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Terça-feira, 30 de Junho de 1998 l Série - Número 86

DIÁRIO
DA Assembleia da República

VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE JUNHO DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmo. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 191/VII e dos projectos de lei n.º 541 a 543/VII.

O projecto de lei n.º 520/VII - Altera a Lei n.º 7/93, de 1 de Março (Estatuto dos Deputados) (Os Verdes) foi discutido e aprovado na generalidade, tendo intervindo os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Maria Eduardo Azevedo (PSD), Luísa Mesquita (PCP) e Maria do Rosário Carneiro (PS).
Foram também apreciados, em conjunto, os projectos de resolução n.º 89/VII - Referendo sobre a regionalização (PSD), 93/VII - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas previsto no artigo 256.º da Constituição da República (PS) e 95/VII - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões (CDS-PP). Usaram da palavra os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), José Junqueira (PS), Luís Queiró (CDS-PP), Luís Sá (PCP) e Carmen Francisco (Os Verdes).
Foram ainda debatidos a proposta de resolução n.º 71/VII - Referendo relativo às questões da Europa e os projectos de lei n.º 69/VII - Proposta de referendo relativo às questões da União Europeia (PCP), 91/VII - Referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (PSD) e 94/VII - Proposta de referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (CDS-PP). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação {Luís Amado), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Carlos Encarnação (PSD), Silvio Rui Cervan (CDS-PP) e José Saraiva (PS).
Em período de votações, a Assembleia rejeitou um requerimento, apresentado pelo PSD, de macacão pelo Plenário do artigo único do projecto de lei n.º 433/VII - Revoga o Decreto n.º 9/93, de 18 de Março (Estabelece uma zona de defesa e controlo urbanos referentes à construção da nova ponte sobre o Tejo) (PCP), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Lucília Ferra (PSD), Manuel Jorge Góes (PS), Luís Queiró (CDS-PP) e João Amaral (PCP).
Foram aprovadas, na especialidade e em votação final global, as propostas de lei n.º 128/VII - Estabelece o regime de exercício de direitos do pessoal da Policia Marítima - sobre a qual usou da palavra o Sr. Deputado João Amaral (PCP) - e 140/VII - Autoriza o Governo a aprovar o regulamento disciplinar da Polícia Marítima (PM).
O projecto de lei n.º 520/VII - Altera a Lei n.º 7/93, de 1 de Março (Estatuto dos Deputados) (Os Verdes) foi igualmente aprovado na especialidade e em votação final global, tendo usado da palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes).
Os textos finais, apresentados pela Comissão de Negócios Estrangeiros. Comunidades Portuguesas e Cooperação, relativo à proposta de lei n.º 114/VII - Aprova o estatuto das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento, e pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativos à proposta de lei n.º 64/VII - Regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e ao projecto de lei n.º 399/VII - Divórcio por mútuo consentimento e divórcio litigioso (alteração de requisitos) (PS), foram aprovados em votação final global.
Após aprovação de um requerimento do PSD de avocação pelo Plenário dos artigos 288º e 290º do Código Penal - em relação aos quais apresentou propostas de alteração, que foram rejeitadas -, constantes da proposta de lei n.º 160/VII - Altera o Código Penal, foi também aprovado, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo àquele diploma e aos projectos de lei n.º 221/VII - Alterem o regime de liberdade condicional (PSD), 385/VII - Introduz, alterações na legislação penal, em particular no respeitante aos crimes sexuais contra menores e aos crimes contra a liberdade de circulação (PSD) e 403/VII - Altera disposições do Código Penal relativas ao principio da extraterritorialidade, ao abuso sexual de menores, outros crimes sexuais e à liberdade de imprensa, e adita disposições relativas a ilicitos penais laborais (PCP).

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Usaram da palavra os Srs. Deputados Miguel Macedo (PSD), Odete Santos (PCP) e José Magalhães (PS).
Tendo a Câmara aprovado um requerimento do PSD de avocação pelo Plenário da votação, na especialidade, dos artigos 3.º, 10º, 12º, 37.º, 44º. 46.º, 47.º, 56.º, 58.º e 80.º da proposta de lei n º 113/VII - Estatuto do Ministério Público -, para os quais aquele partido havia apresentado propostas de alteração que foram rejeitadas, foi depois aprovado o texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, relativo à mesma proposta de lei. Usaram da palavra os Srs. Deputados Calvão da Silva (PSD), José Magalhães (PS} e Odete Santos (PCP).
Relativamente à proposta de lei n.º 157/VII - Altera o Código de Processo Penal -, foram aprovados os requerimentos, apresentados pelo PS e pelo PSD, de avocação pelo Plenário da votarão, na especialidade, respectivamente, do artigo 40.º, cujo proposta de alteração subscrita pelo PS foi aprovada, e dos artigos 86º e 391.º-A, cujas propostas de alterarão subscritas pelo PSD furam rejeitadas, lendo depois sido aprovado o texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias. Intervieram no debate os Srs. Deputados e Odeie Santos (PCP), José Magalhães (PS), Guilherme Silva (PSD), Francisco Peixoto (CDS-PP) e Jorge Lacão (PS).
Foi aprovado o texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo ao projecto de lei n º 40/VII - Associações representativas dos municípios e das freguesias (PS).
Foi aprovado o texto final, apresentado pela mesma Comissão, relativo à proposta de lei n.º 86/VII e aos projectos de lei n.ºs 127/VII (PCP) e 320/VII (CDS-PP) - Lei-quadro das empresas municipais intermunicipais e regionais.
Foi aprovado o requerimento, apresentado pelo PS, no sentido de adiar para a próxima sessão a votação da proposta de lei n.º 112/VII -- Estabelece as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo. Pronunciaram-se sobre o assunto, além do Sr Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Carlos Coelho e Luís Marques Guedes (PSD) e Manuel Jorge Góes e José Magalhães (PS).
Foi aprovado, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo ao Decreto-Lei n º 327/97, de 26 de Novembro, que altera a alínea a) do n.º1 do artigo 7º do Decreto-Lei n º 280/94, de 5 de Novembro - Cria a Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo [Apreciação parlamentar n.º 43/VII (PSD)].
Foi aprovado, em votação final global, o texto final da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, relativo à proposta de lei n º 84/VII - Estabelece medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto.
Foi aprovado, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 176/VII - Altera a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Foi aprovado, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais,. Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n º 163/VII - Segunda alteração ao Estatuto Político-Administrativo da região Autónoma dos Açores (ALRA).
Foi rejeitado o projecto de resolução n º 89/VII- Referendo relativo à regionalização (PSD).
Foi aprovado o projecto de resolução n.º 93/VII - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, previsto no artigo 256. º da Constituição da República (PS), bem como uma proposta de aditamento igualmente apresentada pelo PS de um n.º 2 sobre o boletim de voto destinado aos cidadãos eleitores recenseados em rada uma das regiões autónomas.
Ficou prejudicado o projecto de resolução n.º 95/VII - Propõe a realização, em concreto, das regiões (CDS-PP).
Foi aprovada a proposta de resolução n.º 71/VII - Referendo relativo às questões da Europa, com as duas propostas de substituição, apresentadas pelo PS, uma do n.º 1 e outra do n.º 2.
Foi rejeitado o projecto de resolução n.º 69/VII - Proposta de referendo relativo às questões da União Europeia (PCP).
Foi rejeitado o projecto de resolução n.º 91/VII - Referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (PSD), na pane relativa ao universo eleitoral, respeitante aos cidadãos nacionais residentes fora dos Estudos membros da União Europeia.
Foi rejeitado o projecto de resolução n.º 94/VII - Proposta de referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 22 horas e 25 minutos

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O Sr Presidente - Srs Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão

Eram 15 horas e 40 minutos

Estavam presentes os seguintes Srs Deputados:

Partido Socialista (PS)

Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto de Sousa Martins
Albino Gonçalves da Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Aníbal Marcelino Gouveia
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Manuel Carmo Saleiro
António Rui Esteves Solheiro
Arlindo Cipriano Oliveira
Arnaldo Augusto Homem Rebelo
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Justino Luis Cordeiro
Carlos Manuel Amândio
Cláudio Ramos Monteiro
Domingos Fernandes Cordeiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Elisa Mana Ramos Damião
Fernando Alberto Pereira de Sousa
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Antão de Oliveira Ramos
Fernando Garcia dos Santos
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Francisco Fernando Osório Gomes
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Manuel Pepino Fonenga
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Henrique José de Sousa Neto
João Pedro da Silva Correia
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Damas Martins Rato
Jorge Manuel Fernandes Valente
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Cardoso Marques
José António Ribeiro Mendes
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Ernesto Figueira dos Reis
José Fernando Rabaça Barradas e Silva
José Manuel Niza Antunes Mendes
José Manuel Rosa do Egipto
José Manuel Santos de Magalhães
José Mana Teixeira Dias
José Pinto Simões
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria
Júlio Meirinhos Santanas
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Filipe Nascimento Madeira
Luís Pedro de Carvalho Martins
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes
Manuel Porfírio Varges
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Martim Afonso Pacheco Gracias
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Jorge Lúcio Arsénio
Pedro Luis da Rocha Baptista
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Raimundo Pedro Narciso
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel dos Santos Namorado
Rui Manuel Palácio Carreteiro
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto
Victor Brito de Moura

Partido Social Democrata (PSD)

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo
Adriano de Lima Gouveia Azevedo
Álvaro dos Santos Amaro
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira
António Costa Rodrigues
António de Carvalho Martins
António dos Santos Aguiar Gouveia
António Fernando da Cruz Oliveira
António Germano Fernandes de Sá e Abreu
António Joaquim Correia Vairinhos
António José Barradas Leitão
António Manuel Taveira da Silva
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Roleira Marinho
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Bernardino Manuel de Vasconcelos
Carlos Eugénio Pereira de Brito
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Duarte de Oliveira
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho

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2960 I SÉRIE - NÚMERO 86

tunidade para saudar a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia pelo nascimento da sua filha -, esta Assembleia da República, onde se discutem, por vezes tão acaloradamente, medidas quase extremas para tornar mais acessível e menos hostil a presença das mulheres na política, ter-se-ia esquecido de criar aqui, a nível do Estatuto dos Deputados, condições mínimas para a permanência das mulheres. Portanto, digamos que ainda é um Parlamento predominantemente masculino, em que, como muito bem disse a Sr.ª Deputada Isabel Castro, a parte feminina deve ser entendida pela parte masculina como qualquer coisa que não corresponde à realidade.
Também penso que esta é uma oportunidade para reflectirmos, tanto mais que. parece-me, vêm aí as quotas, sobre a necessidade de colmatar muitas das insuficiências que impedem as mulheres de estar com mais gosto e de uma forma mais activa na política e, concretamente, no Parlamento, sem sermos redutores ou, pelo menos, tentando não o ser.
Admito que as quotas possam constituir uma alavancagem para modificar uma situação que, como se sabe, é muito minoritária, mas esta situação concreta mostra-nos que há muito para fazer e por fazer e que não são apenas as quotas, mas. talvez, estas conjugadas com outras medidas, nomeadamente um clima e uma organização do trabalho, que permitam às mulheres que normalmente têm de conciliar vida profissional, vida familiar e vida política, mulheres que têm aquilo a que chamaria uma vida tripla e normalmente em camadas sobrepostas, estar com gosto, sem um grande ónus e sem um excessivo sacrifício, na política, dando o seu contributo.
Também me parece que estava na hora de se considerar que as duplas e triplas tarefas que são atribuídas as mulheres constituem uma base suficiente para que legitimamente elas possam reivindicar um direito à diferença, porque essas actividades têm um valor social enormíssimo, mas também um valor económico muito grande, que nunca é contabilizado.
Em relação ao projecto de lei apresentado, quero apenas dizer - aliás, de acordo com o relatório - que também me parece que a consagração do direito ao gozo da licença de maternidade e paternidade não implicará necessariamente a supressão da justificação de faltas dadas por motivos relativos à maternidade e paternidade e que seria bom salvaguardar também este aspecto, uma vez que o objectivo que se pretende é esse mesmo, não o eliminando num artigo, na perspectiva de que ele já está noutro, porque os artigos têm epígrafes diferentes e, desse modo, penso que aqui ficaria um pouco a descoberto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em Portugal, como acontece aliás nas demais sociedades modernas, a articulação da vida familiar e da carreira profissional não se consegue alcançar sem a ocorrência de sacrifícios, que condicionam a realização individual de homens e mulheres, afectam a estabilidade e o papel da família e privam a própria vivência colectiva dos naturais e normais padrões de qualidade e bem-estar.
E porque entendemos que é preciso ir mais longe, conferindo maior amplitude e alcance às medidas já existentes em matéria de conciliação da vida familiar e profissional e respondendo às crescentes necessidades sociais e
ansiedades individuais, é que o PSD apresentou, na passada sessão legislativa, um projecto de lei relativo ao alargamento à protecção da maternidade e da paternidade, que esta Câmara aprovou.
Porque a protecção à família e à maternidade e paternidade conscientes não devem ser apenas simples propósitos, que, não obstante constituírem meritórios objectivos, redundem, na prática, em meros títulos esgrimidos para aliviar a nossa consciência colectiva, importa ser ainda mais coerente.
Nessa medida, estamos hoje aqui a discutir uma alteração ao Estatuto dos Deputados, no sentido de permitir às mulheres. Deputadas à Assembleia da República, o gozo do direito à licença por maternidade nos termos gerais, sem terem de justificar a ausência invocando o motivo de doença e sem perderem as regalias que lhe são inerentes. No mesmo sentido, o reconhecimento dos direitos que aos Deputados homens devem assistir, nos termos da legislação geral, para o desempenho de uma paternidade consciente.
Trata-se, afinal, de uma questão da mais elementar justiça, muito em especial para as Deputadas, não só enquanto cidadãs mas também enquanto agentes políticos.
A não ser assim, arriscamo-nos a continuar a usar a data emblemática do dia 8 de Março de cada ano para chamar a atenção para a diminuta participação feminina na vida política, enfatizando a indispensável mudança e clamando contra a falta de concretização da igualdade de oportunidades, enquanto verdadeiro pilar central do próprio desenvolvimento das sociedades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 520/VII, do Partido Ecologista Os Verdes, que visa alterar a Lei n.º 7/93 - Estatuto dos Deputados, possibilita, na nossa perspectiva, à Assembleia da República dois actos, simultaneamente importantes e complementares: um, de reflexão, e, outro, de correcção.
Quanto ao primeiro, continuamos a considerar, sem qualquer radicalismo ou miopia sexista, que são ainda muitos os espaços de construção de igualdade que requerem das instituições e da sociedade profundas reflexões.
No que se refere ao segundo, verificaremos que a situação é ainda mais preocupante. É que. apesar de algumas matérias já terem sido alvo de múltiplas e diversificadas análises e discussões e daí ter decorrido, muitas vezes, a produção de instrumentos suficientemente claros na prossecução de políticas de igualdade, não se tem verificado a transposição do direito consagrado para o direito de facto.
A iniciativa legislativa que, hoje, muitos Deputados e algumas Deputadas têm hipóteses de discutir é só um exemplo da ainda paradoxal e muito contraditória sociedade, neste fim de milénio.
Num país onde é possível afirmar-se que o universo jurídico da igualdade homem/mulher tem vindo a crescer, qualitativa e quantitativamente, é possível também, e no entanto, encontrar sem dificuldade lacunas obstrusas, que inviabilizam a consecução dessa mesma igualdade.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O texto constitucional, logo no seu artigo 13.º, afirma a igualdade peran-

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Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com a apresentação do projecto lei n.º 520/VII, que visa alterar a Lei n.º 7/93, de 1 de Março (Estatuto dos Deputados), e a nossa decisão de preencher com ele, nesta sessão, o agendamento potestativo do nosso grupo parlamentar, pretendem Os Verdes operar, no actual Estatuto dos Deputados, uma alteração. Uma alteração que, embora seja pequena na sua aparência, não deixa, contudo, de ser grande pelo seu alcance, simbolismo e significado político e cultural; uma alteração cujo conteúdo se explica em si mesmo; uma alteração cuja justificação se busca e encontra em si própria; uma proposta de alteração, enfim, cuja necessidade, estou convicta, na sua urgente adopção, ninguém questiona - a necessidade de garantir o exercício pleno às Deputadas mulheres de todos os direitos relativos à maternidade, dos quais estão hoje, pura e simplesmente, excluídas!
Do que se trata, afinal, é de introduzir no Estatuto dos Deputados uma realidade que nele, de modo chocante e de há muito, prevalece ignorada; do que se trata é de pôr fim a uma situação absurda, insustentável e embaraçosa para o próprio Parlamento, que a actual lei, que regula o Estatuto dos Deputados, claramente evidencia.
A lei pensada num território marcadamente masculino, um território de que as mulheres ainda estão, em grande medida, arredadas.
A lei que acabou, assim, por reflectir, ela própria, na sua visão, na atitude cultural que a moldou e na sua formulação a marca visível dessa ausência de olhar feminino.
A marca de uma ausência que permitiu que, com naturalidade. se não esquecesse, por exemplo, e bem, os direitos dos Deputados relativos ao serviço militar e ao seu adiamento, mas também permitiu, com a quase mesma involuntária naturalidade, que não se contemplasse a situação das Deputadas mulheres perante a maternidade, a situação das Deputadas, enquanto mulheres.
Mulheres que optaram por participar, pública e politicamente.
Deputadas mulheres que nem por isso são forçosamente, como foi lugar-comum julgar-se, mulheres idosas, mulheres celibatárias ou mulheres que abdicaram da sua vida familiar.

Aplausos das Deputadas do PS Natalina Moura e Maria Celeste Correia e do CDS-PP Maria José Nogueira Pinto.

Deputadas mulheres para quem a maternidade se pode colocar, um dia, não como um destino biológico a cumprir, mas como uma escolha e a vivência livre e responsável dessa escolha.
Deputadas mulheres cuja maternidade reclama, por isso mesmo, da sociedade e do Estado igual direito de protecção que às demais mulheres do nosso país é garantida, face a uma Constituição da República que reconhece a maternidade e a paternidade como valores sociais eminentes.
Sr. Presidente. Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos, pois, perante um projecto de lei que visa adequar o Estatuto dos Deputados ao texto constitucional e a toda a legislação de protecção da maternidade e da paternidade, que, gradualmente, tem vindo a ser produzida para lhe dar corpo e sentido.
Uma necessidade tanto maior quanto estamos a falar do exercício de direitos constitucionais precisamente no espaço privilegiado da democracia, que é a Assembleia da República. Um espaço onde coube exactamente aos Deputados definir na Constituição da República Portuguesa os direitos de protecção à maternidade e à paternidade; um espaço onde aos mesmos Deputados cabe precisamente a responsabilidade constitucional de vigiar pelo seu cumprimento, quer se fale da protecção da maternidade e da paternidade, quer se fale da promoção da igualdade de oportunidades, quer se fale da participação política dos cidadãos.

As Sr.ªs Natalina Moura e Maria Celeste Correia(PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos perante uma situação de discriminação negativa. inconstitucional e ilegal, que o nosso projecto de lei pretende agora solucionar.
Um projecto que colocará as Deputadas à Assembleia da República em pé de igualdade com as eleitas locais, cujo estatuto foi, no ano passado, modificado, por proposta do PCP.
Um projecto que permitirá ainda às eurodeputadas portuguesas, também elas penalizadas quando suspendem o mandato para gozo da licença de parto, ver o seu direito à protecção na maternidade integralmente respeitado no seu país, como. aliás, acontece às suas colegas europeias e não só na parte que ao Parlamento europeu compete.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Aprovar este projecto de alteração ao Estatuto dos Deputados é estender às Deputadas mulheres todos os direitos relativos à maternidade, de que se encontram escandalosamente excluídas.
Aprová-lo é, no entanto, em nosso entendimento, bem mais do que isso.
É no momento em que a participação das mulheres na vida cívica e política se reclama não na linear lógica da igualdade, mas como uma condição da própria democracia, é no momento em que se discute o próprio sentido que à sociedade e ao desenvolvimento importa dar, é no momento em que a participação das mulheres na vida política e na tomada de decisão pública se torna uma exigência da nossa vida colectiva, é no momento em que a gravidade da sub-representação das mulheres no exercício de cargos públicos e políticos, em Portugal, implica. por parte de todos nós, uma reflexão séria sobre as suas causas que este projecto, agora em discussão, também deve ser entendido.
Um projecto, como um contributo real para uma igualdade real e não abstracta; uma igualdade, uma protecção. uma participação plena das mulheres na sociedade, que urgentemente tem de ser operada e importa não continuar a adiar!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quero apenas dizer umas breves palavras para comentar este projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes, iniciativa esta de uma grande oportunidade e altamente esclarecedora da situação da mulher na política portuguesa.
Efectivamente, se não fosse uma situação concreta, que está na origem deste projecto de lei - e aproveito a opor-

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tunidade para saudar a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia pelo nascimento da sua filha -, esta Assembleia da República, onde se discutem, por vezes tão acaloradamente, medidas quase extremas para tornar mais acessível e menos hostil a presença das mulheres na política, ter-se-ia esquecido de criar aqui, a nível do Estatuto dos Deputados, condições mínimas para a permanência das mulheres. Portanto, digamos que ainda é um Parlamento predominantemente masculino, em que, como muito bem disse a Sr.ª Deputada Isabel Castro, a parte feminina deve ser entendida pela parte masculina como qualquer coisa que não corresponde à realidade.
Também penso que esta é uma oportunidade para reflectirmos, tanto mais que, parece-me, vêm aí as quotas, sobre a necessidade de colmatar muitas das insuficiências que impedem as mulheres de estar com mais gosto e de uma forma mais activa na política e, concretamente, no Parlamento, sem sermos redutores ou, pelo menos, tentando não o ser.
Admito que as quotas possam constituir uma alavancagem para modificar uma situação que, como se sabe, é muito minoritária, mas esta situação concreta mostra-nos que há muito para fazer e por fazer e que não são apenas as quotas, mas, talvez, estas conjugadas com outras medidas, nomeadamente um clima e uma organização do trabalho, que permitam às mulheres que normalmente têm de conciliar vida profissional, vida familiar e vida política, mulheres que têm aquilo a que chamaria uma vida tripla e normalmente em camadas sobrepostas, estar com gosto, sem um grande ónus e sem um excessivo sacrifício, na política, dando o seu contributo.
Também me parece que estava na hora de se considerar que as duplas e triplas tarefas que são atribuídas as mulheres constituem uma base suficiente para que legitimamente elas possam reivindicar um direito à diferença, porque essas actividades têm um valor social enormíssimo, mas também um valor económico muito grande, que nunca é contabilizado.
Em relação ao projecto de lei apresentado, quero apenas dizer - aliás, de acordo com o relatório - que também me parece que a consagração do direito ao gozo da licença de maternidade e paternidade não implicará necessariamente a supressão da justificação de faltas dadas por motivos relativos à maternidade e paternidade e que seria bom salvaguardar também este aspecto, uma vez que o objectivo que se pretende é esse mesmo, não o eliminando num artigo, na perspectiva de que ele já está noutro, porque os artigos têm epígrafes diferentes e, desse modo, penso que aqui ficaria um pouco a descoberto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em Portugal, como acontece aliás nas demais sociedades modernas, a articulação da vida familiar e da carreira profissional não se consegue alcançar sem a ocorrência de sacrifícios, que condicionam a realização individual de homens e mulheres, afectam a estabilidade e o papel da família e privam a própria vivência colectiva dos naturais e normais padrões de qualidade e bem-estar.
E porque entendemos que é preciso ir mais longe, conferindo maior amplitude e alcance às medidas já existentes em matéria de conciliação da vida familiar e profissional e respondendo às crescentes necessidades sociais e ansiedades individuais, é que o PSD apresentou, na passada sessão legislativa, um projecto de lei relativo ao alargamento à protecção da maternidade e da paternidade, que esta Câmara aprovou.
Porque a protecção à família e à maternidade e paternidade conscientes não devem ser apenas simples propósitos, que, não obstante constituírem meritórios objectivos, redundem, na prática, em meros títulos esgrimidos para aliviar a nossa consciência colectiva, importa ser ainda mais coerente.
Nessa medida, estamos hoje aqui a discutir uma alteração ao Estatuto dos Deputados, no sentido de permitir às mulheres, Deputadas à Assembleia da República, o gozo do direito à licença por maternidade nos termos gerais, sem terem de justificar a ausência invocando o motivo de doença e sem perderem as regalias que lhe são inerentes. No mesmo sentido, o reconhecimento dos direitos que aos Deputados homens devem assistir, nos termos da legislação geral, para o desempenho de uma paternidade consciente.
Trata-se, afinal, de uma questão da mais elementar justiça, muito em especial para as Deputadas, não só enquanto cidadãs mas também enquanto agentes políticos.
A não ser assim, arriscamo-nos a continuar a usar a data emblemática do dia 8 de Março de cada ano para chamar a atenção para a diminuta participação feminina na vida política, enfatizando a indispensável mudança e clamando contra a falta de concretização da igualdade de oportunidades, enquanto verdadeiro pilar central do próprio desenvolvimento das sociedades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 520/VII, do Partido Ecologista Os Verdes, que visa alterar a Lei n.º 7/93 - Estatuto dos Deputados, possibilita, na nossa perspectiva, à Assembleia da República dois actos, simultaneamente importantes e complementares: um, de reflexão, e outro, de correcção.
Quanto ao primeiro, continuamos a considerar, sem qualquer radicalismo ou miopia sexista, que são ainda muitos os espaços de construção de igualdade que requerem das instituições e da sociedade profundas reflexões.
No que se refere ao segundo, verificaremos que a situação é ainda mais preocupante. É que, apesar de algumas matérias já terem sido alvo de múltiplas e diversificadas análises e discussões e daí ter decorrido, muitas vezes, a produção de instrumentos suficientemente claros na prossecução de políticas de igualdade, não se tem verificado a transposição do direito consagrado para o direito de facto.
A iniciativa legislativa que, hoje, muitos Deputados e algumas Deputadas têm hipóteses de discutir é só um exemplo da ainda paradoxal e muito contraditória sociedade, neste fim de milénio.
Num país onde é possível afirmar-se que o universo jurídico da igualdade homem/mulher tem vindo a crescer, qualitativa e quantitativamente, é possível também, e no entanto, encontrar sem dificuldade lacunas obstrusas, que inviabilizam a consecução dessa mesma igualdade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O texto constitucional, logo no seu artigo 13.º, afirma a igualdade peran-

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te a lei de todos os cidadãos e rejeita todo e qualquer privilégio, bem como prejuízo, privação de direitos e isenção de deveres em razão do sexo; posteriormente, no artigo 36.º. afirma-se, no seu n.º l, que «todos têm o direito de constituir família (...)» e, no seu n.º 3, que «os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos»; finalmente, nos artigos 48.º e 50.º, esclarece-se, respectivamente, que «todos os cidadãos têm direito de tomar pane na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, (...)» e que «ninguém pode ser prejudicado (...) nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos». Esta leitura do texto matriz da sociedade portuguesa, deveria, obviamente, inviabilizar qualquer legislação discriminatória como aquela que constitui, neste momento, objecto de proposta de alteração.
É, no entanto, de forma mais particular, a substância dos artigos 68.º e 109.º. o primeiro relativo à protecção da maternidade e da paternidade e o segundo regulador da participação política dos cidadãos, que o projecto de lei n.º 520/VII, do Partido Ecologista Os Verdes, expõe como claramente incumprida, no que às mulheres, porque Deputadas da Assembleia da República, diz respeito.
Enquanto o artigo 68.º enuncia não só a responsabilidade da sociedade e do Estado na protecção aos pais e às mães, garantindo-lhes a realização profissional e a participação na vida cívica do País, mas também a protecção especial a que as mulheres têm direito durante a gravidez e após o parto, com direito a dispensa do trabalho, sem perda do vencimento ou de outras regalias, o artigo 109.º consagra que só, «a participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e não a discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como será lícito concluir, esta ideia abstracta de igualdade, que prolifera pelo nosso discurso jurídico, convive a paredes-meias com muitas desigualdades tácticas, que estigmatizam a vida das mulheres portuguesas e, neste caso, de um reduzido número que tem acesso às instâncias de decisão política.
Alteram-se as leis do trabalho, alteram-se as leis da família, alteram-se as leis que regulam os mecanismos da participação política, mas. sem a adopção de políticas activas de discriminação positiva, capazes de funcionar como correctoras de desigualdades seculares, é difícil aproximar os princípios, nacional e internacionalmente, aceites do dia-a-dia das mulheres portuguesas.
Há 20 anos, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou, por resolução, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, ratificada pelo nosso país, em 1980.
Concretamente, no seu artigo 4.º, n.º 1, afirma-se que «a aprovação pelas Panes Contratantes de medidas temporárias e especiais que visem acelerar a instauração de uma igualdade de facto entre os homens e as mulheres não é considerada um acto discriminatório (...)».
Contudo, 20 anos depois, continuam a ser rejeitados, por diferentes maiorias desta Assembleia da República, projectos de lei que, partindo destes pressupostos, propõem medidas de discriminação positiva, como, por exemplo, a diminuição da idade de reforma das mulheres ou a igualdade de tratamento no acesso ao trabalho e ao emprego.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de lei em análise, apesar de se circunscrever a um reduzido número de mulheres, materializa uma realidade que não deixa margem para dúvida.
As mulheres continuam a ser discriminadas a todos os níveis, a ser as principais vítimas do desemprego, a ser remetidas para funções «menores» e, até mesmo, motivadas a ficar em casa, confinadas ao papel de esposas e procriadoras.
E mesmo quando não estão sujeitas a qualquer estatuto similar àquele que hoje aqui se discute, não significa que seja cumprida a legislação que à mulher confere protecção na maternidade.
Muitas entidades empregadoras deixam claro na formulação de contratos que não querem perder tempo e dinheiro com uma trabalhadora grávida, que fique três meses com o filho em casa, que vá com ele ao médico e que tenha redução de horário para o aleitamento.
Há mulheres que continuam a ocultar a gravidez nos locais de trabalho. Há mulheres que continuam a adiar uma maternidade consciente e desejada.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Não é difícil concordar que, apesar de alguns avanços em matéria de igualdade, o plano das acções concretas está ainda muito distante das intenções. fundamentalmente quando estas constituem declarações de ocasião, de âmbito tão generalista e, muitas das vezes, tão superficial que de imediato se transformam em ineficácia.
Veja-se, por exemplo, o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades, aprovado em Março de 1997.
Se confrontarmos o objectivo n.º 4 - conciliação da vida privada e profissional - que aponta para a flexibilidade e polivalência do mercado de trabalho e não para uma organização do tempo de trabalho em benefício dos trabalhadores de ambos os sexos, compreender-se-á porque só a luta de homens e mulheres, particularmente do sector têxtil, conseguiu que se deixasse de trabalhar ao Sábado, enquanto o Partido Socialista, apesar das promessas. inviabilizava as 40 horas de trabalho, fundamental para as mulheres trabalhadoras.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente. Sr.ªs e Srs. Deputados:
A Assembleia da República tem hoje, como no início desta intervenção já o dissemos, a oportunidade de reflectir e de agir.
Se não for um processo cumulativo, corre-se o risco de esquecer que muito ainda falta fazer.
A Assembleia da República tem hoje, mais uma vez, a oportunidade, como em Outubro de 1997, de corrigir um instrumento legal que transfigura o direito à maternidade em motivo justificativo de falta ou, até, em doença se, acaso, a ausência for anterior ao parto.
Em Outubro, por iniciativa do PCP, hoje por iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes, corrige-se a mesma inconstitucionalidade vertida nos estatutos dos eleitos e das eleitas locais e dos Deputados e das Deputadas.
A partir de hoje, estou convicta de que as Deputadas terão consagrado o seu direito à licença por maternidade num estatuto que, perdendo uma parcela do seu carácter sexista, reafirmará, de forma clara, que os direitos da

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mulher constituem uma parte inalienável, total e indissociável dos direitos humanos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos connosco. a assistir à sessão, um grupo de 50 alunos da Associação Recreativa Cultural e Bem-fazer «Vai Avante», de Gondomar.

Saudemo-los e desejemos-lhes boas férias.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nunca será demais afirmar, repetir, que a maternidade e a paternidade representam valores sociais eminentes. Assim o proclama a nossa lei fundamental, assim o repetem as múltiplas soluções que a sociedade tem consagrado sistematicamente no sentido de garantir a protecção deste valor.
Valor protegido em nome dos interesses da sociedade, da mulher e do homem, da mãe e do pai e, sobretudo, em nome dos interesses das crianças.
A fragilidade da nossa origem humana, a essencialidade da nossa existência humana implica sempre que a sociedade se organize de forma a acautelar e promover o seu crescimento e desenvolvimento como condição da sua permanência.
Valor protegido em nome de uma sociedade mais justa e democrática que Vela pêlos interesses de todos os seus membros, acautelando sempre situações de fragilidade ou discriminação. Nenhuma mulher, ou homem, pode ser penalizado pêlos papéis que assume na sociedade, nomeadamente quando destes papéis depende a sobrevivência e o desenvolvimento desta mesma sociedade.
Valor, ainda, protegido pela irrecusável correlação entre desenvolvimento humano e crescimento da sociedade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Assembleia da República e o Governo têm, ao longo dos anos, legislado no sentido de acautelar este bem essencial, promovendo os necessários enquadramentos legais da maternidade e da paternidade no sentido de garantir as condições possíveis ao seu desenvolvimento, eliminando formas de discriminação que, sobretudo no mundo do trabalho, recaem sobre as mulheres e, consequentemente, sobre os seus filhos.
No entanto, quando, em 1993, se aprovou o Estatuto dos Deputados, a maternidade e a paternidade foram tratadas como motivo justificador de faltas, como se de doença, casamento, luto ou trabalho político ou parlamentar se tratasse.
A maternidade e a paternidade representam funções essenciais e determinantes em qualquer sociedade. O regime que se lhes atribui não pode ser o de faltas, mas de licença: licença para que estas funções possam plenamente ser exercidas, licença para o exercício cumulativo de papéis, sempre com a assumpção, por parte da sociedade, da sua parte co-responsabilizada.
Quando, em 1993, se não reflecte no Estatuto dos Deputados este valor, esta percepção, quase parece que os membros da Assembleia prescindem de serem mães e pais ou que, por serem membros da Assembleia, a maternidade ou a paternidade deixa de ser, para eles, um eminente valor social a proteger, um direito constitucionalmente consagrado a todos os cidadãos, independentemente dos cargos ou funções que possam desempenhar.
E, de facto, incongruente a solução adoptada. Incongruente porque não corresponde aos pressupostos consagrados nos vários regimes definidos, nomeadamente os consagrados na Constituição da República, incongruente porque contraria o princípio da não discriminação no acesso ao trabalho, nomeadamente à participação nos órgãos de decisão, incongruente pela violação que é do princípio da igualdade, condição essencial da democracia e da justiça social.
As sociedades democráticas, justas - proclamamo-lo nós repetidas vezes -, são àquelas que consagram, sistemática e progressivamente, fórmulas garantes da igual e real participação de todos nós, mulheres e homens, na construção deste nosso imenso edifício social.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar Os Verdes, pela clara evidência da justiça das suas propostas, merece a nossa adesão.
Considera-se, pois, esta iniciativa legislativa meritória e positiva, tendo em conta os objectivos que preconiza. É, no entanto, oportuno, reflectir, desde já, designadamente em sede de discussão na especialidade, sobre fazer retroagir o disposto na lei a aprovar às situações de maternidade ou paternidade ocorridas na presente legislatura que, face ao estatuído no Estatuto dos Deputados, tenham sido penalizadas na realização do direito fundamental à maternidade e à paternidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate deste projecto de lei.
Entretanto, a Sr.ª Deputada Isabel Castro, em representação do Partido Ecologista Os Verdes, requereu a votação na generalidade deste projecto de lei, no final do debate.
Assim, não havendo oposição, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 520/VII - Altera a Lei n.º 7/93, de 1 de Março (Estatuto dos Deputados) (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Pergunto aos Srs. Representantes dos grupos parlamentares se consideram que devemos proceder desde já à votação na especialidade e final global deste diploma.

Pausa.

Verifico que o consenso vai no sentido de procedermos a estas votações juntamente com as que estão previstas para mais logo, à hora regimental para votações. Assim se fará.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor,

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista requer a V. Ex.ª, ao abrigo das disposições regimentais, a interrupção dos trabalhos, em conformidade com o disposto no artigo 70.º do Regimento.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esse requerimento tem de ser objecto de deliberação. Se não houvesse oposição, escusaríamos de proceder a uma votação concreta.

Pausa.

Verifico que não há oposição, pelo que estão interrompidos os trabalhos por 30 minutos, como é regimental.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, estão reabertos os trabalhos.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, anuncio que, às 18 horas, terão lugar as votações regimentais. No fim do debate que vai seguir-se, ver-se-á se há ou não condições para votar ainda hoje os projectos de resolução cuja discussão vamos iniciar agora.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª acaba de anunciar que as votações regimentais deverão realizar-se às 18 horas.
Ora, ocorre que, na última Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, quando fixámos as votações para hoje e, em caso de extrema necessidade, para amanhã, ficou sempre acordado que teriam lugar no final dos trabalhos para esgotar as matérias constantes da agenda.
Assim sendo, gostaria de perguntar a V. Ex.ª qual foi a razão que levou à alteração da hora prevista para as votações. Creio que ninguém quererá sugerir que a mesma terá algo a ver com a circunstância de o Plenário ter estado suspenso, indevidamente, durante uma hora e meia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não estava, nem está, claro no meu espírito que tenha sido acordado que as votações seriam efectuadas no fim dos trabalhos. No entanto, se é esse o entendimento do Plenário, não tenho qualquer objecção, como calcula.
A sua memória é mais fresca do que a minha própria, mas não retenho que se tenha fixado nem o que iria votar-se nem a hora da votação. Mas, repito, se o Plenário concorda, assim se fará.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, pela nossa pane, essa interpretação parece-nos correcta. Apenas peço a V. Ex.ª que me permita socorrer-me do testemunho do Sr. Deputado Artur Penedos que, ainda no início da sessão, me sugeria que fizéssemos as votações todas hoje para evitar termos de deixá-las para amanhã, o que, a ser assim, é evidente que teria sempre de ser no fim desta sessão plenária.

O Sr. Presidente: - Já vou dar a palavra ao Sr. Deputado Artur Penedos, mas, primeiro, vou dá-la ao Sr. Deputado Acácio Barreiros que já a tinha pedido.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, há um horário regimental para votações que, normalmente, é às 18 horas.
O que ficou acordado na conferência de líderes foi que haveria votações hoje e também amanhã. Aliás, temos mesmo conhecimento de matérias que estão a ser debatidas em comissão e cuja discussão, por uma ou outra razão, não foi possível concluir hoje. pelo que só serão postas a votação na sessão de amanhã.
Penso que o processo mais correcto seria o de prosseguirmos com as votações à hora regimental e, depois, no final do debate, analisaríamos se deverá ou não proceder-se hoje à votação das matérias que debatemos ou se, pelo contrário, deverá adiar-se para amanhã.
Portanto, a posição do Partido Socialista é no sentido de, hoje. serem feitas as votações que estão agendadas e as restantes serão feitas amanhã. No entanto, se os outros partidos entenderem adiar as votações regimentais para o final do debate, não poremos objecção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não quero tomar mais tempo mas, face às últimas palavras do Sr. Deputado Acácio Barreiros, parece que, afinal, o Partido Socialista não se opõe à nossa proposta de adiamento das votações regimentais para o final do debate de hoje. A ser assim, prescindo da minha intervenção e satisfazemo-nos com a concordância do PS.

