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Quinta-feira, 8 de Outubro de 1998

I Série - Número 10

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE OUTUBRO DE 1998

Presidente: Ex.mo Sr. António da Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia, - Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 569 e 570/VII ,de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) insurgiu-se contra a revisão da legislação laboral que está a ser preparada pelo Governo. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Elisa Damião (PS), que também cumprimentou a Câmara ao anunciar a sua ida para o Parlamento Europeu, tendo o Sr. Presidente e o Sr. Deputado Barbosa de Melo (PSD) agradecido as palavras que lhes dirigiu.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD, a propósito de declarações do Sr. General Garcia dos Santos, ex-Presidente da Junta Autónoma de Estradas, lançou o desafio ao PS no sentido de ser revisto o sistema de financiamento dos parados. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Filipe Madeira (PS) - que também usou da palavra em defesa da honra da bancada - e Octávio Teixeira (PCP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Luís Queiró (CDS-PP) teceu considerações acerca do assunto abordado anteriormente e anunciou que o seu grupo parlamentar está a reunir elementos com vista a propor a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito, tendo respondido a um pedido de esclarecimento e d defesa da honra da bancada do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira (PS).

O Sr. Deputado Pedro Baptista (PS) informou a Cântara que a Comissão Nacional de Eleições considerou improcedente uma queixa do Movimento Portugal único relativa d divulgação, pelas Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Famalicão, de um panfleto sobre a regionalização e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), que ainda usou da palavra em defesa da honra ou consideração.

Ordem do dia. - A Câmara reapreciou o Decreto n.º 235/VII Publicação, identificação e formulário dos diplomas, tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Francisco Peixoto (CDS-PP), Correia de Jesus (PSD), José Magalhães (PS), Guilherme Silva (PSD) e António Filipe (PCP).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 541/VII - Disciplina a actividade profissional dos odontologistas (CDS-PP) e 566/VII - Regulamenta o exercício profissional dos odontologistas (PS). Intervieram no debate os Srs. Deputados Moura e Silva (CDS-PP), Nelson Baltazar (PS), Francisco Martins (PSD) e Bernardino Soares (PCP).
Igualmente apreciados na generalidade foram os projectos de lei n.os 501/VII - Regime jurídico das associações de imigrantes (PS) e 533/VII - Lei das Associações de Imigrantes (PCP), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Maria Celeste Correia (PS), Jorge Roque Cunha (PSD), António Filipe (PCP), Miguel Macedo (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão erma 18 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Dinis Manuel Prata Costa.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Maninho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho. Arménio dos Santos.

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Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Manuel Pereira Marques.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha. António Filipe Gaião Rodrigues. Bernardino José Torrão Soares.  Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca..
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.os 569/VII Criação da freguesia de Gândaras, no concelho de Lousã (PS) e 570/VII - Elevação de Caldas de S. Jorge à categoria de vila (PSD).
Foram ainda apresentados na Mesa vários requerimentos. No dia 29 e na reunião plenária de 30 de Setembro de 1998: ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Aires de Carvalho; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Fernando Pedro Moutinho, nas sessões de 26 de Março e 24 de Junho; Luís Queiró, na sessão de 30 de Abril; Isabel Castro, na sessão de 27 de Maio; Carlos Beja; no dia 2 de Junho; Luísa Mesquita, na sessão de 5 de Junho; José Calçada, na sessão, de 9 de Junho; Duarte Pacheco, no dia 29 de Julho; Lucília Ferra, no dia 30 de Julho; Carmen Francisco, no dia 1 de Setembro.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para declarações políticas a Sr.ª Deputada Odete Santos e os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Luís Queiró.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem em curso uma das mais graves operações de subversão da legislação laboral. O Governo do PS prepara-se para assestar graves golpes nos direitos dos trabalhadores, mesmo em direitos fundamentais como o direito ao trabalho e o direito à segurança no emprego. Verdade seja que, em matéria laborai, com Maria João Rodrigues ou com o Ministro Ferro Rodrigues, os três primeiros anos da legislatura ficaram caracterizados pelo embuste da pretensa lei das 40 horas - a lei da flexibilidade e polivalência. Mas ficam esses anos também bem marcados pela tenaz resistência dos trabalhadores que, com a sua luta, conseguiram fazer recuar a sanha desregulamentadora das relações laborais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Defraudadas nas expectativas criadas com a lei da flexibilidade, as centrais patronais exigem agora do Governo - e este acolhe as exigências - que se prossiga na via da instabilidade das relações laborais, na via do empobrecimento dos trabalhadores, na subversão da legislação laborai. E eis que aí temos de novo um pacote laborai, que faz inveja aos pacotes do Governo do PSD! Um pacote que perpetua formas de exploração do início do século. Que outra caracterização se pode fazer da proposta de lei sobre trabalho a tempo parcial? Com tal diploma, nenhum trabalhador a tempo completo está seguro. Ele pode ser colocado em regime de part-time até três anos; a trabalhar as horas que a , entidade patronal entender e a ganhar apenas o correspondente às horas trabalhadas. Isto é, verá o seu salário diminuído, o seu subsídio de férias reduzido, o seu subsídio de Natal minguado, o seu subsídio de desemprego comprimido.
Podem contrapor que tal só acontecerá com o acordo escrito do trabalhador. Mas se atentarmos no ambiente de repressão que se vive nas empresas, saberá a bem pouco essa «garantia» do trabalhador. Nomeadamente quando é a proposta de lei que incentiva, como de forma clara o refere, o trabalho a tempo parcial, com dispensa ou redução, para as entidades patronais, de pagamento de contribuições para a segurança social.
Quem sofre também com isto são os jovens que entram pela primeira vez no mercado de trabalho, que dificilmente conseguirão um trabalho a tempo completo. E são também as mulheres, como o demonstram os dados estatísticos sobre trabalho a tempo parcial, inclusivamente noutros países. Esta é, aliás, uma receita que na Europa de Maastricht se quer vulgarizar, proclamando-se as virtudes da mesma com slogans próprios dos piores filmes das televendas. Com uma dessincronização evidente em relação à realidade, diz-nos o Eurostat: «Most are happy that way!», ou seja, a maioria é feliz assim! Como se a insegurança no seu vínculo laborai, o trabalho sem direitos, o trabalho que empobrece criando novos excluídos, desse, de facto, a felicidade!
De facto, quem fica feliz é o grande patronato: o que reclama a mobilidade interna e externa dos trabalhadores; o que vive da instabilidade das famílias dos trabalhadores: aquele que acusa a rigidez dos vínculos laborais de não permitir a competitividade e a rentabilidade das empresas, mas vai impondo pelo terror a flexibilidade, os despedimentos ilícitos, sem aumentar com isso a competitividade. Quem fica feliz é o grande patronato quando se revê nas benesses que lhes reserva a proposta de lei do Governo sobre o lay off. maiores encargos sobre a segurança social que, em vez dos 50% o que hoje paga ao trabalhador naquela situação, terá de pagar 70% e mesmo, nalguns casos, 85%, ficando as entidades patronais com o encargo de pagar o restante, 30% ou até menos!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - E depois venham dizer que a segurança social está descapitalizada! Venham dizer que a segurança social está descapitalizada quando discutirmos o diploma que o Governo colocou em discussão pública sobre o conceito de retribuição; quando se verificar, se insistirem no mesmo (esperamos que não!), que as entidades patronais vão passar a pagar menos para a segurança social, porque os trabalhadores, os que recebem prémios de produtividade e de assiduidade vão passar a receber menos nos subsídios de férias e de Natal, por via da alteração do conceito de retribuição! E, segundo o meticuloso Programa do Governo para esta última sessão legislativa, parece que teremos ainda muitas cousas de mor espanto no diploma sobre férias e sobre contratos a prazo.
É claro que o Governo seguramente terá os seus timings, e nos cerca de 30 diplomas que parece ter em preparação doseará aqueles com que procura destruir as traves-mestras da nossa legislação laborai, com outros, numa tentativa de estender a cor rosa aos que constituem um verdadeiro pacote anti-laboral, numa tentativa de ainda assim, e com tão graves lesões aos direitos de seres humanos, os trabalhadores - reivindicar a modernidade! Será a modernidade das grandes empresas que se fundem, dos grupos capitalistas que se reconstituíram mercê das privatizações que este Governo se gaba de ter feito, do ultraliberalismo que não aceita quaisquer regras, que não aceita regras do poder político que não sejam as suas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas não é assim que se prossegue a justiça social. Assim cava-se o desemprego, os baixos salários, as novas exclusões - os working poor, os que empobrecem trabalhando. Assim, corre riscos a democracia.
De facto, como pode acreditar-se em quem prometeu melhor emprego, mais emprego, a redução do horário de trabalho, quando os principais instrumentos legislativos apontam numa partilha do emprego à custa dos salários, no encobrimento do nível de desemprego à custa de subemprego, na desorganização dos tempos de lazer, numa diminuição de remunerações? Como pode acreditar-se em quem governa contra o que prometeu?
E ainda é tempo de recuar. O PCP está disposto a debater seriamente todas as questões para encontrar seriamente o caminho do desenvolvimento. Os trabalhadores que lutam, fazem-no seriamente e visam a justiça social, sem a qual não existe progresso. Encontrem, senhores e senhoras do PS, rapidamente, à única via possível para o combate à recessão. Ouçam os trabalhadores!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política laborai do PS caracteriza-se pela persistência na

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desregulamentação e pela submissão aos interesses das centrais patronais que, também em lei, parece querer tornar parceiros obrigatórios na consulta pública sobre legislação de trabalho. Não admira, pois, que na semana passada o PS tivesse tomado a posição que tomou perante dois projectos de lei do PCP, rejeitando-os, sabendo que, com a sua abstenção, iriam ser rejeitados. Tratou-se de um voto hipócrita, a abstenção, porque o que o PS quis verdadeiramente foi chumbar os projectos de lei, sabendo que assim não passavam. Compreende-se porquê! É que, com um dos projectos, reduzia-se o poder patronal e garantia-se o direito do trabalhador à sua privacidade.
Mas isto não pode ser admitido por quem tanto se submete aos ditames patronais. Com o outro projecto de lei acabava-se com o rega-bofe que campeia em grandes empresas, como a Cimpor e a EDP, e que campeia na banca: fazem-se autênticas trocas de trabalhadores de empresa para empresa, em nome do jus imperü da entidade patronal, gerando-se a maior insegurança entre os trabalhadores.
Mas estas soluções do projecto do PCP também não podiam ser admitidas por quem se revela tão disponível relativamente aos interesses da CIP, da CCP e da CAP. O projecto de lei do PCP sobre cedência de trabalhadores e transferência de empresas colocava limites à mobilidade externa dos trabalhadores. Já vimos que o objectivo do Governo é outro, completamente oposto, mas desse caminho nunca nada de bom resultou para a humanidade, porque nenhum progresso se pode obter contra os direitos dos trabalhadores. E porque assim é, a ofensiva desencadeada pelo Governo com um pacote laborai que até pretendeu fazer passar pela calada, conhecerá - e está já a conhecer - por parte dos trabalhadores o mais vivo repúdio.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, se me dá licença, conjuntamente com o pedido de esclarecimento, aproveito para cumprimentar V. Ex.ª, despedindo-me, dado que parto para a Europa...

Vozes do PSD: - Para a Europa?! Então agora não está na Europa?!

A Oradora: - Gostaria de dizer, Sr. Presidente, que foi um momento muito significativo da minha vida vê-lo presidir a esta Casa.
Sei que a minha ida causa alegria a muitas pessoas!...

Risos.

Em todo o caso, deixo aqui amigos e deixo oito anos de presidência da Comissão de Trabalho.
Por isso, também não seria justo, Sr. Presidente, que não destacasse os seus ilustres antecessores, que também sempre apoiaram o trabalho daquela Comissão, um dos quais ainda é membro desta Casa, o Sr. Deputado, Prof. Barbosa de Melo, a quem queria igualmente cumprimentar.
Lamento, sinceramente, que o trabalho daquela Comissão seja secundarizado e não tenha a justa correspondência na agenda política e na agenda parlamentar, tal como tem em tempo de campanha eleitoral. E lamento porque, de facto, esta é talvez a génese de algum divórcio que existe com a classe política, que não merece os epítetos de corrupção generalizada que todos lhe dirigem na sociedade portuguesa.
Orgulho-me de ter sido parlamentar. Aprende-se a viver de uma forma plural, aprende-se a respeitar o pensamento dos outros, aprende-se a construir os equilíbrio possíveis.
Em jeito de despedida, Sr.ª Deputada Odete Santos que muito admiro! -, direi que ouvi um discurso que já lhe tenho ouvido muitas vezes, ao longo dos meus quase doze anos de Deputada. Foi um discurso exactamente igual a outros, o que é perfeitamente injusto, porque, de tanto se repetir, perde a eficácia, banaliza-se a crítica e, sobretudo, quando a crítica não é justa nem correcta, Sr.ª Deputada, o Partido Comunista isola-se, a esquerda perde e os trabalhadores não ganham. Foi assim com as «40 horas», será assim com o anátema que os senhores já estão a lançar sobre um pacote laboral que ainda não sabemos o que vai ser.
Srs. Deputados do PCP, minha querida amiga - permita-me que a trate assim -, por quem tenho um grande apreço, houve Deputadas que me marcaram, e a senhora foi uma delas, tal como, aqui mesmo ao meu lado, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, não na qualidade de Deputada, mas mais na qualidade de governante, nos tempos em que concertava - agora desconcerta um pouco mais! Mas houve tempos em que concertava e em que era um prazer lidar consigo nas reuniões da concertação social!
E como esquecer uma Natália Correia, uma Helena Roseta, tantas mulheres, e muitas mais que hão-de ser o. futuro desta Casa!?
Despeço-me com alegria. Vou continuar a manter as minhas tarefas e a estar em contacto convosco.
Termino, pedindo à Sr.ª Deputada Odete Santos, que é uma figura notável do PCP, que não crie uma imagem antecipadamente deturpada, enganando os trabalhadores portugueses, porque essa imagem só os desmobiliza para as verdadeiras lutas sociais quando elas se colocam. E estas ainda não se colocam, Sr.ª Deputada, nem se colocarão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Elisa Damião, antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos, quero agradecer as palavras que me dirigiu bem como aos meus ilustres antecessores, e dizer-lhe que já temos saudades suas. Mas conforta-nos a certeza de que continuará a servir a democracia portuguesa no Parlamento Europeu, com a boa vontade e o talento que sempre pôs na luta política. Muito obrigado.
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lutar, quero agradecer as palavras da Sr.ª Deputada Elisa Damião, da qual me despeço com amizade. Se é permitido a uma triste mortal, que fica aqui, neste cantinho à beira-mar plantado, despedir-se assim de, uma pessoa que vá para a Europa...! Julgava que estávamos na Europa!...

Risos.

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Peço desculpa pela ironia! De facto, tenho muito respeito pela Sr.ª Deputada e pelas posições que defende convictamente.
De qualquer forma, os cumprimentos que ambas trocamos não vão impedir que eu diga aquilo que vou dizer com frontalidade: a Sr.ª Deputada disse que já tem ouvido este discurso muitas vezes, mas devia acrescentar que houve tempos em que nos encontrávamos nele!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Agora estamos afastadas, e pergunta-se porquê!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - A situação não é a

mesma!

A Oradora: - Ainda bem! Quem exerce o poder, se o exerce assim...
A própria Sr.ª Deputada Elisa Damião disse - registei-o, estou de acordo - que é na falta de políticas sociais que se encontra o divórcio entre os governantes e os governados. Pois é! Aí é que está a causa do fosso que se cava e do empobrecimento da democracia. É quando os governantes não respeitam o voto popular e tomam medidas completamente avessas àquilo que as pessoas desejavam. Isto é exemplar em Portugal, neste momento, em que temos um Governo do Partido Socialista.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não é verdade!

A Oradora: - A história das «41 horas», que a Sr.ª Deputada chamou à colação, prova, ao contrário do que disse, como a luta dos trabalhadores foi importante e como, com essa luta, se conseguiu gorar, em grande parte, os objectivos do Governo e das centrais patronais.
Sr.ª Deputada, não vou dizer mais nada sobre a questão das «40 horas» e da transposição da directiva porque, como é costume dizer-se, a senhora sabe que eu sei que a senhora sabe que eu sei!

Risos.

Para terminar, Sr.ª Deputada, uma vez que nessa Europa que parece estar tão longe andam agora à procura de uma terceira via, veja lá se a encontra, que, para nós, só pode ser uma, como resultou da minha intervenção. Encontre-a, mas não falando em capitalismo democrático, porque, de facto, não há capitalismo democrático!

Aplausos do PCP.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para agradecer a referência gentil que a Sr.ª Deputada Elisa Damião fez ao modo como dirigi os trabalhos desta Assembleia enquanto ela foi Presidente da Comissão de Trabalho, ou seja, durante toda a VI Legislatura.
E se não se ofende, Sr.ª Deputada, permita-me que lhe diga isto: é com pena que a vejo ausentar-se desta Casa. Anda por aqui desde os primórdios do regime parlamentar português e de uma política feita a partir de representantes eleitos directamente pelo povo português. Ao longo destes anos, que não pude acompanhar sempre porque não estive cá, vi-a sempre bater-se com coragem pelos seus ideais, com vontade de realizar os seus objectivos e sempre com muita generosidade.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - E ao vê-la despedir-se de nós e dizer que vai para a Europa, sendo certo que está na Europa, lamento e desejo-lhe um grande trabalho lá fora.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Não tem de agradecer, Sr. ex-Presidente. A Sr.ª Deputada Elisa Damião, ao referir-se ao Sr. Deputado Barbosa de Melo, interpretou o pensamento de todos nós.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As declarações prestadas no passado fim-de-semana pelo Sr. General Garcia dos Santos, nomeado e substituído, já por este Governo, como Presidente da Junta Autónoma de Estradas, revestem-se de uma particular gravidade.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O PSD foi a primeira entidade a pronunciar-se sobre o assunto, logo na manhã do passado sábado, exigindo, através do seu líder parlamentar, uma investigação completa para que toda a suspeita termine e toda a verdade seja rapidamente esclarecida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os desenvolvimentos verificados, ao longo dos últimos dias, tornaram este caso ainda mais premente e suscitaram questões de uma particular actualidade que se tornam verdadeiramente incontornáveis.
Há sobretudo duas questões essenciais em tudo quanto veio a público sobre este caso que nos merecem uma tomada de posição.
A primeira, tem a ver com o caso em si mesmo e com a necessidade da sua investigação. As afirmações feitas são do mais grave que se tem dito em Portugal. Não pode fazer-se de conta que nada foi dito, fingir que nada disto tem importância ou retorquir e tentar disfarçar com pequenas recriminações que a nada de positivo conduzem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perante afirmações como as que foram feitas, toda a investigação é necessária e todo o esclarecimento se impõe. A pior das situações seria nada esclarecer, tudo retardar ou, pior ainda, deixar arrastar indefinidamente uma suspeita desta natureza sem chegar a qualquer conclusão.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Doa a quem doer, custe o que custar, tudo tem de ser esclarecido. Nada pode ser adiado ou arquivado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Todos aqui têm uma particular responsabilidade: o ex-Presidente da Junta Autónoma de Estradas, o Governo, enquanto tutela da Junta, as entidades de investigação e o próprio Parlamento. Todos estão confrontados com esta responsabilidade.
A suspeita é grave. Mais grave, porém, é o deixar arrastar-se o tempo todo uma suspeita que corrói e mina a credibilidade das instituições e da nossa própria vida política.

