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Sexta-feira, 29 de Janeiro de 1999 I Série Número 41 1490

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE JANEIRO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Maria Luísa Lourenço Ferreira
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos da resposta a alguns outros.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Durão Barroso (PSD), a propósito de declarações de autoridades indonésias admitindo a possibilidade de libertação de Timor Leste, manifestou a sua satisfação por esse facto, ao que se associaram o Sr. Presidente e os Srs. Deputados Eduardo Pereira (PS), João Amaral (PCP) e Luís Queiró (CDS-PP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha (PCP) referiu-se à situação na TAP e criticou a sua reprivatização. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro Feist (ÇDS-PP) e Barbosa de Oliveira (PS) Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre a urgente necessidade de levantamento da suspensão e reanimação do sistema de apoio a jovens empresários, tendo intervindo, a diverso título, além dos Srs. Secretários da Juventude (Miguel Fontes) e do Desenvolvimento Regional (Maria José Constâncio), os Srs. Deputados Miguel Relvas (PSD), Afonso Candal (PS), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Hermínio Loureiro (PSD), Bernardino Soares (PCP) e Gonçalo Velho (PS)

Ordem do dia. - Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 222/VII - Estabelece o regime e forma de criação das polícias municipais, sobre a qual se pronunciaram, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Jorge Coelho), os Srs. Deputados António Brochado Pedras e Pedro Feist (CDS-PP), João Amaral (PCP), José Magalhães (PS), Carlos Encarnação (PSD), Júlio Faria e Jorge Lacão (PS). Entretanto, foram rejeitados, na generalidade, os projectos de lei n.os 601/VII - Programa especial de combate às listas de espera (PSD) e 600/VII - Aceleração do processo judicial atrasado (PSD) e aprovados, também na generalidade, os projectos de ler n.os 580/VII Programa especial de acesso aos cuidados de saúde (PCP) e 571/VII Processo especial urgente de tutela efectiva do gozo da liberdade pessoal (PCP).
Foi ainda aprovada, na generalidade, na especialidade (com um aditamento ao n.º 2 do artigo 3. º, apresentado pelo Deputado do PCP, Joaquim Matias) e em votação final global, a proposta de lei n.º 171/VII - Autoriza o Governo a publicar um decreto-lei que aprova o regime de instalação de equipamentos e instalações portuárias em águas territoriais, seu leito, zona económica exclusiva e na plataforma continental, excluídas das zonas de jurisdição portuária.
A Câmara procedeu ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º l97/Vll - Regula a identificação civil e a emissão do bilhete de identidade de cidadão nacional, tendo feito intervenções, além do Sr Secretário. de Estado da Justiça (Lopes da Mota), os Sis. Deputados Francisco Peixoto (CDS-PP), António Filipe (PCP), Barbosa de Melo (PSD) e Antão Ramos (PS).
Foi ainda discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 196/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre a dissecação lícita de cadáveres e extracção de peças, tecidos ou órgãos para fins de ensino e de investigação científica. Intervieram, além do Sr Secretário de Estado da Justiça, os Srs. Deputados Barbosa de Melo (PSD), Maninho Gonçalves (PS). Francisco Peixoto (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Mário Manuel Videira Lopes.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.

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Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. No dia 19 e na reunião plenária de 20 de Janeiro de 1999: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira; ao Ministério do Ambiente, formulado, pelo Sr. Deputado Manuel Alegre; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Natalina Moura; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alves de Oliveira; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; á Secretaria de Estado do Tesouro e Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Luísa Mesquita e Pimenta Dias; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral.
Nas reuniões plenárias de 21 e 22 de Janeiro de 1999: ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Jovita Ladeira; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Joaquim Sarmento, Antonino Antunes e Cruz Oliveira; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; aos Ministérios das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo; á Direcção-Geral da Protecção Social de Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE), formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Pimenta Dias.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados, no dia 25 de Janeiro de 1999: Bernardino Soares, na sessão de 29 de Outubro; Luísa Mesquita, na sessão de 14 de Maio; Fernando Pedro Moutinho, nas sessões de 28 de Maio e 29 de Junho e no dia 14 de Julho; Pedro Baptista, na sessão de 17 de Junho; Castro de Almeida, na sessão de 29 de Junho; Car

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men Francisco, no dia 14 de Julho; Carlos Brito, no dia 21 de Julho; Fernando Jesus, no dia 29 de Julho; Mafalda Troncho, na sessão de 25 de Setembro; Arnaldo Homem Rebelo, na sessão de 21 de Outubro; Duarte Pacheco e Bernardino Soares, no dia 2 de Novembro; António Saleiro, na sessão de 12 de Novembro, e Manuel Moreira, na sessão de 18 de Novembro.
No dia 26 de Janeiro de 1999: Cruz Oliveira, na sessão de 29 de Abril; Costa Pereira, nas sessões de 29 de Abril e 28 de Maio; Duarte Pacheco, na sessão de 6 de Maio; Castro de Almeida, na sessão de 27 de Maio; Adriano Azevedo, na sessão de 28 de Maio; Rodeia Machado, nas sessões de 17 e 19 de Junho; Gonçalo Ribeiro da Costa, na sessão de 18 de Junho; Carvalho Martins e Jorge Roque Cunha, no dia 14 de Julho; Miguel Ginestal, na sessão de 14 de Outubro; João Amaral, na sessão de 21 de Outubro; Victor Moura, na sessão de 22 de Outubro; Manuel Frexes, na sessão de 19 de Novembro, e António Saleiro, na sessão de 16 de Dezembro.
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa no sentido seguinte: nos últimos dias, e pela primeira vez desde há 24 anos, autoridades indonésias admitiram a possibilidade de um Timor Leste independente e livre. Parece-nos estarmos perante um facto suficientemente relevante para justificar a atenção desta Assembleia.
O PSD, que se orgulha da contribuição dada ao longo dos anos, nomeadamente nos seus governos, para que a questão de Timor Leste não ficasse esquecida e o sonho que é a autodeterminação do povo de Timor Leste viesse a ser realidade, quer manifestar hoje a grande satisfação por estes desenvolvimentos, que nos parecem muito positivos, e quer também, muito sinceramente, no plano nacional, desejar ao Governo os maiores êxitos na prossecução das negociações com a Indonésia, sob a égide das Nações Unidas, na procura de uma solução, com rigor e determinação.
Mas queremos também, acima de tudo, dizer que podemos estar - sublinho, podemos estar - na véspera de acontecimentos históricos para Timor Leste. É importante e decisivo que esta Assembleia não se alheie do processo, para que num futuro não muito longínquo possamos vir a acolher Timor Leste como um país independente de língua portuguesa..

Aplausos do PSD e de alguns Deputados da CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Se há acontecimento que justifica um desvio à figura da interpelação à Mesa, é este!
Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira-(PS): - Sr. Presidente, quero associar-me às palavras do Sr. Deputado Durão Barroso - e é bom quando nos podemos associar em coisas relativas a Timor, como eu tinha dito na última troca de palavras que tivemos neste Plenário sobre este assunto - e também fazer votos para que, do ponto de vista de Portugal em geral e desta Assembleia em particular, se sigam os acontecimentos com muito cuidado e se possa dar uma mão fraterna aos esforços que, seguramente, se têm de desenvolver para, como país livre, integrar Timor numa comunidade portuguesa alargada e numa comunidade mundial, em geral.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria também de assinalar, da nossa parte, como fizeram os Srs. Deputados Durão Barroso e Eduardo Pereira, a importância das declarações feitas por autoridades da Indonésia, admitindo a possibilidade de Timor Leste vir a ser um país independente.
Da nossa parte, congratulamo-nos com esse facto, acentuando que nunca, ao longo deste tempo, em circunstância alguma, abandonámos a perspectiva do direito do povo de Timor Leste à autodeterminação e à independência. Nunca considerámos que o caminho pudesse ser outro que não o de concluir esse destino final que é o da independência. Estas declarações são importantes mas não são a conclusão de um processo. Seguramente, são afirmações relevantes, mas não são ainda um adquirido. Para que se tornem um adquirido, é muito importante recordar aqui, neste momento, que, se essas declarações são possíveis, isso se deve, em primeiro lugar e antes de tudo, à luta persistente e heróica do povo de Timor Leste em defesa dos seus interesses, da sua pátria e da sua independência!

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero também interpelar a Mesa para manifestar a satisfação do nosso grupo parlamentar e, enfim, de todos os portugueses, na medida em que os podemos representar, pela intenção anunciada pelas autoridades indonésias de abrir a possibilidade de o povo de Timor escolher o seu destino.
Queremos dizer, no entanto, que aguardamos com grande expectativa que esta intenção .se concretize e não queremos acreditar demais, para que, depois, também a desilusão não se tome muito acentuada.
Em todo o caso, este é um sinal muito positivo e consideramos que é, em primeiro lugar, o resultado da própria luta do povo maubere e de Timor Leste e, em segundo lugar, o resultado da pressão política que os portugueses, através dos seus governos e das oposições, têm manifestado ao longo destes últimos anos, desta pressão política que se tem internacionalizado e que se tem mesmo globalizado, sendo hoje uma pressão mundial, da qual a inversão da posição do governo da Austrália nesta matéria é o sinal mais recente e mais visível.
Como disse, não queremos acreditar demais, mas queremos deixar aqui um grande sinal de esperança e dizer também que depositamos uma grande expectativa na nova ronda de negociações que se vai iniciar na ONU e que, embora com grande precaução mas também com grande expectativa, vamos acompanhar esperando que evolua no sentido do bom caminho, deste caminho que é o da possibilidade de o povo de Timor Leste poder finalmente escolher o seu destino.
(O Orador reviu.)

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero juntar a minha à vossa voz e dizer que também tenho esperança que estejamos a assistir ao começo do triunfo definitivo da luta do povo de Timor, da luta de todo o povo português e da sua diplomacia, em especial, e também de mais uma luta e mais um triunfo dos direitos do homem.