O Sr. Presidente: - Aliás, Srs. Deputado, surgiu um elemento novo. É que parece que ainda estão a ser fotocopiados e preparados os textos que hão-de ser votados. Portanto, mais uma razão objectiva para adiarmos as votações para o fim do debate.
A razão por que eu quis proceder às votações às 18 horas é a de que, primeiro, é esta a hora regimental e, segundo, a garantia de presenças dos Deputados às 18 horas é mais folgada do que lá para as 21 horas e 30 minutos. De qualquer modo. uma vez que há consenso, procederemos às votações no fim do debate.
Posto isto. vamos dar início à discussão conjunta dos projectos de resolução n.º 89/VII - Referendo sobre a regionalização (PSD), 93/VII - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas previsto no artigo 256.º da Constituição da República (PS) e 95/VII - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões (CDS-PP).
Como sabem, houve um lapso no anterior Boletim Informativo em que se indicava que os tempos disponíveis para este debate seguiriam a grelha E e não a grelha F, que é a que foi acordada.
Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 89/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No Congresso de Santa Maria da Feira,

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em Março de 1996, o PSD tomou como questão política essencial a exigência da realização de um referendo nacional para decidir do processo de regionalização.
Fê-lo com a convicção desassombrada de quem constatava que se, durante 20 anos de vigência do sistema democrático, nenhum dos governos do País tinha encontrado necessidade ou sentido vontade política efectiva para realizar essa reforma, era porque a sua bondade para a satisfação do interesse nacional estava posta em dúvida.
Mas fê-lo, também, com a consciência de ser imperioso pôr um travão às motivações clientelares e marcadamente partidárias da «nova maioria» no poder.
Na verdade, o Partido Socialista, então recém-chegado ao poder, surgia condicionado pelas suas próprias promessas eleitorais, feitas sem critério nem responsabilidade, visivelmente deslumbrado com a perspectiva de a regionalização lhe poder trazer, depressa e gratuitamente, uma boa fatia de mais poder e de novos lugares para saciar as clientelas que o tinham ajudado a conquistar esse mesmo poder.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estávamos na plena pujança do «estado de graça» da maioria rosa.

Os socialistas, tendo já iniciado o processo de assalto à Administração Pública - celebrizado com o epíteto «jobs for lhe boys» -, viravam-se agora para a satisfação das elites locais suas apoiantes, de dentro ou na órbita do seu aparelho partidário, não hesitando em cortar e recortar o mapa do País ao sabor dos apetites ou da gestão, estritamente interna, do jogo de cadeiras em que despudoradamente se havia empenhado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, é oportuno aqui lembrá-lo, foi um combate difícil que exigiu, da nossa pane, uma enorme determinação.

Aplausos do PSD.

Começámos por ter de enfrentar a total sobranceria do Primeiro-Ministro, dos Ministros e dos dirigentes socialistas que, à vez, rejeitavam liminarmente a proposta do líder do PSD de perguntar aos portugueses se querem a regionalização.
Que nem pensar! Que se o processo não avançasse com o PSD. avançaria contra o PSD! Que, além do mais, o referendo era inconstitucional, atentava contra a democracia representativa!
Só que, Srs. Deputados, a persistência do PSD e do seu líder nesta batalha, embora sozinhos no espectro partidário, rapidamente mobilizou consciências e colheu o apoio esmagador da opinião pública.
Lançámos uma campanha nacional a favor do referendo da regionalização. Utilizámos, determinados, todas as armas democráticas ao nosso dispor enquanto partido da oposição, no plano parlamentar e fora dele. inclusive apelando desta tribuna, na ocasião solene do 25 de Abril de 1996, ao Sr. Presidente da República para usar do seu magistério junto da irresponsabilidade reinante entre os socialistas.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Bem recordado!

O Orador: - E a verdade é que o Partido Socialista e o Governo foram obrigados a recuar. Empurrados e contrariados, mas recuaram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tristemente, talvez mais pela penosa consciência da impopularidade da sua posição do que convencidos da razão que ao PSD assistia.
A maioria dos socialistas nunca percebeu realmente por que é que a regionalização tinha de ser referendada pelos portugueses.
Pois se as sondagens lhes eram aparentemente favoráveis e os lugares - apetecíveis - ali pareciam estar prontinhos para serem ocupados, não seria tudo o resto secundário?
O que era preciso era conseguir a sua regionalização, fosse como fosse. Se, para lá chegar, havia que passar por essa coisa do referendo, então, paciência, que se fizesse o referendo.
Na altura, não lhes passou pela cabeça, sequer, que os portugueses podiam, livremente, escolher dizer não. Coisas da democracia, Srs. Deputados.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esse foi um pesadelo que só mais tarde os senhores conheceram e perante o qual, desorientados, procuraram reagir com habilidades e tentativas de batota, que são bem demonstrativas da fraqueza das suas convicções.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Batota? Por falar em batota, quem era o presidente de junta acusado de batota?!

O Orador: - São desta fase: as manobras em torno do universo dos cidadãos participantes na consulta: as dissertações sobre o carácter vinculativo ou não vinculativo do referendo; a descoberta, alarmante, da súbita e inadiável necessidade de actualização dos cadernos do recenseamento eleitoral; os arremedos - ao princípio timoratos - de dúvidas sobre a oportunidade de realizar a consulta antes das próximas eleições, não fosse o diabo tecê-las!; logo seguidos de vozes, com responsabilidade, já claramente discordantes da marcação do referendo; até chegarmos às declarações, cândidas, do líder parlamentar socialista, de que era necessário «exigir uma clarificação» dos órgãos superiores do PS. Clarificação, note-se, não aos portugueses sobre o que se pretende fazer com a regionalização, mas apenas e tão-só clarificação sobre se dar voz aos portugueses é ou não seguro para os objectivos partidários dos socialistas e do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela parte do PSD, estivemos sempre unidos e coerentes na exigência intransigente da realização de um referendo nacional sobre a regionalização.
Sempre entendemos, sem ziguezaguear, que uma reforma com esta dimensão não podia ser feita nas costas dos portugueses. Mais: batemo-nos, durante um ano e meio, na revisão constitucional e fora do Parlamento, para que primeiro se fizesse o referendo e só depois, uma vez apurada a vontade dos portugueses, se avançasse ou não para a aprovação da lei de criação das regiões.

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Também tentámos explicar, com lealdade e paciência infinita, que as consultas regionais sobre a oportunidade da instituição em concreto de cada região não deveriam ter lugar em simultâneo com a consulta nacional para o «sim» ou «não» à regionalização.
Tudo em vão.
As vistas curtas dos socialistas não lhes permitiram reconhecer que tínhamos razão, pelo que a Constituição. primeiro, e a Lei do Referendo, depois, consagraram soluções diversas. Dir-se-ia que até aqui tudo bem. O PSD, não é hoje maioritário e em democracia é natural que prevaleça a vontade da maioria. Pois é. Srs. Deputados! Só que uma maioria sem convicções é uma maioria sem vontade, como rapidamente se verificou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As declarações recentes de dirigentes socialistas e, em especial, de dirigentes com responsabilidades de Governo do País - como é o caso do Ministro João Cravinho -, desdizendo hoje tudo o que andaram meses a fio a apregoar e tentando, sem pingo de vergonha, colar-se agora às soluções preconizadas pelo PSD. que não quiseram aceitar, seriam motivo para uma boa gargalhada se proferidas no programa televisivo Contra-Informação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O grave, Srs. Deputados, é que quem as proferiu não foi nenhum boneco de Televisão, foi um ministro do Governo de Portugal, que tem, precisamente. a pasta ministerial que trata da Administração do Território.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O grave, Srs. Deputados, é que de hipocrisias a ameaças de terrorismo separatista, os socialistas serviram-nos de tudo um pouco, sempre com o silêncio cúmplice de um Primeiro-Ministro e líder partidário que, nos momentos de decisão, prima sempre pela ausência, fugindo das suas responsabilidades a uma velocidade só superada pelo entusiasmo com que se associa à festa e ao foguetório.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O grave, Srs. Deputados, é que tudo isto se passa não por o Governo e os socialistas terem, finalmente, metido a mão na consciência e percebido que o PSD teve razão desde o princípio, mas porque os senhores estão agora com medo de ver os portugueses dizerem «não» aos vossos apetites e às vossas negociatas.

Aplausos do PSD.

Medo, que aqui se chama falta de respeito, pela vontade soberana do povo português. E isso, verdadeiramente, que explica os episódios pouco edificantes das últimas semanas, de que mencionei alguns.
Episódios em que se viu envolvido o próprio agendamento deste debate, que só se realiza por o PSD ter ameaçado usar o seu direito potestativo de agendamento para forçar a que ele tivesse lugar.
Seguir-se-ão as acusações do costume: de que foi o PSD quem denodadamente tentou que não houvesse referendo; que o PS, esse sim, lutou contra tudo e contra todos para que os portugueses fossem ouvidos; e tudo culminará, em Outubro, com uma campanha plena de contradições e do «salve-se quem pudera no campo socialista, em que encontrar o Primeiro-Ministro será como procurar o Wally.
São as cenas dos próximos episódios. Previsíveis e de um nível que muito deixa a desejar, mas, afinal, consequentes com todo este enredo de cordel, que os próprios socialistas se dividem entre titular de «reforma do século» ou de «asneira colossal».

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reavivada a memória sobre o processo que nos conduz à realização do referendo da regionalização exigido pelo PSD. importa explicitar a nossa proposta.
Quanto ao conteúdo das perguntas e à sua simultaneidade, a solução decorre necessariamente das opções já tomadas na Constituição e na lei, como atrás referi.
De facto, o texto constitucional impõe por si a aprovação prévia de uma lei de criação das regiões e que sobre ela se realize o referendo nacional. Daí a clareza da pergunta avançada pelo PSD: «Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas tal como se encontram previstas na lei aprovada pela Assembleia da República?».
Quanto à Lei do Referendo, embora com o voto contra do PSD, estipula que a pergunta nacional e as perguntas regionais sejam feitas em simultâneo, num único boletim de voto. É um erro que agora vos sabe amargo, mas que está resolvido na lei, na forma como os senhores a quiseram aprovar.
Já quanto ao universo eleitoral da consulta é aos proponentes e ao Tribunal Constitucional que cabe definir o seu âmbito, sendo de há muito conhecida a nossa posição de que uma matéria como esta diz, necessariamente, respeito a todos os portugueses - residentes e não residentes no território nacional.
O extraordinário avanço estratégico que se conseguiu com a consagração constitucional da participação dos nossos emigrantes na eleição presidencial e nos referendos nacionais - crucial para o conceito de Portugal como um Estado-Nação e não já um mero Estado-território -, deve ter, a nosso ver, numa consulta como esta, a sua legítima, expressão.
Todos temos a noção do formidável impacte - para o bem ou para o mal - que a adopção da regionalização que está proposta nesta Assembleia implicaria para Portugal e para as futuras gerações de portugueses. Não se trata aqui de uma medida de política qualquer, mas, sim, de uma alteração estrutural profunda da organização do Estado e da própria comunidade nacional.
Pela posição que sobre esta realidade indesmentível cada Deputado nesta Assembleia hoje tomar, se verá a convicção ou a reserva mental com que na última revisão da Constituição escolheu fazer estas apostas decisivas para a nossa democracia - a aposta no referendo e a aposta no conceito de Portugal como muito mais do que uma mera parcela de território.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Depois de tantas e sucessivas cambalhotas que neste processo vimos o Partido Socialista dar, já é curta, confesso, a capacidade que os Srs. Deputados socialistas têm para nos surpreender.
Ainda assim, seria, com certeza, uma surpresa agradável vermos os senhores, hoje, na ponta final deste processo. juntar o vosso voto ao nosso projecto, evitando que, mais uma vez, tenha de ser o tempo a dar razão àquilo que, convictamente. o PSD sempre defendeu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A vantagem que estas sessões do Parlamento tem em serem vistas em casa de cada um através da Televisão é exactamente esta: a de o povo português poder confrontar as ideias de um partido com uma linguagem de baixo recorte utilizada aqui pelo Sr. Deputado que me antecedeu.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD, batendo com as mãos na bancada.

De facto, relativamente a esta linguagem de baixo recorte, só faltava o bater dos pés. porque essa é a música tradicional e o hino do PSD quando não se sente bem em democracia e nas discussões do regime democrático.

Aplausos do PS.

Mas vamos àquilo que é substantivo no debate que estamos a travar.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço, pela primeira vez, que não será a última hoje, que mantenham silêncio para o orador poder fazer ouvir-se.

O Orador: - Em matéria de convicções, o Partido Socialista diz hoje, que é Governo, o mesmo que disse quando era oposição.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado está de cabeça perdida desde ontem!

O Orador: - O Partido Socialista, quando era oposição, disse que queria fazer o processo e concluir a regionalização; hoje, que é Governo, diz que quer, e concretizará, este processo de regionalização administrativa.

Aplausos do PS.

Gostaria de dizer que a seriedade das pessoas mede-se exactamente pela profundidade das suas convicções e manter, em todos os momentos, na oposição e no governo, a força dessas convicções é algo que distingue o Partido Socialista de um outro partido que veio aqui falar em «irresponsabilidade» e em «cambalhotas», adjectivos que, com certeza, lhe ficam muito bem!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de dizer que o Partido Socialista, em matéria de regionalização, tem procurado informar o seu alcance e os seus objectivos e a verdade é que o Governo, depois de um longo estudo em matéria de atribuições e competências, conseguiu tipificar e exemplificar, através de uma comissão interministerial que tem um Alto Comissário para a Regionalização, o conjunto das atribuições e competências em cada um dos domínios.
Por outro lado, este processo na Assembleia da República foi participado e transparente. Na Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, participada por representantes de todos os partidos políticos, constituiu-se um grupo de trabalho para elaborar um texto final que conduzisse a uma nova lei de criação das regiões administrativas e durante vários meses, com um calendário previamente definido, executámos esse trabalho que deveria, conforme o estabelecido, terminar em Julho, o que, aliás, veio a acontecer.
Quando a ausência de carácter e um certo horror à verdade predominam sobre os princípios e valores, é fácil a qualquer um vir aqui dizer que este foi um processo feito à pressa, nas costas dos portugueses, sem que tivesse existido empenhamento de um determinado partido político.
A verdade é que esse partido político esteve presente nessas reuniões do grupo de trabalho e durante meses, como sempre, entrou mudo e saiu calado, não apresentou uma única proposta de alteração a fim de contribuir para a elaboração do texto final da lei de criação das regiões administrativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, isto significa, de uma forma muito clara, que aquilo que é duro de ouvir é apenas duro de ouvir, porque, à falta de argumentos, a linguagem escolhida não foi substantiva nem a mais adequada a este Parlamento.
Gostaria, assim, de perguntar: quais os contributos do PSD em matéria de convicções? Zero! Não houve quaisquer contributos! O Professor Marcelo Rebelo de Sousa ensaiou uma adesão ao processo de regionalização. Dissemos, em devido tempo, que ele não teria força para sobreviver à ala mais dura do PSD nesta matéria e que, a seu tempo, encontraria as desculpas necessárias para se divorciar deste processo de regionalização. E foi exactamente isso que aconteceu! O PSD é igual a si próprio! Ontem como hoje, não tem convicções, voga apenas ao sabor da oportunidade política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É bom que este partido saiba que aquilo que o pensamento da opinião pública, espelhado em diversas sondagens, é o «apreço» em que a opinião pública tem das referidas cambalhotas de que aqui veio falar o Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
Quanto à informação sobre o processo de regionalização, pergunto: houve algum estudo feito pelo PSD? Houve a capacidade de divulgar na opinião pública, objectivamente, o que é que se pretendia com este processo? Não! O PSD aprovou connosco nesta Assembleia, há uns anos atrás, por unanimidade, uma lei-quadro de criação das regiões administrativas, mas foi

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incapaz de, até hoje, tentar desenvolver qualquer trabalho transparente nesta matéria. E em matéria de transparência, pergunto: que contributos deu o PSD? Nenhuns! Apenas os de tentar confundir a opinião pública de forma sistemática e persistente.
O Partido Socialista vem hoje ao Parlamento discutir um projecto de resolução sobre as perguntas que hão-de ser a base de resposta a este referendo. O Partido Socialista vai fazer o referendo, como sempre se comprometeu a fazer, sem qualquer problema e sem qualquer tipo de pressão, obedecendo às suas convicções e à vontade de alargar o debate sobre a reforma administrativa, essencial a todos os partidos da oposição e a toda a sociedade portuguesa. Na verdade, estas perguntas tiveram acolhimento não só no PS como noutros partidos da oposição, o que significa que sobre esta matéria foi feito um trabalho positivo e construtivo.
Estamos, hoje, aqui de pleno direito e de corpo inteiro a fazer essas propostas, pelas quais nos bateremos e que se consubstanciarão num debate político intenso que encontre agora, a seguir ao referendo que concluímos, o seu espaço de afirmação e de debate. E fica o PSD a saber que defenderemos, como ninguém, este processo de regionalização, não só porque ele corresponde às nossas convicções, convicções políticas que tínhamos quando éramos oposição e que continuamos a ter agora que somos Governo, mas também, acima de tudo, porque sabemos, contrariamente ao PSD, fazer a distinção pela elevação destas convicções e dos valores que enformam o Programa do Partido Socialista.
Daí que apresentemos, com todo o à vontade neste Hemiciclo, as perguntas que hoje se consubstanciam no projecto de resolução, apresentado pelo Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal é um Estado-Nação e não uma nação de nações. Por isso mesmo, a regionalização política que nos é proposta, longe de ser uma solução, constitui um problema. Países existem em que regionalizar é fazer sobreviver o Estado: é o caso da vizinha Espanha, a quem acontece ter de harmonizar fracturas linguísticas, culturais e, portanto, nacionais.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas no caso português, a fronteira da nação constitui um adquirido histórico que nenhuma engenharia tecnocrática deve colocar em causa. Numa palavra, a regionalização dividiu os portugueses entre si, e ameaça dividir ainda mais o que a história uniu.

Risos do PS.

Esta é a nossa posição, legitimada por um referendo interno que nenhum outro partido realizou. Os nossos militantes, em conformidade, aliás, com o sentimento geral dos nossos eleitores, consideraram a regionalização projectada como um erro político, um perigo económico e uma complicação administrativa.
Estamos nesta batalha cada vez mais acompanhados, na medida em que uma forte corrente política e de cidadania opõe-se ao projecto de divisão do País em oito regiões.
Alarga-se a convicção de que o projecto é partidário e não nacional, tem interesse clientelar e não racionalidade de progresso, desobedece ao País natural, acabando por desenhar em mapa um País artificial.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Com a visibilidade dos regionalistas, foi a nação ganhando dúvidas e mais dúvidas sobre a motivação da sua causa.
Emergiu o localismo como critério ideológico, o que permite antever a sua evolução para egoísmos regionais que estão em contradição com a solidariedade nacional e a mais justa, e necessária, distribuição territorial dos recursos.
Aos mais atentos não escapou, aliás, uma conjugação que se deve evitar: Portugal vive um momento de crescente integração externa, pelo que qualquer fractura da coesão interna é imprudente e desaconselhável.
À medida que, no próprio Governo, entrou em declínio a euforia regionalista. o País real adensava as suas perplexidades e suspeitas. É assim, por exemplo, quanto ao custo estimável da projectada regionalização, inevitavelmente capaz de fazer aumentar a despesa pública; ora, aos portugueses que já pagam impostos e mais impostos sobre o muito que trabalham e o pouco que têm, parece dispensável a criação de uma nova autarquia política e administrativa que venha a sobrecarregar, ainda mais, a fiscalidade que já suporta.
De resto, a própria dimensão administrativa da regionalização em projecto é vaga, imprecisa e, por isso, negativa. Na verdade, nunca a esquerda conseguiu responder à seguinte pergunta elementar: quais são as competências em concreto das tais regiões e, sobre cada uma dessas competências, qual é o respectivo grau decisório?

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Tendo em conta que, a propósito deste necessário rigor, a esquerda do PS e do PCP nada disse, é legítimo afirmar que este projecto, a seu tempo anunciado como a reforma do século, não passa de um retrocesso alicerçado numa visão tipicamente estatista, ineficiente pela sua rigidez territorial e paralisante pela sua confusão administrativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A regionalização do PS e do PCP começou mal e, suspeitamos, terminará pior.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Esperamos que sim!

O Orador: - Talvez por isso, muitos teóricos da regionalização administrativa se recusem a subscrever estas regiões em projecto. Apontam-lhe um grave défice de competitividade, quer na estrutura interna, quer na relação estratégica com as autonomias espanholas; criticam a condenação do interior à interioridade e o benefício de quem já está beneficiado; discordam, como nós, da liberdade despesista que o projecto consente às regiões, do mesmo modo que condenam, como leviandade política, o avanço para as regiões sem qualquer adequação funcional da nossa Administração Pública.

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Em síntese, o Governo anda tão baralhado com a sua regionalização que já conseguiu um verdadeiro feito: pôr do lado do «não» boa parte dos que, noutras circunstâncias, não deixariam de dizer «sim».
O descalabro da regionalização do Governo é tal que entre os seus mais ilustres adversários encontram-se até fundadores do PS.
Percorre o País a convicção de que para resolver o problema, verdadeiro e angustiante, da assimetria entre o Portugal litoral e o Portugal interior, entre o País urbano e o País rural, há outro caminho e outro esforço a fazer. É o da descentralização e desconcentração administrativas; é o das transferências orçamentais e de competências para os municípios; é, ainda e sobretudo, a formação de políticas integradas de combate aos efeitos da interioridade, visando a dinamização de pólos de desenvolvimento intermédios, o que requer a conjugada acção de políticas várias, de obras públicas, de saúde e educação, de ambiente, todas elas, evidentemente, acompanhadas do estímulo às actividades económicas e de benefícios fiscais. Esse é o nosso caminho, porque achamos que é esse o esforço que o País pede.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vemos outro meio de chamar o Governo à razão que não seja o do referendo, em que os portugueses, esperamos nós, dirão ao Sr. Primeiro Ministro: Assim, não! É o que nós aconselharemos: à projectada regionalização, diremos não obrigado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo trouxemos a esta Casa as perguntas que tornam inelutável o cumprimento da promessa do PS - que fale a soberania directamente. Suspeitamos que bem gostariam os socialistas de evitar este referendo, mas é tarde demais, porque a vossa palavra está comprometida ao mais alto nível e o vosso receio é apenas o de o perderem, não é, infelizmente, o de não terem razão.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Queiró, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui a debater dois referendos no dia seguinte ao que ontem foi realizado nos termos e com os resultados conhecidos. Houve falta de empenho dos partidos e dos líderes partidários, houve falta de esclarecimento por parte do Estado e da Administração Pública sobre o significado político do referendo e a responsabilidade do eleitor, houve contestação do Parlamento e da democracia representativa e propósitos que nada têm a ver com o aprofundamento da participação dos eleitores. Continuamos, hoje, no caminho de um mau começo dos referendos em Portugal.
Em tudo isto, e quero sublinhá-lo, não há responsabilidades e posições iguais. Não há, como querem alguns comentaristas, «políticos» ou «classe política». Há partidos concretos e pessoas concretas, há quem tenha ponderado sobre o que decide e tenha sido coerente com o que decide, há quem tenha flutuado ao sabor dos interesses e dos propósitos da direita e há, igualmente, quem defenda verdadeiras aberrações, como as que hoje estão em debate, ao sabor de projectos conjunturais, e, sobretudo, há quem tenha andado em todas estas matérias a brincar aos referendos e agora continue no mesmo caminho.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Na última revisão constitucional, fez-se depender o cumprimento da lei fundamental em matéria de regiões de uma consulta directa dupla. Agora, quer aumentar-se ainda mais a contusão. Fala-se mesmo em dois referendos no mesmo dia, facto verdadeiramente intolerável! Pensemos na confusão de discursos, de tempos de antena, de temas em debate, de materiais de propaganda, de grupos de propaganda nas ruas, de boletins de voto num país de analfabetismo e iliteracia. É intolerável, é absurdo, é oportunista e ninguém pode aceitar, em consciência. boa e democrática, a proposta de simultaneidade dos referendos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Continuaremos a pensar que a democracia directa pode ser importante em articulação com a democracia representativa e a democracia participativa. Somos dos que entendem que a cidadania deve ser mais do que o voto periódico de quatro em quatro anos. Mas, em vez de um meio de participação genuína, os referendos começaram por servir como instrumentos para impedir a Assembleia da República de aprovar reformas e de abrir as vias para as implementar. Foi o caso da tentativa de resolver o problema da interrupção voluntária da gravidez, incriminando-a e fomentando o aborto clandestino. Agora, é o caso do projecto de criar regiões administrativas e, desse modo, democratizar e imprimir alguma racionalidade na administração regional do Estado. Estamos, hoje, perante uma situação em que esta administração periférica é cara e assenta em dezenas de divisões regionais diferentes.
Em tudo isto, o PS fez sempre o que o PSD lhe exigiu: cedeu constantemente ao objectivo deste partido de impedir alterações positivas e de sentido democrático e ajudou a resolver as suas contradições internas da direita, remetendo para referendo tudo aquilo que a direita quis.
Mais uma vez, hoje, não se vai ter em conta um aspecto fundamental que a regulação constitucional do referendo em 1982 procurava garantir: evitar conflitos entre a vontade majoritária da representação parlamentar e o resultado dos referendos. Abriu-se caminho para que a democracia directa entrasse em conflito com a democracia representativa.
No caso da interrupção voluntária da gravidez, referendou-se uma lei já aprovada na generalidade.
No caso da regionalização, tornou-se obrigatório na última revisão constitucional referendar a eficácia de uma lei aprovada, publicada e em vigor e que teve em conta o parecer de centenas de municípios.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este referendo sobre a regionalização rompe com o que eslava previsto, não se manteve o «referendo orgânico» em que os municípios, através das assembleias municipais, podiam construir as regiões de baixo para cima. Não se optou, também, por um referendo regional, em que a população de cada região poderia decidir o que entende sobre a região proposta para a sua área. Optou-se, antes, por um referendo duplo, em que o

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resultado de um referendo nacional, ainda que tangencial, pode esmagar vontades regionais, mesmo que largamente majoritárias, no fundo, em que o todo pode esmagar as partes. Há mesmo candidatos a regionalistas encartados que apresentaram as regiões como sendo «contra Lisboa», parece que para que este processo do «todo poder esmagar as partes» poder ficar mais fácil.
A isto tudo acrescente-se que o referendo que se pretende fazer simultaneamente com este, o chamado referendo «sobre a Europa» é de sentido absurdo e os que o fazem são os mesmos que recusaram o referendo em relação à moeda única. Dito de outra forma, recusa-se ao povo pronunciar-se sobre o fundamental e pretende-se ao mesmo tempo referendar aspectos relativamente secundários e que não estão, de resto, em discussão, ou seja, a integração comunitária. E tudo isto para conduzir a uma mistura absurda entre as regiões, o Tratado de Amsterdão e a integração comunitária.
Alguns, como, por exemplo, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, se forem coerentes, concluirão talvez que tudo deverá ficar paralisado na integração comunitária se não votarem 50% dos eleitores, seja qual for o sentido da votação...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As regiões foram inscritas na Constituição por consenso da Assembleia Constituinte. A Lei-Quadro das Regiões foi aprovada em 1991 por unanimidade, mas preferiu-se o volte-face e passar a ser contra, com uma argumentação falsa, carente de rigor e frequentemente terrorista.
No entanto, já estão instituídas regiões em Portugal, só que não têm qualquer legitimidade democrática directa. Isto num país em que existem dezoito distritos, cinco comissões de coordenação regional e dezenas de direcções regionais, com áreas diferentes, diferentes ministérios, institutos, empresas públicas, todos a realizar enormes despesas e com centenas de cargos públicos, funcionando de forma descoordenada. Os cargos já existem, já custam dinheiro, esta administração é cara, é caótica, não tem é legitimidade democrática nem o mínimo de coordenação, inclusive quanto à poupança de recursos que deveria assegurar.

Aplausos do PCP.

Não se fala, na verdade, das despesas que não seriam realizadas com a regionalização, dos cargos públicos que seriam eliminados - e muitos poderiam ser -, para serem substituídos por cargos com legitimação democrática.
Afirma-se que Portugal é um País pequeno, que é um País que não tem nacionalidades. Que argumento é este? Ignora-se, acaso, Sr. Deputado Luís Queiró, por exemplo, que a grande maioria dos países regionalizados da Europa e da Comunidade Europeia não têm nacionalidades? Acaso, a Dinamarca, a Holanda, a Suécia, a Noruega e tantos e tantos países têm nacionalidades?
A verdade é que, nesta matéria, estamos no «pelotão de trás» da Comunidade Europeia, estamos no pelotão dos países que não têm regiões e somos uma verdadeira excepção, porque a generalidade dos países, com nações ou sem nações, têm regiões, só que de tipo completamente diferente, umas são autarquias, outras são Estados federados, umas são regiões políticas, outras não têm poderes legislativos. São completamente diferentes, mas há algo em comum, é esta administração regional que existe, pelo menos, desde D. Dinis e é democraticamente legitimada, que é aquilo que se quer recusar em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A finalidade de tudo isto é manter o máximo de controlo do poder por pequenos grupos, é assegurar a sua opacidade e impedir verdadeiras reformas democráticas, fazendo com que estes poderes regionais não respondam perante ninguém, articulando-se com grupos económicos, ao sabor de interesses dominantes.
Tudo isto mostra que, ao contrário do que se afirma, não há uma verdadeira preocupação, coerente e sistemática, em aprofundar a democracia e colocar o poder mais perto dos cidadãos, apenas há actos dispersos e incoerentes, apenas há invocações de objectivos democráticos para outros fins, apenas há tentativas de marcar a agenda política sem reais mudanças democráticas, apenas há meros pretextos para travar reformas de real sentido democrático e descentralizador.
Deveria ser uma preocupação efectiva de todos uma maior democracia para Portugal, mas não parece ser essa a real prática política entre nós, não parece que exista um efectivo propósito de transformar a democracia numa prática diariamente vivida pelo maior número possível de cidadãos, em garantir o controlo político efectivo do poder, em despertar um interesse cada vez maior pela participação nos assuntos públicos.
Pela nossa parte, vamos prosseguir o combate por um aprofundamento cada vez maior da vida democrática e por um alargamento dos direitos dos cidadãos, em especial dos que trabalham.
No caminho imposto para tentar a travagem da regionalização, empenhar-nos-emos para que vença Portugal e as regiões, o desenvolvimento e a igualdade e coesão, mas têm que ficar claras as responsabilidades de quem as tem.
Este é um negócio do PS e PSD em que só o PSD e o centralismo ganharam.
Vamos abster-nos e não votamos contra este referendo apenas porque hoje é imposto pela Constituição e não pode haver regiões sem referendo regional.
Mas este é um caminho que não é o nosso. Foi criado para parar e não para instituir as regiões. Tudo foi concebido nesse sentido.
Convocado o referendo, faremos por vencê-lo. Mas, tal como ontem também aconteceu, o PCP sozinho não pode fazer o que o PS não quiser fizer. Não pode também mobilizar sozinho a participação e explicar o significado do referendo aos eleitores se o próprio Estado e Administração Pública não o fizerem intensa e eficazmente.
Estamos perante um processo político lamentável e que vai continuar no debate do referendo que vem a seguir.
Portugal pode contar connosco para lutar pelo aprofundamento da democracia. Não se espere que colaboremos num processo que não contribui para prestigiar as instituições e para fortalecer o regime democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, dou a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Carmen Francisco.

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A Sr.ª Carmen Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O artigo 256.º da Constituição da República Portuguesa revista prevê que «A instituição em concreto das regiões administrativas (...) depende (...) do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta directa (...)».
E conhecida a posição discordante do Partido Ecologista Os Verdes quanto a esta nova norma constitucional, porque ela aparece 20 anos depois de se ter consagrado, em sede da mesma Constituição, a regionalização, e já depois de aprovada a Lei-Quadro das Regiões, com as suas atribuições e competências.
Desde a sua criação, o Partido Ecologista Os Verdes entende a regionalização como uma reforma fundamental do Estado, tendo em vista objectivos como o desenvolvimento sustentado e a prossecução de tarefas fundamentais do Estado consagradas na mesma Constituição, a promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo, a igualdade real entre os portugueses, a protecção e valorização do património cultural do povo português, a defesa da natureza e do ambiente, a preservação dos recursos naturais, bem como assegurar um correcto ordenamento do território.
Chegados a este ponto, o referendo terá, de facto, de realizar-se. Ora, depois da experiência de ontem, em que a primeira consulta directa aos portugueses registou quase 70% de abstenção, a classe política deve reflectir seriamente sobre o modo como foi encarada esta forma de participação política.
A abstenção não é um fenómeno novo, já que tem sido uma preocupação crescente em actos eleitorais anteriores. Mas se pretendemos que o instituto do referendo seja levado a sério, há que motivar a sociedade para a sua participação política, e esse é um trabalho que nos compete.
Não creio que isso se faça com a súbita paixão referendaria de alguns partidos políticos nem com consultas directas sobre assuntos em que todas as decisões relevantes estão tomadas, como a integração europeia.
O artigo 115.º da Constituição diz que são chamados a pronunciar-se directamente através de referendo «os cidadãos eleitores recenseados no território nacional (...)».
Estatui o mesmo artigo, no seu n.º 12, que são chamados a participar nos referendos cidadãos residentes no estrangeiro, quando tais referendos recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito.
A questão que se coloca é a de saber se a matéria em apreço, a instituição em concreto das regiões administrativas, é matéria que diga especificamente respeito aos cidadãos portugueses não residentes no território nacional.
Ora, a Constituição desde há muito que define região administrativa como autarquia locai e um dos mais fortes e irrefutáveis argumentos para a criação e instituição das regiões é o aprofundamento da proximidade entre o poder político e os cidadãos. Assim, serão os eleitores residentes em determinada região que terão o direito de votar na eleição dos órgãos dessa região.
O artigo 257.º da Constituição, que define genericamente as atribuições das regiões administrativas, diz que a estas «(...) são conferidas, designadamente, a direcção de serviços públicos e tarefas de coordenação e apoio à acção dos municípios (...)», ou seja, como a região é um órgão local, com competências que não podem sair da sua área geográfica, a região não terá qualquer influência relativamente a cidadãos que não residam nela.
Não nos parece, por estes dados, que faça qualquer sentido entender que a instituição em concreto das regiões diga especificamente respeito aos portugueses não residentes em território nacional, não devendo estes, portanto, serem chamados a participar no referendo.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, chegámos ao fim da discussão conjunta dos projectos de resolução n.ºs 89/VII - Referendo sobre a regionalização (PSD), 93/VII - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas previsto no artigo 256.º da Constituição da República (PS) e 95/VII - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões (CDS-PP).
Passamos agora à discussão conjunta da proposta de resolução n.º 71/VII - Referendo relativo às questões da Europa, e dos projectos de resolução n.05 69/VII - Proposta de referendo relativo às questões da União Europeia (PCP), 91/VII - Referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (PSD) e 94/VII - Proposta de referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (CDS-PP).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O referendo que vamos agora discutir - é preciso recordar - é a terceira peça de um negócio político celebrado meteoricamente, em menos de 24 horas, logo após a aprovação pela Assembleia da República, na generalidade, de um projecto de despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Esse negócio de «política baixinha», celebrado entre o PS e o PSD, permitiu ao PSD cantar vitória com a paralisação do processo parlamentar de aprovação daquele projecto.
Para concretizar o negócio, foi feita a aprovação galopante da lei do referendo, foi feita uma revisão apressada - e cheia de erros - do recenseamento eleitoral e foi convocado o referendo que ontem se realizou, sem qualquer preparação séria, sem uma divulgação aprofundada do significado do mecanismo do referendo, sem uma empenhada mobilização cívica para a participação eleitoral.
Hoje votam-se as outras duas peças do negócio, os dois referendos que estão na agenda.
Para tentar escamotear que tinha capitulado perante as chantagens do PSD no caso da despenalização do aborto, o PS reclamou que a contrapartida, que seria ter obtido do PSD aceitação para a realização no mesmo dia dos dois referendos, era uma vitória sua.
Pelo que se passou com o referendo ontem realizado, se tal objectivo de simultaneidade dos referendos se concretizar, pode ter-se uma ideia da confusão total que vai ser.
Seriam dois referendo com três perguntas, num País com altíssimos índices de iliteracia, com um eleitorado a quem não foi explicado devidamente o que é e como funciona o referendo, sem nenhuma experiência e, ainda por cima, numa altura em que, com as férias, são baixíssimas as possibilidades de concretizar uma campanha eficaz.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - A junção dos referendos é considerada, por parte da doutrina e por uma pane da Assembleia da República, inconstitucional. Por exemplo, o PSD, na Constituição que editou, com prefácio do seu Presidente e brilhantes anotações do Deputado Luís Marques Guedes, afirma que « (...) não foi aceite a tentativa, avançada pelo PS, de consagrar a hipótese de referendos múltiplos ou com perguntas formuladas em alternativa. A ideia (...)» ,- e quero sublinhar o que está escrito a seguir pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes - «(...) foi a de impedir a junção na mesma campanha de matérias completamente distintas».

Boa ideia!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem! Bem lembrado!

O Orador: - As razões que levaram, na Constituição. à proibição de juntar matérias diferentes no mesmo referendo levam, pela mesma razão ou por maioria de razão - como quiserem -, a considerar que essa proibição abrange qualquer multiplicidade de matérias, mesmo quando conste de vários referendos feitos no mesmo dia.
Trata-se de, como diz Maria Benedita Malaquias Pires Urbano, que fez um estudo sobre o referendo, «(...) evitar confusões no espírito dos cidadãos eleitores (...)», não só quanto ao próprio objecto da consulta, mas também quanto ao conteúdo das respostas que têm de dar.
Sem respeito por esta proibição, as confusões são inevitáveis, ainda por cima com a falta de experiência que existe em Portugal sobre a aplicação do referendo.
Srs. Deputados, já perceberam o que seria uma campanha do referendo com dois referendos diferentes no mesmo dia? E o embaraço de centena de milhar de eleitores. quando se vissem com os boletins na mão sem saber como votar?
O País não é só o universo das camadas culturalmente evoluídas! Juntar dois referendos diferentes é estabelecer, à partida, a confusão, é, objectivamente, apelar à abstenção ou ao voto enganado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Bem dito!

O Orador: - Por isso este referendo não deve ser votado hoje, para ser feito juntamente com o referendo sobre a regionalização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PS e o PSD querem impor essa simultaneidade ao Presidente da República, apesar da fixação da data. dentro dos parâmetros da Constituição e da lei, ser uma competência exclusiva do Presidente da República. A votação no mesmo dia das perguntas põe o Presidente da República na posição de «encostado à parede». se quiser respeitar a Constituição. É preciso que o PS e o PSD não iludam esta questão, quando fizerem as votações que irão ter lugar por causa destes referendos.
Mas também é aqui preciso dizer com clareza que o Presidente da República só se deixará «encostar à parede» se quiser.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A competência para convocar referendos é dele, é competência própria, e cabe-lhe exercê-la livremente, de acordo com os critérios que definir.

Aplausos do PCP.

E, do nosso ponto de vista - daqui o dizemos com clareza -, pelas razões expostas, manifestamo-nos no sentido de que o Presidente da República não deve convocar os dois referendos para realização simultânea.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A par da inconstitucionalidade pela simultaneidade, que viola o princípio de unidade e da homogeneidade das matérias sujeitas a referendo, o próprio referendo é, pelo seu conteúdo, uma monstruosidade política e jurídica.
Este referendo é produto directo da má consciência do PS e do PSD quando impediram, em 1992, que fosse sujeito a referendo o Tratado de Maastricht. Este Tratado representou uma alteração qualitativa da Comunidade Europeia num sentido federalizante, visível particularmente na União Económica e Monetária. Por isso. os portugueses deviam ter tido a possibilidade de o discutir aprofundadamente e de se pronunciarem nobre ele.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Perante as propostas feitas, designadamente pelo PCP, em sede da revisão constitucional que então foi feita, o PS e o PSD impediram esse referendo apesar das inúmeras posições públicas que, de todos os quadrantes, surgiram a favor do referendo.
Para calarem as críticas, PS e PSD anunciaram, então, que iriam permitir referendos versando matéria europeia. Ora, a decisão mais importante que está em curso no que toca a matéria europeia é a decisão de adesão à moeda única e de aceitação do pacto de estabilidade. Mas uma decisão como essa PS e PSD não querem permitir que seja referendada. Afastaram a previsão dessa possibilidade na última revisão constitucional, a que foi feita nesta legislatura, e afastam tal tema completamente da pergunta que apresentam aqui para votação.
E não se venha dizer que o euro já estava no Tratado de Maastricht. porque isso não é verdade. O que aí estava era a previsão da sua existência, sujeita a uma dupla decisão: a de o Estado querer aderir e a de a União o aceitar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por não preencher a segunda condição. a Grécia foi excluída. Por não querer participar, a Suécia não faz parte dos países-euro, apesar de ter ratificado integralmente o Tratado de Maastricht, sem nenhum opting-out quanto à União Económica e Monetária ou quanto à moeda única.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP)- - Muito bem!