Aplausos do PSD.

E tudo isto já para não falar do insólito de um ministro que, por carta, desautoriza outro ministro. Um substitui o Presidente da Junta Autónoma de Estradas, que alega irregularidades e corrupção, outro solidariza-se com o gestor substituído, afrontando o seu colega de Governo; um afirma que nada sabe de corrupção na Junta Autónoma de Estradas, outro escreve que conhece tudo, até nomes envolvidos, mas não dá conhecimento ao seu colega de Governo.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Será possível, Srs. Deputados, existir no mesmo Governo esta competição assassina entre ministros?
É este o estado do Governo que temos. Mas a partir de agora o que será curioso saber é como vai o PrimeiroMinistro continuar a chefiar um Governo e a dirigir um Conselho de Ministros em que tem, lado a lado, ou um contra o outro, dois ministros que são o exemplo da total falta de solidariedade política e institucional.

Aplausos do PSD.

Mas há uma segunda questão que este caso suscita.
Esta segunda questão é ainda mais uma questão de fundo. E uma questão estrutural do nosso sistema político. Ela tem a ver com o financiamento partidário.
Desde o Congresso de Santa Maria da Feira, há mais de dois anos, que o Presidente do PSD vem sistematicamente alertando para esta questão; há mais de dois anos que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa tem vindo a dizer que é preciso modificar estruturalmente o sistema de financiamento dos partidos; há mais de dois anos que o PSD e o seu líder advogam o fim do financiamento aos partidos por parte das empresas, sustentando que ele deve ser eminentemente público e não privado; há mais de um ano que o PSD, em coerência com esta posição, apresentou um projecto de lei de financiamento partidário visando consagrar esta mudança radical e estrutural.
Os factos, infelizmente, ainda que sob a forma de suspeita, dão razão aos alertas, às chamadas de atenção e às propostas do Presidente do PSD.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O financiamento partidário tem de ser revisto.

Aplausos do PSD.

Infelizmente para a democracia portuguesa, o PS fez ouvidos de mercador, recriminou a proposta do PSD, teimou em manter o sistema e fez aprovar uma nova lei de financiamento que reafirmou este calcanhar de Aquiles - manteve o financiamento partidário por parte das empresas, rejeitando a proposta alternativa do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi, Srs. Deputados, uma má decisão.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mais uma!

O Orador: - Uma oportunidade perdida. É preciso ter vistas curtas para não perceber que o sistema que existe, mais dia menos dia, cria suspeitas, fomenta especulações e introduz dúvidas e perturbações graves no funcionamento do nosso sistema político.

Aplausos do PSD.

É tempo de perceber o erro de mais esta decisão do PS. E o erro não tenderá, por cesto, a diminuir. Pelo contrário, a tendência será para agravar a situação.
Tantos e tantos, de quadrantes políticos bem diversos, há muito que alertam para os perigos do sistema actual. Com mais força e mais autoridade o fez, ainda no passado dia 5, o Sr. Presidente da República. São, assim, cada vez em maior número as vozes e as opiniões que sustentam, em favor da credibilização dos partidos, do sistema político e da democracia portuguesa, a necessidade de .mudar estruturalmente o financiamento partidário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É tempo de ter a coragem de mudar. Um erro corrige-se, não se combate com outro erro. É tempo de mudar esta situação. Importa, pois, também hoje, e sobretudo hoje, fazer daqui, ao PS, um novo e reafirmado desafio. Se o PS estiver aberto a reconsiderar, a mudar e a corrigir a situação, é possível unir esforços e fazer finalmente uma nova lei de financiamento partidário, que mude, acima de tudo, a essência do sistema e o fundo da questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta legislatura seria uma excelente oportunidade para consagrar essa mudança estrutural. Vale a pena a humildade de saber mudar enquanto é tempo, em vez de persistir no autismo de manter tudo como está, quando claramente já está fora de tempo.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mudem, Srs. Deputados do PS! Mudem outra vez, que o País agradece!

Aplausos do PSD.

Aqui fica, claro e frontal, como sempre, o desafio ao PS. Esta não é uma questão de combate partidário. Esta é uma questão estratégica da democracia portuguesa.
Investigar o que se passou, a partir das suspeitas lançadas, é importante, mas decisivo é prever e preparar o futuro, combatendo as causas e não apenas tratando das consequências.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A democracia portuguesa implica esta coragem. A coragem de mudar. A coragem de preparar o futuro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Filipe Madeira e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, a propósito da questão que está a apaixonar a opinião pública e a ser motivo de abertura e de encerramento de telejornais, que é uma questão grave, V. Ex.ª resolveu falar da tribuna para pôr ao PS algumas questões.
Sobre o assunto em si, dividiu-o em duas questões que considerou essenciais. A primeira seria o caso em si passe a redundância - e a segunda o problema da lei do financiamento dos partidos políticos, tendo acabado por convidar o PS a mudar.
Sobre o caso em si, é evidente que. estamos inteiramente de acordo e penso que não haverá dúvidas de que o Governo, a bancada socialista e o País exigem uma completa investigação e conclusões definitivas sobre este assunto, que se arrasta há muitos anos. Este assunto não começou agora!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esperamos que as investigações que a Procuradoria-Geral da República encetou no tempo do Governo anterior, e que não concluiu ainda, sejam agora concluídas. É isso que se pretende. O Ministro João Cravinho, como ministro da tutela, já se dispôs - e, nesse sentido (creio não cometer nenhuma inconfidência), dirigiu uma carta ao Presidente da Assembleia da República - a vir cá prestar todos os esclarecimentos que . estiverem ao seu alcance. Portanto, sobre isso estamos descansados e esperemos que haja, de facto, desta vez, conclusões sobre o assunto.
Depois, V. Ex.ª entendeu que havia o perigo de deixar arrastar a situação. Parece que esse perigo só existirá na sua cabeça, porque, mesmo num dia feriado, o Sr. Procurador-Geral da República, por sua iniciativa, com certeza, como autoridade autónoma que é, anunciou que iria imediatamente acelerar o processo de investigação com estes novos dados - se eles são novos - de que dispunha. Fê-lo ontem, está a fazê-lo hoje, e, segundo ouvi - ouvimos todos, com certeza - nas notícias, ainda hoje prometeu fazer uma comunicação sobre o assunto. Portanto, ninguém pretende arrastar o assunto.
Sobre o financiamento partidário, o Sr. Deputado convida o PS a mudar. Bem..., o PS tem outros convites mais interessantes e não precisa de seguir as pisadas do PSD.

O Sr. Medeiros )ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado, de facto, referiu - e muito bem! - que foi no Congresso de Santa Maria da Feira que o PSD veio dizer que era preciso mudar o sistema de financiamento dos partidos. No Congresso de Santa Maria da Feira! Não é uma data qualquer, é o Congresso posterior à derrota do PSD nas eleições em que deixou de ser governo! Durante 10 anos, foi governo e o PSD não se preocupou com a mudança do financiamento dos partidos. .

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não se preocupou! Mudou! Nisso e noutras coisas! E veio com uma pressa formidável dizer: «Alto lá, isto que está até adora é muito mau»! O PSD lá sabe! Lá sabe que é muito mau! E as investigações, certamente, irão provar isso! Esperemos que sim. Disse: «Vamos mudar». E nós mudámos as coisas.
O PSD não quer o financiamento das empresas. Porquê? Porque quer um financiamento às escondidas? É esse financiamento que lhe interessa? Porque o que está aqui em causa, o que foi denunciado como suspeitas, como indícios, pelo General Garcia dos Santos não foi o financiamento das empresas, é o financiamento encapotado, escondido e ilegal! Porque o financiamento transparente, esse, podemos aceitá-lo! Quem quiser dar dá, mas sabe-se. Inscreve nas suas contas. Toda a gente sabe quem deu a quem. O perigoso é o que os senhores conhecem muito bem e que mudaram no Congresso de Santa Maria da Feira, é aquele que se sabia debaixo da mesa, que ninguém sabe quem recebe, ninguém sabe quem dá e, como os senhores sabem muito bem, nem sabem quanto dá.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, V. Ex.ª tentou dividir o problema em duas alíneas, como se fosse tão simples quanto isso, mas este problema não é simples. Este problema está lançado na opinião pública de uma tal maneira que V. Ex.ª devia ter todo o comedimento antes de falar nele.
É possível que um jornal de hoje traga em título qualquer coisa como: «Um ministro escondeu a corrupção ao Governo, mas revelou-a para consolar um amigo»? É possível que isto apareça num jornal de hoje? É possível que haja uma dualidade de procedimentos dentro do mesmo Governo? Um escondendo, outro denunciando? Um, pondo fora um homem, outro consolando-o a seguir? E possível que isto aconteça no mesmo Governo?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tudo é possível neste Governo!

O Orador: - Então e o Primeiro-Ministro não existe? Acha isto normal? Acha isto natural?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Só neste Governo!

O Orador: - Ó Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, eu, se fosse V. Ex.ª, estava muito mais preocupado - e está com certeza - do que V. Ex.ª quer demonstrar aqui! Sei que V. Ex.ª é um homem sério! Eu também quero ser um homem sério,...

Vozes do PS: - Ah!

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O Orador: - ... e quero sair daqui e ser conhecido na rua como um homem sério. A questão que aqui está colocada desafia-nos a todos. E a questão é tão simples quanto isto: a questão do financiamento partidário. O Sr. Presidente da República já lançou esta questão, mais uma vez, na praça pública. E temos de estar muito atentos a isto. Quando propusemos um sistema de financiamento partidário que não incluía empresas, sabíamos por que é que o fazíamos,...

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sabiam!

O Orador: - ... porque em todos os níveis de poder esta questão pode acontecer...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Até nos governos regionais!

O Orador: - ... e, quando se instala a dúvida na sociedade, nós, como legisladores, temos de a resolver. Todos os países acabaram por seguir este percurso. Quando se lança a suspeita, acaba-se com o problema, não se pode continuar um problema como se ele não existisse. Quando estamos a ver o que acontece e não queremos ouvir as pessoas, não queremos ouvir o que o povo diz e não queremos perceber o que é que se passa no País, e quando não queremos ouvir sequer o Presidente da República, ó Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, então não vale a pena estarmos aqui! Temos de estar aqui para corrigir o sistema, para o fazer viver, e queremos fazer viver a democracia como um regime digno.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É isso que lhe proponho. Façamos as alterações para que ninguém e em ninguém consiga viver a suspeita. É isso que lhe proponho, foi isso que lhe propusemos, foi isso que os senhores recusaram, é isso que o desafio a fazer outra vez.

Aplausos do PSD.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, V. Ex.ª disse que dividi o assunto em duas questões. Não fui eu que o dividi, foi V. Ex.ª. Dividiu-o em duas questões essenciais e eu peguei nas duas.
Quanto ao título do jornal, não tenho o privilégio de conhecer o teor da carta que se diz ter sido enviada por um dos Srs. Ministros a uma pessoa sua amiga ou sua conhecida, e, como não conheço o teor da carta, nem sei se o jornal a conhece, tudo o resto são especulações. Mas tanto quanto já ouvi dizer também pela rádio - e com as devidas cautelas, porque não posso subscrever por baixo, porque não conheço directamente -, o Sr. Ministro em causa teria tido acesso a questões internas da JAE quando era Presidente do Tribunal de Contas. E as dúvidas que o assunto lhe suscitou foram enviadas, como lhe competia, para a Procuradoria-Geral da República,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem! Isso é que é ser sério!

O Orador: - ... para onde foram também outras dúvidas de outros ministros e de membros do Governo. Portanto, estão em sede própria, Se V. Ex.ª não confia na Procuradoria-Geral da República, o problema é outro, não é contigo.
Quanto ao resto e ao problema do financiamento partidário, já lhe respondi o suficiente e creio que V. Ex.ª é que não justificou a mudança verificada no Congresso de Santa Maria da Feira.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, continuo a verificar que V. Ex.ª optou por fazer como a avestruz. E fazer como a avestruz significa enfiar a cabeça na areia!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É verdade que V. Ex.ª identificou perfeitamente as duas questões, mas também é verdade que sobre uma quase nada disse.
Dou-lhe outro exemplo: também ouvi na rádio um jornalista dizer que um ministro tinha «espetado a faca» nas costas de outro ministro...

Protestos do PS.

Ó Sr.. Deputado, quando isto cai na praça pública é terrível para um ministério e para um governo! E isto foi dito hoje nessa mesma rádio que o senhor ouviu.
Na nossa opinião, a única maneira de ultrapassar esta questão e a suspeita pública que aqui se cria é, simplesmente, o que propomos. Em relação a esta matéria o PSD disse uma coisa muito simples: que o Sr. General Garcia dos Santos denunciou casos de corrupção e foi demitido pelo Governo.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Não é verdade! Não denunciou!

O Orador: - Ora, com base nestas afirmações, que foram publicitadas,...

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Que o General suspeitava!

O Orador: - ... o PSD pediu que o Sr. General Garcia dos Santos fosse ouvido na 1.ª Comissão. E porquê? Por uma razão simples, que passo a explicar: ou isto é um caso que se subsume na fiscalização política da Assembleia em relação ao Governo, e, então, cabe na alçada da 1.ª Comissão e do Parlamento, ou é um caso de polícia e, então, tem de ser entregue à Procuradoria-Geral da República.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Já foi entregue!

O Orador: - O que é preciso é esclarecermos isto, e quanto antes melhor.
Esta é a primeira questão. A outra é a de prepararmos o futuro, e foi para isso que lhe fiz um desafio, que V. Ex.ª não aceitou, infelizmente, como já não aceitou da outra vez. E aqui é que está o cerne do problema.

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Ó Sr. Deputado, o que é preciso fazermos mais para vos convencer da bondade da nossa proposta e de que não pode haver financiamento partidário por parte das empresas?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, gostaria de começar por afirmar que, pela parte do Grupo Parlamentar do PCP, julgamos que as declarações que foram proferidas este fim-de-semana suscitam, indubitavelmente, a necessidade de todo o processo ser totalmente esclarecido.
De facto, quando são feitas afirmações de que, existindo corrupção na JAE, com benefício de partidos políticos, alguém foi abordado por alguém para dizer que quem tem estado a ser beneficiado é um determinado partido e agora deverá ser outro, quando isto acontece, nós queremos saber quem são os partidos que estavam a ser beneficiados e os que querem passar a sê-lo.
Isto tem ficar muito claro, porque não pode haver, como em situações anteriores, um passar de esponja por todo este processo. Aliás, estamos convencidos de que, neste momento, depois de ser conhecido o autor da carta, o Governo tem a estrita obrigação não de esperar que a Assembleia da República lhe peça para vir cá mas, sim, de tomar a iniciativa de vir à Assembleia da República prestar todos os esclarecimentos.

Aplausos do PCP.

Pela nossa parte, queremos levar este assunto atém ao Fim. Aliás, nós já pedimos ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Tribunal de Contas que nos enviem todos os elementos sobre este processo e esperamos que não se encontrem pretextos para que esses dados não nos sejam fornecidos.
Este assunto está relacionado com corrupção e com alegado favorecimento de partidos políticos, pelo que queremos saber quais os partidos políticos que são ou que foram favorecidos com estas situações.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Isto conduz-nos à segunda questão que o Sr. Deputado colocou: a lei do financiamento dos partidos políticos.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, a este propósito, gostaria de colocar-lhe duas ou três questões.
Primeiro, em 1995, quando VV. Ex.as tinham maioria nesta Assembleia, a revisão da lei de financiamento dos partidos políticos foi feita pouco tempo depois de declarações públicas do presidente da CIP idênticas às que agora foram feitas.
Na altura, o projecto de lei apresentado pelo PCP propunha, pura e simplesmente, a proibição do financiamento dos partidos por parte de empresas, mas os senhores não aceitaram e votaram contra.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Por outro lado, na última revisão da lei de financiamento dos partidos políticos, o PSD apresentou um projecto de lei, propondo que as empresas pudessem continuar a financiar os partidos políticos só que não os financiava directamente, sendo estabelecido um «bolo»,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Aqui na Assembleia da República!

O Orador: - ... que poderia ser estabelecido na Assembleia da República, que depois o distribuiria.
Assim sendo, o PSD, até hoje, em termos de actos concretos, nunca se pronunciou contra o financiamento de partidos por empresas e apenas colocou a questão do financiamento directo.
Pela nossa parte, mantemos a nossa posição: devem ser, pura e simplesmente, proibidos os financiamentos por empresas aos partidos políticos, porque o facto de existir a possibilidade legal de o fazerem significa que está aberra a porta para os financiamentos ilegítimos e ilegais.
É que, enquanto não se acabar com essa possibilidade legal, os financiamentos ilegais e os ilegítimos têm uma cobertura paralegal de forma a poderem continuar a manter-se.
Termino, dizendo, Sr. Deputado Carlos Encarnação, que o problema do financiamento dos partidos políticos e a proibição do financiamento pelas empresas tem de ter uma outra componente: a limitação substancial dos valores permitidos para as despesas nas campanhas eleitorais,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... proposta em que os senhores também não nos acompanharam nesta última revisão da lei de financiamento dos partidos políticos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Porque, enquanto os senhores mantiverem 700 ou 800 mil contos de limite para as despesas nas campanhas eleitorais, é evidente que não estão à espera que esse dinheiro lhes caía do céu ou do Orçamento do Estado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, quero prestar-lhe aqui uma homenagem: V. Ex.ª e o seu partido têm sido coerentes nas posições que têm defendido.
Em todo o caso, quero recordar-lhe que tive oportunidade de me debruçar sobre as matérias relativas ao financiamento dos partidos políticos e posso dizer-lhe que as propostas que têm sido apresentadas têm sido sempre no sentido de acabar com o financiamento directo dos partidos políticos pelas empresas.
Aquilo que V. Ex.ª referiu era o financiamento indirecto, controlado e distribuído pela Assembleia e não um financiamento directo aos partidos políticos, o que é completamente diferente.
Tratava-se, em nosso entender, de um passo intermédio,...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Era controlar pelas pelas costas!

