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1596 I SÉRIE-NÚMERO 47

O internamento compulsivo pode ainda ter lugar quando exista uma anomalia psíquica grave e a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o estado de saúde do portador. A necessidade do internamento assenta, obviamente, em primeira linha, numa apreciação médica, quer no processo normal quer no processo de urgência.
Trata-se de um princípio fundamental nesta matéria - o princípio da fundamentação clínico-psiquiátrica - que exige sempre uma avaliação clínico-psiquiátrica, imprescindível para a decisão sobre o internamento. Esta avaliação destina-se, desde logo, a confirmar a existência de uma anomalia psíquica grave, o que só pode ser feito por diagnóstico médico.
Ao usar o conceito de anomalia psíquica, optou-se por um conceito estritamente médico, suficientemente genérico, de uso generalizado na prática médica, cobrindo um vasto leque de psicopatologias e tendo por denominador comum uma perturbação do funcionamento psíquico que requer tratamento especializado. A este propósito, refira-se que este é o conceito utilizado na Constituição, no Código Penal, no Código de Processo Penal e no Código Civil.
O processo de internamento é, por opção constitucional, em consonância também com recomendações internacionais, um processo judicial, com uma função eminentemente garantística, que culmina numa decisão obtida com observância de um princípio amplo de audição. O princípio da judicialidade é igualmente respeitado no internamento de urgência, situação que impõe actuação de forma expedita, sem diminuição das garantias consagradas para o processo normal.
No que se refere aos procedimentos, que, pelos valores em jogo, devem revestir carácter de urgência, houve a intenção de lhes conferir a maior informalidade - da qual é exemplo a sessão conjunta, onde impera o princípio da oralidade - sem ceder em matéria de garantias e, ao mesmo tempo, introduzindo-lhe eficácia. Reconhece-se amplamente, neste domínio, o princípio da recorribilidade das decisões judiciais e consagra-se expressamente, e de forma inovadora, a providência do habeas corpus, com ó sentido de garantir efectivamente o direito de liberdade do portador de anomalia psíquica contra eventual privação da liberdade ilegítima e abusiva.
Prevê-se ainda a intervenção do Ministério Público, dadas as suas atribuições em matéria de defesa da legalidade, dos interesses colectivos e da promoção da defesa de cidadãos desprotegidos. Assim, confere-se-lhe legitimidade para requerer o internamento, reconhece-se o direito de ser ouvido em todos os passos essenciais do processo e atribui-se-lhe o direito de interpor recurso das decisões judiciais.
Finalmente, uma das inovações da proposta prende-se com a criação de uma comissão para acompanhamento da execução da lei. Por um lado, constituirá uma outra entidade, a par da via judiciária, à qual os internados se podem dirigir; e, por outro, terá uma função de recolher e tratar, por forma centralizada, a informação relativa à aplicação da lei, contribuindo para a sua boa execução.
Esta lei não cobrirá - nem é seu objectivo - todos os aspectos relativos à saúde mental. É uma lei de princípios fundamentais do sistema e de direitos e garantias dos doentes. É uma lei que se tornava imperioso introduzir no ordenamento jurídico português para fundar em sólidas bases constitucionais um conjunto de matérias de grande sensibilidade em sede de direitos fundamentais. E fá-lo, disso estamos plenamente convencidos, de uma forma correcta, introduzindo neste sector as garantias e salvaguardas adequadas ao integral respeito pelos valores constitucionais da cidadania.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Bernardino Soares, Luís Nobre e Isabel Castro.
Tem a palavra, Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, um facto incontestável nesta matéria é que é precisa uma nova legislação para, regular esta área. Contudo, não é assim tão pacífico que a proposta apresentada pelo Governo vá no caminho de uma tão grande, tão excessiva judicialização deste processo. Não se compreende o que poderá justificar um eventual caminho tão judidicalizante, como o que é proposto, desde logo porque não é do conhecimento público nem julgo que existam - pelo menos em valor que justifique esta opção - situações de abuso de internamento nas nossas instituições de saúde mental que levem a que se conclua pela existência de um real perigo de abuso nesta matéria. Isso não acontece, de facto.
Esta proposta, para além do mais, traduz uma vontade de que a participação dos médicos, dos psiquiatras, seja bastante fraca; desde logo, pelo exemplo paradigmático de que, na audiência onde se avalia toda a situação do possível internando, não é obrigatória a presença da parte clínica, ao contrário, até, do que a lei belga - onde esta proposta, nalgumas, bastantes, disposições, se inspira - prevê, apesar de também ter uma orientação judicializante. Ora, o Sr. Ministro referiu, na sua intervenção, que houve uma grande evolução da psiquiatria até aos dias de hoje, mas não a vemos, pelas razões que já expus, traduzida nesta proposta de lei. Aliás, não vemos que existam, nesta matéria, generalizadamente, situações de abuso entre os técnicos e os profissionais, não sendo sequer conhecidas situações desse tipo.
Depois, há aqui uma outra questão, provavelmente, a mais importante, que é a de saber onde é que fica, neste processo todo, a importância que tantas vezes o internamento tem para o tratamento do doente, para atalhar, em tempo útil, em tempo eficaz, o agravamento ou a deterioração da situação clínica do doente mental.
É certo que a proposta se refere, no n.º 2 do artigo 12.º, a esta matéria, mas fá-lo de uma forma bastante mitigada e trazendo para esta solução um certo carácter secundário desta questão da necessidade de tratamento, não já por razões de ameaça a qualquer bem jurídico que não seja o da própria saúde do possível internando. Esta questão da necessidade de internamento para tratamento é qualitativamente mais importante porque são. residuais, em relação às situações de tratamento, as situações em que há uma perigosidade social que justifique uma via tão judicializante.
Uma última questão, Sr. Ministro, em relação à possibilidade que o Governo propõe, para a comissão a criar, de elaborar uma base de dados que, quanto a nós, é de duvidosa compatibilidade com as garantias que a Constituição prevê nestas matérias, ainda para mais com a possibilidade de estes dados estarem acessíveis a entidades públicas e privadas numa matéria tão sensível como são as informações sobre a saúde mental dos cidadãos.

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