O Orador: - Isto quer dizer que não é por esta razão que não é possível aderir ao euro e sujeitá-lo a referendo.
Se o PS e o PSD impedem o referendo versando o euro é porque não o querem ver nem pintado! Esconjuram-no agora como o fizeram na revisão constitucional.
Que querem então o PS e o PSD perguntar aos portugueses? Imagine-se: na versão do Governo, pergunta-se se «Portugal deve continuar a participar na construção da União Europeia que resulta do Tratado de Maastricht?»;

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na versão do PSD, se «concorda com o aprofundamento da integração de Portugal na União Europeia, de acordo com o Tratado de Amsterdão?»; na versão do PP - PP de Paulo Portas, subentenda-se -, se «concorda com a participação de Portugal na construção europeia, no quadro do Tratado de Amsterdão?»

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não se esqueça da segunda pergunta!

O Orador: - Sr. Deputado Luís Queiró, fala muito bem, porque eu estava para dizer aqui qualquer coisa acerca das vicissitudes do PP, mas não preciso de fazê-lo porque alguns dos Srs. Deputados se encarregam de o dizer por aí.
Aliás, aproveito para dizer, porque houve algumas pessoas que não perceberam aquela piada da Maria Rueff no programa do Herman José acerca do tal Manual do Contorcionista que teria sido encontrado na pasta do Sr. Dr. Paulo Portas, que, afinal, encontram aqui, com facilidade, uma pista para explicação dessa graça.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): Antes isso do que o centralismo democrático!

O Orador: - Voltando às perguntas, queria dizer que o que nenhum dos proponentes - PS, PSD e CDS-PP - pode iludir é o facto de, por essa forma, porem a referendo a própria participação de Portugal na Comunidade, que ninguém questiona nem está em debate.
Se a resposta fosse não, isto é, se os portugueses dissessem que não concordavam com a participação de Portugal na construção europeia, o que é que sucederia? Portugal saía da Comunidade? Consideravam os Srs. Deputados que fazem estas perguntas que os portugueses se tinham pronunciado contra a adesão de Portugal ao Tratado de Roma ? Mas o PS e o PSD sabem perfeitamente que na revisão constitucional proibiram a sujeição a referendo de tratados já ratificados! Por isso, sabem que o referendo não pode ter efeito quanto ao Tratado de Roma! Isto é, fazem uma pergunta que é manipulada, que é capciosa, que é indutora de uma questão que não está em debate, tendo em vista levarem a uma resposta afirmativa. Mas, para qualquer eventualidade, ficam escudados numa revisão constitucional que fizeram à medida desta mistificação e que os protege contra qualquer acidente, leia-se contra um possível «não» maioritário.
Isto, seguramente, não é sério. E eu pergunto mais: pode ser constitucional uma pergunta como esta, uma pergunta assumidamente capciosa, indutora de uma questão que não está em debate?
Mas se dizem que não é bem assim, que a questão é sobre a participação de Portugal na União Europeia mas reportada ao Tratado de Amsterdão, então há um outro problema, para o qual também não têm solução.
De facto, a norma constitucional que admite este tipo de referendos diz que podem ser sujeitas a referendo «(...) questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional (...)». Agora, eu pergunto: qual é a questão de relevante interesse nacional que deve ser objecto de convenção internacional que está nas perguntas feitas pelo PS, pelo PSD e pelo PP? Qual é a questão concreta?
Na versão inicial da pergunta do PSD, de que todos seguramente se lembram, até porque o Professor Marcelo Rebelo de Sousa fez 17 conferências de imprensa e 325
declarações públicas sobre, ela, havia três perguntas. Além da pergunta gémea - que era a mesma -, havia uma pergunta sobre as questões de segurança e outra sobre o emprego. O risco destas perguntas concretas é evidente: se o «não» ganhasse, Portugal não podia, juridicamente, ratificar o Tratado de Amsterdão.
Assim, caso fossem postas questões concretas que tivessem de ser decididas no Tratado, se o «não» ganhasse, Portugal não podia ratificar o Tratado, e foi por isso que o PSD retirou essas perguntas. Não o fez porque houvesse o risco real de uma resposta maioritariamente «não», mas por uma razão mais simples: parecia mal, perante a Europa, perante os seus parceiros, que fizessem perguntas que pudessem ter esse resultado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a pergunta que está formulada é inconstitucional e deixa este referendo sem qualquer hipótese de eficácia. Se a pergunta tem alguma dimensão com eficácia jurídica, então, seria a de questionar o próprio Tratado de Amsterdão no seu conjunto. Ora, PS e PSD proibiram, na revisão constitucional, que isso fosse feito. E, assim, se a pergunta fosse para questionar o Tratado de Amsterdão seria inconstitucional também por esta razão. Mas não sendo o Tratado no seu conjunto, quando se procura a questão concreta a decidir no Tratado, ela não existe e, por isso, a pergunta é outra vez inconstitucional.
A pergunta feita questiona o que não está questionado, é capciosa, induz uma resposta, não tem o objecto que a Constituição impõe, uma questão a ser decidida no Tratado, ou, no limite, versa o Tratado no seu conjunto.
A pergunta e inconstitucional e ineficaz. E confusa e manipuladora. É uma farsa!
Isto não é um referendo, é um «referaude»!...

Aplausos do PCP.

Se se quer um bom exemplo deste espírito de fraude, ele está na nota Justificativa da pergunta apresentada pelo Governo, onde se diz que o Governo «(...) quer auscultar a vontade popular sobre o ritmo e o sentido da participação portuguesa no projecto da União Europeia, com vista a garantir que os futuros passos neste domínio continuarão a ser dados em perfeita consonância com o sentido geral da opinião colectiva». Um referendo sobre o ritmo é mesmo aquilo que os portugueses estavam à espera e precisavam!

Risos do PCP e do CDS-PP.

Também vale como exemplo o projecto de pergunta do PSD, em cuja nota justificativa se diz que é indiscutível o aprofundamento da integração europeia. Ora, é precisamente esse o objecto da pergunta que apresentam! Isto é, o PSD acha indiscutível o tema sobre o qual quer que os portugueses se pronunciem?!
Este «referendo», ineficaz, confuso e misturado com outro, não deve ser realizado. Primeiro, por respeito pelo eleitorado; depois, pela consideração devida aos instituto do referendo: depois ainda, por respeito à Constituição e à lei; finalmente, Srs. Deputados - é preciso dizê-lo - pelo respeito devido às mais elementares regras do bom senso.
Por favor, Srs. Deputados, retirem estas propostas de pergunta e acabem com este «referaude» inútil, desprestigiante e negativo para a democracia.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra para defesa da consideração da sua bancada.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que tudo aquilo que disse, na parte em que se referiu a mim e ao PSD, é rigorosamente verdade. Confirmo-o.

Vozes do PCP: - Ah...!

O Orador: - Agradeço-lhe até a atenção com que, pêlos vistos, o Sr. Deputado leu a edição do Partido Social Democrata. Agradeço-lhe, talvez não merecesse tanto.
Agora, o que o Sr. Deputado não disse e devia ser dito, porque é a verdade das coisas, é que o PSD tinha essa opinião e mantém-na. Foi por essa razão, Sr. Deputado - e recordar-se-á, como todos se recordam -, que o PSD, quando fez o repto que fez ao Partido Socialista para a realização em simultâneo dos dois referendos, se comprometeu publicamente a dar o seu voto para superar os problemas de constitucionalidade que daí decorressem.
Foi isso que o Sr. Deputado não disse e devia ter dito. É esta, aliás, a única razão que me leva a pedir a defesa da consideração desta bancada, porque a verdade tem de ser toda dita e não pode ser dita apenas na parte que interessa. O PSD tem essa opinião, mantém-na, e fez o que fez porque o PS,- e toda a gente percebeu isso - estava a tentar tudo por tudo para arranjar um alibi e fugir à realização do referendo sobre a regionalização. Isso é que, politicamente, o PSD não podia permitir.
Esta é que é a verdade e foi para a repor aqui que utilizei esta figura regimental.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, darei todas as explicações, incluindo a de que se o problema do Sr. Deputado, quando aceitou aquela fórmula, era o da regionalização, então, já pode retirar a fórmula, porque o referendo da regionalização será votado antes desse.
Mas a questão que o Sr. Deputado colocou é muito grave. Tenho pena que tenha resolvido defender a honra para dizer o que disse. E o que é que o Sr. Deputado disse? Disse que, na sua opinião, é inconstitucional a realização simultânea destes dois referendos. Ora, dizendo isso, diz simultaneamente que, por causa do negócio político, assume que dá os seus votos para ultrapassar aquilo que considera que é uma inconstitucionalidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A Constituição prevê!

O Orador: - Sr. Presidente, isto é um escândalo político, porque assim não há Constituição que resista ao manobrismo. Isto é puro-manobrismo!

Aplausos do PCP.

Sr. Deputado Luís Marques Guedes, faço-lhe um desafio, enquanto anotador da Constituição, dado o dilema que tem pela sua frente: ou desarrisca-se de Deputado dessa bancada, porque de facto não se consegue entender cem aquilo que escreve ou, então, desarrisca-se de anotador de Constituições e assume que o que sabe fazer bem são negócios políticos com o PS - e o PS agradece-lhe.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Alguma» personalidades e várias forças políticas reivindicaram, por ocasião da celebração do Tratado de Maastricht, a realização de um referendo.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Corta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Entendiam, na altura, que era preciso dar voz aos portugueses para, de forma directa, assumirem com clareza e frontalidade a sua opção pessoal quanto à construção europeia. Não eram, evidentemente, coincidentes as perspectivas de quem tal propunha; queriam uns mobilizar mais fortemente os portugueses a favor da União Europeia; queriam outros encontrar uma oportunidade para lhe definir os limites de participação e separar as águas; queriam outros, ainda, rejeitar, pura e simplesmente a opção europeia.
Nem o PSD nem o PS concordaram em seguir tal caminho. Primeiro, porque o entenderam constitucionalmente inadmissível. De facto, a Constituição referia, no artigo 118.º, n.º 2, que «O referendo só pode ler por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo». E excluía, por força do n.º 3 do mesmo artigo (e com referência ao conteúdo do artigo 164.º) a aprovação dos tratados de participação de Portugal) em organizações internacionais.
Tratava-se, portanto, de uma impossibilidade constitucional a ratificação do Tratado de Maastricht feita através de referendo.
Chegaram os dois grupos parlamentares, do PS e do PSD, a recusar depois, expressamente, alterações ao texto constitucional que viabilizassem a consulta referendária.
Foram, assim, rejeitadas propostas de UDP e do PCP, que visavam, genericamente, a suspensão da aplicabilidade das limitações contidas no n.º 3 do artigo 118.º quanto à União Europeia, e a proposta do CDS, que instituia um referendo obrigatório, por iniciativa do Presidente da República, para a aprovação de tratados que comportassem a atribuição a uma organização internacional do exercício da competência do Estado português.
Manter-se-ia, todavia, no ar, uma apetência genérica pela realização do referendo. Certo era que a votação largamente maioritária nos dois partidos que suportavam claramente a adesão aos ideais da União não sofria contestação possível. Era, por si própria, um documento óbvio a ter em conta.
Por seu turno, a inclusão da integração na União e o reforço do caminho para a segunda fase da União Económica e Monetária (como peça fundamental dos programas

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políticos de ambos os partidos) e a sua ratificação eleitoral acrescentavam nova base de apoio inequívoco.
Mas a última revisão constitucional e a discussão que nela teve lugar terminou com a querela e acabou por reformular o artigo relativo ao referendo, agora artigo 115,% admitindo a possibilidade de submissão a referendos, não de tratados, mas de questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional.
É neste ponto que nos encontramos.
Todos os partidos se pronunciaram, entretanto, sobre a desejabilidade do referendo sobre a continuação e/ou o aprofundamento da integração da União Europeia. É conhecida a moderna evolução do Estado, enquanto Estado comunitário.
São públicas, também, as questões de limitação ou partilha de soberania em certas áreas. É consabida a querela sobre a admissibilidade ou desejabilidade do federalismo europeu. São evidentes as consequências que, do ponto de vista institucional ou do ponto de vista da definição das políticas económicas e financeiras, resultam da decisão sobre a moeda única em relação aos Estados membros.
Neste contexto, é natural que se continuem a colocar dúvidas e se procurem novas oportunidades para esclarecer os cidadãos comunitários, em geral, e os portugueses, em particular.
O recurso ao referendo é, assim, perfeitamente justificado e compreensível. E sê-lo-á tanto mais quanto novas questões surgem no horizonte mais ou menos próximo da construção europeia. Espera-se o alargamento da Comunidade. Prevêem-se necessidades de, alteração do quadro financeiro da União. Suscita-se a imperiosidade da reformulação de algumas políticas comunitárias. Não serão estas questões relevantes para os portugueses?
Mas, para além deste universo, há alterações, no domínio do direito comunitário, que se verificam e assumem particular relevância, Por exemplo: as matérias que resultam das consequências da afirmação dos princípios basilares da União Europeia e do pronunciamento do Conselho em caso de violação por parte de um Estado membro: as questões que decorrem da definição e execução da política externa e de segurança comum e das decisões sobre elas as disposições sobre cooperação policial e judiciária em matéria penal e os objectivos de aproximação gradual do direito penal dos Estados membros; as políticas de vistos, asilo, imigração e o seu novo enquadramento.
São também estes outros tantos temas que devem ser conhecidos e avaliados pelos portugueses. E conveniente ser ouvida a sua opinião. Propositadamente, deixámos para o fim o que se refere ao universo participativo. E fizemo-lo porque o entendemos ligado ao conceito e às decorrências da cidadania europeia.
O que é que este conceito jurídico (cidadania europeia) visa devolver?
Quanto a nós, o aspecto mais relevante é o de desenvolver, entre os povos europeus, o sentimento de pertencer a um grupo mais vasto e de reforçar a identidade europeia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Além disto, trata-se de criar um meio de ligação entre a União e os seus cidadãos que diz respeito à natureza e ao conteúdo da cidadania, no sentido constitucional do termo, sendo, todavia, certo que a cidadania da União não postula uma qualquer nacionalidade da União mas deriva, pelo contrário, de uma pertença nacional prévia.
O artigo 115.º da Constituição garante aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro o direito de participar nos referendos nacionais que recaiam sobre matérias que lhes digam também especificamente respeito.
Não tem dúvidas o Prof. Barbosa de Melo sobre deverem gozar os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro de um interesse específico relevante no resultado de um referendo como este.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E não as tem porque os portugueses gozam, em geral, da cidadania europeia, residam eles onde residirem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seria incompreensível que assim não fosse. Aliás, o Prof. Barbosa da Melo está bem acompanhado nesta opinião. O Sr. Presidente da Assembleia da República, o Sr. Deputado Almeida Santos, interrogava-se com todo o a propósito, nesta Casa, em Novembro de 1992, nos seguintes termos: «Portugal é o país da Comunidade Europeia com mais emigrantes nos outros Estados membros. Será que estes não exigem de nós que lhes asseguremos os direitos e a protecção que a cidadania europeia assegura?».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas não se ficou por aqui o Sr. Deputado Almeida Santos. Na grandeza da sua alma, achava manifestamente insuficiente a cidadania ligada ao território e legitimamente perguntava, cheio de razão: «Mas porque não ligado ao sangue, como já, entre nós predominantemente acontece?».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os cidadãos portugueses têm todos inegável direito a participar nesta consulta. A proposta do Governo estabelece nisto uma distinção adicional: só considera possível a participação dos portugueses residentes no território dos Estados membros da União. Vai, portanto, muito além da exigência constitucional, estabelecendo um outro princípio da aplicação restritiva que diz apenas respeito ao território e não ao interesse directo. E, portanto, abusiva.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Estranha-se que apenas dois projectos de pergunta se lhes refiram sem condições. E os outros? Quererão assumir uma inconstitucionalidade por omissão do requisito óbvio da indicação do universo eleitoral? Quererão postergar o referendo?
Se não há, no plano prático, grande afastamento entre as perguntas do PS e do PSD, há este obstáculo conceptual e importante a vencer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Negar a portugueses o direito a pronunciarem-se sobre o conteúdo deste acto referendário é, mais

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uma vez, deixar de lhes reconhecer um interesse legítimo. É colocá-los fora. É distanciá-los do futuro do seu país.

Aplausos do PSD.

É um gravame suplementar. É negar-lhes um direito irrecusável!
Já ouvi hoje dizer (tese maximalista) que os referendos são, no geral, processos a evitar. Já ouvi hoje dizer (tese minimalista) que o referendo europeu se não justifica. Não quero crer que um desgosto particular - mal digerido em relação a um problema concreto possa afectar o discernimento dos políticos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Está a democracia representativa em crise porque, num referendo, o primeiro realizado em Portugal, a taxa de participação foi de 31 %? Mas a democracia representativa nunca pode ser posta em causa pelo resultado de um referendo...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não deve o País recorrer aos referendos? Mas a quais? É uma originalidade portuguesa promover um referendo europeu? Neste tema concreto, quantos referendos foram feitos por essa Europa fora? É o tema que incomoda?
A principal característica a ter em conta, na decisão política, é a serenidade. Ninguém se deve assustar, muito menos levado pelo ressentimento, com o recurso a institutos cuja legitimidade e conformidade constitucional não está nem pode estar em causa.

Aplausos do PSD.

Pode colocar-se, quando muito, um problema de selecção de prioridades.
Teria sido a inopinada alteração da lei sobre o aborto, ainda por cima tomada a duas voltas, a decisão melhor em termos da necessária convocação do primeiro referendo a realizar em Portugal? Foi o processo que lhe esteve na origem - um processo aventureiro - um processo normal e natural? Foi normal e natural a insistência num projecto legislativo sucessivamente rejeitado e depois aprovado? Foi correcta, esclarecedora e mobilizadora a pergunta colocada à consideração dos portugueses?
Bem fizemos, na altura, em não acompanhar essa pergunta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Descubro por aí um profundo sentimento de culpa. Tornado inadiável e essencial, só uma atitude prudente e construtiva, que convoque os cidadãos a participar, vai transformar o referendo europeu num êxito. Espero que todos estejam à altura deste desiderato.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subo a esta tribuna menos de 24 horas depois da realização da primeira consulta referendária em Portugal.

O Sr. João Amaral (PCP): - E menos de três dias depois do Deputado Manuel Monteiro...

O Orador: - Sr. Deputado, já há pouco tentei coibir-me de responder aos seus apartes, mas, em matéria de contorcionismo, achava sério da minha parte dizer que, hoje, o Sr. Deputado tem menos à vontade a defender Praga, o COMCON, o muro de Berlim... Também não era sério, Sr. Deputado! Portanto, nessa matéria, vamos ter todos alguma calma e alguma prudência.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não me levarás contigo!...

O Orador: - Sobre o referendo ontem realizado, pese embora a vitória política das posições defendidas pelo meu partido, não podemos deixar de analisar, com cautela, os quase 70% de abstenções. Quando no primeiro referendo realizado entre nós mais de dois terços dos cidadãos se alheiam do seu poder/dever de votar, todos os agentes políticos têm de tirar as suas conclusões.
O Partido Popular foi pioneiro na defesa do instituto do referendo e mantém essa sua posição. Fica para nós claro que quanto mais participativo for o exercício da democracia menor será o fosso entre decisor e destinatário da decisão.
Defendemos, em tempo oportuno, a realização de um referendo sobre o Tratado de Maastricht e fizemo-lo na convicção da sua imperiosa necessidade. À época, de tudo ouvimos: «Que era caro ... »; «Que o povo não estava preparado para responder». Lembro até aos menos memoriados que houve quem, na mesma semana em que o Partido Popular propôs o referendo sobre o Tratado de Maastricht, propusesse em alternativa um referendo sobre a RTP, ...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... ironia que por certo nada ajudará a dignificação deste instituto.
A integração de Portugal na Europa comunitária faz parte dos objectivos nacionais defendidos pelo CDS-PP desde a sua fundação. Os portugueses continuam seguramente bem lembrados do carácter decisivo da contribuição dos democratas cristãos para o sucesso da nossa adesão à Comunidade Económica Europeia.
Concretizando esse objectivo essencial à definitiva emancipação e consolidação da nossa democracia política, o CDS-PP liderou depois a defesa de interesses reais dos portugueses e de Portugal, no seu confronto com as consequências concretas de determinadas decisões ou de certas políticas comunitárias. O CDS-PP foi, então, porta-voz do direito dos cidadãos à informação e à participação democrática nas decisões fundamentais.
A batalha pelo referendo europeu foi, em consequência destas nossas posições, uma batalha ganha, que peca apenas por tardia, o que, em abono da verdade, até lhe retira alguma importância e interesse político.
O CDS-PP pugnou também pelo reforço democrático da construção europeia, assente no valor dominante da legitimidade dos governos nacionais, com recusa de

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vanguardismos fundamentalistas que exigiam o avanço para uma estrutura de carácter federal.
Chegados, agora, à moeda única, Portugal tem de encarar como um novo facto a União Económica e Monetária. Devem, contudo, os portugueses manter-se atentos e exigentes em relação ao Estado e à União Europeia, porque o futuro mantém uma dose elevada de risco e de insegurança, independentemente do carácter dos critérios de convergência que nos são impostos (a redução, da inflação, o controlo do défice orçamental e da dívida pública e a redução das taxas de juro), que são, em si mesmos, políticas sãs e objectivamente recomendáveis. que o CDSPP sempre defendeu, mesmo muito antes de se tornarem inevitáveis pelos compromissos comunitários.
Todavia, o euro é um meio e não um fim. A moeda é um instrumento e não uni desígnio. Uma coisa é Portugal estar no núcleo fundador do euro; outra, bem diferente, é ter sectores produtivos, níveis de rendimento e padrões de bem-estar social equiparáveis aos dos outros países europeus. O essencial passa, evidentemente, por aqui.
Mas, para quem quer fazer política de uma forma credível, o que interessa ao País, agora, é o pós-euro. Assumimos conscientemente o nosso património em matéria europeia. definimos um caminho e aceitamos o facto da moeda única. sabemos que governar Portugal é governá-lo com o euro. Mas que fique claro: não somos e não seremos federalistas!

O Sr. António Galamba (PS): - Nunca se sabe!

O Orador: - Para o CDS-PP, é essencial, no novo quadro europeu, prosseguir três objectivos políticos: fazer a convergência real da economia portuguesa com as outras economias europeias, reforçar a legitimidade democrática das decisões económicas e consolida,. no plano interno, todas as políticas que defendem a identidade de Portugal como Estado nacional.
Para conseguir a convergência real, o CDS-PP, ao contrário do Governo, sublinha a imperiosa obrigação de promover reformas estruturais no Estado e na sociedade. Nesse plano, o CDS-PP entende que as reformas da segurança social, da saúde, da educação, da justiça e do sistema fiscal são condições sine qua non para garantir a sustentação deste esforço feito.
Por outro lado. o CDS-PP considera que a consolidação da iniciativa privada, a competitividade das nossas empresas. a persistência de centros de decisão nacionais e estratégicos, bem como a definição de verdadeiros objectivos da nossa economia, dando-lhe unia especialização competitiva, são indispensáveis para vencer o desafio português numa Europa que nem sempre respeita os interesses nacionais e numa economia globalizada que nem sempre respeita os critérios do comércio justo.
Neste âmbito, é indispensável que, nas negociações europeias em curso, Portugal assegure o reforço da coesão, não sendo aceitável uma diminuição da solidariedade comunitária para com os países menos desenvolvidos.
O caminho, para os portugueses, só faz sentido se ao seu esforço corresponder um ganho de prosperidade. Compete, por isso. ao Governo, fazer reformas inadiáveis em Portugal e negociar melhor em Bruxelas.
Do ponto de vista do CDS-PP, é relevante assegurar que, no modelo político europeu em geral, e, por isso, também no chamado «governo do euro», a legitimidade democrática acompanhe os mandatos técnicos.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: -- Para os portugueses. como para c)s demais europeus, é decisivo que critérios como a promoção do emprego e a necessidade do crescimento económico estejam presentes nas orientações que vão ser transmitidas à gestão da moeda. A devida representação dos estados no Conselho do Euro e o diálogo que se estabeleça entre as instâncias nacionais e o Banco Central Europeu são os meios adequados para garantir os objectivos dos estados.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A identidade nacional é domínio português e competência do estado nacional. O CDS-PP convoca, por isso, todas as forças políticas, sociais e culturais para com ele assumirem o seguinte compromisso: a uma maior participação comunitária tem de corresponder um reforço da nossa identidade nacional.
Pela nossa parte, defenderemos, no plano da educação, um reforço claro do papel da língua, da cultura e da história de Portugal. Pela mesma razão, considerando actual a ideia de que Portugal tem, simultaneamente, uma vocação externa, atlântica e europeia, no quadro da política externa, devemos agir no sentido do reforço das políticas lusófonas e da sua institucionalização.
Finalmente, constitui, em nosso entender, uma prioridade de Estado a consolidação do conceito de Nação Comunidade, pelo que a mobilização de políticas que visem a coesão entre Portugal e os seus emigrantes deve alcançar outra grandeza na política do Governo.
Em nome do Partido Popular, deixamos aqui, hoje, uma advertência: Portugal não referendou o Acto único Europeu, que representou uma substantiva viragem na nossa política externa. Portugal optou, em nosso entender mal, por não referendar o Tratado de Maastricht. No mínimo, parece-nos uma opção tardia a discussão e o referendo sobre um Tratado que, em certa medida, é já uma paragem em algumas euforias federalistas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silvio Rui Cervan, bem vindo à União Europeia!
Imagino o esforço interior que fez para renegar tudo aquilo que, porventura, terá dito quando foi candidato ao Parlamento Europeu na lista encabeçada pelo ex-líder do CDS-PP! Imagino como terá tido dificuldades em esconder ou ignorar, enfim, em passar uma esponja sobre tudo aquilo quanto foi dizendo aos eleitores que confiaram em si!
É verdade que a conversão do CDS-PP à causa europeia é, talvez, o maior acontecimento que se pode registar hoje, aqui, nesta Câmara. É verdade que V. Ex.ª nos trouxe, aqui, um discurso de um tipo novo.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Onde é que o Sr. Deputado estava?

O Orador: - Mas não são novas as razões que V. Ex.ª exprime, porque a nova pergunta que o CDS-PP trouxe ao Parlamento vem subsolada nos mesmos argumentos que

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as perguntas anteriores, formuladas então, pelo Sr. Deputado Manuel Monteiro e pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Olhe que essa é uma joint-venture muito perigosa!

O Orador: - Independentemente disso, gostava de lhe perguntar, objectivamente, como vai responder V. Ex.ª à primeira pergunta que coloca a esta Câmara para ser aprovada e vou lembrar-lhe de que pergunta se trata: o CDS-PP propõe que os portugueses respondam, na forma de um «sim ou não», se concordam com a participação de Portugal na construção europeia, no quadro do Tratado de Amesterdão.
Esta é uma questão central, porque me parece que é uma pergunta exactamente igual àquela que o Governo nos propõe e, assim, gostaria de saber, desde já se V. Ex.ª vai até ao fim da sua adesão ou se é apenas uma conversão transitória, momentânea e, evidentemente, no âmbito da coisa.

Aplausos do PS.

Risos gerais.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sobretudo no âmbito da coisa!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Saraiva, ultimamente, V. Ex.ª tem sido incumbido das mais difíceis tarefas pelo seu grupo parlamentar! Mas, em relação à sua pergunta, para ficar calmo e tranquilo, hoje como sempre, respondo sim! Fomos dos primeiros, fomos pioneiros!

Risos do PS.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Nunca o Sr. Deputado Manuel Monteiro disse que não estávamos na União Europeia.

O Orador: - Mas vou-lhe dizer mais, Sr. Deputado: sabe que não é citando mal as pessoas que lhes faz algum favor, porque nunca o anterior presidente do meu partido disse que deveríamos estar fora da União Económica e Monetária ou fora da Europa. O que dissemos ontem e dizemos hoje é que, efectivamente, o caminho traçado nem sempre foi o mais correcto e VV. Ex.ªs, é que preferiam referendar a RTP em vez de referendar o Tratado de Maastricht. Ora, V. Ex.ª está, seguramente, numa posição muito incómoda nesta matéria.

O Sr. José Saraiva (PS): - Olhe que não!

O Orador: - V. Ex.ª fez, ainda, uma acusação, pegando no balde e atirando a «porcaria» ao ar, e, depois, não vendo onde é que caía. É que V. Ex.ª falou dos debates e das intervenções que tive enquanto candidato ao Parlamento Europeu, mas V. Ex.ª pode ajudar-me, visto que teve debates comigo. Lembro-me pelo menos de um, numa universidade da cidade do Porto. V. Ex.ª lembra-se de alguma coisa que eu tenha dito então e que não mantenha hoje?! Não se lembra de rigorosamente nada! Aquilo que V. Ex.ª está, aqui, a fazer é a lançar a confusão ....

O Sr. José Saraiva (PS): - Eu ou o Dr. Manuel Monteiro?!

O Orador: - ... não sendo capaz de apresentar uma alteração substantiva. Um facto novo que se tenha passado a partir do dia 2 de Maio. É que desde o dia 2 de Maio, Portugal entrou no euro, faz parte do pelotão da frente do euro, temos uma nova realidade.
Agora, V. Ex.ª queria que o Partido Popular dissesse uma coisa que não diz, queria que disséssemos...

O Sr. José Saraiva (PS): - Proponha a saída!

O Orador: - Sr. Deputado, oiça mais 30 segundos. É um esforço que é capaz de valer pena.
Aquilo que V. Ex.ª queria que o Partido Popular dissesse é que abdicava de governar o País porque não aceitava a realidade. Mas queremos, efectivamente, governar o País, porque VV. Ex.ªs, estão a governá-lo muito mal!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. José Saraiva (PS): - O que mais admirei, foi o entusiasmo da sua bancada a aplaudir!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Como acontece com a sua em questões de regionalização!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Já percebi o que quis dizer o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan. É que os últimos serão os primeiros!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado Manuel dos Santos está a perceber as coisas um bocadinho tarde!

O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É com extrema confiança e com uma determinante vontade de envolvimento activo que o Partido Socialista apoia a resolução que o Governo propõe a Assembleia da República e que se destina, no limite, a saber se os portugueses querem ou não querem continuar a participar na construção da União Europeia.
Para saber o que é preciso fazer e como fazê-lo, é preciso primeiro saber de onde se vem e para onde se vai.
Nós, socialistas, sabemos desde l977, quando Mário Soares apresentou o pedido de adesão, o que queremos nesta matéria. Nessa época, há 20 anos, éramos acompanhados por 72% dos portugueses, - foi esta a percentagem obtida, então, pelos partidos políticos que eram favoráveis à adesão. Hoje, estamos convictos, e agora, com a adesão do CDS-PP, que essa percentagem é bastante superior ...
Dirão, porém, alguns que a Europa de hoje é substancialmente diferente daquela a que formalmente aderimos. Portugal é, também, outro, é verdade, é outro e é melhor. Mas essa mudança, em vez de fragilizar a nossa opção, fortaleceu-a.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

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O Orador: - E se, no plano teórico, a integração de Portugal na União Europeia não oferece qualquer reticência, há, no entanto, alguns ainda que, povoados de fantasmas, teimam em lançar dúvidas existenciais ou em agitar espantalhos para afugentar excessivos entusiasmos. Mais do que uns e do que outros, é aos portugueses que se deve perguntar, afinal, se querem, ou não, continuar na construção dessa grande ideia que é a União Europeia.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Teremos de nos empenhar na mobilização dos portugueses, recordando-lhes, sobretudo, como éramos todos nós, como era o país, antes de sermos parceiros activos da Europa, mostrando-lhes o grande salto em frente que Portugal deu. Não fora a União Europeia e é caso para nos perguntarmos o que seria de nós, fechado que foi o ciclo do Império.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As outras propostas oriundas dos partidos da oposição revelam, em certos casos, o agnosticismo com que encaram o processo de integração. É o caso da «pergunta» recheada de questões que o PCP apresentou, é a súbita conversão à União Europeia mesmo que se tenha de atirar para o «caixote do lixo» as convicções tão francamente afirmadas e tantas vezes, aqui, na Assembleia da República, e também a nova pergunta do PSD transporta algumas contradições.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP vive ainda desconfiado dos méritos políticos da participação de Portugal na União Europeia. Todas as verdades irrefutáveis que o PCP vem defendendo e anunciando aos quatro ventos foram sendo negadas, vigorosamente, pelos factos e, hoje, quase me atrevo a dizer que o PCP está cada vez mais só, cada vez mais isolado no combate à moeda única.
E o PCP sabe, verdadeiramente, que é uma batalha perdida, porque. felizmente. o Governo promoveu a condução de um processo, em que alguns não acreditavam mas que evitou a periferização de Portugal. Gostaria o PCP. talvez, que Portugal adoptasse uma orientação de "cadeira vazia" no núcleo fundador do euro?
Não pode o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acompanhar os Deputados comunistas na votação do projecto de resolução que o PCP traz a esta Câmara.

O Sr. Luís Sã (PCP): - Houve algum referendo sobre isso?!

O Orador: - O caso do CDS-PP é diferente e irá, admito até, provocar alguma curiosidade, porque as razões que suportaram a pergunta enunciada pelo Dr. Manuel Monteiro são exactamente, sem tirar nem pôr, as mesmas razões que justificam as duas perguntas que, agora, o Dr. Paulo Portas traz ao Parlamento, através da assinatura do Sr. Deputado Luís Queiró. Um discurso coerente de seis anos foi atirado «para o caixote do lixo» em meia dúzia de dias.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que pensa verdadeiramente o CDSPP da participação de Portugal na União Europeia ? A primeira pergunta, sublinho, é quase igual à que o. Governo nos apresenta: a segunda pergunta agita, na penumbra da sua formulação, velhos fantasmas nacionalistas e, em vez de ser simples, é, também ela, complexa e até mesmo confusa.
Teremos de rejeitar essas proposições, ficando na expectativa, por um lado, de saber quando o Dr. Paulo Portas decide «matar» de vez o PP para ficar apenas o CDS e, por outro lado, ficamos a observar se o PSD, no seu afã glutão da direita, votará favoravelmente a resolução proposta pelo Partido Popular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao projecto do PSD, registam-se dois tempos. Houve um tempo em que o PSD, já sob a liderança do Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, tinha várias perguntas para fazer aos portugueses, mas o jogo táctico em que constantemente se deixa envolver que lhe é geneticamente próprio - levou a que o líder do PSD engavetasse as três anteriores perguntas cuja resposta queria ouvir dos portugueses, para agora fazer apenas uma, que se assemelha, também, àquela que o Governo e o Partido Socialista suportam. Ao sabor da conveniência, o PSD mudou, e resume tudo a uma só questão que, em nossa opinião, peca por ser, de certo modo, «elitista».
A pergunta a fazer, Srs. Deputados, no fundo, e tem de ser simples, é no sentido de procurar saber se Portugal deve ou não continuar a trabalhar na construção da Europa, depois do Acto único, depois de Maastricht, depois de Amsterdão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados- Os projectos de resolução apresentados pelo PSD e pelo CDS-PP têm ainda uma nova componente que o Grupo Parlamentar do PS rejeita em absoluto. Na realidade, o CDS-PP e o PSD querem que todos os portugueses recenseados votem, estejam eles onde estiverem, residam eles onde residirem.
Por maiores explicações que o Sr. Deputado Carlos Encarnação tenha aqui dado, quando teve oportunidade de apresentar a proposta de resolução do PSD, por maiores explicações de natureza constitucional que nos tenha trazido, a doutrina constitucional diz-nos que só podem participar nos referendos aqueles a que directamente digam respeito as matérias em consulta. E manifestamente o caso dos portugueses recenseados que vivem no território nacional e dos nossos emigrantes recenseados que residam nos países membros da União Europeia, tal como prevê a proposta de resolução apresentada pelo Governo.
Por esta razão essencial, o PS não pode votar favoravelmente o projecto de resolução do PSD, e sucederá o mesmo com o projecto de resolução do CDS-PP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tendo sido possível ouvir a voz dos portugueses sobre a União Europeia - designadamente após o Tratado de Maastricht - e dispondo agora dos instrumentos constitucionais que consentem a auscultação dos portugueses, deve a Assembleia da República aprovar a proposta de resolução, já que desse modo os portugueses terão a oportunidade de confirmar a estratégia forjada, por larguíssimo consenso, em l986 e cujos resultados só não vê quem não quer.
Esta será, pois, uma oportunidade rara que permitirá sustentar na vontade do povo a modernização do Estado e da sociedade, que possibilitará cada vez mais a libertação da sociedade civil da tutela paternalista do Estado, assegurando uma coesão económica e social indispensável para enfrentar o maior de todos os desafios, o da existência de um inimigo sem rosto que se constitui no liberalismo radical, excludente e globalizante.
Enfim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, somos europeus, porque é essa a nossa natureza, é esse o nosso ânimo. Queremos estar lá activa e inteiramente. Governar é escolher, disse Mendes France, que sabia mais destas coisas do que eu próprio. Mas nós, socialistas, optamos por es-

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colher a proposta que o Governo traz à Assembleia da República, e permito-me anunciar-vos que o PS se louva no vasto consenso alcançado, um vastíssimo consenso, que permitirá formular apenas uma pergunta de fácil compreensão para os portugueses. na certeza de que os dois maiores partidos, o PSD e o PS, se envolverão na campanha activamente, mobilizando os seus recursos de modo a que haja uma adesão maciça a este projecto da União Europeia e estamos convictos de que, assim, este referendo resultará num «sim» forte, afirmativo e determinado para o futuro de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se inscreveram, para pedir esclarecimentos. os Srs. Deputados Silvio Rui Cervan e Carlos Encarnação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silvio Rui Cervan.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Saraiva foi tão amável comigo, quebrando hoje à tarde uma rotina ao dizer que ninguém fazia perguntas a ninguém neste Hemiciclo, que foi superior às minhas forças não pegar nas palavras de V. Ex.ª de há l0 minutos atrás, nas quais nos acusava, a mim e ao meu partido, de termos mudado de opinião.
Sr. Deputado, permita-me que lhe faça uma pergunta muito concreta. O meu partido aceitou um facto, facto esse legitimado num congresso democrático, realizado em Braga, e onde definiu concretamente a política europeia a seguir.
Ora, que eu saiba, Sr. Deputado José Saraiva, o PS não tem congressos. O Sr. Engenheiro António Guterres não deixa fazer, não faz.... não há congressos! Explique-me então. Sr. Deputado, por que é que o PS mudou de opinião? Não querendo, boicotando, estando contra um referendo sobre o Tratado de Maastricht, veio, no entanto, hoje V. Ex.ª entender tão positivo, tão útil, um referendo sobre o Tratado de Amsterdão!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Saraiva, deseja responder já ou no final dos restantes pedidos de esclarecimento?

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, se fosse possível, gostaria de responder de imediato.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silvio Rui Cervan, quanto aos congressos, tudo tem o seu tempo.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Isso já nós sabemos!

O Orador: - Quando fizermos o nosso, V. Ex.ª certamente ficará mais convencido do que ficou com o espectáculo mediático que fizeram com o vosso, do qual apenas registo dois factos: os cumprimentos dos seu líder, aquele cumprimento - perdoe-me - fatal ao ex-líder e ex-amigo, e a famosa declaração da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que entra na história política portuguesa. Tudo o resto é muito fácil!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Deputado, não faça essa maldade ao Dr. Manuel Monteiro!

O Orador: - Sr. Deputado, o Secretário-Geral do meu partido sempre defendeu a possibilidade de, na ocasião própria, se referendar a adesão à Europa.
No passado, em l992, quando VV. Ex.ªs se lançavam, juntamente com o PCP - agora desfazem-se. digamos, dessa companhia, que vos confundia por vezes... Neste momento, estão ainda interessados, mas até já votam pelo «sim», quando dantes defendiam, porventura, o «não».

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Mas «sim» a quê, e «não» a quê, Sr. Deputado?

O Orador: - «Sim» à Europa! É disto que se trata.

Protestos do Deputado do CDS-PP, Sílvio Rui Cervan.

