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Quinta-feira, 17 de Setembro de 1998

I Série - Número 1

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE SETEMBRO DE 1998

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente, que saudou os Deputados na abertura do ano parlamentar, declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 207/VII, da proposta de resolução n.º 119/VII e do projecto de lei n.º 556/VII, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco de Assis (PS) elogiou a acção governativa em vários domínios e criticou o PSD pela sua postura em relação não só d regionalização, mas também ao inquérito parlamentar realizado na sequência das acusações feitas ao Governo pelo líder do Partido Social Democrata, no último Congresso do PSD realizado no Algarve, e por este partido ter apresentado um projecto de lei que tem a ver com a questão da Sport TV.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD) acusou o Sr. Ministro da Agricultura por ter desprezado o protesto dos agricultores, assim como o Sr. Primeiro-Ministro pelo modelo de regiões apresentado pelo PS.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) chamou a atenção para o adiamento por parte do Governo do cumprimento de promessas eleitorais.
Por fim, também em declaração política, o Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) fez um apelo aos Deputados portugueses de solidariedade para com os representantes da UNITA no Parlamento angolano.
A requerimento do PS, a discussão e votação do voto n.º 130/VII - De protesto pela falta de resposta do Governo aos

problemas da lavoura nacional (CDS-PP) foram adiadas para a sessão plenária do dia seguinte. Usaram da palavra os Srs. Deputados Acácio Barreiros (PS) e
Luís Queiró (CDS-PP).
A Câmara aprovou um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias sobre a retoma de um Deputado do PSD e a substituição de três Deputados, um do PS, outro do PCP e outro do PSD.

Ordem do dia. - Procedeu-se d apreciação conjunta das proposta de resolução n.os 106/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da República da Polónia ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997, 107/VII Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da República Checa ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997, e IO8/VII - Aprova para ratificação, o Protocolo de Adesão da República da Hungria ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997, tendo as mesmas sido aprovadas em votação global. Intervieram, além do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama), os Srs. Deputados Pedro Holstein Campilho (PSD). Laurentino Dias (PS).
Nuno Abecasis (CDS-PP) e
João Amaral (PCP).
O projecto de lei n.º 530/VII - Privatização do notariado (PSD) foi discutido na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Maria Eduarda Azevedo (PSD).
Odete Santos (PCP).
Nuno Baltazar Mendes (PS).
Guilherme Silva (PSD) e
Sílvio Rui Cervan (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Maninho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Enrico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.

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Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassóla de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.
Nuno Kruz Abecasis.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Sousa Moutinho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmen Isabel Amador Francisco.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta é a primeira sessão plenária da 4.ª Sessão Legislativa, que encerra a VII Legislatura.
Desejo a todos, como imaginam, muito sinceramente,
asmaiores venturas no decurso desta sessão legislativa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A todos?!

O Sr. Presidente: - Talvez seja incompatível desejar a todos, simultaneamente, venturas políticas. Mas, na medida em que forem compatíveis, são-no para todos; as que não forem, são para os que reunirem melhores condições para terem direito a elas.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que foram apresentados à Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 207/VII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de importação e exportação de bens e tecnologias que passam a afectar os interesses estratégicos nacionais; proposta de resolução n.º 119/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo estabelecido com base no Artigo K.3 do Tratado da União Europeia e no n.º 3 do artigo 41.º da Convenção Europol, relativa aos privilégios e imunidades da Europol, dos membros dos seus órgãos, dos seus directores-adjuntos e agentes, que baixou às 1.ª, 2.ª e 9.ª Comissões; projecto de lei n.º 556/VII - Proibição de aplicação em dividendos das receitas de alienação de participações nacionalizadas (PSD), que baixou à 5.ª Comissão.
Srs. Deputados, foram apresentados à Mesa vários requerimentos. No dia 3 de Setembro de 1998: aos Ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr.

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Deputado Jorge Roque Cunha; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
No dia 9 e na Comissão Permanente do dia 10 de Setembro de 1998: ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e à Câmara Municipal de Loures, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho; à Câmara Municipal de Loures, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho e Luís Sá; ao Governo e ao Ministro dos Assuntos Parlamentares, formulados pelo Sr. Deputado João Amaral; aos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe, Maria José Nogueira Pinto e Moura e Silva.
No dia 11 de Setembro de 1998: ao Ministro dos Assuntos Parlamentares, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Ferreira e Rui Rio; aos Ministros da Administração Interna, da Economia e à Câmara Municipal de Lisboa, pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.
Entretanto, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. No dia 4 de Setembro de 1998: Sílvio Rui Cervan, no dia 16 de Dezembro; Paulo Neves, na sessão de 18 de Dezembro; António Germano Sá e Abreu e Isabel Castro, na sessão de 20 de Maio; Nuno Correia da Silva, no dia 26 de Maio; João Amaral, na sessão de 9 de Junho; Arménio Santos, no dia 21 de Julho.
No dia 8 de Setembro de 1998: Arnaldo Homem Rebelo, na sessão de 10 de Março; Carlos Encarnação, nas sessões de 6 de Maio e 29 de Junho; Isabel Castro, na sessão de 25 de Maio; Rui Pedrosa de Moura, na sessão de 8 de Junho; Rodeia Machado, na sessão de 19 de Junho.
No dia 10 de Setembro de 1998: Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 28 de Maio; Manuel Alves de Oliveira, na sessão de 19 de Junho; Barbosa dê Oliveira, no dia 22 e na sessão de 24 de Junho; Roleira Marinho, na sessão de 30 de Junho; António Filipe, no dia 30 de Julho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Francisco de Assis, Carlos Encarnação, Octávio Teixeira e Nuno Abecasis.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No inicio de uma sessão legislativa, que, de resto, é a última da presente legislatura, e quando nos encontramos a menos de dois meses de distância da realização de um referendo que incide sobre matéria da maior relevância nacional, provida até do estatuto de dignidade constitucional, entende o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que é oportuno proceder a uma avaliação rigorosa, séria, objectiva e frontal das principais características enquadradoras do debate político que hoje ocorre em Portugal.
Temos, em relação ao País, uma perspectiva optimista. O Governo tem vindo, progressivamente, a assegurar o cumprimento dos seus objectivos programáticos. Hoje vive-se melhor do que se vivia há três anos atrás,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... a economia cresce a um ritmo superior à média comunitária, foi possível atingir os objectivos de equilíbrio macroeconómico que nos tínhamos proposto alcançar no início da legislatura e que tinham suscitado uma reacção tão céptica por parte das bancadas dos partidos da oposição,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... fomos, igualmente, capazes de levar a cabo uma acção notável em vários domínios, desde a educação até à justiça, passando pelos sectores mais marcadamente sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é por isso que, confiando no Governo e na sua capacidade de prosseguir na linha que tem vindo a caracterizar a sua actuação, podemos hoje desenvolver uma perspectiva claramente optimista em relação ao futuro de Portugal.
Mas, nesta hora e nesta circunstância, impõe-se também que façamos uma análise do comportamento que tem vindo a ser manifestado pelos partidos da oposição, muito em particular pelo maior partido da oposição, o Partido Social Democrata. Permitam-me que me dirija particularmente a esse partido, atendendo às especiais responsabilidades institucionais que lhe estão cometidas.
O PSD deveria contribuir, no âmbito do nosso sistema político, para a dignificação da democracia, afirmando-se como um pólo alternativo, sustentado em posições sérias e claras, tendo em vista apresentar soluções diferentes daquelas que têm caracterizado a acção prosseguida pelo Governo. Infelizmente, constatamos todos os dias que o PSD abdicou dessa função, desistiu de se constituir num pólo alternativo sério, desertou das suas responsabilidades enquanto maior partido da oposição, perdeu, em absoluto, o sentido de Estado...

Aplausos do PS.

... e tem vindo, progressivamente, a envolver-se em acções que decorrem mais de uma lógica de guerrilha política do que de uma lógica de afirmação de uma alternativa responsável em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E quero ilustrar com três casos concretos este comportamento que, infelizmente, tem caracterizado o Partido Social Democrata: a sua postura em relação à regionalização; a sua posição no inquérito parlamentar em curso, promovido na sequência das acusações formuladas em relação ao Governo, pelo líder do Partido Social Democrata, no último Congresso desse partido, realizado no Algarve; a apresentação do mais inaudito dos projectos de lei que deram entrada na Assembleia da República nos últimos anos e que tem a ver com a questão da Spor TV.
Comecemos pela regionalização. Os responsáveis políticos, particularmente aqueles que aspiram, com legitimidade, ao exercício das mais altas funções na vida nacional, têm o dever de fazer um uso ponderado, correcto, sério e rigoroso das palavras, têm o dever de usar de rigor na formulação dos conceitos e têm o dever de criticar, de

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fiscalizar e de propor, mas sempre com seriedade e com base nesse mesmo rigor. E é por isso que quero aqui verberar a forma totalmente irresponsável, eivada de uma demagogia intolerável, como o PSD tem abordado a questão da regionalização em Portugal.

Aplausos do PS.

O líder do PSD chega mesmo a utilizar palavras e a recorrer a conceitos totalmente inaceitáveis, no contexto de uma disputa democrática, civilizada, séria e assente em argumentos racionais e ponderados. Há dias, fomos surpreendidos com mais uma declaração sua, em que dizia que esta reforma, em lugar de ser a reforma do século, era verdadeiramente a fraude do século.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Esta linguagem é inqualificável! Esta linguagem tem de ser aqui criticada e desmontada!

Aplausos do PS.

Por isso mesmo, quero recordar a esta Câmara, em particular aos Deputados do PSD, aquele que foi o percurso do PSD e do seu líder, nos últimos três anos, quanto a esta matéria.
No Congresso em que foi eleita líder do PSD, o célebre Congresso de Santa Maria da Feira, a dado passo, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa afirmou o que passo a citar, com a devida vénia: «Que não se diga que nós queremos travar p curso da História, que pretendemos impedir a regionalização e as eleições regionais a todo o custo. É pura mentira! Queremos regionalização mas defendemos o referendo no seu arranque e na delimitação das regiões administrativas.».

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Mas há mais!...

O Orador: - Ainda no decorrer do mesmo Congresso, respondendo a um acérrimo regionalista ou como tal identificado - o Professor Vieira de Carvalho -, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que a regionalização devia avançar o mais rapidamente possível e, não contente com isso, responsabilizou o PS pelos atrasos verificados na concretização dessa iniciativa,...

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Muito bem! É verdade!

O Orador: - ... dizendo mesmo - e volto a citar, com a devida vénia: «O PS, no Governo, mete sempre qualquer coisa na gaveta. Já meteu o socialismo nos anos 70, agora meteu a regionalização.»

Vozes do PSD: - É verdade;

O Orador: - Era lícito concluir daqui que uma das principais tarefas a que se obrigava o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, na sequência do Congresso do PSD da Feira, era a de compelir o Governo a retirar a regionalização da gaveta.
Ao longo destes três anos, aqui, em sede parlamentar, pudemos verificar, várias vezes, o comportamento do PSD.

Sempre que este assunto foi discutido, sempre que este assunto foi trazido à Câmara, nos diversos momentos de evolução do correspondente processo legislativo, tivemos oportunidade de desafiar o PSD a apresentar as suas propostas e as suas ideias e sempre dissemos que estávamos abertos a incorporar nos nossos próprios projectos os contributos positivos provenientes da bancada do Partido Social Democrata. Esses desafios tiveram sempre como resposta o silêncio mais absoluto, essas solicitações esbarraram sempre contra um muro de total incompreensão e de obstinado silêncio por parte do Partido Social Democrata.

O Sr. José Magalhães (PS): - Zero!

O Orador: - Ao longo destes três anos, o PSD foi tentando evitar tomar qualquer posição sobre esta matéria e, quando, finalmente, se está a permitir que se concretize um imperativo constitucional, quando, finalmente, os portugueses se vão poder pronunciar sobre a questão da regionalização, envolve-se numa campanha que é hoje, claramente, caracterizada por um puro e inaceitável terrorismo político. Basta atentar na natureza dos cartazes que o PSD publicitou pelo País inteiro!

Aplausos do PS.

O líder parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Marques Mendes, não hesita, sequer, em dizer que regionalizar hoje constitui o mesmo erro que constituiu nacionalizar há 20 anos atrás, no que constitui, Sr. Deputado, uma grave ofensa ao património histórico do seu partido...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e, em primeiro lugar, ao fundador e primeiro líder do PSD, o Dr. Francisco Sá Carneiro,...

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Doutor!

O Orador: - ... que, ao mesmo tempo que combatia as nacionalizações, lutava pela criação das regiões administrativas em Portugal.

Aplausos do PS.

O PSD é hoje um partido disposto a tudo, a renegar tudo quanto afirmou anteriormente, a pôr em causa todos os compromissos previamente estabelecidos, a dar o dito por não dito, com um único objectivo: impedir que se trave, hoje, em Portugal, uma discussão séria e razoável em torno da questão da regionalização.
Por isso, quero fazer aqui um apelo. Este tema é demasiado sério para poder ser tratado çom a leviandade, a irresponsabilidade e a demagogia que tem caracterizado a intervenção do PSD nesta matéria.
Temos hoje oportunidade de fazer uma discussão profunda sobre o modelo de organização do Estado e da Administração Pública,em Portugal. O Partido Socialista vai empenhar-se numa campanha pedagógica, assente em factos objectivos, no sentido de promover o maior esclarecimeqto possível dos portugueses na convicção...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dos três temas que enunciou, ainda só tratou um e já esgotou o seu tempo.

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O Orador: - Sr. Presidente, permita-me apenas que refira ainda mais dois aspectos, agora de forma muito breve.
Em primeiro lugar, a questão do inquérito parlamentar em curso.
Há alguns meses atrás, o PSD caluniou, invectivou, insinuou da forma mais pérfida que se possa imaginar. Ao longo dos últimos dois meses, tem estado a decorrer um inquérito parlamentar, e aqueles que antes foram tão lestos a caluniar revelam-se agora totalmente incapazes de apresentar uma só prova que seja que sustente as calúnias com que invectivaram o Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Isso é falso!

O Orador: - Isto é também a,demonstração da falta de seriedade por parte do maior partido da oposição.
Por último, refiro-me à Spor TV. Trata-se de um projecto verdadeiramente inaudito, que põe em causa regras fundamentais de funcionamento de um Estado de Direito e de uma sociedade de mercado. E das duas, uma: ou o PSD já desistiu da defesa desses princípios, no que obviamente não acreditamos, ou o PSD não hesita em recorrer, instrumentalmente, aos artifícios mais inaceitáveis, que põem em causa as suas convicções mais sólidas e profundas, com o único intuito de criar dificuldades à acção governativa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, termino dizendo que, mal grado a situação do PSD e a preocupação que ela nos suscita - e isto mais pelo PSD do que pelo País, porque estamos convencidos de que os senhores vão continuar a ser um partido de oposição e por isso as vossas incoerências e incongruências não vão ter possibilidade de se manifestar a outro nível -, mal grado isso, dizia, temos uma perspectiva optimista em relação ao futuro de Portugal. Estamos certos de que vamos caminhar no sentido da regionalização.

O Orador: - Estamos certos de que com este Governo, com este rumo, vai ser possível continuar a desenvolver um esforço profícuo em prol da modernização de Portugal e da melhoria das condições de vida de todos os portugueses, objectivo central e único da nossa acção política.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que comece por duas palavras indignadas.

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Como se nada fosse, o Ministro da Agricultura ouviu e desprezou o protesto dos agricultores.

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - É falso!

O Orador: - Aqueles mesmos agricultores que desfiaram as contas de um rosário de calamidades e abandonos. Aqueles mesmos agricultores que decidiram dar a conhecer ao País que as perdas de produção agrícola se cifram em 80% no vinho, em 75% na fruta e em 80% nos cereais. Aqueles mesmos agricultores que estimam um valor que oscila entre 120 e 150 milhões de contos para os prejuízos económicos da produção. Aqueles mesmos agricultores cujo rendimento tem vindo a cair a pique só no ano passado a quebra do seu rendimento cifrou-se em 14%! Aqueles mesmos agricultores a quem o Ministro prometeu a declaração do estado de calamidade, passo essencial para verem minoradas as suas perdas e que nunca mais vêem concretizada a sua promessa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aqueles mesmos agricultores a quem o Ministro prometeu, há vários meses, 10 milhões de contos e que, até agora, nada receberam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqueles mesmos agricultores que vêem
Portugal em risco de perder 200 milhões de contos, porque não

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. utilizados, no quadro comunitário de apoio à agricultura.
Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não é por acaso que o PSD apresenta agora, para tentar
lavar a sua má consciência, uma espécie de regionalização/
desconcentração por fascículos e sem qualquer tipo de
legitimação referendária. Isto é, o PSD vai apresentar - pro
vavelmente vai ser esse o teor da intervenção do Sr. De
putado Carlos Encarnação dentro de alguns minutos - um
conjunto de iniciativas avulsas, que repete iniciativas do
Governo e do Partido Socialista em alguns casos, e que,
noutros casos, apontam para soluções como aquela em que
se pretendem criar oito regiões citadinas que vão acentuar
o fosso entre o litoral e o interior e vão acentuar
naturalmente as assimetrias hoje verificadas em Portugal.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqueles mesmos agricultores que confiaram no Ministro e no Governo, que deram sugestões e não recusaram apoio.
Vi-os ontem, os portugueses viram-nos ontem, denunciar a falsidade, realçar o comportamento dúplice, protestar a desilusão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqueles agricultores não fizeram mais do que exautorar na praça pública um ex-assessor da CAP, que agora é Ministro e que os enganou!

Aplausos do PSD.

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Para estes agricultores, mais do que é um mau ano agrícola, este Ministro é um desastre!

O Sr. José Magalhães (PS): - Olha quem fala!

O Orador: - O Ministro, ontem, não compareceu nem participou no protesto; enviou a força pública. Estranha forma de exercer o diálogo de que o Governo tanto se ufana!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os agricultores têm razão para estar revoltados. O Ministro dizia ontem uma coisa, hoje afirma outra. Perderam a confiança nele e no Governo. Basta ver o ar comprometido do Ministro para ver quem tem razão. Decididamente, este Governo tem dois pesos e duas medidas: na oposição prometia tudo, no Governo esquece tudo quanto prometeu.

