesma cobertura mediática a algumas das propostas de alteração que se avizinham que a outras.
É que, neste caso concreto do artigo 268.º, diria que, em certo sentido, estamos à beira de uma pequena revolução, nomeadamente naquilo que é o relacionamento da Administração Pública com o cidadão. Curiosamente, é uma revolução que se faz para quebrar uma tradição que vem precisamente da Revolução Francesa e que é uma má tradição - há outras que são boas, mas esta é seguramente má. É uma má tradição nesse ponto particular porque assenta na ideia, que hoje ainda enforma o nosso ordenamento jurídico. cie que na relação entre a Administração Pública e os tribunais o princípio da separação de poderes deve ser entendido como independência da Administração perante os tribunais e não. como em qualquer Estado de direito, independência dos últimos perante aquela. Isto tem conduzido a que a nossa ordem jurídica nunca. tenha admitido ou, pelo menos, nunca tenha admitido plenamente que o legislador, interpretando aquilo que é o sentido do Estado de direito, pudesse prever mecanismos que permitam aos tribunais condenar, impor, determinar à Administração a prática de actos que sejam legalmente devidos aos administrados. Isso significa, na prática, um grande défice de tutela jurisdicional e que, na relação entre a Administração e os cidadãos, há um fosso enorme que faz corri que a Administração, mesmo quando age ilegalmente, não possa ser devidamente censurada e que, com isso, o cidadão não possa ver satisfeitas as suas pretensões.
Esta alteração que aqui é proposta, se for bem interpretada pelo legislador - e nós somos o legislador, portanto, ternos obrigação de interpreta-la bem na sequência desta revisão constitucional -, vai permitir o que nunca foi possível nos últimos 200 anos. Vai permitir que o cidadão possa dirigir-se aos tribunais, não apenas para que o tribunal diga se a Administração agiu mal ou agiu bem mas para que o tribunal condene esta a agir, para que condene a Administração a satisfazer a pretensão do administrado. É esse o passo que faltava dar para romper com esta tradição que vem, de facto, da Revolução Francesa mas que, em outros ordenamentos jurídicos, já há muito foi rompida, faltando-nos a nós romper com ela.
É, de facto, necessário que tenhamos consciência de que não basta alterar a lei e de que, para além da lei, haverá ainda que contar com a mentalidade dos. nossos tribunais e da nossa Administração e com a própria mentalidade dos nossos cidadãos pois, infelizmente, nem todos eles ainda têm conhecimento dos seus direitos ou, pelo menos, dos meios que existem à sua disposição para fazerem valer os seus direitos. Há, de facto, um défice que é de colmatar.
Esta alteração que vem proposta, nomeadamente na medida em que permite que a lei possa prever acções nas quais os tribunais possam determinar à Administração a prática de actos legalmente devidos, pode, de facto, constituir o princípio daquela revolução.
E mais: nesta alteração constitucional também se faz uma referência à necessidade de o legislador prever a existência de medidas cautelares adequadas. Os que lidam diariamente com os tribunais, em particular com os tribunais administrativos, sabem que o que porventura é mais importante para os administrados quando se dirigem aos tribunais é obter uma providência cautelar, uma providência provisória que regule o seu direito enquanto esperam o desfecho final da acção, pela simples razão de que o desfecho final de uma acção nos tribunais administrativos pode ocorrer apenas ao fim de dois, três, quatro ou mais anos. Isto significa que, frequentemente, uma sentença, mesmo quando favorável ao administrado, é uma mera proclamação de um direito sem qualquer efeito útil, sem qualquer relevância prática na sua esfera jurídica.

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