Ó Sr. Deputado não queira que lhe leia as perguntas que faz!
Se a segunda pergunta constante do vosso projecto de resolução aqui for aprovada e apresentada aos portugueses, dará o resultado que deu a referendada ontem. Ficou contente?! Eu também fiquei, mas por outras razões.
As perguntas têm de ser fáceis, Sr. Deputado. Os senhores estão completamente equivocados. A elite de que V. Ex.ª faz parte, a cúpula do seu partido, tem todo o dever de pensar no que são os portugueses. Façam-lhes perguntas claras. E, neste momento, quer o PSD quer o PS estão inteiramente de acordo em fazer esta consulta aos portugueses. É isso que vão fazer! Mas os senhores «vão lá» porque neste momento não sabem mais o que hão-de fazer para ver se se salvam e se não são «engolidos», claramente, pelo PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Saraiva, a pergunta que vou fazer-lhe é muito simples e é, como V. Ex.ª verá, de tão fácil resposta que. depois de a fazer, não tenho dúvidas de que V. Ex.ª vai concordar comigo.
Há pouco, Sr. Deputado. não percebi muito bem qual foi a sua fundamentação para recusar aquilo que eu tinha dito. Peço-lhe, Sr. Deputado. que me acompanhe naquilo que vou dizer-lhe.
Os cidadãos portugueses que residem fora da Comunidade são ou não cidadãos comunitários? São - dirá V. Ex.ª - cidadãos comunitários. Sendo cidadãos comunitários, gozam ou não, por exemplo, da protecção diplomática e consular no caso de não haver representação do próprio país nesse outro país onde estão, fora da Europa? Gozam da protecção diplomática e consular.
«Nos referendos ( ... )» - diz a Constituição - «(.. ) são chamados a participar cidadãos residentes no estrangeiro quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito». Ora, consideram-se recenseados no território nacional, no que respeita a cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, não só os cidadãos residentes na Europa como fora dela, em qualquer outro sítio.
Sendo assim, Sr. Deputado José Saraiva, se estas duas condições se verificam, por que é que V. Ex.ª e o seu

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partido teimam em considerar que cidadãos portugueses que residam no estrangeiro não devem nem podem ser chamados a participar neste referendo europeu, que a eles directamente diz respeito, enquanto portadores da cidadania comunitária?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar. tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, tenho aqui, na minha mão, o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, subscrito pelo Sr. Deputado Barbosa de Meio, que é uma pessoa que muito prezo, e penso que todos prezamos bastante, mas que não obteve luz verde da Comissão.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Pode ter sido um erro!

O Orador: - É provável que assim seja. É provável que tenha sido um erro daqueles que votaram contra este relatório. Eu não sou um especialista em matéria de Direito Constitucional, mas concluo que as pessoas que integram esta Comissão e que analisam uma matéria destas,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, estou a perguntar-lhe a si o que é que acha!

O Orador: - ... sobretudo vindo de quem vem, de um Deputado altamente prestigiado e conhecedor da matéria, concluíram que havia porventura qualquer enviesamento nesta matéria. Mas não há problema, porque, tal como eu disse da tribuna, um consenso alcançado com o seu partido veio dar-nos razão. Assim sendo, V. Ex.ª vai, naturalmente, compreender que não faria sentido que um português recenseado a viver há 40, 30, 20 anos na Califórnia, na Venezuela, no Brasil, pelas «sete partidas do mundo», que não tenha vindo a Portugal durante este tempo, vá votar o referendo sobre se Portugal deve ou não continuar na União Europeia quando ele não tem qualquer referência sobre o que significa objectivamente a nossa presença na União Europeia. Parece-me do mais elementar bom senso. Não direi que, do ponto de vista constitucional, não possa haver dúvidas, mas isso cabe ao Tribunal Constitucional dirimir.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Essa sua posição é bonita!

O Orador: - E a doutrina que me parece clara é que não foram os portugueses, que gozam dessa cidadania, que votaram, por exemplo, no referendo de ontem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Admitir que haja dúvidas é uma posição bonita!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (Luís Amado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será uma intervenção muito breve, na qual passarei, naturalmente, à margem de alguns comentários ou de algumas observações aqui feitas à iniciativa do Governo e onde procurarei, sobretudo, centrar nas questões essenciais relevantes do ponto de vista político, na óptica do Governo, a sua iniciativa e a aprovação, pela Assembleia, de uma resolução que permita ouvir os portugueses, em referendo, sobre a possibilidade de Portugal continuar a sua participação no processo de integração europeia no quadro do Tratado de Amsterdão, que deverá ser, a devido tempo, ratificado por esta Assembleia.
Em primeiro lugar, gostaria de justificar que esta iniciativa decorre de uma obrigação de execução de orientações aprovadas no Programa do Governo e defendidas pelo PS durante a campanha eleitoral. Não é de somenos trazer à memória esta orientação, que foi defendida durante a campanha eleitoral, que faz parte do Programa do Governo e que exprimia claramente que, no quadro de um processo de revisão constitucional que o permitisse, os portugueses seriam ouvidos em referendo sobre a questão do processo de integração europeia.
E importa fazê-lo por uma outra razão: porque o Governo tem a convicção de que o reforço da participação do consenso político e social em torno do projecto de integração europeia é absolutamente indispensável neste momento, se pretendermos valorizar as posições portuguesas num contexto complexo negocial em que a Europa do futuro e os quadros essenciais que definirão a União Europeia de amanhã estão sobre a mesa das negociações. Importa fazê-lo também no momento em que se pretende afirmar uma nova dimensão participativa do sistema político português no quadro das alterações introduzidas pela última revisão constitucional e que a fraca participação no referendo de ontem não pode, por si só, legitimar uma leitura de crise do próprio instituto do referendo, do nosso ponto de vista.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Simultaneamente, não podemos deixar também de sublinhar que a auscultação da opinião pública europeia em todos os Estados-membros da União é hoje uma constante da evolução da própria sustentação política do processo de integração em todos os mesmos Estados-membros. As questões europeias deixaram de ser, sobretudo depois da aprovação do Tratado de Maastricht, questões circunscritas ao debate político fechado das elites económicas, empresariais, académicas e passaram a atravessar o debate político nas sociedades europeias, tornando-se, incontornavelmente, um instrumento de revitalização dos próprios mecanismos da democracia representativa em toda a Europa em torno da questão europeia.
Justifica-se, por isso mesmo, que os portugueses, também por essa razão, sejam ouvidos em referendo sobre a questão europeia. E justifica-se também fazê-lo no momento em que a recente aceitação de Portugal como país fundador, ou pertencente ao núcleo fundador, da moeda única europeia reforça a imagem no país da nossa capacidade colectiva para realizar um objectivo preciso, concreto, quando ele é sustentado no plano político e no plano social e, sobretudo, quando é possível sustentá-lo à margem das alternâncias políticas, justamente através do consenso partidário que marcou toda a questão da integração europeia ao longo dos últimos anos em Portugal. E sabido e reconhecido que, sem o amplo consenso político e

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partidário que sustentou este principal desígnio estratégico de Portugal nos últimos anos, não teria sido possível a Portugal realizar este objectivo, não teria sido possível contribuir para a modernização do país nem teria sido possível seguramente contribuir para o reforço da grande e extraordinária visibilidade que o País hoje tem na cena internacional.
É absolutamente inquestionável que Portugal deixou de ser um país isolado na cena internacional e que passou a ser um país respeitado, com voz activa nos principais fora que modelam o sistema internacional, precisamente por, ao longo dos últimos l5 anos, ter sido capaz de sustentar, no plano político e social, um desígnio estratégico a que correspondeu generalizadamente o sentir e a opinião da maioria dos portugueses.
Por isso, é necessário também que, neste momento, no momento em que a Europa se vê confrontada com novos desafios, num quadro de reorganização da geopolítica europeia, face à globalização e aos efeitos na Europa do fim da guerra fria, que coloca os Estados-membros confrontados com novas exigências e novas responsabilidades, o país seja ouvido, a voz dos portugueses seja directamente expressa, a sua opinião afirmada nesta sede. Num momento em que é necessário manter a influência e a visibilidade político-diplomática do nosso pais e valorizar outras dimensões. que só o serão se formos capazes de reforçar a nossa identidade europeia, seria bom, justamente neste momento, que o país pudesse pronunciar-se directamente, no sentido de reforçar não apenas em sede representativa mas através de referendo esse amplo consenso que sustentou o desígnio estratégico da integração de Portugal na Europa ao longo dos últimos l5 anos.
E também neste sentido que o Governo aqui traz esta proposta, num momento, como sublinhei, em que a experiência da participação dos portugueses como complemento do reforço da democracia representativa, que temos alimentado ao longo destes últimos 2O anos, justifica, por isso mesmo, a iniciativa do Governo neste momento. Estamos necessariamente abertos a que esse consenso se traduza numa fórmula de pergunta aberta à possibilidade de acolher aqui, em sede parlamentar, o mais amplo consenso. Por isso, devo, desde já. anunciar, em nome do Governo, que a proposta de substituição apresentada pelos Srs. Deputados Francisco de Assis e Luís Marques Mendes merecem inteiramente o nosso apoio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão conjunta da proposta de resolução n.º 7l/VII e dos projectos de resolução n.º 69/VII (PCP). 9l/Vll (PSD) e 94/VII (CDS-PP).
Passamos, de seguida, às votações agendadas para hoje.
Verifico que é melhor aguardarmos a chegada à Sala de alguns Srs. Deputados que não se encontram presentes neste momento.

Pausa.

Srs. Deputados, estão, entretanto, a dar entrada na Mesa requerimentos de avocação e propostas de alteração.
Teria sido desejável que tivessem sido apresentados com algum tempo de antecedência. Vão ser agora distribuídos por todos os grupos parlamentares bem como pelo Governo, pelo que a Mesa concede mais alguns minutos para que possam lê-los e meditar sobre as propostas apresentadas.

Pausa.

Srs. Deputados, enquanto não estão reunidas as condições para começarmos as votações, lembro que estão todos convidados para almoçar amanhã nos claustros do Palácio de S. Bento, para comemorarmos o fim de facto da sessão legislativa.
Juro que o convite não tem a intenção de os obrigar a ver com olhos mais construtivos o estado da Nação!

Risos.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos, então, dar início às votações.
Vamos começar por votar o requerimento de avocação, apresentado por Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, relativo ao projecto de lei n.º 433/VII - Revoga o Decreto n.º 9193, de l8 de Março (Estabelece uma zona de defesa e controlo urbanos referentes à construção da nova ponte sobre o Tejo), apresentado pelo PCP, cuja parte final passo a ler: «Nestes termos, os Deputados abaixo assinados requerem a avocação a Plenário da votação na especialidade do artigo único do projecto de lei n.º 433/VII, nos termos do artigo 159º do Regimento, procedendo-se à votação na especialidade e final global daquele projecto de lei.»
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa no seguinte sentido: porque é que não fizemos as votações pela ordem que está no guião?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, porque isto surgiu fora da ordem do guião. É só por isso. Assim, arrumávamos já este assunto e depois passávamos ao guião.
Para justificar o requerimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.

A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou, em 26 de Novembro de 1997, o projecto de lei n.º 433/VII, com vista à revogação do Decreto n.º 9193, de 18 de Março, diploma que estabelece unia zona de defesa e controle urbano referentes à construção da nova ponte sobre o Tejo - Ponte Vasco da Gama. O projecto em causa foi aprovado na generalidade, em 29 de Janeiro de l998, com os votos favoráveis do partido proponente, do PS e de Os Verdes, com o voto contra do CDS-PP e com a abstenção do PSD. A abstenção do PSD ficou a dever-se ao entendimento de que o diploma deveria ser optimizado no tocante a alguns aspectos específicos do seu regime, mas não pura e simplesmente revogado, uma vez que ainda não existe Plano Regional de Ordenamento do Território em vigor para a Área Metropolitana de Lisboa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Em sede de especialidade, o Governo foi ouvido no grupo de trabalho constituído para o efeito, tendo o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território advertido para o risco de perda, pelo nosso país, da última tranche do financiamento comunitário para a obra, caso viesse a ser produzida a revogação do Decreto n.º 9193. Conhecida tal advertência

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por todos os grupos parlamentares. e, em especial, pelo Grupo Parlamentar do PS, o relatório aprovado pelo grupo de trabalho, com o voto contra do PSD, aponta para a suspensão deste processo legislativo por um prazo de 4 meses para, alegadamente, poder o Governo esclarecer, em tal prazo, as autoridades comunitárias da desnecessidade da manutenção da aludida medida legislativa - o Decreto n.º 9193. Na prática, pretende-se, deste modo, adiar ardilosamente uma decisão final, apenas com vista à obtenção, entretanto, do referido financiamento comunitário, descorando o correcto ordenamento do território, a salvaguarda de um desenvolvimento harmonioso e a qualidade de vida das populações locais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - São estes os motivos que estão na base do pedido de avocação apresentado pelo PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Jorge Goes.

O Sr. Manuel Jorge Goes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta posição do PSD insere-se na postura de completa irresponsabilidade com que este partido tem trata(lo a matéria em causa.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O problema que estamos a tratar conflitua com um conjunto de princípios fundamentais - para quem tem princípios! - e foi criado pelo governo do PSD.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O PSD queria, em relação a isto, uma de duas coisas: ou que se transigisse nos princípios ou criar, num acto de irresponsabilidade, um conflito com as autoridades comunitárias. Aquilo que foi aprovado maioritariamente no seio do grupo de trabalho constituído na 4.º Comissão - e, volto a frisar, foi aprovado responsavelmente, depois de um debate alargadíssimo, com os votos do PS. do CDSPP e do PCP - foi a suspensão do processo legislativo. O PSD sabe isso mas, não obstante - é mais um acto de irresponsabilidade! -, vem aqui pedir a avocação a Plenário de uma matéria que, por decisão maioritária no seio da 4.º Comissão, foi decidido suspender.
Pela nossa parte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e coerentemente com a posição lúcida e responsável que assumimos no seio da 4.º Comissão, entendemos que não há motivos para avocação a Plenário. Entendemos que iremos votar aqui, em Plenário, no mesmo sentido que votámos em Comissão, e esperamos, obviamente, que os restantes partidos nos acompanhem nesta posição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. como sabem, os requerimentos não têm discussão. Por isso, não darei mais a palavra se for utilizada para esse efeito. Se a avocação

for aprovada, haverá lugar a intervenções, se não o for, não há mais discussão sobre este assunto.
Concedo a palavra ao Sr. Deputado Luis Queiró dado que Deputados de outros partidos já intervieram.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, efectivamente votámos a favor deste relatório em comissão - confirmamos isso.
Entretanto, quero aqui dizer, muito claramente, que não nos opomos, por princípio. à avocação de nenhum diploma a Plenário. Penso que não tem o menor sentido opormonos a que se faça a discussão em Plenário daquilo que foi discutido na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Portanto, contra a avocação, não estamos.
Em relação ao fundo da questão, pronunciar-nos-emos depois, se for caso disso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem havido de tudo: tem havido votações favoráveis à avocação e votações desfavoráveis. Depende da justificação em cada caso.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. o artigo que o PSD avoca pertence a um diploma apresentado pelo PCP...,

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - ...e o PCP não vê razões para esta avocação. É tanto quanto se me cumpre dizer!

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. vamos proceder à votação do requerimento de avocação, apresentado por Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, relativo ao projecto de lei n.º 433/VII - Revoga o Decreto n.º 9193, de 18 de Março (Estabelece uma zona de defesa e controlo urbanos referentes à construção da nova ponte sobre o Tejo), apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, tendo agora em conta o guião, vamos começar pela votação. na especialidade, da pr Pergunto se há possibilidade de agregação das votações ou se tem de se votar artigo a artigo, obviamente excluídos os dois artigos que são objecto de propostas de alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, trata-se de uma votação na especialidade de um diploma

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado. eu perguntei se é necessário votar artigo a artigo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é não só preciso votar como dar tempo para debate, porquanto quero intervir sobre alguns artigos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quando é requerido, é sempre concedido, como sabe. Só é preciso que o seja.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente. é melhor votarmos artigo a artigo, porque é mais simples. Creio que seguimos mais rapidamente, se assim o fizermos.

O Sr. Presidente: - Verifico que estão todos de acordo, pelo que a Mesa vai conceder 5 minutos a cada grupo parlamentar para fazer a discussão na especialidade. Depois veremos se podemos fazer a agregação ou não. Espero que tomem em conta já as propostas de alteração que foram apresentadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para intervir sobre o artigo 5.º.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Estou a dar 5 minutos a cada grupo parlamentar para a discussão. Se fosse dar tempo para debate artigo a artigo nunca mais saímos daqui! Mas, se for necessário mais tempo, eu dou-lhe.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não tenho alternativa, é sobre o artigo 5.º que quero intervir.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, tem esse direito.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, quando chegarmos ao artigo 5.º, intervirei! Não pretendo intervir fora do tempo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, propus que cada grupo parlamentar usasse da palavra para se pronunciar sobre os artigos que quisesse. Se o Sr. Deputado quer pronunciar-se sobre o artigo 5.º, tem a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, este diploma insere-se no tipo de diplomas que restringem direitos a forças militares, no caso, a forças de segurança, e. por isso, a primeira prevenção que quero fazer-lhe, Sr. Presidente, é a de que este diploma carece de uma votação qualificada.
O artigo para o qual chamo particularmente a atenção é o artigo 5.º, para dizer o seguinte: quando este diploma foi apresentado, foi-o também um outro relativo à Polícia de Segurança Pública, alterando a Lei n.º 619O. que define precisamente este regime - este, que agora se procura definir para a Polícia Marítima - para a PSP. Esse diploma está aqui pendente como está este. Aliás, Sr. Presidente, devo dizer que veio para apreciação e votação, na especialidade, em Plenário este diploma, mas não Q outro, que foi votado no mesmo dia e que se referia à PSP. E por que -é que não veio o outro? Porque, entretanto, o Ministério da Administração Interna mudou - e não só mudou de composição como mudou de opinião - e considerou que uma força de segurança com as características da PSP deveria ter um sindicato. Ora, como o diploma que estava aqui em discussão, relativo à PSP, não configurava a existência de um sindicato, esse diploma está pendente na comissão à espera que o Ministério entregue a proposta de lei de constituição do sindicato, prometida para Abril passado! 15to faz parte da lista das promessas incumpridas.
Ora, esta alteração torna este artigo particularmente obsoleto e discutível. Porquê? Porque a Polícia Marítima é qualificada exactamente nos mesmos termos em que o é a PSP - e não diga o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares coisa diferente. porque é rigorosamente verdade! -. a caracterização e as atribuições são decalcadas da Lei n.º 619O.
O que é diferente neste artigo 5.º é uma disposição surrealista, o seu n.º 6. que diz: «As associações profissionais legalmente constituídas prosseguem fins diversos das associações de natureza sindical ». Esta disposição. que fez as delícias do Sr. Deputado Carlos Encarnação, que se «rebolou» aqui de gozo, pela sua existência, é completamente insustentável neste quadro.
Assim sendo, as propostas de alteração que apresento são muito simples: uina. para eliminar este n.º 6 do artigo 5.º - aliás, ele contém uma segunda parte, relativa ao recurso à greve, que não tem qualquer autonomia. visto que a alínea i) do artigo 6.º já faz essa proibição do exercício do direito à greve. pelo que aqui não é necessária esta referência: mas, se quiserem manter a parte relativa à greve, ela pode Ficar. o que é necessário é eliminar a outra que diz que são associações profissionais que prosseguem fins diversos das associações de natureza sindical -. e. outra, para alterar o n.º l do artigo 5.º, por forma a configurar a natureza de associações sindicais para estas associações. Este é o objectivo das propostas de alteração.
Porém, não quero deixar de salientar um ponto essencial: existe, hoje, na Polícia Marítima, uma associação sócio-profissional da Polícia Marítima, que tem actuação e prossegue fins de natureza sindical. Assim, pergunto aos Srs. Deputados se não é preferível, neste quadro e por questão de cautela, caso não aceitem a proposta de alteração do n.º l do artigo 5.º, eliminar-se, ao menos, o n.º 6. que é perfeitamente inútil - até porque, com disposições semelhantes, a PSP também não tem sindicato -. e que tem a tal interpretação capciosa que faz «rebolar» de gozo o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. vamos, então, começar - suponho que bem - pela votação da proposta de alteração, apresentada pelo PCP, do n.º l do artigo 5.º.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não quer começar já por este artigo? Quer a votação artigo a artigo?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas não é por eu não querer. É que há uma ordem de votação.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Desde que haja consenso, no sentido de se fazer...

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, se quer o meu consenso, tem de me explicar para quê.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, era para poupar tempo, mas, se acha que não é possível, vamos gastá-lo todo. Não vale a pena discutirmos mais este assunto.
Assim sendo, Srs. Deputados, vamos votar, na especialidade, artigo a artigo, a proposta de lei n.º 128/VII Estabelece o regime de exercício de direitos do pessoal da Polícia Marítima.

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Vamos votar o artigo l.º.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo l.º.

Caracterização

A Polícia Marítima, designada abreviadamente pela sigla «PM», tem por funções garantir e fiscalizar o cumprimento da lei nas áreas de jurisdição do Sistema de Autoridade Marítima, com vista, nomeadamente, a preservar a regularidade das actividades marítimas e a segurança e os direitos dos cidadãos, e constitui uma força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao Sistema de Autoridade Marítima, hierarquicamente subordinada em todos os níveis da estrutura organizativa, nos termos do seu Estatuto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o artigo 2.º da proposta de lei n.º l28/VII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 2.º

Atribuições

Para além das atribuições próprias previstas, nos respectivos diplomas estatutários, compete à PM desempenhar, em situações de normalidade institucional, as missões decorrentes da legislação sobre segurança interna e, em situações de excepção, as resultantes da legislação sobre defesa na
cional e sobre estado de sítio e estado de emergência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o artigo 3.º da proposta de lei n.º l28/VII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Artigo 3.º

Direitos e deveres

O pessoal da PM goza dos direitos e está sujeito aos deveres previstos na lei geral para os funcionários e agentes da Administração Pública, salvo o disposto na presente lei e nos respectivos diplomas estatutários.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o
artigo 4.º da proposta de lei n.º 128/VII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Artigo 4.º

Isenção

O pessoal da PM está exclusivamente ao serviço do interesse público e. no desempenho das suas funções, deve agir de forma rigorosamente isenta, não podendo servir se da sua qualidade. do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção de carácter político ou partidário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação ao artigo 5.º. vamos, agora sim, votar as duas propostas de alteração, apresentadas pelo PCP.
Começamos pela votação da proposta de eliminação do n.º 6 do artigo 5.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de alteração do n.º l do artigo 5.º, subscrita pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

1 - O pessoal da PM em serviço efectivo tem direito a constituir associações profissionais de natureza sindical, de âmbito nacional, para promoção dos correspondentes interesses, nos termos da Constituição e da lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o artigo 5.º da proposta de lei n.º l28/VII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do PSD e abstenções do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 5.º

Direito de associação

l - O pessoal da PM em serviço efectivo tem direito a constituir associações profissionais de âmbito nacional para promoção dos correspondentes interesses, nos termos da Constituição e da presente lei.
2 - A constituição de associações profissionais, integradas exclusivamente por pessoal da PM em serviço efectivo, a aquisição de personalidade e capacidade jurídica, são reguladas pela lei geral.
3 - As associações profissionais gozam do direito de estabelecer relações com organizações internacionais que prossigam objectivos análogos.
4 - As associações profissionais legalmente constituídas têm direito a:

a) Representar, interna e externamente, os respectivos filiados na defesa dos seus interesses estatutários, sociais e deontológicos;

b) Tomar parte na definição do estatuto profissional e nas condições de exercício da actividade policial, incluindo as condições de trabalho e o sistema retributivo.

c) Exprimir opinião. junto das entidades competentes, sobre os assuntos que afectem o moral e o bem-estar do pessoal;

d) Formular propostas sobre o funcionamento dos serviços às autoridades competentes;

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e) Integrar comissões de estudo e grupos de trabalho constituídos para proceder à análise de assuntos de relevante interesse para a instituição;
f) Emitir pareceres sobre quaisquer assuntos de serviço, quando consultadas.

5 - Às associações profissionais legalmente constituídas é ainda reconhecido o direito de apresentar, em condições a regulamentar, candidaturas para três lugares de membros eleitos do Conselho da Polícia Marítima.
6 - As associações profissionais legalmente constituídas prosseguem fins diversos das associações de natureza sindical, não lhes sendo permitido. entre outros, decidir o recurso à greve.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. vamos votar o artigo 6.º da proposta de lei n.º l28/VII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 6.º

Restrições ao exercício de direitos

Para além do regime próprio relativo ao direito de associação, ao pessoal da PM em serviço efectivo é aplicável o seguinte regime de restrições ao exercício dos direitos de expressão, de manifestação, de reunião e de petição, não lhes sendo permitido:

a) Fazer declarações que afectem a subordinação da PM à legalidade democrática, a sua isenção política e partidária, a coesão e o prestígio dá instituição, a dependência institucional perante os órgãos de governo ou que violem o princípio da disciplina e da hierarquia de comando;
b) Fazer declarações sobre matérias de que tomem conhecimento no exercício das suas funções e sejam susceptíveis de constituir segredo de Estado ou de Justiça ou respeitem a assuntos relativos ao dispositivo ou à actividade operacional da PM ou das Forças Armadas e das demais forças de segurança, classificados de reservado ou superior, salvo, quanto aos assuntos específicos da PM. quando autorizados pela entidade hierarquicamente competente;
c) Convocar reuniões ou manifestações de carácter político, partidário ou sindical ou que, de qualquer forma, ultrapassem o âmbito das atribuições e competência, das associações profissionais respectivas:
d) Participar em reuniões ou manifestações de carácter político, partidário ou sindical, excepto se trajar civilmente e, tratando-se de acto público, Integrar a mesa, usar da palavra ou exibir qualquer tipo de mensagem;
e) Exercer o direito de reunião, salvo por convocação das respectivas associações profissionais e desde que o tratamento de assuntos se enquadre no âmbito das suas atribuições e competências;
f) Ser filiado em quaisquer associações nacionais de natureza sindical:
g) Apresentar, sobre assuntos respeitantes à PM, antes de esgotada a via hierárquica, petições colectivas dirigidas a órgãos de protecção dos direitos fundamentais, sem prejuízo do direito individual de queixa ao Provedor de Justiça e da sua legitimidade activa nos demais meios de impugnação administrativa e jurisdicional, nos termos da lei;
h) Divulgar quaisquer petições sobre matéria que tenha sido classificada, pela entidade hierarquicamente competente, com o grau de reservado ou superior, ou que seja susceptível de recair no âmbito das matérias da alínea b) supra.
i) Exercer o direito à greve ou quaisquer opções substitutivas susceptíveis de prejudicarem o exercício normal e eficaz das missões da PM, bem como a sua coesão e disciplina.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. vamos votar o artigo 7.º da proposta de lei n.º l28/VII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 7.º

Disposição Final

Sem prejuízo da entrada em vigor da presente lei e da produção dos efeitos nela previstos. o Governo regulará, no prazo de l80 dias, o exercício do direito de associação pelo pessoal da PM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. vamos agora proceder à votação final global da proposta de lei n.º l28/VII - Estabelece o regime de exercício de direitos do pessoal da Polícia Marítima.

Submetido à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, passamos à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º l40/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima (PM).

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação não tem a ver com o que V. Ex.ª acabou de anunciar mas, sim, com o pedido para registar a maioria constitucional requerida de dois terços, relativa, designadamente, às matérias que votámos no artigo 5.º da proposta de lei n.º l28/VII.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é evidente que, se eu disse que foi aprovado. é porque o foi com a maioria necessária; caso contrário, tinha dito que tinha sido rejeitado. Mas, está bem, fica registada essa especificação.
Srs. Deputados, vamos votar, na especialidade. a proposta de lei n.º l40/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima (PM). começando pelo seu artigo 1.º.

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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Artigo l.º

Objecto

1 - É concedida ao Governo autorização para aprovar o regulamento disciplinar da Polícia Marítima (PM), dispondo sobre responsabilidade disciplinar, infracções e penas, estabelecendo as normas materiais e procedimentais respectivas e dos procedimentos especiais de averiguações, de inquérito e de sindicância e abandono do lugar, determinando o regime de classes de comportamento, de recompensas e de reabilitação. e estabelecendo ainda as regras relativas à constituição, competências e funcionamento do Conselho da Polícia Marítima.
2 - 0 Governo é também autorizado a estabelecer o regime transitório que regulará os procedimentos pendentes à data da entrada em vigor do regulamento disciplinar da PM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o artigo 2.º da proposta de lei n.º l40/VII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 2.º

Sentido e extensão

1 - A presente autorização, em matéria de responsabilidade disciplinar, infracções e penas, tem o sentido e a extensão seguintes:

a) Determinar os princípios gerais da responsabilidade disciplinar, cometendo aos respectivos superiores hierárquicos dos agentes da PM a titularidade do poder disciplinar;
b) Estabelecer o elenco necessário de deveres do pessoal da PM, indispensável ao integral e eficiente cumprimento das suas atribuições;
c) Determinar as penas disciplinares e especificar os seus efeitos, dentro do âmbito de penas compreendido entre a repreensão oral e a demissão, bem como as sanções acessórias, prevendo ainda a possibilidade de cessação da comissão de serviço como pena aplicável ao pessoal dirigente;
d) Adaptação do regime de penas estabelecido para o pessoal da PM em situação de pré-aposentação. aposentação e licença de longa duração;
e) Estabelecer as regras sobre aplicação e graduação das penas, no sentido de fazer corresponder proporcionalmente a pena aplicada à gravidade da infracção cometida,
j) Determinar as circunstâncias dirimentes, atenuantes e agravantes da responsabilidade disciplinar, de forma a garantir uma adequada dimensão da medida concreta da pena aplicada e;
g) Consagrar as regras sobre extinção da responsabilidade disciplinar, determinando as respectivas formas e meios de extinção.

2 - A presente autorização, em matéria de normas do procedimento disciplinar, tem o sentido e a extensão seguintes:

a) Estabelecer os princípios gerais do procedimento
disciplinar, nomeadamente a obrigatoriedade de
audiência do arguido, a unidade do procedimento, a sua natureza secreta e a possibilidade de constituição de advogado;
b) Consagrar as regras de tramitação procedimental, facultando ao ar instrutora do procedimento, e estabelecendo um
regime de recursos das decisões disciplinares e;
c) Possibilitar a previsão de medidas cautelares, englobando a permissão de insusceptibilidade da sua suspensão por efeito de interposição de
impugnações administrativas, por forma a permitir o bom funcionamento do serviço na pendência do procedimento disciplinar.

3 - A presente autorização, em matéria de procedimentos de averiguação, inquérito e sindicância e abandono de lugar, tem o sentido e a extensão seguintes:

a) Determinar a natureza especial do procedimento de averiguação, permitindo estabelecer regras procedimentais céleres para apurar se deve ser
instaurado um inquérito, uma sindicância ou um procedimento disciplinar;
b) Consagrar a natureza especial dos procedimentos de inquérito e sindicância, estabelecendo os princípios e regras de tramitação procedimental adequadas aos seus objectivos, nomeadamente o princípio da publicidade da sindicância e a natureza de crime de desobediência da recusa da sua publicação e;
c) Estabelecer a natureza especial do procedimento de abandono do lugar, determinando os princípios e regras procedimentais adequadas, tendo em conta a especificidade da situação em causa.

4 - A presente autorização legislativa, em matéria de classes de comportamento, recompensas e reabilitação, tem o sentido e a extensão seguintes:

a) Consagrar um sistema de classes de comportamento, de forma a que se estabeleçam níveis de comportamento em função do tempo de serviço, das punições e das recompensas;
b) Estabelecer um regime de recompensas que compreenda a caracterização dos diferentes tipos, estabelecendo as condições da sua atribuição e os seus efeitos, de modo a premiar os actos de relevo social e profissional dos agentes da PM e;
c) Regular a reabilitação dos agentes condenados a penas não expulsivas, bem como a respectiva tramitação, determinando os seus pressupostos e efeitos, no sentido de autonomizar a reabilitação da revisão do procedimento disciplinar.

5 - A presente autorização legislativa, em matéria de constituição, competências e funcionamento do Conselho da Polícia Marítima, tem o sentido e a extensão seguintes:

a) Determinar a sua natureza meramente consultiva.
em matéria de justiça e disciplina;

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b) Estabelecer a adequada composição do Conselho da Polícia Marítima, para efeitos de pronúncia em matérias de justiça e disciplina, com vista ao exercício das competências que lhe são atribuídas;
c) Especificar, no âmbito das matérias de justiça e
disciplina, quais as suas competências e;
d) Determinar as regras do seu funcionamento.

6 - A presente autorização legislativa, em matéria de direito transitório para os procedimentos pendentes à data da entrada em vigor do regulamento disciplinar da PM, envolve a determinação do direito material e procedimental que lhes é aplicável, implicando, no primeiro caso, relativamente às normas sobre deveres, infracções, penas e medidas disciplinares, a aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar uma proposta de aditamento de um novo artigo, o artigo 2.º-A, subscrita pelo PCP.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

É a seguinte:

Artigo 2.º-A

O estatuto disciplinar aprovado ao abrigo da presente autorização legislativa é aplicável, com as devidas adaptações, às restante classes de profissionais a que se refere o Acórdão n.º 308/90, do Tribunal Constitucional, que declarou inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 282/76, de 20 de Abril, com a implicação de que as normas de disciplina militar deixassem de ser aplicáveis ao pessoal do Quadro de Pessoal Militarizado da Marinha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o artigo 3.º da proposta de lei n.º l40/VII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Artigo 3.º

Duração

A autorização concedida por esta lei tem a duração de 180 dias, contados a partir da sua entrada em vigor.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o artigo 4.º da proposta de lei n.º 140/VII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º l40/VII Autoriza o Governo a aprovar o Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima (PM).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos agora apreciar e votar, na especialidade, o projecto de lei n.º 520/VII - Altera a Lei n.º 7193, de l de Março (Estatuto dos Deputados) (Os Verdes).
Relativamente a este projecto de lei, há uma proposta de eliminação do seu artigo 2.º, apresentada por Os Verdes.

A Sr.º Isabel Castro (Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de eliminação, que é apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, resulta de uma chamada de atenção para o facto de o gozo da licença por maternidade ou paternidade não dever implicar a supressão da justificação de faltas dadas por motivos relativos à mesma. Portanto, foi consensual para nós que esta devia ser uma alteração a introduzir. Daí, a eliminação deste artigo e daí também, caso esta eliminação seja aprovada por unanimidade, não haver lugar à votação deste artigo 2.º.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar a proposta de eliminação, apresentada pelo Partido Ecologista Os Verdes, do artigo 2.º do projecto de lei n.º 52/VII.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora votar o artigo 1.º do projecto de lei n.º 520/VII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Artigo l.º

1 - É aditada uma nova alínea ao n.º 2 do artigo 5.º da Lei 7193, de l de Março, que passa a ter a seguinte redacção:

«2 - (...)

a) (...)
b) Exercício da licença de maternidade e paternidade,
c) (actual alínea b));
d) (actual alínea c));
e) (actual alínea d)).

2 - É aditado um novo número ao artigo 5.º da Lei n.º 7193, de 1 de Março:

4 - A substituição temporária do Deputado, quando se fundamente em licença por maternidade ou paternida-

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de, não implica a cessação do processamento da remuneração, nem a perda da contagem de tempo de serviço.
5 - (actual n.º 4).
6 - (actual n.º 5).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o artigo 3.º do projecto de lei n.º 520/VII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Artigo 3.º

É aditada uma nova alínea ao n.º 1 do artigo l5.º, que passa a ter a seguinte redacção:

1 - (...).

a) (...);
b) (...);
c) (...);
d) (...);
e) (...);
f) Os previstos na legislação sobre protecção à maternidade e à paternidade;
g) (actual alínea f));
h) (actual alínea g)).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação a este projecto de lei, há ainda uma proposta de aditamento de dois novos artigos, artigos 4.º e 5.º, subscrita por todos os grupos parlamentares.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de alteração, que foi subscrita por todos os grupos parlamentares, adita dois novos artigos: um, tem a ver com a retroactividade e, outro, com a entrada em vigor da nova lei que se propõe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, pois, votar a proposta de aditamento, apresentada por todos os partidos, de um artigo 4.º a este projecto de lei n.º 520/VII.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

Artigo 4.º

(Retroactividade)

l - O disposto no presente diploma é aplicável às situações anteriores à sua entrada em vigor, desde que verificadas na legislatura vigente.
2 - O previsto no número anterior reporta-se exclusivamente às situações em que ocorreu suspensão de mandato.

O Sr. Presidente: - Vamos votar agora a proposta de aditamento, apresentada por todos os partidos, de um artigo 5.º a este mesmo projecto de lei.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

Artigo 5.º

(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado para o ano económico de l999.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do projecto de lei n.º 520/VII - Altera a Lei n.º 7/93, de l de Março (Estatuto dos Deputados) (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos passar à votação, na especialidade, do texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n.º l80/VII - Estabelece o regime financeiro das autarquias locais e aos projectos de lei n.ºs 328/VII - Lei das Finanças Locais (PSD), 367/VII Finanças Locais (PCP) e 369/VII - Lei das Finanças Locais (CDS-PP).
Relativamente a esta matéria, deu entrada na Mesa um requerimento de avocação a Plenário, apresentado pelo PS, dos artigos l2.º. 16.º, l9.º e 24.º do texto final relativo aos projectos de lei n.ºs 328/VII, 367/VII e 369/VII e à proposta de lei n.º l80/VII, requerimento este que, como sabem, tem de ser votado em primeiro lugar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, é para requerer que seja adiada para amanhã a votação desta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há oposição a este requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira?
Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, é para perguntar se há garantia de que esta votação, a ser adiada, será efectuada amanhã.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é evidente que sim!
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, é só para dizer que o PSD está em condições de votar. De mais a mais, o que está em causa no texto final apresentado pela Comissão é a proposta de lei. No entanto, não será o PSD a inviabilizar o adiamento desta votação para amanhã.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Verifico que o Sr. Deputado Luís Queiró indica que o CDS-PP também não se opõe ao adiamento desta votação para o fim dos trabalhos de amanhã, pelo que assim se fará.
Srs. Deputados, vamos, pois, passar à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, relativo à proposta de lei n.º ll4/VII - Aprova o estatuto das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento.

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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Passamos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 64/VII - Regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, é para anunciar que, amanhã, o PSD entregará uma declaração de voto sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Fica registado.
Srs. Deputados, passamos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 399/VII - Divórcio por mútuo consentimento e divórcio litigioso (alteração de requisitos) (PS).
Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para solicitar que a votação seja efectuada artigo a artigo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos perante um texto final. Só poderíamos votar artigo a artigo se tivesse sido requerida a avocação. Como não o foi, não posso satisfazer o seu pedido.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, então, votamos o texto final.

O Sr. Presidente: - Muito bem.
Vamos, então, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do projecto de lei n.º 399/VII - Divórcio por mútuo consentimento e divórcio litigioso (alteração de requisitos) (PS).

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes, votos contra do CDS-PP e a abstenção do PSD.

Vamos proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º l60/VII - Altera o Código Penal e aos projectos de lei n.ºs 221/VII - Altera o regime de liberdade condicional (PSD), 385/VII - Introduz alterações na legislação penal, em particular no respeitante aos crimes sexuais contra menores e aos crimes contra a liberdade de circulação (PSD) e 403/VII - Altera disposições do Código Penal relativas ao princípio da extraterritorial idade, ao abuso sexual de menores, outros crimes sexuais e à liberdade de imprensa, e adita disposições relativas a ilícitos penais laborais (PCP).
Entretanto, deu entrada na Mesa, apresentado pelo PSD, um requerimento de avocação a Plenário da votação na especialidade das propostas de alteração relativas à proposta de lei n.º 160/VII, que visam alterar a redacção dos artigos 288.º e 290.º do Código Penal.
Vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para discussão das propostas, por 5 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, creio que me chegam 2 minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, muito obrigado pela redução.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, quero dar conta das razões que levaram o PSD a requerer a avocação a Plenário das matérias respeitantes aos artigos 288.º e 290.º do Código Penal, que tratam, como VV. Ex.ªs sabem, da criminalização dos atentados à liberdade de circulação ou à segurança de transporte por ar, água ou caminho de ferro e do atentado à liberdade de circulação ou à segurança de transporte rodoviário, respectivamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria, estamos a ser coerentes com o que defendemos no Plenário da Assembleia da República quando, como se recordam, o então Ministro da Administração Interna, Alberto Costa, aqui veio apresentar um conjunto de alterações em relação a estas e outras matérias.
Dissemos então, expressamente, que o Governo tinha a nossa concordância para legislar neste sentido e com este conteúdo. O que se passou a seguir foi que o Governo recuou...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O que é grave!