Aplausos do PSD.

E agora? O Primeiro-Ministro vai continuar calado e insensível? Ou, o que é o mesmo, vai recordar os problemas dos seus antepassados ou dos limites devidos da liberdade? Os agricultores não querem conversa mole nem comiseração, querem o fim da injustiça!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Primeiro-Ministro é Primeiro-Ministro de um partido que lê mal e trunca o que diz o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Permita-me que lhe diga, Sr. Deputado Francisco de Assis, que em 1996, no congresso de Santa Maria da Feira, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa dizia: «E já não menciono essa originalidade que são as regiões propostas pelo PS serem patentemente o retrato de alguns autarcas socialistas, uma espécie de recorte de influências partidárias. Não contem comigo para isso.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Qual é a vossa proposta?

O Orador: - E o, mesmo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em 1997, na SIC, dizia: «Se o modelo for, porventura, o que o PS agora propõe no seu projecto, então eu direi não!»

Aplausos do PSD.

É esse mesmo Primeiro-Ministro que vende sucessivos enganos sobre a regionalização. Afinal, tratava-se de uma reforma a ser feita sem demora e sem consulta, com absoluto desrespeito por quem não tinha a mesma opinião ou se encontrava indeciso? Ou tratava-se de um particular desafio histórico que deveria ser, pelas consequências que dele derivariam, submetido a referendo nacional?
Na dúvida, na eterna dúvida, o Partido Socialista e o Governo aderiram, a custo, à opção referendária. E na revisão constitucional ficou clara a concordância em que se tratava do único caso de referendo obrigatório. Referendo a quê? Diz o Tribunal Constitucional, sem hesitações: ao mapa regional. Referendo cujos resultádos

são válidos quando? Quando os participantes excederem os 50% dos recenseados, diz a Constituição. Certamente por isso, o especial cuidado que houve em actualizar o recenseamento eleitoral - certa e explicitamente.
O Eng.º Guterres encontrou uma fórmula ideal para fazer não fazendo, para cumprir não cumprindo, para enganar não enganando.
O referendo tem duas perguntas? Corresponder-lhe-iam dois momentos: o do «sim» e o do talvez «não». Isto é, admitindo que se vota um princípio, este princípio ficaria suspenso do voto da segunda pergunta e do seu «sim» ou do seu «não». O país teria região «sim», região «não», porventura região «talvez». Um modelo, uma descoberta!
Pode o Primeiro-Ministro vir defender a teoria do voto «sim» na primeira pergunta porque depois se altera o mapa? Pode o Primeiro-Ministro dizer que se houver mais «sins» que «nãos» e mais abstenções que participantes, a reforma avança? Mas o que é isto? Como se interroga o Professor Vital Moreira, já vale tudo?

O Sr. José Magalhães (PS): - Já não cita o Marcelo. Está desesperado!

O Orador: - O Primeiro-Ministro não pode contrariar o Tribunal Constitucional, não pode ignorar a revisão, não pode fazer tábua rasa do regime do referendo. O Primeiro-Ministro quer deliberadamente enganar os portugueses quando diz que há coerência nos votos diferentes nas duas questões colocadas. O Primeiro-Ministro quer enganar os portugueses quando diz que o referendo é vinculativo mesmo que a percentagem de votantes não exceda 50%. O Primeiro-Ministro não tem pejo em vincular os portugueses a uma reforma incerta mesmo que não participada. O Primeiro-Ministro não pode fazer um jogo de equilíbrio entre o político e o jurídico. O País não se decide no arame e o Primeiro-Ministro não pode ter artes de sonâmbulo.
Se quer ser claro, deve dizer: os senhores vão escolher, com a condição e a responsabilidade da participação maioritária, entre dividir ou não o País nas oito regiões que estão propostas. É tão simples como isto. Se não o faz é porque quer esc onder o jogo. O Primeiro-Ministro não pode alimentar a dúvida. Não pode defender o indefensável. Há limites. Nós não o permitiremos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS) - Explique lá!

O Orador: - Mas o Primeiro-Ministro, em tempos, também nos veio dizer que éramos obrigados a fazer a regionalização por causa da Europa: toda a Europa que se preze devia ter regiões; rica era ou. seria a Europa regionalizada; pobres são as demais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quem? Diga lá quem!

O Orador: - Comparando a distribuição do investimento, só Portugál seria excepção entre o que é feito pela administração central e o nível regional. Mas onde se encontra o princípio da exigência do modelo único na Europa? Onde se encontra o regime idêntico para todos os países europeus?

Vozes do PS: - Isso não há!

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O Orador: - A União Europeia é uma união entre Estados, com modelos organizativos internos variáveis e tão profundamente diversos quanto a História de cada país que os fundou e moldou. Pode comparar-se um Estado Federal com outro qualquer? Pode comparar-se o Reino Unido, com os seus problemas crónicos, connosco? Pode comparar-se um conjunto de autonomias de grau diverso ao modelo proposto?
Nenhuma das soluções presentes na União é comparável ao nosso figurino possível. E quanto aos poderes e atribuições, e quanto aos meios financeiros, quer-se o mesmo? É possível, com honestidade, comparar?
Talvez por isso; o Sr. Primeiro-Ministro foi mais modesto na última entrevista. Ele veio tentar semear mais um engano. A regionalização proposta seria uma caricatura do que pretendia o Dr. Fernando Gomes. Disse o Sr. Primeiro-Ministro só quer uma regionalização administrativa, não política.

O Sr. José Magalhães (PS): - É o que diz a Constituição!

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Vá ler o manual de Direito Constitucional do Professor Marcelo Rebelo de Sousa!

O Orador: - Trata-se de aligeirar uma querela doméstica. Mas será assim? O Sr. Primeiro-Ministro quer regiões com órgãos eleitos deliberativos e executivos! O Sr. Primeiro-Ministro não esconde a capacidade de aqueles disporem de recursos financeiros próprios e avisa que as atribuições podem crescer de acordo com a vontade do Governo, mas, ao mesmo tempo, acena apenas com atribuições de planeamento e de ordenamento.
O Sr. Primeiro-Ministro já está por tudo. Quer uma regionalização que passe desapercebida no início e que se complique depois sem ninguém dar conta. O que ele quer é terminar com esta aflição, porque todas as aflições acabam em desespero. O País tem visto, para espanto geral, a floresta de enganos a que conduz o desespero do Primeiro-Ministro!

Aplausos do PSD.

Primeiro, era a ideia de que sem regiões se corria o risco de não haver fundos da Europa. O Primeiro-Ministro foi desmentido pelo Presidente da Comissão Europeia, por dois Secretários de Estado do seu Governo e agora até pelo euro-deputado Barros Moura.
Logo a seguir, era a ideia de que votar «sim» na primeira pergunta era votar pela regionalização, não pelo mapa absurdo que foi feito. O Primeiro-Ministro foi desmentido, no dia seguinte, pelo Tribunal Constitucional.
Depois, era o Comité das Regiões. Disse que era muito importante este Comité e que Portugal não estava representado. O Primeiro-Ministro foi desmentido pelos factos e por diversas afirmações. O Comité das Regiões só tem poderes consultivos e Portugal está lá representado, e muito bem, por cinco presidentes de câmara do PS, por cinco presidentes de câmaras do PSD, pelos Açores e pela Madeira
Agora, o último argumento. Diz o Primeiro-Ministro que o referendo só é válido se tiver 50% de votantes, mas, se os não tiver, passa a ser válido na mesma e tudo avança, com ou sem referendo. O Primeiro-Ministro é desmentido, desde logo, pela Constituição, que deu a este referendo 0 estatuto de ser o único verdadeiramente obrigatório.

Em dois meses, o Primeiro-Ministro inventou capacidade suficiente para tantos enganos e tamanhas inverdades. Percebe-se: é o terreno a fugir debaixo dos pés! A verdade a vir ao de cima! O desespero a instalar-se! O Sr. Primeiro-Ministro é assim -mesmo: quer e não quer!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não chega a dizer hoje uma coisa e amanhã outra; diz ao mesmo tempo uma coisa e o seu contrário. Só se compreende esta postura porque está a decidir em cima do joelho.
Há muito pouco tempo se nota que o Governo despertou para o referendo. Não fez contas, não esclareceu, não estudou, não motivou, mas agora estamos a entrar na pré-camparìha.
A legislação do referendo impõe a neutralidade das entidades públicas e dos órgãos do Estado e seus titulares. Mas, afinal, o que é que nós vemos? O Governo lança, através de uma comissão ministerial uma página na Internet. Ora, quem publica e mantém uma página destas, parcial e partidária, pode ser considerada uma comissão técnica? Não! É uma comissão política! Não é isenta! E quando o PSD denuncia esta situação, o que faz o Ministro da Administração Interna? Desconversa. O Sr. Ministro da Administração Interna promove a sua intervenção pública, reúne os governadores civis, encontra-se com dirigentes partidários, lança-se à estrada, confunde Governo com partido. É, de novo, o mentor da campanha socialista.
A confusão entre Estado e partido é total! É o motor do Governo em acção pela regionalização. Como é que vai ser daqui por diante? Vamos participar num acto referendário em que as condições de isenção se não respeitam?
O comportamento do Governo anuncia o pior: na Administração Interna, na televisão pública, na administração do Estado, nos governos civis, um pouco por todo o lado.
O referendo fez-se para ser livre e para os portugueses decidirem em liberdade e em consciência. Se assim não for, nós aqui estaremos para confirmar que o Sr. Presidente da República, garante da isenção, a quem recorreremos se necessário, estará atento e não permitirá que as regras sejam desvirtuadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciamos hoje a última sessão legislativa da presente legislatura. Significa isto que entrámos na rampa final do Governo constituído pelo Partido Socialista com base nos resultados eleitorais de 1995 e que não mais o Governo pode iludir os portugueses com o adiamento reiterado do cumprimento de muitas promessas eleitorais.
Neste ano parlamentar o Governo deixa de poder dizer que honrará as promessas eleitorais de 1995, mas só no próximo ano.
Para este Governo não há próximo ano! É o último! Tenha ele a duração de doze, nove ou apenas seis meses...
Nesta recta final, o PCP, diversamente do que parece ser já visível noutros partidos da oposição, não entrará pela via da oposição pela oposição, do radicalismo verbal, da dramatização meramente virtual ou das propostas com objectivos marcadamente eleitoralistas.

Aplausos do PCP.

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Diferentemente de outros, que se põem agora em bicos de pés, o PCP sempre se apresentou, foi e é um convicto e coerente defensor da melhoria das condições de vida dos portugueses e da justiça fiscal e social.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Continuaremos a assumirmo-nos, claramente, como a oposição de esquerda, responsável e não conformista, ao Governo do PS e às suas políticas neoliberais.
Como sucedeu ao longo de toda a legislatura, apoiaremos tudo o que for positivo para o País e para os portugueses, ao mesmo tempo que criticaremos e combateremos, com a persistência e a dureza necessárias, as políticas e acções do Governo lesivas dos direitos e interesses dos trabalhadores, dos reformados ou dos jovens.
Continuaremos a apresentar iniciativas legislativas e a bater-nos-emos no Orçamento do Estado pela justiça social e pelos direitos essenciais das camadas laboriosas e mais desfavorecidas.
E, igualmente, podem o Governo e o PS ter a certeza de que, também nesta última etapa da legislatura, não lhes daremos tréguas quanto ao balanço das promessas eleitorais não cumpridas.
E, desde já, queremos deixar muito claro que se esta sessão legislativa for marcada por um ascenso da luta popular e social, a responsabilidade será exclusivamente do Governo.
Pela parte do PCP, e sem qualquer receio das suas hipotéticas incidências na estabilidade político-governativa, estaremos inequivocamente ao lado dos trabalhadores portugueses para recusar que, no âmbito dos direitos laborais e pela mão do PS, Portugal se aproxime dos países do terceiro mundo.

Aplausos do PCP.

Se na prática diária de muitas empresas se assiste, com a conivência objectiva do Governo e da Inspecção-Geral de Trabalho, a uma crescente desregulamentação e precafzação dos direitos do trabalho, o que se impõe é pôr cobro à impunidade dessas práticas ilegais e não alterar a legislação para lhes dar cobertura e degradar os direitos dos trabalhadores duramente conquistados no passado. O Governo ainda está tempo de arrepiar caminho nestes seus propósitos.
Do mesmo modo que se os agricultores são pesadamente afectados pelo mau ano climatérico para muitas culturas e produções, o que se exige do Governo é o assumir de medidas e acções, que visem ajudar os agricultores a suportarem o decréscimo de rendimentos, como o PCP propôs na resolução aqui aprovada na passada semana, e não a demonstração de um desproporcionado aparato de forças de segurança visando atemorizar e calar protestos com a violência chocante de cargas policiais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A autoridade democrática tem necessariamente de assentar no diálogo, na justiça e na razão. Não, nunca, na repressão!
Aguardamos, por isso, que rapidamente o Governo dê sequência à vontade política manifestada pelo Parlamento com a aprovação do projecto de resolução do PCP.

Aplausos do PCP.

Prosseguiremos, com determinação redobrada e com a seriedade das nossas pèopostas, o combate político para que se concretize a tão proclamada quanto inexistente reforma do sistema fiscal, visando o alargamento da base tributária, o fim dos privilégios à mesa do Orçamento e a redução da pesada carga fiscal que sacrifica os rendimentos do trabalho.
Não nos conformamos com a mais confrangedora ausência de medidas do Governo nesta matéria. Bem pode o Governo procurar iludir a realidade com a criação de 15 grupos de trabalho e comissões, alguns deles em clara sobreposição, para estudar, estudar e continuar a estudar...
A verdade é que no final deste seu mandato governativo, o Governo do PS continua a não ter vontad& política de reformular o IRS, tornando-o mais justo, de promover a reforma da tributação da riqueza e do património, de proceder a um substancial desbaste nos benefícios fiscais e de combater eficazmente a fraude e evasão fiscais.
Não é verdade, inversamente ao que ontem terá afirmado o Primeiro-Ministro aos Deputados socialistas, que para realizar a reforma fiscal necessária seja indispensável uma maioria absoluta. É, isso sim, suficiente que haja vontade política e capacidade de diálogo por parte do Governo e do Grupo Parlamentar do PS.

Aplausos do PCP.

E se o Sr. Primeiro-Ministro quer preservar cem boa situação a carteira das famílias» damos-lhe a solução sem esperar quaisquer contrapartidas: inverta as políticas do seu Governo que têm promovido o agravamento da distribuição do rendimento nacional em prejuízo dos rendimentos do trabalho; combata o trabalho precário e de sobre-exploração; promova o aumento efectivo e real dos rendimentos salariais; desagrave o IRS; concretize a proposta do PCP da baixa nominal das tarifas da electricidade e reduza o preço das comunicações telefónicas; realize reformas no Serviço Nacional de Saúde para que os cidadãos paguem menos pelos medicamentos e o Estado poupe milhões de contos anualmente.
E, finalmente, tenha em atenção os rendimentos, inconciliáveis com um nível de vida minimamente digno, dos cerca de 1,4 milhões reformados que não foram abrangidos pelos aumentos das pensões anunciados pelo Governo.

Aplausos do PCP.

Porque se é certo que os aumentos de pensões foram uma medida do Governo, que não temos qualquer dúvida em reconhecer como muito positiva, não é menos certo que é de toda a justiça promover igualmente um aumento extraordinário para os que dela ficaram arredados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP continuará a pugnar por esse aumento e nesse sentido apresentará novas propostas. E se foi necessário esperar que a segurança social acumulasse, em 1996 e 1997, cerca de 270 milhões de contos de superavit, para agora distribuir 10% desse montante no ano de eleições de 1999, queremos crer que a nossa insistência no aumento extraordinário das pensões para os restantes reformados terá desta vez uma mais rápida resposta positiva por parte do Governo.

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O que está em causa, ao contrário do que afirmou o Primeiro-Ministro aos Deputados socialistas, não é a necessidade de «relançar o discurso social» com o objectivo de «conservar o eleitorado»; o que está em causa, o que é sério e se exige são acções concretas para prosseguir maior justiça social e mais solidariedade com os mais carenciados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados socialistas, o PCP não pretende que o PS nos trate «com cuidado». O que nós queremos é que o Governo trate com cuidado e com justiça os portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estou certo que VV. Ex.as, e citando o Secretário-Geral do meu partido, «não se deixarão iludir nem tirar conclusões erradas pelo facto de, na campanha para o referendo da regionalização, o PCP e o PS
coincidirem na defesa do "sim". A verdade é que essa circunstância é um brevíssimo parêntesis de 12 dias em três anos que o PS já leva de governação».
O PCP está e estará empenhado neste combate pela regionalização, mas pela concretização das regiões administrativas, não pela companhia fortuita e pontual.
A talho de foice, esperamos que o Grupo Parlamentar do PS não repita agora erros que cometeu no referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Designadamente, desafiamos, desde já, o grupo parlamentar socialista a juntar os seus aos nossos votos para que, durante o período da campanha oficial do referendo, e nos termos regimentais, os trabalhos do Plenário da Assembleia da República sejam suspensos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque a abstenção no referendo só serve interesses dos defensores do não, percebe-se a atitude obstrucionista do PSD, mas seria absolutamente inconcebível que, também aqui, o PS navegasse nas mesmas águas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A entrada no último ano da legislatura teve para já o condão de pôr o Primeiro-Ministro a falar aos portugueses; ou melhor, a falar em Portugal, porque os temas escolhidos são fundamentalmente de âmbito internacional - o que, aliás, não deixa
de ser curioso e talvez merecedor de atenção quanto ao seu futuro político...!
Por um lado, parece ter começado a descobrir agora os malefícios do neoliberalismo e querer chamar à pedra os governantes dos países mais ricos, porque esses não baixam as taxas de juro, face à ameaça da crise financeira se transformar em económica e alastrar à Europa.
Mas o Primei ro-Mìnìstro omite que a sua própria política interna é neoliberal, que nunca se manifestou contra o Acordo Multilateral de Investimentos e que foi ele que, com a adesão à moeda única e com a assinatura do Pacto de Estabilidade, impôs a Portugal a dependência das decisões dos governantes dos países mais ricos sobre a política monetária.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E é bom que o Primeiro-Ministro não esqueça que é ele o primeiro responsável por eventuais consequências nefastas da crise em Portugal; não os seus amigos Clinton ou IChol!
Por outro lado, e numa postura no mínimo não usual, critica publicamente a falta de liderança, de iniciativa e de capacidade de inovação da União Europeia. Seria, porém, conveniente que o Sr. Primeiro-Ministro não se deixasse embalar pelo discurso fácil e, modestamente, mostrasse alguma prudência, principalmente porque se olhar para o seu Governo e para a desgovernação dos seus ministros verá que, nesse âmbito, tem muitos telhados de vidro. Ou não reparou ele que essas acusações - aliás, justas - à Comissão Europeia se encaixam como uma luva ao Governo e ao Primeiro-Ministro de Portugal?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Se ainda não reparou, talvez seja altura de o fazer!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Finalmente, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Venho aqui hoje fazer-vos uma declaração política e um apelo em nome do meu partido e em meu nome pessoal.