O Orador: - ... e eu acho que o passo seguinte deve ser dado para bem de todos.

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Por outro lado, creio que o percurso das alterações das leis de financiamento de partidos e das campanhas eleitorais são no sentido de reduzir aquilo que é uma vergonha, uma ostentação das campanhas eleitorais, uma ostentação de riqueza,...

Vozes do PS: - Olha quem fala!

O Orador: - ... que não pode continuar e que tem de ser alterada. Tem sido alterado, mas é preciso mais rigor ainda.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação a este caso, também estou de acordo consigo e digo-lhe com muita clareza: custe o que custar, doa a quem doer; esteja quem estiver envolvido, esta matéria tem de ser investigada rápida e celeremente para se chegar a conclusões muito depressa, porque a democracia assim o exige.

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Tive agora conhecimento das declarações que o Sr. Presidente da Assembleia da República fez relacionadas com esta matéria.
Gostaria de dizer, Sr. Presidente, que, pela minha parte e pela do meu grupo parlamentar, estamos totalmente de acordo consigo quando diz que a Assembleia da República não está inibida de nada nesta matéria.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nós somos contrários à tese expendida hoje de que a Assembleia da República se deve abster de intervir neste processo, porque os partidos poderão ser directamente interessados.
Somos totalmente contra isto e, por conseguinte, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de dar o nosso acordo à posição defendida pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País está a assistir, nos últimos três dias, a factos graves. Tudo começou com a entrevista do Sr. General Garcia dos Santos, ex-Presidente da JAE, a um semanário no passado sábado.
A verdade desses factos revela, quanto a nós, um conjunto de problemas que obriga a reflectir e a agir.
Primeiro problema: este Governo nem quanto aos insultos se entende...

Risos do CDS-PP e do PSD.

Temos um Ministro do Equipamento Social que chama ao Sr. General «inconsequente mental» e temos um Ministro das Finanças, sabêmo-lo agora, que considera o referido Sr. General um homem de excepção.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Segundo problema: já sabíamos que o Governo não era perito em boas nomeações, mas ficámos a saber que o Governo também não se entende quanto às demissões. Ou seja, neste Governo cada demissão duas sentenças!... É caso para perguntar ao Governo qual é o regime de solidariedade vigente que leva o Sr. Ministro do Equipamento Social a demitir estrondosamente o Presidente da JAE e o Sr. Ministro das Finanças, uns dias depois, a manifestar-se solidário com o Sr. General estrondosamente demitido.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Cabe ainda perguntar se o Sr. Primeiro-Ministro sabe o que o Sr. Ministro das Finanças pensa do que faz o Sr. Ministro do Equipamento Social.
Em síntese: será que o Sr. Primeiro-Ministro, que sabemos já não dialogar com a sociedade, deixou também de dialogar com os seus ministros?
Terceiro problema: temos em cima da mesa uma denúncia grave, ou seja, a de suspeita de corrupção num dos mercados públicos com maior volume financeiro em Portugal - o mercado público da construção de vias de comunicação controlado pela JAE.
Perante esta suspeita de corrupção, que diz o Governo? Não sei, Srs. Deputados, quem sai pior: se o Sr. Ministro das Finanças, que sabe tudo e não diz nada aos seus colegas, se o Sr. Ministro do Equipamento Social, que não sabe nada e é surpreendido por todos.
Quarto problema: há quase 4 anos, mais precisamente em 19 de Janeiro de 1995, alguém, com quem podemos concordar ou discordar, mas que é, comprovadamente, uma personalidade responsável, o Dr. Pedro Ferraz da Costa, denunciou o que se passava nos concursos públicos em Portugal, concretamente nas relações entre as empresas construtoras e a Administração Pública, que ele conservava cada vez mais tentacular.
1365 dias depois parece que Lampeduza tinha razão: algo mudou para que tudo fique na mesma. Ou seja, o que o Sr. General Garcia dos Santos veio dizer é exactamente o mesmo que o Dr. Pedro Ferraz da Costa já tinha dito em 1995.
Quinto problema: existem indícios de corrupção, mas a culpa continua, infelizmente, a morrer solteira!...
Como dizia o Ministro do Equipamento Social, os factos falam por si! O problema está é na lição dos factos que o Governo persiste em ignorar. A saber: foi feita uma auditoria pela Inspecção-Geral de Finanças que, segundo o Sr. Ministro das Finanças, aponta para indícios claros de corrupção. Alguém conhece as conclusões que o Governo tirou dessa auditoria?
Por outro lado, a Assembleia da República, como ao tempo se limitou a fazer uma audição, não iniciando um verdadeiro inquérito ao fundo da questão - ou seja, à definição e ao cumprimento das regras aplicáveis aos concursos públicos em Portugal - perdeu uma boa oportunidade de rectificar o estado das coisas e veio, lamento dizê-lo, a saber dos factos pelos jornais.
Sexto problema: sejamos isentos e não esqueçamos que esta matéria está no Ministério Público há mais de 3 anos. Ontem o Sr. Procurador-Geral da República anunciava que os resultados do inquérito não tinham sido concludentes e que iria retomar o processo. Ora, uma de duas: ou a investigação não permitiu confirmar as suspeitas de cor

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rupção, ou o Ministério Público foi confrontado com factos novos que carecem de nova investigação.
Aconteça uma coisa ou outra, para nós, Deputados da Nação, a responsabilidade é acrescida e não diminuída. Com efeito, se esta Assembleia da República é responsável pela definição do quadro legal dos concursos públicos e pelo provimento orçamental dos respectivos encargos, então não pode demitir-se de conhecer as infracções à lei e os desvios às contas. E mais: esta Assembleia não pode abster-se de rectificar o que está errado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, para nós, não subsiste qualquer dúvida: quem está sob investigação é a JAE; quem deve ser fiscalizado por esta Assembleia é o Governo.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O CDS-PP, com orgulho o digo, não está com certeza sob suspeita e o seu dever nesta Assembleia é fiscalizar, não calar.
Dizemo-lo com a autoridade de quem propôs e aprovou em 1997 uma lei que visou apertar a malha legal para prevenir a corrupção nas obras públicas, estendendo o seu regime às sociedades anónimas de capitais públicos - lei cujo rigoroso cumprimento pelo Governo também queremos conhecer; referimo-nos, como é sabido, à Lei n.º 94/97, de 23 de Agosto.
Fazemo-lo, ainda, com a autoridade de quem tem levantado o problema da corrupção para proteger a política e os políticos perante o desdém de alguns que, como está a acontecer na JAE, nem se lembram de prevenir nem sabem remediar.
É este o conjunto de razões que nos leva a anunciar aqui que estamos a reunir todos os documentos e elementos que nos permitirão propor oportunamente à decisão dos Srs. Deputados a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito sobre esta matéria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Deputado Luís Queiró, V. Ex.ª começou a sua intervenção comum advérbio de modo poderoso - «estrondosamente» -, advérbio esse que repetiu estrondosamente duas ou três vezes.
Ora, eu pensei que vinha daí tal como V. Ex.ª me tem habituado noutras ocasiões - uma intervenção inovadora, ponderada e, passe o exagero da minha qualificação, responsável.
Todavia, com o devido respeito, a sua intervenção não correspondeu à minha expectativa, pois começou por divagar demagogicamente sobre questões marginais, designadamente seguindo as pisadas de outros oradores, e apegou-se a um suposto - não sei se real mas, para mim, suposto - conhecimento do teor da famosa carta.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - A «carta a Garcia»...!

O Orador: - Sim, a «carta que foi levada a Garcia»...!

Como estava a dizer, não sei com que autoridade V. Ex.ª se agarra a isso, pois eu não conheço o teor dessa carta...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Há também um ministro que não conhece!

O Orador: - ... e considero abusivo estar a invocado quando ela nem sequer é pública.
E mais abusivo é ainda, se me permite, que um Deputado considere fidedigno e louvável a divulgação de uma carta pessoal entre dois cidadãos, pois quando o primeiro escreve ao segundo é suposto que a carta não é para divulgação, contenha ela verdades ou não, não é isso que está em causa. Trata-se de algo que falha nas regras de convívio social... Em todo o caso, fico a saber que nunca poderei dirigir a V. Ex.ª uma carta pessoal... Quanto muito, quando me dirigir a si fá-lo-ei por fax, porque não confio na sua discrição...

Vozes ido CDS-PP: - Ó Sr. Deputado!...

O Orador: - Pensei que o Sr. Deputado iria louvar tudo isto, porque poderia ser um excelente argumento para o vosso cartaz «Corrupção x 8». Afinal, parece que os senhores defendem isto: corrupção sim, mas nos órgãos centrais do Estado... Aí pode haver corrupção, mas «corrupção x 8» é que não...!

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Parece que, afinal, o cartaz até tem razão!

O Orador: - Há aqui um monopólio central de corrupção. Será verdade que o senhor quer acabar com a corrupção central? Será verdade?
De facto, o senhor deveria ter dito: «muito bem, confirma-se»... Não, o senhor, de facto, veio aqui fazer um desmentido ao vosso famoso cartaz da «corrupção x 8». O senhor não acredita que a corrupção seja generalizada. O senhor não quer corrupção, com certeza, nós também não!
Quanto ao final da sua intervenção, o Sr. Deputado, depois de me ter desiludido, não me decepcionou, porque ontem ouvi-o na televisão dizer que viria aqui propor a criação de uma comissão de inquérito e, hoje, honra lhe seja feita, o senhor não me desiludiu.
Prometeu ontem, ainda sob algum aspecto «dubitativo»..., teria de ver quem era o autor da carta, tinha importância saber se fosse o ministro a ou o ministro b sim, se fosse o ministro e ou o ministro d não. Aliás, até parece que o problema dependia de saber quem era o autor da carta - foi assim que ouvi na televisão, se a memória não me falha... Bom, mas, afinal, este ministro era dos tais que justificava o inquérito.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Essa memória está a traí-lo!

O Orador: - Não, esta memória é boa! Apesar de alguns cabelinhos brancos, ainda é boa.
O Sr. Deputado Luís Queiró vem pedir o inquérito parlamentar. Ora, é tradição do Partido Socialista considerar sempre que não se deve obstaculizar um inquérito quando ele tem um fundamento legal. Portanto, mais uma vez, não vamos contrariar esse inquérito. O que não impede dizermos-lhe que não consideramos a comissão de inquérito o meio mais idóneo, em termos técnicos, não em termos políticos, obviamente, para averiguar o que se passa. Se, como o senhor reconheceu, a Procuradoria-Geral da República, dispondo de um aparelho enorme de pesso-

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as tecnicamente apetrechadas, de meios e condições, apesar de ter denúncias, indícios e o que é possível ter, em três anos não chegou a lado algum, duvido que a comissão de inquérito consiga ir mais longe.
Mas esta minha dúvida não é, de modo algum, obstáculo a que viabilizemos a vossa proposta de inquérito. Se os Srs. Deputados acharem que o inquérito parlamentar é necessário, nós estamos de acordo e vamos colaborar nele, investigando, através da Assembleia da República, tudo o que houver a investigar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para além de viabilizar a proposta de inquérito parlamentar, peço-lhe que viabilize, também, a resposta do Sr. Deputado Luís Queiró, que já não dispõe de tempo, dando-lhe 2 ou 3 minutos para o efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró, para responder, beneficiando de 3 minutos concedidos pelo Partido Socialista.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Obrigado, Sr. Presidente, vou tentar ser muito sintético.
Sr. Presidente, começava por dizer ao Sr. Deputado Luís Filipe Menezes...

Risos do PS.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Luís Filipe Menezes é o Deputado de Gaia!

O Orador: - Ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, peço desculpa. Veja bem, troquei a região do Porto pela do Algarve!
Começava por dizer ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira que pode confiar em mim quando me escrever qualquer carta. Mas devo dizer que se V. Ex.ª me denunciar, algum dia, um acto menos legal, menos lícito, mais reprovável da vida pública ou de algum agente da Administração do Estado, nessa altura, aquilo em V. Ex.ª tem de confiar é no meu cumprimento da lei, que é, como V. Ex.ª sabe, denunciar às autoridades públicas...

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Mas não à televisão!

O Orador: - ...aquilo que me transmite relativamente a ilegalidades ou a actos mais ou menos reprováveis. V.Ex.ª sabe que é assim que se deve fazer, pois, além de tudo o mais, é advogado e conhece bem a lei.
Não está em causa o facto de a carta ser pública ou privada, mas, sim, o facto de não podermos manter em segredo aquilo não pode ser mantido como tal e que a lei impõe que se torne público.
Além de tudo o mais, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, foi o próprio Sr. Ministro das Finanças que reconheceu a identidade, o texto e o conteúdo da carta.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Não conheço o
texto!

O Orador: - Portanto, a partir desse momento, as
observações que V. Ex.ª fez relativamente aos comentários sobre a carta, tomaram-se menos próprios, porque, na verdade, a autoria da carta e os seus termos estão reconhecidos mine,
Aliás, os termos da carta são graves, porque revelam que o Sr. Ministro das Finanças está preocupado com a situação da Junta Autónoma de Estradas, conhece as pessoas envolvidas nas situações de corrupção que têm sido denunciadas e até diz «e mais não digo», o que permite inculcar que sabe mais do que aquilo que revela na própria carta.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Onde é que viu isso?

O Orador: - É essa a razão que me levou ontem a considerar muito importante saber quem é que tinha sido o autor da carta, até porque isso permitia, com certeza, revelar quem é que tinha problemas de inconsequência mental. Isto é, se era o Sr. Ministro das Finanças, o autor da carta, que ontem não se conhecia, ou se era quem acusava o Sr. ex-presidente da JAE de ter problemas e distúrbios mentais.
Há aqui um problema de desinformação e de descoordenação dentro do Governo. Era isto que queria alcançar e foi o que obtive por iniciativa, honra lhe seja feita, do próprio Ministro das Finanças.
Quanto ao inquérito parlamentar, Sr. Deputado, direi, muito rapidamente, que se V. Ex.ª considera que este não é o meio adequado para fazer a fiscalização destes actos de corrupção que foram denunciados pelo Sr. General Garcia dos Santos, então, tenha a coragem de propor a extinção deste mecanismo parlamentar.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Não, não é isso!

O Orador: - Se este mecanismo existe, se está previsto na lei para fiscalizar a legalidade e a constitucionalidade dos actos do Governo e, até, para pronunciar-se sobre qualquer matéria que seja útil à Assembleia da República no âmbito das suas competências e atribuições legais, então, temos todo o direito de reconhecer a necessidade do inquérito parlamentar.
Provavelmente, foi por termos ficado, em 1995, no âmbito da fiscalização política dos actos do Governo, por uma pífia audição, aqui, na Assembleia da República, não tendo levado até ao fim a investigação que, na altura, era suscitada pelas denúncias do Sr. Dr. Pedro Ferraz da Costa,...

O Sc. Acácio Barreiros (PS): - Foram os seus sócios!

O Orador: - ...que estamos aqui, três anos depois - e, pelos vistos, de três em três anos -, a repetir, digamos assim, as denúncias de corrupção sem que alguma coisa evolua, do ponto de vista qualitativo, em relação a essas denúncias.
Para terminar, Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe que a comissão de inquérito é muito útil.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

A comissão de inquérito é muito útil para averiguar e fiscalizar os actos de corrupção denunciados pelo Sr. ex-Presidente da JAE e para saber o que é que o Governo tem feito, no plano da gestão e da governação, para obviar à manutenção desta situação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que termine.

O Orador: - Termino num segundo, Sr. Presidente.

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É ainda muito útil para podermos ouvir um conjunto de pessoas que conheçam a fundo estas matérias, desde empresários a sindicatos, passando, também, por professores de Direito Administrativo, e fazermos uma recensão das medidas que podem ser traduzidas em lei para conseguirmos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar. Aliás, já devia ter terminado.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, para fazermos uma recensão das medidas que podem ser traduzidas em lei para conseguirmos trazer maior objectividade e imparcialidade aos concursos públicos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, para defesa da honra da bancada.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra e do tempo da bancada, pois o Sr. Deputado Luís Queiró foi por ele dentro como rato em queijo doce.
Sobre a nossa divergência relativamente às comissões de inquérito, vou lembrar-lhe um facto, o que farei em 10 segundos: em mil novecentos e noventa e tal - na anterior legislatura, creio eu -, houve uma comissão de inquérito que se arrastou por muitos meses, tendo concluído, magnificamente, que nada se provava contra os investigados. Meses depois, os tribunais condenavam os investigados em penas de prisão muito graves. Trata-se da Comissão de Inquérito relativa ao Hospital S. Francisco de Xavier.

O Sr. Manuel Varges (PS): - E esta?

O Sr. Presidente: - Entrando em período de tratamento de assuntos de interesse político relevante, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No decorrer da semana passada, o PSD e o CDS-PP desenvolveram invectivas contra as Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Famalicão em virtude de estas terem tomado a iniciativa de, através de um panfleto, explicarem e informarem os seus munícipes e todos os portugueses sobre os pontos essenciais da regionalização administrativa do País. O Sr. Deputado Silvio Rui Cervan tomou várias vezes a iniciativa de desenvolver essas invectivas, tendo-o feito aqui mesmo, em plena Câmara, na semana passada, e voltou a fazê-lo, ontem à noite, no Porto.
Entretanto, o Movimento Portugal único tratou de apresentar uma queixa, nos mesmos termos, na Comissão Nacional de Eleições.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, hoje todos podemos ver na imprensa diária que a Comissão Nacional de Eleições considerou improcedente a queixa do Movimento Portugal único e deu toda a razão às Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Famalicão por cumprirem a obrigação de informar os munícipes e os portugueses sobre a verdade relativamente à regionalização.
Não queria deixar de tirar as conclusões políticas, que estão à vista, de todo este procedimento. Ou seja, a direita portuguesa, que actualmente se assume como direita radical, tem medo da informação dos portugueses relativamente à regionalização. Não quer que os portugueses sejam informados por uma razão muito simples: contra a informação que as Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Famalicão têm feito aos portugueses, a direita radical - o PSD, o CDS-PP e o Movimento Portugal único - faz a intoxicação.

