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29 DE MAIO DE 1998 2543

Quando Lucas Pires, nestas ocasiões, se perfilava pelas suas opções, fazia-o de um modo inequívoco, mas, para além disso, a complexidade e a intensidade da sua argumentação introduziam por regra no campo oposto a perplexidade e a vacilação. Era sem dúvida um caso raro no combate político e o Parlamento foi simultaneamente o cenário e a testemunha privilegiada de alguns dos seus melhores contributos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Francisco Lucas Pires foi Presidente do CDS durante dois anos e foi o seu rosto em três eleições de âmbito nacional: as legislativas de 1983 e de 1985 e as europeias de 1987. Essa época foi suficiente para gravar, no entendimento popular, uma imagem inapagável do político que ele foi, e, mais até do que isso, estou seguro de que aquela foi também a fase da sua vida em que ele mais sentiu o cunho pessoal a influir no destino da sua Pátria. Divergências conhecidas fizeram depois disso desencontrar os nossos caminhos, mas esse afastamento não nos fez esquecer o património que para nós passou a constituir a memória do seu empenhamento e a sinceridade do seu entusiasmo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como intelectual e como académico, Francisco Lucas Pires foi uma das personalidades mais admiradas da sua geração e, seguramente, a mais original e sedutora. O seu espírito orientou-se, desde os primeiros escritos, para os temas da teoria do Estado e do Direito Constitucional e aí permaneceu concentrado, como vocação exclusiva e irresistível, ao longo dos 30 anos da sua vida de universitário e pensador, com o único desvio imposto pela emergência das questões constitucionais da União Europeia. As suas dissertações e obras científicas mostram-no sempre no rasto das questões mais difíceis e complexas, as únicas que verdadeiramente o interessavam e mobilizavam a sua inteligência. Para as expor, serviu-se Lucas Pires de uma capacidade expressiva que se tornou lendária e que é verdadeiramente inseparável da substância do seu pensamento, como marca de um esforço, sempre insatisfeito e recomeçado, de ir mais longe na compreensão dos problemas e de chegar mais alto na formulação dos conceitos. Em Lucas Pires, o brilho literário não tomou o lugar das ideias, nem ofuscou o sentido ético fundamental das suas preocupações. Esse sentido ético está presente em toda a sua obra e é ele que decisivamente eleva e enobrece o legado científico que nos deixou.
Uma dimensão intelectual desta envergadura poderia, como tantas vezes sucede, produzir um temperamento fechado e até sobranceiro. Não foi assim com Lucas Pires. Com os seus colegas e amigos, com simples conhecidos, com quaisquer pessoas que dele se aproximassem no decorrer das suas múltiplas actividades, Lucas Pires foi sempre o mais disponível dos interlocutores e o mais informal e acessível dos homens públicos. Era possível conversar com ele sobre os assuntos mais triviais e até enfadonhos, até porque ele tinha o segredo de os tornar interessantes. Os limites da sua paciência só eram perceptíveis pela expressão absorta com que se refugiava por vezes nas suas próprias reflexões. Possuía, em alto grau, uma das qualidades humanas mais raras e preciosas, que é a preocupação de não ferir nem ofender os outros, o que lhe exigia, aliás, um cuidado atento para moderar a força mordaz da sua ironia. Como todas as almas sensíveis e generosas, apreciava os gestos de amizade sincera e retribuía-os com simplicidade e sem reservas. Não admira, pois, que tivesse tantos amigos e que seja tão grande e tão comovida a saudade com que eles o recordam hoje e recordarão, decerto, para sempre.
Em meu nome e no de todos os Deputados que constituem hoje a bancada do CDS-PP, quero aqui deixar o testemunho da nossa admiração e respeito pela singular figura do Amigo, do Político e do Professor Francisco Lucas Pires. As circunstâncias brutais e absurdas do seu prematuro desaparecimento provocaram em todos uma comoção particular, e esta bancada apresenta a toda a sua família e amigos a sua solidariedade e o seu sentido respeito perante a dor que os assalta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, em representação do PSD, o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso a palavra para, em nome do Grupo Parlamentar do PSD e em meu nome próprio, participar na homenagem que a Assembleia da República hoje presta à excepcional figura humana, intelectual, universitária e política que é Francisco António Lucas Pires 3/4 em tempos, Presidente e Vice-Presidente do CDS, Deputado, Presidente e Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do CDS, Ministro e Membro do Conselho de Estado, Coordenador da Aliança Democrática, Deputado ao Parlamento Europeu, Vice-Presidente da União Europeia das Democracias Cristãs, da União Democrática Internacional e do Parlamento Europeu, Membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e Vice-Presidente do seu Grupo Parlamentar Democrata Cristão e, mais recentemente, filiado do PSD, Deputado e Vice-Presidente do Parlamento Europeu e Coordenador e Vice-Presidente do Grupo Paramentar do PPE. Colhido por morte temporã e imprevista, ele deixa nas muitas e diversas instituições por onde, com brevidade, perpassou as marcas de uma personalidade singularmente rica e original.
No mundo das ideias e da cultura, no campo largo e vasto do Direito e das Ciências Sociais, no permanente emaranhado da História e da política, Lucas Pires jamais perdeu o fio condutor da sua vocação prospectora e prospectiva dirigida à descoberta da verdade e à invenção da liberdade, inquieta e nunca instalada, alheia a recompensas, surda a lisonjas, desinibida e autêntica. A propósito do seu serviço à polis e à cidade, diria, em 1991, com lucidez e argúcia, "em política não há registo de patentes, nem se pagam direitos de autor", confessando ter procurado "ser fiel ao espírito de fronteira", para rasgar novos horizontes para a democracia portuguesa, com a convicção de que urgia "ultrapassar nominalismos que ficaram desde 1975, mas hoje parecem apontar mais a revoluções passadas do que a revoluções futuras e têm, por isso, cada vez menos lógica e sentido".
Em Janeiro de 1997, Lucas Pires, no acto público de adesão ao PSD, realizado em Arcos de Valdevez, afirmou textualmente: "quero morrer como alguém que ajudou a dar nobreza à política portuguesa". Consumada a sua carreira ou caminhada, todos nós, seus pares - e esta sessão de homenagem também é disso prova - e todos os seus correligionários, admiradores e amigos testemunham que ele cumpriu à risca esse seu primordial objectivo: ajudou a dar nobreza à política em Portugal. Mas fez mais, também ajudou a dar nobreza e brilho à ciência jurídica e à instituição universitária portuguesas, às quais ficará perenemente ligado.
Homem de rara inteligência, de fecunda imaginação, de riquíssima cultura, de notável generosidade e coragem, jamais descansou na sua luta por um mundo novo, vivo, desalienado e livre dos fantasmas do passado. Desse fulgor e generosidade guarda Coimbra a melhor lembrança: estudante, é líder incontestado da direita académica, na primeira metade da década de 60; jovem assistente, anima tertúlias e debates, dando a lume trabalhos académicos de fibra, onde deixou escalpelizada a perdição política do

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