Aplausos gerais.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Têm vindo a público notícias diversas sobre a situação da TAP que, além da referência aos problemas sociais, questionam a própria sobrevivência da empresa.
O PCP sempre considerou a TAP como uma empresa estratégica de interesse vital para ó País. Por isso, defendemos a TAP como empresa pública, uma companhia de bandeira, que assegure um elevado nível de emprego e a prestação de serviços de qualidade.
Apesar da alteração da sua natureza jurídica, com o Decreto-Lei n.º 312/91, de 17 de Agosto, que a transformou em S.A., entendemos que se deve manter no domínio público o seu capital social. E não temos este entendimento por teimosia ou dogmatismo. Têmo-lo porque só assim é possível defender eficazmente o interesse nacional e os direitos dos trabalhadores da empresa.
As vantagens para o País são evidentes. Desde logo, sobressai o prestígio decorrente de uma companhia aérea com bandeira portuguesa a 'operar em vários continentes, designadamente em países de língua portuguesa ou com fortes comunidades de emigrantes, bem como em muitos países da União Europeia. Também é de relevar o nível de emprego que permite.
Daí que consideremos o processo de reprivatização como contrário aos interesses do País. Tal processo começou a ser preparado em anteriores governos e o último destes, de maioria absoluta, do PSD, pretendeu implementar a chamada "segmentação da empresa", com vista à desagregação da mesma das suas áreas mais rentáveis a Manutenção e as Operações de Terra - e a sua entrega aos privados. Paralelamente, desenvolveu um apelidado "emagrecimento", continuado por este Governo do Partido Socialista, com a saída atrabiliária de milhares de trabalhadores, alguns de áreas fulcrais da empresa.
A última injecção de 180 milhões de contos, permitida por Bruxelas, em vez de ser utilizada para fortalecer e desenvolver a empresa, foi-o para continuar os ditos "emagrecimento" e privatização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O acordo com o grupo Qualiflyer, que abrange a Swissair, Saberia, Austrian Airlines, Turkish Airlines e AOM, além da própria TAP, feito sem consulta às organizações representativas dos trabalhadores, está a colocar a TAP cada vez mais dependente dos serviços de. outras companhias. E a publicação do diploma que aprovou as primeira e segunda fases de reprivatização da TAP, S.A. aumentou ainda mais as nossas preocupações.
Neste contexto, o Conselho de Administração também tem vindo a tomar várias medidas que degradam a imagem pública da TAP e afrontam os seus trabalhadores. A entrega do sistema de reservas à Swissair, com a alteração de horários que haviam sido estabelecidos em função das necessidades dos passageiros, o encerramento de linhas e de balcões nos países onde actuam outras empresas do grupo, informações incompletas e deficientes e consequente instabilidade e insegurança nos trabalhadores, é uma das medidas gravosas para o futuro da TAP, que se impõe alterar. Está a causar uma diminuição drástica e generalizada do número de passageiros e, em contrapartida, aumenta a oferta de companhias aéreas concorrentes da TAP, e degrada-se o ambiente de trabalho.
A avaliação da TAP é outra questão que evolui no sentido da diminuição dos valores inicialmente apontados, à medida que o tempo decorre. Têm mesmo sido veiculadas notícias de que alguém se terá deslocado à Suíça para levar a Swissair a concordar com um valor que já vai quase em 50% do inicialmente admitido.
O "emagrecimento" da TAP e a diminuição do seu papel no plano empresarial e no plano social não interessam ao País nem aos trabalhadores da empresa, que já viram desaparecer milhares de postos de trabalho.
A não se inverter o caminho que tem vindo a ser seguido na empresa, a TAP transformar-se-á numa mera empresa regional, com a perda de prestígio que daí decorrerá para o País.
Tal como aconteceu com os acordos antes efectuados com a Portugália, com a Air Madeira e com a Air Zarco, o acordo com a Swissair e o grupo Qualiflyer é atentatório dos interesses da TAP, sobretudo no da manutenção da sua autonomia.
Não enjeitamos a necessidade e utilidade da concretização de alianças estratégicas e de acordos de complementaridade no desenvolvimento da actividade da TAP, mas não confundimos complementaridade e/ou alianças estratégicas com privatização, entrega e/ou sujeição aos interesses de outras companhias.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A TAP não pode ser usada pelos governos ao sabor dos seus interesses partidários, na prossecução de objectivos alheios aos interesses do País.
Porque a TAP é importante como "reserva estratégica" nacional, no âmbito dos transportes aéreos, é obrigação do Governo tomar medidas urgentes que invertam a sua degradação e, designadamente: manter a TAP como empresa de capitais públicos; implementar uma gestão que dinamize e desenvolva a empresa, sem excluir acordos de parceria estratégica, mas sempre no sentido da valorização da TAP e da complementaridade da prestação de serviços e não da sua dependência; respeitar os direitos dos trabalhadores da empresa.
A propósito dos direitos dos direitos dos trabalhadores, algumas palavras sobre as celeradas propostas de alteração do Governo à legislação laboral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo é um "mãos largas" para o patronato e o grande capital. Achou pouco a proposta da generalização do trabalho a tempo parcial, com redução de salários, de subsídios de férias, de Natal, de doença, de desemprego e de refeição e a desorganização da vida social e familiar dos trabalhadores, bem como a possibilidade de descapitalização da segurança social para beneficiar as entidades patronais, com a aplicação do lay-off, mesmo em casos de má gestão, e vem agora apresentar um autêntico pacote laboral que configura uma das mais graves ofensivas legislativas contra os direitos dos trabalhadores, que o PS, aliás, iniciou - lembre-se -, já lá vão mais de duas décadas, com a célebre lei dos contratos a prazo.

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Passo agora a fazer uma breve referência aos diplomas mais gravosos.
A alteração do conceito de retribuição é para "entrar no bolso dos trabalhadores", diminuindo-lhes o salário e prejudicando-os na situação de doença e de desemprego.
A lei das férias, com o embuste de que as férias aumentariam para 24 dias, anularia, de facto, a garantia legal de 22 dias úteis de férias, reduzindo-a para 10 dias úteis, ao fazer depender esse direito da assiduidade.
Tudo isto, como é óbvio, em favor do aumento dos lucros e de uma concentração cada vez maior da riqueza, à custa da "pauperização" dos trabalhadores e de outras camadas da população e da desvalorização social do trabalho.
Mas o Governo do PS ainda continua a achar que isto é pouco para o capital. Por isso, propõe também a alteração do direito, consagrado, até hoje, como direito exclusivo das organizações dos trabalhadores, de as mesmas participarem na elaboração da legislação do trabalho. O Governo pretende somar ainda mais poder ao enorme poder que as entidades patronais já detêm para pressionar as decisões políticas.

Vozes do PCP: - Uma vergonha!

O Orador: - Esta ofensiva do Governo contra os trabalhadores terá uma forte oposição do PCP e, não temos dúvidas, dos trabalhadores portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A luta dos trabalhadores e a acção do PCP obrigaram o Partido Socialista e o seu Governo a recuar na calendarização e no âmbito de discussão destes e de outros diplomas, impedindo a sua concretização em período de férias e sujeitando-os, como está constitucionalmente previsto, ao processo legislativo no âmbito da Assembleia da República.
Este comportamento do Governo do PS reforça a necessidade de se criarem condições para uma viragem de esquerda na política nacional, que dê resposta às aspirações dos trabalhadores e do povo português e ao desenvolvimento do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Alexandrino Saldanha, os Srs.. Deputados Pedro Feist e Barbosa de Oliveira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alexandrino Saldanha, todos nós conhecemos a situação terrível de precaridade em que vive a TAP, todos nós conhecemos as formas como a TAP se financia ou é financiada e, perante este quadro, que V. Ex.ª desenvolveu na área laboral, pergunto-lhe, no quadro geral de uma empresa que está tecnicamente mais do que falida, se entende como investimento promocional aquilo que, neste momento, a TAP faz, por exemplo, investindo nas camisolas dos jogadores da equipa belga que defrontaram as equipas portuguesas, na Bélgica, com "TAP" no peito, quando as camisolas das equipas portuguesas não o têm.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Feist,' o problema que levanta, a nosso ver, é um problema de somenos, é uma questão de pormenor na grande questão das medidas que têm vindo a ser tomadas, que têm vindo a degradar a imagem da TAP aos olhos da opinião pública e que têm vindo a prejudicar os interesses da empresa, os interesses do País e os interesses dos seus trabalhadores.
Para nós, neste momento, muito mais grave do que isso é a entrega do sistema de reservas à Swissair, porque a entrega do sistema de reservas de uma companhia a uma outra põe nas mãos desta última o poder de orientar os passageiros e de dominar, no fundo, toda a evolução futura da empresa que lhe entrega tal sistema. É isso que nós recusamos, é para isso que nós chamamos a atenção e é isso que entendemos que o Governo tem de corrigir. Para isso, entendemos também que a manutenção do capital público é extremamente importante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alexandrino Saldanha, é com satisfação e com consideração que, no plano pessoal, lhe dirijo a palavra, dado que há longos anos nos conhecemos e que até fizemos jornadas sindicais juntos durante muito tempo. Contudo, e até por isso, dir-lhe-ia o seguinte: o Sr. Deputado, naquilo que acabou de nos trazer, pareceu pregar como se fosse um arauto de maus presságios. Ou seja, se bem li as suas palavras, o País nunca esteve pior,...

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: - ... nunca foi tão mal governado e, por outras palavras, tem por inimigo público n.º 1 o Governo do Partido Socialista. Este é um discurso que eu já conheço há uns anos e do qual, com franqueza, passo por cima, exactamente por já o conhecer. Só por isso é que compreendo que esqueça que os problemas que se colocam hoje à TAP advêm da liberalização dos transportes aéreos e, naturalmente, há que ter isso em conta.
Não estou aqui para fazer qualquer tipo de louvaminha seja a quem for e, portanto, não quero dizer que a administração da TAP não tenha, eventualmente, uma vez ou' outra, tomado. atitudes que não deveria ter tomado. Mas não é disso que se trata. O problema que se coloca é, de facto, o de não podermos ignorar que no domínio dos transportes aéreos a situação é hoje complicada. Portanto, há que tomar medidas para que essas questões não venham a afectar a vida da companhia aérea.
Em relação às questões dos postos de trabalho, o Governo, nesta como noutras situações, estou seguro, estará atento e encontrará soluções que levem a que - não sei se gostará de ouvir, porventura não gostará - a situação de desemprego em Portugal seja hoje aquela que se conhece e que as estatísticas nos confirmam.
Quanto aos diplomas laborais, trata-se de um outro discurso a que ambos estamos habituados, já tendo tido sobre isto longas conversas e discussões. Parece que, para si, o melhor é deixar estar tudo como está, mesmo ignorando, por exemplo, que há milhares e milhares de trabalhadores sem qualquer regulamentação, a trabalhar a tem-

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po parcial. Não deve esta questão ser analisada? Não deve ser encontrada uma regulamentação que garanta mais e melhores direitos aos trabalhadores que, apesar da sua vontade e das suas opiniões, continuam a trabalharem situação precária e sem qualquer regulamentação?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão das férias, apesar de haver uma ou outra questão que deve ser vista, porventura, numa discussão na especialidade, não será verdade que os trabalhadores portugueses, na sua generalidade, vão beneficiar com este diploma?

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Por outro lado, as entidades patronais já hoje são ouvidas sempre que há legislação laborai a discutir na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. O Sr. Deputado faz parte dessa Comissão e sabe que é assim! Não quererá consagrar isto na lei?! Prefere fazer como a avestruz e meter a cabeça na areia?! Não é essa a nossa posição, Sr. Deputado!

Aplausos do' PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, agradeço as simpáticas referências que me fez e retribuo-lhas. Como referiu, estivemos muitas vezes do mesmo lado da barricada em diversas lutas sindicais, o que não quer dizer que nos identifiquemos relativamente à evolução social e à sua perspectiva, tendo sempre presente a referência da defesa de quem trabalha e da dignificação do trabalho. Essa é uma questão de fundo.
Diz o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira que ficou a ideia de que eu seria o arauto de maus presságios. Antes fosse! Eu gostava que essa ideia fosse uma realidade, mas, o que se verifica é que, na sociedade portuguesa, todos podemos constatar o que eu disse no dia-a-dia.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Olhe que não!

O Orador: - O que sucede é que, hoje, todos podemos constatar que na vida nas empresas há cada vez menos direitos, que as entidades patronais exercem uma pressão cada vez maior para que esses direitos não se exerçam e que cada vez há menor capacidade de intervenção das instituições que teriam o dever de fazer com que os direitos se exercessem, não levando à prática a sua acção. O Governo, com as propostas que apresentou e que estão em discussão pública, vai fazer com que se altere ainda mais a relação de forças nas empresas a favor das entidades patronais.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A questão do trabalho parcial é uma questão de fundo, porque, se existe hoje trabalho a tempo parcial, também existe regulamentação para o mesmo. Hoje já há regulamentação do trabalho a tempo parcial e o que agora se pretende fazer é alterar esta regulamentação de modo a que, no futuro, todos os trabalhadores sejam contratados para trabalhar, por exemplo, menos 1 ou 2 horas do que o tempo global, sendo-lhes diminuído 0 ordenado na mesma proporção, e o salário em termos de futuro, acabando todo o trabalhador por ser contratado como um trabalhador a tempo parcial, reduzindo-se os subsídios e havendo uma pressão constante para que as remunerações diminuam. Essa é a nossa preocupação e é este o ponto essencial do projecto que está adiantado.
Por outro lado, quanto à questão de ouvir, ou não, as entidades patronais, elas são ouvidas, como o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira disse, na Comissão de Trabalho e nós não contestamos isso. O que dizemos, e fazemo-lo fundamentadamente, é que o que o Governo pretende é retirar um direito que está hoje exclusivamente consagrado para as organizações dos trabalhadores, tentando dar mais força ao poder económico, de forma a que aquilo que já hoje se verifica, que é o domínio do poder económico sobre o poder político, se aprofunde e venha a ser maior do que já neste momento é.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É contra isto que estamos e é contra isto que nos bateremos. Os trabalhadores portugueses têm sabido dar a resposta adequada a estes objectivos do Governo, pensamos que a continuarão a dar e que esta legislação não vai para a frente. Caso contrário, os trabalhadores serão, com certeza, muito penalizados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, temos a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 48 alunos da Escola C+S Professor Armando de Lucena, da Malveira, um grupo de 19 alunos da Escola Secundária n.º 2, da Portela de Sacavém, um grupo de 25 alunos da Escola Secundária Ginestal Machado, de Santarém, um grupo de 30 alunos da Escola E.B. 2,3 André de Resende, de Évora, e um grupo de alunos do curso de Gestão e da cadeira de Direito Comunitário da Universidade Moderna, acompanhados do seu Professor Menezes Cordeiro.
Para eles, a nossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vamos agora dar início ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, sobre a urgente necessidade de levantamento de suspensão e reanimação do sistema de apoio a jovens empresários.
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Relvas.