Protestos do CDS-PP.

Os senhores não sabem qual a diferença entre informação e intoxicação. A diferença está em que a primeira visa o esclarecimento, que é aquilo que nós fazemos, e a segunda visa o obscurantismo, que é aquilo em que muitos dos senhores nasceram e, por terem nascido nessas trevas, não querem abandoná-las.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando se faz um panfleto de 14 páginas, onde se referem unicamente a lei-quadro e, diversos diplomas em que são claras as atribuições e as competências das regiões e quando se apresenta um último quadro em que aparecem as realidades administrativas da Europa de forma comparada, ficando VV. Ex.as aflitos com essa informação, então é porque têm medo do povo português esclarecido!
VV. Ex.as gostariam de ter um povo intoxicado com a campanha miserável de calúnias que o CDS-PP tem lançado por esse País fora. Desta forma, fica muito claro não só que esta atitude das Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Famalicão foi meritória, como eu exalto desta tribuna todas as câmaras municipais a fazerem exactamente o mesmo, ou seja, a informarem os portugueses da verdade. É que onde há um português informado sobre a verdade da regionalização, há um português que é a favor da regionalização; onde há um português intoxicados pelos senhores há, realmente, um português contra.
Mas como a informação vai continuar, o movimento da regionalização vai avançar e, quando isto acontece, avança a democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, para um pedido de esclarecimento, utilizando 3 minutos que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Baptista, V. Ex.ª fez uma intervenção que me pareceu absolutamente esclarecedora. V. Ex.ª veio aqui dizer que o Dr. Mário Soares, o Dr. José Lamego, o Dr. Rui Vilar, o Dr. Alfredo Barroso, o Dr. Vítor Cunha Rego... - e posso ficar aqui com toda a lista telefónica... - são portugueses intoxicados, não esclarecidos, sem capacidade para discernir num referendo.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Ora, Sr. Deputado, vai desculpar-me, com muita consideração que tenho por V. Ex.ª, e tendo a certeza que é, talvez, o português mais bem esclarecido sobre esta matéria, aliás, incomparavelmente mais bem esclarecido do que todos os outros que acabei de citar, do que todos os da minha bancada e do que todos os da bancada do PSD, não tenho quaisquer dúvidas sobre isso ....

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deixe-me continuar ainda no lado dos 70% de portugueses intoxicados e pouco esclarecidos e V. Ex.ª continuará no lado dos trinta e pouco por cento de portugueses esclarecidos...

O Sr. Manuel Varges (PS): - Já são mais!

O Orador: - e que têm de ser muito bem «iluminados» pelos Presidentes das Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Famalicão.
Mas V. Ex.ª não julgue que não vou, também, referirem ao ponto inicial da sua intervenção, relativamente ao que foi dito e publicado pelas Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Famalicão. V. Ex.ª não respondeu ao essencial, que tem a ver com a falta de palavra do Presidente da Câmara Municipal do Porto, que disse que só colocaria em circulação esse prospecto se o mesmo fosse aprovado por unanimidade, mas não foi!

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Esqueceu-se!

O Orador: - V. Ex.ª também não disse que, no caso de Vila Nova de Famalicão, os vereadores do PSD e do PP tiveram de ausentar-se no momento da votação como última forma de protesto porque, inclusivamente, havia membros do seu partido, Sr. Deputado, que consideraram o prospecto tendencioso.
Termino, dizendo que a Comissão Nacional de Eleições limitou-se a arquivar o processo. Todos os juízos valorativos são da sua responsabilidade, que não da Comissão Nacional de Eleições.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Rui Namorado (PS): - Alguns dos nomes que o Sr. Deputado citou são inventados!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, compreendo a sua posição. O senhor, pura e simplesmente, esquivou-se a todos os temas que abordei, o que é perfeitamente normal porque, nesta matéria de regionalização, VV. Ex.as não têm tido posições próprias.
Dentro do vosso partido não há posições próprias. O senhor, que há pouco tempo era a favor da regionalização, desde que mudou a liderança no PP, está agora a fazer o «frete» aos novos dirigentes.

Aplausos do PS.

Todos vós, genericamente, que, na grande maioria, eram grandes defensores da regionalização, que, agora, dizem «assim, não!» mas que nunca apresentaram uma proposta nesta Câmara, dizendo «assim, sim!», não têm posição sobre a regionalização.

Risos do PSD.

VV. Ex.as têm unicamente uma posição táctica, e, com ela, pretendem criar algumas dificuldades ao PS porque, de resto, «estão-se nas tintas» para a questão da modernização do País.

VV. Ex.as «estão-se nas tintas» para os problemas da modernização do País talvez devido à vossa «costela fossilizada de saudosismo»...

Risos do PSD.

... em relação à concepção unitarista e centralista do Estado...

Protestos do PSD.

Passando ao essencial, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, a questão é a de que, em todas as sondagens, a, maioria dos portugueses considera que não está esclarecida.

Protestos do CDS-PP.

Como tal, é por isso que câmaras municipais cuja liderança é do Partido Socialista, nomeadamente as de Vila Nova de Famalicão e do Porto, estão a dar resposta a esse anseio dos portugueses de serem esclarecidos e informados sobre a regionalização, enquanto a única coisa que VV. Ex.as fazem é lançar confusão, «poeira» e «águas turvas», pois estas são as únicas «águas» em VV. Ex.as sabem «nadar»!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, faço notar à Câmara que uso da palavra para defesa da honra pessoal, que não da honra da minha bancada. E faço-o estritamente em meu nome próprio.
Sr. Deputado Pedro Baptista, espero que, pela última vez, nesta Câmara, fique esclarecido em relação a esta matéria.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Nunca ficará!

O Orador: - Primeiro, sou defensor do princípio da regionalização e digo «não» a esta regionalização porque não concordo com ela!

Vozes do PS: - - Ah!

O Orador: - Segundo, sou tal qual o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, que sempre defendeu o modelo das cinco regiões, e que hoje se vê obrigado pelo seu partido a defender o modelo das oito regiões.
Passando à terceira questão, que não é de somenos e peço desculpa aos restantes Deputados por ter de trazê-la aqui -, o Sr. Deputado vai desculpar-me mas, em matéria de «cambalhotas» políticas, não será nunca, seguramente, o senhor que me ensinará sequer uma vírgula!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista, para dar explicações, querendo.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas vou referir-me à parte relevante deste processo de regionalização aqui suscitada pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

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Eu próprio, originariamente, também era defensor da concepção das cinco regiões, ao contrário dos senhores que não defendem absolutamente nada porque nunca apresentaram absolutamente nada!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como Deputado e como homem, sou um ser pensante!

Risos do PSD.

Ora, para alguns de VV. Ex.as, pelos vistos, é um espanto que o homem seja um ser pensante! Mas o homem não é só falante, é, também, pensante! Como sou um ser pensante, Sr. Deputado,

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Não parece!

O Orador: - ... embora, originariamente, fosse defensor das cinco regiões, fui compreendendo não só que a maioria dos meus camaradas era defensora de um modelo ligeiramente diferente,...

Vozes do CDS-PP: - Ligeiramente?!

O Orador: - ... como também reconheci sempre...

Protestos do CDS-PP.

Sr. Presidente, pedia-lhe que mandasse silenciar a «sexta fila» enquanto falo!

Risos do PSD.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Fala mal!

O Orador: - .Como dizia, reconheci sempre - e, particularmente, quando tivemos esses debates - que a concepção das oito regiões também tinha argumentos fortes a favor, nomeadamente o da defesa das regiões do interior e o de que, sendo interiores, teriam mais capacidade para decidir a concentração do desenvolvimento económico nas respectivas zonas pois, caso contrário, situando-se a maioria da população no litoral, os seus votos fariam com que o investimento predominasse no litoral sobre o das regiões do interior.
Este é um argumento de peso e, hoje, estou rendido a ele porque a minha cabeça foi feita para pensar e, ao pensar, evolui-se, ao contrário de VV. Ex.as que, pelos vistos, quanto mais pensam que pensam mais fazem exactamente o contrário. Ou seja, «fossilizam-se» mentalmente!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à reapreciação do Decreto n.º 235/VII - Publicação, identificação e formulário dos diplomas, que provém da comissão competente e cujas propostas de alteração já foram distribuídas, estando a ser distribuída, neste momento, uma última proposta de alteração de pequeno porte.
Espero que não haja impedimento a que entremos imediatamente sua na discussão, na generalidade, na qual, de acordo com o Regimento, apenas intervém, uma só vez, um dos autores do projecto e um Deputado por cada grupo parlamentar. Assim, aguardo que os Srs. Deputados se inscrevam para podermos dar início ao debate.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto, para uma intervenção.


O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É, hoje, esta Câmara chamada a proceder à reapreciação de um conjunto normativo de regras sobre a publicação, identificação e formulário de diplomas legais.
Isto em virtude de o Decreto n.º 235/VII desta Assembleia ter sido, nos termos do n.º 1 do artigo 136.º da Constituição, vetado por S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Sem qualquer dúvida, todos entendemos a importância deste normativo, mesmo para lá da mera aparência de aridez burocrática e técnica, quase mesmo esotérica, que também representa.
Trata-se, com efeito, de um dos aspectos de maior relevo de todo o procedimento legislativo: a garantia da sua perceptibilidade, da sua clareza e da sua transparência. O mesmo será dizer que daqui depende a salvaguarda das garantias, das mais importantes, dos cidadãos: a certeza e a segurança jurídicas.
Se outro motivo não existisse, porventura, este mesmo seria justificação mais do que suficiente para a colaboração desinteressada, espontânea mesmo, de quaisquer órgãos políticos que, de uma ou de outra forma, se envolvem no processo de feitura das leis. É, seguramente, isso que fazemos agora.
A última revisão constitucional veio, por seu turno, implicar toda uma profunda reformulação do processo referente à matéria de publicação, identificação e formulário dos diplomas legais publicados na I série do Diário da República. Oportunidade, aliás, excelente para proceder a todo um trabalho de actualização, racionalização e aperfeiçoamento a que urgia proceder sobre esta matéria, de forma a poder garantir que o jornal oficial seja o instrumento por excelência de publicidade dos actos normativos e, consequentemente, assegurar o fácil acesso dos cidadãos ao conhecimento de todo o normativo que regula as suas vidas e interesses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afastada a possibilidade, verdadeira, de se depreender que ao Governo continuaria a caber a competência de aprovação de tratados e isto por não ter tido acolhimento na anterior redacção, de forma mais feliz, uma fórmula que arrancasse da explicitação do entendimento da distinção entre tratados e acordos, como bem se procedeu aquando da revisão constitucional;
Resolvida que está a questão decorrente da necessidade de os regulamentos indicarem expressamente as leis que regulamentam, não só restringida aos casos dos decretos regulamentares mas de todos os regulamentos;
Excluída que igualmente está ,- e no âmbito dos decretos de nomeação dos membros dos governos regio-

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nais -, por parte do Ministério da República, a assinatura do presidente do governo regional a seguir à do Ministro da República, a inovação com claras repercussões no aspecto político e mesmo até no estatuto políticoadministrativo das regiões autónomas, na medida que bem poderia ser entendida como a criação de um novo instituto, o da referenda governamental sobre actos do Ministro da República;
Restar-nos-á o regozijo por esta nova racionalização e ordenamento legislativo, a par da recomendação de suporte logístico para que este conjunto de medidas possa. ter, no terreno, pleno efeito útil - e o nosso voto favorável, como, aliás, aconteceu na primeira apreciação.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus, para uma intervenção,

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Presidente da República, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 1 do artigo 136.º da Constituição, vetou o Decreto n.º 235/VII da Assembleia da República sobre publicação, identificação e formulário dos diplomas e, em consequência, solicita ao Parlamento uma reapreciação do diploma. É o que nos cabe fazer neste momento.
Em teoria, são legítimas as preocupações do Presidente da República quanto ao «decreto-formulário», já que este se reveste de uma importância decisiva para a clareza, transparência e correcção do procedimento legislativo, sendo nele que se apoiam algumas das mais relevantes garantias dos cidadãos quanto à segurança jurídica, à observância do princípio da legalidade e ao exercício constitucionalmente adequado dos poderes normativos, tal como é reconhecido no veto presidencial.
Só que no decreto vetado todos estes aspectos estão amplamente salvaguardados, não se vislumbrando razões para o recurso a um instrumento tão grave e tão importante do ponto de vista político-constitucional como é o veto do Presidente da República.
Com efeito, analisando com mais cuidado a mensagem que o Presidente enviou a esta Assembleia, verificasse que os fundamentos aí invocados não passam de meras questões de forma ou de simples redacção que poderiam ter sido ultrapassadas no quadro do diálogo institucional entre a Presidência e o Governo, sem necessidade de recurso a esta medida extrema que é o veto presidencial.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há, porém, um ponto que, escapando às questões de mera forma, parece constituir a razão de ser do presente veto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Obviamente!

O Orador: - Diria mesmo que aquelas questões formais são o pretexto de que se serve o Presidente da República para exteriorizar um dos seus receios em relação ao aparente alargamento dos poderes dos órgãos de governo próprio.
Trata-se da exigência que vem consignada no n.º 2 do artigo 15.º do diploma vetado quanto à assinatura dos presidentes dos governos regionais nos decretos de nomeação e exoneração dos restantes membros dos seus governos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tem todo o sentido!

O Orador: - Na mensagem considera-se inovatória tal exigência e admite-se que «a formulação deste novo requisito poderia ser objectivamente interpretada como configurando a introdução do instituto da referenda governamental no que se refere a certos actos do Ministro da República».
Quanto ao carácter inovatório, convenhamos que o preceito em apreço nada de novo contém, antes se trata de uma precisão inteiramente conforme e totalmente acolhida pelo disposto no artigo 231.º da Constituição da República.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se o Ministro da República nomeia e exonera os membros dos governos regionais sob proposta do respectivo Presidente, natural e óbvio é que o presidente do governo regional assine, também, os decretos de nomeação dos restantes membros do seu governo. São estes, aliás, o fundamento e a razão de ser da exigência consagrada no n.º 2 do artigo 15.º do «decreto-formulário».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Parece-nos também evidente que este requisito não configura qualquer tipo de referenda governamental. Basta atentar no que se dispõe nos artigos 140.º e 197.º, n.º 2, da Constituição, sobre referenda ministerial, para se concluir que à restritíssima e excepcional intervenção dos presidentes dos governos regionais nos decretos de nomeação dos restantes membros dos seus governos faltam a natureza, o conteúdo e a extensão do instituto da referenda governamental.
Trata-se, apenas, de associar formalmente os presidentes dos governos regionais a um acto a que estão materialmente ligados por força da Constituição. Não está em causa qualquer manifestação de co-responsabilidade política, de dependência ou de mera certificação, como é próprio do instituto da referenda.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A mensagem refere-se, ainda, à ausência de «prévio fundamento em instrumento normativo adequado, designadamente, a Constituição ou os estatutos político-administrativos das regiões autónomas».
O fundamento, como já referi, é o disposto no artigo 231.º da Constituição. Mas porque a observação do Presidente da República é susceptível, no plano lógico, de ser formulada - e foi-o, efectivamente -, o PSD, quando da discussão das alterações ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores, propôs que o requisito formal ora em discussão aí fosse expressamente mencionado.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porém, contra a nossa proposta votou o Partido Socialista, não vindo, assim, a consagrar-se a expressão que poria fim a toda e qualquer dúvida.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pelas razões expostas, o PSD entende que deve manter-se tal como está o n.º 2 do artigo 15.º do Decreto n.º 235/VII da Assem-

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bleia da República. Isto é, os decretos de nomeação e exoneração dos membros dos governos regionais deverão ser também assinados pelos respectivos presidentes.

Aplausos do PSD.


O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para uma intervenção.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O veto de S. Ex.ª o Presidente da República propicia à Assembleia da República uma ocasião - a ocasião constitucionalmente adequada - para levar até ao fim e em boas condições o esforço que começámos há alguns meses, dando concretização a um imperativo de revisão constitucional.
É bom de sublinhar que o processo decorreu, em termos absolutamente exemplares e é-o exemplar também, neste exacto momento.
Por um lado, porque o Governo submeteu ao Parlamento uma proposta de lei e não tinha de fazê-lo. A identificação e o formulário e dos diplomas não faz, sequer, parte da reserva relativa da Assembleia da República. O Grupo Parlamentar do PS chegou a propor a inclusão desta matéria nessa área reservada, mas essa proposta não colheu consenso maioritário de 2/3 na revisão constitucional. Poderia, portanto, este debate ter sido, pura e simplesmente, inexistente.
O Governo, bem ao invés, entendeu que era positivo submeter ao Parlamento uma proposta de lei e colher o mais alargado consenso que fosse possível e também benfeitorias no articulado inicial. Quem fizer o cotejo, cuidadoso entre o texto inicialmente apresentado e o texto do Decreto n.º 235/VII poderá verificar que há entre um e outro numerosíssimas distinções, cerca de 30, as quais resultaram de um trabalho de reflexão levado a cabo no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, processo no qual tiveram intervenção Deputados de todos os partidos.
Não gostaria de estabelecer qualquer distinção desprimorosa, mas tiveram especiais incidências de diálogo as discussões com os Srs. Deputados Mota Amaral e Moreira da Silva, do PSD, tendo ambos dado contribuições escritas que permitiram que o articulado final incorporasse, com o seu contributo, benfeitorias que colheram consenso generalizado. E repito: o diploma colheu consenso generalizado.
Suponho que poucos se lembrarão de que neste diploma se deu resposta a uma inovação da revisão constitucional que, tendo nascido polémica - o conceito de leis gerais da República, na nova acepção -, acabou consensual, unânime, mais exactamente, nesta lei de identificação e formulário dos diplomas.
Devo, portanto, dizer - e insisto - que o esforço foi extremamente positivo. O veto do Sr. Presidente da República permite-nos acabar esse esforço em condições, creio eu, óptimas.
Por um lado, porque nos permite expurgar o texto de um manifesto lapso de escrita, uma «colada» alusão à competência governamental para aprovar tratados, que manifestamente foi eliminada pela 4.ª revisão constitucional, como todos sabemos.
Esta menção foi eliminada do texto, reapareceu na terceira versão do texto, foi novamente eliminada e reapareceu na versão final. É ou será, agora, formalmente expurgada. Portanto, é, pura e simplesmente, uma gralha.