Sr. Presidente, em 1992 tive a honra de integrar com V. Ex.ª a missão de observadores às eleições em Angola. Integrámos a mesma equipa, estivemos nos mesmos sítios, fiscalizámos as mesmas mesas, falámos com as mesmas pessoas. Verificámos deficiências, mas achámos que elas eram inevitáveis para o momento e para o País e por isso avalizámos a democraticidade e autenticidade das eleições.
Sr. Presidente, recordo que, com grande emoção, testemunhámos o nascimento da democracia pluri-partidária em Angola, vimos a alegria do povo nas ruas de Angola, a paciência com que, ao longo de horas, se esperou para votar e o entusiasmo que os angolanos, nossos irmãos, tinham ao aperceberem-se, pela primeira vez, da importância do seu voto.
Nós próprios tínhamos passado por isso, Sr. Presidente, poucos anos antes e, por isso, faço aqui esta declaração política, porque em nenhum outro sítio do mundo, melhor do que na Assembleia da República de Portugal, se pode entender qual é o valor da liberdade, da dignidade dos homens e da livre expressão dos pensamentos para aqueles que querem e que amam verdadeiramente a paz.
Faço esta declaração, Sr. Presidente, no momento em que talvez alguns pensem que é insensato fazê-la, porque, talvez como nunca, a paz e a vida estão ameaçadas em Angola; faço-a nesta Assembleia da República, irmã e cooperadora do Parlamento angolano; faço-a em benefício dos nossos parceiros Deputados angolanos, com quem temos trabalhado e cooperado aqui e em Angola; faço-o nesta Assembleia da República, que tão valorosamente se tem empenhado pelo triunfo da democracia nos países da CPI-P; faço-o, Sr. Presidente, porque se não fomos padrinhos, fomos, certamente, testemunhas da constituição

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e da autenticidade da Assembleia da República angolana, dando aval à autenticidade de 70 Deputados, que, infelizmente, não puderam tomar logo os seus lugares porque acontecimentos sangrentos ocorreram entretanto. Mas depois de Bicesse e de Lusaka essa Assembleia constituiu-se, e, contra aquilo que muitos diziam, esses 70 Deputados foram para Luanda correndo os riscos que tivessem de correr pela fidelidade ao voto que receberam e pelo amor à liberdade e à democracia,

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Se hoje se procura a Unita democrática ela está no Parlamento angolano! É a sua sede, é a ponte para a paz em Angola!

Aplausos do CDS-PP.

E no dia em que for sacrificado o Parlamento angolano, como no dia em que fosse sacrificada esta Assembleia da República, no dia em que algum de nós se sentisse no direito de marginalizar qualquer outro Deputado, porque tinha ideias diferentes das nossas, no dia em que qualquer um de nós se sentisse no direito de apontar as direcções dos outros partidos, estava perdida a democracia, a liberdade e a vida para os portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, é pelo amor que tenho a África, pelo amor que tenho à liberdade, à democracia e à prosperidade de Angola, que peço, do fundo da minha alma, que esta Assembleia da República garanta a vida, a dignidade e a liberdade daqueles esteios da paz em Angola, que são os 70 Deputados da UNITA que foram para Luanda, correndo os riscos que a democracia manda que os Deputados corram. Pode perder-se a vida, não se pode é perder a face quando se ama a liberdade.

Aplausos do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Abecasis, tendo em conta a parte final da sua intervenção, a Mesa aguarda uma iniciativa que qualquer Sr. Deputado resolva tomar.
Srs. Deputados, foi apresentado, pelo CDS-PP, o voto n.º 130/VII - De protesto pela falta de resposta do Governo aos problemas da lavoura nacional.
O Sr. Secretário vai proceder à sua leitura, após o que será discutido e votado .

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, dado que o voto acabou de dar entrada na Mesa, proponho a V. Ex.ª, nos termos regimentais, que seja discutido e votado só amanhã.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para tal é necessário um requerimento com 10 assinaturas.

O Orador: - Arranjam-se de imediato, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente,: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero perguntar a V. Ex.ª se a apresentação de um requerimento para, nos termos regimentais, suscitar o adiamento da discussão e votação de um voto tem ter lugar até ao momento em que o Sr. Presidente anuncia a sua discussão ou se pode ocorrer depois.

O Sr. José Magalhães (PS): - Leia o Regimento!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o CDS-PP apresentou uma proposta de alteração ao seu próprio voto de protesto, que ainda não foi, creio eu, distribuída. Temos, pois, de nos compreender uns aos outros.

Pausa.

Uma vez que ao Partido Socialista não faltam, com certeza, 10 assinaturas e que tal direito é potestativo desde que 10 Deputados requeiram o adiamento, vamos seguir em frente para não perdemos tempo, já que, com certeza, o requerimento vai dar entrada.
Entretanto, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à retoma de mandato do Sr. Deputado António Capucho (PSD), em 13 de Setembro passado, inclusive, cessando Filipe Abreu, e à substituição dos Srs. Deputados Manuel Jorge Gomes (PS).
Luís Sá (PCP) e
Carlos Coelho (PSD), com início em 15 de Setembro corrente, inclusive, respectivamente pelos Srs. Deputados Armando Jorge Paulino Domingos, Alexandrino Augusto Saldanha e Vasco Manuel Henriques Cunha.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Deu já entrada na Mesa o requerimento, apresentado por 10 Deputados do Partido Socialista, a pedir o adiamento, para amanhã, da discussão do voto de protesto apresentado pelo Partido Popular. Está, portanto, formalizado o adiamento.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta das propostas de resolução n.ºs 106/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da República da Polónia ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997, 107/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da República Checa ao Tratado Atlântico do Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997, e 108/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da República da Hungria ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997.

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Srs. Deputados, encontra-se a assistir aos nossos trabalhos uma representação da embaixada da Polónia. Saudêmo-la!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Como o Governo deverá falar em primeiro lugar, esperemos por ele um pouco.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - V. Ex.ª, Sr. Presidente, tem a certeza de que o Governo vem a esta sessão?

O Sr. Presidente: - Não tenho a certeza, mas fui informado de que vem, por isso, acabei de dizer que vamos aguardar uns momentos.
Parece que terá invocado problemas de trânsito para não ter ainda chegado. Acontece!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Por que é que não se começa com o diploma relativo ao notariado?

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - De facto, o Governo anda muito atrasado. E ainda agora começou!

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ainda não compareceu nenhum membro do Governo, parece que devido a problemas de trânsito, sugiro que comecemos a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Sr. Presidente, não resisto a dizer que já estou habituado a que o Governo não governe. Agora, numa situação destas e num assunto desta natureza, que o Governo não tenha chegado a tempo parece-me um pouco demais. No entanto,vou cumprir a sua vontade, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: As propostas de resolução n.os 106/VII, 107/VII e 108/VII, que estamos hoje a analisar, relativas à ratificação dos protocolos de adesão da República da Polónia, da República Checa e da República da Hungria ao Tratado do Atlântico Norte, assinados em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997, são de importância histórica para a Europa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Penso mesmo que a ratificação destes protocolos por todos os países membros do Tratado do Atlântico Norte constituirá uma das decisões mais importantes da História recente europeia, já que determina o fim formal de um período longo de 60 anos, que se poderá definir como «história negra» da Europa.

Celebramos com estas ratificações o fim da chamada «guerra fria». Celebramos afinal a possibilidade de viver sem o medo permanente de uma possível guerra, sem a infelicidade de um conflito dramático, sem termos conhecido o horror de um novo holocausto: o holocausto nuclear. Celebramos, afinal, a vontade de povos que, tomando nas suas mãos o seu destino, se revoltaram contra a agressão e resolveram viver como países independentes, livres da tutela férrea de terceiros.
E quando refiro «a vontade de povos» refiro-o porque não podemos esquecer que a essência do que aqui tratamos hoje é isso mesmo. Povos cujos governos democraticamente eleitos, em eleições reconhecidamente livres, em regimes pluripartidários, decidiram apresentar os instrumentos jurídicos necessários previstos no Tratado do Atlântico Norte, requerendo a sua adesão ao Tratado, e todos nós sabemos que, em alguns casos, o depósito de tais instrumentos só foi realizado depois de consulta popular específica.
E aqui não ficaria de bem com a minha consciência se não lembrasse um pouco da História do continente em que vivemos.
Se nós portugueses lembramos o que foi de mau vivermos em ditadura, se antes de tudo queremos um futuro de paz e democracia para os nossos filhos, não podemos passar a «esponja do esquecimento» sobre a História dramática de países vizinhos, nomeadamente daqueles a que hoje nos referimos.
É que se alguns perdoam, ninguém pode ignorar ou esquecer campos de concentração como Auschwitz-Birkenau, Treblinka e Bergen-Belsen, entre outros, mas também se tem de admitir que um povo como o polaco não esqueça, mesmo que perdoe, massacres como o de Katyn, mortes em manifestações políticas como as de Junho de 1956 ou as perseguições que se seguiram às demonstrações de descontentamento em 1968.
Como poderemos esquecer Alexander Dubcek, a Primavera de Praga e a consequente invasão da Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia em 1968?
Como será possível não ter na memória o movimento «Carta 77»?
É que tantos rejubilaram com o advento da liberdade de um povo e a resposta foi sempre uma mão opressora, o horror à liberdade.
A História repetia-se em 1956 na Hungria, respondendo à vontade de mudar dos estudantes e dos trabalhadores, à libertação do Cardeal Mindszenty e às aberturas económica e política a que o governo húngaro se viu forçado pelo seu povo com a nova invasão de um país e novo cenário de mortes, presos e fugas para países democráticos vizinhos.
Se recordo tudo isto é porque entendo que sem o fazer não é possível compreendermos o porquê da dimensão de um acto como o que hoje nos é pedido; não será possível entender este nosso continente em construção; não é possível perceber o esforço da Parceria para a Paz e os extraordinários resultados com que tem 'contribuído para essa nova Europa que todos temos de querer segura e pacífica, nas suas fronteiras e com todos os seus vizinhos, quer seja a Leste ou a Sul; não se perceberá o acto fundador das relações de cooperação e segurança mútuas entre a OTAN e a Federação Russa; não se compreenderá a carta de parceria específica entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte e a Ucrânia.

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Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Quando em 2 de Setembro de 1994 o Deputado alemão, Sr. Karsten Voigt, actuando na sua qualidade de vice-presidente da Assembleia do Atlântico Norte - parlamentares da OTAN e relator do grupo de trabalho sobre o alargamento da Aliança, dirigiu uma carta aos presidentes das delegações parlamentares da Bulgária, da República Checa, da Hungria,. da Polónia, da Roménia e da República Eslovaca, associadas à Assembleia do Atlântico Norte, solicitando-lhes que lhe fornecessem precisões sobre o «tipo» de adesão total à OTAN que julgavam oportuno para o seu país, uma vez que em diversas ocasiões, os membros das respectivas delegações o vinham afirmando nas reuniões das comissões da referida Assembleia, de todos recebeu resposta. Foram respostas claras, positivas, salvaguardando umas as legítimas decisões a serem tomadas pelos seus governos e parlamentos, indo outras mais longe, ao ponto de referirem que os seus países desejavam aceder à OTAN antes mesmo de puderem entrar na União Europeia.
Se pensarmos, hoje, que na Áustria se não afasta a possibilidade de encarar um pedido de adesão à OTAN e que outros países neutros, como a Finlândia e a Suécia, receberam com abertura, em discussões francas e abertas, comissões da Assembleia do Atlântico Norte, estaremos, certamente, a poder visualizar uma aliança de paz e segurança em toda a Europa.
Não será, dirão uns, a OTAN que conhecemos depois da sua fundação em 1949. Mas será, com certeza, uma aliança onde a solidariedade entre nações, expressa no artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte, se manterá. E onde os princípios do seu artigo 1.º, que transcrevo, pela sua importância, se manterão: «As partes comprometem-se, de acordo com o estabelecido na Carta das Nações Unidas, a regular por meios pacíficos todas as divergências internacionais em que possam encontrar-se envolvidas, por forma que não façam perigar a paz e a segurança internacionais, assim como a Justiça, e a não recorrer, nas relações internacionais, a ameaças ou ao emprego da força de qualquer forma incompatível com os fins das Nações Unidas.»
Haverá, certamente, quem defenda que a iniciativa da Parceria para a Paz lançada na Cimeira da OTAN de 10 e 11 de Janeiro de 1994, que constitui hoje um sucesso que ninguém anteveria, chega e deverá mesmo constituir «a» alternativa ao alargamento da Aliança.
Não nos parece razoável. Seria, antes de mais, considerar que há países de primeira - os membros da OTAN - e de segunda - as que, querendo aderir à Aliança, só o poderiam ser da Parceria para a Paz. Ou pior, o que não acredito: seria entender que os países não têm o direito de escolher por si próprios e alguns só devem mesmo ter direito a uma soberania limitada, como infelizmente, há pouco tempo, em Março de 1997, ouvi em Moscovo, na Duma Estatal, tendo, no entanto, a certeza de que, aí, também não constituía tese com expressão.
De qualquer forma, há que ser razoável e certamente o alargamento terá de ser feito cautelosamente e por fases, para quê a OTAN mantenha as principais virtualidades que, desde sempre, demonstrou à saciedade ter: ser uma aliança de paz, uma aliança de segurança. Porque se queremos estas virtualidades para nós não podemos deixar de querê-las para os outros; as portas têm de manter-se abertas a todos - repito, a todos -, num crescimento que tem de ser «ponderado» e «digerido», que permita uma adaptação interna, mas nunca numa perspectiva que varra da nossa memória períodos como o da «Guerra Fria».

Ao falarmos nestes termos corremos o risco, sempre perigoso, de darmos a ideia que o alargamento da Aliança ou mesmo a Parceria para a Paz são a «mezinha» que tudo resolveu e que estão afastados todos e quaisquer perigos de ameaça à paz.
Não é assim, e todos o sabemos: os conflitos regionais são cada vez mais e podem revestir-se de significados muito perigosos; a proliferação de países com acesso a armas nucleares, químicas ou bacteriológicas, isto é, de destruição maciça, é, infelizmente, cada vez mais progressiva; a instabilidade em grandes países tem levado - e todos o sabemos, embora, por vezes, alguns façam por o esquecer - ao contrabando de materiais perigosos, à transferência de quadros qualificados e à venda, em números assustadores, de tecnologia e armas; a ameaça de terrorismo é uma realidade presente.
Mas há que persistir, lutar pelo alargamento das democracias, pelo desenvolvimento económico em todos os países e pelas condições de paz no Mundo.
Há que ser solidário na luta pela segurança e pelo direito de viver em Paz.
Há que ter a coragem de preparar as Forças Armadas para os novos desafios, como aqui dissemos na recente discussão da Lei de Programação Militar, e que o Governo parece não querer entender.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: É com convicção que termino, convencido que estou de que a OTAN é uma Aliança em transição, é uma comunidade de valores, é um sistema colectivo de defesa, é uma organização aberta e é uma fonte de estabilidade que, como disse, vive um período, por esses próprios valores que acabo de referir, de adaptação interna e externa, mas que é nossa obrigação dar o melhor dos nossos esforços nesse trabalho fundamental.
Não tenho dúvidas - e creio que ninguém as terá de que a tomada de decisões e o funcionamento de uma aliança alargada trará novos problemas. Mas temos de ter fé e convicção: passo a passo, com segurança mas muita tenacidade, temos de construir esta Aliança de esperança e de paz.
Não tenhamos dúvidas que tudo o que de bom fizermos por esta causa servirá de exemplo em todo o lado. Obrigará outros, noutros pontos do globo - e, quem sabe, até aqui bem perto -, a seguir o mesmo exemplo, e a ambição de um futuro seguro será sempre mais sorridente.
As gerações mais novas não nos perdoarão se o não fizermos, e têm razão.
É por tudo o que ficou dito que, no momento próprio, o Partido Social Democrata votará favoravelmente as ratificações em apreciação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em presença das propostas de resolução n.os 106/VII, 107/VII e 108/VII, é hoje o Parlamento português, no uso do seu direito e legitimidade, chamado a discutir e votar, para apreciação parlamentar, os protocolos de adesão da Polónia, da Hungria e da República Checa à NATO.
Com este debate e a decisão a tomar no final, Portugal, membro fundador da NATO, assume, por via do seu Parlamento, a sua quota parte de responsabilidade na construção de uma nova aliança para uma nova Europa.

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Desde o seu acto fundador, que significou o Tratado de Washington, em 1949, com Portugal entre os seus outorgantes, não é este o primeiro ou o único momento em que outros países acedem à qualidade de membros da Aliança, pois esse foi já o caso da Grécia, da Alemanha e, na última década, da Espanha.

Muito mudou no Mundo e na Europa desde os quase 50 anos que o Tratado leva de vida e, sobretudo, muito de inesperado e de radicalmente diferente se apresentou perante nós nos últimos anos.

Os nossos olhos assistiram à Europa passar por mudanças radicais. Podemos não ser ainda capazes, todos ou nenhum, de desenhar o quadro europeu dos próximos anos, mas o que é irrecusável é, para já, a consciência, que temos de ter, de que se apresenta já hoje muito diferente esta Europa da que conhecemos há anos atrás.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, enfrentar, de forma consciente, o debate de hoje neste Parlamento obriga a reter, como suporte da nossa reflexão, sinais dos tempos, expressos, por exemplo, na queda do Muro de Berlim, na dissolução da União Soviética, no surgimento dos 15 novos países independentes, como realidades que transformaram radicalmente o ambiente de segurança e de defesa europeia.