O Sr. Miguel Relvas (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Em Maio de 1997, em cerimónia pública e pomposa realizada no Porto, o Sr. Primeiro-Ministro presidiu à apresentação pública do Sistema de Apoio a Jovens Empresários, o SAJE. Com a sua já tradicional facilidade de discurso, assumiu perante os jovens empresários e o País que este programa era a grande aposta do Governo no estimulo às capacidades empreendedoras dos jovens portugueses, o que levou a que, legitimamente, se tirassem as seguintes conclusões: esta era uma área considerada prioritária na governação, em que, finalmente, o

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Governo se propunha cumprir o enunciado de intenções inseridas no Programa do Governo aprovado na Assembleia da República.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Era disponibilizado um pacote de 15 milhões de contos, sendo que 6 milhões de contos ficavam de imediato cativos à ordem do SAJE, aos quais acresciam 9 milhões de contos, a canalizar, numa óptica concorrencial, com outros sistemas de incentivos previstos no PPDR - o RIME e o SIR. Todas estas verbas, face à palavra e ao compromisso assumido pelo primeiro responsável do Governo, estavam seguras e, naturalmente, integradas e inscritas no PPDR, logo abrangidas pelo actual Quadro Comunitário de Apoio.
Os jovens empresários acreditaram, os portugueses acreditaram e, porventura, até o Sr. Primeiro-Ministro não teve então dúvidas de que o anunciado era para cumprir!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi, portanto, com naturalidade que se assistiu à iniciativa empreendedora de milhares de jovens promotores que, após a expectativa criada de inexistência de constrangimentos financeiros, apresentaram os projectos que contemplavam a modernização do tecido industrial português. E, fazendo-o ao abrigo deste importante instrumento de criação de postos de trabalho para jovens, ficaram, com essa iniciativa, impedidos de se candidatarem a outros sistemas de incentivos.
Dir-se-á que tão grande foi a capacidade de resposta e a adesão dos jovens empresários quão grande foi a frustração para a qual o incumprimento dos compromissos pela parte do Governo os empurrou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A realidade cruel da suspensão retroactiva em relação aos 1100 projectos, dos quais de 300 têm parecer positivo, cuidadosamente preparada com a reformulação legislativa em Maio, prova que, no plano político, não houve boa fé e que o Governo teve um único objectivo, o de enganar milhares de promotores, fugindo depois a assumir as suas responsabilidades.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dos prometidos 15 milhões de contos só apareceram 2 milhões, o que é habitual num Governo que gosta de falar mas não gosta de fazer, num Governo que gosta de anunciar mesmo quando não sabe como pode realizar, num Governo que gosta de prometer mas não gosta de cumprir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que o Governo. fez é inqualificável! O Estado tem de ser uma pessoa de bem e o Governo do País tem sempre de actuar com a máxima boa fé para com os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para nós, como para os milhares de jovens investidores, é-nos indiferente se a responsabilidade é da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional como parece ser, e foi, o discurso dos Deputados do Partido Socialista na Comissão Parlamentar de Juventude -, ou se é do Secretário de Estado da Juventude, seja do actual ou do anterior. A verdade é que todos gostaram de, publicamente, aparecer a fazer o elogio do SAJE. Todos se envolveram no incentivo à apresentação de candidaturas. Para nós, o único responsável tem nome e tem rosto: é o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD e de público presente nas galerias.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa por estar a interrompê-lo, Sr. Deputado, mas tenho de lembrar aos Srs. Concidadãos que estão nas galerias que não podem, naturalmente, manifestar-se. É uma regra sagrada desta Casa: as manifestações pró e contra são um exclusivo dos Srs. Deputados.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pedimos este debate de urgência porque não se pode continuar a abafar um problema a todos os títulos inaceitável. Pelo contrário, é necessário que se resolva. Mas não nos limitámos a criticar, fomos mais longe e formulámos propostas para o resolver. No recente debate do Orçamento do Estado para 1999, o PSD, por proposta dos Deputados que integram a Comissão Parlamentar de Juventude, apresentou e fez aprovar uma proposta que determinou a cativação de verbas até 10 milhões de contos para que os compromissos assumidos pelo Estado fossem cumpridos.
A autorização orçamental está dada. É agora preciso que o Governo a cumpra, de forma a honrar os compromissos que tão lesto foi a assumir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portugal é hoje um dos poucos países da Europa sem um sistema efectivo de apoio aos jovens empreendedores. Os jovens portugueses vêem-se, assim, prejudicados, face aos seus parceiros europeus.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para além desse facto, este vazio contribui, negativa e decisivamente, para que, no futuro, o rejuvenescimento da estrutura .empresarial portuguesa seja posto em causa,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... não apoiando os jovens no seu emprego, mantendo-os numa situação de subsídio-dependência, em vez de fomentar o espírito de risco e de iniciativa.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É uma vergonha!

O Orador: - Para nós, já não é surpresa que o Governo não cumpra, nem tão-pouco surpreende que o Sr. Primeiro-Ministro dê o dito por não dito. Infelizmente, isso é comum em muitas áreas da governação. Mas o que é inacreditável e motiva a nossa indignação é a situação gravíssima em que se encontram centenas de jovens que, uns, com contrato assinado, outros, com a legítima expec-

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tativa criada, arriscaram, avançaram e apostaram em projectos fundamentais para si e importantes para a economia portuguesa.

Aplausos do PSD.

Fizeram-no porque acreditaram que a palavra de um Primeiro-Ministro e de um Governo era para ser levada a sério, como estavam habituados,...

Vozes do PS: - Habituados?!...

O Orador: - ... e hoje, perplexos, encontram-se prejudicados por terem cometido o único erro, o erro de avaliação, erro com que a sua capacidade de risco, apesar de tudo, não contava: o de acreditar no Primeiro-Ministro de
Portugal, que lhes prometeu algo que, afinal, se veio a constatar que não ia cumprir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E de nada vale aos socialistas virem, agora, lançar desculpas esfarrapadas para justificar o injustificável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A única atitude séria que vos resta, Srs. Deputados socialistas, é ajudar o Primeiro-Ministro e o Governo a honrar os seus compromissos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Hoje, finalmente, um mês depois de o PSD ter levantado esta questão e um mês e meio depois de o PSD ter feito aprovar uma verba de 10 milhões de contos
no Orçamento do Estado para reforçar o apoio aos jovens empresários, o Governo veio anunciar que o problema está praticamente, resolvido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem hajam!

O Orador: - O PSD orgulha-se deste resultado. Valeu a pena a pressão que fizemos. Há um mês e meio não havia nada!

Protestos do PS.

Não havia dinheiro, não havia solução, só havia projectos aprovados e a incapacidade do Governo para os financiar. O que sucedeu durante este mês e meio? Muito simples: pressão dos jovens empresários, pressão da ANJE e pressão do PSD, quer no Orçamento do Estado quer na iniciativa deste debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que o Governo fez foi resolver tarde e apenas sob pressão, certamente para deixar o anúncio para o dia de hoje, para a intervenção que, naturalmente, se seguirá. Uma habilidade, um truque, uma vergonha!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Esta é a prova provada de que, com este Governo, a pressão vale a pena, porque se não fosse a actuação conjunta dos jovens promotores dos projectos e da ANDE, por um lado, e do PSD, por outro lado, tudo continuaria como dantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Prestámos, assim, um apoio, que era justo e necessário, para denunciar esta situação e para defender os jovens empresários injustiçados.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado, porque tem um pedido de esclarecimento e já não dispõe de tempo.

O Orador: - E o Governo foi obrigado a ceder. Cedeu e recuou mesmo no dia em que este debate tem lugar. Vimos, ao longo destes meses, centenas de jovens empresários desesperados, pois tinham sido injustiçados e enganados pelo Governo. Hoje, esses mesmos jovens empresários, portadores de projectos bem positivos, sabem que houve, no plano político, uma voz, a voz do PSD, que os defendeu, que os representou, que denunciou a situação e obrigou o Governo a ceder, a recuar e a satisfazer pretensões que eram da mais elementar justiça.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar! Estão já inscritos dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos. A Mesa vai ter de lhe dar tempo para poder responder, por isso, não pode dar-lhe tempo agora porá continuar a sua intervenção.

O Orador: - Vou terminar, de imediato, Sr. Presidente.
O fundamental é que o Estado tem de ser uma pessoa de bem, tem sempre de actuar com boa fé. É preciso que saiba honrar os compromissos assumidos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, `os Srs. Deputados Afonso Candal e Sílvio Rui Cervan.
Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de dizer que a intervenção do Sr. Deputado Miguel Relvas é inacreditável.

Risos do PSD.

É inacreditável porque seria razoável pensar-se que, na altura do aparecimento do SAJE, em substituição do SIJE (Sistema Integrado de Incentivos aos Jovens Empresários) e de outros programas do tempo do PSD, o PSD se levantasse indignado, defendendo aquilo que tinham sido as suas políticas até então.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Afinal, o que constatamos é que é o próprio PSD que vem, publicamente, reconhecer que o SAJE foi um sistema de incentivos, criado por este Governo, que, de longe, ultrapassou as expectativas e a capacidade dos

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próprios governos do PSD que antecederam o Governo socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - É igualmente inacreditável que venha o Sr. Deputado Miguel Relvas acusar este Governo de promover o "subsídio-dependência".

Risos.

Esta, confesso, não estava à espera! Acontece que não passaram assim tantos anos e, certamente, ainda se lembram das políticas de apoio ao associativismo, das políticas de incentivos de qualquer espécie e ordem do PSD,...

Protestos do PSD.

... toda ela passando pelo subsidio, com falta de critérios, pelo subsidio avulso, pelo subsídio com falta de transparência e sem dimensão pública.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Era uma vergonha!

O Orador: - Acho inacreditável que tenha vindo o Sr. Deputado Miguel Relvas acusar este Governo de não assumir os seus compromissos e de não dizer a verdade, quando o que este Governo disse, desde o início, foi que a verba disponível garantida era de seis milhões de contos,...

Protestos do PSD.

O Orador: - ... o que se mantém, e poderia ir até aos 15 milhões de contos.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - O que é facto é que o compromisso estará sempre entre os seis e os 15 milhões de contos, o que é rigorosamente a verdade dos compromissos então assumidos.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, mas o orador anterior foi ouvido em silêncio. Têm obrigação de, em silêncio, ouvir também o Sr. Deputado que está no uso da palavra.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Compreendo a excitação do PSD porque, não tendo conseguido concretizar aquilo que poderia haver de bom em política de juventude no seu governo, tenta agora apoiar as medidas deste Governo e dizer-lhe: "Governo, não suspenda, não ponha fim, continue! Continue, porque assim, de facto, é que está a apoiar os jovens!".
Srs. Deputados, estejam certos que o Governo continuará! Em relação a isso, podem estar descansados!
Agora, o que acho inacreditável, pela falta de rigor nas afirmações. do Sr. Deputado Miguel Relvas, é o facto de vir dizer que o PSD conseguiu aprovar 10 milhões de contos para o SAJE no último Orçamento do Estado. Isto não é verdade!

Vozes do PSD: - Ai, não?!

O Orador: - Tenho aqui a proposta do PSD, que não está assinada por mim, está assinada pelo Sr. Deputado Artur Torres Pereira, que agora até é Secretário Geral do PSD - vamos ver por quanto tempo! -...

Risos do PS.

... que diz o seguinte: "Fica o Governo autorizado a transferir para o SAJE (Sistema de Apoio aos Jovens Empresários), dos Encargos Gerais da Nação, verbas disponíveis para afectar ao financiamento de programas e incentivos à actividade empresarial até ao montante de 10 milhões de contos".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Afinal, são 10 milhões de contos!

O Orador: - Isto, além do mais, é de uma falta de rigor atroz.

Vozes do PSD: - Ai, é?