Por outro lado, permite-nos reequacionar uma outra questão que nenhuma lei de formulário resolveu, qual seja, a forma óptima de iludir a fórmula aplicável aos regulamentos, espécie essa, como sabemos, multivária, susceptível das mais diversas configurações e extracções, regulamentos independentes e não independentes, com invocações de causas muitíssimo distintas.
Creio que no texto que está submetido à apreciação dos Srs. Deputados, está encontrada a fórmula que permite melhorar a solução que, originariamente, tínhamos configurado, fórmula essa, que resulta do estudo que fizemos dos termos em que o documento remetido por S. Ex.ª o Presidente da República equaciona a questão, em termos que consideramos correctos, do ponto de vista jurídico-constitucional.
Em penúltimo lugar, vamos poder aditar uma correcção que nos foi sugerida, por pessoas que estudaram bem a Lei do Tribunal Constitucional e que verificaram que na Lei do Formulário faltava uma menção às declarações do Tribunal Constitucional. Este tem decisões, mas tem também, em determinadas circunstâncias, como a respectiva lei orgânica diz, a possibilidade de fazer declarações, as quais devem ter projecção na Lei do Formulário.
E, por último, um equívoco: cheguei, em determinado momento, a sintetizar o estado da questão dizendo que a Assembleia da República ia poder suprimir, basicamente, uma gralha, um difícil problema constitucional e um equívoco.
Esse equívoco acaba de ser bem retratado pelo Sr. Deputado Correia de Jesus, que invoca aquilo a que eu chamaria um fantasma constitucional.
A figura da chancela pelo Presidente do Governo Regional dá nomeação de alguém que só pode ser proposto por ele próprio, pelo Ministro da República, como tem de ser, essa chancela era uma figura atípica. Chegou a existir em determinado momento da experiência constitucional autonômica dos Açores, mas creio que nunca existiu na experiência constitucional autonômica da Madeira, sem falta e sem que alguém se «roesse» de tais vontades. O Sr. Deputado Mota Amaral surgiu com a ideia de a instituir, mas não havia habilitação constitucional, não havia objecção constitucional directa, nem o Sr. Presidente da República, de resto, a invocou. Essa chancela foi tida por nós como inteiramente atípica e não significando coisa alguma, porque era inimaginável uma contradição entre o presidente do governo regional que propõe e uma eventual mudança de opinião no fim, não seria pois a chancela ou não chancela a forma de a exprimir...
Em suma, a norma foi aprovada, mas sob este equívoco: nós olhávamo-la a determinada «luz», o Sr. Deputado Correia de Jesus, pelos vistos, olhava-a a outra «luz» e a «luz» a que ele a olha é inaceitável.

Risos do Deputado do PSD Correia de Jesus.

Portanto, foi prudente a leitura do Sr. Presidente da República, porque, ao expurgarmos essa leitura, expurgamos um equívoco e com ele expurgamos uma inconveniência que é a que sempre resulta dos equívocos.
São essas as quatro propostas que estão presentes na Mesa neste momento. Aprovando-as, Srs. Deputados, a Assembleia da República não só cumprirá bem a sua tarefa constitucional, como demonstrará que o instituto do veto pode ser um instituto extremamente construtivo do ponto de vista institucional, um instituto que permita à Assem-

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bleia da República reponderar aquilo que deve ser reponderado e cumprir, estritamente, o quadro institucional e constitucional que preside ao nosso funcionamento.
Daqui resultará, Sr. Presidente, não tenho dúvidas, uma lei dê formulário e identificação dos diplomas conforme à Constituição, feita por consenso alargado, num processo exemplar quanto à sua metodologia, culminando de forma democrática e disciplinada, na conclusão de que é bom corrigir aquilo que merece ser corrigido e com isso a Assembleia da República só se prestigia; sairá daqui uma lei melhor, em suma, uma boa lei capaz de modelar, em termos exemplares, o processo de produção legislativa dos órgãos de soberania, que devem acatar a Constituição...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e que a partir de agora, se o Sr. Presidente da República exercer as suas competências no sentido que se estima, poderão fazê-lo de acordo com um quadro novo, menos cheio de equívocos, mais eficaz, mais cristalino, mais transparente. Nesse sentido, Sr. Presidente, congratulamo-nos com este resultado.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Magalhães, permita-me que lhe diga que penso que a sua intervenção é que foi um equívoco.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - É o costume!

O Orador: - V. Ex.ª referiu, repetidamente, que um
dos méritos deste veto e da sua apreciação era pôr termo a um equívoco, mas não disse nem explicou em que é que consistia esse equívoco e era bom que, de facto, o explicasse para que percebêssemos. Como não explicou, manteve-se no equívoco em que todos estamos.
O que se passa é uma questão muito simples e o Sr. Deputado Correia de Jesus explicou-a muito cabalmente.
A própria Constituição aponta no sentido de que os actos de nomeação e exoneração de membros do governo, que são propostos ao Ministro da República pelo presidente do governo, tenham naturalmente a sua assinatura. 
Aliás, penso que esta ideia vem reforçada numa alte ração que se fez à Constituição, no sentido de deixar claro que são da exclusiva competência do governo regional «as normas relativas à sua organização e funcionamento», embora seja de certo modo um posterius em relação a estas nomeações.
Portanto, o que receio é que num diploma que tem a importância que tem o chamado decreto formulário se deixe ficar um equívoco do ponto de vista constitucional. Que a minha convicção é a de que, se se retira esta exigência da assinatura do presidente do governo, vai criar-se, neste diploma, uma inconstitucionalidade por omissão, porque do Decreto n.º 231/VII, aqui citado, decorre esta
exigência normal que o diploma formulário acolhia. Mas quero ainda lembrar-lhe que o próprio Sr. Presi dente da República deixou na sua mensagem à Assem bleia da República sobre o uma sugestão, que até já foi lembrada pelo Sr. Deputado Correia de Jesus, que era a de, eventualmente pelo Estatuto, fazer desenvolver este princípio constitucional de modo a que nesta hierarquia se passasse da Constituição ao Estatuto e deste ao diploma formulário com inteira coerência.
E foi pena que estes apelo e sugestão do Sr. Presidente da República não tenham merecido eco na bancada do PS e que, quando aprovámos as alterações ao Estatuto dos Açores, não se tenha acolhido esta sugestão que o Sr. Presidente da República decidiu, e bem, enfatizar na sua mensagem e que, diga-se de passagem, a Assembleia da República não soube acolher, não soube atender no momento próprio, que foi o da revisão do Estatuto dos Açores.
Esperemos, assim, Sr. Deputado José Magalhães, que proximamente na revisão do Estatuto da Madeira se consiga sensibilizar o seu partido, e o seu grupo parlamentar, para esta correcção e, nesta linha, bom seria que mantivéssemos esta solução neste diploma formulário.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - É para desfazer o equívoco...!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva é a demonstração, clara, de como é possível passar de um equívoco médio para um equívoco galopante... Neste momento, já nem sei mesmo como hei-de qualificá-lo porque a expressão galopante já não creio que exprima a dimensão «rica» do equívoco que perpassa pelo PSD.
Sr. Deputado Guilherme Silva, imperativo constitucional de chancela do presidente do governo regional no decreto de nomeação dos membros do executivo regional?... 

Isto parece-me um verdadeiro «fantasma»! Abro a Constituição - ajudámos de resto a revê-la - e não vislumbro tal coisa. Mais ainda: o Sr. Deputado também não vislumbrava. Nos tempos em que o PSD tinha maioria absoluta e a Constituição já era o que era em matéria de autonomia regional, o Sr. Deputado não andou a olhar a Constituição vendo nela uma «decorrência» dessa chancela ou se a viu calou-a, silenciou-a, andou «entupido» dessa «decorrência» durante os anos da maioria absoluta do PSD, impedido de a exprimir até que finalmente, um dia, tendo o PS a maioria, V. Ex.ª viu a «luz» e uma «evidência» que se abatia sobre esta Casa, directamente da Constituição, por régua e esquadro, presumo eu...

Sr. Deputado, é uma norma constitucional imaginária, é uma norma mental, só existe na mente de V. Ex.ª. E, de resto, é uma norma mental recente, porque na mente de V. Ex.ª não havia nada antes de este veto do Sr. Presidente da República lhe ter provocado um «fantasma»...

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - O senhor só vê fantasmas!

O Orador: - Em segundo lugar, a revisão constitucional não reforçou coisa alguma,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pois não, a revisão constitucional foi forçada!

O Orador: - ... não alterou o sistema de nomeação dos membros do executivo regional, pois estes continuam

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a ser nomeados pelo Ministro da República, sob proposta do presidente do governo regional... Eis um excelente sistema. Nada disto tem a ver com a organização autónoma do governo regional. A organização só se faz depois de haver governo e não há governo antes de governantes e os governantes só os há depois de propostos e aceites pelo Ministro da República.
É um sistema perfeitamente razoável: o Ministro da República nomeia aquele que lhe for proposto, não pode inventar nomeados não propostos, isso é, também, inteiramente razoável. Uma vez formado o executivo regional ele tem uma liberdade acrescida, por força da revisão constitucional, de organização e funcionamento. Excelente sistema e esta lei de formulário em nada alterará esse excelente sistema.
Portanto, Srs. Deputados, se há algum equívoco, este Diário vai retratar ao milímetro onde está o equívoco. E a nossa atitude em relação ao expurgo é fundamentada nos termos que tive ocasião de exarar em acta e a nossa atitude no debate do Estatuto dos Açores é coerente com o facto de nada vermos na Constituição aquilo que o Sr. Deputado agora à ultima da hora vê, na sua revisão apócrifa do texto constitucional. Aliás, o seu partido nunca sustentou tal coisa até o Sr. Deputado Mota Amaral ter tido uma «inspiração adventícia» que agora, pelos vistos, pegou e alastrou ao Sr. Deputado Correia de Jesus.
Espero que fique por aqui e que não projectem essa «contaminação» para além desse núcleo da bancada do PSD.
Quanto aos equívocos estamos, portanto, conversados!

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, para exprimir a nossa concordância quanto às propostas, que estão apresentadas na Mesa de reformulação deste decreto da Assembleia da República e para dizer umas, também breves, palavras acerca do único ponto de dicenso que surgiu neste debate e que respeita à aposição da assinatura do presidente do governo regional nos decretos de nomeação e exoneração dos membros dos governos regionais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não coloque mal o padre Edgar!

O Orador: - Não há qualquer querela constitucional nesta matéria. São óbvias as competências que estão estabelecidas no texto constitucional. A proposta é feita pelos presidentes dos governos regionais e a nomeação ou exoneração é feita pelos Ministros da República, portanto não há qualquer dúvida a cerca desta matéria.
A questão que foi colocada pelo Sr. Presidente da República é a de formulação deste novo quisito, de assinatura do presidente do governo regional no formulário, que poderia ser objectivamente interpretada como configurando a introdução do instituto da referenda governamental no que se refere a certos actos do Ministro da República.
Como não é intenção da Assembleia da República não foi intenção manifestada por qualquer grupo parlamentar - introduzir este instituto ou criar quaisquer dúvidas sobre esta matéria. Entendemos que, repito, se não é essa a intenção, não há qualquer necessidade ou conveniência em estar a criar algo que o pareça. Isto é, se não se pretende que o seja, não há qualquer vantagem nem conveniência em criar algo que o possa parecer ou que possa suscitar alguma dúvida a esse respeito. Mas é evidente que a dúvida, objectivamente, pode surgir...!
Daí que concordemos, plenamente, com a proposta que é feita de suprimir a assinatura do presidente do governo regional. Ela não é absolutamente necessária, não é conveniente e poderia, até, vir a suscitar dúvidas, que não se justificam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, dou por encerrada a discussão, na especialidade, da reapreciação do Decreto n.º 235/VII. Amanhã faremos as três votações, na generalidade, na especialidade e final global deste diploma.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 541/VII - Disciplina a actividade profissional dos odontologistas (CDS-PP) e 566/VII - Regulamenta o exercício profissional dos odontologistas (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a discussão do presente diploma encerra-se um longo ciclo de regularização de situações profissionais ligadas à área da saúde oral.
Com efeito, os estomatologistas e os médicos dentistas têm a sua actividade enquadrada, respectivamente, no Estatuto da Ordem dos Médicos e na Associação Profissional dos Médicos Dentistas e a sua conduta profissional encontra-se devidamente regulamentada pelos respectivos códigos de ética e deontologia.
O mesmo não se verifica em relação aos cirurgiões dentistas e aos odontologistas.
Quanto aos primeiros, brevemente esta Assembleia terá oportunidade de aprovar, em votação final global, o seu enquadramento profissional, aliás, em conformidade com os entendimentos laboriosamente tecidos nesta Casa, a que S. Ex.ª o Presidente desta Assembleia não é alheio.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Relativamente aos profissionais de odontologia, interessa dizer, em primeiro lugar, que se está em presença de uma realidade bem diferente, com um campo de acção bem diferenciado, para além de se tratar de uma actividade a extinguir com o decurso do tempo, dada a emergência das Faculdades de Medicina Dentária.
Na verdade, estamos perante um grupo residual de cerca de uma centena de profissionais, mas que nem por isso devem deixar de merecer o nosso interesse e a nossa atenção no quadro do balanceamento dos princípios da saúde pública e da justiça social.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Ora, o diploma agora apresentado consagra, no essencial, o indispensável controlo ético e deontológico desta actividade profissional, uma vez que o âmbito da mesma se encontra já fixado, por via regulamentar, desde 1978.

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Na verdade, a Assembleia da República tem hoje uma oportunidade histórica de resolver um importante problema de saúde pública que se arrasta desde os primórdios da democracia em Portugal.
Com efeito, os sucessivos governos da República foram incapazes ou insensíveis à solução adequada desta relevante questão da área da saúde oral, que se traduz mais num problema de justiça social do que de natureza política.
É verdade que, hoje em dia, Portugal já dispõe de profissionais devidamente habilitados por Faculdades de Medicina Dentária. Todavia, tal facto não pode impedir que se solucionem os problemas profissionais ainda subsistentes relativos a profissionais que, durante anos e anos, contribuíram para minorar as carências verificadas nesta área da saúde.
Ora, não é apanágio desta Casa ficar indiferente e de costas voltadas a problemas desta natureza, dados os valores que aqui se revelam.
Convém aqui recordar ainda que os vários governos, por entenderem tratar-se de um problema que carecia de resolução, tentaram, ao longo dos anos, encontrar uma saída.
Com efeito, em 1977, dá-se o primeiro passo no sentido da regularização da profissão de odontologista, embora circunscrita aos profissionais inscritos no sindicato que exercessem a profissão há mais de cinco anos e que tivessem mais de 26 anos de idade.
Em 1982, tenta-se dar um segundo passo, embora, de facto, apenas tenha sido regularizada a situação de 19 odontologistas que tinham processo pendente no ministério e que não reuniam o requisito da idade em 1977.
Contudo, estes actos governamentais revelaram-se infrutíferos. E por que é que se revelaram infrutíferos? Porque consagravam a manutenção do critério eliminatório que se manifestava na imposição aos profissionais em causa da sua ligação ao sindicato da classe.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, o critério observado discriminou, de facto, negativamente, todos os que não se encontravam ligados ao sindicato, em detrimento de critérios formais e substanciais relacionados com o efectivo exercício da profissão e com os requisitos técnicos e de formação exigíveis, deixando de fora cerca de uma centena de profissionais que, justificadamente, careciam de tutela pública, por possuírem condições profissionais para tal.
Isto é, ocorre questionar como é que a democracia pode permitir que se discrimine negativamente quem não se encontra sindicalizado, impedindo a legalização do seu desempenho profissional.
Foi, certamente, tendo em conta também as observações antecedentes que eminentes constitucionalistas, designadamente, os Professores Doutores Rogério Erahrd Soares e Jorge Miranda, se pronunciaram pela inconstitucionalidade daqueles actos do Governo.
No mesmo sentido, aliás, se vieram a pronunciar a Provedoria da República e a Procuradoria-Geral da República, aconselhando esta última que a solução a encontrar revestisse a forma de diploma legal e não regulamentar como até então tinha acontecido.
Acresce que os próprios tribunais têm vindo a absolver sistematicamente os profissionais em causa, sempre que estes se vêem confrontados com processos judiciais.
Não obstante a injustiça verificada, aliada ao facto de não poderem usufruir de formação profissional junto das entidades públicas, levou a que os profissionais discriminados mantivessem uma postura de permanente e constante reivindicação junto do Ministério da Saúde, tendente à obtenção das carteiras profissionais a que tinham direito, como todos os seus colegas de profissão sindicalizados.
Simultaneamente, e come sempre lhes foi negada a possibilidade da sua valorização profissional, mas sentindo necessitar dela para o cabal exercício da sua profissão, viram-se forçados a recorrer a universidades estrangeiras, não só para aperfeiçoarem os seus conhecimentos técnico-científicos como ainda para adquirirem competência profissional no uso de novas técnicas, o que é bem revelador de uma vontade séria de desempenharem com qualidade a sua profissão.
É por tudo o que acabámos de dizer que o presente diploma pretende colocar, de uma vez por todas, um ponto final nesta questão, não a qualquer preço, antes através da definição de claros critérios de selectividade, traduzidos, no essencial, na exigência de exercício efectivo da profissão há mais de 20 anos, com formação profissional adequada e comprovada.
É certo que o Ministério da Saúde, pretendeu, em Abril de 1997, aquando da apresentação da proposta de lei n.º 73/VII, enquadrar deontológica e disciplinarmente esta actividade. Mas também é verdade que tal proposta apenas contemplava os profissionais já titulados, esquecendo, em absoluto, aqueles que, reunindo pelo menos as mesmas condições, lutavam justificadamente pela obtenção do seu título profissional.
Foi esta a lacuna que nos propusemos colmatar, o que, diga-se em abono da verdade, nos levou um ano e meio de estudo, análise e conhecimento concreto da realidade.
Para concluir, queremos ainda referir que, sobre esta mesma matéria, existe também uma iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, cujas soluções são, aliás, muito próximas daquelas que apresentamos.
Acresce que estamos convictos de que da parte dos restantes grupos parlamentares sentimos existir vontade de solucionar esta questão. Daí estarmos certos de que se encontrará rapidamente uma solução de compromisso final, em sede de especialidade.
Por fim, resta-nos cumprimentar todos os profissionais abrangidos pelo presente diploma e dizer-lhes com veemência que vale a pena acreditarem no trabalho desta Assembleia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O exercício profissional da saúde dentária tem vindo a assumir no nosso pais cada vez mais relevância, a par de outras vertentes dos cuidados de saúde.
Os cuidados de saúde oral são prestados por diversos grupos profissionais detentores de diferentes graus de formação. De entre estes, cabe destacar, enquanto objecto do presente diploma, os odontologistas, grupo profissional que, não tendo uma formação académica ministrada por universidade, tem ao longo dos tempos desenvolvido uma actividade profissional nessa área, amplamente reconhecida, afigurando-se da mais elementar justiça e em nome do interesse da saúde pública enquadrar a sua actividade profissional, designadamente do ponto de vista ético e deontológico.