Não estamos já no antigo tempo da «guerra fria». Nessa altura, era simples de enunciar e de compreender o objectivo primeiro da NATO: a defesa do espaço euro-atlântico e da integridade territorial dos seus aliados contra uma eventual agressão soviética.

Hoje, a realidade política é radicalmente diferente e impõe-se às pessoas e às instituições, determinando inevitáveis correcções de objectivos, alterações de modelos, reconversões na sua estrutura e mesmo novidades na sua composição.

Os limites da comunidade euro-atlântica, o quadro de referência dos 16 países da Aliança, não é mais o do passado modelo Leste-Oeste, mas, sobretudo, um conjunto de valores comuns, no estabelecimento de parcerias sólidas e eficazes, de segurança pela cooperação e não pela confrontação ou pela ameaça de confrontação.

A cooperação e a integrarão passaram a ser, de há anos para cá, as palavras e a característica chave do quadro político europeu, em torno das quais gira a evolução das grandes instituições no final deste século.

Se à cooperação e à integrarão acrescentarmos

procura de estabilidade, damos connosco a entender por que razão instituições tão diferentes como a União Europeia e a NATO desenvolveram estratégias de alargamento a novos países, seja como novos membros ou como parceiros, na procura de uma melhor ordem política, social, económica ou de defesa e segurança para o próximo século.

São os múltiplos objectivos de hoje e a complementaridade das respectivas acções que impõem estratégias aproximadas a tão diferentes instituições. E tome-se como mais novo exemplo a situação da Bósnia: sem a NATO, não teria acontecido a paz, sem a União Europeia não estaria a acontecer a reconstrução.

É a esta luz que deve, em nosso entender, ser apreciada a política de abertura ou de alargamento da NATO. Ela jamais será entendida ou, melhor, bem entendida, à luz da mentalidade, perspectiva ou enquadramento das velhas divisões de sempre, presentes nos últimos 40 anos. Estamos já longe de uma confrontação Leste/Oeste ou de uma qualquer corrida ao armamento. Da NATO, hoje deve esperar-se que assegure a estabilidade e a segurança de toda a Europa, devendo, para isso, reformar as suas estruturas e contribuir, de forma decisiva, para uma nova identidade europeia de defesa e segurança. Deve ser uma NATO nova para uma nova Europa, com novos parceiros, novas missões e novas estruturas. No caminho dessas formas de intervenção registe-se o programa do Partenariado para a Paz, estrutura base de cooperação permanente, que vem sendo reforçado em estreita colaboração entre os membros da Aliança e outros parceiros, participando em exercícios mais complexos e em novas missões, envolvendo mais de três dezenas de países, alguns mesmo com fortes tradições de neutralidade, em missões de manutenção de paz, como acontece, no exemplo do caso português, com a participação no conflito da Bósnia.
É que os conflitos e os perigos não desapareceram na Europa. Não se esqueçam que nos últimos seis anos morreram nos Balcãs e no Cáucaso mais europeus, em consequência de conflito armado, do que últimos 45 anos de «guerra fria» e que, por exemplo, a situação na Sérvia e na Albânia subsiste como foco permanente de perigosa instabilidade.
Novo no desígnio da NATO é também o espaço de diálogo, agora institucionalizado entre a Aliança e os seus vizinhos países do Mediterrâneo litoral, Egipto, Israel, Jordânia, Mauritânia, Marrocos e Tunísia.
Importante contribuição para o desenvolvimento futuro do papel da NATO na construção de uma nova ordem ou política de segurança europeia foi o estabelecimento, institucional mente firmado, de relações de trabalho e cooperação com a Ucrânia e a Rússia, países que são indispensáveis para o bom êxito de uma política de estabilidade e de segurança na Europa.
É bom, aliás, ter presente que não poucas opiniões se manifestaram, tempos atrás, no sentido de que abrir a NATO a novos membros e estreitar ao mesmo tempo as relações com a Rússia seriam objectivos não apenas incompatíveis como contraditórios. Não raras vezes se afirmava que a escolha era entre o alargamento ou a Rússia.
A opção teria de ser, a nosso ver - e veio a ser -, não a de escolher entre ambas, mas a de avançar nas duas frentes com os benefícios que até ao presente se constatam.
A NATO e a Rússia, no actual contexto, estão destinadas - direi mesmo condenadas - a cooperar, importando, assim, que entre ambas se reforcem as estruturas e os meios de colaboração, partilhando os benefícios da estabilidade e da paz.
Neste contexto sumário, a abertura, o alargamento ou a adesão de novos países à NATO emerge como um imperativo estratégico, um investimento na segurança da Europa, que hoje aqui debatemos no que respeita a futuros novos membros - Polónia; Hungria e República Checa -, a propósito do que, permita-me, Sr. Presidente, saúde os seus representantes diplomáticos que acompanham hoje, aqui, este debate.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, confesso - e faço-o a título pessoal - que sou dos que preferem falar de adesão de novos países à NATO do que do alargamento da NATO a esses novos países.
Não se trata apenas, acreditem, de uma mera figura de estilo. Falar de alargamento - forma corrente, aliás, de referência a esta questão - aponta para a ideia de que a NATO avança ou «invade», em direcção a Leste, quando o que nos parece mais apropriado é o movimento para ocidente e para as suas instituições - chamem-se elas NATO, União Europeia, UEO, Conselho da Europa, ou

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outras -, de países que, durante dezenas de anos, viveram separados das instituições europeias ocidentais.

Daí que, para além dos países cuja ratificação de adesão hoje aqui discutimos, mais uma dezena tenha igualmente anunciado a sua vontade ou mesmo solicitado a sua entrada na Aliança.

A decisão tomada no sentido de proceder a eventuais convites a novos países, na Cimeira de 1994, e após diálogo com essés países que haviam declarado a sua vontade de se tornar seus membros, veio a decidir, após a reunião de Sintra e já na cimeira de Madrid, convidar a Polónia, a Hungria e a República Checa. Os protocolos de adesão destes países vieram a ser assinados em Dezembro de 1997 e estão hoje presentes em Plenário, para aprovação e ratificação.

A abertura a novos países pressupõe a procura de três objectivos principais: preservar e reforçar os objectivos gerais da Aliança; promover uma maior estabilidade nos novos países aderentes e, através deles, nas regiões em que se situam.

Como resulta da fundamentação que sustentou

decisão, entenderam os chefes de Estado e de Governo que a Polónia, a Hungria e a República Checa eram, de entre os candidatos, os países que, naquele momento se mostravam - e mostram hoje - mais capazes e em melhores condições de assumir as responsabilidades, de par com os benefícios de novos membros da NATO.

Cada um destes países possui as suas próprias forças armadas e infra-estruturas adequadas e vêm - reconheça-se - fazendo um esforço sério de restruturação e de modernização, que prosseguirão certamente após a sua adesão plena,

Assumirão, naturalmente, a sua quota parte dos custos resultantes da sua qualidade de membro da Aliança, num esforço partilhado com os actuais países membros pelo cumprimento do imperativo estratégico de investimento numa nova fase de segurança e de defesa europeia.

Os custos do alargamento para os actuais e novos membros existem, mas serão certamente compensados pelos ganhos comuns na estabilidade acrescida, quer nas regiões de onde emergem esses novos membros quer no objectivo mais global da defesa euro-atlântica.

Uma maior NATO é importante para o bom desempenho nas relações euro-atlânticas, nomeadamente nas responsabilidades maiores que os países europeus sentem e devem assumir, no contexto da NATO, com o seu maior parceiro, os Estados Unidos.

Assim como uma maior vitalidade na relação da Aliança com os países do litoral mediterrânico, e mais ainda com a Rússia e com a Ucrânia, que, como antes se referiu, iniciaram formalmente uma mais permanente relação de trabalho e de diálogo com a NATO.

A abertura da Aliança não se esgotará, certamente, com a adesão da Polónia, da Hungria e da República Checa. Outros países - cerca de uma dezena -, ao momento, pretendem igualmente nela tomar assento, no quadro desejado de uma maior estabilidade regional, na arquitectura global de segurança que hoje se vai definindo para o próximo século.

Estão neste caso - e são conhecidos - países como a Roménia, a Eslovénia e os três Estados Bálticos, para só citar estes exemplos.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, a abertura da NATO a novos países da Europa Central e de Leste deve ser entendida como um processo natural de integração, como um meio de reforçar a estabilidade nacional e regional e de corresponder ao desejo de partilha de valores e de destinos, que as suas declarações ou pedidos de adesão representam.
O processo de alargamento da NATO mais não é do que, no seu respectivo plano, um movimento natural de integração patente noutras grandes organizações internacionais - e falamos do Conselho da Europa, da UEO, da OSCE e da própria União Europeia.
Os novos desafios, grandes ou pequenos, serão melhor enfrentados se o fizermos trabalhando em conjunto, definindo estratégias comuns, partilhando responsabilidades. A solidariedade e a coesão entre os aliados e o seu envolvimento em favor de uma defesa colectiva e de um partenariado transatlântico são essenciais para que, no plano da segurança, se vençam os novos desafios que se colocaram à Europa depois de 1991.
Portugal, como membro fundador da NATO, sempre se tem mostrado empenhado no desenvolvimento da Aliança e participou activamente no processo de adesão dos novos países, no quadro geral da abertura anunciada e do reforço do seu estatuto militar.
Aliás, a participação de Portugal na NATO e a valorização da presença portuguesa viu-se reforçado nos últimos vinte anos, na sequência da entrada do nosso país quer no Conselho da Europa, quer na UEO, quer mesmo na União Europeia.
A nova NATO será, no nosso entender, um factor de estabilidade para toda a Europa e para as regiões do Mediterrâneo suas vizinhas, contribuindo para a gestão de crises ou para a manutenção da paz, sob mandato das Nações Unidas ou da OSCE.
Aos aliados europeus no contexto da NATO - e sem prejuízo do papel decisivo dos Estados Unidos e Canadá estará, de futuro, reservada uma maior quota-parte maior na responsabilidade na defesa e segurança europeia.
A política de segurança nacional tem significado um esforço forte na valorização do papel de Portugal no seio da NATO, tanto mais que a posição geográfica do nosso pais nos confere uma situação única no contexto estratégico da Aliança.
Portugal, em consonância com um vasto consenso político interno, vem participando, de forma positiva e dignificadora, no enorme esforço de manutenção da paz no quadro da IFOR, na Bósnia, ou seja, afirmando-se enquanto País no conjunto organizado da Aliança Atlântica.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, compreendemos a importância que naturalmente releva, no momento actual, para a Polónia, para a Hungria e para a República Checa, o seu processo de adesão à estrutura da NATO.
Entendemo-lo, no contexto de uma nova Aliança, com novas estruturas, novas missões e novos parceiros, na construção de uma nova identidade europeia de segurança e defesa, em concerto com as demais instituições, como a UEO, a OSCE e a União Europeia.
Daí que, na sequência da assinatura dos protocolos de adesão que o Governo português subscreveu, em 16 de Dezembro de 1997, o Grupo Parlamentar do PS manifeste aqui a sua concordância e subscreva o processo de adesão da Polónia, da Hungria e da República Checa na NATO, votando, assim, favoravelmente, as propostas de resolução hoje apresentadas a Plenário com os n.º5 106/VII, 107/VII e 108/VII.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é preciso ter grande memória para recordar os acontecimentos de Budapeste, o que eles significaram para a esperança dos povos checo e húngaro na liberdade, na democracia e no progresso, o desejo que eles representaram na unificação da Europa, o alerta que eles foram para tantas consciências na Europa.

Aliás, penso que em Praga e em Budapeste se geraram cisões em algumas mentalidades que reconduziram a Europa no caminho da paz, da liberdade e do progresso.

Penso ainda que eles anteciparam o desejo destes povos

a uma participação nas instituições democráticas que

Europa tinha criado, nessa altura, no que se refere à NATO, com outras intenções, as de defesa, mas sem nunca esquecer - e é bom recordá-lo aqui - as suas componentes científicas, culturais, tecnológicas e até de desenvolvimento da democracia.

Entre nós, temos instituições - que, aliás, integram muitos dos Deputados desta Casa - onde são consagradas essas dimensões civis, digamos assim, da actividade que se espera do Tratado do Atlântico Norte.

Também a Polónia, que foi um país percursor na constituição da Europa que hoje temos, aspirou e lutou longamente não só pela sua liberdade nacional mas também pela sua liberdade de adesão aos grupos, às convenções e aos tratados que a sua consciência nacional aconselhasse como sendo os melhores.
Hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Assembleia da República é chamada a ratificar estes tratados e estas convenções. Digamos que ela é chamada a dar as boas-vindas a estes três países à comunidade dos países livres da Europa. Pelo que nos diz respeito, fazêmo-lo com grande alegria, recordando todos os sacrifícios que estes três povos - particularmente estes três povos - sofreram desde ao longo do seu percurso e até chegar a esta associação connosco. Esta é uma boa hora e um bom augúrio para a paz e para o futuro da Europa.
Que esta caminhada, Sr. Presidente, não só para estes países mas também para a grande Europa, que tanto teve a ver com o desenvolvimento do pensamento mundial, se faça tão rapidamente quanto possível. É certo que isso envolverá custos, mas o maior custo de todos é o da guerra, é o do extermínio. Ora, como esta associação se faz, pelo contrário, pela paz e pelo desenvolvimento, nunca serão demais os custos da paz e da democracia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Srs. Deputados: Para o PCP, ao contrário do que outros pensam e praticam, este debate envolve opções de um tal alcance para a Europa, para Portugal e para o mundo que deveria ter sido preparado com um altíssimo nível de profundidade, para permitir à Assembleia, no seu conjunto, aos jornalistas que acompanham o nosso trabalho e ao país que aqui representamos terem a exacta dimensão do que está em aprovação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não se quis assim. Em Itália, este debate ia fazendo cair o Governo. Em França, as comissões da Assembleia Nacional ouviram especialistas, membros do governo, receberam circunstanciada informação sobre todas as questões envolvidas, fizeram debates que conduziram a um relatório fundamentadíssimo de dezenas e dezenas de páginas. Na Hungria, foi feito um referendo, aliás com um resultado que dá um baixo apoio à opção de integração na NATO. A própria NATO elaborou centenas de páginas de relatórios, decisões, estudos, etc., para tentar justificar as opções feitas. Em Portugal, acontece como se está a ver: juntamo-nos aqui, «que maçada!»; lá vai discurso, já foi; uma discussão à uSpeedy Gonzalez» !
Mas o que está em discussão é, nem mais nem menos, do que o modelo de arquitectura de segurança europeia, o papel dos Estados Unidos da América nesse modelo e o papel das diferentes estruturas, incluindo o da Organização de Segurança e Cooperação Europeia, da União Europeia e da União Europeia Ocidental.
Do que aqui tratamos é de saber se se está a caminhar para um modelo que construa uma paz duradoura na região e dê uma contribuição positiva para a paz no mundo ou se, pelo contrário, se estão a lançar achas para uma< fogueira que algum dia queimará as hipóteses de estabilidade, de segurança e de cooperação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Do que tratamos é de discutir se a construção da paz não tem de ser, por definição, um processo assente no respeito mútuo, na criação da confiança, na erradicação das hegemonias e das relações de domínio e as correspondentes de subordinação. Não houve qualquer império que, assente na força, não acabasse por ruir pela força dos inimigos que criou.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A chamada «paz imperial» pode suspender a guerra mas não cria a paz, nem a estabilidade, nem a segurança.
Dirão, Sr. Presidente, que as decisões quanto à NATO, sua evolução e alargamento, já estão tomadas. Foram apuradas pelos chefes de Estado e de governo em sucessivas cimeiras; foram trabalhadas pelos ministérios, pelos funcionários, pelos estados-maiores; foram aprovadas em Washington, Londres e Bona; foram engolidas em Paris; foram chanceladas por todos os peões; logo, a Assembleia da República poderia utilizar melhor o seu tempo a tratar de outras questões, já que quanto a esta não «risca» absolutamente nada.
O PCP não aceita essa maneira de fazer política. Aqui é que estas questões deveriam ter sido discutidas antes das posições que o Governo' assumiu exteriormente e que nunca deveria ter assumido à revelia de um debate aberto com os portugueses, que são a razão de aqui estarmos.
O alargamento agora proposto e o quadro em que se concretiza aprofundam quatro direcções que marcaram a evolução da arquitectura de segurança na Europa nesta década de 90: primeira, prossegue o processo de reforço da NATO 'e de profunda alteração da sua natureza e âmbito, no sentido da sua «globalização»; segunda, reforça a posição hegemónica dos Estados Unidos da América na estratégia da NATO; terceira, acentua o fracasso da identidade de segurança e defesa europeia como