O Orador: - ... com receio daquela acusação tremendista feita por um Deputado do Partido Comunista que classificou aquela proposta como sendo de continuação do "código da ponte".
Nestas matérias, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é bom invocar e recordar o que então se disse.
O Ministro da Administração Interna e o Governo disseram, na altura, neste Plenário, que não recuariam em relação a questões de princípio, que consideravam que estas eram questões essenciais que era preciso garantir, que estavam em causa matérias que tinham consagração constitucional, matérias que tinham a ver com a autoridade do Estado.
Portanto, nesta ocasião, nós não queríamos deixar de dar mais uma oportunidade ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista de ser consequente com o que, antes, afirmou neste Plenário.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, para o que dispõe de tempo igual ao do Sr. Deputado Miguel Macedo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria, o PSD quer tomar dores alheias - e dores que, se calhar, até já desapareceram - como dores próprias e vem agora pugnar por uma proposta que saiu da proposta de lei de alteração ao Código Penal ....

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Saiu mal!

A Oradora: - ... se calhar, desejando até que fosse retroactiva!

Risos do PCP.

Mas, de facto, em devido tempo, nós assinalámos que os artigos cuja alteração vinha proposta na primeira versão da proposta de lei configuravam uma coisa muito grave que não era um direito penal da culpa - como deve ser o Direito Penal - mas, sim, um direito penal de segurança do Estado. Por isso, consideramos grave que, agora, o PSD venha retomar uma proposta que o Governo parece ter esquecido.

Vozes do PSD: - Não esqueceu, não!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, a quem peço a mesma contenção, se for possível.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência de um longo debate, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias chegou a alargadíssimos consensos em matéria de reforma penal. Eu gostaria, em nome do meu grupo parlamentar, de saudar esse facto.
Foi um longo trabalho, ouvimos muitas entidades. Tivemos ocasião, com o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Secretário de Estado da Justiça, de examinar, uma a uma, as propostas apresentadas pelos diversos partidos e de chegar a melhorias concretas em numerosos aspectos do articulado que o Governo tinha apresentado, aliás, há muitos meses, designadamente - permitam-me que o sublinhe - os que dizem respeito ao que poderíamos chamar as «partes mais fracas», isto é, as mulheres, as pessoas idosas, nomeadamente as que são vítimas de maus tratos. Essas soluções foram conseguidas por largo consenso e congratulamo-nos com isso.
Algumas contribuições de partidos da oposição foram incorporadas neste articulado e é muito interessante que, a esta hora, o PSD só tenha uma proposta que, por acaso, não o é.
Em 1997, quando o Governo apresentou uma determinada solução legislativa, o PSD disse «Não! Nada disso!» e rejeitou essa solução legislativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - No ano seguinte, o Governo separou essa proposta e o PSD disse «O Governo quer a? Então, nós queremos exactamente o contrário!» e - pimba! - apresentou o contrário.

Risos.

Agora, como nós retirámos a proposta, o PSD já quer o contrário. O PSD quer sempre o contrário do contrário do contrário do que quer que seja!
É ridículo, Srs. Deputados, e é uma política penal de «moeda ao ar»: «0 que é que o Governo quer? Quer «caras»? Então, queremos «coroas»!»...

Risos.

É uma maneira triste de lidar... Portanto, vamos votar contra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer uma intervenção bem mais serena do que a que fez o Sr. Deputado José Magalhães...

Vozes do PS: - Oh!...

O Orador: - ... e, sobretudo, mais verdadeira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se o Sr. Deputado quiser consultar já agora acompanhado por todos os que o aplaudiram os Diários da Assembleia da República em que aqui se discutiu essa matéria, verificará que o PSD foi muito claro em dizer que apoiava esta proposta do Governo, mas que não estava de acordo com o resto das propostas contidas na proposta de lei que o Governo então aqui trouxe...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é que é a verdade!

O Orador: - Portanto, V. Ex.ª não tem legitimidade alguma, porque não está a ser verdadeiro naquilo que acabou de afirmar, para acusar o PSD de ter mudado de posição em relação a esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, a coerência é uma coisa muito bonita...

Vozes do PS: - Oh!...

O Orador: - ... e o que nós estamos a fazer é a apelar para que VV. Ex.ªs sejam coerentes com aquilo que disseram nesta Assembleia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer que vamos votar contra as propostas de alteração que o PSD apresentou e que vamos votar a favor, na votação final global, do texto elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Em todo o caso, gostaria de lamentar que não tivesse havido abertura de espécie alguma por parte do Grupo Parlamentar do PS em relação a propostas que o PCP apresentou relativas à criminalização dos acidentes dolosos de trabalho e à exploração do trabalho infantil.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Lembro que falou-se aqui de um outro projecto de lei sobre o assunto, mas convirá recordar, mais

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uma vez, que o PS votou contra as propostas de alteração apresentado pelo PCP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então passar à votação da proposta de alteração, apresentada pelo PSD, do artigo 288.º do Código Penal, constante da proposta de lei n.º 160/VII.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 288.º

(Atentado à liberdade de circulação ou à segurança de transporte por ar, água ou caminho-de-ferro)

1 - Quem impedir a livre circulação ou atentar contra a segurança de transporte por ar, água ou caminho-de-ferro:

a)(...)
b)(...)
c)(...)
d)(...)

é punido com pena de prisão até cinco anos.
2 - Quem, através de um dos factos referidos no número anterior, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 3 a l0 anos.
3 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão de l a 8 anos.»

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta, apresentada pelo PSD, de alteração ao artigo 290.º do Código Penal, constante da proposta de lei n.º 160/VII.

Submetida a votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 290.º

(Atentado à liberdade de circulação ou à segurança de transporte rodoviário)

1 - Quem impedir a livre circulação ou atentar contra a segurança de transporte rodoviário:

a)(...)
b)(...)
c)(...)
d)(...)

é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - Quem, através de um dos factos referidos no número anterior, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de l a 8 anos.
3 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.»

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 160/VII - Altera o Código Penal e aos projectos de lei n.º 221/VII - Altera o regime de liberdade condicional (PSD), 385/VII - Introduz alterações na legislação penal, em particular no respeitante aos crimes sexuais contra menores e aos crimes contra a liberdade de circulação (PSD) e 403/VII - Altera disposições do Código Penal relativas ao princípio da extraterritorialidade, ao abuso sexual de menores, outros crimes sexuais e à liberdade de imprensa, e adita disposições relativas a ilícitos penais laborais (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com , votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, relativamente à proposta de lei n.º 113/VII - Estatuto do Ministério Público, deu entrada na Mesa um requerimento de avocação a Plenário, apresentado pelo PSD, dos artigos 3.º, 10.º, 19.º, 37.º, 44.º, 46.º, 47.º, 56.º, 58.º e 90.º, relativamente aos quais o PSD apresentou propostas de alteração.
Srs. Deputados, vamos votar este requerimento de avocação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, para justificar a apresentação das propostas, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr Presidente e Srs. Deputados, este requerimento de avocação tem uma razão de ser: trata-se de unia lei fundamental quanto à arquitectura do Estado de direito democrático e o que está em causa é, no fundo, uma lei orgânica do Ministério Público em que, de acordo com o que dissemos aquando da discussão na generalidade deste diploma, se manifesta uma grande concentração de poderes no Ministério Público.
O PSD teve o cuidado de dizer que esta proposta de lei havia sido apresentada sem ter em conta a revisão constitucional. Felizmente, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias isso foi reconhecido, quer pelo Governo, quer pela bancada do Partido Socialista, e foi possível introduzir algumas coisas em consonância com o texto constitucional -, embora outras, no entender da bancada do PSD, não tenham reflexo neste texto de lei ordinária.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que, em consonância com o espírito da revisão constitucional, apresentamos estas, alterações à proposta de lei do Governo
Em primeiro lugar, a ossatura do Ministério Público. Até agora, no fundo, há um tripé que está bem explícito no Código de Processo Penal: quem investiga não acusa e quem acusa não julga.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ora, o que se propõe de novo neste Estatuto é que o mesmo órgão, o Ministério Público, possa investigar e acusar simultaneamente e, mais e pior do que isso: possa investigar sem o mínimo de controlo externo, designadamente do juiz de instrução e isso é que, em nome das garantias e das liberdades do cidadão, não deve, via de regra, ser permitido. Pelo contrário, deve ser alterado no sentido de salvaguardar os direitos, liberdades e garantias da defesa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Daí que o PSD entenda que ao Ministério Público compete promover e cooperar em acções de prevenção criminal e, em consonância com este ponto, que altera logo no artigo 3.º, os artigos 46.º e 47.º, na parte relativa ao Departamento Central de Investigação e Acção Criminal. Devem ser as três normas coerentemente modificadas.
Trata-se de ver que se o Ministério Público quer ter poderes de prevenção criminal sozinho, sem ser em cooperação com a Polícia Judiciária, então tem de sujeitar-se a algum controlo, por mínimo que seja, da parte do juiz de instrução criminal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De outro modo, enquanto hoje a Polícia Judiciária pode investigar e tem o controlo do Ministério Público, se esta lei for aprovada no futuro o Ministério Público fará as investigações que quiser, quando quiser, contra quem quiser sem o mínimo controlo do juiz de instrução.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que não pode ser! ...

O Orador: - Isto no plano das garantias, liberdades e direitos dos cidadãos é grave, no espírito republicano e do Estado de direito democrático é gravíssimo, por isso o PSD propõe as alterações que sugere.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em consonância, o PSD entende que, nesta vertente funcional de polícia administrativa e de investigação. o Ministério Público deve estar sujeito minimamente ao Governo, ao Ministro da Justiça. Em que termos? Nos termos mínimos, simbólicos, mais do que reais, de o Ministério Público receber instruções de ordem genérica no âmbito da execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania. É o mínimo! É simbólico, mas é o mínimo real que se impõe, porque, nesta vertente, o Ministério Público passa a ser uma polícia administrativa no sentido verdadeiro, como é hoje a Polícia Judiciária.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Veremos, se não forem aprovadas as alterações propostas pelo PSD, qual vai ser o modelo de Polícia Judiciária que o Governo vai apresentar. Porque de três uma: ou a Polícia Judiciária não tem poderes nenhuns; ou, para manter alguns poderes, passa a ser a polícia do próprio Ministério Público ou, então, passa a haver conflitualidade permanente de concorrência de competências em que uns e outros vão reivindicar qual é o maior dos protagonistas.
E é também para esta prevenção de conflitualidade que o PSD aqui alerta. De facto, são modelos completamente diferentes os que estão em causa: o da actual proposta de lei e o emergente das alterações que o PSD propõe em nome das garantias, direitos e liberdades do cidadão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fim de uma discussão em que a Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos. Liberdades e Garantias teve ocasião de ouvir entidades várias cujas propostas foram examinadas uma a uma, o que tudo constará do respectivo relatório que será oportunamente publicado, o PSD viu reduzido o acervo crítico, em nome do qual quer. a todo o custo. votar contra o novo Estatuto do Ministério Público, àquilo que o Sr. Deputado Calvão e Silva acabou de tentar sintetizar.
Quem tiver ocasião de ler este Diário verificará que o Sr. Deputado Calvão e Silva tem grande dificuldade em imaginar quais as atribuições e competências do Ministério Público face a este diploma, porque navegou com uma insustentável ligeireza sobre o articulado, que foi aprovado na Comissão, e faccionou um articulado em que o Ministério Público teria poderes irrestritos, que não estaria sujeito a controlos e que exerceria acção penal arbitrariamente sem qualquer possibilidade de intervenção judicial correctora de eventuais discrepâncias em relação à Constituição e à lei.
Não é assim! Esse Ministério Público não existe nem por força da Constituição nem por força deste diploma! E o que é fantástico, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é que, ao fim de tantos meses, as propostas que o PSD tem em matéria de Estatuto do Ministério Público sejam este singelo e esquálido conjunto de folhas nas quais estão 10 redundâncias e um equívoco.
Não comentarei as 10 redundâncias, mas o equívoco, porque é sério e grave, esse, merece o meu comentário. O equívoco assenta nisto: a proposta de lei prevê que o Ministério Público exerça acções de prevenção criminal naqueles estritos casos em que legislação, aprovada aqui na Assembleia da República, na sequência de iniciativa do governo pretérito - e aqui reprovada depois disso e corrigida, segundo os ditames do Tribunal Constitucional -, está sujeita à fiscalização do Tribunal Constitucional.
Essa legislação é a que regula as acções de prevenção criminal em determinados casos, designadamente no branqueamento de capitais, corrupção e outros casos gravíssimos, tendo o Grupo Parlamentar do PS aditado h proposta de lei do Governo - que era clara! -, aquilo a que eu chamaria uma «super-fechadura», a qual diz que as acções são as previstas na lei - lei essa que, nenhuma dúvida há, foi aprovada na Assembleia da República por um consenso alargado.
Portanto, não há dúvida alguma de que o Ministério Público não faz inquéritos fora da lei ou com pré-intervenção do que quer que seja. 0 Ministério Público só exerce as suas competências nos termos estritos da lei, dizer o contrário é não só equívoco como desmemória do PSD numa matéria tão sensível como esta.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não resisto à tentação de percorrer as outras propostas apresentadas pelo PSD. Os senhores querem eliminar a menção ao Presidente da Assembleia da República nos casos em que a lei autoriza a consulta a pedir pareceres à Procuradoria-Geral da República - proposta bizarra e esquisita. Que mal vos move contra o Presidente da Assembleia da República, que a lei autoriza em certos casos a pedir pareceres?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores pisam essa proposta num artigo adiante e não querem que o Procurador-Geral da República tenha competência idêntica à de ministro e querem que ela se mantenha idêntica à dos directores-gerais. Os Srs. Deputados não esquecem nem aprendem, prosseguem a vossa Velha vindicta e continuam a escrever em função da história pretérita sem se curarem nem aprenderem com a evolução da História.
Depois, os senhores não querem que haja auditores e querem que seja mencionada a expressão «a solicitação do Ministro respectivo», mas a norma já diz que pode haver auditores e, então, para que é que querem, escrevendo mal e canhestramente, três vezes a mesma coisa - não vá o hermeneuta burro não perceber!? -, que conste da norma «a solicitação do Ministro»? Pois claro que será! Pode haver quer dizer que não tem de haver... Srs. Deputados, qualquer esculápio do Direito ensina isso...!
Depois, os senhores querem dizer que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) tem competências da prevenção... Ó Srs. Deputados é de prevenção criminal nos casos previstos na lei, como diz o artigo 47.º. n.º 3. e disso não há dúvida alguma.
Depois os senhores querem, ainda, que a Procuradoria-Geral da República apresente um relatório ao Parlamento e ao Governo sobre a evolução da criminalidade... Então, os Srs. Deputados não sabem que a Procuradoria-Geral da República edita anualmente o melhor relatório de análise da criminalidade disponível para consulta da Assembleia da República, para leitura dos cidadãos e, por último, até já está na Internet...

Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Sim. qualquer um pode aceder a ele!... Então, para que é que querem isto a não ser como uma redundância ou um acinte? Se é uma redundância não a queremos; se é acinte não consentimos!
É isto. Srs. Deputados! Tudo resumido, é isto! É em nome disto que o PSD vai votar contra o novo Estatuto do Ministério Público? Um Estatuto fiel à Constituição? Um Estatuto que encorpora as novidades da revisão constitucional? Um Estatuto que melhora os poderes do Ministério Público sempre com controlo dos juizes e dentro dos limites da legalidade democrática e para o combate ao crime e às suas causas?

Srs. Deputados do PSD, assumam a responsabilidade! É triste, mas é a vossa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, durante cinco minutos, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente. Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Srs. Deputados: Devo dizer que me surpreendo com os fervores do PSD em defesa do juiz de instrução. E surpreendo-me pelo seguinte - o actual Código de Processo Penal tem a ver com o Estatuto do Ministério Público e teve a oposição do PCP precisamente porque criava um modelo com o qual o PCP não eslava de acordo por não ter o Ministério Público meios técnicos e humanos para desempenhar todas as funções, criando-se, assim, o risco de policialização da investigação criminal. Assim, preferimos um modelo, como rezam as páginas do Diário da Assembleia da República, assente fundamentalmente no juiz de instrução e fomos nós que defendemos aqui esse modelo. Acontece que o Código está em vigor há uns anos. está, portanto, sedimentado um modelo e, perante esta situação, entendemos que estar a subverter as coisas não é a melhor maneira de ajudar a justiça, devendo ser reforçada a independência do Ministério Público para levar por diante as tarefas que a Constituição prescreve. Propusemos, por isso. no âmbito da revisão constitucional, um reforço da independência do Ministério Público, proposta que o PSD chumbou, preferindo agora um modelo de
governamentalização do Ministério Público, como decorreu das palavras do Sr. Deputado Calvão da Silva. Não queremos esse modelo porque queremos é um reforço da independência, que é bastante diferente.
Quando nos chegou este estatuto, levantámos algumas objecções em relação ao departamento aqui criado. Compreendemos, depois, que este departamento era importante no combate à criminalidade altamente organizada e compreendemos que este departamento era necessário para haver uma direcção da investigação criminal, efectuada pelo Ministério Público, porque ele tem de ter esta direcção que não pode ser deixada aos órgãos de policia criminal, sem qualquer controlo do Ministério Público.
Nós não concordamos, neste estatuto - mas não vai ser isso que vai inviabilizar o nosso voto favorável -, com a nomeação de elementos do Ministério Público para cargos importantíssimos através de comissões de serviço e nós votámos contra essas normas, porque, efectivamente, não concordámos com elas.
Também em relação às propostas aqui apresentadas pelo PSD, devo dizer que pasmo como é que os Srs. Deputados do PSD. depois de terem defendido um pré-inquérito, sem qualquer controlo do Ministério Público, apenas efectuado pelos órgãos de polícia criminal, venham aqui em relação a acções de prevenção criminal, levadas a cabo por um órgão que tem uma função constitucionalmente determinada, de defesa da legalidade democrática, exprimir uma desconfiança no sentido de essas acções de prevenção serem submetidas ao juiz de instrução, tanto mais estranho quanto é certo que, aquando da discussão do actual Código de Processo Penal. VV. Ex.ªs aprovaram que as acções de prevenção criminal dos órgãos de polícia criminal fossem submetidas ao Ministério Público e não ao juiz de instrução. De facto, não se entende a posição que o PSD agora toma face àquilo que defendeu no passado.

Entendemos que. em nome do combate à criminalidade, se justificam algumas das propostas do Governo, não todas como, por exemplo, as das comissões de serviço - e nisso não estamos de acordo, pois cremos que ha que reforçar á independência do Ministério Público e não governamentalizá-lo.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, O Sr. Deputado Calvão da Silva, no uso de três minutos que lhe foram cedidos pelo CDS-PP.

O Sr. Galvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, tal como eu fui compreensivo relativamente ao pedido que mie fez, também gostaria que pudesse ter alguma compreensão comigo em relação a esta intervenção.
Sr. Deputado José Magalhães, mais uma vez lhe digo que - e já tive ocasião de lhe dizer isso em sede de comissão - seria bom que o Sr. Deputado preservasse o rigor, a verdade e a isenção. O Sr. Deputado está habituado a falar, falar e dizer pouco e é coisa de que eu não gosto. Nós estamos sempre nos antípodas. O senhor fala e eu proeuro dizer alguma coisa.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é prosápia!

O Orador: - O que está em causa é muito simples...
Também não quero recordar a sua história, cada um tem a que merece.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - A sua é triste!

O Orador: - Sr. Deputado, vou repetir o que disse. Em primeiro lugar, a Constituição foi revista e o senhor não esquece isso nem pode esquecer. Na Constituição foi estabelecida uma coisa que o Sr. Deputado quer olvidar: que ao Ministério Público compete participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Goste ou não disso!

O Orador: - Daqui resulta uma coisa inequívoca: quem define a política criminal são os órgãos de soberania, não o Ministério Público.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - É óbvio'

O Orador: - Em consequência deste novo trecho da revisão constitucional temos de ser coerentes na lei ordinária. Daí que tivéssemos dito - e os senhores reconheceram-no só em sede de comissão, repetindo o que está na Constituição e que os senhores não queriam antes - que compete ao Ministério Público participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania.
Sr. Deputado, fica-lhe bem reconhecer aqui que esta disposição passou a constar da Constituição apenas por exigência do PSD, se não estaria lá. Em consequência disto, faz toda a lógica e coerência a alteração proposta pelo PSD aos três artigos seguintes. Primeiro, ao Ministério Público não cabem só por si as prevenções de acção criminal, sobretudo nos termos vagos em que o Sr. Deputado fala, não concretizando, nem a proposta do Governo o faz. Diz-se na proposta apenas o seguinte: «Compete ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal realizar, acções de prevenção relativamente aos seguintes crimes:..»

O Sr. José Magalhães (PS): - Nos termos da lei.
Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Agora não dou!

O Sr. José Magalhães (PS): - Está a ler a proposta inicial!

O Orador: - Estou! Mas eu leio-lhe o seguinte...
O Sr. Deputado disse que se acrescentou agora em sede de comissão a expressão «nos termos da lei». É isso, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é isso! Não leia isso, leia o texto final aprovado pela Comissão!

O Orador: - Não! Então eu vou dizer-lhe o que é, Sr. Deputado!
Vou ler para que toda a Câmara saiba o que nós propusemos para depois poder ajuizar.
Relativamente aos procedimentos a adoptar no âmbito das competências deste n.º 4 do artigo 47.º da proposta de lei que acabei de vos ler,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Enganou-se!

O Orador: - ... o PSD diz que estes «procedimentos terão de ser sempre documentados e não podem ofender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, devendo ser dados a conhecer num prazo não superior a oito dias ao juiz de instrução, que decidirá da sua cessação, condições de continuação ou conversão imediata em inquérito.» Se isto não é defender os direitos, liberdades e garantias do cidadão, então o que é Sr. Deputado?

Aplausos do PSD.

Tem medo disto, Sr. Deputado? Pensa que isto é contrariar a Constituição? Pensa que isto é contrariar o princípio da legalidade?
Quanto às instruções genéricas, mais uma vez lhe digo que não violam, em nada. o princípio da legalidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que termine.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O princípio da legalidade exige que qualquer instrução dada pelo Ministério da Justiça não seja individual e concreta e nem sequer interfira em qualquer acção criminal. Não é na acção criminal que as instruções genéricas interferem; é apenas no tal outro âmbito que a Constituição na nova revisão estipulou: «participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania.»

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E com isto não viola o princípio da legalidade; pelo contrário, sublinha que há órgãos de soberania legitimamente eleitos e que esses órgãos é que mandam, em nome do povo, para o povo e pelo povo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Magalhães, durante dois minutos cedidos por Os Verdes.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Calvão da Silva é como aquele mestre que queria dar uma aula de Direito das Obrigações e agarra num manual de Engenharia Mecânica e começa a falar de parafusos.

Risos.

O Sr. Deputado estava a ler o papel errado e nem se deu ao trabalho - porque é absurdo para quem quer dar uma aula tão magistral ter de ler os papéis. O verdadeiro mestre prescinde dos papéis, porque isso é para menores - de ler o texto que veio da Comissão onde se diz o seguinte: «compete ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal realizar as acções de prevenção previstas na lei relativamente ( ... )» ao «( ... ) branqueamento de capitais ( ... )», «(...) corrupção ( ... )», «(...) peculato (...)». Diz-se «as acções», essas só! O Sr. Deputado leu a versão anterior, onde isto não estava delimitado.
Mais ainda, Sr. Deputado: devo dizer-lhe que a nossa discussão na Comissão levou o Grupo Parlamentar do Partido Socialista a propor este aditamento. fomos nós. não foi V. Ex.ª. O Sr. Deputado está tribunício mas esquecido... Nós estamos como a formiga propondo e aprovando! Portanto, não se gabe de façanhas que não fez.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado queria dar-nos um presente envenenado - fará o que quiser mas não passa o filtro da atenção: V. Ex.ª queria que competisse ao Ministro da Justiça transmitir ao Procurador-Geral da República instruções genéricas no âmbito da participação do Ministério Público na execução da política criminal, criando, assim,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - VV. Ex.ªs é que não querem governar!

O Orador: - ... problemas colocados na revisão do Estatuto do Ministério Público protagonizada pelo Dr. Fernando Nogueira. Lembra-se quem era? O Ministro do PSD... Laborinho Lúcio. «Trrim-trrim...» Diz-lhe qualquer coisa?!

Risos do PS.

Foram eles, essas criaturas proscritas que devem ser apagadas das galerias dos neurónios da memória, que propuseram que deixasse de haver instruções.
V. Ex.», na sua esquisita vingança contra essa galeria de figuras de cera, queria agora reintroduzir as instruções. Dê-as às múmias, ao passado, a nós não!

Aplausos do P.

O Sr. Presidente. - Srs. Deputados, vamos iniciar a votação. na especialidade. dos artigos da proposta de lei n.º 113/VII - Lei Orgânica do Ministério Público, cuja avocação foi aprovada.
Vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, da alínea i) do n.º 1 do artigo 3.º. que é a seguinte: «promover e cooperar em acções de prevenção criminal».

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Por nós, podemos votar as propostas conjuntamente, mas não sei é se o PSD quer chumbá-las uma a uma!

Risos.

O Sr. Presidente: - Estamos a votar as propostas de alteração do PSD. Como é que ele pode querer chumbá-las uma a uma? Não estou a perceber! O melhor é votar as propostas de alteração uma a uma.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

o Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Penso que as propostas de alteração devem ser votadas uma a uma, o PS vai ter de assumir a sua responsabilidade uma a uma.

O Sr. Presidente: - Vamos então votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, da alínea i) do n.º 1 do artigo 3.º cujo teor é o seguinte:

Promover e cooperar em acções de prevenção criminal.

Submetida à votação foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, da alínea e) do artigo 10.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 10.º

e) Emitir pareceres nos casos de consulta previstos
na lei e a solicitação do Governo.

o Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, da alínea 1) do n.º 2 do artigo 12.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 12.º

1) Exercer sobre os funcionários dos serviços de apoio técnico e administrativo da Procuradoria-Geral da República e dos serviços que funcionam na dependência desta a competência que pertence aos directores-gerais.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, da alínea a) do artigo 37.º.

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Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e abstenções do CDS-PP.

Era a seguinte:

a) Emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou a solicitação do Governo.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, do n.º 1 do artigo 44.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 44.º

1 - Junto de cada Ministério e dos Ministros da República para as Regiões Autónomas pode haver, a solicitação do Ministro respectivo, um Procurador-Geral-Adjunto, com a categoria de auditor jurídico.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, do n.º 1 do artigo 46.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 46.º

1 - O Departamento Central de Investigação e Acção Penal é um órgão de coordenação e de direcção da investigação e da prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade.

o Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, dos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 47.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 47.º

2 - A alínea b) da proposta, com o seguinte acrescento: apresentando anualmente relatório circunstanciado à Assembleia da República e ao Governo.
3 - (...)
4 - Compete ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal cooperar em acções de prevenção relativamente aos seguintes crimes.
5 - Os procedimentos a adoptar no âmbito das competências a que se refere o número anterior são sempre documentados e não podem ofender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, devendo ser dado a conhecer, em prazo não superior a 8 dias, ao juiz de instrução, que decide da sua cessação, condições de continuação ou conversão imediata em inquérito.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de Artigo 37.º alteração, apresentada pelo PSD, da alínea f) do artigo 56.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 56.º

j) Fiscalizar a legalidade das penas e medidas de segurança e a observância dos respectivos prazos, bem como das medidas de internamento ou tratamento compulsivo, pedindo as informações e esclarecimentos que reputar necessários.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração apresentada pelo PSD à alínea j) do n.º 1 do artigo 58.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

1 - ( ... )

Artigo 58.º

1) Velar pela integridade das medidas restritivas da liberdade e observância dos respectivos prazos, bem como das medidas de internamento ou tratamento compulsivo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração apresentada pelo PSD à alínea a) do artigo 80.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 80.º

Compete ao Ministro da Justiça:

a) Transmitir ao Procurador-Geral da República instruções de ordem genérica no âmbito da participação do Ministério Público na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania e instruções de ordem específica nas acções cíveis e nos procedimentos tendentes à composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o texto final elaborado pela Comissão de Assuntos

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Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 113/VII - Estatuto do Ministério Público.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e com votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, passamos agora ao texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, da proposta de lei n.º 157/VII Altera o Código de Processo Penal -, ao qual foram apresentados dois requerimentos de avocação, um do PS e outro do PSD.
Vamos agora votar o requerimento de avocação do artigo 40.º, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, passamos à votação do requerimento de avocação dos artigos 86.º e 391.º-A, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de um aditamento ao artigo 40.º, apresentada pelo PS.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, gostava que os proponentes nos dessem uma justificação para o texto que apresentam, para saber se é a mesma que deram na Comissão e que era tão-só a de que a doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional era no sentido da proposta que foi agora apresentada.
Portanto, gostava de saber se a reincidência na proposta inicial, constante da proposta de lei, tem apenas por base essa razão ou se há outras razões susceptíveis de serem agora indicadas, porque na Comissão votámos de determinada maneira e se as razões invocadas forem as mesmas manteremos esse voto.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos: O artigo 40.º do Código de Processo Penal regula os impedimentos por participação em processo e diz que nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido.
Esta é uma regra saudável e nós queríamos acrescentar-lhe que ele fica também impedido nos processos «( ... ) em que tiver aplicado e posteriormente mantido a prisão preventiva do arguido».
Porquê? Este requisito é cumulativo, uma vez que diz «( ... ) em que tiver aplicado e posteriormente mantido a prisão preventiva ( ... )», na sequência de um acórdão do Tribunal Constitucional que considerou ser nestes casos de cumulação, de prisão por um lado e, depois, de manutenção da prisão, que se justificava o impedimento. Nos outros casos não se justifica o impedimento e, de resto, se o estabelecêssemos geraríamos graves problemas à própria
mecânica da Justiça e no processo de substituição dos juízes impedidos e, provavelmente, a necessidade de nomeação de um volume enorme de juízes por puro impedimento, que, depois, não teriam um volume de serviço correspondente ao fluxo normal processual.
Damos, assim, cumprimento estrito à jurisprudência do Tribunal Constitucional, sem a ampliar, o que poderíamos fazer, evidentemente, mas suscitando dificuldades de carácter prático inúteis.
As liberdades dos cidadãos em nada ficarão prejudicadas por este aditamento. que está, na estrita medida, decorrente da jurisprudência constitucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, a quem peço também, a máxima contenção.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputado Deputados: Esta alteração, que vinha já na proposta de lei apresentada pelo Governo...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não vinha na proposta de lei.

O Orador: - ... ou que foi aditada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, não satisfaz plenamente, como é óbvio, no domínio dos princípios. O juiz que interveio anteriormente na fixação de uma medida de prisão preventiva, ainda que não tenha tido qualquer intervenção posterior na confirmação dessa medida, deve estar impedido, no domínio dos princípios, de apreciar mais tarde, em sede de recurso ou de julgamento, a situação do arguido que foi objecto dessa medida.
No domínio dos princípios esta separação é inteiramente desejável e foi nesse sentido que propusemos uma solução diferente na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, mas estamos conscientes de que, infelizmente, não é possível na estrutura judicial actual, particularmente em comarcas mais pequenas, garantir um juiz de instrução específico para atender a estas situações. E, ao fim e ao cabo, foi por estar ciente desta situação que o Tribunal Constitucional foi moderado e ponderado na sua decisão.
Esperamos que, no futuro, seja possível garantir os princípios até ao fim. mas não podemos esquecer o pragmatismo da situação real em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas a solução é má.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta minha intervenção vai ser um lamento, porque, dada a crise existente na Justiça esta Assembleia - e não é só de agora - tem vindo a introduzir entorses nos princípios, o que lamento. Mas, por outro lado, como tenho também sentido de responsabilidade e conheço a máquina judiciária, quero assinalar que, já fora da Comissão, me foi explicado que aplicar aqui a pureza dos princípios - e essa era a solução que preferia - equivaleria a causar um caos acrescido à crise que já existe, porque teriam de ser nomeados muitos mais juízes de instrução que, depois, ficariam sem fazer quase nada.

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Perante isso, e dado que tal situação não leva a uma grande entorse mas apenas a um desrespeito pela pureza total - mas a pureza total é, às vezes, o contrário daquilo que se deve fazer -, o Grupo Parlamentar do PCP vai abster-se aquando da votação da proposta apresentada pelo Sr. Deputado José Magalhães, o que quer dizer que, efectivamente, recua em relação à defesa dessa pureza dos princípios, mas pensando que, na sequência da doutrina do Tribunal Constitucional, daí não resulta diminuição das garantias dos cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero só dizer, e deixar consignado, que esta questão não é assim tão leve quanto isso, nem se trata de uni purismo técnico ou de princípios. Trata-se, sim, de uma situação grave, que devia ser respeitada, e nós somos confrontados com uma situação que, de todo, não devia existir: há uma incapacidade, em termos humanos, de a magistratura poder responder adequadamente ao respeito e ao cumprimento de um princípio que nós, de forma alguma, deveríamos questionar.
De facto, é lamentável que, hoje, estejamos aqui nesta situação e, por isso, não vamos abster-nos. Mas cá estaremos para exigir ao Governo que faça o que tem de fazer e que crie as condições humanas para que os portugueses tenham condições de justiça minimamente aceitáveis.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar a proposta de um aditamento ao artigo 40.º, apresentada pelo PS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e abstenções do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Propõe-se que ao artigo 40.º seja aditado, in fine, o seguinte:
( ... ) ou em que tiver aplicado e posteriormente mantido a prisão preventiva do arguido».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à apreciação das propostas de alteração aos artigo 86.º e 391.º-A, apresentadas pelo PSD.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, a quem faço a recomendação do costume.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quando discutimos, na generalidade, a proposta de lei n.º 157/VII, que pretende' alterar o Código de Processo Penal, fomos muito claros ao dizer que não abdicaríamos de algumas matérias de princípio relativamente a esta reforma e que seriam mesmo decisivas para a nossa posição numa votação final global. E como já há pouco se deu conta relativamente à Lei Orgânica do Ministério Público, o Governo também não assumiu devidamente, nesta proposta de lei, as alterações à Constituição feitas na última revisão constitucional.
Refiro-me, concretamente, à matéria do segredo de justiça, que tem sido objecto das mais descaradas e inconsequentes violações. Do ponto de vista da responsabilização dos autores dessas violações e no sentido de pôr termo a esse escândalo e à violação de direitos fundamentais que ela muitas vezes envolve, constitucionalizou-se o segredo de Justiça. Está na parte dos direitos fundamentais. E discutível se ele próprio é um direito fundamental, mas será, seguramente, um instrumento importante à garantia do bom nome da protecção do cidadão.
E, nesta oportunidade, o mínimo que se poderia exigir era que o Código de Processo Penal retirasse dessa alteração as lições necessárias e que traduzisse, ria lei ordinária, esse princípio.
Foi nesse sentido, e para corrigir essa falha grave desta proposta de lei, que apresentámos uma alteração ao artigo 86.º,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... alteração que visa, designadamente nos casos excepcionais em que se pode permitir acesso ao processo ou em que se pode permitir a divulgação de elementos do processo, que isso seja feito com uma avaliação prévia da autoridade judicial, com uma avaliação prévia do juiz e não com uma avaliação, mesmo que ainda em fase de inquérito, por uma parte nesse processo: o Ministério Público.
Não faz qualquer sentido que, aqui, mais uma vez seja o Ministério Público, estando o processo na fase de inquérito, quem vá avaliar das circunstâncias em que se podem divulgar elementos do processo, em que se pode levantar o segredo de Justiça. Devia ser, tal qual acontece noutras circunstâncias em que estão em causa os direitos fundamentais, o juiz de instrução a avaliar e a decidir nesta matéria.
Mas também sabemos que o segredo de Justiça, que não é respeitado, tem um erro na sua formulação actual, que se mantém e persiste nas soluções que a proposta de lei n.º 157/VII apresenta, que é o seu limite temporal. Isso não faz sentido e, na nossa opinião, era preferível reduzir esse espaço de vigência do segredo de justiça com eficácia do que alargá-lo para além do termo do inquérito. Com estas aberturas todas, arbitrárias, a lei vai agora consagrar as violações que ocorreram até agora e que vão perpetuar-se, nalguns casos com a cobertura legal, quando a Constituição aponta exactamente em sentido contrário. E mais uma vez também, tal qual aconteceu com a Lei Orgânica do Ministério Público e com Reforma do Processo Penal, a nossa posição e a nossa intransigência são em prol dos princípios, são pela protecção dos cidadãos. Não vale a pena dizermos a cada passo que temos a Constituição que melhor garante o direito dos cidadãos e, depois, na lei ordinária, não lhe darmos a necessária tradução.

Aplausos do PSD.

Em relação ao artigo 390.º-A, que tem a ver com o processo abreviado, também aí entendemos - na linha, aliás, de soluções que o Direito Comparado regista -, que
esta fórmula de processo, mais célere e mais rápido, de via ser objecto de um diploma de iniciativa do Governo, que, naturalmente, o apresentaria a esta Assembleia, Governo que tem uma responsabilidade particular na política
criminal, que tem - e deve ter - o ajuizamento conjuntural dessa política e que deve ter formas e meios

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de tomar as medidas adequadas ao combate à criminalidade conforme a evolução que a própria sociedade registe nesse particular.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E é dentro dessa ideia de flexibilidade, é dentro dessa ideia de munir o Governo de meios e de responsabilizá-lo também no seu uso, que entendemos que o Governo deveria ficar habilitado a fixar em lei qual o tipo de crimes a que, pela sua relevância, deveria de ser adoptada, face aos requisitos que a lei fixasse, a possibilidade de se utilizar o processo abreviado, ou seja, a possibilidade de se exercer uma acção penal mais rápida e mais célere. O Governo não quis, porque o Governo não quer responsabilidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão, a quem peço a contenção possível.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero assinalar, rapidamente, o contraste entre as posições do Sr. Deputado Guilherme Silva, desde logo na abordagem do processo abreviado, que na proposta do PSD era apenas para ser um processo legislativo mais prolongado. E mais prolongado porque remete para uma lei especial, a definir a moldura penal, e os tipos legais de crimes a serem abrangidos pelo processo abreviado.
Primeiro aspecto: o PSD não é contra o processo abreviado, tanto que reconhece a sua utilidade.
Segundo aspecto: o PSD não foi capaz até ao momento de formular uma proposta alternativa, propõe uma lei especial; mas nós, pela nossa parte, fomos, Sr. Deputado, porque estivemos atentos ao decurso dos debates e, inclusivamente, encaixámos na proposta final um conjunto de soluções que vêm permitir, também pela possibilidade do debate instrutório, garantias reais ao arguido quando ele vier a requerer a realização desse mesmo debate instrutório. Ou seja, podemos conciliar o processo abreviado com garantias de defesa efectivas no processo.
Portanto, estamos em condições de votar favoravelmente o nosso texto e não considerar necessária a dilação que, mais uma vez, os Srs. Deputados vêm aqui sugerir, aliás, em nome de proposta nenhuma, porque não tiveram ocasião de formulá-la em concreto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao princípio do segredo de justiça, grande equívoco, Srs. Deputados do PSD! Há pouco, o Sr. Deputado José Magalhães dizia que os senhores se sentiam na necessidade de defender a «coroa» quando o Governo defendia a solução «cara», mas agora, até noto um outro contraste: os senhores, esta tarde, defendem «cara» e «coroa» relativamente às vossas próprias propostas.

Aplausos do PS.

Senão, vejamos: há pouco, queriam sugerir que houvesse competência do Governo para emanar instruções para o Ministério Público, designadamente afectando - e de que maneira! - o princípio de autonomia do Ministério Público.

Vozes do PSD: - Essa agora!...

O Orador: - Agora, o que vêm dizer é que o segredo de justiça deveria ser gerido no processo não pelo Ministério Público mas pela autoridade judicial. Ou seja, os senhores desconfiam, agora, do significado institucional da autonomia do Ministério Público e, há pouco, queriam acabar com ela. A vossa posição não se entende.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Essa agora! Essa é boa!...

O Orador: - Sobre o que os senhores deveriam meditar é que nós somos coerentes, defendemos a autonomia institucional do Ministério Público. Por isso, estamos, à vontade para continuar a preservar, nesse âmbito, a gestão do segredo de justiça, mas em concordância e em consonância com as regras do processo.
Isto porque o Sr. Deputado Guilherme Silva e os Srs. Deputados do PSD não vieram aqui por em causa que a direcção do inquérito compete institucionalmente ao Ministério Público.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Compete, sim!