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Com efeito, quer os médicos dentistas quer os médicos estomatologistas têm a sua actividade profissional devidamente regulamentada através dos respectivos estatutos, e com enquadramento através de ordens profissionais.
Acresce que, estando em fase de resolução o estatuto profissional dos cirurgiões dentistas, outro dos grupos profissionais que se dedicam à saúde oral, apenas a actividade dos odontologistas ficaria por regulamentar.
Há muito que a necessidade da regulamentação do exercício profissional dos odontologistas é por todos sentida, correspondendo a sua concretização ao reconhecimento da actividade desenvolvida por estes profissionais, conferindo-lhes um tratamento igual ao dos demais profissionais de saúde dentária, nos aspectos ético e deontológico.
Como é do conhecimento de VV. Ex.as, a profissão exercida, durante largos anos, à margem de ordenamento legal promoveu desigualdades de tratamento, designadamente diferenças de critério na atribuição dos títulos profissionais, não tendo abrangido todos os profissionais que, de uma forma ou de outra, não conseguiram, em devido tempo, estruturar a sua candidatura ao exercício enquanto odontologistas.
Não se trata de definir o título ou as competências que, por já estarem vertidas em lei, dispensariam este diploma; trata-se, sim, de estabelecer, de uma vez por todas, por um lado, quem são estes profissionais, quantos se integram nas regras propostas, quais exercem a actividade pública e, por outro lado, estabelecer critérios de homogeneidade e justiça para profissionais que, desde 1975, as reclamam.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - O presente projecto de diploma visa, pois, colmatar esta lacuna, definindo e regulando o exercício profissional de odontologia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assim, delimitam-se as competências dos profissionais e a sua capacidade de prescrever receituário, define-se o acto odontológico e cria-se o conselho ético e profissional de odontologia, com competências, entre outras, para estabelecer e aplicar um código de ética e deontologia profissional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o presente projecto de lei, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista deseja contribuir para a dignificação e o reconhecimento do exercício da actividade profissional dos odontologistas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pretendemos fazê-lo procurando clarificar o número e a identificação dos profissionais a exercer em Portugal e que preenchem os critérios necessários para que sejam legalmente considerados como odontologistas; controlar devidamente o exercício da actividade do ponto de vista ético e deontológico, colocando-os em situação similar a todos os outros que exercem a profissão no âmbito da saúde oral; fixar as regras do exercício e da progressão profissional para os odontologistas activos numa área tão importante da saúde pública, promovendo ainda a sua reciclagem permanente.

Outras eventuais propostas de inclusão ou alteração, com vista à melhoria ou clarificação do diploma, serão avaliadas em sede de especialidade, tendo em conta que, venham de onde vierem, deverão prosseguir objectivos comuns de justiça no tratamento dos direitos e dos deveres da actividade desta classe profissional, que é a dos odontologistas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins.

O Sr. Francisco Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos de lei n.os 541 e 566/VII, da iniciativa, respectivamente, do CDS-Partido Popular e do Partido Socialista, vêm hoje trazer ao debate a problemática da actividade profissional dos odontologistas.
Os cuidados de saúde oral têm vindo a assumir no nosso País uma importância cada vez maior, razão pela qual o seu exercício profissional nos merece uma atenção especial.
Acresce ainda que, em Portugal, a política de saúde dentária não pode ser dissociada da circunstância de o País ocupar o lugar cimeiro em problemas de cárie dentária, no âmbito da União Europeia. Por isso, os recursos humanos e as suas qualificações representam um pilar essencial.
Estomatologistas, médicos dentistas, odontologistas, cirurgiões dentistas e higienistas são componentes essenciais deste sistema. Mas se a maioria dos grupos profissionais tem já a sua actividade enquadrada através de estatutos, ou estão em vias disso, o mesmo não sucede com os odontologistas.
Assim, existem hoje profissionais a exercer a actividade de odontologia ao abrigo dos Despachos do Secretário de Estado da Saúde, de 28 de Janeiro de 1977; e do Ministro dos Assuntos Sociais, de 30 de Julho de 1982. Por outro lado, todos aqueles que se inscreveram nos termos do Despacho n.º 1/90, de 3 de Janeiro, proferido pela então Ministra da Saúde, desenvolvem a sua actividade profissional.
Quanto a estes últimos, teremos de atender ao facto de aquele despacho prever a possibilidade de inscrição de todos os odontologistas que, embora tenham exercido a sua actividade desde data anterior a 1982, só não puderam requerer a sua legalização anteriormente por não se encontrarem inscritos no sindicato da respectiva classe, facto que, obviamente, consubstancia uma discriminação que não pode ser decisiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E acrescenta aquele Despacho n.º 1/90 que essa inscrição no Departamento de Recursos Humanos do Ministério da Saúde visava promover a organização e o estudo do respectivo processo de regularização.
De resto, à luz da Lei de Bases da Saúde, é incumbência daquele departamento organizar um registo dos profissionais de saúde, quando este não seja das atribuições de outras entidades, situação que justamente ocorre no caso dos odontologistas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como refere o Partido Socialista na «Nota justificativa» do seu projecto de diploma, «a regulamentação do exercício profissional dos

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odontologistas é um imperativo e uma necessidade». Tais conclusões, que corroboramos, mais não são do que uma crítica, porventura autocrítica, a si próprio, pois o actual Governo, apoiado pelo Partido Socialista, em três anos de vida, não conseguiu - como lhe competia - apresentar uma solução capaz de responder a esse vazio normativo.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, do grupo interdepartamental, constituído no âmbito do Ministério da Saúde, por nomeação da Direcção-Geral de Saúde, para o estudo e consequente tratamento desta problemática, nada se sabe sobre o trabalho realizado e, nestas circunstâncias, duvidamos que existam quaisquer conclusões.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - É verdade!

O Orador: - Em boa verdade, temos, uma vez mais, de concluir que o Governo, face a uma situação que não é capaz de resolver, toma a decisão mais simples: remete o problema, que é seu, para a Assembleia da República.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sobre os projectos de lei que hoje analisamos, comungamos a preocupação e a necessidade de regulamentar a actividade profissional de odontologia.
Neste ponto, somos até sensíveis às preocupações e recomendações já formuladas por magistrados judiciais que, ao longo de vários anos e perante a apreciação de muitos e muitos processos, por alegado exercício ilegal da actividade odontológica, nunca encontraram matéria susceptível de punição e, sucessivamente, foram absolvendo os arguidos, sublinhando a necessidade de as entidades competentes regulamentarem a matéria.
Quanto ao âmbito de aplicação constante desses projectos de lei, há, no entanto, algumas questões que merecem as nossas reservas, a saber: por que razão não são abrangidos os profissionais que, embora em igualdade de requisitos com aqueles que regularizaram a sua situação em 1977 e 1982, só lograram fazer a sua inscrição ao abrigo do atrás aludido Despacho n.° 1/90? Qual o critério em que assenta a proposta de carga horária de formação profissional mínima de 900 horas, e qual a natureza dessa formação? E não haveria ainda que apreciar a forma efectiva de prestação da actividade?
Por outro lado, quanto a competências, composição e instalação de um eventual conselho ético e profissional de odontologia, entendemos que tais matérias deverão forçosamente ser remetidas para sede de regulamentação específica pelo Governo, com audição prévia dos interessados.
Em conclusão, o Partido Social-Democrata concorda com a necessidade de disciplinar a actividade profissional dos odontologistas, respeitando, sem reservas, o princípio da igualdade, mas entende que tal necessidade deve ser complementada com uma adequada regulamentação, de forma a fomentar e defender uma correcta política de saúde dentária, assente em critérios de qualidade do serviço prestado ao cidadão.
Assim, estaremos a defender e a respeitar, como é nosso timbre, um direito fundamental dos portugueses - o direito à saúde.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão de fundo dos dois projectos de lei que hoje analisamos tem de servir de base à avaliação que fazemos desta matéria e às soluções que venhamos a encontrar para a resolução do problema que agora temos em mãos. Refiro-me ao facto de os cuidados de saúde oral serem necessários no nosso país e de a nossa população ser deficitária no acesso a esses cuidados de saúde oral.
Também é preciso ter em conta que, na generalidade, o trabalho destes profissionais, os odontologistas, é meritório e tem significado ganhos de saúde pública e acesso a cuidados de saúde oral que, de outra maneira, não seria possível atingir.
É evidente que tal não significa que não deva existir um enquadramento ético e deontológico desta actividade, tanto mais que ela se integra numa área tão importante como a da saúde.
De facto, existe hoje uma grande necessidade de regulamentação desta área, uma regulamentação definitiva, quer para segurança dos utentes que recorrem a estes cuidados de saúde quer para segurança dos profissionais, dos próprios odontologistas que não podem continuar a estar sujeitos a uma situação de insegurança, de indefinição do quadro legal em que se movimentam e exercem a sua profissão, com prejuízos para os próprios e para os utentes.
Todavia, este é um processo que se iniciou- há mais de 20 anos e é preciso dizer que sucessivos Governos passaram por cima desta situação, não a resolvendo cabalmente, nem criando o quadro legal que, provavelmente, esta Assembleia conseguirá criar, e deixando na incerteza todos estes profissionais, toda esta actividade de intervenção na área da saúde que nunca foi completamente regularizada.
De resto, este processo tem origem numa proposta de lei que, juntando a questão dos odontologistas à dos cirurgiões dentistas brasileiros, «empurrou» para a Assembleia da República a resolução deste problema que poderia ter sido resolvido, a contento, de uma forma administrativa, pela administração da saúde, pelo Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente, a Assembleia da República não enjeitou esta responsabilidade e o PCP participou afincadamente, com toda a perseverança na construção de uma solução que possa resolver o problema. Chegámos, no entanto, à conclusão - conclusão a que o Governo deveria ter chegado desde logo! - de que era necessário separar estas duas situações, tratadas em conjunto na proposta do Governo.
Ou seja, por um lado, havia a questão dos cirurgiões dentistas, com contornos melindrosos, até no plano diplomático, e que mereceu uni atento trabalho por parte da Comissão de Saúde, e, por outro lado, a questão dos odontologistas que agora aqui debatemos.
Estando a questão dos cirurgiões dentistas relativamente bem encaminhada, é preciso agora que a regulamentação do exercício da profissão de odontologistas não fique esquecida e, pelo contrário, seja resolvida o mais depressa possível, sem qualquer atraso substancial a acrescer aos 20 anos de atraso que já contabiliza desde que o problema se coloca.

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O Sr. José Calçada (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Os projectos que são hoje objecto de análise propõem diversas formas de delimitação do universo dos odontologistas. Julgo mesmo que algumas soluções adoptadas têm de merecer, em sede de especialidade - e essa é, sem dúvida, uma matéria de especialidade -, uma análise bem cuidada e, pelo menos, uma fundamentação por parte dos proponentes sobre a razão de apresentarem esta delimitação e não outra que, nalguns casos, seria possível. De qualquer forma, esta é uma questão que deve ser discutida na especialidade, por isso não quero debatê-la nesta sede.
Nada obsta a que, na generalidade, ambos os projectos de lei mereçam o nosso acolhimento, pois constituem um passo positivo para resolver esta questão, mas penso que os proponentes têm de justificar as opções apresentadas.
Julgo também que a solução que em ambos é proposta - com algumas diferenças, mas com o mesmo princípio e que o PCP também subscreve - é a de que se crie um organismo sob a tutela do Ministério da Saúde, não integrado numa outra associação, tendo em conta a especificidade própria desta classe profissional, as razões que assistem a uma regulamentação específica que vamos tentar fazer. Julgamos que a solução mais adequada, mais acertada, é a criação deste organismo sob a tutela do Ministério da Saúde, o qual permitirá, com certeza - guardadas as ressalvas que é preciso fazer, depois, em sede de especialidade -, compreender as questões dos odontologistas e do exercício da sua profissão, com as especificidades que todos reconhecemos e que simultaneamente seja a garantia de que toda esta actividade profissional tem um controlo rigoroso, do ponto de vista da ética, da deontologia, protegendo os profissionais e os utentes.
Termino como comecei dizendo que esta é uma questão que não pode ser desligada da necessidade de dar cuidados de saúde oral à população portuguesa que, nesse aspecto, é muito carenciada.
Estes profissionais, cuja actividade profissional será por nós agora regulamentada, dão um contributo válido nesta matéria e, por isso, também nós devemos contribuir para que mereçam o tratamento adequado, a regulamentação adequada da sua profissão e para que se ponha fim, de uma vez por todas, a esta situação de incerteza que a ninguém aproveita e que não queremos que continue.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Como não há pedidos de esclarecimento, nem há mais inscrições, vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 501/VII - Regime jurídico das associações de imigrantes (PS) e 533/VII - Lei das Associações de Imigrantes (PCP).
Estão inscritos os Srs. Deputados Maria Celeste Correia e António Filipe.

Tem, então, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Não foi há muito tempo que nos conscientizámos todos de que existem vínculos entre as migrações e praticamente qualquer questão de interesse mundial. Efectivamente, nas últimas conferências mundiais tem-se prestado mais atenção ao factor migratório, mesmo quando o tema principal é a mulher, o meio ambiente, os direitos humanos, a demografia ou, por exemplo, o desenvolvimento social.
As migrações, hoje, constituem um dos maiores desafios dos nossos tempos, a todos os níveis.
A história das migrações é feita de muitas linhas e teias que as pessoas concretas tecem no seu esforço de adaptação ao espaço que escolheram, ou para o qual foram atraídas, espaços que, por sua vez, vão modificando o seu papel, dado que países que costumavam gerar migrantes agora atraem-nos, países em que os migrantes só transitavam acolhem-nos, agora, de forma mais permanente.
A migração é, de facto, um acto de mudança a todos os níveis e a adaptação de indivíduos ou de grupos ao novo contexto societário e cultural constitui um aspecto de enorme relevância.
A percepção das dificuldades inerentes a essa mudança leva os migrantes à conscientização da necessidade de juntar esforços e de lançar iniciativas para o alcance de objectivos comuns que evoluem com o tempo, a história e os projectos de cada migração concreta, apesar de ser possível vislumbrar um desenvolvimento e padrões de que a história das diferentes migrações partilham. Esta é feita também pelas tentativas que os migrantes desenvolvem para a realização das suas aspirações, no início, através de grupos informalmente constituídos, com as suas redes de relações interpessoais que incluem indivíduos dispersos, vivendo isoladamente, dando, mais tarde, frequentemente lugar a estruturas formais de âmbito mais alargado - as associações de migrantes.
De facto, há uma estratégia constante, sólida, que ressalta de todas as migrações e a tradição portuguesa de imigração é disso, também, um exemplo. Trata-se da constituição de um movimento associativo que mais cedo ou mais tarde se organiza, consolida e se torna um actor e um agente, muitas vezes privilegiado, da inserção nas comunidades de acolhimento e que necessariamente influencia, quando não contribui, para organizar a tessitura e a trama das relações interculturais.
O cientista social John Rex distingue algumas funções principais das associações de migrantes: vencer o isolamento social inicial, afirmar os valores e crenças do grupo, afirmar a sua cultura de origem (ou dos traços principais que a enformam), proporcionar um apoio assistência! aos seus membros, agir na defesa dos seus interesses e contribuir para a resolução de possíveis conflitos com a sociedade de acolhimento.
Algumas funções mencionadas dirigem-se para a preservação das comunidades, outras são puramente associativas.
Estas funções são geralmente expressas através de um conjunto de actividades e de simbolismos que se revivificam ao nível do quotidiano. Por vezes visam recuperar traços culturais guardados pela memória, revalorizando-os de novo.
No que respeita à preservação dos modelos de cultura originais, as associações de imigrantes permitem, assim, reactivar o elo de ligação às suas raízes e, em paralelo, incentivar a transmissão de uma herança cultural às gerações descendentes, ao mesmo tempo que promovem e potenciam as relações interculturais com a sociedade de acolhimento.
Em Portugal, os maiores quantitativos de imigrantes e de associações de imigrantes são dos PALOP e todos sabemos o importante papel que as associações aqui desempenham ao proporcionar um conhecimento directo da

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sua cultura de origem à sociedade portuguesa através da música, dança, pintura, literatura, gastronomia, artesanato, etc.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A sociedade portuguesa procura-as como um primeiro contacto que espera poder aprofundar ou como o único meio de aceder à visita pessoal que lhe não é possível realizar de outro modo, ou mesmo ainda no sentido de reforçar laços afectivos e culturais que cultiva.
As associações de imigrantes constituem-se ainda como um importante elo, no plano da sociedade civil, para as relações entre os nossos povos, pelo apoio que prestam às escolas no sentido de lhes proporcionar informação e conhecimento dos seus países de origem. Gostaria, neste momento, de relembrar que, por proposta de Os Verdes, ficou plasmado na Constituição o dever de o Estado assegurar aos filhos de imigrantes o apoio adequado para efectivação do direito ao ensino. As associações de imigrantes proporcionam também informação sobre a sua cultura e modos de vida, pela participação e dinâmica com que contribuem em várias iniciativas, com particular destaque para o plano autárquico, ou, ainda, pelo acolhimento e afecto que disponibilizam à visita cultural e quotidiana dos portugueses que querem conhecer, por exemplo, a catchupa, o chabéu, a moamba ou os pastéis com diabo dentro.
À medida que se prolonga a estada no país de acolhimento e que o processo de inserção vai sendo aprofundado novos objectivos vão surgindo às comunidades imigrantes que adquirem expressão no seu movimento associativo. As suas actividades passam a ser mais dirigidas para a afirmação colectiva do grupo e para a sua participação activa nas diversificadas estruturas da sociedade de acolhimento.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: numa sociedade democrática e plural não se pode falar de inserção sem a existência de um quadro comum de cidadania, e falar de cidadania pressupõe que também os imigrantes disponham de condições mínimas no que diz respeito à educação, à saúde, ao alojamento, aos rendimentos, etc., além de, evidentemente, serem reconhecidos como cidadãos residentes, detentores da respectiva autorização de residência.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Todos nós sabemos que os imigrantes sofrem desvantagens de natureza vária e ocupam normalmente, e de uma forma geral, os lugares de base da pirâmide social. De entre os pobres e os excluídos são dos mais pobres entre os pobres. As suas associações sofrem destas debilidades no plano da organização e da sustentabilidade, apesar de tentarem minimizar as desvantagens sociais e económicas por via dos esforços titânicos dos seus dirigentes e colaboradores. Estes procuram servir de porta-vozes na reivindicação mais ou menos silenciosa dos seus patrícios relativamente aos direitos de cidadania, de obtenção de igualdade de oportunidades, no combate à discriminação e na qualificação pessoal e social dos membros das suas comunidades.
As associações de imigrantes são multidimensionais e vão desde grupos locais, informais, de carácter temporário, até às organizações estruturadas de dimensão mais alargada, dotadas de estatutos legais e beneficiando de apoios dispersos e geralmente pontuais. Algumas associações são representantes formais de uma dada comunidade migrante, outras integram indivíduos de várias comunidades que se revêem em objectivos comuns.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Talvez não se tenha feito, ainda, e sublinho ainda, tudo o que as comunidades imigrantes residentes em Portugal já mereciam. Estamos, porém, convictos, temos a clara consciência de que nunca se produziu tanta legislação, tanta iniciativa e tantas actividades em prol da inserção harmoniosa dos estrangeiros e das minorias étnicas em Portugal, como durante esta legislatura.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - É pena que as associações de imigrantes não reconheçam isso!