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componente autónoma; quarta, prossegue o processo de secundarização da Organização de Segurança e Cooperação Europeia, circunscrevendo cada vez mais o seu campo de intervenção.
Embora as direcções referidas sejam quatro, a posição de hegemonia dos Estados Unidos tem relevância em todas elas. Para os que se afirmam europeístas convictos, para os que conspiram e conversam nos corredores das Assembleias da União Europeia e da União da Europa Ocidental, falando na construção de uma Europa forte com um forte e autónomo braço armado, este alargamento e o processo em que se insere têm o sabor de uma derrota de estrondo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quem prossegue para Leste, antes da União Europeia, é a NATO. Como quem dirige a força de intervenção na Bósnia são os Estados Unidos da América. Como quem diz o que a NATO há-de fazer ou não no Kosovo são os Estados Unidos da América. Defesa europeia? União da Europa Ocidental? É de gargalhada!
E óbvio que este processo só foi possível porque as potências europeias o quiseram e aceitaram.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Depois da liquidação do Pacto de Varsóvia e do fim da União Soviética, o que se podia esperar, o que seria legítimo esperar, seria que a NATO deixasse de existir, na medida em que deixava, pura e simplesmente, de ter razão de ser. O equilíbrio Leste-Oeste que resultava, designadamente, da Acta Final de Helsínquia, dos Tratados de Não Proliferação Nuclear, do Tratado START, e ainda do Tratado CFE (sobre forças convencionais na Europa), tinha sido rompido de vez. A ameaça global, que serviu à NATO de autojustificação, desapareceu (como, de resto, reconhece, hoje, explicitamente, qualquer documento estratégico da NATO).
Com os «inimigos» desarticulados, mudados de campo e sem a ameaça global, a NATO deveria ter desaparecido, para dar lugar a um novo impulso e a um novo papel da Conferência de Segurança e Cooperação Europeia (hoje Organização de Segurança e Cooperação Europeia).
É preciso recordar aqui que a NATO é uma aliança político-militar que reúne Estados e as suas forças armadas para se organizarem para o combate de inimigos. Ao contrário, a um sistema de segurança e cooperação é alheia a noção de inimigo e de organização para o combate. A filosofia é a junção, no mesmo espaço territorial, de todos os que estão em certa região, mesmo com interesses contraditórios, para estabelecer regras de convivência, de cooperação, medidas de confiança, troca de informação estratégica, acordos de equilíbrio militar e tudo o que possa contribuir para prevenir e impedir o conflito. Não se exclui, obviamente, a possibilidade de, num sistema de segurança e cooperação, haver reunião de forças militares para missões determinadas, mas esse nunca será o objectivo principal da sua actividade, nem essas forças se definem em função de inimigos. São forças para a prevenção e para a manutenção da paz.
A opção consubstanciada em Novembro de 1991, no Conselho do Atlântico Norte de Roma, que aprovou a Declaração de Roma sobre Paz e Cooperação e o conceito estratégico da Aliança, foi não só a de manter a NATO, como também a de lhe dar um impulso em novas

direcções, atribuindo novas missões, nova estrutura e novo modelo de forças, mas mantendo a opção nuclear.
Corresponde este conjunto de opções às expectativas de paz e cooperação, de segurança e amizade que a nova situação europeia permitia? O que impedia que se passasse para o terreno da CSCE (hoje OSCE) e se estabelecesse um novo quadro de segurança, sem a criação de uma nova dinâmica militar, sem a preparação de novos sistemas de guerra, sem a humilhação dos vencidos, dos fracos e dos fragilizados? Nada impedia esse caminho, tudo,o aconselhava, o que teria permitido a criação do clima de confiança, a desmilitarização, o equilíbrio de forças e a estabilidade, que são a base segura e duradoura da segurança para todos os países, desde Portugal até qualquer país da parte Ocidental, como a qualquer país da parte Leste.
Só que este caminho pressupunha, forçosamente, o abandono do papel liderante dos Estados Unidos e a sua consideração como um igual entre partes iguais.
Para os países europeus é mais fácil submeterem-se aos Estados Unidos do que assumirem as suas próprias responsabilidades. Submetem-se aos Estados Unidos mesmo no estado em que está a respectiva presidência, com um Clinton que, quando tem a mão livre, (o que nem sempre sucede...) é para carregar no botão e mandar uns mísseis pelo mundo fora, como fez contra o Sudão, onde cada vez mais está provado que se fabricavam medicamentos e nada mais. O Governo português, mesmo sem saber de nada, mesmo sem ter sido tido ou achado, numa atitude de vergonhosa submissão à potência imperial e a todos os seus tiques, apoiou logo. Mas, na Europa é assim. Mesmo um Clinton no estado em que está, a tentar distrair o mundo do «estendal» da sua vida privada, é quem mais ordena. Todos «dobraram a espinha»!
Toda a evolução desde a Cimeira de Roma, de 1991, tem visado objectivos claros. Desde logo, como primeiro objectivo, está o controlo da própria União Europeia a quem a NATO, isto é, a quem os Estados Unidos da América concederam a benesse de construir uma identidade europeia de segurança e defesa, mas reservando para si a organização das forças militares, o sistema de comando e o direito de veto sobre o seu emprego como forças europeias, ou seja, como forças da União da Europa Ocidental. Depois, como segundo objectivo, está o controlo de todo o Leste, através das sucessivas estruturas e acordos, desde o Conselho de Cooperação do Atlântico Norte, passando pelas Parcerias para a Paz (que são uma espécie de dependência à la carte), finalizando com a criação do Conselho de Parceria Euro-Atlântico, em Sintra, no ano passado. Esta estrutura engloba 44 dos 54 países que vão de Vancouver a Vladivostok. Dos dez que fazem a diferença, entre 44 e 54, um, a Jugoslávia, foi posto fora de tudo, e dos outros nove, a maioria são os chamados «mini-países», a Santa-Sé e outros do género. De fora ficam, com relevância, a Irlanda (que não pertence à NATO e está, por isso, fora deste sistema), a Bósnia e a Croácia! Isto é ou não, afinal, o decalque do território da OSCE, não para a cooperação mas, sim, para o controlo e domínio do Leste europeu?
O terceiro objectivo é o mais grave e refere-se à reformulação estratégica da Aliança. Essa reformulação não está concluída, estando prevista a aprovação para o ano, em Washington, no 50 º aniversário da NATO, de um novo conceito estratégico. Mas as orientações-chave estão no terreno. Desde logo, a assumpção pela NATO das missões «fora de área», ou «não artigo 5.º», que transforma a

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natureza do tratado da NATO de defensiva em ofensiva, de aliança circunscrita territorialmente em aliança de projecção global. É a esta filosofia que obedece a estrutura militar hoje assente nas forças operacionais, multinacionais e combinadas, dotadas de grande flexibilidade e mobilidade, vocacionadas para a intervenção externa, processada no quadro do que eufemisticamente é chamado de «reacção rápida». Mas, para além desta componente de missão, há na reformulação estratégica um aspecto, não consumado ainda mas já escrito em várias reflexões e documentos, que é a possibilidade de a NATO actuai' sem mandato da ONU ou da OSCE. Concretizar essa opção seria subverter a ordem jurídica internacional, mas não só, seria dar uma machadada gravíssima na ONU e fazer o enterro da OSCE.
O que é espantoso é que, enquanto isto se passa, a OSCE tem na sua agenda a aprovação de uma Carta de Segurança Europeia, no quadro de um conjunto de intenções tomadas na Cimeira da OSCE realizada em Lisboa, intenções que claramente se vão comprometendo com esta política de factos consumados tomada pela NATO, da qual este alargamento é exemplo claro.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, os que dizem não valer a pena discutir o alargamento pretendem convencer que não há alternativa a esta via. São adeptos da via única, com a supremacia estado-uniensè na Europa e tudo o que lhe está associado. Mas há outro caminho, o que falta é vontade política para o seguir.
Os que dizem não valer a pena discutir o alargamento querem calar os que, de muitos sectores, sentem não ser este o caminho seguro para a paz e sentem que a arrogância da potência imperial é inaceitável, sentem que nestas matérias as opções que estão a ser tomadas não são justas, não são boas, não são as apropriadas. Ninguém consegue calar a incomodidade e o desagrado que esta evolução da NATO provoca e que leva muito gente a dizê-lo nos corredores, mas leva muitos outros, hoje, o dizê-lo alto e bom som, pessoas de quem, seguramente, não se esperaria, com facilidade, afirmações desse tipo.
Da nossa parte, discordamos destas opções de reforço e alargamento da NATO. Por isso, votaremos contra as propostas de resolução em análise, mas ao mesmo tempo apelamos a uma profunda reorientação da política de segurança e defesa na Europa. Uma reorientação que valorize a cooperação, a igualdade de partes, o estabelecimento da confiança mútua e que abandone a via da imposição militar e o espírito de segregação entre bons e maus, entre os de cá, os do grupo e os outros.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nesta discussão, dirigimo-nos também aos povos, às autoridades, às forças dos três países que aderem à NATO e aos diplomatas que aqui os representam, naturalmente, em primeiro lugar, para os saudar, mas também para lhes dizer que a nossa oposição a este caminho que está a ser seguido na arquitectura militar da Europa resulta da nossa convicção de que é um caminho errado e perigoso para todos, incluindo para os três novos membros. Não poderíamos votar de outra forma, temos de seguir a nossa profunda convicção!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Cabe ainda dizer algumas notas sobre o conteúdo técnico-militar e as implicações financeiras da adesão. Esta adesão obrigou os Estados Unidos (através da NATO) e a Federação Russa a estabelecerem acordos .para algumas questões que foram por esta consideradas essenciais. Nos termos do Acto Fundador, a NATO manifestou que não tencionava instalar o vector nuclear nos territórios destes três Estados, que não pretendia o estacionamento permanente aí de forças significativas e que aceitava uma recomposição dos limites de forças convencionais fixados no tratado CFE. Estas intenções - e é bom recordar aqui, inclusivamente aos Srs. Diplomatas presentes, que dentro da NATO há quem diga que estas intenções não têm valor jurídico, porque o Acto Fundador não é um tratado ratificado pelos Estados - mostram a delicadeza deste processo e as suas incidências. Aliás, quais são os compromissos existentes em relação ao estacionamento de forças não permanentes? O que quer dizer «forças significativas»? Pergunto, Srs. Deputados: mais segurança nesta zona? Não, mais instabilidade, fundamentalmente porque há menos confiança e isso significa menos segurança.
As próprias opões tomadas quanto ao reequipamento não apontam para mais segurança. O reequipamento vai ser feito fundamentalmente na Força Aérea (adivinham-se bons negócios para a indústria aeronáutica dos Estados Unidos), nas infra-estruturas portuárias e aeroportuárias (dando uma maior velocidade de resposta e mobilidade às Forças da NATO), nas comunicações e no treino tendo em vista a interoperacionalidade.
O alargamento não é, assim, só uma opção política, é um caminho de reforço militar para projecção de força, e não é pequeno. Só a Polónia tem, à sua conta, umas forças armadas com 200 000 homens.
Os custos financeiros vão ser pesados, desde logo para os três países que assumem o compromisso de elevarem a percentagem do PIB em gastos com a defesa. Todos os países descem as suas despesas militares e estes três países vão subi-Ias. Os cálculos globais do Congresso americano, feitos em Março de 1996, para a despesa global com o alargamento apontavam para 20 000 milhões de contos em 10 anos. Em Fevereiro de 1997, o Pentágono apontava gastos entre 6,3 e 4,8 000 milhões de contos nos mesmos 10 anos. O valor que agora a NATO estima; para vender o produto, é ridiculamente baixo face a essas previsões. É um valor de cerca de 270 milhões de contos para 10 anos, o que, obviamente, tranquiliza os contribuintes mas deixa muito,a desejar quanto a fiabilidade.
Alguns dos Srs. Deputados acharão, certamente, que este debate é uma perda de tempo. Outros, que eu sei que se preocupam, talvez achem que vale a pena estar alerta, que é tempo de fazer uma reflexão profunda e de arrepiar caminho na direcção da paz, da segurança e da cooperação, nesta Europa de europeus e de nações que devem assumir o seu futuro e a sua segurança.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Corpo Diplomático dos países candidatos à adesão à Aliança Atlântica: A Assembleia da República é hoje chamada a debater os protocolos de adesão à Aliança

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Atlântica de três Estados da Europa Central - a Hungria, a Polónia e a República Checa -, com os quais Portugal tem sólidas relações bilaterais nos planos político, diplomático, económico e cultural. E é chamada a fazê-lo, precisamente, na ocasião em que o Sr. Presidente da República realiza uma visita de Estado a um desses países, a Polónia.
Gostaria de sublinhar que esta adesão é fruto de opções livres dos respectivos países, assumidas pelos governos e parlamentos democráticos, e que foi também objecto de uma convalidação negocial por parte da Federação Russa. Gostaria também de referir que o Governo enviou a 4 de Junho, após aprovação em Conselho de Ministros, em 26 de Maio, estes projectos à Assembleia da República, tendo sido ouvido o Conselho de Defesa Nacional, que deu parecer favorável, e que a Comissão dos Negócios Estrangeiros desta Assembleia, presidida pelo Sr. Deputado Azevedo Soares - que cumprimento -, deu hoje o seu assentimento ao agendamento em Plenário destes importantes diplomas, tendo uma expressiva maioria de forças políticas, através dos seus porta-vozes, expressado uma adesão a este alargamento.
Não se trata, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do primeiro alargamento da NATO. Desde que o Tratado de Washington foi assinado, em 1949, assistimos às sucessivas adesões da Grécia e da Turquia, em 1952, da República Federal da Alemanha, em 1955, e da Espanha, em 1982.
Mas este alargamento obedece a circunstâncias históricas profundamente distintas e representa, em muitos aspectos, a continuada vitalidade de uma organização que desempenha um papel determinante para a paz, a estabilidade e a segurança do grande espaço euro-atlântico.
O fim da guerra fria, identificado com a queda do muro de Berlim, em 1989, e com as subsequentes dissoluções do Pacto de Varsóvia e do COMECON, permitiu o aparecimento de regimes democráticos e pluralistas no Centro e no Leste da Europa, regimes independentes, regimes de economia de mercado, regimes profundamente respeitadores dos direitos humanos.
Aos Estados membros da NATO e da União Europeia coube a responsabilidade histórica de adaptar aquelas duas organizações às novas coordenadas políticas e estratégicas do nosso continente, e também de dar resposta positiva aos anseios reiteradamente expressos pelas respectivas populações. Tal adaptação, todavia, não foi, nem é, tarefa fácil ou imediata. A preparação dos respectivos processos de alargamento teve de ser ponderada e cuidadosa, passando primeiro pela fixação de objectivos e critérios e, sobretudo, pela identificação de um modelo coerente para o espaço euro-atlântico que reunisse um conjunto de elementos fundamentais, a saber: o respeito pela vontade legítima das novas democracias europeias, em particular no tocante aos domínios da defesa e da segurança, da transição para a economia de mercado e de instituições políticas, pluralistas e democráticas;...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... a preservação dos princípios defendidos pela União Europeia e pela Nato e dos laços transatlânticos; a articulação dos respectivos processos de alargamento, de modo a assegurar resultados finais compatíveis e a evitar novas e indesejáveis linhas divisórias na Europa; a sedimentação de relações construtivas com a Rússia, a Ucrânia e os demais estados da CEI, Comunidade de Estados Independentes.

A adaptação da NATO - cuja razão de ser chegou mesmo a ser posta em causa em alguns quadrantes e se verifica que continua a ser -, comportou, assim, uma vertente interna e uma dimensão externa que importa analisar.
Começando por esta última - a adaptação externa -, direi que o alargamento representa o estádio mais avançado de desenvolvimento. Com efeito, desde a aprovação em Roma, na cimeira de 1991, do conceito estratégico que hoje rege a aliança, muitos e significativos passos foram dados: a criação, nesse mesmo ano, do Conselho de Cooperação do Atlântico Norte, fórum político e de cooperação prática que congregou aliados, por um lado, e antigos membros do Pacto de Varsóvia e as ex-repúblicas da União Soviética, por outro, e o lançamento da «parceria para a paz», na cimeira de Bruxelas, em 1994, ano em que, pela primeira vez, a NATO adoptou a sua política de «porta aberta». Com a parceria, que agora congrega 43 Estados, a NATO dotou-se de um precioso instrumento que lhe permitiu estabelecer com os Estados subscritores programas individuais de cooperação política e técnico-militar. Os frutos desta iniciativa estão à vista, tanto no que toca à preparação para a adesão na qualidade de membros plenos como no que respeita a acções militares conjuntas de que a intervenção na Bósnia-Herzegovina com a IFOR/SFOR constitui o mais evidente sucesso, que, aliás, engloba como parceiro determinante a própria Federação Russa.
Posteriormente, a assinatura em 1997, em Paris, do «Acto Fundador NATO-Rússia» e, na ministerial de Sintra, da «Carta de Parceria NATO-Ucrânia» permitiu que a NATO definisse um relacionamento com aquelas duas potências que fosse ao encontro das suas expectativas e que viabilizasse o alargamento a Leste. Finalmente, e como forma de revitalizar, na globalidade, o sistema edificado desde 1991, a NATO propôs, com sucesso, a criação, na Cimeira de Madrid, de um novo «Conselho de Parceria Euro-Atlântica», fórum paritário de debate e de cooperação multilateral nas áreas político-militar, da manutenção de paz e científica e tecnológica, entre outras.
Com este pano de fundo, a NATO encontrou-se em condições de proceder ao debate sobre o «quem», o «quando» e o «como» do seu alargamento. A decisão acabou por ser tomada na Cimeira de Madrid, em Julho do ano passado, e contemplou as candidaturas apresentadas pelos três Estados cuja adesão agora se apresenta a esta Assembleia. A negociação dos termos de adesão foi rápida e culminou çom a assinatura destes três protocolos a 16 de Dezembro, em Bruxelas.
Não é segredo que Portugal, a par de outros aliados, defendeu e defende um alargamento mais abrangente. Em nosso entender, outros dois Estados reúnem as condições estipuladas e apuram a dimensão mediterrânica, a dimensão do flanco sul da NATO: a Roménia, por ter dado passos significativos na sua transição democrática e na consolidação de instituições legítimas e credíveis, para além de poder dar um contributo militar apreciável à Aliança e de permitir que esta reforce a sua projecção numa região particularmente sensível da Europa, não esquecendo que não integra o conjunto de Estados seleccionados para a «primeira vaga» de adesões à União Europeia; e a Eslovénia, pelo exemplo positivo que representa para as demais antigas repúblicas jugoslavas - justamente reconhecido pela União Europeia - e por permitir, em termos estratégicos, relativizar o isolamento territorial face aos actuais 16 aliados em que a Hungria se encontra.