O Orador: - O SAJE não tem nada a ver com os Encargos Gerais da Nação.

Protestos do PSD.

Os Encargos Gerais da Nação são: Presidência da República, Assembleia da República, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, Presidência do Conselho de Ministros, Gabinete do Ministro Adjunto,...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado. Terminou o seu tempo.

O Orador: - ... Gabinete do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, Gabinetes dos Ministros da República das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
Pergunto: seria o Ministro da República da Região Autónoma da Madeira a gerir os vossos 10 milhões de contos?

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado!

O Orador: - Ou seja, a vossa proposta é tecnicamente errada. O próprio Grupo Parlamentar do PS, na altura, viabilizou a proposta, porque, desde o início, foi ideia do grupo parlamentar fazer uma pausa, suspender o programa, fazer uma avaliação,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar!

O Orador: - ... gerir a situação em que estava, para assumir, como é seu hábito, todos os seus compromissos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Miguel Relvas não dispõe de tempo e a Mesa vai ter de

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conceder-lhe algum, se estiver de acordo, responderá em conjunto aos dois pedidos de esclarecimentos.
Nesse sentido, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Afonso Candal é dos Deputados mais talentosos da bancada do Partido Socialista e, portanto, normalmente, dão-lhe as tarefas impossíveis, como seja defender o que é impossível.

Risos do PS.

Sr. Deputado Miguel Relvas, soubemos, recentemente, há poucas horas, que o Sr. Secretário de Estado e o Governo se preparariam para resolver o problema que nós, há mais de um mês e meio, nos batemos nesta Câmara, em sede de Comissão, em sede de Orçamento do Estado...

Vozes do PS: - Nós, quem?

O Orador: - Nós, Partido Popular, também, Srs. Deputados! E os Srs. Deputados sabem-no bem!

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que deixem falar quem está no uso da palavra!

O Orador: - Infelizmente, Srs. Deputados, fomos nós, Partido Popular, o Partido Social Democrata e os milhares e milhares de portugueses que tinham esse problema por resolver e que, metodologicamente, vão vê-lo resolvido, que levámos a que isso acontecesse, não apenas porque tenha havido alguma sensibilidade especifica do Governo mas porque houve um agendamento nesta Câmara que obrigou o Governo a resolvê-lo.

Protestos do PS.

Houve um agendamento, nesta Câmara, que criou desconforto ao Governo e este Governo apenas resolve os problemas quando pressionado, quando se vê confrontado com situações gritantes de injustiça!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, infelizmente, o problema continua de pé, porque o que o Governo se prepara para resolver é uma parte do problema, é o problema daqueles que já tinham metido os seus projectos. O que significa que o verdadeiro problema, o problema de fundo, terá de ser resolvido por outro governo, por um governo corajoso, que crie um SAJE mas um SAJE para o futuro!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Você sabe lá o que é coragem!

O Orador: - Sr. Deputado, sei que um governo corajoso nunca pode ser o vosso! Um governo corajoso nunca pode ser o vosso!

Risos e protestos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É visível o desconforto, mas eu continuo.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, mas não posso pedir silêncio de cada vez que um Deputado usa da palavra. E envolvo todos no mesmo reparo. Tenham paciência, mas não pode ser! Deixem ouvir quem está no uso da palavra.

O Orador: - Sr. Deputado Miguel Relvas, para além de continuar o problema, que subsiste para o futuro, nomeadamente a falta de incentivos, há mais um problema político sem cuja resolução o Partido Popular não sai hoje daqui: é a explicação para a motivação política subjacente àquele despacho conjunto e das palavras de todos os governantes do Partido Socialista que motivaram o despacho de suspensão, dizendo, na altura, aos empresários que estariam em fila de espera para 2000 ou 2001, quando 0 novo SAJE 2000. ou 2001 viesse a ser implementado.
Srs. Deputados, sabem bem que isso já será para outro governo!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Esqueceu-se da pergunta! Então, e a pergunta?!

O Sr. Presidente: - Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Miguel Relvas dispõe de dois minutos cedidos por Os Verdes e outros dois cedidos pela Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Relvas (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Começando pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, quero dizer-lhe que o que mudou no último mês foi devido ao facto de o Governo só actuar sob duas formas de pressão: quando a oposição, no caso concreto, o PSD, levanta a questão e apresenta propostas ou, então, quando o Sr. Presidente da República se substitui àquelas que são as funções do Governo, como tem sido notório ultimamente.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Afonso Candal, devo dizer-lhe que esperava encontrá-lo noutras circunstâncias, aliás, como sucedeu nas últimas reuniões da Comissão. Mas deixe-me também dizer-lhe que o que se passou esta manhã não é razão para que o Sr. Deputado venha brincar com a vida de centenas de jovens, que acreditaram que este era um projecto de vida...

Protestos do PS.

... e foram enganados pelo Governo. No entanto, foi o Governo que os levou a acreditar num novo projecto de vida.

Aplausos do PSD.

E quando o Sr. Deputado, há um mês e meio, dizia que "é preciso ver se o sistema chegou ou não ao fim", queria dizer que, em seu entender, chegou ao fim! Dizia ainda o

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Sr. Deputado Afonso Candal - penso que o mesmo Afonso Candal que hoje está na bancada do Partido Socialista - o seguinte: "é evidente que poder-se-ia ter actuado de modo diferente, mas, possivelmente, não seria o mais correcto".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - Era isto que o Sr. Deputado dizia há um mês. Devo dizer que, na altura, respeitei a sua posição, porque era uma posição equilibrada, era uma posição sensata. Agora, aquilo que o Sr. Deputado veio fazer hoje foi brincar, quando veio aqui colocar a questão das verbas até 10 milhões de contos dizendo que estão nos Encargos da Nação, que estão na Presidência do Conselho de Ministros, que estão na Assembleia da República... Os milhares de jovens que foram enganados pelo Sr. Primeiro-Ministro não queriam chegar a esta situação!

Protestos do PS.

Deixe-me dar-lhe um conselho: o Sr. Deputado é muito jovem. Não assuma este estilo, que não lhe fica bem!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude (Miguel Fontes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou hoje aqui com a mesma tranquilidade com que sempre estive nesta Casa para apresentar aquilo que é hoje a situação do sistema de apoio aos jovens empresários, ou seja, com todo o respeito institucional que o Parlamento nos merece.
O meu discurso, hoje - verão! -, é exactamente o mesmo que fiz em momentos anteriores, em sede de comissão parlamentar como em qualquer outra intervenção pública, com uma tranquilidade que deriva do facto de estarmos a falar de um sistema que é reconhecido por todos, incluindo todos os partidos políticos presentes neste Parlamento, como um sistema de sucesso.
Infelizmente, nem sempre foi assim. Mas este é um sistema de sucesso porque permitiu, e permite, que os jovens com capacidade empreendedora se lancem num projecto de natureza empresarial que, para além de renovar o tecido empresarial do nosso país, permite a criação de postos de trabalho, e, nesse sentido, é um sistema que, em dois anos de vigência, a todos deixa muito satisfeitos. Pudéssemos todos dizer o mesmo relativamente a sistemas passados que, apesar da sua existência ao longo de sete anos, apoiaram nada mais nada menos do que 5,7 milhões. de contos de incentivos.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Este Governo, em dois anos, compromete-se - já pagou, está a pagar e vai continuar - a pagar incentivos no valor de 11,3 milhões de contos. A diferença está à vista, os números falam por si!

Aplausos do PS.

A segunda razão que me leva a estar aqui com imensa tranquilidade é que sempre disse que a suspensão era um acto de responsabilidade política.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De irresponsabilidade!...

O Orador: - Irresponsabilidade política seria manter um sistema em vigor, alimentando falsas expectativas sem sabermos se teríamos as condições ideais para responder a essas mesmas expectativas. Por isso dissemos que iríamos suspender o sistema, garantindo os compromissos que o Estado assumiu.
E, Srs. Deputados, compromisso do Estado só há um, é aquele que decorre de uma homologação dos Membros do Governo e sempre dissemos que o Estado é pessoa de bem. Este Governo tem a noção das suas totais responsabilidades e não vai deixar que outros as lembrem. Por isso, sempre dissemos - não o disse apenas hoje, aqui, sempre o dissemos - que o Estado pagará integralmente os incentivos entretanto atribuídos e homologados.
Mas dissemos mais: dissemos também que iríamos estudar todos os mecanismos que nos permitissem, do modo o mais objectivo possível, responder àquilo que reconhecemos que são as legítimas expectativas de quem recorre a um regime de incentivos.
Nunca, durante estes dois meses que medeiam a suspensão e hoje, me furtei a qualquer diálogo por recear a pressão, precisamente por um profundo respeito pelos mesmos jovens empresários. E, aqui, digo-vos com toda a sinceridade, Srs. Deputados: ninguém tem mais respeito pelos jovens empresários do que eu. Da Associação Nacional de Jovens Empresários à associação dos seus promotores, com todos dialoguei, de todos ouvi as razões e a todos sempre disse o mesmo que disse na comissão parlamentar onde esta matéria foi discutida, isto é, que o Governo tem noção das suas responsabilidades, garante o que já está homologado e vai trabalhar, ou seja, concretizar e fazer, no sentido de que as outras candidaturas possam vir a ser consideradas.
Por isso, a tranquilidade com que hoje estou aqui a dizer que há 11,3 milhões de contos para candidaturas, que este Governo assume, estando em condições de tranquilizar os promotores no sentido de que os seus projectos serão contratualizados em tempo útil e os pagamentos serão feitos com o mesmo tempo útil.
Queria apenas dizer ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que este é também um sistema extremamente vantajoso, na medida em que, como já foi referido, constituiu um instrumento extremamente útil para a criação de postos de trabalho na sociedade portuguesa.
Temos o maior respeito pelos empreendedores não apenas porque essa é uma resposta à criação do seu próprio emprego mas também porque reconhecemos e valorizamos a iniciativa dos jovens que são capazes de, para além de estarem a gizar o seu futuro, estarem a contribuir para gizar um futuro colectivo. Aliás, é esse respeito que me faz estar hoje, aqui, a apresentar esta solução, não por uma razão de conveniência...

O Sr. Fernando Pereira (PSD): - Só por conveniência!

O Orador: - ... mas porque acreditamos firmemente que este é um sistema útil ao País, que merece a confiança deste Governo e é um sistema credível. Não desperdiçámos dinheiro, como no passado, não andamos a esbanjar dinheiros públicos; o sistema tem uma taxa de selectividade que lhe introduz todo o rigor e temos hoje a consciência tranquila de que quando gastamos dinheiros

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públicos estamos a fazê-lo não a bem deste ou daquele mas a bem de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Juventude, tem a palavra o Sr. Deputado Silvio Rui Cervan

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Governo considera decisiva a aposta na iniciativa e capacidade empreendedora dos jovens, o envolvimento dos jovens na actividade empresarial, que gera riqueza, cria empregos e contribui para o rejuvenescimento do tecido empresarial nacional. Foi assim que o seu Governo e V. Ex.ª fundamentaram o SAJE.
Sr. Secretário de Estado, explique aos portugueses, aqui, através dos seus representantes, como fundamenta V. Ex.ª o despacho conjunto que suspendeu a sua aplicação, porque das duas uma: ou havia má fé aquando da implementação do mesmo - e hoje V. Ex.ª não tem outra alternativa que não seja retroceder, porque não pelo diálogo que V. Ex.ª diz que manteve com as entidades que acabou de citar mas pela pressão que essas entidades constituíram e que não deram alternativa ao Governo (e bem!) de voltar atrás - ou, então, V. Ex.ª tem de explicar qual o fundamento que levou a esse despacho com efeitos retroactivos, que é penalizador não apenas para os jovens empresários e para os 12 800 postos de trabalho directos envolvidos mas, sobretudo, para a economia nacional.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado da Juventude tem mais um pedido de esclarecimento. Uma vez que pretende responder a ambos conjuntamente, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Loureiro.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, gostaria de lhe colocar uma questão concreta e objectiva relativamente a esta matéria.
Quando o Sr. Secretário de Estado, há pouco, falou na criação de expectativas, devo dizer-lhe que as expectativas foram criadas por VV. Ex.as, ou seja, pelo Governo socialista que, irresponsavelmente, no Porto, prometeu aos jovens portugueses 15 milhões de contos para este sistema. E o Sr. Secretário de Estado sabe bem disso, embora, na altura, não fosse Secretário de Estado nem a Sr.ª Secretária de Estado o era -, mas o Primeiro-Ministro é o mesmo e esteve no Porto para elevar as expectativas dos jovens empreendedores portugueses.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD) - Muito bem!

