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18 DE SETEMBRO DE 1998 55

eleitoralismo de circunstância que ninguém, diga-se, perdoaria.
A aprovação do presente projecto de lei pode constituir ou um marco histórico na defesa e na assunção da dignidade da língua e da cultura minardes, ou o início de um novo ciclo de frustrações a que, infelizmente, muitos transmontanos já se habituaram.
Já agora, num aparte, permitam-me que vos diga que todos nos devemos sentir orgulhosos por a língua Mirandesa ter sido utilizada hoje nesta Assembleia. Permitam-me saudar igualmente os cidadãos mirandeses que hoje aqui se encontram connosco.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República é um lugar privilegiado de uso da língua portuguesa. Quantos debates, quantas tentativas de solução de problemas de norte a sul do País são para aqui trazidos. Quantos projectos, quantas propostas sempre em língua portuguesa,... até os apartes! A nossa língua é um património nacional. Afinal, como diz Fernando Pessoa, é «a nossa pátria»!
A língua é a matriz do pensamento e todos nós fazemos a sua aquisição desde pequenos, apropriando-nos, intuitivamente, subjectivamente e funcionalmente, dos seus sons, dos seus sabores e cambiantes, das suas combinações, das suas palavras e frases. Com ela comunicamos todo um passado que registamos, sentimentos, emoções, vivências, legados históricos das nossas raízes, culturas que interagem em cada dia, que são o presente e a primeira plataforma do futuro.
Se isto acontece em relação à língua portuguesa, não será difícil entrar, até por paradigma, na importância do mirandês para as sociedades que vieram do seu berço! Não podemos esquecer que muitos portugueses ouviram as primeiras canções de embalar em mirandês, receberam e experimentaram as tradições, usos e costumes da sua terra, privilegiadamente em mirandês, que, a par do português, é também instrumento básico da sua própria cultura e elemento da cultura de todos nós.
A língua e a comunicação fazem a modelagem cultural de uma sociedade, que será tanto mais rica quanto mais ricas forem as suas formas de expressão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se se perdesse o mirandês ficaríamos todos mais pobres, uma vez que se perderia uma parte importante da cultura portuguesa. Esse legado, essa vivência cultural deixaria de ser transmitida e registada com o vigor das gentes que a construíram, à sombra de serranias agrestes e rios viris, orografia pesada que influenciou, nos seus próprios sons e mecanismos, o mirandês.
É um facto que o número de falantes, a esfera e área de utilização do mirandês têm vindo a diminuir, o que impõe até cuidados muito especiais e urgentes. A referida diminuição do número de falantes em muito se deve à circunstância de a existência do mirandês ter decorrido, quase até aos nossos dias, à margem da escrita. No entanto, tem vindo a ser feito um grande esforço no sentido da inversão deste estado de coisas, como, por exemplo, na proposta de convenção ortográfica Mirandesa; no estabelecimento de uma escrita o mais unitária possível com critérios claros, sistemáticos e económicos para escrever e ler o mirandês e também para o ensinar; na criação de um código ortográfico que ajude a recolher e preservar as formas da sua valiosa história linguística; na elaboração, em 1995, de um vocabulário mirandês-português e da nova gramática Mirandesa; no ensino do mirandês, desde 1986, no 2.º ciclo do ensino básico e na consequente difusão através da produção escrita e da leitura.
É que também o mirandês é um sistema e um código, anterior e exterior aos mirandeses. Mas não é só-sistema e código, conta ainda com a praxis, acção actualizadora, simultaneamente instauradora e transgressora do seu próprio sistema.
O mirandês é, claramente, uma das formas de expressão de cultura, instrumento de comunicação, identificação e memória colectiva da comunidade mirandense. Será, pois, relevante possibilitar-lhe vida e expansão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, defender a língua Mirandesa é, para nós, um dever! Esta é, certamente, a asserção deste projecto de lei com a qual concordamos. Mas a defesa que este projecto d4 lei faz da língua Mirandesa será a mais adequada? Lê-se no articulado que o Estado português reconhece o direito da comunidade de cultivar e promover a língua Mirandesa enquanto património cultural, instrumento de comunicação e de reforço de identidade própria. Ela é, com certeza, tudo isto. Mas será necessário que o projecto de lei o diga? Será necessário que fique consagrado em lei ordinária que o Estado português reconhece o direito da comunidade de cultivar e promover a língua Mirandesa, quando ela já está individualizada desde 1892?
Poderá haver aqui algo de redundante face à protecção constitucional do direito à fruição e criação cultural e aos correspondentes deveres dos indivíduos de preservar defender e valorizar o património cultural, e do Estado de promover a salvaguarda e a valorização do património cultural. Não será também o reconhecimento do direito das crianças de aprenderem o mirandês nas' escolas do município de Miranda do Douro apenas mais uma decorrência daquela outra disposição constitucional que diz que, na realização da política de ensino, incumbe ao Estado inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP apoia a formação de professores de língua Mirandesa. A formação de professores só poderá resultar em benefício dos discentes das escolas de Trás-os-Montes e Alto Douro. só desta forma se realizará a política de ensino que insere as escolas nas comunidades que servem e estabelece a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais.
Daremos mesmo um apoio empenhado àqueles que, conscientes da extrema diversidade e riqueza das manifestações culturais desta zona do País, propõem a criação de um instituto de estudos transmontanos e durienses, ao qual caberia a tarefa de fazer a recolha etnográfica, antropológica, sociológica e político-social, de que atrás falámos, a sua ordenação histórica, sistematização temática e divulgação. A mais valia cultural gerada por uma instituição desta natureza, se posta, nomeadamente, ao serviço do. ensino naquela zona do país, seria certamente motivo de orgulho não só para quem fala mirandês mas para o País.
Por todas estas razões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não nos oporemos à aprovação, na generalidade, deste

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