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O compromisso alcançado em Madrid, porém, assentou na identificação de um primeiro grupo de três Estados e na reafirmação da política de «porta aberta». Ficou claro que os demais candidatos não se encontram, de modo algum, excluídos em definitivo. Já a partir, e talvez mesmo antes, da Cimeira de Washington, que em Abril de 1999 assinalará o 50.º aniversário da Aliança, retomaremos esta questão.
A Hungria, a Polónia e a República Checa não carecem de recomendação. As suas democracias, os seus representantes e a forma como assimilaram os fundamentos da economia de mercado e da democracia pluralista merecem apoio, aplauso e justificam a adesão à União Europeia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O mesmo raciocínio se aplica à NATO e é potenciado pela necessidade de evitar o aparecimento de «zonas cinzentas de segurança» no contexto geográfico europeu.
A adesão à NATO destes três Estados não é mais do que a resposta colectiva a anseios plenamente justificados e razoáveis; é um imperativo humano, histórico e político.
E recordo quanto disse inicialmente, visto que, no plano puramente bilateral, só posso elogiar o plano a que as relações de Portugal com os três Estados em causa foi elevado -: a um intenso ritmo de contactos e visitas correspondem crescentes fluxos comerciais, de investimento e culturais.
Mencionei, também, a faceta interna da adaptação da NATO, o outro lado da moeda da transformação da Aliança numa organização de defesa capaz de fazer face a novas e, porventura, mais delicadas missões.
Sublinharia, a este propósito, que num contexto de reforma da estrutura militar aliada, de reduções de custos - os tão discutidos «dividendos da paz» -, de diminuição de efectivos e de supressão de instalações militares e quartéis-generais, Portugal não só manteve o seu nível de projecção no seio da NATO como, em termos teóricos e práticos, o aumentou. Aponto três significativos exemplos. Em primeiro lugar, o Iberlant, até agora um comando subordinado do Comando Supremo do Atlântico, passará a ser conhecido por «Comando Regional do Atlântico Sudeste», também apenas subordinado ao Comando Estratégico Atlântico, tendo uma vasta área geográfica sob a sua tutela, área essa que abrange a faixa meridional do Atlântico Norte, a costa africana e os acessos ao estreito de Gibraltar.
Como saberão, houve quem contestasse a preservação deste comando, pelo menos com este nível e com esta jurisdição. Ao comando de Oeiras serão cometidas assinaláveis responsabilidades e destacaria a sua apetência natural para servir de quartel-general de forças multinacionais e inter-armas, as Combined Joint Task Forces, e de ponte para a projecção da aliança para o Atlântico Sul, sem descurar o Magrebe e um valioso apoio à acção da Nato no Mediterrâneo. O Governo tem valorizado este comando, dotando-o de meios actualizados e de valências eficazes.
Em segundo lugar, apontaria a questão do arquipélago das Canárias, para a qual foi alcançado um compromisso -para nós muito satisfatório -que caracterizaria do seguinte modo: a fronteira entre os dois comandos estratégicos - atlântico e europeu - é deslocada para oeste, passando a ser a fronteira entre Portugal e Espanha, à

vertical do Guadiana; estabeleceu-se uma «bolha», ou box, a incluir na área do comando europeu, em torno daquele arquipélago e num raio de 50 milhas para lá das 12 milhas das suas águas territoriais; ficou assegurado que aquela delimitação não afectaria a posição dos dois Estados sobre a delimitação da fronteira entre os espaços marítimos português e espanhol na região compreendida entre o arquipélago da Madeira, incluindo a zona económica exclusiva das ilhas Selvagens, e as ilhas Canárias, enquanto o comando de Oeiras será sempre informado quanto às operações na «bolha» das Canárias relacionadas com a defesa colectiva - e, recorde-se, as Canárias ficam, em rigor, subordinadas ao comando regional europeu, situado em Nápoles.
Em terceiro lugar, cabe evidenciar que Portugal obteve um expressivo ganho de quatro posições de oficiais generais na nova estrutura militar da NATO, com presença na cadeia de comando europeia, passando a contar com: a título não precário, um almirante de três estrelas como comandante do antigo Iberlant; um oficial general de duas estrelas como segundo comandante do subcomando regional de Madrid, subordinado ao comando estratégico da Europa; um oficial general de duas estrelas como Assistam Chief of Staff no comando estratégico do Atlântico; um oficial general de três estrelas, em rotação, no comando estratégico da Europa, como responsável pela articulação entre os dois comandos estratégicos; e mais um oficial general de uma estrela no comando estratégico da Europa.
Tendo em conta os reais ganhos de segurança com a adesão dos novos membros da Aliança, não gostaria de terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem abordar a questão das implicações financeiras para Portugal do alargamento da NATO.
Segundo os cálculos efectuados, o panorama orçamental fala por si: no tocante aos programas de infra-estruturas, não há custos adicionais para Portugal, que continuará a pagar 0,345% do total, cerca de 390 000 contos em 1997, ano em que obteve contrapartidas no valor de 7 milhões de contos.
No orçamento civil, onde Portugal suporta 0.63% do total, despendemos, em 1997, 180 000 contos, tendo recebido 110 000 contos em bolsas. Calculamos que o aumento de encargos seja de cerca de 2750 contos no ano em curso e em 1999. No futuro, e caso venha a ser decidida a construção de uma nova sede em Bruxelas, poderemos pagar até 125 000 contos, divididos por 4 anos e incluindo as instalações da delegação portuguesa.
Quanto ao orçamento militar, a quota portuguesa é aproximadamente 0.67%, o que se traduziu, em 1997, por uma contribuição de 831 000 contos, havendo contrapartidas de 734 000 contos em vários programas militares; prevê-se aqui um aumento na ordem dos 16 500 contos por ano.
Por outras palavras, em 1997, Portugal contribuiu com cerca de 1,3 milhões de contos, obtendo contrapartidas de quase 8 milhões de contos, quadro esse que não se deverá alterar substancialmente nos próximos anos.
A título de curiosidade, as contribuições médias dos novos aliados serão de 0.9% para a República Checa, 0.65% pará a Hungria e 2.48% para a Polónia.
Uma derradeira nota: o processo de ratificação de Protocolos de Adesão avança rapidamente nos nossos aliados, faltando com Portugal a Holanda e a Turquia. E mesmo nos Estados Unidos da América, onde se temeram dificuldades no Senado, a aprovação pelo Congresso decorreu sem problemas e por uma confortável maioria.

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Ao aprovar estes protocolos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Assembleia da República contribuirá para dar coerência a um dos objectivos centrais do consenso nacional sobre política externa: a paz e a segurança numa Europa livre e democrática.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições para uso da palavra, o Regimento prevê que, finda a discussão dos Tratados, se proceda à sua votação global. Não sei se os Srs. Deputados pretendem que se faça um compasso de espera para que os Srs. Deputados que até agora não ouviram a campaínha possam chegar à Sala.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 106/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da República da Polónia ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 107/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da República Checa ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997.

Submetida à votação, foi aprovada, Com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

Os Srs. Deputados têm de ter mais atenção à campaínha que está a tocar há cerca de um quarto de hora. Não se justifica que os Srs. Deputados entrem a meio da votação! Isso é perfeitamente inaceitável! É dever fundamental de um Deputado estar no Plenário no momento das votações e a campaínha existe para esse efeito.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 108/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da Hungria ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas, em 16 de Dezembro de 1997.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e võtos contra do PCP e de Os Verdes.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 530/VII - Privatização do notariado (PSD).
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD apresenta hoje à Assembleia da República um projecto de lei de

privatização do notariado português com a consciência de que o programa de modernização e de reformas estruturais desenvolvido em Portugal desde a adesão à União Europeia, tendo provocado importantes transformações na sociedade e na economia nacionais, requer o seu contínuo aprofundamento. Hoje, o País carece de dotar os serviços de notariado, por onde passa praticamente toda a vida económica do País, de uma fisionomia e uma vitalidade novas.
De facto, o notariado constitui um dos elementos integrantes do sistema legal que configura e dá suporte ao funcionamento de uma economia de mercado, constituindo um instrumento ao serviço da segurança e certeza das relações jurídicas, da transparência e publicidade legal das actividades económicas e, consequentemente, do desenvolvimento económico.
O notariado português encontrou a sua primeira grande organização na segunda metade do século XIII, tendo a sua feição romanista inspirado a figura do notário enquanto oficial público e profissional do Direito, à semelhança, aliás, do que aconteceu nos demais países onde chegou a influência do direito romano. De então em diante, a actividade notarial foi sendo objecto de sucessivas regulamentações, mantendo-se o paralelismo entre a evolução do notariado português e o notariado desses países, respeitados, como é natural, especialidades e particularismos.
Mais tarde, por influência da lei francesa de Ventôse (1899), que fixou as bases e os princípios do notariado latino, iniciou-se em Portugal um período em que o notariado passou a constituir uma verdadeira instituição e o notário se afirmou como um ofcial público em todos os domínios do direito privado extrajudicial, evolução que viria a culminar com a consagração do estatuto notarial como «regime de direito público privativo».
Assim, desde a sua origem até à década de 40 do presente século, o notariado português soube acompanhar a evolução dos seus congéneres europeus integrados no sistema do notariado latino.
Percurso paralelo, alicerçado numa longa experiência de frutuosos intercâmbios e ensinamentos, que, no entanto, veio a ser interrompido em pleno Estado Novo com a «funcionarização» ou «nacionalização» do notariado, fenómeno induzido pela natureza autocrática e centralizadora do regime político à data vigente no País.
Por compreensíveis razões de harmonia, ajustamento e equilíbrio, cada sistema notarial deve traduzir o modelo de sociedade e o sistema de direito vigentes. E tanto a fisionomia que a actual Constituição Portuguesa consagra à primeira, como a raiz romano-germânica do segundo, impõem a consagração, entre nós, do modelo do notariado latino.
Assim, é indispensável que o notariado português busque a ortodoxia perdida e perspective como meta a sua integração plena na estrutura sistemática em que histórica, cultural e sociologicamente se insere.
Com o projecto do PSD visa-se regressar à sua matriz original notariado privado - que é aliás a dominante nos países desenvolvidos da Europa e, de forma particular, nos países latinos.
Esta iniciativa reformadora é imperiosa e urgente, no contexto da criação de um ambiente institucional favorável ao desenvolvimento empresarial, ganhando uma acuidade crescente no quadro do mercado único europeu, o mercado de referência para um número significativo e cada vez maior de empresas portuguesas.

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Inserido na União Europeia, Portugal deve apostar em desenvolver-se económica e socialmente, num espaço económico baseado na concorrência para estimular as iniciativas, na cooperação para as reforçar e na solidariedade para garantir mais oportunidades aos cidadãos. Nesta perspectiva, a actividade notarial não só ganha ainda maior relevância, pelo apelo constante ao delegatário da fé pública, consultor imparcial e independente das partes, exercendo uma função preventiva de litígios, mas também vê abrirem-se perante si novos horizontes, designadamente com a eventual possibilidade do direito de estabelecimento dos notários no quadro da União.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o projecto de prìvatização do notariado, o PSD visa criar condições para assegurar um serviço melhorado, em qualidade e celeridade, eficácia e eficiência, que responda às necessidades dos cidadãos e das empresas.
Hoje, um dos sectores onde as pessoas e as empresas sentem maior burocracia é justamente na área do notariado, fruto do regime de monopólio estatal existente.
A grande alteração que a privatização que se propõe vai operar - fomentando e estimulando uma concorrência saudável e com regras bem definidas - é indiscutivelmente uma maior celeridade e eficácia na resposta às pessoas e às empresas, sem colocar em causa a legalidade e a validade dos actos.
O projecto do PSD visa responder de forma clara às necessidades dos cidadãos portugueses que procuram nos notários, com desejável celeridade, a realização de diversos actos e contratos.
Hoje, esta é das maiores «dores de cabeça» para os cidadãos na sua relação com o Estado: os atrasos, a burocracia inútil, suscitam a natural irritação das pessoas e em nada abonam a imagem do Estado e dos seus funcionários.
O regime monopolista público existente concorre para todos estes vícios, que, em regime concorrencial, tenderão a desaparecer. Trata-se também de evitar que o investimento estrangeiro, que encontra boas condições para procurar o nosso País, não seja dissuadido por razões da crónica lentidão burocrática e processual deste sistema de serviços.
Hoje, são os grandes investidores estrangeiros quem mais se queixa do funcionamento dos notários. Portugal perde, assim, na competição com outros países da Europa.
Nos inquéritos que habitualmente são feitos às dificuldades dos investidores estrangeiros este é, por regra, o obstáculo mais apontado, porventura, mais que a lentidão dos tribunais.

Pausa.

O projecto do PSD tem em conta a natureza específica e a importância económica e social da função notarial.
Privatizar os notários não significa proporcionar uma competição desregrada. Significa, antes, fomentar uma saudável concorrência regulada.
Os notários são delegatários da fé pública, o que obriga a rigor na definição das condições que permitam o exercício da função e regras para o seu exercício.
Passa a caber ao Estado apenas uma função reguladora e inspectora que salvaguarde o interesse dos consumidores dos serviços notarias.
A par da fiscalização a cargo das partes - designada mente nos actos contratuais -, o Estado exercerá a sua função pública de fiscalização e inspecção.
Entre o paradigma caduco de um regime de monopólio público, como o que actualmente existe, e uma reforma estruturante, marcada pela promoção da concorrência entre os prestadores do serviço e pela ampliação das possibilidades de escolha dos cidadãos, o PSD aposta num notariado concorrencial, regulado e fiscalizado pelo Estado.
A situação actual pode garantir receitas ao Estado, mas é penalizadora para os cidadãos e para as empresas, e o custo para o País, em atrasos, em burocracia e em falta de competitividade, é demasiado elevado para poder ser mantido por mais tempo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A opção concorrencial, que em Portugal é protagonizada pelo PSD, responde aos desafios dos dias de hoje e constitui uma reforma estrutural no domínio da justiça portuguesa.
Após três anos de inércia e inépcia nesta área governamental, o País não pode esperar mais e continua a ser adiado.
O Governo, que se notabilizou por fazer da "oposição à oposição" um estilo governativo; tem vindo a evidenciar, mais uma vez, falta de espírito de iniciativa e de empenhamento numa medida que, afinal, curiosamente, inscreveu no seu próprio programa.
Ao que tudo indica, parece que já a despachou à consideração do próximo governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, vou aguardar que a Sr.ª Deputada chegue à sua bancada e peço que este tempo não me seja descontado.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo, não vou ter tempo para muitas questões e, portanto, vou fazer-lhe apenas duas perguntas.

V. Ex.ª falou na burocracia dos notários públicos; os notários públicos têm de respeitar a lei e têm de ser fiscais da aplicação de várias leis, de obrigações fiscais, de legislação do urbanismo, etc. Pergunto qual será a diferença entre ser notário público ou privado se houver que respeitar estas. leis, algumas das quais, aliás, para garantia dos cidadãos. E como V. Ex.º esteve no anterior governo, pergunto-lhe o que foi feito pelo anterior governo para desburocratizar, para além de publicar todos os anos um exemplar do Diário da República de uma cor diferente, para comemorar o Dia Nacional da Desburocratização.

A outra questão é a seguinte: uma vez que há atrasos - e, seguramente, poderá até ser necessário criar mais cartórios, dar condições de trabalho, informatizar e dar cursos de informática adequados aos funcionários para acelerar o serviço -, pergunto-lhe o que fez o governo em que V. Ex.º esteve integrada além de dar uns cursos de três dias (ou algo parecido) que não têm qualquer utilidade, e colocar numa conservatória na área da Expo, que funcionava bem, uns computadores com que ninguém conseguia trabalhar, o que teve como consequência o facto de a conservatória, que tinha o trabalho em dia», o ter atrasado em oito meses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Há mais um pedido de esclarecimento, pelo que pergunto à Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo se pretende responder já à Sr.ª Deputada Odete Santos ou no final, em conjunto.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, respondo já à Sr.ª Deputada Odete Santos.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra para responder a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço a sua pergunta e, sobretudo, ter-me permitido chegar à bancada em tempo de a ouvir.
Sr.ª Deputada Odete Santos, acredito perfeitamente que a Sr.ª Deputada não consiga compreender a grande vantagem do notariado privado dado que esta assenta na concorrência. Uma economia estatal é um modelo de monopólio...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não concordo com a concorrência entre os notários!

A Oradora: - Sr.ª Deputada Odete Santos, se não se importa, agora falo eu e, já agora, esclareço-a.
O monopólio público que existe, obviamente, não tem estas vantagens. A concorrência é, pois, saudável. Temos de a aceitar, ainda que em termos ideológicos possamos não estar de acordo, temos de aceitar o mercado, acreditar nas vantagens e nas virtualidades do mercado e da concorrência. Portanto, como acreditamos e como, além do mais, olhamos à experiência dos outros países e não fechamos os olhos à realidade e à evidência, queremos acreditar também que em Portugal não vai ser diferente.
Mas, Sr.ª Deputada, para lá do mais, a Sr.ª Deputada esteve distraída nos últimos anos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi a olhar para o Sr. Ministro Laborinho Lúcio.

A Oradora: - E digo-lhe que esteve distraída por uma razão muito simples: quem aprovou e pôs em prática o Código de Procedimento Administrativo? Quem, por exemplo, acabou com o papel selado, Sr.ª Deputada? Já se esqueceu do papel selado?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi no Orçamento do Estado e tratou-se de uma proposta do PS!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, acalme-se, oiça! Se continua assim, continua distraída.
A Sr.ª Deputada e, provavelmente, muitos portugueses já se esqueceram que o papel selado existiu. Mas existiu e estou a dar-lhe dois exemplos.
O reconhecimento notarial, Sr.ª Deputada, posso dizer-lhe - e aí não tem o que dizer, porque sucedeu muito antes, no período em que estive com a pasta da justiça -, foi altamente simplificado. A Sr.ª Deputada, como lhe digo, estava distraída e é por essa razão que está a invocar tudo isto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E a resposta à outra pergunta?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, ouvi a sua intervenção com toda a atenção. Como a Sr.ª Deputada sabe, quando estamos a discutir um projecto tão importante como aquele que foi apresentado relativo à privatização do notariado, estamos a discutir no âmbito de uma reforma do Estado que, como a Sr.ª Deputada também sabe, é dotada de extraordinária complexidade.
A Sr.ª Deputada teve oportunidade de se referir como que a uma ausência de posição do Governo em relação a esta matéria, mas, obviamente, sabe pelo menos tão bem como eu - ainda hoje, na 1.ª Comissão, aquando da discussão do relatório e parecer sobre esta matéria, que foi aprovado por unanimidade por todos os Srs. Deputados, tivemos oportunidade de aludir precisamente a isto -, que o Governo tem preparada e em fase de discussão pública...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Há três anos!