A Oradora: - E isso porque o PS prometeu, porque o Governo e o seu grupo parlamentar cumprem...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Anda desatenta!

A Oradora: - ... e porque o Parlamento assim o tem deliberado, muitas vezes até por unanimidade, o que só nos honra a todos, numa Europa cada vez mais xenófoba.
Mas temos a consciência de que muito há ainda por fazer.
Em Portugal, as associações de imigrantes têm vindo a desempenhar um papel de grande importância, como ficou demonstrado, por exemplo, nos dois processos de legalização extraordinária que tiveram lugar em 1992/93 e 1996.
Mas não só, e poderia dar mais exemplos. As associações de imigrantes são um importante protagonista e agente no processo de inserção dos imigrantes e, frequentemente, ocupam um espaço e desempenham um papel insubstituível, próprio da sociedade civil devendo, portanto, merecer o apoio do Estado.
As associações podem e devem ser protagonistas no processo de inserção das suas comunidades que ainda continuam a ser alvo do processo de exclusão social.
O papel do associativismo é importante, tanto no projecto como na execução das políticas migratórias integradas, dado que é ao mesmo tempo, sujeito e objecto dessas medidas.
O aparecimento, nestes últimos anos, de um número significativo de associações ligadas à imigração é um sinal de vitalidade e dinamismo do meio imigrante no domínio associativo, um sintoma de que as associações de imigrantes desejam ser protagonistas no processo de inserção das suas comunidades.
Sofrem, contudo, de debilidades várias e este regime jurídico que para elas propomos pode, estamos disso convencidos, ajudar a colmatar algumas dessas debilidades.
À semelhança de outras associações que mereceram regimes jurídicos específicos - como, por exemplo, as associações de família -, é importante que as associações de imigrantes sejam apoiadas e reconhecidas, também, na sua particular especificidade. Não se pretende regular a vida das associações; pretende-se, sim, reconhecer a sua importância social, pretendem-se criar mecanismos de apoio.
O estabelecimento de um regime jurídico que assegure um conjunto de direitos e o reconhecimento dessas

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associações, como o que consta neste projecto de lei, constituirá, sem dúvida, um passo de extrema importância para o reforço da sua actuação e para a inserção, protecção e defesa dos imigrantes em Portugal, com claros benefícios para as comunidades imigrantes, mas também para a coesão e harmonia da sociedade portuguesa em que se integram.
A iniciativa legislativa que propomos pode caracterizar-se, no essencial, pêlos seguintes aspectos: primeiro, estabelecer um regime jurídico que corresponda à especificidade, papel social e interesse público das associações de imigrantes à semelhança, como já dissemos, de outros regimes jurídicos estatuídos para associações reconhecidamente de interesse público, papel social e especificidade identificáveis.
Segundo, possibilitar e definir um regime de representatividade genérica para as associações de imigrantes com as consequentes obrigações e direitos.
Terceiro, reunir num só diploma um catálogo de direitos já atribuído às associações de imigrantes e disperso pela legislação vigente.
Quarto, atribuir às associações de imigrantes direitos já existentes em legislação vigente e aplicável a outras associações que contribuam para evidenciar, credibilizar e reforçar o seu papel de interesse público.
O projecto de lei apresentado pelo PCP é, naturalmente, na sua filosofia e concepção de propostas de solução, em certos aspectos, diverso da nossa iniciativa que foi pioneira. Contudo, tal como o do PS, visa estabelecer um regime jurídico que corresponda à especificidade, papel social e interesse público das associações de imigrantes.
Visa, ainda, tal como o do PS, reunir num só diploma direitos já atribuídos às associações de imigrantes e dispersos na legislação vigente, bem como atribuir-lhes novos direitos, à semelhança de legislação existente para outras associações que contribuam para evidenciar, credibilizar e reforçar o seu papel de interesse público.
Estamos, por isto mesmo, abertos a que, em sede de especialidade e com os contributos de todos os partidos, repito, de todos os partidos, se possam encontrar consensos sobre aspectos em que, à partida, divergimos. Esperamos que sejam encontrados os melhores caminhos e que se chegue a uma formulação baseada no bom senso, uma formulação justa e adequada à especificidade das associações de imigrantes e que contribua para que em Portugal tenhamos uma política migratória realista, solidária e respeitadora dos direitos humanos.
Citando o Sr. Deputado Mota Amaral, «faz todo o sentido nas mudadas condições históricas dos nossos dias abrir um espaço próprio, no direito português, para as associações dos imigrantes em Portugal».
Estamos em tempo de mudança e, como alguém já disse, «há que mudar a sociedade. E uma vez mudada a sociedade, há que mudar a sociedade mudada».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, não quero, como é evidente, dizer o que quer que seja em relação às suas boas intenções, mas, de facto, o que acontece e o que me parece é que o Governo tem tido «orelhas moucas» em relação às preocupações que a Sr.ª Deputada acabou de expressar na tribuna.
De facto, em relação a esta matéria, foi o Partido Socialista que no passado fez um combate político, uma grande bandeira de combate político-partidário. Lembramo-nos todos dos tais 100 000 imigrantes que supostamente estariam para ser legalizados com o segundo processo, como bem sabe, e foram-no 50 000 através de uma lei que foi aprovada, por unanimidade - e muito bem - , pela Assembleia da República.
Portanto, belas palavras e poucas obras.
Por isso, questiono: onde estão os centros de acolhimento? Onde estão os programas de integração? Onde está o entusiasmo da sociedade civil em relação ao trabalho do Governo nesta área?
De facto, as boas intenções não chegam e o que é fundamental é que, na prática, demonstrem que é possível fazer mais e melhor. É necessário estarem atentos em relação aos milhares de pessoas que têm um trabalho precário nesta área, porque, como é evidente, com o terminar da Expo estas questões serão naturalmente mais sensíveis.
E se é mesmo assim, Srs. Deputados do Partido Socialista, que razão haverá para que o Presidente da Comissão Nacional de Regularização Extraordinária tenha sido demitido ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Onde é que já vai!

O Orador: - ... e os próprios representantes de associações de imigrantes venham dizer, publicamente, que um discurso como o que a Sr.ª Deputada fez - e muito bem, até porque eu nem sequer questiono as suas boas intenções, como é evidente - não faz qualquer sentido em relação à prática do Governo. Como bem sabe, os representantes das associações de imigrantes nessa Comissão têm tido, nos últimos dias, uma atitude de alta crítica por causa da questão dos tarefeiros, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e do processo de regularização, de um conjunto de medidas básicas que o Governo não está infelizmente a tomar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, não é uma questão de boas intenções, é uma questão de legislação, de iniciativas e de actividades que são reconhecidas pelas comunidades e pelas associações de imigrantes.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Poderia estar algum tempo a relembrar-lhe tudo o que foi feito no domínio da educação, da habitação, em resoluções do Conselho de Ministros, no domínio do trabalho,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Papel, só papel!

A Oradora: - ... no domínio do desporto, do programa da luta contra a pobreza, etc.
Eu disse que muita coisa já foi feita, mas tenho plena consciência de que há ainda muito por fazer e as comunidades de imigrantes também têm plena consciência disso, só que não podemos fazer como a avestruz que põe a «cabecinha» dentro da areia.

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O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Foi o que fez!

A Oradora: - Não, não, o Sr. Deputado é que está a meter a cabeça dentro da areia porque não quer reconhecer tudo aquilo que, de facto, se tem feito em favor dos imigrantes.
O Sr. Deputado trouxe o problema da Comissão Nacional de Regularização Extraordinária. Nesse âmbito, foram levantados os seguintes problemas: recrutamento dos tarefeiros despedidos. O Sr. Deputado sabe que a função pública tem regras e os tarefeiros foram contratados por X tempo, acabou-se o tempo, há novo concurso. Onde é que está o caos, Sr. Deputado?!
Outro problema: mudança das instalações de atendimento,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Vá à Avenida António Augusto de Aguiar!

A Oradora: - ... devido às filas que há na Avenida António Augusto de Aguiar. Já houve decisão no sentido da mudança para a Rua Passos Manuel. Onde é que está o caos?! Não vemos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não está bem informado!

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - É só ir lá!

A Oradora: - Outro aspecto: a substituição do presidente da Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária é um acto normal do Ministro, que deixou de confiar nesse presidente e nomeou outro.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Porquê?!

A Oradora: - Onde é que está o caos, Sr. Deputado?!
Não há caos algum, as coisas estão a decorrer normalmente e dentro de pouco tempo, Sr. Deputado, a Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária dará o processo de regularização por terminado.

Aplausos do PS.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Caos só na cabeça do Sr. Deputado Jorge Roque Cunha!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõe hoje à Assembleia da República que aprove uma lei especial que defina o estatuto próprio de uma forma de associativismo com particulares especificidades, que são as associações de imigrantes residentes em Portugal.
A luta pelo aumento e dignificação do apoio do Estado ao associativismo em geral tem sido uma constante da actividade do PCP. Nesta Assembleia, essa acção tem-se traduzido na apresentação de um conjunto significativo de iniciativas legislativas, tendo como objecto, quer o apoio ao associativismo popular em geral, quer o apoio a determinados tipos de associações, tendo em consideração as suas particulares especificidades.
Permito-me salientar, a título de exemplo, e de entre as iniciativas tomadas na presente legislatura, o projecto de lei-quadro do apoio ao associativismo e o projecto de lei de estatuto do dirigente associativo voluntário, este último já aprovado na generalidade e cuja apreciação na especialidade esperamos que possa ocorrer em breve.
No entanto, temos como adquirido que a aprovação de um estatuto legal condigno para o associativismo em geral, que reconheça o papel social de enorme importância que é desenvolvido pelo movimento associativo nas suas diversas expressões, pela qual nos temos batido, não deve excluir a aprovação de leis especiais que visem apoiar formas de associação cujas particularidades o justifiquem. Daí que o Grupo Parlamentar do PCP tenha já apresentado nesta Assembleia projectos de lei específicos, por exemplo, sobre associações de pais e encarregados de educação ou sobre associações de deficientes.
No caso das associações de imigrantes, estamos perante um tipo de associativismo que justifica plenamente a aprovação de uma lei especial. De facto, estas associações, sendo merecedoras do apoio e atenção que deve merecer o associativismo em geral, têm como objectivo a defesa dos direitos e interesses legítimos de um segmento da população residente em Portugal que se confronta com problemas específicos, nos planos económico, social e cultural.
Se é verdade que os problemas de inserção social com que se confrontam as populações imigrantes são por demais conhecidos, não é menos verdade que têm faltado políticas decididas a enfrentá-los. Muitos cidadãos imigrantes continuam com a sua situação por regularizar e a ter de sujeitar-se a condições de trabalho precárias e clandestinas. As comunidades imigrantes continuam a ter de enfrentar situações de marginalidade social, que se reflecte nas condições de trabalho, de habitação, de acesso à educação e a cuidados de saúde. Os cidadãos imigrantes continuam, em grande medida, a ser tratados por algumas autoridades portuguesas como potenciais delinquentes ou como simples casos de polícia.
Todos estes factos configuram uma situação de enorme fragilidade social que afecta as comunidades imigrantes e que tem de ser ultrapassada. É óbvio que esta realidade não se supera apenas, nem sequer principalmente, através do apoio ao associativismo. Superá-la, pressupõe uma nova atitude do Estado português não apenas em palavras mas, sobretudo, em actos, pressupõe políticas sociais e de inserção social mais justas e eficazes.
Mas também no domínio do apoio ao associativismo dos imigrantes muito pode e deve ser feito.
As várias comunidades de imigrantes residentes em Portugal, particularmente as que representam cidadãos originários de países da CPLP, têm estruturas associativas próprias que desenvolvem actividades de reconhecido mérito e merecem ser especialmente apoiadas.
Por outro lado, tendo em consideração o papel que estas associações já desempenham e podem desempenhar ainda mais, nos planos nacional e local, na inserção social das respectivas comunidades, no estreitamento de laços de amizade entre as suas comunidades e o conjunto da comunidade nacional e no combate de todos contra o racismo e a xenofobia, mais se justifica uma especial atenção do legislador no apoio a estas formas de associativismo.
O Grupo Parlamentar do PCP propõe, assim, que seja aprovada uma lei das associações de imigrantes que reconheça a estas estruturas associativas um conjunto relevan-

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te de direitos de participação e de intervenção social, a nível nacional e local. E propõe ainda a atribuição às associações de imigrantes dos direitos que são legalmente concedidos às associações detentoras do estatuto de utilidade pública, bem como de formas de apoio técnico e financeiro ao desenvolvimento das suas actividades.
De entre as propostas mais inovadoras do projecto de lei do PCP cumpre assinalar a da criação de um fundo de apoio às associações de imigrantes, destinado a apoiar as associações mediante a celebração de protocolos com o Gabinete do Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, salvaguardando os princípios da autonomia e independência das associações, da não discriminação e da participação dos interessados, participação esta que deveria ser assegurada através de um conselho para os assuntos da imigração, cuja criação o PCP propõe, reformulando o Conselho Consultivo já existente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma questão que consideramos fundamental é que a atitude do Estado português em relação às associações de imigrantes seja de apoio, de incentivo e de criação de condições para uma maior afirmação da autonomia dessas associações, estando, por isso, em oposição a uma linha de intervenção que assenta em tentativas de controlo e de instrumentalização do movimento associativo, acentuando a sua dependência em relação ao poder político.
Discordamos, assim, de qualquer solução que faça depender o reconhecimento de direitos às associações de um processo de decisão governamentalizado, que possa criar uma situação em que seja o Governo a decidir quais são as associações «representativas» para efeitos de exercício de quaisquer direitos ou de benefício de quaisquer apoios.
O PCP propõe, por isso, a criação de um conselho para os assuntos da imigração que, para além de ser dotado de reais poderes de participação, seja uma expressão real do associativismo representativo da imigração e de um conjunto de entidades que desenvolvem uma acção de mérito no interesse das suas comunidades.
Ao apresentar este projecto de lei, o PCP não pretende impor soluções mas, acima de tudo, debatê-las, em especial com os imigrantes e com as suas associações.
Esta iniciativa legislativa pretende ser mais um contributo do PCP para a dignificação do estatuto dos imigrantes em Portugal, através da valorização do estatuto legal das suas associações representativas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa intervenção breve sobre os dois projectos de lei hoje em apreciação, começo por dizer que o Partido Social Democrata aprecia favoravelmente, de uma forma global, as duas iniciativas.
Entendemos que são justificadas as preocupações que presidem à elaboração destes projectos de lei e que motivam os seus autores, e também que é verdadeira e pertinente a preocupação que devemos ter em relação ao conjunto de questões que estão aqui colocadas, a qual é tanto mais verdadeira e pertinente quanto, em rigor, algumas destas matérias são novas na sociedade portuguesa.
Fomos, tradicionalmente, um país de emigrantes e somos também, desde há alguns anos, com algum significado já, como sucede, aliás, com o comum dos países europeus, um país de imigração. Isto traz-nos problemas diversos daqueles com que estávamos habituados a lidar e entendo que põe a nu alguma da impreparação da sociedade e das estruturas que temos para acorrer e responder ao novo tipo de problemas que nos é colocado.
Nessa medida, parece-me que, com abertura de espírito e aproveitando o ensinamento de outras sociedades que se defrontam com alguns destes problemas há mais tempo do que nós, temos de dar resposta a estas questões.
Correspondendo a essas preocupações, considero que é positivo o conjunto de soluções que aqui se assinalam e que vão ao encontro de aspirações de muitos dirigentes das comunidades radicadas em Portugal, particularmente daqueles que têm origem nos países de língua oficial portuguesa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em qualquer dos projectos de lei essas motivações estão presentes. Qualquer destes projectos de lei enfatiza, se quisermos, uma discriminação positiva em favor destas associações. No entanto, neste particular, quero realçar uma questão que me parece importante: não se trata apenas de dar quaisquer meios a estas associações, é preciso, nesta matéria, segundo me parece, que o aprofundamento do trabalho destas associações de apoio aos imigrantes se reflicta de forma concreta em áreas que são fundamentais para aquilo que, para nós, é hoje, como era ontem, uma prioridade na política de imigração, que é a integração dessas comunidades, dessas pessoas, desses imigrantes na sociedade portuguesa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido, é de assinalar como positivo tudo aquilo que atribua a estas associações responsabilidades concretas nos domínios sociais: na saúde, na educação, na formação profissional - por que não?! -, em todas as áreas onde se possa, efectivamente, e em ligação com o meio, com as associações que representam essas comunidades de imigrantes, propiciar uma mais fácil e rápida integração dessas comunidades na sociedade portuguesa.
Tudo aquilo que fizermos em favor destas associações não pode perder de vista este objectivo político: consagrar como prioridade uma mais fácil, mais rápida e mais plena integração dos imigrantes na sociedade portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que tem de se justificar, nos termos desta lei, o apoio a uma discriminação positiva em relação a estas associações.
Entendemos que é de aplaudir esta preocupação e apreciamos favoravelmente estes projectos de lei. Coisa diferente é dizer que estamos de acordo com todas as soluções.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Temos dúvidas em relação a soluções que são preconizadas, quer no projecto do Partido Comunista, quer naquele que é apresentado por Deputados do Partido Socialista. São matérias...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso, até nós próprios!