O Orador: - A promessa foi feita e foi bem clara! Foram prometidos 15 milhões de contos aos jovens empreendedores portugueses e a situação que se viveu foi dramática, Sr. Secretário de Estado. Reunimo-nos com os jovens promotores, com os jovens que acreditaram e largaram os seus empregos porque acreditaram nesta promessa do Governo socialista e sentimos as situações dramáticas daqueles que se endividaram, daqueles que tiveram as suas expectativas frustadas por uma suspensão que foi feita de uma forma incrível, inacreditável e irresponsável. Vivemos e acompanhámos as situações dramáticas que estes jovens empreendedores sofriam e, por isso, estivemos preocupados com isto.
Em sede de Orçamento, quisemos ajudar a resolver o problema e fizemos uma proposta concreta, aquela que o Sr. Secretário de Estado e o Sr. Deputado Afonso Candal, aqui, hoje, desvalorizaram. Mas, Sr. Secretário de Estado, numa audiência à Comissão de Juventude, o senhor disse que não precisava dos 10 milhões de contos, porque o sistema estava suspenso, não havia volta a dar-lhe... Os 300 ou 400 projectos com parecer positivo, paciência,... iam passar para o SAJE 2000. Está escrito, Sr. Secretário de Estado, está na acta, foi dito por si! O Sr. Secretário de Estado disse: "Paciência, vamos ver como é no SAJE 2000...". E, Sr. Secretário de Estado, nós criámos a oportunidade política para os senhores saírem bem desta situação, propondo os 10 milhões de contos, que foram aprovados, aqui, no Plenário.
Pergunto-lhe se o senhor não precisa dos 10 milhões de contos e se sabe - foi o senhor que o disse - que isto não está incluído no PPDR. Sr. Secretário de Estado, diga-nos agora, se faz favor, onde é que o senhor vai arranjar o dinheiro? Onde está o dinheiro?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Qual é a rubrica?

O Orador: - Então, se existia dinheiro, por que é que suspendeu? Qual é a rubrica orçamental onde o Sr. Secretário de Estado vai buscar o dinheiro?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, esta situação é complicada e o senhor não pode continuar a brincar com os jovens empreendedores portugueses.
Os jovens empreendedores portugueses merecem muito mais consideração e respeito por parte de um Governo que é irresponsável, que promete mas não cumpre.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as intervenções dos Srs. Deputados mas confesso que tenho alguma dificuldade em dizer algo de substancialmente diferente...

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - ... daquela que disse agora, porque...

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais uma vez vos peço o favor de deixarem ouvir quem está no uso da palavra.

O Orador: - Muito obrigado Sr. Presidente.
Como dizia, tenho alguma dificuldade em dizer algo de substancialmente diferente daquilo que disse há pouco porque os Srs. Deputados também nada de novo introduziram no debate.
Volto a dizer aquilo que ainda há muito pouco disse: o Governo honra os compromissos assumidos, o Governo sabe honrar esses compromissos e é óbvio que vai pagar

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todos os compromissos que têm de ser pagos. Isso é óbvio e nunca esteve em causa, nem ontem, nem hoje, nem amanhã.
Agora, Sr. Deputado Hermínio Loureiro, deixe-me que lhe diga que, infelizmente - e desculpe-me ter de lhe lembrar isto, já lá vão uns anos mas tenho de lho dizer -, o primeiro problema que este Governo teve de resolver foi causado pelos senhores, porque quando "herdámos" o SIJE tivemos de pagar 1,2 milhões de contos...

Protestos do PSD.

... de candidaturas que os senhores deixaram a apodrecer no sistema, sem serem capazes de resolver.
O Sr. Deputado pode dizer o que quiser mas esta é a verdade dos factos. Não só está escrito mas está escrito e com números! Se quiser até lhe dou uma ilustração.

Vozes do PS; - Muito bem!

O Orador: - Essa é a verdadeira razão deste debate. É que, em dois anos, são 11,3 milhões de contos e os senhores, com o FAIJE I, com o FADE II, com o FAIJE III, com o FAIJE IV, com o SIJE 1993, com o SIJE 1995, com todos estes regimes de incentivos, não chegaram sequer aos 5,8 milhões de contos. E foram 7 anos extremamente generosos da economia portuguesa, como os senhores diziam.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Isso não é futuro, é passado!

O Orador: - O Governo agiu sempre de boa fé e ela está hoje, aqui, confirmada.

Vozes do PSD: - O futuro, fale do futuro!

O Orador: - O Governo suspendeu quando tinha de suspender, explicando de forma pedagógica o que é que o acto da suspensão significava. Nunca dissemos que o iríamos extinguir. E, para além de suspendermos, dissemos mais: "vamos desde já, trabalhar na criação de um novo quadro de incentivos e de instrumentos de apoio aos jovens empresários". Por isso, já foi enviado para publicação o despacho conjunto que, incluindo o representante da Associação Nacional de Jovens Empresários e envolvendo estas duas Secretarias de Estado, vai começar, desde já, a trabalhar para incluir o SAJE 2000 no terceiro quadro comunitário de apoio.
Srs. Deputados, esta é a verdade dos factos! É só isto que julgo que tenho a dizer, porque os números, como lhes digo, falam por si.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Srs. Membros do Governo: Penso que a primeira questão que temos de abordar quando falamos do problema do SAJE é a de dizer que entre o apoio que é prestado, através do SAJE e outros sistemas de incentivos, aos jovens empresários e o apoio ao movimento associativo houve sempre, e continuará a haver, uma discrepância muito injusta e um privilégio injustificado relativamente a esta área da actividade e a esta área da política de juventude.
Portanto, esta ideia tem de ficar bem esclarecida desde logo. O Governo entende que esta é uma área prioritária da política da juventude e o PCP entende que o apoio ao associativismo sai claramente prejudicado e com verbas muito inferiores a todas aquelas que têm sido disponibilizadas na área dos jovens empresários.
De resto, o privilégio deste sector, com milhões de contos, tem levado até a alguns sinais de ostentação pouco consentâneos com as dificuldades que o movimento associativo enfrenta e atravessa.
Outra questão que é preciso colocar, desde logo, é que este Governo, como outros, aproveita demagogicamente os dinheiros que são aplicados no SAJE para engrandecer e publicitar a sua acção governativa. Este programa em concreto foi alvo de vultuosas campanhas da Secretaria de Estado da Juventude, em colaboração com a ANDE, campanhas com projecção televisiva, em que se publicitou a imagem do Governo e essa, tenho a certeza, era uma das principais funções para que este sistema estava orientado.
Portanto, esperava-se até que, pelo menos, o programa tivesse a dimensão proporcional à projecção televisiva que teve e à projecção que o Governo retirou do facto de aparecer a publicitá-lo com tanta força e com tanta intervenção.
Agora, feitos estes considerandos, é preciso também abordar o problema em questão e a situação que hoje está criada. A situação é a de um programa que tinha um determinado tempo de duração e um nível de verbas prometido, de 15 milhões de contos - enfim, o Sr. Secretário de Estado pode dizer que uns estavam garantidos e outros não, mas o facto é que foi esse o montante em que sempre se falou -, por falta de verbas, foi suspenso pelo Governo, que prometeu este programa com esta duração e com este nível de verbas, repito.
Mas há aqui uma série de questões que é preciso esclarecer: primeiro, julgo que, independentemente das considerações que já fiz, é preciso dar resposta aos que legitimamente, dentro do prazo e dentro das condições exigidas, apresentaram os seus projectos e, portanto, têm direito a uma resposta, nem que seja negativa. Esse compromisso 0 Governo tem de cumprir e tem de levar até ao fim.
É preciso dar resposta não só aos projectos que foram homologados e que têm do seu lado o direito de verem atribuídas as verbas que lhes foram homologadas mas também aos que tiveram parecer positivo e esperavam apenas a homologação, e até àqueles que não têm ainda qualquer tipo de parecer mas que também têm direito a uma resposta. Estas respostas ainda não foram dadas pelo Governo.
Aliás, o Governo tentou sempre - como já hoje aqui fez - confundir as situações, dizendo, segundo as palavras do Sr. Secretário de Estado, que cumpriria os compromissos assumidos, dizendo que tudo aquilo que tinha sido homologado seria pago. Evidentemente, nem haveria outra situação possível! Mas importante era falar também das outras situações, dos que tinham parecer positivo e dos que entregaram os seus projectos. Esses também têm de ter uma resposta, seja ela qual for, para poder ser avaliada.
Afinal, o que se passou foi que o Governo não orçamentou as verbas prometidas, não encontrou as verbas prometidas para esta questão, não travou as candidaturas quando sabia que já não havia dinheiro, o que é uma situação perfeitamente inexplicável e que, julgo, o Governo devia esclarecer; não limitou os projectos que já estavam homologados, aceitando mais e mais candidaturas,

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criando mais e mais expectativas, e, depois, sabendo disto, suspendeu o programa, provavelmente para aproveitar, durante mais uns meses, uma certa publicidade que todo este programa lhe dá.
Certamente que esta foi ou uma tentativa de aproveitar ao máximo a publicidade do programa, mesmo sabendo que não havia dinheiro, mesmo sabendo que ele não teria viabilidade, ou, então, apenas um problema de incompetência, de não saber gerir as candidaturas que iam surgindo face às verbas que existiam. Essa dúvida também tem de ficar esclarecida.
Já agora, Sr. Secretário de Estado, esperamos bem que a resolução deste programa não se faça, mais uma vez, como é hábito do Governo e da Secretaria de Estado, à custa de verbas que estão inscritas para o apoio ao associativismo, como aconteceu com o Festival Mundial da Juventude. Esperamos bem que as verbas que agora o Governo anuncia como encontradas para fazer face a estas situações não saiam das verbas já de si escassas e miserabilistas do apoio ao associativismo, que' estão inscritas no orçamento da Secretaria de Estado da Juventude.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho.