O Orador: - ... uma reforma e um pacote legislativo extremamente importante no âmbito desta matéria.
Falamos concretamente de seis matérias muito específicas, que têm a ver com o estatuto do notariado, que, de alguma forma, é aquele que abrange exclusivamente o projecto de lei do PSD; com o licenciamento dos cartórios notariais; com o estatuto da ordem dos notários portugueses(e aí existe, efectivamente, uma diferença clara em relação à posição que é defendida no projecto de lei do PSD e aquela outra que, de alguma forma, o PS e o Governo defendem, em oposição ao conselho superior do notariado, mas isso será matéria em que, em sede de especialidade, estamos absolutamente convencidos disso, será obtido o necessário consenso); com a tabela de preços dos actos notariais; com o regulamento do fundo de solidariedade profissional e, ainda, com alterações ao Código do Notariado.
A minha pergunta, Sr.ª Deputada, prende-se precisamente com isto que acabei de dizer: a Sr' Deputada não entende que uma simples alteração como esta ao estatuto do notariado, tal como é apresentada neste momento - e, felizmente, vamos ter aqui, pensamos nós, muito rapidamente a proposta do Governo quanto a este pacote geral -, pouco ou nada serve? Esta é, efectivamente, a questão.

O Sr. Carlos Encarnação (PS): - Olhe que ela responde!

O Orador: - Não ponho em causa, obviamente, a seriedade da Sr.ª Deputada quando defendeu este projecto de lei e a convicção com que o defendeu. Não é isso, obviamente, que está em questão e que a minha pergunta encerra, aquilo que está, efectivamente, em causa é esta reforma complexa e os meios necessários para a implementar.
Como a Sr.ª Deputada também sabe - e já vi que tem lido com toda a atenção o Programa do Governo, o que, obviamente, deixa-me satisfeito -, do que se fala no Programa do Governo (e quase lhe cito esta matéria, porque estou convencido que a memória não me trai) é de uma progressiva transição para a privatização do notariado, sem pôr em causa todos os direitos, toda uma estabilidade que neste momento existe ao nível das próprias profissões jurídicas.
Obviamente que, nesta pergunta que lhe estou a colocar, não quero tentar contrariá-la em algumas das

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soluções que são apresentadas no projecto de lei e com as quais não estamos de acordo - isso ficará para uma fase posterior -, mas a questão é esta: não nos divide claramente a questão que aqui está,...

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, não nos divide claramente a questão que aqui está, mas o que está, obviamente, em causa é a criação dos meios. Ou seja, não entende a Sr.ª Deputada que este simples projecto de lei que aqui é apresentado só por si não é suficiente para a reforma do notariado?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem apalavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, agradeço a sua questão, que me permite sublinhar aquilo que disse da tribuna. Isto não é uma simples medida, é uma reforma.
Costuma dizer-se que «quem espera sempre alcança», mas penso que, com este Governo, «quem espera, desespera». E isto por uma razão muito simples: é que este Governo já teve oportunidade de, em três anos, apresentar esse pacote magnífico de medidas de que o Sr. Deputado tem conhecimento mas de que eu não tenho.

O Sr. José Magalhães (PS): - Até está na Internes!

A Oradora: - Aliás, não interessa que nós também tenhamos conhecimento, interessa é aprovar medidas para ir ao encontro daquilo que interessa aos cidadãos portugueses! Não estamos a legislar para nós, estamos a legislar lá para fora e é isso que o Governo não assume. O Governo, de duas, uma, ou ainda não quis aceitar, designadamente o Ministro da Justiça, que é da justiça dos cultos, que a sua pasta não é apenas dos cultos, é também da justiça, e ele tem-se esquecido disso, ou, pura e simplesmente, tem de assumir que é inepto à inércia e tem medo. Tem medo de quê? Posso dizer-lhe que tem medo de tomar decisões. Esse é o grande, problema deste Governo, tanto nesta matéria como noutras.
E sabe qual é o problema do notariado? É que o notariado, que até está na tutela directa do Ministro da Justiça, não é «paixão» de ninguém.

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi a «paixão» do Cavaco!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Foram 10 anos de Governo!

A Oradora: - Não é «paixão» do Primeiro-Ministro, não é «paixão» do Governo e até não é «paixão» do Ministro da Justiça! Coitado do notariado português!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sabe que o notariado português tem neste século um problema fundamental: tem dois marcos históricos dramáticos. Sabe quais são os dois marcos históricos? No início do século, Salazar nacionalizou o notariado; o Governo de Guterres está a procurar e a preparar-se para o esvaziar, nada fazendo, deixando tudo

para o próximo governo, a menos que o Sr. Deputado veja o Ministro da Justiça a glosar o tema da rotatividade governativa que a Sr.ª Ministra da Saúde descobriu como um grande princípio democrático.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como é do conhecimento de todos, o Governo, através do Sr. Ministro da Justiça, criou uma comissão para a liberalização do notariado, cujo relatório esteve em discussão pública, com vista à apresentação nesta Câmara de um pacote legislativo completo, que contemple esta importante reforma do Estado, cuja extraordinária complexidade não por ser ilidida.
O projecto delei do PSD ora em apreciação, que retoma quase na íntegra um texto do anterior governo, que nunca chegou a ver a luz do dia,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Porquê?!

O Orador: - ... pese embora os 10 anos de governo do PSD, não consubstancia, em nosso entender, uma verdadeira reforma do notariado tal como o PS e o Governo entendem que ela deve ser efectuada.

O Sr. José Magalhães (PS): - É um facto!

O Orador: - Não está em causa, Sr.ªs e Srs. Deputados, o princípio da liberalização do notariado,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com isso concordo!

O Orador: - ... que defendemos, mas tem de ser acompanhado dos instrumentos destinados a resolver os múltiplos problemas inerentes à transformação dos notários funcionários públicos em notários profissionais liberais.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Quais sejam?!

O Orador: - E diga-se, de passagem, que nunca antes no nosso país, muito menos durante os 10 anos do governo do PSD, se ensaiou a transformação directa de serviços administrativos dotados de assinalável especificidade em entidades de estatuto jurídico privado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Estão a ensaiar!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Estão a ensaiar!

O Orador: - Ou seja, a simples e isolada alteração do estatuto do notariado de pouco servirá se não for acompanhada de um conjunto de instrumentos eficazes destinados a resolver os problemas já referidos. Com efeito, para lá do estatuto do notariado, torna-se necessário legislar acerca do licenciamento dos cartórios, do estatuto da futura ordem dos notários portugueses,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

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O Orador: - ... da tabela dos preços dos actos notariais e do regulamento do fundo de solidariedade profissional,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Social!

O Orador: - ... para além de outras alterações ao Código do Notariado e diplomas complementares.
Para o PS, se a privatização do notariado é um princípio assumido,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Já não é mau!

O Orador: - ... ele tem de ser acompanhado de medidas que permitam uma verdadeira desburocratização - e é disso que também estamos a falar - em relação a determinados actos e, friso, situações, sendo que a este respeito o Governo tomou já algumas medidas que evidenciam este propósito, como é o caso, para citar apenas algumas, da eliminação dos reconhecimentos por semelhança,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... das alterações aos Códigos de Registo, concretamente do Código de Registo Civil, da criação e implementação dos Centros de Formalidades de Empresas, ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Boa ideia!

O Orador: - ... do lançamento, a curto prazo, das lojas do cidadão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Melhor ideia ainda!

O Orador: - Estas são medidas que, efectivamente, já foram implementadas.
Eu até me permitiria, nesta minha intervenção, dar um simples exemplo: lembrar-se-ão os Srs. Deputados quando tempo era necessário para obter um registo criminal há três anos? Quantos dias?

O Sr. José Magalhães (PS): - No tempo da Sr.ª Dr.ª Maria Eduarda Azevedo?!

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Se fosse no seu, era natural!

O Orador: - Neste momento obtém-se imediatamente.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Se estiver limpo, é mais fácil!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o projecto do PSD é absolutamente omisso quanto à quase totalidade dos aspectos já referidos, para além de algumas das soluções que propõe serem manifestamente desadequadas e até desequilibradas.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Quais?! Quais?!

O Orador: - Permito-me salientar o caso da criação do conselho superior de notariado, que, de alguma forma, já tive oportunidade de referir. Em nosso entender, o que

é desejável é a criação de uma ordem dos notários, com organização própria, para representar os profissionais liberais,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Para meter os notários na ordem!

O Orador: - ... com atribuições e competências próprias nas áreas da deontologia profissional, que não ponham em causa a fiscalização do Ministério da Justiça, já que a privatização que se defende, em nosso entender, não pode pôr em causa a profissão pública que é o notário,...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Não é uma ordem, é pôr os notários na ordem!

O Orador: - ... já que de poderes públicos se trata, delegados pelo Estado aos notários.
Por outro lado, do projecto do PSD resulta uma concepção do notariado que, em nosso entender, continua a ser, apesar de tudo, limitada e fechada. Limitada praticamente à intervenção dos notários no âmbito daquilo que usualmente se designa por negócios jurídicos.
Ora, é nosso entendimento que as funções do notariado poderão ser estendidas e até alargadas,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Note bem!

O Orador: - ... por forma a que o notário passe a atestar factos e situações que se possam traduzir no princípio da fé pública.
No que diz respeito à assessoria, defendida no projecto de lei do PSD, em nosso entender, é também manifesta a precipitação, pelo seguinte: não faz sentido consagrar a assessoria e, consequentemente, os respectivos honorários que não correspondam a actos efectivamente assumidos pelos próprios notários. É uma diferença que, efectivamente, nos separa, e esta é importante.
A não ser assim, Srs. Deputados do PSD - e percebam a implicação séria desta medida que propõem -, passar-se-á a permitir aos notários o exercício de actividades que, por lei, estão limitadas a determinadas profissões, como é o caso dos advogados, o que significaria um factor de desestabilização e de perturbação das profissões jurídicas, com todas as consequências daí advenientes. Obviamente, não poderíamos aceitar alguma vez uma situação destas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se se justifica a assessoria, ela não pode, como acontece no projecto de lei do PSD, ser isolada ou autonomizada da prática de actos pelos próprios notários. Ou seja, em nosso entender, não é desejável que, no futuro, possa ser consagrada a assessoria e, consequentemente, o pagamento dos respectivos honorários, quando a acção do notário não conduza à prática de um determinado acto ou a atestar um determinado facto. Esta é, para nós, uma situação absolutamente clara. A não ser assim, obviamente, criar-se-ia uma desestabilização ao nível das profissões jurídicas, nomeadamente ao nível dos próprios advogados, que nenhuma justificação tem.
Em suma, Sr.ªs e Srs. Deputados, o PS cumprirá mais esta reforma que se propôs efectuar no âmbito das reformas da justiça, e cumpri-la-á, através do Governo, com a apresentação do pacote legislativo que já vastas vezes foi

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referido - e foi-o aqui ainda hoje - e que os Srs. Deputados sabem que está a terminar a sua fase de discussão pública. Agora, o que não se justifica é que, numa reforma tão importante como é esta - e ainda há pouco a Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo, e muito bem, o referiu -, possa legislar-se de uma forma isolada, sem ter em conta todos os instrumentos que a podem levar, efectivamente, até às últimas consequências.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD) - Às últimas consequências?

O Orador: - Faremos esta reforma, apresentaremos o respectivo projecto e, então, com toda a disponibilidade e abertura que existe pela parte do PS, estamos absolutamente convencidos que esta reforma também se fará com este Governo.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, queria felicitá-lo pelo esforço que fez aquando da sua interpelação à sua Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo para tentar justificar o atraso, a omissão e o não cumprimento pelo Governo de mais esta promessa de liberalização do notariado.
Passaram três anos, o trabalho estava feito, o Ministério da Justiça já tinha estudos aprofundados sobre esta matéria e, por isso, Sr. Deputado, penso que há uma questão que vem ao de cima: os socialistas não querem esta reforma.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Só esta?

O Orador: - Vou dizer-lhe porquê. Repare, Sr. Deputado, esta reforma estava feita, foi aprovada por decreto-lei elaborado pelo governo anterior ao abrigo de uma lei de autorização legislativa da Assembleia da República, mas o socialista Dr. Mário Soares não o promulgou, fazendo um veto «de gaveta». Esta omissão e inércia do Governo socialista está na linha de actuação do socialista Mário Soares, ou seja, não querer e manter o «empapelar» desta reforma.
Com a sua interpelação à Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo assistimos hoje, pela segunda vez, a uma «cunha» do PS para também nós atrasarmos esta iniciativa. Foi o Sr. Deputado José de Magalhães na 1.ª Comissão e, agora, o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes no Plenário. Pórem com isso, porque nós estamos a fazer, estamos a trabalhar!
Não compactuamos com essa inércia e com essas comissões.
Não somos Governo, os senhores é que o são, têm maioria e, por isso, têm a responsabilidade das reformas.
Mas, apesar de sermos oposição, o que pudermos fazer, fá-lo-emos. Apresentámos esta iniciativa, impusemos o seu agendamento e, Sr. Deputado, não fique com a ilusão de que vamos ficar à espera dessa promessa incumprida e para incumprir de que o Governo vai apresentar não uma iniciativa mas um pacote. Nem uma iniciativa, nem duas, nem três, nem pacote! O Governo não apresenta nada de embaraçoso!

Já agora, uma vez que o Sr. Deputado se mostra tão privilegiado no conhecimento dessas iniciativas legislativas, que só o senhor e o seu grupo parlamentar conhecem, mas que o resto da Assembleia desconhece de todo porque nada nos foi dado a conhecer, poderia informar a Câmara de quando é que o Governo apresentará esse pacote? No entanto, digo-lhe que, se não o fizer, este projecto de lei vai ser discutido, vai ter a sorte que resultar da votação que aqui lhe for dada e espero que, nessa altura, o seu partido a viabilize para que, pelo menos por essa via, o Governo faça a regulamentação adequada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Também querem propor que o sol nasça amanhã, por iniciativa do PSD?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, para responder.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, quero dizer-lhe, além de mais, que compreendo perfeitamente a sua intervenção, o tom em que a faz e a sua preocupação. Mas o Sr. Deputado tem de perceber...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O seu atraso? Percebo muito bem!

O Orador: - ... e estou convencido que percebe mas tem de dizer aqui outra coisa -, fazendo parte de um partido tão importante como é o PSD, que teve responsabilidades durante 10 anos no governo do País, ao falar aqui num decreto-lei que foi apresentado, ao que sei, em Setembro ou Outubro de 1995 para ser promulgado imediatamente, a correr...

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Não, não!

O Orador: - Sr. Deputado, começamos hoje a 4.ª Sessão Legislativa desta Legislatura...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - A última!

O Orador: - ...e, por isso, estamos a tempo de cumprir o Programa do Governo.

Os senhores querem que apresentemos aqui reformas que não o sejam verdadeiramente? O Sr. Deputado tem de perceber que não é a proliferação de propostas como as que o PSD tem apresentado - nem vou referir qualquer delas para não ser exaustivo - que faz as reformas. Até me atrevo a dizer mais para lhe responder: o grande problema do PSD é que já percebeu que o PS e o Governo vão fazer esta reforma de Estado...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ah, vão?!

O Orador: - Sr. Deputado, ela vai ser feita!

Com esta simples alteração do estatuto do notariado os senhores não faziam qualquer reforma, modificavam para continuar tudo rigorosamente na mesma. Isso nunca!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Isto vai ser

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O Orador: - Portanto, a resposta que quero dar-lhe, com toda a tranquilidade, apesar de não ter de lhe dar calendários nem ter de anunciar datas de entrada,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não pode!

O Orador: - ... é que o Sr. Deputado deve acreditar que ainda no decorrer do próximo mês de Outubro - já só faltam 15 dias -, V. Ex.ª vai ter aqui estes seis diplomas,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É difícil!

O Orador: - ...vai poder apreciá-los e, então, vamos ver se o Sr. Deputado Guilherme Silva e o PSD estão tão empenhados como o PS e o Governo na prossecução desta reforma.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está mais!

O Orador: - Porque, Sr. Deputado, pese embora esta reforma vá ser feita pelo Governo do PS, gostaríamos muito que o PSD a ela ficasse associado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Tarde e mal!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, prosseguindo o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odeie Santos, para uma intervenção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço muitas das informações sobre notários que a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo quis fornecer na sua intervenção, pois serviram para juntar ao que aprendi no estágio que fiz num notário e para juntar à experiência que tenho relativa a actos notariais, que durante muitos anos ajudei a fazer nos notários para os meus clientes.
Portanto, talvez neste aspecto a sua teoria tenha negado aquilo que a prática de muitos anos me ensinou sobre os notários, o seu papel e a imagem que as pessoas têm deles, á qual me referirei mais adiante.
Também foi muito interessante - e já não pasmo com isso, neste final de século em que as «cambalhotas» no mundo contam muito - ver o PS a dar mais uma «cambalhota» e dizer, aqui, que assume a privatização do notariado depois de ter votado, na legislatura anterior, contra a proposta de lei do PSD e de ter «descascado» de alto abaixo e muito bem, com válidos argumentos, a privatização do notariado, através da voz do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, que penso que se ausentou para não sofrer.
Seria de espantar esta «cambalhota», mas já estamos habituados a «cambalhotas» do PS, nomeadamente quando se fala em privatizar. De facto, privatizar é o remédio, é a mãe de todas as virtudes, também para o PS, mesmo quando a privatização é lesiva dos interesses dos cidadãos e é lesiva para o próprio Estado, para os cofres do Ministério da Justiça e para o Gabinete de Gestão Financeira, conforme irei referir.
Não temos qualquer razão para mudar a votação que fizemos em relação à proposta de lei do então Ministro Laborinho Lúcio, porque os argumentos que aqui nos vieram trazer são os mesmos e não são verdadeiros.

Passaria, assim, a enunciar, rapidamente, aquilo que é falso e demagógico e que foi dito para justificar a privatização do notariado.
Dizem que há problemas devido à burocracia e que a resposta será a privatização. Mas interessa saber se é realmente burocracia e, sendo-o, quem é que a impõe ao notário.
Efectivamente, o notário está obrigado, por lei, a cumprir determinados formalismos,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não é essa a questão!