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O Orador: - Ainda bem que o Partido Socialista também já tem dúvidas em relação a soluções que propõe neste projecto de lei...

Vozes do PSD: - É uma autocrítica! Protestos do PS.

O Orador: - Sei que, em relação ao Partido Socialista, é preciso espaçar sempre o momento em que propõem algumas das medidas que aqui trazem e o momento em que, efectivamente, as vão discutir e votar, porque, quando há este lapso de tempo, VV. Ex.ªs são capazes de cair em si e de corrigir algumas coisas que, de facto, não fazem muito sentido. É esse também o nosso papel nesta discussão, com abertura, com bom senso, com vontade de construir algo positivo para o futuro, com vontade de construir uma solução legislativa partindo das propostas que são globalmente válidas, para as aperfeiçoarmos e podermos fazer algo de útil para estas comunidades.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre esta matéria, e para terminar, quero apenas fazer uma nota política, para não defraudar, obviamente, as expectativas dos Deputados socialistas, sobretudo.
Como vêem, nesta matéria, o Partido Social Democrata e os seus Deputados não vão seguir o trilho fácil que VV. Ex.ªs seguiram quando foram oposição. Em determinada altura, VV. Ex.ªs ergueram bem alto a bandeira em torno destas matérias.

O Sr. José Magalhães (PS): - E VV. Ex.ªs bem baixo!

O Orador: - Tudo o que eram casos que, a qualquer momento, surgissem, aqui ou ali, serviam de motivo para batalhas partidárias em torno desta matéria.
Entendo que, numa questão tão importante e tão vital para a sociedade, porque esta questão tem hoje uma dimensão que era desconhecida há 10 anos atrás, é importante que, no Parlamento português, entre os partidos portugueses, se consiga estruturar uma política séria, uma política sustentada,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - No vosso tempo isso não foi possível!

O Orador: - ... uma política que não esteja ao sabor daquilo que são as oportunidades do momento, para construirmos uma sociedade onde todos possam ter lugar e onde se faça verdadeiramente a integração das comunidades imigrantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PSD, com esta postura, está a fazer o contrário do que, em muitos momentos, o Partido Socialista fez...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e estamos, por isso, a ser responsáveis e coerentes com aquilo que dissemos no passado. Para nós, hoje, como ontem, a política de integração das comunidades é a prioridade fundamental do Estado, estejamos ou não no governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - São poucos mas ruidosos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são de felicitação ao Partido Comunista e ao Partido Socialista pela oportunidade da apresentação destes dois projectos de lei. São bem-vindos, pois respondem, como diz o Deputado Miguel Macedo, a uma situação nova na sociedade portuguesa, uma situação inversa à que enfrentámos durante decénios e que nos coloca problemas completamente diferentes de todos aqueles que considerámos até hoje. Digamos que é agora que se estão a proporcionar as condições para se perceber até que ponto a nossa é uma sociedade aberta ou é uma sociedade racista. É na prática do dia-a-dia, é na vontade de inserção, é na consideração do enriquecimento que nos pode trazer a civilização e a cultura de outros povos que, de facto, vamos medir a nossa capacidade de entender os outros e de estar no mundo neste século da mundialização.
Srs. Deputados, recordo algo que ainda há pouco foi aqui relembrado e que consiste no seguinte: para que faça sentido que nos ocupemos das leis das associações de imigrantes é, primeiro, preciso que haja imigrantes legais em Portugal. Ora, parece que, por aí, as coisas não andarão tão bem. E não adianta dizer que andam! Trata-se de uma comissão eventual e entende-se bem que uma comissão eventual, para fazer um trabalho gigantesco, precise de ter pessoal eventual; daí que os tarefeiros lá fizessem falta. Pode compreender-se que se substituam presidentes, o que se pode compreender mal é que se desertifique uma comissão que tem de fazer um trabalho por todos nós considerado relevante e de interesse humano e nacional.
As coisas estão mal, Srs. Deputados de todos os partidos, e particularmente do partido do Governo, e não interessa a Portugal que finjamos estarem bem. Ainda há poucos dias todos os partidos receberam delegados de associações de imigrantes, que aqui estamos a consagrar, que certamente não nos vieram dizer mentiras quando referiram, por exemplo, que existem 29 000 processos já aprovados mas que, contudo, não vêem a burocracia «passar» sobre eles, para ser conferido o direito à legalização. Não vale a pena dizer o que significa em dor humana, em perseguição, em exploração, em racismo efectivo, cada dia e cada hora em que não se concretiza um processo que, ainda por cima, já foi passado pelo crivo e é reconhecido como conferindo o direito a ser legalizado.
Srs. Deputados, não direi que concordo e discordo de alguns aspectos de um e de outro projecto. Espero ser essa a posição de todos nós e não ser em vão que dizemos estar a enfrentar uma situação nova, a qual, como situação nova que é, nos vai criar perplexidades. Recordo aqui que talvez tenhamos de ter isto em conta aquando da baixa destes projectos à Comissão, para aí os discutirmos com humildade e com vontade de encontrar a melhor solução. E digo a melhor solução porque tal já seria necessário se fosse um problema de caridade, o que não

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é! É um problema do próprio interesse nacional, é um problema de paz social, é um problema do enriquecimento cultural, antes de mais nada!
Recordo aqui a vantagem que teríamos, mesmo nesta Assembleia, em chamar o Sr. Embaixador do Canadá para nos trazer aqui, ou nos enviar, as normas que o Canadá adopta. Recordo o Canadá por ser o único país que conheço com um ministério de valorização cultural das comunidades e que se considera um país multicultural, que se enriquece com cada nova comunidade que aí se ancora e se fixa.
Temos muito a aprender porque do que estamos a tratar não é de assuntos de menor importância. Daquilo que conseguirmos ou não resultará um Portugal mais perfeito, um Portugal mais aberto, um Portugal mais humano, menos xenófobo e menos racista. Se não fizermos o nosso trabalho com seriedade, se, como diz o povo português, «subirmos para as nossas tamanquinhas», talvez fiquemos muito contentes connosco próprios mas certamente que Portugal não ficará contente com o trabalho que fizermos.
É nesse sentido, Srs. Deputados e Sr. Presidente, que o meu partido vai dar o voto favorável aos dois projectos de lei, para que, em Comissão, de facto, possamos encontrar a melhor solução, consultando quem for necessário consultar, demorando o tempo que for necessário demorar, para que esta lei saia a lei perfeita de enquadramento de homens numa sociedade de homens.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, para uma intervenção.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de referir o reconhecimento da importância que Os Verdes atribuem aos projectos de lei em discussão. Trata-se de projectos que correspondem àquilo que o texto constitucional português de algum modo já consagra, ou seja, os direitos dos imigrantes numa perspectiva dinâmica, sendo os imigrantes encarados não apenas como cidadãos mas como cidadãos que residem neste país e cujos direitos de integração na sociedade portuguesa têm de ser não só proclamados, mas, fundamentalmente, e é disso que se trata, concretizados.
Obviamente, a concretização dos direitos dos imigrantes passa pela sua participação plena na vida do País - e tem de ser sinónimo dessa participação -, à semelhança dos demais grupos, como parceiros, que são, da vida do País e do seu desenvolvimento, e como parceiros cujo reconhecimento implica também, e é disso que se trata, a definição de um regime jurídico para as suas associações.
Portanto, diria, em primeiro lugar, que Os Verdes concordam, dão o seu apoio e atribuem importância a estas iniciativas, considerando o seu conteúdo globalmente positivo.
Mas, se assim é - e porque esta leitura corresponde à importância que atribuímos aos imigrantes que connosco vivem e trabalham -, isto significa também que não podemos deixar de ter um olhar crítico, e muito crítico, em relação à situação que os imigrantes vivem hoje no nosso país. Todos sabemos, ou muitos nos recordamos ainda, se a memória não fraqueja, das grandes críticas feitas ao modo como, durante muito tempo, os imigrantes foram tratados no nosso país. Havia problemas múltiplos a resolver e a regularização da sua situação era, indiscutivelmente, um patamar que se reclamava como prioritário. Mas é óbvio que uma política de imigração não se confina à estrita regularização de imigrantes.
E mesmo que nos ficássemos só pela regularização de imigrantes, há um aspecto - que já foi aqui aflorado e não deve ser silenciado nesta Câmara - que não pode ser esquecido: trata-se dos atrasos enormes que se verificam na análise de processos, dos quais resulta aquilo que, pelo menos nós, Os Verdes, queremos evitar, que é uma situação de insegurança e de instabilidade, a qual não desejamos para qualquer cidadão e, portanto, também não a desejamos para os imigrantes que estão ao nosso lado, nem podemos aceitar que vivam nessa situação.
Se se recordam, o processo de regularização implica permanentes, ou regulares, revalidações das autorizações de residência e se se pretende dar credibilidade a uma política de imigração têm de se criar os meios humanos, financeiros e técnicos para que essa política ganhe expressão, o que não acontece sem pessoas...
Aquilo que neste momento acontece - como já foi referido e como as associações e as comunidades aqui vieram dizer, se alguém o não sabia - é que os imigrantes continuam esquecidos, continuam remetidos para longas filas de espera para serem tratados em igualdade com os cidadãos deste país. Este é, pois, o primeiro registo que gostaríamos de fazer.
Em segundo lugar, penso que não pode considerar-se como séria uma política de imigração que seja vista de modo parcelar. Há problemas que, do nosso ponto de vista, continuam a ser ignorados. Há ainda interditos no pleno acesso à habitação e o modo como o alojamento destes imigrantes está a ser feito, em muitos casos, é discutível. Os imigrantes têm direito a uma casa mas não têm direito a ser tratados diferentemente, no sentido de que não têm de ser colocados à parte, e este é um problema ainda por discutir.
É evidente que este é um problema cultural, que implica perceber que a presença dos imigrantes no nosso país, e a diversidade de que são portadores, é uma riqueza, não um empecilho. Julgo que também a esse nível há um combate por fazer, que é o do reconhecimento do seu papel e da importância que a escola pode e deve ter a esse respeito. Penso que seria interessante fazermos uma análise crítica dos programas de integração dos imigrantes nas nossas escolas, que mais não têm tentado fazer, em muitos casos, do que padronizar e assimilar culturalmente crianças que muitas vezes nem a língua portuguesa dominam e que têm pela frente professores que não foram apetrechados de meios para lidar com esses meninos.
Esta é uma questão que tem de ser analisada e que não pode ser esquecida. Quando pensamos, por exemplo, na área metropolitana de Lisboa, pensamos no ensino básico e sabemos que das crianças que estão aqui nas nossas escolas são meninos das comunidades de imigrantes. Portanto, não basta criar comissários, não basta ter boas intenções, é preciso dar, efectivamente, conteúdo aos problemas que a imigração, de um modo global, coloca, fazendo-o de um modo integrado e não com propostas desgarradas.
Considero que esta proposta, que está em discussão e que julgo que será aprovada, é importante, mas penso que a reflexão tem de ir mais longe e que, mais do que reflexão, são necessárias medidas práticas que dêem conteúdo a um estatuto pleno dos imigrantes na nossa sociedade e à sua participação plena na vida, cívica e pó-

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lítica, da comunidade. Julgo, pois, que é disso que se trata e que este projecto, sendo embora importante, não basta.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Deputado Nuno Abecasis, Sr.ª Deputada Isabel Castro, relativamente a um assunto concreto que levantaram, queria dizer que, segundo dados fornecidos pelo SEF, dos cerca de 35 082 pedidos de regularização extraordinária, já foram emitidas 30 000 autorizações de residência, e 73.% eram lusófonos. Há cerca de 1400 pedidos pendentes e destes 400 têm processos de deferimento, 550 têm propostas de indeferimento por várias razões (pessoas que fizeram esses pedidos mas já estavam legalizadas, pessoas sujeitas a penas, funcionários de embaixadas e outros) e, desses, só 79 são dos PALOP.
Atraso? As pessoas dirão «sim, senhor, há algum atraso». É desejável que estes atrasos por parte do SEF não se prolonguem no tempo, pois quem sofre com esses atrasos são os próprios imigrantes, mas gostaria de relembrar que os próprios imigrantes não têm respondido às notificações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e isto tem complicado e atrasado o processo, mesmo com todo o empenho das associações no terreno, chamando a atenção das suas comunidades.
Srs. Deputados, congratulo-me com o consenso a que, mais uma vez, chegámos nesta Câmara sobre este tema. Assim aconteceu quando da regularização extraordinária e assim aconteceu, por exemplo, quando da apreciação do diploma referente ao direito de voto dos imigrantes nas eleições autárquicas, e isto, Sr. Presidente, dá-me um sentimento de orgulho e de grande satisfação. Como disse na minha intervenção, creio que esta situação nos honra a todos nós, neste momento.
De facto, faz sentido que nos debrucemos todos sobre este assunto. Como disse o Sr. Deputado Mota Amaral no relatório que fez para a 1.ª Comissão, a actualidade desta iniciativa é manifesta, dado Portugal ter-se tornado, nos últimos anos, revertendo tendências históricas, país de acolhimento para muitos cidadãos estrangeiros, mormente oriundos dos países africanos de língua oficial portuguesa. Assim, naturalmente, é objectivo político, fortemente consensual, promover condições de inserção social para essas comunidades, já bem numerosas, de modo a evitar, na medida do possível, quaisquer tipos de tensões.
O que não faz sentido, Sr. Presidente, é o PSD recorrer ciclicamente ao argumento da actuação do PS neste campo quando era oposição, até porque o PS não faz uma coisa quando é oposição e outra coisa quando é Governo. O PS defendeu as comunidades imigrantes, o PS prometeu defendê-los, o PS tem-no feito, o que, aliás, foi positivamente sufragado. Os imigrantes deram-nos a sua confiança e creio, Sr. Presidente, que continuaremos a merecer a confiança dos imigrantes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ser muito breve nesta intervenção e faço a porque creio que a matéria constante dos projectos de lei em debate tem uma margem grande de consenso, pelo menos nesta fase, a da generalidade. Não tenho dúvidas que há soluções propostas relativamente às quais, na especialidade, vamos divergir e importará, na Comissão, encontrar soluções que sejam consideradas equilibradas e tenham o máximo consenso possível, e particularmente, importa contar neste processo com a opinião dos próprios imigrantes, das suas associações, o que, do nosso ponto de vista, mais do que muito útil é indispensável no processo legislativo que vamos iniciar.
Daí que não tivéssemos trazido a este debate a problemática geral da situação dos imigrantes em Portugal, já que esse é um outro debate, que vale a pena trazer a esta Assembleia da República noutra oportunidade. No entanto, entendemos que, neste momento, não o devíamos fazer, porque estávamos aqui a debater iniciativas legislativas específicas sobre as associações de imigrantes.
Agora, temos uma posição profundamente crítica relativamente à política de imigração deste Governo. Bastará pensarmos no conteúdo do decreto-lei do Governo que, recentemente, veio regular a matéria da entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional, que chamámos à apreciação parlamentar e que é um debate que, na devida altura, será feito. Também o arrastamento e a situação inacreditável a que chegou o processo de regularização extraordinária que foi feito no início de 1996 daria um debate muito interessante nesta Assembleia.
No entanto, não é este o momento de fazê-lo, embora a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia tenha assumido aqui as dores do Governo e transmitido dados que, segundo afirmou, o SEF lhe transmitiu. Essa é uma matéria sobre a qual também valerá a pena a Assembleia da República pronunciar-se, mas, como disse, hoje não é, manifestamente, o momento certo para o fazer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, não é bem uma intervenção, é para pôr uma breve questão à Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já não pode pedir esclarecimentos. Mas faça o favor de fazer uma segunda intervenção.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, os números que tenho foram-me trazidos aqui por um membro da comissão de apreciação dos projectos, que faz parte de uma das associações de imigrantes angolanos residentes em Portugal. Ora, os números que me transmitiu não se referem a decisões mas, sim, a atrasos por razões burocráticas e aquilo de que me falou foi de 29 000 processos em atraso burocrático. Não tive a ocasião de verificar este número, mas quero acreditar que ele não veio mentir à Assembleia da República.
Portanto, aquilo para que chamo a sua atenção, Sr.ª Deputada, é para o facto de eu não estar a fazer afirmação gratuitas nem ter qualquer interesse em fazê-las. No entanto, se isto é verdade, o problema é extremamente importante e eu acredito que se, de facto, foram dispensados os 45 tarefeiros alguém tem de preencher os pa

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péis, o que é preciso fazer e leva o seu tempo, pois sem eles não há legalização. Foi para isto que chamei a atenção da Câmara.
Como lhe disse, não tive ocasião de verificar pessoalmente os números que me foram entregues, mas admito quer não venham meter «balões» à Assembleia da República, principalmente escandalosos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de esclarecimento, vou dar por encerrados os trabalhos, lembrando que a Câmara volta a reunir amanhã, pelas 15 horas, iniciando-se a sessão com o período antes da ordem do dia, a que se seguirá o período da ordem do dia com a discussão conjunta das propostas de lei n.os 187/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o exercício da liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e os direitos das associações sindicais, 189/VII - Estabelece o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da Administração Central e Local do Estado e da Administração Regional, bem como, com as necessárias adaptações, dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos, 190/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime geral de estruturação de carreiras da Administração Pública, 192/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da Administração Pública, do projecto de resolução n.º 100/VII - Garantir o direito à educação sexual e de acesso ao planeamento familiar (CDS-PP) e do projecto de deliberação n.º 52/VII - Sobre a situação dos Deputados do Grupo Parlamentar da UNITA em Angola (CDS-PP).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Henrique José de Sousa Neto.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José da Conceição Saraiva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

António Costa Rodrigues.
António Manuel Taveira da Silva.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Guilherme Reis Leite.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.

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