O Orador: - Ora, se o senhores quisessem introduzir, nesta fase, um papel atribuído ao juiz de instrução criminal, - ele teria de ir avaliar as regras do inquisitório que nesse momento são tuteladas pelo Ministério Público. Já não era um juiz de instrução para salvaguardar direitos, liberdades e garantias, era um juiz de instrução em parceria com o Ministério Público para desenvolver os actos do próprio inquérito à luz do princípio do inquisitório.

O Sr. José Magalhães (PS): - Um absurdo!

O Orador: - Neste sentido, os Srs. Deputados não revelam uma compreensão adequada do papel no processo, nem do Ministério Público, nem do juiz de instrução criminal.
Depois, o que é que vêm invocar? Vêm invocar que o segredo de justiça passou a, ter consagração na Constituição. E em que termos, Srs. Deputados? Na Constituição, diz-se que o segredo de justiça deve ser regulado na lei. Isto é, o que a Constituição diz sobre essa matéria é uma cláusula constitucional de reserva de lei para nós o fazermos aqui de forma adequada.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E em que parte é que está? Na dos direitos, liberdades e garantias!

O Orador: - E como é que o fazemos de forma adequada, Srs. Deputados? Permitindo, designadamente, que seja o arguido, na fase facultativa da instrução, se a pedir, a solicitar a libertação do segredo de justiça.
O que é que os Srs. Deputados queriam impor à viva força? Que a libertação do segredo de justiça se fizesse mesmo contra a posição do arguido na fase em que o arguido pode merecer, no processo, uma especial protecção. Ou seja, a vossa compreensão do segredo de justiça não revela qualquer equilíbrio na própria ponderação de direitos fundamentais essenciais, razão por que - e em conclusão -, Srs. Deputados, as propostas que fizeram,

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para além de algumas serem meramente dilatórias, outras revelam da vossa parte uma insuficiência de compreensão pelos sujeitos processuais nas várias fases do processo criminal.
Como consequência, votaremos contra, porque é aquilo que os senhores merecem!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Quero pronunciar-me, muito rapidamente, sobre a proposta de aditamento de um novo artigo, o artigo 391.º-A, apresentada pelo PSD. Esta proposta é, de facto, uma verdadeira autorização legislativa mas sem sentido. É uma autorização legislativa quase em branco, porque os senhores não definem aqui quaisquer limites para o Governo saber dentro de que limites é que se move na definição dos crimes que podem ser objecto de processo abreviado. isto é quase um completo vácuo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma proposta de lei.

A Oradora: - Para quem tem passado esta tarde a falar dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, apresentar uma proposta destas, de forma a não se saber onde pararia o poder do Governo na definição desses crimes, Srs. Deputados, é preciso decoro!...

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para usar da palavra, o Sr. Deputado Guilherme Silva vai utilizar tempo cedido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP. Peço-lhe que seja o mais sucinto possível.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, vou começar por unia referência à Sr." Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não se apresentam propostas destas!...

O Orador: - Compreendo que ouvir os Srs. Deputados Jorge Lacão e José Magalhães cansa. V. Ex.ª revelou esse cansaço.

Risos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se o senhor quer dar uma piada aos Srs. Deputados do PS não se sirva de mim! Aliás, isso só revela falta de imaginação!

O Orador: - V. Ex.ª revelou esse cansaço!
O que está na nossa proposta é que o Governo - e tem de ser o Governo, porque é ele que tem de fazer essa avaliação - fará uma proposta de lei à Assembleia. Obviamente, isto é matéria da competência da Assembleia!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado falou em autorização legislativa!

O Orador: - Desculpe, mas ninguém falou em autorização legislativa. Leu mal ou ouviu mal! O Governo fará uma proposta de lei material à Assembleia com o elenco dos crimes que entender...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas está feita!

O Orador: - Sr.ª Deputada, a ideia é que o processo abreviado possa ter uma utilidade superior àquela que o Governo lhe quer dar, que é apenas por um escalão menor de um determinado tipo de crimes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, quer propor mais.

O Orador: - É a solução que a Itália tem, que permite que se sirva deste tipo de processo para combater, de forma mais rápida e célere, determinado tipo de criminalidade, independentemente da sua maior ou menor graduação. É esse o objectivo. Nada tem a ver com as autorizações legislativas, nada tem a ver com essa ideia.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não tem a ver com nada!

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, também não percebeu a nossa proposta e faz uma leitura extremamente superficial da revisão constitucional. Ou V. Ex.ª actuou com reserva mental na revisão constitucional ou, então, não me diga, ao referir-se que é nos termos da lei que será protegido o segredo de justiça e fazendo-se isso na parte dos direitos, liberdades e garantias, que a lei pode desrespeitar os direitos, liberdades e garantias.
É a lei que definirá, mas definirá inspirada no lugar onde o legislador constitucional, o legislador constituinte, puser a protecção ao segredo de justiça. É nesse sentido, Sr. Deputado, e não é a circunstância de caber ao Ministério Público e à direcção do inquérito que o impede, pelo contrário, é ainda por isso que se impõe que, quando se trata de avaliação e de protecção aos direitos, liberdades e garantias. deve intervir o juiz de instrução.
VV. Ex.ªs não querem que seja assim, de tal forma que propuseram nesta proposta de lei que fosse o Ministério Público a fixar as medidas de coacção meramente chanceladas pelo juiz.

O Sr. José Magalhães'(PS): - Mas eliminámos a proposta!

O Orador: - Mas era isto que VV. Ex.ªs propunham! E é também nessa mesma filosofia que VV. Ex.ªs não compreendem nem aceitam que, estando em causa o segredo de justiça e consequentemente garantias fundamentais, deve ser o juiz a avaliar do seu levantamento e da sua cessação pontual.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração ao artigo 86.º, relativo à proposta de lei n.º 157/VII, subscrita pelos Deputados do PSD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

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Era a seguinte:

Artigo 86.º

(Publicidade do processo e segredo de justiça)

1 - O processo penal é, sob pena de nulidade, público a partir do termo do inquérito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - O segredo de justiça não prejudica a prestação de esclarecimentos públicos, podendo a autoridade judicial autorizá-la ou ordená-la:
a) Quando necessários ao restabelecimento da verdade e sem prejuízo para a investigação, a pedido de pessoas publicamente postas em causa;
b) Excepcionalmente, nomeadamente em casos de especial repercussão pública, quando e na medida do estritamente necessário para a reposição da verdade sobre factos publicamente divulgados, para garantir a segurança de pessoas e bens e para evitar perturbação da tranquilidade pública.
3 - A publicidade do processo implica, nos termos definidos pela lei, e em especial, pelos artigos seguintes, os direitos de:
a) Assistência, pelo público em geral, à realização dos actos processuais:
b) Narração dos actos processuais, ou reprodução dos seus termos, pelos meios de comunicação social;
c) Consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele.
4 - A publicidade não abrange os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova. A autoridade judicial especifica, por despacho, oficiosamente ou a requerimento, os elementos relativamente aos quais se mantém o segredo de justiça, ordenando, se for caso disso, a sua destruição ou que sejam entregues à pessoa a que respeitam.
5 - 0 segredo de justiça vincula todos os participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de:
a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir;
b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.
6 - Pode, todavia, a autoridade judicial competente dar, ou ordenar, ou permitir que seja facultado a determinadas pessoas o acesso ao conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, se tal se afigurar conveniente ao esclarecimento da verdade.
7 - As pessoas referidas no número anterior ficam vinculadas pelo segredo de justiça.
8 - A autoridade judicial pode ainda autorizar ou ordenar a passagem de certidão em que seja dado conhecimento do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, desde que necessária a processo de natureza criminal ou à instrução de processo disciplinar de natureza pública, bem como à dedução de pedido de indemnização civil.
9 - Se o processo respeitar a acidente causado por veículo de circulação terrestre, a autoridade judicial autoriza a passagem de certidão:
a) Em que seja dado conhecimento de acto ou documento em segredo de justiça, para os fins previstos na última parte do número anterior e perante requerimento fundamentado no disposto no 72.º, n.º 1, alínea a);
b) Do auto de notícia do acidente levantado por entidade policial. para efeitos de composição extrajudicial de litígio em que seja interessada a entidade seguradora para a qual esteja transferida a responsabilidade civil.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento de um novo artigo 391.º-A da proposta de lei n.º 157/VII, apresentada pelo PSD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 391.º-A
(Quando tem lugar)

1 - O processo abreviado é aplicável ao julgamento dos crimes cuja moldura penal se contenha dentro de limites definidos por diploma legal específico.
2 - A lei referida no número anterior pode também estatuir a possibilidade de aplicação do processo abreviado ao julgamento de determinado tipo ou tipos de criminalidade, atendendo à especial necessidade social da celeridade na sua perseguição judicial.
3 - No caso dos crimes previstos nos números anteriores, o Ministério Público pode, se não tiverem decorrido mais de 60 dias desde a data em que o crime foi cometido e face ao auto de notícia ou realizado inquérito sumário que entenda bastante, deduzir acusação e requerer julgamento em processo abreviado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com a alteração que lhe foi introduzida pela proposta do Grupo Parlamentar do PS.

Submetido à votação. foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Vamos votar agora o texto Final, apresentado pela Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo ao projecto de lei ri." 40/VII Associações representativas dos municípios e das freguesias (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos votar o texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamen-

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votação. a menos que haja alguma razão relevante que seja
invocada perante o Plenário.

0 Sr. Presidente: - Talvez o Sr. Ministro queira dar
qualquer esclarecimento.
Tem a palavra. Sr. Ministro.

to Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n.º 86/VII e aos projectos de lei n.ºs 127/VII (PCP) e 320/VII (CDS-PP) - Lei-quadro das empresas municipais intermunicipais e regionais.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, quanto ao texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n.º 112/VII, que estabelece as bases da política de
ordenamento do território e do urbanismo, foi proposto o adiamento da sua votação para amanhã.
Vamos, então, passar ao texto final, apresentado também pela Comissão de Administração do Território, Po der Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à apreciação parlamentar n.º 43/VII - ...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Ministro, estou a acabar de ler.
... do Decreto-Lei n.º 327/97, de 26 de Novembro, que altera a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 280/94, de 5 de Novembro (Cria a Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo) (PSD).
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não pretendia interromper V. Ex.ª, mas o que queria dizer era relativo à votação anterior, porque não ficou claro se ficou acertado que a proposta de lei n.º 112/VII seria votada amanhã.

O Sr. Presidente: - Já tinha anunciado isso mesmo, Sr. Ministro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, relativamente à proposta de lei n.º 112/VII. V. Ex.ª deu conta de que havia consenso para que a votação tivesse lugar amanhã. Como ninguém perguntou a opinião do PSD, peço imensa desculpa, mas gostaria de saber como é que esse consenso foi obtido.

O Sr. Presidente: - É uma ideia que tenho na minha cabeça mas, se calhar, inventei-a...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, relativamente às finanças locais, a requerimento do PCP, obteve-se um consenso ainda há pouco para que a votação tivesse lugar amanhã, mas relativamente a todas as outras votações que constam do guião não foi feito qualquer pedido de consenso para haver derrapagem de votações para o dia de amanhã.

O Sr. Presidente: - Estamos perante um pedido do Governo, agradeço que os restantes grupos parlamentares se pronunciem.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, o PSD não vê qualquer razão para que não se proceda já à sua

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Coelho sabe que, a esta hora, a pergunta é sempre oportuna das razões por que se pedem adiamentos das votações. Dar-lhe-ei a resposta que, naturalmente. V. Ex.ª espera: é que o Governo deseja poder apreciar melhor o texto final, que foi ajustado, muito recentemente, na Comissão e que gostaríamos de ter em conta, visto tratar-se de uma proposta de lei do Governo. Como tal, é uma cortesia que, tradicionalmente, se usa nesta Câmara e que, estou certo, não suscitará dificuldades, sendo que já houve um pedido anterior neste sentido. Se não houvesse votações amanhã, não teria feito esse pedido. Como, há pouco, o PCP suscitou igual pedido em relação a uma outra proposta de lei do Governo, a relativa às finanças locais. aproveitei para, sabendo que amanhã haverá votações. fazer um pedido idêntico.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para uma pequeníssima interpelação em que pretendemos, apenas, registar que,. para a minha bancada, é muito curioso que o Governo, que não vota nesta Assembleia, que não participa no processo de votação final global, venha dizer que precisa de repensar a votação que não faz! É curioso que seja o Governo, e não o Partido Socialista, a pedir mais tempo para corrigir a votação que fez, pelos vistos mal, em comissão.
Sinceramente, é um registo que, aqui, deixo. O PSD está em condições de votar já.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica como registo, porque, se não for assim, não sei o que hei-de fazer à sua interpelação.

O Sr. Manuel Jorge Goes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Jorge Goes (PS): - Sr. Presidente, pretendo, apenas, dar um pequeno esclarecimento à Câmara para salientar, repondo a verdade, a total consonância entre as soluções que foram adoptadas em sede de comissão e a proposta de lei do Governo. As alternativas que foram propostas, foram-no por outros grupos parlamentares, à excepção do Grupo Parlamentar do PSD que, neste processo legislativo como noutros, tem uma posição contrária, sem a sustentar substantivamente. Gostava, apenas, que ficasse claro que, da parte dos Deputados do Grupo Parlamentar do PS que trabalharam neste processo legislativo, houve total e completa consonância com as posições políticas consubstanciadas na proposta do Governo.

Aplausos do PS.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, não há razões para adiar!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Nesta matéria, o seu grupo parlamentar é fiel!

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não podia deixar de falar na sequência da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, relembrando que aquilo que o Governo solicitou foi uma mera cortesia e que, portanto, era desnecessária a descortesia da sua intervenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - «Cortesias» é nas corridas de touros...!

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Estamos de acordo em que se vote amanhã esta matéria?

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, penso que este assunto já foi suficientemente discutido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tem V. Ex.ª toda a razão. Gostava só, para os efeitos jurídico-regimentais, de requerer formalmente que a votação tenha lugar amanhã. Parece que esse acto é necessário, gostava de fazê-lo.

O Sr. Presidente: - Se assim o exigem, tem que se votar esse requerimento.
Srs. Deputados, vamos, então, votar o requerimento apresentado pelo Partido Socialista, no sentido de que só amanhã se proceda à votação da proposta de lei n.º 112/VII - Estabelece as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos proceder, agora, à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo ao Decreto-Lei n.º 327/97, de 26 de Novembro, que altera a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 280/94, de 5 de Novembro - Cria a Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo [Apreciação parlamentar n.º 43/VII (PSD)].

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PS.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar V. Ex.ª e a Câmara que amanhã apresentaremos, na Mesa, uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, relativo à proposta de lei n.º 84/VII - Estabelece medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 176/VII - Altera a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos contra do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 163/VII, originária da Assembleia Legislativa Regional dos Açores - Segunda alteração ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos, agora, votar os projectos de resolução que hoje discutimos, começando pelo projecto de resolução n.º 89/VII, originário do PSD - Referendo relativo à regionalização.

Submetido à votação, foi rejeitado. com votos contra do PS, votos a favor do PSD e abstenções do CDS-PP do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do projecto de resolução n.º 93/VII, originário do PS - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, previsto no artigo 256.º da Constituição da República.
Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quanto a este projecto de resolução n.º 93/VII, do PS, pedimos a votação em separado do inciso relativo ao universo eleitoral, que está na alínea a) - «Cidadãos eleitores recenseados em território nacional».

O Sr. Presidente: - Suponho que não haja objecções a que assim se proceda. Vamos, portanto, votar em primeiro lugar e em separado a alínea a) - «Concorda com a instituição, em concreto, das regiões administrativas?»
Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, aquilo que tinha solicitado a V. Ex.ª era que votássemos em separado o inciso relativo à definição do universo. Portanto, a minha sugestão metodológica era que votássemos a alínea a) sem o inciso e, depois, votássemos o inciso.

O Sr. Presidente: - Vamos votar, em primeiro lugar, o conteúdo da alínea a), na parte que se não refere à pergunta, só a introdução da pergunta e não mais do que isso.

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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do PSD, do CDS-PP e da Deputada do PS Helena Roseta, e abstenções do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar V. Ex.ª e a Câmara de que apresentarei, na Mesa, uma declaração de voto escrita.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar V. Ex.ª e a Câmara de que, a par com o Sr. Deputado Afonso Candal, apresentarei, na Mesa, uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Vamos, então, proceder à votação da pergunta - «Concorda com a instituição, em concreto, das regiões administrativas?»

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP, o voto contra da Deputada do PS Helena Roseta e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Vamos, agora, proceder à votação de toda a alínea b).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP, o voto contra da Deputada do PS Helena Roseta e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queria anunciar que acaba de dar entrada na Mesa uma proposta de aditamento para contemplar uma questão que não estava equacionada em nenhum dos projectos de resolução, ou seja, como é que deve ser o boletim de voto destinado aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões autónomas. Esse boletim de voto, por definição, só deve ter uma pergunta, a pergunta de alcance nacional. Seria absurdo que tivesse uma qualquer segunda pergunta que só geraria boletins nulos, com certeza, ou, então, boletins validados burocraticamente, com grande confusão.
Já agora, Sr. Presidente, é melhor clarificar este assunto e, como tal, pedia a V. Ex.ª que a proposta fosse distribuída e lida.

O Sr. Presidente: - Visto que a proposta parece ser bastante simples, e se não houvesse inconveniente, eu procederia à leitura da mesma.

Proposta de aditamento de um n.º 2 ao projecto de resolução n.º 93/VII.

Propõe-se que ao texto do projecto de resolução em epígrafe seja aditado um n.º 2, passando o texto anterior a n.º 1, do seguinte teor:

«Os boletins de voto destinados aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das regiões autónomas só conterão a pergunta de alcance nacional, prevista na alínea a) do n.º 1.»

Portanto, em relação às regiões autónomas, só se coloca a pergunta de alcance nacional. Está entendido? Não precisamos de distribuir a proposta?
Vamos, então, votar esta proposta de aditamento de um n.º 2 que acaba de ser lida.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP, de Os Verdes e da Deputada do PS Helena Roseta.

Vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 95/VII, originário do CDS-PP - Propõe a realização, em concreto, das regiões.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o projecto de resolução n.º 95/VII está prejudicado face às votações que acabámos de realizar.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas informar que o PSD procederá à entrega, na Mesa, de uma declaração de voto de regozijo pela aprovação, na Assembleia da República, do referendo sobre as regiões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, Fica o registo.
Pergunto ao CDS-PP se acha que, de facto, está prejudicado o projecto de resolução n.º 95/VII.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria deixar duas pequenas notas. A primeira para deixar lavrado em acta que apresentaremos, igualmente, na Mesa, uma declaração de voto manifestando a nossa satisfação por vermos garantida a realização do referendo sobre a regionalização. Em segundo lugar, consideramos. de facto, que as nossas perguntas são iguais às do Partido Socialista. Tendo votado essas perguntas, não faz muito sentido votar o nosso projecto.
Podia entender-se que não estava prejudicado em relação ao universo eleitoral, mas aquele universo eleitoral foi rejeitado e não era aquele que acabou por ser aprovado.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Foi muito mal aprovado! É muito mau para os nossos emigrantes!

O Sr. Presidente: - Nesse caso, o projecto de resolução n.º 95/VII é, pelos próprios proponentes, considerado prejudicado.
Srs. Deputados, em relação à proposta de resolução n.º 71/VII - Referendo relativo às questões da Europa -, há duas propostas de substituição, apresentadas pelo PS, uma do n.º 1 e outra do n.º 2, que já foram distribuídas.
Assim, vamos começar por votar a proposta de substituição do n.º 1.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes e da Deputada do PS Helena Roseta e a abstenção do CDS-PP.

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É a seguinte:

1 - A Assembleia da República apresenta a S. Ex.ª o Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que seja formulada a pergunta seguinte:
«Concorda com a continuação da participação de Portugal na construção da União Europeia no quadro do Tratado de Amesterdão?»

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de substituição do n.º 2.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PSD e da Deputada do PS Helena Roseta e abstenções do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

É a seguinte:

2 - No referendo que incida sobre a questão enunciada no número anterior participam:

a) Os cidadãos recenseados no território nacional;
b) Os cidadãos eleitores portugueses recenseados nos Estados membros da União Europeia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto terem sido aprovadas as propostas de substituição relativas aos dois únicos números do diplomas, considera-se tudo votado.
Vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 69/VII - Proposta de referendo relativo às questões da União Europeia (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados. vamos passar à votação do projecto de resolução n.º 91/VII - Referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (PSD).

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas esclarecer que, do nosso ponto de vista, a votação deste diploma está prejudicada apenas no que toca à pergunta, visto esta já ter sido aprovada com a votação da proposta de resolução n.º 71/VII. Porém, queríamos ver votada, visto não estar prejudicada por essa votação anterior, a parte relativa ao universo eleitoral. respeitante aos cidadãos nacionais residentes fora dos Estados membros da União Europeia. Tendo em conta que já votámos a possibilidade de os cidadãos residentes no território nacional e nos Estados da União Europeia poderem votar, o PSD propõe a votação da possibilidade de também todos os outros cidadãos nacionais residentes fora da União Europeia poderem votar no referendo.
É esta a votação que exigimos que seja feita agora, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Se não houver objecções. vamos votar a única parte do projecto de resolução n.º 91/VII não prejudicada, que é a
relativa ao universo eleitoral, na parte que diverge daquilo que já foi aprovado.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, finalmente. votar o projecto de resolução n.º 94/VII - Proposta de referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes, votos a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas anunciar que farei entrega de uma declaração de voto escrita na Mesa.

O Sr. Presidente: - Será bem recebida.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, pedi o uso da palavra para também anunciar que entregarei na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Por último, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, é também para anunciar que farei entrega na Mesa de uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, terminada a nossa agenda de trabalhos, informo que a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, e terá como ordem do dia o debate sobre o estado da Nação. Está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 25 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação.

Declaração de voto relativa à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 64/VII - Regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos

I - O PS congratula-se com o facto de ter sido possível regulamentar finalmente o artigo 82.º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, consoante proposto pelo Governo - o primeiro a tomar tal iniciativa tantos anos após a emissão da norma legal, dando resposta a justas expectativas e honrando um compromisso com força de lei.

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O regime jurídico foi aprovado na sequência de longo debate na 1.ª Comissão que incluiu a realização de um ciclo de audições públicas com entidades ligadas aos diversos sectores interessados. As opiniões expressas nessa sede foram cuidadosamente ponderadas e o texto final exprime o resultado útil do debate, acarretando diversas alterações ao texto inicial.

II - Fundamentação das principais alterações aprovadas:

1 - Na especialidade, limitou-se o âmbito da lei, excluindo de forma inequívoca tudo o respeitante ao mundo digital.
Com esse objectivo:
foram eliminadas todas as referências constantes do articulado a elementos digitais;
aditou-se logo no artigo 1.º n.º 2, uma norma genérica enunciando a não aplicabilidade da lei aos equipamentos de fixação e reprodução digitais e respectivos suportes.
A redução:
- retrata de forma realista o perfil de implantação das tecnologias que suscitam problemas de cópia;
- tem, especialmente, em conta que a penetração no mercado de novos produtos digitais apresenta ainda sensíveis dificuldades, não tendo ainda adquirido velocidade bastante de implantação:
- permite aguardar serenamente os desenvolvimentos tecnológicos que estão ainda em fase de experimentação e que visam impedir a reprodução incontrolável de obras.
A legislação incide de imediato sobre o mundo da reprografia e sobre os produtos analógicos - ambiente clássico de cuja expansão resultaram as preocupações manifestadas pelos autores quanto à proliferação desenfreada de cópias não autorizadas. Foram aliás essas e só essas que na década de 80 justificaram a solução legal a que se dá agora cumprimento.
2 - Alargou-se a malha consultiva prevista na proposta. Acolhendo-se uma proposta da DAP (nos seus precisos termos), foi criado um conselho representativo (artigo V) para acompanhar a aplicação da lei.
3 - Alterou-se o modo de fixação dos montantes a pagar. A lei, ampliando a solução constante do texto originário (que remetia para portaria conjunta a actualização anual da remuneração prevista no artigo 3.º), determina que o próprio montante inicial seja fixado pelos membros do Governo competentes. Com vista a garantir um procedimento mais consensualizador e participado, torna-se obrigatória a audição prévia de duas instâncias consultivas.
4 - Possibilita-se que por despacho conjunto fundamentado, concreto e específico (artigo 4.º), sejam isentadas entidades culturais sem fins lucrativos em relação a produtos usados em projectos culturais de relevante interesse público.
5 - A redacção inicial referente à remuneração a que alude o artigo 3.º, n.º 3 (3% do preço de venda dos aparelhos de fixação e reprodução de obras), foi mantida, mas não deixou de sopesar-se a análise feita durante o debate sobre o alcance verdadeiro do preceito.
Foi muitas vezes dito que se pretendia, quanto a aparelhos compósitos ou multi funcionais, onerar os sistemas, atingindo assim partes destes que nenhum relevo assumem em matéria de reprodução ou fixação de obras. Sucede, porém, que nem foi essa a ratio legis, nem tal decorre da expressão literal adoptada, que por isso não se mudou.
De facto, o alvo da norma é unicamente a função de fixação e reprodução, unicamente sobre esta recaindo a remuneração. A definição das regras de salvaguarda da não aplicação a outras eventuais partes cabe ao Governo, se tal achar necessário e útil. O regime pactício a que alude o artigo 5.º, n.º 4, pode ser também de utilidade, se a ele se desejar recorrer. Na falta de tais disposições, a identificação dos valores aplicáveis cabe aos interventores e à Administração Pública, sujeita às demais regras previstas no artigo 5.º e às disposições que na lei geral servem para dirimir conflitos.
6 - Eliminou-se o n.º 2 do artigo 4.º originário, por o artigo 6.º prever já os poderes adequados e o processo de verificação das isenções estar sujeito às regras gerais de controlo.
7 - Eliminou-se o processo especial de reconhecimento da pessoa colectiva prevista no artigo 6.º, cuja sujeição ao regime geral nenhuma dificuldade verdadeiramente suscita.
8 - Incluí-se uma menção à possibilidade de a entidade criada para administrar as remunerações obtidas ser oportunamente submetida às regras aplicáveis às sociedades de gestão colectiva , cujo enquadramento é objecto de debate à escala europeia (artigo 6.º, n.º 8).
9 - A lei entra em vigor (na parte em que não carece de regulamentação e para os efeitos desta) no prazo de 30 dias após a publicação, tendo-se melhorado a fórmula proposta.

Com estas alterações, propicia-se uma ponderação ulterior de soluções que seria pouco apropriado cristalizar em lei, desencadeia-se a criação de estruturas representativas, permite-se um processo de concertação com essas estruturas virado para o concreto e obediente a regras claras.
Em estreita cooperação institucional com o Governo, os Deputados do PS continuarão a procurar contribuir para que a gestão prudente das possibilidades oferecidas pelo quadro legal permita ultrapassar com êxito as dificuldades oportunamente transmitidas à 1.ª Comissão.

O Deputado do PS, José Magalhães.

O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata votou contra a proposta de lei n.º 64/VII que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos pelas razões seguintes:
Decorreu do debate da generalidade desta proposta de lei que o Governo acedia a corrigir algumas das disposições mais gravosas da Lei, conforme então assinalamos. Inconsequente com o que então afirmou, a maioria socialista entendeu avançar em fim de sessão legislativa para a aprovação desta lei sem verdadeiramente cuidar de atenta ponderação para as suas mais gravosas consequências; primeiro, porque se vai onerar de forma excessiva, e portanto injusta. os consumidores: estes não só vão pagar uma importância significativa por cada suporte audio ou vídeo comprado - cassetes audio e vídeo - como vão ser obrigados a pagar 3% sobre o preço de venda estabelecido pelos respectivos fabricantes e importadores dos aparelhos de fixação e reprodução - designadamente gravadores audio e vídeo e fotocopiadoras.
Depois, a lei agora aprovada vai cometer aos fabricantes instalados em território nacional e aos importadores a

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responsabilidade pela cobrança e entrega à pessoa colectiva das importâncias assim arrecadadas. É uma solução questionável e um ónus que não se vê que que estes tenham que suportar.
De seguida, a lei agora aprovada exclui destas «remunerações» os equipamentos de fixação e reprodução digitais e correspondentes suportes. Esta isenção só estava prevista, na proposta original, para os programas de computador e as bases de dados constituídas por meios informáticos, isenções que, de resto se mantêm. Esta injustificada benesse aos suportes e equipamentos digitais não foi explicada. Mais: ficam assim de fora alguns equipamentos e suportes que mais fácil e rapidamente - e porventura, já agora, com mais baixos custos - podem atentar contra o justo direito dos autores à remuneração do seu trabalho. Ora, se nos recordamos de que as supostas preocupações da maioria tinham sobretudo em conta os novos suportes digitais esta súbita, inesperada e injusta isenção não pode deixar de abalar seriamente toda a lógica - e até utilidade - desta lei.
A criação da pessoa colectiva que, nos termos do artigo 6.º, vai gerir as verbas assim arrecadadas é a expressão de uma solução apressada, ignorante dos problemas que nesta matéria se colocam e demissionista. A lei poucas exigências faz e aquelas que se atreve a formular são habilidosamente vagas como se o verdadeiro objectivo fosse não estorvar.
Estas razões, para além de outras de menor relevo, determinaram o voto negativo do PSD que, nesta matéria, continua empenhado em encontrar boas e equilibradas soluções. Neste sentido, o projecto de lei n.º 228/VII, pendente nesta Assembleia, da nossa iniciativa, e que pretende estabelecer o Regime das Entidades de Gestão Colectiva do Direito de Autor.

Os Deputados do PSD: Miguel Macedo - Luís Marques Guedes.

Declaração de voto relativa à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
relativo à proposta de lei n.º 176/VII - Altera a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social

O PSD votou favoravelmente a proposta de lei n.º 176/VII, que altera a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social, por entender que a mesma contém a concretização das alterações resultantes da última revisão constitucional ao estatuto daquela entidade administrativa independente, algumas, aliás, originárias de propostas do PSD.
O debate na especialidade permitiu que a maior parte das objecções que o PSD colocou à presente proposta de lei na discussão na generalidade fossem acolhidas. melhorando-se sensivelmente o texto original da proposta, designadamente nas matérias relativas ao reforço das garantias da independência dos membros da Alta Autoridade, questão que consideramos essencial.
No entanto, o nosso voto favorável na votação final global não prejudica o nosso entendimento negativo, expresso na votação na especialidade, relativamente à opção do Governo de transferir para a Alta Autoridade a competência de atribuir as licenças para o exercício da actividade de televisão e de rádio. E uma competência não imposta pela Constituição, constituindo uma opção política do Governo, que, quanto a nós, tem por único objectivo desresponsabilizá-lo da prática de actos de consequências políticas evidentes. Para nós a atribuição de licenças para o exercício da actividade de televisão e rádio não assume uma natureza meramente administrativa, própria de uma entidade administrativa independente, antes detém uma clara natureza política que deve ser assumida, sem tibiezas, pelo Governo.
A opção constante da presente proposta de lei é para o PSD negativa para uma política de comunicação social que se quer transparente e politicamente responsável.

Os Deputados do PSD: Moreira da Silva - Luís Marques Guedes - (e mais uma assinatura ilegível).

Declaração de voto relativa à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 163/VII- Segunda alteração ao Estatuto Político-Administrativo da região Autónoma dos Açores (ALRA)

1 - Com a votação hoje realizada aprovou-se a 2.ª Alteração ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
A proposta de lei n.º 163/VII oriunda, nos termos constitucionais, da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, depois de discutida e aperfeiçoada na Assembleia da República constitui, sem dúvida, um elemento positivo e muito valorizador do Estatuto da Região Autónoma dos Açores.
Repare-se que a proposta de lei presente à Assembleia da República tinha previamente sido aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa Regional, vindo, pois, com uma marca positiva no que respeita à tendência de valorização do Estatuto que ela de facto estabelece.
2 - De todos assuntos tratados nesta proposta de lei de alteração do Estatuto da Região Autónoma dos Açores merecem referência especial, nomeadamente:
- A retirada do Estatuto de todos os artigos que já tinham sido considerados inconstitucionais ou que se apresentam de constitucionalidade duvidosa,
- A adaptação do texto estatuário à revisão constitucional;
- A clarificação do que são matérias de interesse específico e das competências dos orgãos regionais;
- O desenvolvimento das competências financeiras e fiscais da Região, no quadro constitucionalmente estabelecido;
- A valorização da participação da Região nas questões internacionais em que estejam em causa interesses regionais;
- A valorização das especificidades e necessidades da Região em vários domínios, nomeadamente no da organização judiciária;
- O estabelecimento de um mecanismo de normalização institucional, em caso de crise política governativa:
- O tratamento destes e de outros assuntos foi basicamente feito no sentido de valorizar o sistema autonómico e de inserir, com normalidade, a autonomia no funcionamento global do Estado.

Esta posição, de há muito defendida pelo PCP, quer na Assembleia Legislativa Regional quer na Assembleia da

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República, possibilitou que, através do diálogo entre a Assembleia Legislativa e a Comissão de Direitos Liberdades e Garantias da Assembleia da República, se pudesse chegar a acertos finais por consenso.

3 - Uma questão muito importante há, no entanto, que a revisão do Estatuto não abordou e portanto não resolve. Trata-se do problema do sistema eleitoral regional.
Como se sabe o actual sistema eleitoral, na medida em que estabelece, ilha por ilha, relações muito diferenciadas entre o número de eleitores e os deputados a eleger não só cria situações de injustiça relativa e de distorção da proporcional idade muito fortes como encerra em si mesmo o perigo de atribuir mais deputados a uni partido diferente daquele que tenha mais votos.
Os resultados das eleições regionais de 1996 constituíram um sério aviso nesse sentido, porquanto a igualdade de mandatos entre o primeiro e o segundo partido nada tem a ver com a diferença de votos que foi significativa.
Acontece, porém, que o proponente - Assembleia Legislativa Regional - não encontrou nem propôs uma solução diferente e melhor do que a actual.
Tal não nos impede, entretanto, de recomendar vivamente à Assembleia Legislativa Regional dos Açores e a todos os partidos nela representados que desenvolvam todos os esforços para encontrarem um sistema eleitoral regional mais proporcional e respeitador da representatividade das várias forças políticas e da vontade dos cidadãos, proposta essa que nos termos constitucionais deverá ser presente a esta Assembleia da República.
4 - Não temos dúvidas em afirmar que, globalmente, e exceptuando a questão eleitoral que permanece com necessidade de alteração, a presente Lei de Alteração do Estatuto da Região Autónoma dos Açores valorizou aquele Estatuto, enriqueceu o sistema autonómico e passa a constituir, necessariamente, uma referência muito positiva e indispensável no que respeita aos desenvolvimentos estatutários que o título sétimo da Constituição da República Portuguesa exige e implica.

Pelo Grupo Parlamentar do PCP, Luís Sá.

Declaração de voto relativa à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 157/VII - Altera o Código de Processo Penal

O Grupo Parlamentar do PS congratula-se com o facto de ter sido possível concluir, em tempo útil e com consenso largado, a revisão do Código de Processo Penal.
Preparada cuidadosamente pelo Governo, após reflexão e trabalho de estudo feito por Comissão composta por reputados especialistas, e viabilizada pela IV Revisão Constitucional, a proposta que serviu de base ao trabalho parlamentar foi sujeita a criterioso debate, no decurso do qual foram realizadas numerosas audições, audiências e reuniões de trabalho, bem como um seminário parlamentar, cujas conclusões foram apreciadas, uma a uma, pela 1.ª Comissão. Todos os documentos apresentados à Assembleia da República foram ponderados e as deliberações tornadas tiveram precisa fundamentação.
O processo legislativo caracterizou-se por um debate aprofundado das soluções e por uma ampla participação dos interessados, cujas sugestões foram devidamente ponderadas, rigorosamente analisadas, em meticuloso respeito pelos princípios e pela Constituição, e em muitos casos acolhidas no texto final, designadamente apresentadas por entidades como a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e o Conselho Superior da Magistratura (CSM), para além das decorrentes de um abaixo-assinado de cerca de 80 juízes (abaixo identificado pelas iniciais AAS) e de uma exposição de um grupo de juízes (GJ).
O Grupo Parlamentar do PS saúda as contribuições relevantes remetidas à 1.ª Comissão por essas entidades e assinala e saúda igualmente a excelente cooperação institucional prestada em todo o processo pelos membros do Governo da área da Justiça que, na própria fase da votação na especialidade, acompanharam a reflexão em curso na Comissão, facultando esclarecimentos e dados relevantes para as deliberações a tomar.
Por razões políticas manifestamente exteriores ao processo legislativo, partidos que na especialidade votaram favoravelmente mais de 95% das alterações aprovadas surgiram na votação final global a exprimir um voto contra, que procuraram alicerçar no facto de terem sido recusadas algumas das (pouquíssimas) propostas alternativas que apresentaram. A análise dessas propostas revela até que ponto são inconsistentes e mesmo incoerentes (no caso do PSD, representam mesmo clara ruptura em relação à tradição histórica de um partido que nos anos 80 ajudou a reformar o modelo processual penal português, que agora surgiu estranhamente disposto a desnaturar).
O PS regeu o seu comportamento na especialidade por duas regras basilares: coerência em relação à sua posição de princípio, fiei ao modelo processual penal português; atenção às contribuições e sugestões resultantes do debate realizado.
O sentido essencial da alterações aprovadas.
O modelo processual penal português vigente é reconhecido internacionalmente, com toda a justiça, como um dos modelos situados na vanguarda do movimento de reforma do processo penal democrático.
Baseado no respeito por valores fundamentais da liberdade e segurança consagrados na Constituição e em convenções internacionais de defesa dos direitos do homem, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e inspirado na experiência de direito comparado e na tradição processual penal nacional, o Código configurou desde a sua origem um sistema de distinção de tratamento diversificado da pequena e média criminalidade, por um lado, e de criminalidade grave e organizada, por outro, com diferenças de tratamento processual.
Apesar das intenções da reforma, a justiça penal continuou a ser lenta e ineficaz e, embora há muito reclamada, a revisão do Código, com a profundidade exigida, nunca foi feita, tendo-se limitado, essencialmente, à adaptação ao Código Penal revisto em 1995.
Identificando como objectivo fundamental a restituição da confiança no sistema de justiça penal. com respeito pela Constituição, a revisão agora feita: respeita e aperfeiçoa o modelo processual vigente; reforça a tutela da liberdade e

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da segurança, a celeridade da justiça, o combate à criminalidade e a protecção dos direitos das pessoas e da sociedade.
No conjunto das alterações introduzidas, que abrangem cerca de um terço das disposições, de maior ou menor profundidade, merecem especial destaque as que se dirigem a aspectos substanciais: a audiência de julgamento na ausência do arguido, o regime de contumácia, as formas processuais de tratamento célere e simplificado da pequena e média criminalidade, o regime de protecção dos interesses patrimoniais do lesado, o segredo de justiça e os recursos.
O novo regime de julgamento na ausência e da contumácia, dotado das necessárias garantias de defesa, responde com eficácia ao principal factor de bloqueio, responsável pela paralisação e pelo descrédito da justiça penal, traduzido em adiamentos sucessivos da audiência, as formas de tratamento processual da pequena e média criminalidade. expressas essencialmente nas alterações ao processo sumário e ao processo sumaríssimo e na criação de uma nova forma de processo - o processo abreviado - potenciam significativamente a simplificação e a celeridade, numa área que absorve a actividade dos tribunais e representa cerca de 85% da criminalidade denunciada; as alterações introduzidas ao regime de indemnização das vítimas de crimes permitem uma efectiva satisfação dos direitos de forma desburocratizada e simplificada, pondo termo à actual rigidez do sistema; as alterações ao segredo de justiça flexibilizam o regime vigente conciliando eficazmente os interesses protegidos, nomeadamente o interesse da investigação e o da presunção de inocência do arguido; o novo regime de recursos restitui ao Supremo Tribunal de Justiça a sua função típica de uniformização do direito e estabelece um sistema integrado e coerente de comunicação e intervenção das várias instâncias.

Alterações aprovadas na especialidade.