A Oradora: - ...ª fiscalizar o cumprimento das leis fiscais, das obrigações constantes da lei civil, como acontece relativamente aos contratos-promessa, e da legislação de urbanismo, como acontece em relação aos arrendamentos urbanos.
.O notário tem de exigir uma série de papéis para poder fazer uma escritura, pois se não o fizer está a cometer uma infracção e a pôr em causa a fiabilidade do documento que elaborou. Isto é burocracia? Isto não é burocracia, é a garantia dos direitos dos cidadãos!
E se, de facto, se pensa, como já vi escrito em relação à proposta de lei do Governo que colhi na Internet, que os notários liberais deixariam de ter de fiscalizar o cumprimento, por exemplo, das obrigações fiscais, neste caso essa fiscalização passará para outra entidade. Será para as conservatórias dos registos prediais? Mas, então, os atrasos passarão para aí e, se calhar, vão dizer, depois, que é preciso privatizar as conservatórias,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - ... porque se acumulam os atrasos. Ora, francamente!...
Se quem faz as leis impõe certas obrigações aos notários, depois, sabe que não pode vir aqui dizer que é por os notários serem públicos que o serviço se atrasa, porque isso não é verdade, é totalmente falso.
No entanto, o vulgar cidadão tem a consciência de que há, de facto, atrasos, más condições para ser atendido e tem de demorar muito tempo nos notários. Sim, senhor, o cidadão tem essa consciência, mas também tem outra consciência, isto é, para ele, ter um documento do notário é, muitas vezes, melhor do que ter a sentença do juíz.
Não sei se os Srs. Deputados habituados a estas lides não se confrontaram já, muitas vezes, com situações em que nos processos de inventários judiciais, fazendo-se a partilha perante o juiz e sendo, depois, proferida uma sentença, as pessoas dizem: «agora, temos de ir fazer a escritura, para que tudo fique bem».
De facto, no actual regime, as pessoas têm confiança nos documentos notariais, ou seja, o aforismo popular «notário aberto, tribunal fechado» é verdadeiro, porque se houver, realmente, esta fiabilidade haverá muito menos conflitualidade. Ora, com os notários liberais, que querem alijar de determinadas obrigações, esta conflitualidade poderá vir a surgir e surgirá, com certeza, porque a fé pública nos docurpentos vai ficar bastante enfraquecida.
Para além disto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso saber porque é que não foram dadas condições aos cartórios notariais para poderem trabalhar como deve ser. Isto é, porque é que não foram informatizados, porque é que não foi dada formação na área de informática aos funcionários, porque é que não se preencheram quadros,

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porque é que se deixa as instalações continuarem a degradar-se. Há muitos exemplos, como é o caso de Setúbal que foi uma vergonha durante muitos anos, pois tinha um cartório notarial onde passeavam ratos. E não é só Setúbal, também temos situações destas aqui em Lisboa.
Ora, se assim como está, com todas essas deficiências, com essa péssima imagem que dão dos notários nesta Assembleia, o notariado dá rendimentos - e chorudos! ao Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça, por que é que não investiram esse dinheiro na modernização dos cartórios notariais?
Não sou de tão boa fé como o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, ou melhor, acredito que isto foi feito com um determinado objectivo, porque onde há lucros sempre se entende que é preciso privatizar.

A verdade, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é que o documento que tenho comigo, proveniente do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça, relativo a 1996, demonstra que, nesse ano, a receita liquida vinda dos cartórios notariais chegou a quase 14 milhões de contos. E o que fizeram em relação aos cartórios? Nada! Isto para agora virem dizer que é. muito bom os novos cartórios, «as empresas notariais» - é assim ue lhes chamo -que querem fazer com a privatização... que o querem é criar notários privativos de grandes empresas, para os grandes negócios, e não é o cidadão individual que interessa a esses notários mas, sim, quem lhe dá grandes proventos, grandes lucros. Quanto ao cidadão comum, terá de esperar lá fora, à porta,...

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A terminar, ainda direi que não é verdade que, na Europa, todos os países tenham adoptado o modelo do notário liberal e posso dar-vos exemplos.
Por exemplo, na Alemanha, há um sistema misto; na Suíça, há cantões em que vigora um figurino semelhante ao português. Acresce que, no momento em que há países, como Espanha, em que, tal como veio noticiado nos jornais, os notários começam a exigir - e exigiram este ano - um sistema igual ao português, vamos nós, agora, adoptar o modelo que eles não querem e que nalguns países, como em França, deu mau resultado, tendo levado notários à barra dos tribunais, precisamente por causa da perda da sua independência, por causa da sua dependência em relação à tirania dos clientes e por, em virtude disso, não garantirem o cumprimento das leis.
Para terminar, vou citar as palavras de alguns notários publicadas no boletim do respectivo sindicato, em Março deste ano: «Recusamos que o actual notariado português seja um notariado inferiorizado, anémico, espartilhado, incapaz de responder às exigências da sua vocação. Porque queremos um notariado independente da tirania do público, entendemos que o notário privatizado não pode defender com eficácia esses valores.»

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Antes de dar a palavra ao próximo orador, esclareço que a Sr.ª Deputada Odete Santos beneficiou de tempo que lhe foi cedido pelo

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Mas isso é o Partido Ecologista Os Verdes.

que acontece hoje!

A Oradora: - ... para fazer uma «escriturazinha» de habilitação ou uma procuração! Terá de esperar porque, primeiro, estão os outros que pagam, e bem!
Portanto, ao contrário do que foi dito, esta medida é contra e não a favor dos cidadãos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acresce - e este é um ponto a levar em consideração - que não se perdem só os 14 milhões de contos que refen. É que, para além disso, o Orçamento do Estado vai arcar com outro encargo. Na verdade, vai arcar com os vencimentos dos funcionários que não vão ficar todos nesses notários liberais, nessas «empresas notariais», e vão ter de ingressar em carreiras da administração central ou local. Aliás, não sei como é que vão impor às câmaras municipais a admissão desses funcionários, mas essa será outra questão...
De qualquer modo, esses funcionários têm de receber os respectivos vencimentos e gozar os seus direitos. Ora, de acordo com os cálculos de uma das hipóteses colocada por um estudo do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça, que tenho em meu poder, se dois terços daqueles funcionários não aderirem à liberalização dos cartórios notariais - e vão ser mais! - e ingressarem nos quadros da Administração, terão de ser-lhes pagos cerca de 8 milhões de contos. Tudo istp traduz-se numa perda para o Estado de cerca de 22 milhões de contos.
Muito bonito isto! Isto é que é a favor dos cidadãos, Srs. Deputados? Isto é, obviamente, a satisfação de determinados interesses, mas não do interesse do cidadão comum.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, ouvi com toda a atenção a sua intervenção e os argumentos que expendeu.
Quero começar por dizer-lhe que, tendo sido eleito por um determinado partido, neste caso concreto, pelo Partido Socialista, que tem responsabilidades governativas, há algo
em relação ao qual quero estar pronto a responder.
Admito perfeitamente que possamos ter concepções diferentes, mas não são de agora. Temos entendimentos diferentes relativamente a esta matéria, mas uma parte importante destes já foi sufragada pelos portugueses.
Ora, Sr.ª Deputada, o Partido Socialista apresentou ao País um Programa de Governo do qual vou citar o que se refere a esta matéria, para que não haja quaisquer dúvidas sobre a posição que tomamos: «a transição para o notariado latino privado deverá ser progressiva, sem lançar perturbações no sistema existente. Ela pressupõe um diálogo aprofundado com os notários e oficiais notariais que assegure um processo gradual, com ganhos de eficácia, sem diminuição de garantias para os cidadãos, integrado na via da desburocratização e simplificação da vida negociai dos cidadãos e das empresas». Sr.ª Deputada, este é o Programa de Governo que foi aprovado por esta Assembleia da República e sufragado maioritariamente pelos portugueses. É isto que estamos a cumprir e nada mais do que isto.
Obviamente, como a Sr.ª Deputada percebeu, separam-nos alguns princípios e, nalgumas questões fundamentais, separa-nos o entendimento que o PSD tem relativamente a esta reforma.
Esta é, efectivamente, uma reforma muito importante para nós e quando falamos dos princípios da actividade

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do notário estamos a falar do princípio da autonomia, do princípio da legalidade, da imparcialidade, da exclusividade e da livre escolha. Tudo isto são princípios que fazemos questão que fiquem a constar da própria lei. Portanto, o impacto desta importante reforma dirige-se ao cidadão, dirige-se, obviamente, à simplificação de mecanismos da vida negocial.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nem todos são negociantes neste pais!

O Orador: - Sr.ª Deputada, permita-me que lhe diga que, tal como tive oportunidade de referir no meu parecer, foi com a implementação do Estado Novo e, concretamente, com o Dr. Oliveira Salazar, que o percurso do notariado português se inverteu e que se assistiu á funcionarização ou nacionalização do notariado. É o notário, na tradição portuguesa do século XX, um funcionário público de nomeação definitiva. Isto é o que foi feito no Estado Novo...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador:e é isto que queremos inverter e
reformar.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não venha com demagogias!

O Orador: - Sr.ª Deputada, é isto que queremos

fazer.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Esse é o argumento do PSD!

O Orador: - Não é essa a questão! O que não faz sentido é o tabu que a Sr.ª Deputada continua a ter em relação à privatização! Não faz sentido!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ui! Jesus!

O Orador: - A Sr.ª Deputada ainda agora aludiu a uma série de países que têm notariado privado. Qual é o caos nesses países?
A Sr.ª Deputada quer mesmo fazer algumas comparações? Considera que é o Apocalipse nesses países que referiu? Acha que é o Apocalipse que aí vem? Não é verdade, Sr.ª Deputada!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Belmiro também quer uma «rede» de notariado?

O Orador: - Sr.ª Deputada, é óbvio que toda e qualquer reforma exige mudança, que toda e qualquer reforma tem consequências.
Acredite que estou a tentar colocar-lhe estas questões com toda a objectividade e toda a seriedade.
Digo-lhe que a Sr.ª Deputada apresenta aqui um quadro apocalíptico, é quase um processo de intenções que aqui faz, como se viesse aí o Diabo em pessoa!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não, que o Padre Melfcias não vem aí!

O Orador: - Sr.ª Deputada, estamos falar de diálogo, estamos a falar de uma reforma que vai ser aprovada nesta

Assembleia, sujeita a mecanismos de fiscalização, de controle, feita com cuidado, com responsabilidade e com fiscalização do Ministério da Justiça. É disso que estamos a falar. Estamos a falar com sinceridade de uma reforma que queremos levar até às últimas consequências.
Sr.ª Deputada, acredite que aquilo de que falamos é de uma reforma séria, profunda, com impacto na vida dos cidadãos e - permita-me que lhe diga com toda a simpatia - também sem tabus.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, acho que a sua situação e a de alguns Deputados do Partido Socialista que estarão de acordo consigo é muito mais grave do que eu pensava. É que V. Ex.ª foi pegar em argumentos do PSD absolutamente ridículos e utilizou-os. É o caso da história de um fascista a quem V. Ex.ª chamou «Dr. Oliveira Salazar» ao qual não chamo assim.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Está escrito no parecer!

A Oradora: - Sr. Deputado, foi no tempo do Professor Marcelo Caetano...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não! Escrevi-o hoje!

A Oradora: - ... professor de Direito Administrativo, que foi instituído o subsídio de férias para os trabalhadores. Dizer que «é mau porque foi um fascista que o instituiu; vamos acabar com ele!» é argumento de um ridículo tremendo.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É um argumento histórico!

A Oradora: - É tremendamente ridículo esse argumento!
Além disso, devo dizer-lhe que espero bem que, levando para a frente o que querem fazer, e que é mau, haja esse diálogo profundo pois, até à data, não se viu, porque os funcionários dos notários estão todos contra isto e 99% dos próprios notários também estão contra. Portanto, no que diz respeito a esse diálogo, estamos conversados! V. Ex.ª quer fazer esta reforma violentamente e contra a classe.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não diga isso!

A Oradora: - Em terceiro lugar, gostava de dizer-lhe uma coisa, muito embora V. Ex.ª entenda que este problema dá vontade de rir. A mim não dá e levo isto muito a sério.
Diz-se muito que lei da oferta e da procura e a concorrência vão fazer melhorar os serviços. Demonstrei que assim não é porque mostrei quem seriam os clientes preferenciais desses notários que os senhores querem para o~Belmiro de Azevedo e outros do mesmo género... É que o Sr. Deputado teve um lapso freudiano pois falou nos actos comerciais. Ora, neste pais, nem todos são

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comerciantes, nem todos fazem escrituras de fusão de sociedades, etc.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Mas há comerciantes!

A Oradora: - Pois há! Mas têm os notários actuais!
É que a concorrência de que os senhores falam também existe hoje. A concorrência existe entre notários, excepto no que toca a um número restrito de actos, porque posso ir a qualquer notário e vou ao que me atender mais depressa. E esse tem mais trabalho do que os outros, ganha mais na parte emolumentar. Portanto, essa concorrência de que falam já existe no sistema actual.
As vossas afirmações relativamente à concorrência querem esconder uma outra coisa, que é o que eu própria já disse: sempre que, neste país, se quis privatizar empresas que dão lucros, deixaram-se ir abaixo. Nomearam-se gestores para darem cabo delas, argumentou-se que, sendo do sector público, as mesmas não davam rendimento e, depois, foram privatizadas. Nesta matéria seguiu-se o mesmo percurso: não se modernizou para vir dizer-se que se os cidadãos são mal servidos, pelo que tem de privatizar-se.
Para terminar, gostava de saber como vão resolver a situação nos concelhos em que não concorrer nenhum notário por não haver quem queira ir para o interior. Como é que as pessoas desses concelhos do interior vão resolver o problema? Com grandes deslocações!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tema palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O notariado foi, desde 1942, funcionarìzado. A realidade é hoje diferente e o quadro legislativo tem, necessariamente, de ser diferente.
Para o Partido Popular, a liberalização do notariado é vista como uma medida necessária, diria mesmo imprescindível, a toda a comunidade forense, mas sobretudo no seio dos próprios notários.
Lembra-se aqui a consulta, o referendo feito à classe, pela Associação Portuguesa de Notários, sobre a tão falada privatização: 93% dos profissionais envolvidos por essa liberalização quer essa liberalização. Mas, ao mesmo tempo, a maioria rejeitou o projecto então apresentado pelo grupo de trabalho nomeado pelo Ministro.
Assim sendo, e encontrando-se em curso -pelo menos, esperamos nós uma ampla reforma a ser levada acabo pelo Ministério da Justiça, entendemos este projecto como uma medida positiva que urge apoiar, sem embargo de possíveis alterações que apresentaremos na especialidade.
A privatização do notariado é, pois, uma medida necessária que justifica especiais cautelas. Refiro-me a algumas críticas que o Partido Popular fez, oportunamente, e que são também corroboradas pela Associação Portuguesa de Notários. Na época, não foram poucos os que disseram que o projecto ministerial tinha sido inspirado pela legislação das farmácias e, como tal, apresentaria perigos idênticos.
Todos os que lidam na comunidade forense sabem das denúncias de escritórios de advogados e de empresas que

compram» cartórios e terão mesmo havido notários que já foram contactados por advogados e empresas que lhes propõem montar um cartório e pagar um ordenado - os notários darão os nomes, mas não terão a propriedade. Estamos contra estes desvios à norma e à regra. Julgamos que o espírito do presente projecto de lei visa regressar à matriz original do notariado, que é, aliás, dominante em quase toda a Europa Ocidental.
Se o objectivo é, como parece, criar condições quê permitam assegurar um melhor serviço de notariado, aumentar a capacidade de resposta, melhorar a oferta, desburocratizar, o Partido Popular está inteiramente de acordo. Lentidão e burocracia são, neste como noutros domínios, o produto final de um regime monopolista, que teme a concorrência, apenas e só, porque esta é inimiga da ineficiência.
Portugal, enquanto membro da União Europeia, tem, necessariamente, de desburocratizar segmentos da nossa Administração, alguns deles intrinsecamente ligados à celeridade da economia. Os notários são, objectivamente, um deles.
Os notários são, e bem, delegatários, depositários da fé pública; por isso, a sua privatização obriga a um grande rigor, porque uma concorrência desregrada seria, seguramente, o pior serviço que se poderia fazer a um objectivo que, julgo, amplamente partilhamos.
O Partido Popular defende que ao Estado caberá a função reguladora, mas, também e sobretudo, uma função de inspecção e uma função de fiscalização que protejam os consumidores e mantenham a salvaguarda do interesse público.
A maior das virtualidades deste projecto apresentado pelo Partido Social Democrata é o de abrir o regime monopolista vigente, obsoleto, a um regime concorrencial e aberto, onde ao Estado caberá a função de fiscalização.
Por uma questão de elementar honestidade, aguardamos também o agendamento, já tardio, da reforma do notariado que o Governo lançou e que se encontra em discussão pública. Vem tarde, mas será bem-vinda! E pelo que temos conhecimento, via fotocópia ou via Internes, não será difícil ao Partido Socialista concordar e votar a favor deste' projecto, compatibilizando-o com os instrumentos legislativos já apresentados pelo Governo.
Para uma economia cada vez mais competitiva e numa economia cada vez mais competitiva, onde fenómenos de rigidez se pagam cada vez mais caro e onde os agentes económicos são cada vez mais decisivos, este projecto constitui mais um factor de simplificação administrativa que, seguramente, valerá a pena.
Uma panóplia de perguntas poder-se-á fazer ao nível das consequências práticas. Desde já, o Partido Popular alerta que, quer ao nível dos numerus clausus, quer ao nível do tipo de fiscalização a implementar, quer ainda ao nível do plano da exigência de independência dos notários, não poderá haver transigências, sob pena de um bom objectivo ser traído por uma má consequência que ninguém deseja.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, dou por encerrado 0 debate relativo ao projecto de lei n.º 530/VII. A sua votação terá lugar amanhã, às 18 horas.

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A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a apreciação do projecto de lei n.º 534/VII Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa (PS) e da proposta de lei n.º 182/VII - Altera a Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais LOTJ). Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Cláudio Ramos Monteiro.
Dinis Manuel Prata Costa.
Miguel Bemardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Francisco Antunes da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Fernando Garcia dos Santos..
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel dos Santos Namorado.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
José Augusto Gama.
José de Almeida Cesário.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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Depósito legal n.º 8818/85

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3 -O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

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