O Sr. Gonçalo Almeida Velho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Sistema de Apoio a Jovens Empresários (SAJE) foi criado por decisão do Conselho de Ministros, em 1'7 de Outubro de 1996, como intuito de apoiar e estimular o acesso dos jovens à actividade empresarial. O SAJE veio substituir o SIJE, o qual deixou um rastro de burocracia e ineficiência, provocando um acumular de centenas de candidaturas, grande parte delas herdadas dos governos do Professor Cavaco Silva.
Aquando do lançamento do referido programa o Governo comprometeu-se a dotar o SAJE com uma verba de 6 milhões de contos, tendo sido também avançada a possibilidade de este número poder chegar aos 15 milhões de contos. O diferencial - os tais 9 milhões de contos teria de ser obtido em concorrência com outros sistemas de incentivos, nomeadamente com o Regime de Incentivo às micro-empresas e o SIR.
O SAJE foi indiscutivelmente o sistema que assumiu em definitivo a necessidade da existência de um instrumento completamente autónomo e ao qual foram afectados os mais elevados recursos financeiros desde que existem instrumentos de apoio a jovens empresários. O SAJE foi o único sistema integralmente autónomo, com uma estrutura de funcionamento técnico transparente e com um processo de decisão simples e claramente definido na legislação, reduzindo o número de entidades intervenientes no processo de decisão, tendo desta estratégia resultado uma resposta aos promotores muito mais rápida do que nos anteriores sistemas, em média de 65 dias comparativamente a situações de resposta média de quase 180 dias que se verificaram nos anteriores sistemas.
O SAJE contemplou explicitamente desde o seu inicio, e pela primeira vez no âmbito de sistemas de incentivos para jovens, o apoio a fundo perdido para a criação de postos de trabalho, dando especial relevo aos criados por jovens á procura do primeiro emprego e jovens desempregados. O SAJE, para além de autonomia técnica e financeira de que foi dotado, permitiu, pela primeira vez, a
adopção de uma política horizontal e integrada de apoio aos jovens empresários, abrangendo todos os sectores de actividade e concentrando numa única estrutura de apoio, as necessidades de congregação das diferentes valências necessárias ao desenvolvimento dos projectos, como por exemplo, o encaminhamento para as instituições financeiras e de apoio logístico, através de protocolos com quase todas as instituições.
O SAJE introduziu critérios rigorosos de selecção, resultando numa elevada taxa de selectividade da qual deverá resultar uma menor taxa de insucesso e mortalidade das empresas, infelizmente existentes em anteriores sistemas. No SAJE, o acesso ao sistema foi indiscutivelmente desburocratizado, concentrando todo o processo numa só candidatura, tendo uma só entidade interlocutora - a Comissão Técnica -,tendo sido diminuídas as necessidades iniciais de capital permitindo uma maior democraticidade no acesso ao sistema. Prova disto são as palavras do Sr.
Presidente da ANJE quando diz: "Conseguimos, passados
muitos anos, com este Governo, lançar um sistema de incentivos que consideramos publicamente como exemplar, por cumprir os objectivos de integração e suficiência de meios, por um lado, e de autonomia e respeito pela especificidade dos seus beneficiários, por outro".
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Deputados do PSD, isto é para vós: ao preparar-me pira este debate, não resisti à curiosidade de comparar este Sistema de Apoio a Jovens Empresários aos sistemas que os senhores implantaram em sete anos de experiência (ou de inexperiência...) governativa. Os senhores, em sete anos, atribuíram 5,7 milhões de contos de incentivos contra os 7,8 milhões de contos destes dois últimos anos, a acrescentar a magnífica e boa notícia que o Sr. Secretário de Estado da Juventude acabou de nos dar, de que poderão chegar aos 11,3 milhões de contos, o que dá uma média anual de 800 mil contos no passado contra os 3,9 milhões de contos no presente. Srs. Deputados do PSD, são quase cinco vezes mais! Os números não enganam! Contas feitas, pode mesmo afirmar-se que foram atribuídos, em apenas dois anos, mais 36% de apoios do que em todos os anteriores sistemas já aqui citados, os FAIJE 1 & IV, os S1JE 93 e SIJE 95, durante os vossos sete anos de, repito, inexperiência governativa.
O SAJE em dois anos, através dos diversos instrumentos de apoio previstos, permitiu induzir um volume de investimentos de cerca de 17 milhões de contos, ou seja, 8,5 milhões de contos por ano. Pelo contrário, a globalidade dos sistemas existentes nos sete anos anteriores só gerou investimentos de 16 milhões de contos, representando uma média de (oiçam bem, Srs. Deputados) 2,2 milhões de contos por ano, quatro vezes inferior ao conseguido por este Governo. O SAJE, ao ter criado já 1750 postos de trabalho em dois anos, atingiu uma média anual superior em 125% à verificada nos sistemas anteriores. Estes números demonstram ter sido largamente atingido o principal objectivo deste programa com este Governo: o de combater o desemprego jovem.
Ao desburocratizar o SAJE, o Governo criou as condições objectivas para uma maior facilidade no acesso ao sistema, comprovado pelas 2100 candidaturas recepcionadas em dois anos, isto é, em média 1050 candidaturas por ano, contra uma média de 510 candidaturas verificada nos anteriores sistemas; ou seja, uma vez mais se comprovam a solidez e credibilidade do sistema que atingiu o dobro das candidaturas anuais dos seus
antecessores.

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Por último, e não menos importante neste sistema, os jovens empresários tiveram um incentivo médio por projecto aprovado de 26 000 contos contra os 11 000 contos anteriores, o que dá um aumento superior a 136%.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Podemos hoje, com muito orgulho e satisfação, afirmar que o SAJE foi mais credível, acessível, rigoroso, transparente e eficaz que os anteriores sistemas dos vossos governos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, esteja descansado porque, seguramente, este é um governo corajoso, o próximo será também um governo corajoso porque estou certo e seguro de que os portugueses voltarão a dar a confiança a este Governo para, no final deste ano, poder reassumir o compromisso assumido aqui hoje pelo Sr. Secretário de Estado de o SAJE 2000 ser um programa que possa resolver todos os problemas que nos deixaram e todos os problemas que, ultimamente, se têm verificado com este programa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio R4i Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho, mais sucinto não posso ser: concordo com praticamente tudo o que V. Ex.ª disse ali de cima. Só que V. Ex.ª fez a análise muito bem mas não explicou aquilo que o Sr. Secretário de Estado também não foi capaz de explicar: por que é que houve um despacho conjunto que suspendeu o SAJE? É só isto que queremos saber. Onde está a fundamentação para a suspensão daquele despacho conjunto? Perguntei uma primeira vez, uma segunda vez, faço-o agora pela terceira e farei as vezes que for necessário: por que é que V. Ex.ª e o Governo que apoia suspenderam este programa, criando claramente o problema de violar legítimas expectativas? Em relação à ilação política, já a tirei: V. Ex.ª nada tem a dizer - isso é muito claro. S6 por pressão é que o Governo por VV. Ex.as apoiado resolveu o problema. Mas o que é que motivou a suspensão por esse despacho conjunto? Espero que a "dica" do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira lhe possa ser útil!...

Risos e aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho.

O Sr. Gonçalo, Almeida Velho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, não tenho aqui o texto da proposta que o PSD - ou a AD, na altura - elaborou para esta Câmara, mas lembro-lhe uma coisa: essa proposta previa uma verba entre zero e dez milhões de contos e não responsabilizava ninguém nem nada! Repito, zero e dez milhões de contos! Sr. Deputado, naturalmente que este Governo não engana os portugueses, muito menos os jovens empresários, como fizeram os anteriores governos do Professor Cavaco Silva. Quando se percebeu que um dos patamares, um dos tectos, tinha sido atingido, o dos seis milhões de contos, entendeu o Governo que seria a melhor altura para dizer: "Meus amigos, basta!, porque podemos chegar a um excesso, a uma impossibilidade de o Estado assumir responsabilidades!" Srs. Deputados, felizmente que os seis milhões de contos foram largamente suplantados. E a bancada do PS, que suporta este Governo, está orgulhosa de dizer que chegámos aos 11,3 milhões de contos! Em dois anos, Sr. Deputado! Estes senhores, aqui ao lado, da bancada do PSD, chegaram aos 5,8 milhões de contos em sete anos, Sr. Deputado!...

Aplausos do PS.

A diferença é tão-só esta, Sr. Deputado! Nós não enganamos, nós respeitamos todos os jovens portugueses, e por igual! E honramo-nos de poder dizer que não queremos enganar nada nem ninguém. Permita-me um aparte, Sr. Deputado, porque a modéstia fica bem quando é devida. Este Governo e a Associação Nacional de Jovens Empresários chegaram a uma solução que permite suplantar os seis milhões de contos - felizmente que alguns dos projectos apresentados poderão ser contemplados, poderão ver as suas situações resolvidas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Faça favor de concluir.

O Orador: - Vou terminar já, Sr. Presidente.
Mas, Sr. Deputado, isso não se deve, seguramente, à pressão demagógica do PSD e do CDS-PP, que - lembro, Sr. Deputado - esteve presente apenas numa audição parlamentar sobre esta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado do. Desenvolvimento Regional.

A Sr.ª Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional (Maria José Constâncio): - Sr. Presidente, solicito à Mesa que me conceda mais dois minutos para a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Tê-los-ia, em qualquer caso, Sr.ª Secretária de Estado, por igualdade de tratamento.

A Oradora: - Sr. Presidente, estou hoje aqui, pela primeira vez, a participar num debate a propósito de um assunto em que me 'tenho empenhado bastante em colaboração com o Sr. Secretário de Estado da Juventude. O meu Colega já referiu as questões mais importantes de funcionamento do sistema e o debate foi bastante vivo e os Srs. Deputados da bancada parlamentar do PS também já forneceram vários esclarecimentos. Vou referir-me apenas a questões orçamentais e ao futuro do sistema, portanto, ao QCA.
Tenho de salientar, em primeiro lugar, o esforço que desenvolvemos no âmbito do Governo para procurar soluções orçamentais de maneira a honrar os compromissos e a fazer face às expectativas dos jovens promotores. O Governo gosta de satisfazer expectativas: ao contrário do que aqui se sugeriu, não faz qualquer sentido imaginar que o Governo não goste de preencher as expectativas - o Governo não é masoquista! Não foi pressionado - não podemos admitir que o Governo tenha sido pressionado, porque o Governo sempre esteve empenhado em satisfazer as expectativas dos promotores. Relembro, porém, que,

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só ao homologar, o Estado assume compromissos, verdadeiramente. E quando suspendemos o sistema, já tínhamos homologado 7,8 milhões de contos, ou seja, já tínhamos ultrapassado aquele valor de seis milhões de contos que era o valor a que o Sr. Primeiro-Ministro se tinha comprometido. Portanto, quando suspendemos, também não 0 fizemos numa situação minimalista - fizemos quando já tínhamos atingido um valor que ultrapassava aquilo que foi considerado o valor garantido. Ora, não só cobrimos esses compromissos que eram inescapáveis e que estavam contabilizados à data da suspensão, como, aliás, sempre dissemos que fartamos, como avançámos também para novas homologações de candidaturas que já se encontravam no sistema, e agora estamos em condições de atingir um tecto orçamental de 11,3 milhões de contos. Portanto, este valor de 11,3 milhões de contos é um valor que está muito além dós tais 6 milhões que eram o compromisso firme inicialmente.
O Sr. Deputado Miguel Relvas diz que não houve boa fé, no entanto, também não podemos de forma alguma concordar com isso. O SAJE foi gerido com transparência e os 6 milhões de contos nunca estiveram em causa. E, de facto, o que verificamos é que neste momento vamos ultrapassar esse valor em 5,3 milhões de contos.
Por quê, então, a suspensão e só agora este desbloqueamento do orçamento do SAJE? Porque se proeurou, em primeiro lugar, reforçar o PPDR. Esse reforço por verbas comunitárias foi proposto em tempo oportuno à Comissão Europeia, mas só em Dezembro de 1998, repito, só em Dezembro de 1998, é que a Comissão Europeia concluiu que não haveria disponibilidade para acolher o SAJE.
No entanto, tínhamos uma linha orçamental aberta para o SAJE com fundos nacionais e, através de formas de flexibilidade orçamental, fomos-lhe afectando novos montantes, dentro das possibilidades do PIDDAC do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da' Administração do Território. Mas só no foral do ano havia condições para um reforço mais significativo, quando começaram a fechar as contas.
E podem crer que o facto de se ter registado um défice no Orçamento do Estado de 1998 inferior ao previsto, ou seja, o facto de ter havido uma boa execução orçamental, segundo notícias que, muito recentemente, nos foram dadas pelo Sr. Ministro das Finanças, ajudou, naturalmente, a afectar meios financeiros suplementares. Digo suplementares porque, naturalmente, o compromisso básico nunca esteve em causa. Portanto, ás meios suplementares é que são agora...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Secretária de Estado, porque já ultrapassou o seu tempo.

A Oradora; - Sr. Presidente, vou terminar muito rapidamente dizendo que só gostaria de salientar que o Governo reforçou o SAJE, o Governo não cedeu, o Governo cumpriu.
Por outro lado, gostaria de dizer que o Governo não usou também qualquer truque e, aliás, ultrapassou e considera desnecessária a disposição introduzida por esta Assembleia na lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1999. Esta disposição não era necessária, efectivamente, nem seria operacional, porque os sistemas de incentivos enquadrados...

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr.ª Secretária de Estado.

A Oradora: - ... no Quadro Comunitário de Apoio tem regras próprias quanto a contrapartidas nacionais, o que tomaria difícil ou quase impossível retirar recursos e, portanto, reforçámos o sistema e não precisámos da alteração orçamental que foi proposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 5 minutos.