Imporia considerar mais de perto as alterações que a discussão na especialidade propiciou. Para esse efeito, examinam-se seguidamente, em concreto, as propostas consagradas, fundamentando as soluções, cuja raiz ficará patente se devidamente confrontadas com o acervo documental que a 1.ª Comissão oportunamente publicitará. Analisam-se, depois, propostas e sugestões que não foram acolhidas.

Artigo 38.º

(Competência do STJ para decidir à obstrução do exercício da jurisdição)

A alteração faz uma correcção formal, harmonizando a redacção com o artigo 11.º, n.º 3. Alínea f), que se refere à competência do STJ, pelas secções criminais.

Artigo 40.º

(impedimento do juiz)

Estabelece-se impedimento do juiz para intervir no julgamento quando aplique e confirme medida de prisão preventiva ao arguido. A decisão envolve avaliação de indícios do crime e traduz-se numa medida gravosa, susceptível de pôr em causa a imparcialidade do juiz para julgar o mesmo arguido. Diversamente de outros entendimentos que tendem a subsumir qualquer intervenção do juiz de instrução no inquérito a uma situação de impedimento, restringe-se esta à solução proposta, ficando as demais no âmbito da previsão do novo n.º 2 do artigo 43.º. A solução vai ao encontro da jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Artigo 62.º, n.º 4

(Pluralidade de advogados de defesa)

Eliminam-se as dúvidas que poderiam resultar quanto ao conceito de «acto» e à intervenção de mais de um advogado, nomeadamente em julgamento.

Artigo 68.º, n.º 1, alínea e)

(Crime de abuso de poder)

Alarga-se a possibilidade de qualquer pessoa se constituir assistente relativamente ao crime de abuso de poder, por equiparação aos demais crimes enumerados.

Artigo 72.º, n.º 2

(Dedução do pedido civil e renúncia à queixa)

Eliminam-se dúvidas latentes de interpretação, esclarecendo que a dedução do pedido tem de ser «prévia» relativamente ao exercício do direito de queixa, como já resulta do preceito, pois, por definição, a renúncia só ocorre se anterior ao exercício do direito.

Artigo 77.º, n.º 2

(Prazo)

Alarga-se para 20 dias o prazo para dedução do pedido, em harmonia com o prazo para a contestação (artigo 78.º).

Artigo 89.º, n.º 3

(Segredo de justiça e confiança do processo)

Completa-se o 1.º período do n.º 2, por articulação expressa com remissão para o artigo 86.º, n.º S. Por outro lado altera-se a proposta quanto as n.º 3 (segmento «ou em que a instrução não estiver sujeita a segredo, nos termos da 2.º parte do n.º 1 do artigo 86.º). A alteração proposta resultou da alteração ao n.º 1 do artigo 86.º, mas, apesar da harmonização do regime com o «segredo externo» tem por efeito estabelecer uma incongruência no regime do artigo 89.º. Dela resulta que, estando o processo em segredo, porque o arguido se opôs à publicidade (no seu próprio interesse), fica impossibilitado de requerer a confiança do processo. Porém, se não se opôs à publicidade, pode requerer a confiança do processo (em resultado da conjugação do n.º 1 com o n.º 3 do artigo 89.º). Porque se trata de proteger o interesse do arguido, então deveria facultar-se-lhe a confiança do processo quando o segredo se mantenha a seu pedido. Por outro lado, a confiança ou não do processo ao assistente e às partes civis ficará sempre dependente do comportamento do arguido. Assim, deverá manter-se um critério de certeza legal quan-

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to ao momento em que pode ser requerida a confiança do processo e evitar aquele efeito anómalo de impedir a confiança do processo ao arguido quando ela mais se justifica.

Artigos 94.º, n.º 3, e 111.º, n.º 3

(Formulários e correio electrónicos)

Adapta o artigo aos tempos actuais, de vulgarização da informática, dando necessária ênfase à modernização tecnológica e à utilização de meios electrónicos na produção de documentos e nas comunicações.

Artigo 113.º, n.º 7 e 10

(Notificações e contagem de prazos)

Esclarecem-se normas relativas à contagem de prazos em processo penal, em caso de pluralidade de notificações, em harmonia com o processo civil.

Artigo 117.º

(Justificação da falta)

Retoma-se o texto actual de modo a prevenir o respeito pela intimidade e a salvaguardar a relação médico-doente. Retoma-se a formulação do projecto da Comissão revisora, de modo a garantir-se, nomeadamente, de forma clara, o direito/dever do arguido a ser ouvido em audiência de julgamento em caso de falta justificada (cfr. artigo 333.º, n.º 5) e tipifica-se com nitidez a punição da falsidade da justificação.

Artigo 141 .º, n.º 6 .

(Interferência no primeiro interrogatório)

Altera-se a redacção do preceito de modo a tornar-se claro que se trata de unia faculdade do juiz, a exercer quando fundada, de acordo com as regras gerais, mas retirando-lhe o carácter de excepção que poderia parecer resultar da formulação originária da proposta.

Artigo 159.º

(Pedido de perícia psiquiátrica por familiar do arguido)

Entende-se conveniente, no interesse do arguido, deixar expressa a possibilidade de os familiares poderem intervir requerendo a realização da perícia psiquiátrica, a favor de arguido que possa sofrer de anomalia psíquica, nomeadamente quando esta não for notória.

Artigo 181.º

(Competência para a apreensão em estabelecimento bancário)

Elimina-se a ambiguidade que pode resultar da expressão «autoridade judiciária», que, no caso, só pode ser o juiz face ao que dispõe o artigo 268.º, n.º 1, alínea c).

Artigo 188.º

(Escutas telefónicas)

As alterações levam em conta o parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 92/91 (complementar), as dificuldades práticas da «vida judiciária», o n.º 4 do artigo 18.º da Lei de Segurança Interna e a acórdão do Tribunal Constitucional n.º 407/97 (DR II série de 1817/97), que anulou as escutas porque a transcrição não foi imediata.
Tornava-se necessário clarificar: quem selecciona os elementos a transcrever; se o agente de investigação pode ter contacto com a conversa (uma vez que a operação é feita por técnico de telecomunicações, mas não pode excluir-se a presença da polícia, sob pena de a diligência não ter sentido ou eficácia); o que é que o juiz ouve (sabendo-se que, não ouvindo, manda transcrever a totalidade dos registos, o que é excessivamente moroso, oneroso e inútil); e esclarecer o procedimento.
O n.º 1 do artigo refere que da intercepção é lavrado auto (mas não distingue entre auto de intercepção e auto de transcrição, sendo certo que importa clarificar que são duas coisas diferentes). Assim. fica claro que uma coisa é o auto de intercepção (n.º 1) e outra o auto de transcrição (n.º 3).
O n.º 2 permite que o polícia ouça e possa intervir de imediato, por exemplo, para fazer uma apreensão de droga combinada telefonicamente e «apanhar o flagrante».
Os n.ºs 3 e 4 tornam claro que é o juiz quem selecciona, que é o responsável pelo conteúdo da transcrição, mas que é auxiliado materialmente pela polícia, o que é importante em termos de execução.

Artigo 190.º

(Intercepção de comunicações)

Importava consagrar e clarificar o regime das intercepções utilizando novas tecnologias de comunicação à distância, cada vez mais vulgares na actual sociedade de informação, - correio electrónico e outras comunicações por via telemática - bem como a intercepção de comunicações entre pessoas na presença umas das outras. As intercepções de dados serão - por força da Lei de Segurança Interna, aplicável por remissão - da competência exclusiva da Polícia Judiciária em todo o território nacional, o correio electrónico terá assim protecção similar ao das chamadas telefónicas. No plano técnico aplicar-se-ão à sua apreensão e intercepção as cautelas apropriadas, moldadas sobre o regime das telecomunicações, incluindo as resultantes da clarificação agora operada no art.º 188.º.

Artigo 194.º n.º 5

(Aplicação de medida de coacção durante o inquérito)

Elimina-se o n.º 5, por se entender que o seu sentido essencial corresponde, já hoje, à melhor interpretação do regime vigente, que faz depender a aplicação das medidas, no inquérito, de requerimento do Ministério Público. Uma declaração de voto específica apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS para constar dos autos aprofunda este ponto.

Artigo 209.º

(Fundamentação da prisão preventiva)

Elimina-se o actual artigo 209.º, que constitui, de alguma forma, uma reminiscência dos «crimes incaucionáveis» a que se referia o Código de 1929 e respectiva legislação

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complementar e exigia uma dupla fundamentação (positiva nos termos dos artigos 97.º, n.º 4, 193.º, 194.º, 202.º e 204.º - e negativa, nos termos do artigo 209.º). controversa e de difícil compreensão.

Artigo 225.º, n.º 2

(Indemnização em caso de prisão preventiva)

Elimina-se o requisito constante da parte final do primeiro período do n.º 2 vigente («se a privação da liberdade causar prejuízos anómalos e de particular gravidade»), por se considerar que basta o «erro grosseiro», o qual consome aquele requisito e é, em si mesmo, causa suficientemente justificativa do direito à indemnização.

Livro V e artigos 229.º, 230.º, 231.º. 233.º e 240.º

(Relações com autoridades estrangeiras)

Adapta-se este regime à evolução do direito convencional internacional no domínio da cooperação judiciária em matéria penal e à sua profunda intensificação, nomeadamente no quadro da União Europeia, do Espaço Schengen e da Organização das Nações Unidas. Por outro lado, faz-se uma referência à cooperação com entidades judiciárias internacionais, a nível diverso da cooperação interestadual, como o Tribunal Criminal Internacional para a ex-Jugoslávia ou para o Ruanda (ONU) e o futuro tribunal Criminal Internacional da ONU, em processo de constituição, para julgar crimes contra a humanidade.

Artigo 269.º, n.º 1, alínea c)

(Actos a ordenar ou autorizar pelo juiz de instrução)

Confere-se dignidade normativa a formas de comunicação diferentes do telefone (comunicação electrónica e entre presentes), em conformidade com a alteração ao artigo 190.º, fazendo depender a intercepção, gravação ou registo da intervenção do juiz de instrução, pela limitação que representa a direitos fundamentais.

Artigo 278.º

(Prazo para a intervenção hierárquica)

Visa-se, em harmonização com o regime de »abertura da instrução, permitir, em momento posterior, no caso de esta não ter sido requerida, a intervenção do superior hierárquico do Ministério Público, permitindo, assim, uma dupla possibilidade de controlo da decisão. Estabelecem-se termos iniciais de contagem do prazo diferentes, de acordo com as circunstâncias do caso.

Artigo 287.º, n.ºs 2 e 3

(Requerimento de abertura de instrução)

Retoma-se a formulação da 1.ª parte do n.º 2 em vigor, por respeitar a aspectos de forma do requerimento que não devem ser alterados e cuja alteração poderia suscitar dúvidas sobre esta matéria, pese embora a não alteração substancial emergente da Proposta de revisão.
Pelo n.º 3 aplica-se ao caso o disposto no artigo 113.º, n.º 10, de acordo com a reserva normativa nele estabelecida, que, para além deste caso, apenas é aplicável à contestação (artigo 315.º).

Artigo 291.º, n.º 1

(Reclamação do despacho que não admite diligências em instrução)

Concordando-se com a solução da Proposta governamental, que exclui o recurso, em coerência com o regime do artigo 310.º, introduziu-se, porém, a possibilidade de reclamação, nos termos gerais, dos actos do juiz, tendo em consideração a ampliação da intervenção dos sujeitos processuais numa fase que concilia o contraditório (estruturante do debate) e o inquisitório dos actos de instrução (não contraditórios em si mesmos).

Artigo 311.º, n.º 3

(Acusação manifestamente infundada)

Em concordância com a solução proposta, elogiada pela clareza que introduz num ponto estruturante do processo (neste sentido, nomeadamente. as intervenções do Professor Figueiredo Dias na Conferência Parlamentar de 7 de Maio, dedicada ao Código, bem como de outros participantes na mesma iniciativa parlamentar, e ainda o parecer do Conselho Superior da Magistratura), introduz-se uma nova alínea, na sequência de sugestão do Conselheiro Maia Gonçalves ao Ministério da Justiça, de modo a incluir-se no texto a referência à falta de narração dos factos. Embora esta circunstância já se devesse considerar presente na alínea c) da Proposta governamental, julgou-se conveniente proceder à aclaração, para prevenir incertezas. A solução vai de encontro à estrutura acusatória do processo, de matriz constitucional, tornando ainda mais nítida a separação dos órgãos de acusação e de julgamento no processo penal português, em respeito também por regras fundamentais do processo penal moderno do Estado democrático. Ficará, a partir de agora, bem expresso que o juiz de julgamento não pode apreciar da prova indiciária do inquérito - afastando a jurisprudência fixada neste sentido, em menos rigorosa interpretação da lei vigente -, e que a sua valoração apenas compete ao Ministério Público e ao juiz de instrução.

Artigo 315.º, n.ºs 1 e 4

(Contestação)

Aplica-se a regra do artigo 113.º, n.º 10, em caso de diversidade de prazos, inspirada pelo regime do processo civil para a contestação e clarifica-se a remissão para o artigo 283.º n.º 3, alínea d), restringindo-a ao rol de testemunhas, de modo a deixar esclarecido que a remissão não abrange (como não poderia abrangera) a cominação de nulidade prevista no texto do n.º 3

Artigo 317.º, n.º 7

(Actos de secretaria para notificação)

A introdução do n.º 7, a sugestão do SMMP, visa objectivos de simplificação e racionalidade quanto à prática de actos materiais, que devem ser assegurados pela secretaria.

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Artigo 333.º, n.º 5

(Audição de arguido impossibilitado de comparecer)

A remissão para o artigo 117.º, n.º 6, visa garantir o direito de audição do arguido ausente por falta justificada, sem prejuízo da possibilidade de o julgamento se realizar na ausência, aspecto que não resultava suficientemente claro da Proposta governamental, apesar de assim se dever considerar na melhor interpretação das normas.

Artigo 336.º, n.º 1

(Caducidade da contumácia)

A alteração aprovada visa a mera correcção de um lapso formal de remissão, resultante do facto de o n.º 4 do artigo 335.º constar anteriormente do artigo 336.º, imediatamente antes do agora n.º l deste último artigo.

Artigo 356.º, n.º 3

(Leitura das declarações prestadas perante o Ministério Público)

Diverge-se da proposta inicial, que admitia a possibilidade de leitura de declarações prestadas perante o Ministério Público, mesmo com o condicionalismo do artigo 356.º, n.º 3, por se ter entendido deverem ter plena eficácia os princípios da imediação e oralidade consagrados no artigo 356.º e não se poderem considerar em idêntica posição as declarações prestadas perante o juiz, que não tem interesse na acusação, e perante o Ministério Público, que, em julgamento, tem o dever de sustentação efectiva da acusação, para o que releva a prova anteriormente avaliada por este órgão no inquérito.

Artigo 364.º, n.º 1

(Documentação da prova)

Inverte-se a regra vigente: só não há depoimentos escritos se os sujeitos processuais prescindirem dela, o que deverá ser feito no início da audiência e que tem consequências ao nível do regime de recurso em matéria de facto.

Artigo 372.º, n.º 5

(Entrega de cópia da sentença)

Substitui-se a expressão «que o requeiram», constante da Proposta governamental, pela expressão «que o solicitem», excluindo assim interpretações que exigissem formalização de requerimento dos sujeitos.
Processuais (um dia chegará em que as decisões serão de imediato disponíveis a todos os interessados em bibliotecas digitais facilmente acessíveis ... ).

Artigo 374.º, n.º 2

(Fundamentação da decisão)

Acolheram-se diversas sugestões no sentido da inclusão do exame crítico da prova, tendo em vista as exigências de fundamentação da sentença e a necessidade de se avaliar a própria validade da prova (aspecto em que importa tomar especialmente em consideração o regime das proibições de prova).

Artigo 379.% n.º 1, alínea c)

(Nulidades da sentença)

Consagra-se expressamente no processo penal o regime processual civil subsidiariamente aplicável respeitante à omissão e ao excesso de pronúncia.

Artigo 380.º-A

(Novo julgamento em caso de julgamento no ausência)

Acrescenta-se à previsão da alínea a) do n.º 1 a possibilidade de ser requerido novo julgamento - limitada, no entanto, aos casos em que são apresentadas novas provas, o que não é exigido pela alínea b) - de modo a garantir-se, sem quaisquer limitações, o direito de defesa. A possibilidade de reenvio do processo para novo julgamento na fase de recurso, a que haveria que lançar mão nestes casos (artigos 426.º e 430.º) conduziria a idêntico resultado, mas evita-se, por esta via, processado inútil.

Artigo 391.º-A

(Casos de processo abreviado)

O conceito de «prova evidente» - utilizado, aliás, em direito comparado (Itália) -, incluído na Proposta governamental, teria de se definir em conjugação com os artigos 262.º (a recolha de provas como objecto do inquérito) e 283.º (indícios suficientes). A formulação foi objecto de críticas, algumas das quais, com bastante excesso, alegavam estar em causa o princípio da presunção de inocência.
Assim, com a nova formulação, toma-se claro o sentido da expressão - relerem-se, agora, provas (meios de prova) e evidencia-se não estar em causa o juízo de avaliação destas, juízo que se reporta unicamente à suficiência de indícios como fundamento da acusação do Ministério Público. Por outro lado alargou-se, relativamente à Proposta, de 60 para 90 dias o prazo decorrido desde a prática do crime, de modo a obter-se uma melhor conciliação com o direito de queixa. Mantêm-se, todavia. presentes os pressupostos em que assenta o processo abreviado: a evidência, associada agora à não complexidade (nomeadamente por ser contrariada ou de difícil percepção), e a frescura da prova.

Artigo 391.º-C

(Debate instrutório)

Relativamente à Proposta aditou-se o artigo 299.º e a referência à possibilidade de serem requeridos actos de instrução. Concentram-se, porém, os actos no debate instrutório, em harmonia com a ideia de celeridade que preside ao processo abreviado, de modo a obter-se uma rápida sujeição do caso a julgamento.

Artigo 395.º

(Rejeição do requerimento)

A alteração, relativamente à Proposta governamental, concretiza melhor as causas de rejeição e antecipa o «acordo» entre o Ministério Público e o juíz para momento que

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precede a notificação do arguido, de modo a evitar-se o «efeito surpresa» que poderia estar presente (neste sentido a observação do Professor Costa Andrade na Conferência Parlamentar sobre o Código realizada em 7 de Maio). Por outro lado, flexibiliza esse mesmo «acordo», de modo a apurar-se a justiça da decisão.

Artigos 396.º, 397.º e 398.º

(Regime do processo sumaríssimo)

As alterações decorrem da alteração ao artigo 395.º

Artigo 410.º

(Fundamentos do recurso)

A alteração mantém o «erro notório na apreciação da prova» nos fundamentos do recurso limitado a matéria de direito, possibilitando a revista alargada nestes casos.

Artigo 413.º

(Resposta)

Adapta-se expressamente o preceito à previsão do artigo 411.º, n.º 4, que possibilita a apresentação do requerimento de alegações escritas até ao exame preliminar, de modo a que o recorrido possa exercer a faculdade de oposição, face às consequências das alegações escritas (decisão em conferência).

Artigos 417.º e 418.º

(Exame preliminar e vistos)

Mantém-se a regra das alegações orais e fazem-se depender as alegações escritas de requerimento do recorrente e de não oposição do recorrido. Por outro lado, esclarecem-se aspectos relacionados com a elaboração de projecto de acórdão e com os vistos nas diversas situações em que o recurso pode ser julgado em conferência.

Artigo 419.º

(Decisão do recurso em conferência)

Estabelece-se a possibilidade de o recurso ser julgado em conferência quando não houver lugar a alegações orais e não for necessário renovar a prova. A solução não fere o princípio da publicidade, exigido, designadamente, pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pois que mantém a regra das alegações orais, com julgamento em audiência, e só dispensa a audiência num circunstancialismo exigente dependente de requerimento do recorrente e de acordo do recorrido. Acolheram-se várias sugestões nesse domínio, nomeadamente a do Conselho Superior da Magistratura.

Artigo 425.º (notificação do acórdão)

Exige-se a notificação do acórdão aos sujeitos processuais, de forma a ultrapassarem-se dúvidas actualmente existentes.

Artigos 426.º, 432.º, 433.º, 434.º, 435.º e 436.º (regime de recurso no STJ)
Introduzem-se meras alterações formais, decorrentes da necessidade de adaptação ao regime de tramitação unitária dos recurso ou de preenchimento de disposições cujo anterior conteúdo foi eliminado.

Artigo 522.º (eliminação do 2.º período)

O 2.º período do artigo 522.º na redacção vigente à data da revisão não tem conteúdo útil. No velho Código de Processo Penal de l929 é que a situação aí prevista podia ocorrer, porque logo após a leitura da decisão condenatória em prisão o condenado era imediatamente «recolhido» ao estabelecimento prisional, a menos que interpusesse recurso da decisão. Era um caso em que evitava a prisão por efeito do recurso, a que poderia aplicar-se o 2.º período deste n.º 2. Actualmente esta situação não pode ocorrer, uma vez que a sentença só é executada após trânsito em julgado. Quando muito, o que pode é haver lugar a uma medida de coacção, o que é totalmente diferente.

III

Sugestões apresentadas, e não acolhidas, na votação na especialidade da proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal

Analisam-se seguidamente as principais sugestões apresentadas. e não acolhidas, na votação na especialidade da proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal, procurando fazer avultar as razões da recusa, feita em muitos casos por unanimidade, como revela a acta das votações.

Artigo 16.º, n.º 2, alínea a)

Foi sugerida a sua supressão (CSM).
Considerou-se manter utilidade em virtude de nesta alínea se incluírem crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos (artigos 354.º e 361.º do Código Penal).

Artigo 17.º

Manutenção do texto da Comissão Revisora em que se previa a substituição do termo «inquérito» pela expressão «fases preliminares», quanto à competência do juiz de instrução, de modo a incluir-se o primeiro interrogatório e as medidas cautelares (CSM).
A proposta não foi aceite porque toda esta actividade se inclui na fase de inquérito, que se abre com a aquisição da notícia do crime (artigo 262.º, n.º 2), sendo as competências do juiz de instrução incluídas na fase de inquérito (cfr. artigo 268.º). Não existindo qualquer fase anterior ao inquérito, a sugestão perde justificação.

Artigo 24.º, n.º 2

Discordou-se da sua manutenção porque se considera vantajoso permitir a conexão de processos em fases diferentes (CSM).
Considerou-se ser de manter a actual exigência de os processos se encontrarem na mesma fase processual, quer por razões de celeridade e concentração, quer porque se

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evita que o processo fique a «aguardar» contra-queixas, muitas vezes tardias, com o intuito de paralisação do processo.

Artigo 25.º

Deveria manter-se o Projecto da Comissão que não estabelecia limites à conexão subjectiva e alegou-se que existem dificuldades na realização de julgamentos conjuntos (ASJP).
Entendeu-se ser manter a proposta do Governo estabelecendo limites à conexão subjectiva com base na competência territorial - a nova redacção só se aplica quando os crimes tenham sido praticados na mesma comarca, o que origina um só processo. O alargamento, sem restrições, da conexão subjectiva faria regressar os inconvenientes evidenciados na vigência do Código de l929 e constituiria violação do princípio do juiz natural, com as consequentes dificuldades, sentidas anteriormente ao actual Código, de fazer «deslocar a prova» de comarca em comarca. O Projecto da Comissão era, quanto a este ponto, demasiado aberto.

Artigo 40.º

Preferia-se a solução da comissão revisora embora tal implicasse a existência de tribunais de instrução criminal por todo o país (isto é, qualquer intervenção do juiz de instrução no inquérito geraria impedimento) (ASJP).
A redacção proposta pela Comissão Revisora era demasiado lata. De tal forma que a simples aplicação de uma sanção do artigo 116.º, n.º 3, mesmo a pessoa diversa do arguido, sem envolver o conhecimento de qualquer elemento «de fundo» implicava impedimento.
Aprovada na Comissão, pelo voto do PSD/PCP/PP essa solução veio a ser avocada a Plenário e nele alterada sob proposta do PS, com a abstenção dos partidos que haviam acolhido a sugestão.

Artigo 43.º, n.º 2

Criticou-se o facto de a solução proposta contrariar o Acórdão n.º 186/98 do Tribunal Constitucional (ASJP)

Consagrou-se, neste domínio solução sustentada por doutrina autorizada (cfr. Professor Figueiredo Dias), segundo a qual só a decisão «de fundo» (pronúncia) sobre os indícios cria impedimento automático.

Artigo 61.º, n.º 3, alínea c)

Criticou-se a consagração da solução de considerar o termo de identidade e residência como um dever do arguido (AJP).
É evidente que o termo de identidade e residência só pode constituir um dever do arguido e que aquele só pode ser aplicado a uma pessoa que seja constituída arguido. A solução é muito importante e já existe no Código (artigo 61.º, n.º 3, alínea c); apenas se autonomizou para permitir alicerçar o regime do julgamento na ausência.

Artigo 68.º, n.º 1

Considerou-se que se devia prever a possibilidade de as entidades,
públicas e privadas de acolhimento e apoio às crianças intervirem
como assistentes (APMJ)

Consagra-se no corpo do artigo a possibilidade de entidades previstas na lei poderem intervir como assistentes.
É o que basta, não sendo necessário, nem de boa técnica. especificar casos especiais no Código.
Devia contemplar o crime de tráfico de pessoas (APMJ).
A alteração opta por alargar a constituição de assistente a qualquer pessoa nos chamados «crimes sem vítima». Abrangendo os crimes contra as pessoas ir-se-ia longe demais; neste caso, haveria que considerar outros crinies como o tráfico de menores e outros crimes contra menores: maus tratos, abuso sexual. etc.
0 alargamento das situações susceptíveis de qualquer pessoa se poder vir a constituir assistente devia ser estendido a todos os crirnes contra a realização da justiça. contemplados no capítulo IlI, do Título V. do Livro II do Código Penal (CSM).
Julgou-se a proposta excessiva: incluiria crimes como falsidades de depoimento e de declarações ou de testemunho, suborno. denúncia caluniosa. siinulação de crinie. Ficou-se, nesta niatéria, pelos crinies mais graves
denegação de justiça e prevaricação.

Artigo 86.º, n.º 8

Prefere-se a solução da Comissão Revisora em que se permitia ao juiz de instrução, durante a instrução, e ao Procurador-Geral da República, durante o inquérito, a divulgação de comunicados e peças do processo considerados úteis para restabelecer a verdade (ASJP).

A redacção era muito lata e equiparada, indevidamente, o juiz de instrução ao Procurador-Geral da República. Nesse caso, a competência deveria ser atribuída ao Conselho Superior da Magistratura, o que não seria admissível.

Artigo 86.º, n.º 9

Deveria acrescentar-se uma referência à autoridade judiciária
(SMMP)

Considerou-se desnecessária a referência. É evidente que tem de ser a autoridade que dirige o processo a emitir os comunicados.

Artigo 89.º/5

Aditar a possibilidade de o juiz de instrução autorizar o acesso no
inquérito quando decorrido o prazo deste sem despacho final,
devendo o acesso ser autorizado no prazo máximo de três meses (G.1)

A proposta não foi aceite. No caso, devem funcionar os mecanismos de aceleração do processo (art.º 109.º). A sugestão põe em causa o segredo de justiça e pode ser fatal para a investigação. O juiz de instrução, pela sua posição no inquérito, não está em condições de considerar justificado o atraso e pode levantar uma questão disciplinar, para a qual este não tem legitimidade. Se é questão disciplinar é o PGR que decide, como está previsto no incidente de aceleração. Além do mais, o desiderato que se pretende obter, no sentido do conhecimento dos fundamentos do atraso, está agora garantido pelas alterações aos artigos 97.º, n.º 4, e 109.º, n.º 6 (especificação dos fundamentos e sua notificação ao requerente).

Artigo 104.º, n.º 2

Foi proposta a seguinte redacção para este número (CSM)

«2. Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas

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alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo anterior, e bem assim como aqueles que a lei, expressamente declare que correm como tal».
Considerou-se desnecessária a parte final, porque resulta da lei. Porém, hoje não há casos destes (nomeadamente na lei da liberdade de imprensa, que o previa, já não é assim).

Artigo 109.º, n? 2

Quis-se substituir a referência a Ministério Público por magistrado
do Ministério Público (SMMP)

O CPP refere-se sempre ao órgão (Ministério Público) e não ao agente (magistrado) que o representa. A menção deve ser considerada como feita ao «agente do Ministério Público» em concreto.

Artigo 113.º, n.º 7

Consagrar a obrigatoriedade de notificação pessoal aos advogados ou defensores das partes, o que determinaria o inicio do prazo (CSM)

Fez-se um aditamento, mas não se aceitou que o prazo começasse a correr com a notificação ao advogado. Esta circunstância poderia tomar inútil a notificação pessoal, pois a notificação ao advogado, feita por via postal, é muito mais simples, rápida e eficaz que a notificação pessoal.

Artigo 114.º, n.º 2

Disse-se que seria Inútil a requisição, porque a obrigação de comparecer é de pessoa convocada e não do serviço a que pertença, além de que a parte final seria regulamentar (SMMP)

Trata-se de uma notificação feita através de superior hierárquico, sendo obrigatória a presença. É um regime importante para entidades como a GNR e a PSP, cuja necessidade foi salientada pelas polícias, «clientes» assíduas dos tribunais, nomeadamente para efeitos de organização e funcionamento interno dos serviços.

Artigo 133.º

Consagração da situação de impedimento de os ofendidos deporem como testemunha (CSM)

Entendeu-se que não se deve recuperar a figura ambígua do ofendido declarante eliminada desde 1988. O ofendido não é sujeito processual; é testemunha, sujeita ao dever de verdade e com obrigação de prestar juramento.

Artigo 141.º

Impor a obrigatoriedade de o arguido detido, que não devesse ser julgado em processo sumária, ser sempre interrogado pelo JIC (solução proposta pela Comissão Revisora) (CSM)

O que se pretendia resolver com a introdução do termo «sempre» está agora resolvido pela nova redacção do artigo 254.º, n.º 2 (decorrente do dever constitucional de identificação e informação ao arguido, pelo juiz, das razões da privação da liberdade, prevenindo, nomeadamente, situações de erro sobre a identidade). A manutenção da palavra «sempre» iria inutilizar o artigo 143.º (em defesa da liberdade do arguido) e a possibilidade de libertação imediata, em caso de detenção ilegal, se verificar imediatamente.

Artigo 143.º, n.º 1

Considerou-se que se devia afastar a faculdade, contida neste número, de o Ministério Público libertar o detido (CSM)

Não deve afastar-se esta possibilidade pelas razões apontadas no artigo anterior e por razões que se fundam na lógica das medidas de privação da liberdade (qualquer restrição da liberdade não justificada é ilegal, pelo que devem funcionar todos os mecanismos processuais possíveis de garantia da liberdade, como o previsto neste preceito).

Artigo 144.º

Perante discrepâncias sensíveis entre o teor do interrogatório judicial e o de qualquer outro posterior, deveria haver novo interrogatório necessariamente judicial, como propunha a Comissão (CSM)

Não se vêem razoes para introduzir um terceiro interrogatório, face, designadamente, ao direito ao silêncio e à inexistência de um dever de verdade.

Artigo 187.º/4.

Fixar um prazo máximo de três meses, renovável pelo máximo de outros três, para realização das escutas (GJ)

Constituía uma proposta rigidificadora e desnecessária, pese a sua boa intenção, dada a contracção de direitos que as escutas envolvem. O juiz de instrução fixa o tempo necessário. É o critério de necessidade que prevalece e quem avalia a necessidade é o juiz, sendo certo que só pode durar pelo tempo necessário, em função da necessidade processual, judicialmente controlada.

Artigo 196.º, n.º 4

O juiz deveria poder ordenar a prestação de caução por violação das obrigações referidas no n.º 2, independentemente do crime não ser punível com pena de prisão (CSM)

Seria ir longe demais, abrangendo-se bagatelas - crimes puníveis só com multa -, em violação da lógica de proporcional idade que enforma o sistema.

Artigo 212.º/4

Pretendia-se norma idêntica ao n.º 3, para a situação contrária (GJ)

O n.º 3 é de função garantística e visa operacionalizar o princípio da estrita adequação e necessidade face às exigências cautelares. Trata-se de acautelar os limites máximos. A substituição por medida mais grave já é possível face aos critérios de fixação (artigo 193.º - necessidade e adequação). Não é necessária a alteração proposta.

Artigo 262.º, n.º 3

Queria estabelecer-se que, nos crimes de natureza semipública ou particular punível com pena de prisão não supe

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rior a 5 anos, se com a queixa se juntasse prova documental suficiente do crime objecto da queixa e da responsabilidade do seu agente, o Ministério Público, após interrogatório do arguido, requeria a sua imediata submissão a julgamento, sem necessidade de realização de outros actos de inquérito ou a instrução; nos crimes particulares a acusação seria apresentada com a queixa (CSM).
A sugestão não é admissível face ao modelo constitucional de processo penal. A sugestão implicava passar para um sistema de «justiça privada», sem investigação pelo Estado. A introdução da forma especial de processo abreviado dá resposta a situações como estas. Não é congruente que se afastem a intervenção do Estado e se aceite uma modalidade de acção penal privada.

Artigo 264.º, n.º 1

Fazer coincidir a regra da competência territorial com a do artigo 19.º (SMMP)

O texto aprovado, que consagra a expressão «cometido», abrange os casos do artigo 19.º que refere «consumado. tentado...». Não tem havido problemas e permite-se uma mais célere «radicação» de competência, sem prejuízo de na investigação se apurarem aspectos «mais finos» para determinação da competência do tribunal de julgamento.

Artigo 268.º, n.º 1, alínea c)

Na remissão que faz para o artigo 181.º, apenas devia referir-se o artigo 181.º, n.º 2 (SMMP)

Não é esta a solução do Código. Harmonizando o regime vigente, que não pode ser alterado, por estarem em causa direitos fundamentais - diferentemente do que propunha a Comissão, que retirava as buscas em estabelecimento bancário da competência do juiz - substitui-se no artigo 181.º, n.º 1, «autoridade judiciária» por «juiz», embora tal já resultasse da conjugação com o artigo 268.º, n.º 1, alínea c).

Artigo 268, n.º 1, alínea e)

Havia quem preferisse a solução da comissão revisora em que o JIC
decidia por despacho irrecorrível, as questões relativas ao reconheci
mento efectivo de direitos processuais do arguido ou do assistente
que se suscitassem no decurso do inquérito (ASJP)

A solução implicava entregar ao juiz de instrução a efectiva direcção do inquérito, o que seria passar para outro modelo. A questão tem basicamente a ver com a faculdade de requerer provas e diligências e isso já está protegido com garantia de controlo do juiz - se não forem aceites as provas e houver acusação, requer-se a instrução; no mais aplica-se o regime das nulidades artigo 120.º, n.º 2, alínea d) e 3, alínea c) e, agora, artigo 311.º, n.º 1. O assistente é colaborador do Ministério Público e a ele está subordinado (artigo 69.º) - a previsão limitar-se-ia à alínea a) do n.º 2 «oferecer provas e requerer diligências no inquérito»; se não forem aceites e não houver acusação pode sempre requerer a instrução. Em suma, o Código já oferece as necessárias garantias de efectivação dos direitos do arguido e do assistente através do juiz de instrução.

Artigo 270.º, n.º 3

Não deve ser admitida a possibilidade de delegar a ordenação da efectivação de perícia em órgãos de polícia criminal (SMMP)

A proposta confere operacionalidade ao sistema e protege a eficácia da investigação. Depende sempre de delegação do Ministério Público e é restritivo a alguns crimes, por exemplo, ofensas corporais, e apenas em casos de urgência. Esta é a solução já prevista na lei de reorganização do sistema médico-legal que permite, desde logo, realizar os exames envolvendo perícia.

Artigo 277.º

Discordância face à não consagração do controlo jurisdicional dos despachos de arquivamento do Ministério Público nos processos sem vítima e naqueles em que o Estado seja o lesado - ASJP

Não se aceitou a crítica. A resposta encontrada harmoniza-se com a estrutura do processo e com o estatuto e funções das autoridades judiciárias no processo: alargamento dos casos em que é admitida a constituição de assistente, de modo a abranger este tipo de crimes, e consideração de que a defesa dos interesses do Estado compete ao Ministério Público e não ao juiz de instrução que é, na substância. um garante de direitos e liberdades.

Artigo 279.º, n.º 2

O inquérito pode ser encerrado pelo Ministério Público sem que alguém com interesse possa sindicar judicialmente o despacho de reabertura (ASJP)

Permitir ou emitir a intervenção (pela 2.ª vez) do juiz de instrução (mediante requerimento de instrução) seria anómalo - era como controlar a abertura. Em boa lógica, então haveria que submeter o despacho de abertura a controlo judicial.
Falta de controlo jurisdicional dos arquivamentos dos inquéritos em que o Estado é o lesado (ASJP).
Quem representa o Estado é o Ministério Público e não o juiz; por outro lado alarga-se o número de casos em que se admite assistente nos «crimes sem vítima», que é o que está em causa.

Artigo 281.º

Devia excepcionar de sua aplicação os crimes previstos nos artigos
152.º, 166.º, n.º 1, 167.º, 170.º, n.º 1, 172.º, n.ºs 3 e 4, 173, n.ºs 2 e 3,
174.º 175.º e 176.º (APMJ)

Deve manter-se a redacção, porque a boa aplicação do instituto, na prática, (leve excepcionar o que for de excepcionar; isto seria impossibilitar qualquer consenso numa zona em que é importante consegui-lo. A proposta levaria a resultados absurdos, numa lógica de «conflito» processual contrária à filosofia do Código.

Artigo 286.º/2.

Propõe-se que se acrescente o segmento «mas não admite desistência» (GJ)

Entende-se que o aditamento é desnecessário, uma vez que, tal como resulta do Código, uma vez requerida, a instrução é obrigatória. Nota-se, todavia, que os juízes de

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instrução da comarca de Lisboa, em documento que subscreveram, defenderam uma solução claramente contrária, que não foi aceite por ser contra a natureza do processo e constituir um afloramento do princípio do dispositivo próprio do processo civil.

Artigo 287.º

O juiz de instrução devia poder convidar o requerente a aperfeiçoar o pedido de instrução (CSM)

Trata-se de uma regra civilista sem aplicação no processo penal. Dificultaria o acesso à instrução, criava espaço para discussões formais, sem qualquer necessidade. O importante é que se permita, sem formalidades especiais, garantir o acesso ao juiz para se discutirem os fundamentos da acusação (os «indícios suficientes» da prática do crime e da responsabilidade do arguido).

Artigo 289.º, n.º 2

A proposta do Governo desjurisdicionaliza e burocratiza a função do juiz de instrução porque vede o contraditório nas diligências de prova (AAS)

O único acto contraditório na instrução é o debate instrutório. A alteração apenas esclarece este ponto (ver infra a nota relativamente ao artigo 292.º, n.º 3).

Artigo 290.º, n.2

A proposta do Governo desjurisdicionaliza e burocratiza a função do juiz de instrução porque proíbe a delegação da inquirição das testemunhas nos órgãos de polícia criminal (AAS)

A proibição de delegação reforça a jurisdicionalização da instrução e o controlo do juiz sobre a decisão do Ministério Público, de acordo com os objectivos da instrução, enquanto fase destinada a comprovar judicialmente os fundamentos do despacho do Ministério Público (artigo 286.º). A crítica resulta de uma concepção da instrução basicamente como complemento da investigação, que não está presente no Código (sem prejuízo da realização dos actos necessários à realização das suas finalidades próprias).

Artigo 291.º, n.º 1

A proposta do Governo desjurisdicionaliza e burocratiza a função do juiz de instrução porque torna os despachos judiciais irrecorríveis durante a instrução (AAS)

A irrecorribilidade do despacho harmoniza-se com o regime de recursos previsto no artigo 310.º. Uma solução diversa permitiria frustrar a intenção do artigo 3 10.º e seria contrária à ideia de celeridade que moldou o processo. A solução equilibra os interesses em presença, em ordem à submissão ou não do facto a julgamento.

Artigo 292.º, n.º 3

Devia consagrar-se o princípio de que, durante a inquirição, na instrução, das testemunhas oferecidas, o Ministério Público, o defensor e o representante do assistente têm a faculdade de arguir nulidades, mas só com a permissão do juiz lhes seria lícito suscitar pedidos de esclarecimento das respostas dadas. Finda a inquirição, o defensor e o representante do assistente deviam poder requerer ao juiz que formulasse as perguntas que entendessem relevantes para a descoberta da verdade (CSM).
Não se aceitou a sugestão porque só o debate instrutório é contraditório. A sugestão corresponde a uma ideia que não corresponde à natureza e função da instrução no Código actual, que é diferente da instrução contraditória do Código de 1929. Por isso se introduziu um novo n.º 2 no artigo 289.º, para que se não suscitem dúvidas de interpretação.

