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19 DE JUNHO DE 1998 2861

O Sr. Presidente (João Amaral): - Com certeza, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Ninguém põe em causa que poderá haver vantagem na existência de uma lei geral tributária onde se acolham os princípios essenciais do ordenamento tributário, com um papel enformador e sistematizador desse sistema; uma lei que se assuma como a coluna vertebral do sistema, estabelecendo conceitos e relações essenciais, e que suscite uma perfeita interconexão entre as leis relativas aos diversos impostos e esta trave-mestra do sistema.
Mas se a existência de uma lei geral tributária pode ser conveniente, isso não significa que ela seja indispensável e urgente.
Por isso, o que se pode questionar, e nós fazemo-lo, é, por um lado, a ordem de prioridades estabelecida pelo Governo para a proclamada «reforma fiscal» e, por outro lado, o conteúdo substantivo da lei geral tributária que nos é apresentada.
Em relação às prioridades, julgo que ninguém, de boa fé, sustentará que a lei geral sistematizadora dos grandes princípios gerais seja a prioridade das prioridades para avançar com as alterações necessárias ao sistema fiscal e, estas sim, urgentes, que o tornem mais justo e equitativo e que combatam eficazmente o social e politicamente insuportável nível de evasão fiscal, actualmente existente.
O que é prioritário é alterar o quadro actual caracterizado pela existência de grandes fortunas e elevadíssimos ganhos financeiros e especulativos colocados à margem de qualquer tributação, ao mesmo tempo que se verifica uma muito pesada tributação sobre os rendimentos do trabalho. E necessário alterar o quadro actual no qual a tributação das mais-valias e as declarações de rendimentos, ditos reais, são totalmente irrealistas, no qual se confunde o princípio da tributação real com a tributação baseada em rendimentos declarados.
O que é urgente alterar no nosso sistema fiscal, com uma reforma fiscal que se não limite a medidas pontuais de cosmética do regime de impostos em vigor, é a situação actual de Portugal ter um regime fiscal altamente favorável para as aplicações de capitais e um regime dos mais desfavoráveis para os rendimentos do trabalho. Mas sobre isto o Governo continua a manter uma inaceitável atitude demissionista.
O Ministro das Finanças, de quando em vez, aparece a reafirmar promessas de acção repetidamente não cumpridas, mas, em vez da tomada de medidas concretas, vai criando grupos e mais grupos, comissões e mais comissões, para estudarem, continuarem a estudar e voltarem a rever a matéria estudada.
Elogia o relatório de 1996 elaborado pela Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, mas as suas recomendações continuam praticamente todas congeladas.
De quando em vez, para que se não diga que o Governo nada faz nesta matéria, apresenta uma ou outra tímida medida pontual, mas fá-lo de forma tão inábil, ou mesmo absurda, que imediatamente tudo volta à estaca zero, porque a emenda se mostra pior do que o soneto.
A verdade é que o Governo, em matéria de reforma fiscal, não tem vontade ou não tem coragem de contrariar os grupos de interesses estabelecidos. O Governo não age contra esses interesses ilegítimos. O Governo verga-se às suas pressões.
Por isso, as prometidas reformas de fundo não vêem a luz do dia. Não a viram nestes três anos de vigência do Governo nem a verão, como já foi afirmado pelo próprio Governo, até ao fim da legislatura.
Persistem e, por vontade do Governo, persistirão as injustiças, as desigualdades e as ilicitudes no domínio fiscal.
Entretanto, porque assim é e para que se pense que não é, o Governo apresenta-nos esta proposta de lei geral tributária, lei geral que não promove o equilíbrio necessário entre a administração fiscal e os contribuintes. particularmente por omitir qualquer perspectiva de luta contra a evasão fiscal; lei geral que parece não ter em conta a cultura fiscal predominante no nosso País, nem o estado em que se encontra a administração fiscal; lei geral que, no essencial, se limita a recolher e sistematizar princípios já existentes. dispersos por várias leis, pouco inova e nada aprofunda e chega a apresentar confusões incompreensíveis.
Apresento-vos alguns exemplos: a proposta de lei diz-se aplicável aos impostos fiscais e extra fiscais e às taxas, mas a verdade é que grande parte do teor do anteprojecto que nos foi fornecido só se aplica aos impostos, por exemplo, no âmbito da matéria colectável, do processo de execução, da liquidação, dos crimes e contra-ordenações fiscais, etc. Mais: o anteprojecto não só é totalmente omisso enquanto lei geral das taxas como contém muitos aspectos que são contraditórios com o regime constitucional das taxas. Estabelece uma incompreensível confusão terminológica entre contribuinte, sujeito passivo e sujeito passivo de imposto. Quem está isento de um imposto deixa de ser sujeito passivo? Se não é sujeito passivo o que é. Esta confusão é inaceitável porque põe em causa a protecção dos interesses dos cidadãos. porque grande parte dos direitos de defesa são atribuídos aos sujeitos passivos. Se não são considerados sujeitos passivos não vão ter direito a essas garantias?
Mantendo a confusão entre tributação real e tributação baseada em rendimentos declarados, a proposta de lei persiste em não prever a possibilidade de métodos de determinação indirecta de valores médios da matéria colectável, mais uma vez esquecendo totalmente as recomendações da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal. Pior: continuando a impedir, na prática, que a administração fiscal tenha possibilidade de uma fiscalização mais efectiva relativamente aos contribuintes de mais elevados rendimentos e em que é manifesto o maior grau de evasão fiscal.
Inova a figura de contratos fiscais entre a administração fiscal e os sujeitos passivos. Mas em que termos? Nos termos da lei civil ou de uma outra lei que não existe? Ou sem lei?
Inova a jurisdicionalização total do processo de execução fiscal, mas não explica porquê e é completamente omisso quanto à sua forma de concretização.
Estaremos de acordo com os princípios relativos à fiscalização indirecta, mas qual a sua real eficácia sem cruzamento de informação dos vários agentes envolvidos na relação jurídico-tributária e, nomeadamente, enquanto a lei não impuser o dever de colaboração das instituições financeiras com a administração fiscal, enquanto persistir o sacrossanto tabu do Governo relativamente ao sigilo bancário? Tabu cujas razões profundas não são entendíveis e que coloca o nosso sistema fiscal, neste aspecto, como uma peça de museu no seio dos países da União Europeia e da OCDE.

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