ORDEM DO DIA

chegámos ao fim

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados vamos entrar no período da ordem do dia com a discussão da proposta de lei n.º 222/VII - Estabelece o regime e forma de criação das polícias municipais.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Jorge Coelho): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: A proposta de lei de criação das policias municipais é mais um passo histórico que hoje é dado no âmbito das transformações que estamos a realizar na área da administração interna, orientadas para a melhoria da segurança dos portugueses e para a promoção da sua tranquilidade.
Com efeito, a criação de polícias municipais deve ser inserida num conjunto de reformas, tomadas nesta Legislatura, que têm o objectivo de melhorar a acção policial à escala do município. É a concretização efectiva do primeiro patamar da arquitectura do sistema policial português, cuja ausência era sentida pelos portugueses.
É para atingir maiores níveis de eficácia que temos vindo a trabalhar. E este esforço tem sido acompanhado também, com um programa de formação de novos agentes, que, no final da Legislatura, deverá atingir 8350 novos elementos.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A formação contínua foi iniciada com a mesma orientação e dela beneficia hoje, com regularidade, todo o dispositivo da GNR e da PSP.
É também com o mesmo objectivo que estão a ser construídas e melhoradas quase 200 instalações, com destaque para as 37 obras inauguradas e 66 em curso, e que já se adquiriram também cerca de 3000 viaturas novas.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A modernização e uma melhor eficácia das forças de segurança faz-se com reformas estruturais, orgânicas, e ainda esta semana foi publicada a nova Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública aprovada nesta Assembleia.
A juntar a estás iniciativas refiro ainda, programas específicos para idosos, apoio às vítimas e segurança nas escolas, que se enquadram Do domínio de um ambicioso e necessário programa integrado de policiamento de proximidade.
Agora, com a criação das Polícias Municipais, damos mais um passo fundamental para atingir uma organização

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policial que responda às exigências das modernas sociedades democráticas.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - É mais um passo para melhorar a relação de proximidade entre o cidadão e a polícia; é mais um passo para garantir a segurança e a tranquilidade dos portugueses; é um capítulo de modernidade e de novos desafios que se abre.
Em matéria de segurança, a IV Revisão Constitucional abriu caminho à possibilidade de executar o Programa do XIII Governo Constitucional. Digo-o porque o nosso Programa prevê a "Actualização do modelo policial português e seu ajustamento no quadro de referências constitucional, consagrando um acréscimo ponderado de participação dos municípios, através da criação de policias municipais, dentro dos parâmetros que venham a ser viabilizados pela revisão da Constituição (...)".
Quero com isto afirmar que a inovação constitucional foi precedida por uma preocupação do próprio Governo em matéria de segurança. Mas num Estado de direito esse estado de coisas só poderia ser modificado com habilitação constitucional e nos limites definidos na própria Constituição. Essa habilitação foi dada ao legislador ordinário somente pela revisão de 1997. Os limites foram também aí definidos. O artigo 237.º da Constituição atribui às polícias municipais as funções de cooperação na manutenção da tranquilidade pública e de protecção das comunidades locais.
Apesar de se tratar de matéria relativamente reservada da competência da Assembleia da República, entendeu o Governo não solicitar ao Parlamento autorização para legislar. O que nos move é promover um debate alargado e consensual com esta Câmara. Acreditamos que é este o, procedimento correcto. A discussão em torno da criação das policias municipais é fundamental para a modernização das políticas de segurança e do próprio modelo policial,...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... mas só será credível e eficaz se os portugueses e, em particular, o poder legislativo, a quem compete aprovar a lei, acreditarem na sua importância, tornando possíveis as condições necessárias para a sua criação.
Da parte do Governo existe todo o empenhamento. Logo que foi publicada a Lei Constitucional, em Setembro de 1997, desencadeámos o processo de elaboração da presente proposta de lei, com a participação da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, tendo sido remetida a esta Assembleia em finais do ano passado.
Mais: esta proposta foi precedida de um amplo debate público, consubstanciado num seminário internacional, em que participaram autarcas de todos os partidos, forças de segurança, a Inspecção-Geral da Administração Interna e Deputados, nomeadamente o Sr. Presidente da 1, e Comissão desta Assembleia. Permitam-me que destaque a presença nesse seminário do Distinto Presidente desta Assembleia, cuja, intervenção aí então proferida nos serviu de permanente referência e orientação, nomeadamente quando afamou o desejo de "(...) que interiorizemos os riscos que correm as sociedades modernas e a necessidade de reflectirmos sobre eles em busca de respostas novas a problemas novos (...). Do que se precisa é de outras políticas, outros modelos de organização económica e social, outros valores, um novo pacto social".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje apresentamos assenta num conjunto de princípios que entendemos fundamentais, deles decorrendo todas as outras opções legislativas. São eles: o da definição das polícias municipais como policias de natureza administrativa; o da competência municipal de criação destas policias; o da coincidência entre a competência das polícias municipais de um município e a área desse município; e o principio do desenvolvimento de uma filosofia de complementaridade e de subsidiariedade entre as policias municipais e as forças de segurança.
São estes os princípios-base que orientam a nossa proposta de lei.
As policias municipais são serviços de policia administrativa dos municípios dotados de autoridade civil, constituídas por pessoal uniformizado, que pode exercer as suas funções armado. Estão organizadas hierarquicamente na dependência do Presidente da Câmara Municipal.
No exercício das funções de policia administrativa dos municípios, as polícias municipais fiscalizam o cumprimento das normas regulamentares municipais, bem como 0 cumprimento das normas de âmbitos nacional ou regional cuja competência de aplicação ou fiscalização caiba ao município e aplicam as decisões das autoridades municipais.
Por outro lado, no exercício das funções de protecção de pessoas e bens, têm atribuições de vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, de guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais e de regulação, bem como de fiscalização, do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.
Das suas competências destacam-se, então, as de: regulação e fiscalização no âmbito da circulação rodoviária e pedonal; organização de serviços de ordem, aquando da realização de eventos na via pública, em coordenação com as forças de segurança competentes; execução coerciva dos actos administrativos das autoridades municipais, nos termos legais; colaboração com as autoridades judiciárias ou com as entidades policiais; elaboração de autos de noticia; e instrução de processos de contra-ordenação e de transgressão.
Mas podemos ainda referir as suas competências para: a realização de acções de polícia ambiental; a fiscalização não só pelo cumprimento dos regulamentos municipais e de outras normais legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e protecção de recursos cinegéticos, do património cultural, da natureza e do ambiente; ou, num plano mais programático, a promoção de acções de sensibilização e divulgação de matérias de interesse social no respectivo concelho, designadamente nos domínios da prevenção rodoviária e ambiental.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - A fixação das competências de cada uma das polícias municipais, bem como a área do território do município onde hão-de ser exercidas, serão fixadas nas deliberações dos órgãos municipais. Cabe sempre ao Governo ratificar a criação de cada policia municipal em concreto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afirmei há pouco que esta proposta de lei se baseava numa filosofia de comple-

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mentaridade e de subsidiariedade entre as polícias municipais e as forças de segurança. Fi-lo no pressuposto de que se trata de diferentes polícias, às quais devem responder distintas exigências na área da segurança. É, na realidade, assim. As polícias municipais não serão forças de segurança e delas se diferenciarão, como resulta do já exposto. Refiro-me às diferenças nas dependências hierárquicas, nas atribuições e competências e no modo de criação. Nos termos da nossa proposta de lei, as polícias municipais serão distintas também na formação, no estatuto, no armamento e no equipamento.
É também importante que estes agentes sejam facilmente reconhecidos e identificados pelos cidadãos. Por isso, estabelece a proposta de lei que as designações e os distintivos sejam próprios destes agentes, eliminando, assim, qualquer hipótese de confusão com os das forças de segurança.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A criação de um novo modelo de organização policial é, estamos certos, uma tarefa complexa, sobretudo porque obriga a uma nova delimitação de atribuições e de competências. O facto de nos propormos intervir na redefinição da organização estadual numa área tão sensível quanto é a da segurança dos cidadãos impõe que o Estado, maxime os poderes legislativo e executivo, esteja convicto dos benefícios da mudança.
Os trabalhos desta Câmara, na presente Legislatura, não nos deixam dúvidas. Outra conclusão não se compreenderia perante a modificação introduzida pela IV Revisão da Constituição nesta matéria, aqui aprovada por VV. Ex.as
Os princípios orientadores do novo modelo foram também por vós fixados. De facto, a introdução da norma constitucional no artigo referente à descentralização administrativa; a fixação do quadro de intervenção das polícias municipais, que deverão cooperar na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais; e a própria redacção do preceito constitucional, que assume a existência desta polícia, não se bastando com a possibilidade da sua criação, foram escrupulosamente seguidos, em todas as suas implicações, pela proposta de lei que o Governo hoje aqui apresenta.
Para a complexa tarefa de definição das atribuições e competências acreditamos, por um lado, que a polícia municipal deve ser uma polícia, aliás, como o próprio nome o indica, pertencente a um município. Será uma polícia atenta a um conjunto restrito de cidadãos, reforçando, para eles, a sua própria segurança. Esse reforço de segurança anda, inevitavelmente, associado ao respeito que os cidadãos tenham pela policia. Por isso, nas nossas sociedades modernas, as funções de polícia exigem a possibilidade do uso de arma. Exigem-no os comportamentos desviantes das sociedades em que, infelizmente, os marginais andam munidos de armas; exigem-no também a tradição das funções policiais; e exigem-no, por último, a concepção dos agentes de polícia como agentes de autoridade.
Por outro lado, entendemos que as polícias municipais só podem constituir uma mais-valia na segurança dos portugueses se puderem colaborar com as polícias de âmbito nacional. Só assegurando uma acção concertada ao nível da segurança podemos incrementar, na realidade, e não apenas no sistema jurídico, os níveis de protecção dos portugueses. Assim, a acção das polícias municipais é complementar e subsidiária ao das forças de segurança. Estas só intervirão quando a acção não puder ser suficientemente realizada pela polícia municipal, ficando, à partida, as forças de segurança mais disponíveis para os problemas de segurança interna num âmbito nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A criação das polícias municipais em Portugal é uma inovação. Bem sabemos que não o é para outros países da Europa. Por ser uma inovação no nosso País, porque as soluções técnicas podem ser aperfeiçoadas, previu o Governo que o presente regime jurídico seja revisto após dois anos de aplicação concreta, além de as polícias municipais serem criadas, a título experimental, nos municípios que manifestem interesse.
É óbvio que as policias municipais já existentes terão de beneficiar de um regime especial transitório. O princípio da segurança jurídica, como subprincípio concretizador do princípio do Estado de direito, assim o determina. Igual filosofia deve presidir à redefinição do regime dos actuais fiscais municipais.
A Constituição prevê, no artigo 165.º, que compete á Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime e forma de criação das polícias municipais. Ora, como qualquer diploma legal que fixe apenas o regime, esta proposta de lei carece de regulamentação. O Governo disporá, pois, de 60 dias para regulamentar os princípios enquadradores destas polícias. Além dessa regulamentação, deverá elaborar legislação complementar, nomeadamente no que concerne à fixação das regras a observar nas deliberações dos órgãos municipais que instituam as polícias; à utilização das armas; às especificações técnicas a elas relativas, bem como no que toca ao equipamento coercivo, no que refere a transferências financeiras e ao regime estatutário e aos modelos de uniformes e distintivos a utilizar.
Na modernização do modelo policial português, orientado para a criação das polícias municipais, com o objectivo de descentralizar administrativamente o Estado, é fundamental o papel dos municípios. Foi exactamente pela percepção dessa fundamental participação dos municípios que o. Governo elaborou esta proposta de lei, com o imprescindível contributo dos autarcas portugueses. Eles terão neste processo um papel insubstituível, porque conhecem as áreas geográficas em que se movimentarão as polícias municipais, porque conhecem os seus problemas, as suas deficiências, as angústias e os medos das populações.
Os municípios contribuíram, com as suas experiências, com as suas vivências, na construção do articulado que hoje aqui apresentamos. É um contributo que só nos pode dar serenidade e convicção na melhoria na segurança dos portugueses. Para este contributo foram decisivas a intervenção e a colaboração, sempre efectiva, da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A nova concepção da polícia, orientada para o relacionamento dos agentes com os cidadãos - o policiamento de proximidade e o reforço da intervenção do papel dos municípios em matéria de segurança, são decisivas em duas vertentes: na melhoria da segurança, como valor autónomo, e no aprofundamento da descentralizarão administrativa. Acredito que estes são dois objectivos preconizados por todos nós. A promoção de parcerias entre os cidadãos, os agentes locais e as forças de segurança contribuirá, estou certo, para um acréscimo dos níveis de segurança na sociedade portuguesa.

