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19 DE JUNHO DE 1998 2833

Por tudo isto, o rio Minho apresenta, na Galiza, um elevado grau de contaminação, mas, mercê da sua grande capacidade auto-regeneradora, o seu percurso em Portugal classifica-se de "pouco poluído e de qualidade razoável".
Acontece que o acordo celebrado, em 1968, pelos governos de Portugal e Espanha sobre o aproveitamento hidroeléctrico dos troços internacionais de vários rios, entre eles o Minho, previa a construção da barragem de Sela, na freguesia de Ceivães, concelho de Monção, a cerca de 50 km da foz. Este processo esteve adormecido durante décadas, mas a consulta pública sobre o estudo de impacte
ambiental, apresentado pelas empresas concessionárias EDP e FENOSA, transformou-o numa das principais preocupações da opinião pública da região. As audiências
públicas, os vários debates e manifestações realizados durante a consulta pública, vieram confirmar as preocupações já existentes em relação aos impactes negativos que a eventual construção da barragem de Sela viria a provocar.
A oposição das instituições e populações das duas margens do troço internacional do rio Minho viram a sua posição reforçada pela contestação técnico-científica que o parecer da Associação Portuguesa de Biólogos manifesta de uma forma clara e inequívoca.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estudo de impacte ambiental levado a cabo pelas entidades promotoras merece a nossa forte contestação. O estudo reconhece, parcialmente, alguns impactes severos e críticos, nomeadamente no que se refere à destruição de um coberto vegetal de elevado valor ecológico e de difícil, ou mesmo impossível, recuperação da afecção de importante ictiofauna do rio Minho e à eliminação do património social, económico e cultural que as pesqueiras constituem. Apesar disto, reveste-se de elevada fragilidade e falta de consistência já que, ignorando outros claros impactes, fez uma incompleta, desadequada ou enviesada avaliação final de muitos deles e da globalidade do empreendimento.
Assim, de entre os aspectos mais relevantes, passo a destacar: a caracterização da situação de referência é feita com recurso dominante a fontes bibliográficas e a insuficiente ou, em alguns casos, nulo trabalho de campo; os dados apresentados têm um carácter insuficiente e/ou desactualizado; a produção de vinho Alvarinho não aparece identificada no estudo de impacte ambiental, nem como um impacte dotado de individualidade própria, nem como um dos vários impactes sócio-económicos; os impactes sócio-económicos, nomeadamente a actividade piscatória e vitivinícola, estão claramente minimizados; a avaliação da qualidade da água ignora dados oficiais publicados pelo próprio Ministério do Ambiente de Portugal; não são devidamente tidos em conta a relação biocultural entre as populações e o ambiente, onde se propõe a intervenção e o tipo de desenvolvimento desejado pelas populações.
O estudo de impacte ambiental levado a cabo pelas entidades promotoras não é congruente com um outro estudo concretizado a pedido da autarquia de Arbo (Galiza), em 1992, que "considera o impacte global da barragem de Sela sobre o desenvolvimento da região como negativo e severo, de difícil correcção", e é posto em causa pelo parecer da Associação Portuguesa de Biólogos, que, numa avaliação final, conclui "pela inviabilidade ambiental do projecto do aproveitamento hidroeléctrico de Sela".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A construir-se a barragem de Sela, será uma machadada no processo de desenvolvimento do Alto Minho, porque, para além da ampliação dos efeitos já produzidos pelas restantes barragens, trará outras consequências dramáticas que sentenciarão a morte do rio Minho. Destaco os efeitos mais relevantes: o alargamento de uma extensa área de margens e a formação de um lago que chegaria até à barragem anterior, a de Frieira, situada a 22 km para montante; o desaparecimento de centenas de pesqueiras existentes nas duas margens do rio, que constituem um valioso património histórico, cultural e arquitectónico, algumas delas milenares e grande parte ainda hoje utilizadas; a destruição de habitats naturais, afectando inúmeras espécies de fauna e flora; o desaparecimento de espécies piscícolas, como o sável, a lampreia e o salmão, com os prejuízos ecológicos e sócio-económicos que daí advêm; a alteração do clima, com a consequente influência no microclima, que destruiria o cultivo de castas de uvas de qualidade superior, como é o caso do vinho Alvarinho, com graves consequências para a economia local; as previsíveis variações do caudal associadas à sua diminuição afectariam toda a dinâmica do rio, alterando os fenómenos de erosão, transporte e sedimentação, favorecendo um maior assoreamento da zona do estuário e o aumento da influência marinha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O empreendimento hidroeléctrico de Sela parece só ter o acordo das entidades promotoras - União Fenosa e EDP, que, até ao momento, não têm dado muito bom exemplo de preocupação com o ambiente e de cumprimento de regras elementares de salvaguarda de valores ambientais.
De facto, os municípios portugueses e espanhóis, o Conselho da Bacia do Rio Minho, a generalidade da população, os grupos sócio-profissionais de grande importância na região (nomeadamente, pescadores e vitivinicultores), as associações ambientalistas e os grupos recreativos e culturais de ambos os lados da fronteira, certas associações científicas de credibilidade inquestionável, como a Associação Portuguesa de Biólogos, são unânimes na contestação ao projecto. Os debates públicos realizados são, infelizmente, um sinal inequívoco de que a população, as autoridades locais e os especialistas presentes não se demonstraram convencidos pelos esclarecimentos prestados pelas entidades promotoras e não se identificaram com determinado tipo de desenvolvimento que, a concretizar-se a construção da barragem de Sela, pode ser desencadeado na região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo o rio Minho uma das zonas propostas pelo Governo português para integrar a Rede Natura 2000 - o que significa que o Governo lhe reconhece elevado valor ecológico e o considera merecedor de um estatuto de conservação especial -, fazer aprovar o empreendimento de Sela, à luz de um eventual respeito por um acordo antigo (celebrado num outro contexto sócio-político, económico e científico completamente diferente do actual), quando as duas entidades promotoras assumem não ter intenção de proceder, no imediato, à sua construção e, principalmente, no contexto dos graves impactes ambientais atrás citados, seria uma lamentável opção que não honraria as preocupações de defesa do ambiente e de promoção do desenvolvimento sustentado do Governo de Portugal.
Apelo ao Governo e à Assembleia da República no sentido de que seja revisto o acordo, de 1968, estabelecido entre Portugal e Espanha, impossibilitando a construção da barragem de Sela, evitando, assim, a amputação de uma parte significativa do nosso património natural - o rio Minho.

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