Artigo 308.º, n.º 4

O juiz devia poder solicitar a elaboração de relatório social ou a actualização do existente (CSM).
O relatório social antes do julgamento fica limitado ao 213.º, n.º 4 (prisão preventiva) e com a dependência do consentimento do arguido, dada a fase processual em que se realiza (não está decidida a questão da culpabilidade, como sucede na situação prevista no artigo 370.º), de modo a evitar-se intromissão indevida na privacidade do arguido.

Artigo 311.º

Nas situações em que não exista instrução, a acusação deveria ser «recebida» pelo juiz de instrução e não pelo juiz de julgamento, como se verifica actualmente - ASJP.
Esta solução daria resposta à crítica à jurisprudência obrigatória do STJ que reconhece ao juiz de julgamento competência para apreciar a prova indiciária do inquérito, em virtude de esta possibilidade contender com a imparcialidade do juiz do julgamento. Não se aceitou a sugestão porque isso significaria um entorse desnecessário ao modelo vigente e às funções do juiz de instrução. 0 sistema está equilibrado, pois pode haver sempre apreciação da prova indiciária por um juiz, na instrução, que é o momento e a sede própria para o fazer (cfr. artigo 286.º). Se o arguido, que passa a ter obrigatoriamente defensor nomeado (cfr. alteração ao artigo 64.º, n.º 3), aceita a acusação, não há instrução, e, em nome da celeridade que também constitui um direito fundamental do arguido, constitucionalmente protegido -, o processo segue imediatamente para julgamento, sem ferir qualquer direito. Também aqui há que obter «concordância prática» dos princípios. Por outro lado, não há hoje despacho de recebimento da acusação, como sucedia no velho Código de 1929, face, nomeadamente ao princípio da «máxima acusatoriedade» que enforma o processo, por imperativos constitucionais.

Artigo 311.º, n.º 3

Não se inclui a falta de indícios, o que é contrário ao Assento n.º 4/93 do STJ (ASJP).
Não se inclui porque esta matéria constitui Finalidade da instrução e competência do juiz de instrução e não do juiz do julgamento. A sugestão confundiria o sistema e poria em causa a imparcialidade do juiz que julga. 0 Ministério Público está sujeito a critérios de legalidade artigo 283.º - e a decisão de acusação é controlada pela instrução.
Para evitar que o juiz de julgamento sindicalize os indícios a acusação seria recebida pelo juiz de instrução

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remetendo-se os autos ao juiz de julgamento para agendamento de audiência (ASJP).
Já hoje a acusação é «recebida» pelo juiz de instrução (na pronúncia, se a houver), excepto se o arguido «aceitar» a acusação e, neste caso, segue directamente para o juiz de julgamento. Esta solução também contribui para a celeridade (direito fundamental constitucionalmente consagrado) e a desburocratização, sem restringir direitos.

Artigo 312.º/2.

Sugere-se que o julgamento tenha lugar na ausência do arguido logo na segunda data designada (GJ).
A solução é excessiva e não foi defendida por quaisquer outras pessoas ou entidades. Tal como está proposto, o julgamento na ausência só pode realizar-se à terceira marcação e com prévia notificação expressa nesse sentido. Garante-se, desta forma, melhor o direito/dever de presença do arguido na audiência, sendo certo que a ausência é um regime excepcional que deve reunir-se das maiores cautelas, que o projecto assegura.

Artigo 313.º

Aditamento de um novo n.º 4 (CSM)

«4. A contestação e o rol de testemunhas são sempre notificados ao Ministério Público e ao assistente».
Seria criar mais uma notificação, desnecessária. Há total liberdade de acesso ao processo antes do julgamento, não funcionando qualquer mecanismo cominatório.

Artigo 333.º n.º 3 e 4

Propunha-se uma alteração, na decorrência da alteração proposta para o artigo 312.º, n.º 2 (GJ).
Não foi acolhida pelas razões que fundaram o não acolhimento da proposta para o artigo 312.º, n.º 2.

Artigo 342.º

Reintrodução da possibilidade do juiz que preside à audiência perguntar ao arguido sobre os seus antecedentes criminais e por qualquer outro processo penal que, contra ele, então pendesse (CSM).
A questão está resolvida no artigo 369.º, que é o local próprio - releva para a determinação da sanção e não para a questão da culpabilidade. Julga-se que não deverá ser alterado o sistema vigente. O único problema prende-se com o local adequado do texto - no artigo 342.º ou no artigo 369.º -, e está resolvido.

Artigo 346.º

Permitir a tomada de declarações do ofendido, pelo presidente ou por qualquer dos juízes (CSM).
Não se prevê este regime porque o ofendido é testemunha.

Artigo 357.º, n.º 1, alínea b)

Propunha-se que as declarações do arguido prestadas perante o Ministério Público em inquérito, na presença de defensor, pudessem ser utilizadas em audiência do julgamento (GJ).
Esta proposta ia muito mais longe que a proposta do Governo quanto ao 356.º, n.º 3 proposto pelo Governo, que admitia a leitura de declarações prestadas perante Ministério Público em inquérito, por outras pessoas que não o arguido (preocupação justa manifestada pelo Fórum Justiça e Liberdades), para efeitos de avivamento da memória ou em caso de grave contradição que não possa ser sanada de outra forma (não abrangia o arguido).
Na Comissão optou-se por não seguir este caminho e deixou-se inalterado o texto do Código.

Artigo 358, n.º 3

Restringe-se a liberdade de qualificação jurídica dos factos pelo juiz de julgamento (AAS).
Não se restringe a liberdade de qualificação jurídica. Apenas se protege o contraditório nesta matéria, levando-se em consideração a jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Artigo 373.º

Deve aplicar-se à leitura da sentença (pelo menos quanto à matéria de facto) o princípio da continuidade e o prazo peremptório do artigo 328.º, n.º 6 (SMMP).
Não é necessário e criaria dificuldades. A concentração e continuidade da audiência está associada à produção de prova.

Artigo 381.º

Fixação do prazo julgamento em 60 dias após a verificação do ilícito, no processo sumário - ASJP.
A sugestão vinha na linha da proposta da Comissão revisora, mas não foi aceite. O prazo foi fixado em 30 dias, em harmonia com o prazo previsto no artigo 328.º, sobre a continuidade e concentração da audiência. Neste sentido, ficaria sem justificação um prazo tão amplo.

Artigo 381.º, n.º 1

Sugeriu-se que pudesse haver julgamento em processo sumário em caso de detenção efectuada por particular, relativamente a crime punido com pena não superior a três anos de prisão (GJ).
A proposta não foi aceite. Uma detenção feita por particular, admitida nos termos do artigo 255.º, não pode nunca legitimar o processo sumário, apenas admissível relativamente a flagrante surpreendido por autoridade. Além de ser contra os princípios que enformam o sumário, tratar-se-ia de uma solução perigosíssima face a situações de insegurança e de resposta colectiva a fenómenos que se têm manifestado nas bem conhecidas «milícias populares»... A Comissão de revisão tinha feito inicialmente proposta idêntica ao Governo, que não foi aceite.

Artigo 381.º, n.º 2

Manutenção da impossibilidade legal de os menores de 18 anos serem sujeitos a tal forma de processo abreviado (SMMP).

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Não se viu necessidade de manter a restrição, face, nomeadamente, ao alargamento do prazo do julgamento para 30 dias, o que permite, nomeadamente, os «relatórios sociais» quo o caso impuser quanto aos menores.
A proposta do Governo aumenta o âmbito da discricionariedade do Ministério Público ao alargar ao processo sumário o uso da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3 (AAS).
Apenas se tiram as consequências do disposto no artigo 16.º, n.º 3, quanto ao processo sumário, sendo certo que a decisão do Ministério Público carece sempre de fundamentação por critérios de legalidade. A alteração permite julgar em sumário muitos casos que teriam de ir para processo comum, onde pode ser usada aquela faculdade (pense-se na vulgar desobediência e injúria a autoridade com detenção em flagrante). Não se vê razão de fundo que impeça a solução.

Artigo 383.º

O n.º 2 devia consagrar que nos termos do disposto no artigo 58.º, n.ºs 1, alínea d) e 2, é obrigatória a constituição como arguido logo que for levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado com explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º (CSM).
Não há necessidade, porque esta solução decorre do artigo 58.º.

Artigo 387.º, n.º 2

Deve clarificar-se a redacção para que não se possa inferir que face a uma detenção ocorrida entre as 18.00 horas e as 09.00 horas, a entidade policial deve em todos os casos libertar o arguido (sendo que há crimes puníveis com prisão até 5 anos que justificam, em concreto, a imposição de prisão preventiva) notificando-o para comparecer perante o Ministério Público (SMMP).
Não é necessário porque para haver processo sumário é crime não pode ser punível com pena superior a 3 anos. E é só destes crimes que trata a previsão do artigo 387.º, n.º 2.

Artigo 389.º, n.º 1

Propõe-se nova redacção (SMMP).
«Se o Ministério Público não estiver presente na audiência e não puder comparecer de imediato, o processo deve ser remetido para a forma comum».
Não se justifica a remissão para a forma comum. Nestes casos funciona o regime legal de substituição, nos termos do Estatuto do Ministério Público.

Artigos 391.º-A e segs. (processo abreviado).

Propôs-se que o abreviado dependesse do consentimento do arguido,
prestado perante defensor, que não houvesse debate instrutório, que
a prova produzida em inquérito valesse em audiência, por razões de
celeridade, e que a pena a aplicar pudesse, em consequência, ser
especialmente atenuada (G.1)

Relativamente a esta matéria, atendendo à matriz constitucional do nosso sistema, entendeu-se que o abreviado não deve depender do consentimento do arguido. Pensou-se nesta possibilidade, no quadro das várias hipóteses de
desenho do processo abreviado, mas abandonou-se. A solução reforça, de alguma forma, as consequências da «prova evidente», que aceita, contra outras opiniões que, sem o necessário rigor, viram nela um pré-juízo quanto à culpa e consequente pretensa violação da presunção de inocência. Mas vai mais longe e propõe a exclusão do debate instrutório, o que pode ferir o contraditório nas fases preliminares, que, em homenagem ao direito de defesa, não deve ser eliminado. Quanto à atenuação especial da pena, trata-se de uma espécie de direito premial que deve estar fora destas soluções processuais. Entende-se que o benefício deve estar, como está, nas custas reduzidas. No que se refere à prova em audiência, através da leitura das declarações prestadas em inquérito, a solução apresentada é drástica e viola a oralidade e imediação da prova em julgamento, com pré-formação da prova em inquérito. Não devem ser restringidos os princípios. O que o abreviado pretende é apenas um rápido envio do caso para julgamento, sem restrições de direitos, mas respeitadas sempre as regras deste, nomeadamente quanto à prova.

Artigo 391.º-C

Disse-se que a proposta do Governo desjurisdicionalizava e burocratizava a função do juiz de instrução porque veda a realização de actos de instrução fora do debate instrutório (AAS).
Concentram-se os actos no debate instrutório, em harmonia com a ideia de celeridade que preside ao processo abreviado, de modo a obter-se unia rápida sujeição do caso a julgamento (cfr. supra anotação ao artigo 391.º-C quanto às alterações a este preceito).

Artigo 391.º-D

Disse-se que o artigo restringe inadmissivelmente o direito de recurso (AAS).
Apenas se adopta regime idêntico ao do processo comum nesta matéria (artigos 311.º, n.º 1, e 313.º).

Artigo 520.º

Manter que as partes civis pagam custas (CSM).
Não deve ser incluído neste preceito, porque aqui só se regulam as custas «penais»; às cíveis aplica-se o artigo 523.º.
Actos processuais em legislação avulsa
Inclusão destes actos no CPP (ASJP)
Trata-se de regimes especiais e, como tais, não devem ser incluídos no Código.

O Grupo Parlamentar do PS vai acompanhar atentamente o processo de preparação da entrada em vigor das alterações agora aprovadas, dependente de diplomas regulamentares cuja elaboração se encontra em curso.
Oportunamente, com a mesma transparência e fundamentação serão apresentadas iniciativas tendentes a contribuir para que a reforma seja um êxito a bem da eficácia da justiça penal, por fornia a garantir a liberdade e a segurança dos cidadãos.

Os Deputados do PS, José Magalhães - Alberto Martins - Jorge Lacão.

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Declaração de voto relativa à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e
Ambiente, sobre o Decreto-Lei n.º 327/97, de 26 de Novembro, que altera a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 280194, de 5 de Novembro - Cria a
Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo [Apreciação parlamentar n.º 43/VII (PSD)]

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou contra a Apreciação Parlamentar n.º 43/VII (PPD-PSD) - do Decreto-Lei n.º 327/97, de 26 de Novembro, que altera a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 280/94, de 5 de Novembro (Cria a Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo) por se tratar de uma análise meramente casuística. Somos de parecer que outras ZPE carecem igualmente de verificação quer dos limites quer dos contornos. Só uma avaliação global permitirá criar igualdade de tratamento entre todos os municípios.
Votámos, ainda, contra por entendermos que o tempo exigido ao Governo para redefinição dos limites da ZPE agora em apreço é manifestamente exíguo, não permitindo um trabalho consistente, sério e aprofundado, podendo determinar situações similares às que hoje se verificam.

Os Deputados do PS: Natalina Moura - Celeste Correia - Victor Moura - Carlos Alberto Santos Martinho Gonçalves - Fernando Jesus - José Junqueiro - Rosa Albernaz - Rui Vieira - Arnaldo Homem Rebelo - Pinto Simões - Manuel Varges.

Declarações de voto relativas à votação do projecto de resolução n.º 89/VII- Referendo relativo à regionalização (PSD), projecto de resolução n.º 93/VII - Propõe a realização do referendo sobre a instituição em concreto das regiões
Administrativas, previsto no artigo 256.º da Constituição da República (PS),
projecto de resolução n.º 95/VII - Propõe a realização, em concreto, das regiões (CDS-PP), proposta de resolução n.º 7l/VII - Referendo relativo às questões da Europa, projecto de resolução n.º 69/VII - Proposta de referendo relativo às questões da União Europeia (PCP), projecto de resolução n.º 91/VII - Referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (PSD), projecto de resolução n.º 94/VII - Proposta de referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia
(CDS-PP)

Votei favoravelmente estes diplomas por disciplina partidária e também por considerar que, na fase actual de evolução dos acontecimentos, o Grupo Parlamentar do PS não tinha condições para protelar uma decisão sobre estas matérias.
A introdução do instituto do referendo no sistema político nacional nas condições em que está a ser efectuada não só não contribui para a valorização desse instrumento de democracia directa como acaba por desprestigiar e enfraquecer as instituições representativas que constituem o cerne do nosso sistema político.

O referendo não pode tornar-se uma arma de arremesso, um pretexto para habilidades tácticas a que se recorre de forma voluntarista e demagógica para disso retirar vantagens circunstanciais de carácter partidário.
0 referendo num contexto como o português - evidentemente que noutras realidades nacionais o problema se poderá pôr de outro modo - deveria ser um meio excepcional para enfrentar situações excepcionais, a que os mecanismos normais da democracia parlamentar e representativa por si só não pudessem responder, e que convidassem à participação activa e responsável dos cidadãos.
Não é o que está a acontecer.
No caso do que foi recentemente realizado sobre a IVG (interrupção voluntária da gravidez), interrompeu-se um processo legislativo já iniciado, ficando assim a Assembleia da República numa situação de deslegitimação política e funcional, grave para o seu prestígio e dignidade.
No caso do que irá ter por tema a regionalização, foi no quadro de negociações espúrias realizadas durante o processo de revisão constitucional que se aceitou referendar o que já era um imperativo constante na Constituição.
No caso do que incidirá sobre a questão europeia, a conjuntura em que o mesmo vai ter lugar torna a consulta um acto vazio de sentido e sem consequências ou com consequências delicadas para a própria imagem internacional do Estado português.
Acresce a tudo isto a pouca clareza das perguntas a que terão de responder os cidadãos, a opção natural do Sr. Presidente da República pela simultaneidade de consultas sobre temas diferentes - sempre de evitar - e os efeitos negativos do precedente desmobilizador que foi o referendo recentemente realizado.

O Deputado do PS. Fernando Pereira Marques.

Sempre fui defensora do referendo como mecanismo democrático de participação dos eleitores no processo de decisão política, mesmo antes da reforma constitucional que o consagrou em l989.
Os resultados do referendo de 28 de Junho, dada a elevada abstenção versificada, não são vinculativas, mas não podem ser irrelevantes. Como democrata e cidadã, considero-os preocupantes.
A Assembleia da República e os órgãos próprios dos partidos que nele têm assento deveriam reflectir, com ponderação. sobre os resultados do primeiro referendo realizado em Portugal para daí retirarem lições para o futuro.
Independentemente das matérias que estão em causa e para lá dos acordos e desacordos político-partidários que lhes subjagem, a deliberação sobre a realização de dois novos referendos deveria, em minha opinião, ter sido remetida para momento posterior, após a reflexão atrás referida.
Não foi esse o entendimento do meu grupo parlamentar. Confio, em todo o caso, no sentido de responsabilidade e no discerimento de todos os membros da Assembleia da República, perante a decisão que hoje aqui estão a tomar. Não posso, no entanto, partilhar a responsabilidade da mesma, por razões de consciência que se prendem com a necessidade, que julgo prioritária, de reflectir primeiro sobre o referendo que já se realizou e sobre o preocupante alheamento dos eleitores perante ele.
Por isso votei contra os projectos de resolução sobre os referendos relativos à regionalização e às questões da Europa.

A Deputada do PS, Helena Roseta.

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A presente declaração funda-se no respeito absoluto pela disciplina de voto imposta pela direcção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e, simultaneamente, pela necessidade de exprimir um entendimento particular, sobre a oportunidade dos projectos de resolução n.º 89/VII, n.º 93/VII e n.º 95/VII e das propostas de resolução n.º 71/VII, n.º 69/VII, n.º 91/VII e n.º 94/VII.
Não estão em questão os objectivos políticos do aprofundamento da União Europeia nem tão pouco da necessidade de proceder à divisão administrativa do país, mas tão somente o imperativo da reflexão política sobre a aplicação e efeitos do instituto do referendo face aos resultados ontem verificados.
Os Deputados devem na presente sessão plenária votar sobre questões atinentes aos referendos da regionalização e da Europa que, fruto de calendarização parlamentar já previamente definida, coincidem com o dia seguinte à realização em Portugal do primeiro acto referendário.
A elevadíssima percentagem de abstenção obrigaria toda a sociedade portuguesa a uma reflexão ponderada a exigiria da Assembleia da República o primeiro passo para que tal processo introspectivo pudesse realizar-se.
Quais as circunstâncias que não concorreram para o envolvimento da maioria dos eleitores portugueses? De que forma devem os seguintes actos referendários ser organizados para obviar idêntica situação? Será ou não o resultado do primeiro referendo a confirmação do papel decisivo dos órgãos representativos na construção da nossa vida democrática?
Estas e muitas outras questões deveriam ser colocadas, no entanto, e apesar da vontade expressa por muitos responsáveis partidários em promover tal debate, o curto espaço de tempo que medeia a necessidade de uma decisão parlamentar relativa aos próximos referendos inviabiliza a supra mencionada e desejável discussão.
A Assembleia da República foi e é soberana para deliberar sobre a realização de referendos, tal legitimidade decorre naturalmente do quadro constitucional em vigor. não obstante julgo que os portugueses esperam, ainda que tenham deixado de participar, uma avaliação dos seus representantes sobre o modo e o tempo de futuros referendos:

Os Deputados do PS: Ricardo Castanheira - Afonso Candal.

Votei favoravelmente o projecto de resolução n.º 94/VII subscrito pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular apenas em obediência à disciplina resultante de uma deliberação tomada por maioria, não obstante concorrerem razões substantivas e processuais que sustentam o meu desacordo face ao referido projecto de resolução.
Com efeito, a alteração do teor das perguntas propostas consubstancia um erro estratégico do Partido Popular e uma inversão e de discurso que, independentemente de estar legitimada ou não, contende com os valores e com os princípios que partilho e que ainda não foram desmentidos.
Por outro lado, o processo decisório para alteração do teor das perguntas decorreu sem a obrigatória transparência e sem a ausência de atropelos das regras básicas que regulam a democracia interna do Grupo Parlamentar em que me integro.

O Deputado do CDS-PP, Gonçalo Ribeiro da Costa.

Votei favoravelmente o projecto de resolução n.º 94/VII, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular, por razões de disciplina partidária. já que discordo da formulação da primeira pergunta proposta para o referendo europeu. Em homenagem às convicções que temos afirmado e aos compromissos eleitorais a que estamos vinculados, entendemos ser nosso dever deixar claro o que pensamos sobre este assunto.

1 - A vitória política do referendo europeu
A próxima realização de um referendo europeu em Portugal é em si mesma uma vitória política de todos os portugueses que, desde l992, se bateram contra a Europa confidencial, tal como Jacques Santer a veio defender em Portugal, num célebre jantar no Palácio das Necessidades.
O que hoje parece natural nem sempre o foi. Quando o CDS propôs, em l992, um referendo sobre o Tratado Maastricht, quase todos os políticos eram contra, uns porque guardaram do Estado Novo um complexo antiplebiscitário de que não se libertaram ainda, outros porque da democracia terão sempre a noção de um «cheque em branco» que os eleitores têm como que a obrigação de lhes passar de quatro em quatro anos, outros ainda porque tiveram medo de ter de discutir e sufragar na praça pública o que era suposto ser mais um dos tantos factos consumados em que é pródigo o processo de negociação comunitária.
Nunca é demais recordar um pouco do muito que quase todos os políticos disseram na altura.
O então Ministro dos Assuntos Parlamentares Dr. Luís Marques Mendes, que no Jornal de Notícias, de 8 de Maio de l992, dizia «( ... ) O referendo é um instrumento que deve ser usado com parcimónia e apenas para aquelas matérias em que seja legítimo ter dúvidas sobre o sentir da maioria dos portugueses. Ora acontece que, como é público e notório, e designadamente em matéria de representação parlamentar, existe uma esmagadora maioria de opiniões favoráveis à ratificação do Tratado Maastricht, não se tratando, pois, de uma matéria polémica na sociedade portuguesa. Porque então polemizar o que não é polémico?» E acrescentava ser conta o referendo.
Votei favoravelmente o projecto de resolução n.º 94/VII Referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia - no estrito cumprimento do meu dever de disciplina partidária, consistente no acatamento das directivas emanadas quer da Direcção do Partido Popular quer da vontade maioritária do meu grupo parlamentar.
A razão de ser da fundamentação desta declaração esgota-se na fidelidade que mantenho a posições e perspectivas sobre a evolução da construção política da Europa, que entendo não se encontrarem consubstanciadas na pergunta votada.

O Deputado do CDS-PP, Francisco Peixoto.

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O Dr. Luís Filipe Menezes, na altura Secretário de Estado do Dr. Luís Marques Mendes, no Público, de l3 de Junho de l992, também dizia que era contra o referendo porque o «seu sentido útil» só se justificaria se «na sociedade portuguesa houvesse algum partido declaradamente antieuropeísta».
0 Professor João de Deus Pinheiro, ainda hoje comissário europeu e na altura Ministro dos Negócios Estrangeiros, dizia ao Jornal de Notícias, de 8 de Maio de 1992: «Não se justifica o esforço para organizar um referendo» «( ... ) A maioria dos partidos concorda com Maastricht, o que torna excessivo pensar-se num referendo».
O então Deputado do PS António Guterres dizia, no Público, de 4 de Junho de l992, que «( ... ). O PS considera que o regime português não deve ser plebiscitário e que não deve haver referendos sobre matérias constitucionais ou sobre tratados internacionais estruturantes».
O Dr. Almeida Santos, então também Deputado do PS, no Expresso, de 30 de Maio, prudentemente dizia: «( ... ) Ora nós somos um partido de poder e aceitando o referendo sobre Maastricht agora arriscamo-nos a semear dificuldades para um futuro governo PS».
E, em O Jornal, acrescentava: «( ... ) Tratado vasto. Tratado complexo. Matéria para peritos, não para indiferentes ou sequer iniciados».
O Dr. José Lamego, então Deputado do PS, e ex-Secretário de Estado do Ministro dos Negócios Estrangeiros, no Expresso, de 5 de Setembro de 1992, usava um argumento cavaquista: «( ... ) Defender um referendo em Portugal seria introduzir nas questões europeias uma dose de imprevisibilidade que não só diminuiria a capacidade de negociação do Estado português como traria consequências irremediáveis ao projecto de modernização do país».
Mas, pasme-se!, até o Dr. Octávio Teixeira, Deputado do PCP, no Público, de 30 de Maio de l992, dizia: «(...) Sempre fomos contra a realização dum referendo sobre Maastricht que continuamos a considerar inconstitucional
O pior é que até a ala direita do PCP esteve presente. Dizia o Deputado Luís Sã, no Público, de l6 de Maio de 1992: «( ... ) Pronunciamo-nos contra qualquer alteração do estatuto constitucional do referendo que diminua as cautelas com que foi consagrado e contra precedentes que abram caminho à possibilidade da sua utilização contra a Constituição da República Portuguesa e o regime».
Lenta e progressivamente, todos os partidos se foram juntando ao Partido Popular: primeiro o PCP e depois o PS e o PSD. Para bem de Portugal e em benefício do projecto nacional de integração europeia não só já é constitucionalmente admissível referendar os tratados europeus como, doravante, a participação directa dos cidadãos nas decisões de transferência de soberania é politicamente inquestionável.

2 - A inutilidade do referendo sobre o Tratado de Amesterdão
À excepção dos comunistas, todos os partidos propuseram perguntas sobre o Tratado de Amesterdão em si mesmo. Mas será que um referendo sobre o Tratado de Amesterdão faz sentido, é útil e enriquece a posição portuguesa no contexto da União Europeia? Para responder a esta pergunta é necessário ter em conta o conteúdo do Tratado.
É verdade que o Tratado de Amesterdão não é a segunda 'revolução federal da Europa como muitos gostariam que fosse. É verdade também que ainda não foi desta
que se procedeu à reforma institucional tendo em vista o futuro alargamento da União. O Tratado limita-se a consolidar, aperfeiçoar e até, nalguns casos, a aprofundar as conquistas federalistas do Tratado de Maastricht. Em relação ao «Tratado-pai», Amesterdão é um filho pobre e envergonhado.
O Tratado de Maastricht é o momento de ruptura com o modelo inter-governamental da Europa das Nações, no qual se fundaram as Comunidades Europeias. Há mesmo quem tenha ilustrado, com raro sentido crítico e assinalável juízo de oportunidade, esta mudança a que chamou os «Nove pecados capitais» do federalismo no Tratado de Maastricht, a saber:

a) «a expressão «federal goal» que durante meses, permaneceu escrita nas primeiras páginas do projecto»;
b) «de um ponto de vista político é indiscutível que a moeda única é sinónimo de federalismo»;
c) «o voto por maioria, que percorre toda a União Económica e Monetária, é uma boa introdução para a terceira prova de que o federalismo existe no Tratado de Maastricht»;
d) «a quarta prova de que Maastricht é federal na essência nasce uma vez mais da regra da maioria: trata-se da política de vistos da União Europeia»;
e) «há um quinto pecado federal em Maastricht
trata-se da famigerada cidadania europeia»,
f) «podemos aqui verificar a sexta e a sétima provas de que o federalismo é a ideologia dominante no Tratado de Maastricht: a um tempo, transformou-se a Comissão num órgão de legitimidade política europeia; a outro tempo, a União Europeia expropriou os Parlamentos nacionais dos poderes democráticos mais simples»;
g) «a subsidiariedade não é uma garantia contra o federalismo; é, pelo contrário, uma das provas mais firmes de que o Tratado de Maastricht consagrou princípios federalistas»;
h) «na defesa, o Tratado de Maastricht é mais grave pelo que consente do que pelo que diz».

Ora a verdade é que nada disto mudou. Pode até dizer-se que o Tratado de Amesterdão não deixou os seus créditos por mãos alheias; avança e muito em matéria de assuntos internos; aponta o embrião de uma mais do que discutível futura polícia federal europeia; aprofunda a cidadania europeia, essa Ficção federalista, e, no que constitui porventura a alteração mais significativa, aumenta outra vez e substancialmente o número de decisões por maioria qualificada no Conselho, em detrimento da unanimidade.
Este ponto merece alguma atenção. No Tratado de Roma estavam previstas inicialmente 52 decisões por unanimidade e 42 por maioria qualificada. 0 Tratado de Maastricht veio prever 88 decisões por unanimidade e l36 por maioria qualificada. O Tratado de Amesterdão veio consagrar mais cerca de 50 decisões por unanimidade e de 100 decisões por maioria qualificada, ao mesmo tempo que eliminou várias decisões por unanimidade que tinham sobrevivido no Tratado de Maastricht. Alguém escreveu um dia que «o voto por maioria é o federalismo que avança e não se vê... Uma Europa cuja alavanca sejam as votações por maioria é uma Europa de ilusão... Por detrás desta regra da maioria está o famoso projecto do

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directório europeu, versão final de uma União em que uns são mais iguais que outros».
Ora, em l992 fazia todo o sentido político referendar Maastricht. O Tratado criou uma nova entidade, a União Europeia, e fundou o sistema federal como essência do seu funcionamento e da sua evolução futura. Aí, sim, os cidadãos seriam chamados a tomar uma decisão importante para o futuro de Portugal.
À pergunta sobre o que o referendar em 1998 respondem agora três partidos com o Tratado de Amesterdão. Isto é, nada do que já foi aprovado de substancial pode agora ser questionado.
O referendo europeu não pode ser uma oportunidade perdida e muito menos um simples item de uma agenda de negociações entre partidos. O referendo europeu deve ser um momento político de clarificação.
A utilidade duma pergunta sobre o Tratado de Amesterdão é apenas a de tentar branquear o pecado original de o PS e o PSD terem adiado que não havia necessidade de perguntar ao povo português se estava de acordo com o Tratado de Maastricht. Como é possível que achem que existe a necessidade de perguntar ao povo português se está de acordo com o Tratado de Amesterdão? Se os portugueses eram desnecessários para o mais, por que estranha e misteriosa razão passaram em seis anos a ser necessários para o menos? Ou seja: referendar o Tratado de Amesterdão em si é unia inutilidade nacional e uma fraude política. Esse referendo apenas serve para resolver o problema particular de consciência do PS e do PSD: não serve para resolver o problema nacional de sabermos em que direcção os portugueses querem que a integração europeia prossiga.
O que faz too o sentido é perguntar ao País se quer uma União Europeia mais federal ou mais inter-governamental, mais dirigida para os Estados Unidos da Europa ou. pelo contrário, mais preocupada com a igualdade jurídica. política e prática dos Estados. Que o PS e o PSD, mesmo à custa do verdadeiro interesse do País, tratem dos seus problemas políticos particulares pode contestar-se, mas percebe-se: o que já não se entende é que outros, com mais passado e com mais responsabilidade política nesta matéria sensível, tenham subitamente sentido a necessidade de ajudar o PS e o PSD a resolvê-los. É uma «borla» política inexplicável e, em rigor, absolutamente desnecessária.
Pela nossa parte assumimos sem truques de linguagem nem ginástica política de oportunidade tudo o que no passado defendemos sobre os princípios que propomos para a construção da União Europeia. Acreditávamos e continuamos a acreditar que a Europa só se faz com as Nações e não contra elas. Antevemos uma ressaca política europeia em resultado da federalização forçada de Estados e Nações historicamente independentes, geograficamente distintos, culturalmente diferenciados e politicamente soberanos.
Estamos na política por convicções e não defendemos as nossas ideias porque é moda ou, o que seria bem pior, porque obtenham no momento as graças da opinião pública e a maioria nas umas.
Ouvimos há poucos dias políticos responsáveis como Pacheco Pereira e José Magalhães alertar para os perigos e as tentações federalistas que acabam de detectar na política europeia.
Estes alertas extemporâneos, em plena euforia precoce do euro e vindos de políticos experientes e atentos, têm pelo menos uma vantagem: é a de nos lembrar que a maré vai voltar a mudar e que nessa altura voltaremos a sorrir com o regresso de alguns euro-arrepiados de outrora, que hoje, presumimos que, com igual dose de convicção, aderiram ao «carro-vassoura» dos «euro-conformados».
É por este conjunto de razões que sempre nos recusaremos a afirmar que esta Europa não tem emenda.

3 - 0 significado político de um voto
O essencial das posições do Partido Popular em matéria europeia resultam de quatro momentos principais: o referendo interno de l992, em que os militantes do Partido disseram «não» à ratificação do Tratado Maastricht, o novo Programa do Partido aprovado no Congresso de l993 e que ainda está em vigor, o Manifesto Eleitoral para as eleições europeias de 1994 e o Programa Eleitoral e de Governo para as eleições legislativas de l995, com base no qual foram eleitos os actuais Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Popular.
Entretanto, a Direcção do partido, legitimamente eleita no Congresso de l998, entendeu mudar a posição do partido nestas matérias, com óbvios reflexos no projecto de resolução em causa. Fê-lo sem mudar o Programa do Partido e sem ter promovido um novo referendo interno.
O que teria sido eventualmente a forma mais correcta de o ter feito.
De resto, a alteração produzida pelo projecto de resolução que hoje votámos relativamente ao projecto de resolução anteriormente apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular revela uma certa má consciência. De outra forma não se explica a subsistência da «Exposição de motivos» do anterior projecto, na qual se diz justamente o contrário do que se propõe no novo articulado.
Sempre defendemos o princípio da disciplina partidária. Continuamos a defender. Não nos verão, pois, fazer hoje o que criticámos ontem a outros ou, o que é mais comum, arranjar pretextos novos para a prática antiga do negócio das convicções.
E certo que a última revisão constitucional veio consagrar explícita e expressamente a independência dos Deputados no exercício do seu mandato, o que talvez tenha posto em crise jurídica o princípio das disciplinas partidárias. Com efeito, o artigo 155.º, n.º 1, da Constituição da República estabelece hoje que «Os Deputados exercem livremente o seu mandato ( ... )». Mas, sem pormos em causa a bondade desta referência constitucional, bem pelo contrário. usá-la nestas circunstâncias seria imitarmos, no seu pior, os políticos que habitualmente fazem o discurso da mudança da realidade para justificarem. afinal, o simples abandono de convicções quando estas se tornam inoportunos ou mais difíceis de defender.

O Deputado do CDS-PP, Jorge Ferreira.

Votei favoravelmente o projecto de resolução n.º 94/VII apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular, de que faço parte, por disciplina partidária, já que não concordo com a formulação da 1.ª pergunta proposta para o Referendo Europeu, sendo certo que entendo ainda que a mesma não está em sintonia com o preâmbulo do projecto em questão, onde se afirma de forma clara e inequívoca que não faz sentido referendar Amesterdão quando não se referendou Maastricht.

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3024 I SÉRIE - NÚMERO 86

Filiei-me no Partido Popular em 1994, entre outras razões, por me rever nas posições que o Partido então defendia quanto à política europeia.
Passei desde então a pertencer a um partido que em l992 tinha feito um referendo interno em que os militantes disseram «não» à ratificação do Tratado de Maastricht.
Fiz campanha eleitoral e fui eleita Deputada com base num programa eleitoral e de Governo que acolhia princípios em matéria de política europeia com que sempre me identifiquei e identifico, e que considero os melhores para a defesa dos interesses dos portugueses.
A Direcção do partido a que pertenço entendeu mudar a posição do mesmo nesta matéria.
E uma decisão que respeito mas com a qual não concordo, o que justifica o meu voto e a declaração que ora pretendo fazer.
O Tratado de Amesterdão é a confirmação e em alguns aspectos o aprofundamento do Tratado de Maastricht a que teria votado «não» se tivesse sido referendado, como o deveria ter sido.
Acredito na União Europeia baseada no respeito pela soberania dos seus Estados membros e não numa União Europeia mais federal em que alguns ainda teimam em persistir.

A Deputada do CDS-PP, Helena Santo.

Os princípios, em matéria de política europeia, defendidos pelo CDS-PP constam do seu Programa Eleitoral e de Governo com base no qual fui eleita Deputada em l995.
Esse Programa consagrava num novo modelo europeu, constituído por Estados soberanos e juridicamente iguais por oposição à Europa federal defendida pelo PSD e pelo PS. E foi também por isso que o partido elegeu 15 Deputados nas últimas eleições legislativas.
O CDS-PP não aceita o modelo federal de organização política da EU proposto por aqueles que continuam a pensar que os seus interesses nacionais serão melhor prosseguidos através da hierarquização dos Estados nos processos de decisão comum, com manifesto prejuízo dos interesses de países como Portugal.
Por isso, também, se compreende hoje por que é que, desde l992, defendemos e propusemos um referendo sobre o Tratado de Maastricht e não apenas sobre o Tratado de Amesterdão, como agora a maioria dos partidos políticos defende.
Seguindo esta linha de rumo, o CDS-PP apresentou um projecto de resolução para o referendo sobre a União Europeia que a nova Direcção do partido, entretanto eleita, entendeu alterar.
O novo projecto manteve, no entanto, a mesma «Exposição de motivos» que evidencia uma flagrante contradição com a nova pergunta que se formula para o referendo.
A questão que agora se coloca é a de saber se o partido mudou de opinião em relação à questão europeia ou não.
Se alterou as suas convicções, não se entende que não tenha apresentado um projecto inteiramente reformulado que evidenciasse isso mesmo, se não mudou de posição, não faz sentido que não tivesse concordado com o anterior projecto apresentado pelo grupo parlamentar.

A Deputada do CDS-PP, Maria José Nogueira Pinto.

Votei favoravelmente o projecto de resolução n.º 94/VII - Referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia - porque entendo que é meu dever aceitar as directivas emanadas da Direcção do meu partido, bem como a vontade maioritariamente manifestada no seio do grupo parlamentar.
Todavia, julgo pertinente, em nome do bem-estar da minha própria consciência, manifestar a minha discordância substantiva com a proposta apresentada.
O exemplo recente que tivemos com o referendo sobre a despenalização do aborto aconselha a múltiplas reflexões sobre a utilização deste instituto constitucional. A elevada abstenção que se verificou encontrará diversas explicações, conforme a utilidade política e a oportunidade partidária. Mas, em abono da verdade e sem quaisquer motivações político-partidárias, julgo que há uma grande lição que, desde já, podemos tirar: a falta de clareza da pergunta e as sua dualidade interpretativa devem assumir uma grande quota de responsabilidade sobre a elevadíssima abstenção.
Percebo que a sua formulação tenha servido a alguns, mas seguramente que prejudicou muitos. Não estranhei, porque na minha curta vida política já assisti a tantos golpes de cambalhota, que muitos daqueles que tiveram uma posição discreta, por vezes até «envergonhada» na defesa do «não», fossem os primeiros a comemorar a vitória quando foram conhecidos os resultados. Dirão alguns que são imperativos do pragmatismo político, responderei sempre que são palhaços do «circo político». Porque não quero fazer parte desse «circo», entendo que é meu dever denunciar o novo «espectáculo» que facilmente se prevê com o referendo europeu.
As perguntas que foram colocadas a votação escondem, todas sem excepção, o fundamental da questão: que Europa desejam os portugueses? Aceitam, ou não, o caminho federal cujo trilho foi iniciado com Maastricht?
Tudo o resto é um logro onde o sistema e os comentadores ao seu serviço ditam as regras do «politicamente correcto».
«Politicamente correcto» é fazer uma pergunta que permita vencer em prejuízo de uma pergunta que possa esclarecer.
Na política, como na vida, tudo tem um preço. Quanto às convicções não sei qual é o preço que é exigido para as manter perenes e verticais mas, seja ele qual for, eu prefiro pagar a perder o respeito por mim próprio.

0 Deputado do CDS-PP, Nuno Correia da Silva.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Par[ido Socialista (PS):

Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Paulo Jorge dos Santos Neves.

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Partido Social Democrata (PSD):

Antonino da Silva Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
Luís Carlos David Nobre.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Luís.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

António Moreira Barbosa de Melo.
João Álvaro Poças Santos.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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3026 I SÉRIE - NÚMERO 86

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