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Termino, pois, a minha intervenção convicto da importância desta proposta de lei. Ela merecerá, estou certo, de todos a maior atenção, para que possamos juntos modernizar Portugal, a qualidade da segurança dos portugueses, criando as condições para uma vivência social mais digna, mais segura e mais feliz.
É tendo em vista este objectivo, a segurança e a tranquilidade dos portugueses, que, com o vosso empenho, espero que, até ao final deste ano, possam já existir policias municipais em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Brochado Pedras e Pedro Feist.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, quero fazer-lhe um reparo e colocar-lhe quatro questões.
O reparo diz respeito ao seguinte: V. Ex.ª afirmou que, com este diploma, se criavam as policias municipais. V. Ex.ª deve andar distraído, porque há um complexo jurídico completo em relação ás polícias municipais desde 1994, mas o Governo não proeurou implementá-lo e, portanto, julgo que isso foi grave em termos da política de segurança nacional que o Ministério de V. Ex.ª deveria desenvolver.
As questões são as seguintes: disse também V. Ex.ª que o diploma que hoje traz aqui a discussão era perfeitamente constitucional. A nosso ver, ele não é. E não é porque entre as atribuições e as competências que são conferidas às policias municipais estão medidas que, manifestamente, estão dentro do conceito de funções de segurança. Refiro-me à manutenção da tranquilidade pública e à protecção das comunidades locais.
Sem dúvida que há um preceito constitucional que fala nesta matéria, agora o que é inconstitucional, Sr. Ministro, é que V. Ex.ª, no articulado, estabelece o princípio da subsidiariedade, que, nesta matéria concreta da segurança interna, atribui prioridade à acção das polícias, em desprimor das polícias de segurança. Ora, a meu ver, claramente está patente uma inconstitucional idade, e o Governo tem a obrigação de atalhá-la, porque, se não o fizer, esta Câmara também está aqui para o fazer.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, julgo que relacionada com esta questão está uma outra: um Inspector-Geral do MAI, o Dr. Rodrigues Maximiano, em meados do ano passado, creio eu, falou nos perigos de transformar os Srs. Presidentes de Câmara em xerifes ou coronéis do Brasil - as palavras são estas.
Ora, julgo que precisamente a circunstância de, no articulado deste diploma, se atribuir aos Srs. Presidentes de Câmara não a mera tutela das polícias municipais mas um autêntico comando operacional, em conjunto com um representante, do Governo, cria, de facto, uma preocupação real, uma preocupação séria, de que os Srs. Presidentes de Câmara se tornem realmente autênticos chefes de mesnadas medievais, como se já não bastassem os poderes excessivos que o órgão individual presidente de câmara já tem no nosso ordenamento jurídico.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Terceira questão: fala-se aqui também no diploma que é necessária autorização para que os agentes das policias municipais possam usar armas. Pergunto, Sr. Ministro, quem é que tem a faculdade de autorizar os agentes a utilizar armas de defesa. É que o diploma não 0 diz, fala em armas superiormente atribuídas e em arma fornecida pelo município. Ora o município não é um órgão! O município tem órgãos! E o Governo tem obrigação de dizer qual é o órgão que entende que tem a competência de atribuir a arma.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, na "Exposição de motivos", fala-se em Conselhos Locais para a Segurança, envolvendo representação autárquica e instituições da sociedade civil. Onde é que está isto, Sr. Ministro?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Isso já está aprovado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Brochado Pedras, de uma forma muito rápida, quero, sobre a questão daquilo que estava legislado, dizer-lhe que existiam serviços municipais de policia, e não polícias municipais, que não tinham as funções que estas têm hoje. Foi por isso que a revisão constitucional teve de alterar aquilo que alterou e, portanto, nada mais digo sobre isso, porque não vale a pena.
Quanto ás policias municipais e a tranquilidade pública, devo dizer que, nesta matéria, o conceito de polícia tem de ter um conteúdo. Se se chamam policias municipais, têm de ter um conteúdo. E o legislador que reviu a Constituição deu às policias municipais a função de cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais. É o que está na Constituição, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - S6 se quiser rever outra vez a Constituição, mas, se assim o entender, é uma questão de o propor, pois pode ser que a maioria desta Casa a reveja! Mas dá-me ideia de que V. Ex.ª ainda não se deu conta de que a Constituição foi revista!...

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - O problema é que VV. Ex.as querem resolver isso lá fora!

O Orador: - O PP quer rever fora da Assembleia?... Mas isso é um problema que os senhores tem de resolver lá, na AD! Isso não é comigo!
Relativamente à questão das armas, que é a questão fundamental que o Sr. Deputado coloca, há aqui duas vertentes: eu acredito no poder local, acredito nos presidentes de câmara, independentemente dos partidos que estejam no poder, mas o Sr. Deputado não. É a grande diferença que nos separa!

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - O Sr. Inspector referiu isso!

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O Orador: - Porque nessa matéria é muito clara: esta proposta que aqui está hoje em debate foi feita em consonância com presidentes de câmara da Associação Nacional dos Municípios Portugueses de todos os partidos, - incluindo do seu, que participaram no debate e na elaboração deste articulado, participaram em tudo e acham que ficaria desprovida de qualquer sentido uma polícia municipal com outras atribuições, que não estas que aqui estão, nomeadamente a utilização de armas de fogo, com calibres inferiores aos das forças de segurança, mas não serviriam para muito ... .

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Não ponho em causa isso!

O Orador: - O Sr. Deputado põe em causa tudo! Também pôs em causa isso!
Portanto, nesta matéria, foi isto que resultou de um grande consenso da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e de presidentes de câmara de todos os partidos, incluindo do seu.
Acho que isto são matérias que é evidente que têm de ser assim. São assim em toda a Europa! Não vale a pena estarmos aqui a discutir muito estas questões, porque têm de utilizar armas de fogo e quem lhas atribui são as pessoas que têm funções de comando na polícia...

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Qual é o órgão, Sr. Ministro?!

O Orador: - ... e na autarquia. E quem tem a responsabilidade das polícias municipais é o presidente da câmara, que é a pessoa, como é evidente, em quem os cidadãos votaram e que é responsável politicamente. É a nossa opinião e a opinião de todos os autarcas portugueses. Pelos vistos, o Sr. Deputado não confia nos autarcas, mas eu confio.
Relativamente à sua última questão, sobre os Concelhos Locais de Segurança, eles já foram aprovados nesta Assembleia há algum tempo - e, acerca disso, nada mais posso dizer-lhe, porque foram os senhores que os aprovaram - e estão agora a ser implementados em todo o País. Portanto, sobre isso, Sr. Deputado, nada mais posso dizer-lhe, além de que foram aprovados por esta Câmara há bem pouco tempo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, sou um fiel defensor da existência das polícias municipais. Ao contrário de algumas forças que têm exprimido opinião contrária ao longo do tempo, tenho-as defendido desde sempre. Aliás, posso dizer-lhe que sou tão defensor que, em 1977, acompanhado do, então, Presidente da Câmara de Lisboa, Eng.º Aquilino Ribeiro Machado, vim a esta Câmara e, com o, então, Ministro da Administração Interna do País, defendemos a tese de que todas as cidades deviam ter polícias e as polícias deviam ser todas municipais, para todos os efeitos e para todas as competências. Enfim, isso não vingou, mas refiro-o só para lhe demonstrar que acredito no poder local e na virtude do poder local de comandar e orientar o seu território.
Sr. Ministro, relativamente à sua intervenção, gostaria de colocar-lhe algumas questões. Em primeiro lugar, ressalta-me a tibieza com que o Governo legisla nesta matéria, atribuindo, de forma, diria, envergonhada, algumas das competências e limitando até bastante aquilo que objectivamente é a polícia municipal e as suas competências.
Por outro lado, não está claro para mim como é que estas competências, que agora aqui aparecem, vão compatibilizar-se com as competências já existentes na polícia municipal actual - e refiro-me à Polícia Municipal de Lisboa -, que tem a seu cargo - e cito-lhe apenas os títulos, porque não tenho tempo para mais - o parque habitacional, com tudo o que lhe está adstrito, as obras, com tudo o que lhe está ligado, o comércio, com tudo o que lhe está ligado, a saúde pública, com tudo o que a ela se refere, as averiguações e intimações, com tudo o que lhes está ligado, o policiamento e a protecção civil. Como é que é possível fazer tudo isto "de uma penada" e com uma lei que, neste momento, está em discussão?
Para terminar, gostaria de dizer-lhe que, neste momento, na Câmara Municipal de Lisboa, por exemplo, o quadro de pessoal tem 857 efectivos e existem apenas 452 elementos ao seu serviço, ou seja, tem uma vacatura de 405 elementos na Polícia Municipal de Lisboa. Como é que é possível a uma força limitada a metade - acrescentando-lhe os aspectos administrativos - cumprir aquilo que a própria léi pretende, neste momento, contemplar?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente; Sr. Deputado Pedro Feist, veterano das lides autárquicas, tenho muito gosto em responder-lhe relativamente à questão que aqui coloca.
Sr. Deputado, até acho que tem um pouco de razão relativamente à questão que colocou. É que a nossa preocupação foi a de encontrar um modelo de polícias municipais que pudesse ser o mais consensual possível na sociedade portuguesa. E se, porventura, tivéssemos enveredado pelas questões que coloca, até poderia estar de acordo com elas, mas estou seguro de que não encontraríamos nesta Câmara a unanimidade que, nesta matéria, penso ser possível encontrar. Às vezes, o óptimo é inimigo do bom e isto foi aquilo que conseguimos consensualizar em relação a algo que, para nós, era extremamente importante na introdução de algo de novo: que fosse o mais consensual possível na sociedade portuguesa. Mas reconheço que tem alguma verdade naquilo que referiu. .
Quanto às questões de Lisboa e Porto, mas mais de Lisboa até do que do Porto, vai haver um período de transição de cinco anos para a polícia de Lisboa, porque efectivamente tudo isto aqui é diferente, têm outras funções e, portanto, é preciso preparar com muito cuidado esta transferência, o alargamento dos quadros, a entrada das pessoas no quadro, para que tudo isto possa suavemente ser colocado ao mesmo nível que as outras. Porém, tivemos isso em atenção e, por isso, se deu este prazo de cinco anos para não haver qualquer perturbação na área de actuação da mesma.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Depois

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de anos e anos de esforçados trabalhos, lá ficamos finalmente a saber, com esta proposta de lei, o que é que o Partido Socialista entende por polícias municipais. Como a História é por natureza injusta, não coube ao Sr. Dr. Jorge Lacão, o verdadeiro "pai" das "polícias das comunas", a honra de nos trazer aqui a justificação desta proposta de descentralização dos cívicos. Para a História, vai ficar o Ministro Jorge Coelho como o autor de uma lei que irá permitir o verdadeiro milagre de transformar, mesmo contra a vontade de muitos, os 308 prosaicos presidentes de câmara em 308 xerifes municipais, a quem se aconselha - pelo menos, dou este conselho de borla que usem como farda o barrete de campino, o varapau de Miranda e, para um toque de modernidade, um alfinete de ama na orelha.

Risos gerais.

O Presidente da Comissão Instaladora do novo Município de Odivelas, que, mal nomeado pelo Governo, logo assumiu despudoradamente que estava ali como candidato do PS às eleições que vão ocorrer daqui a três anos, pode agora acrescentar, no seu currículo e no seu caderno de pretensões, que também é candidato a chefe do posto de polícia municipal, cargo que, entretanto, talvez a Secção Local do PS lhe mate logo à nascença.
Que proposta é, afinal, a do Governo do Partido Socialista? E uma proposta muito diferente dos projectos iniciais, que o Governo apresentou publicamente, onde havia tutela do Ministério da Administração Interna, permeabilidade de carreiras entre a PSP e a polícia municipal, formação de agentes em escolas de polícia, etc. Era toda uma configuração acentuadamente de uma força de segurança.
Depois das críticas feitas por muitos, incluindo muitos dos tais autarcas que o Sr. Ministro aqui citou, a proposta aparece agora nesta versão softcore. Mas, ainda assim, é uma proposta que confunde mais segurança com a multiplicação de agentes policiais, que confunde polícia de proximidade com proliferação de autoridades policiais e que, para tornear as dificuldades constitucionais e legais, não hesita em criar sobreposição de funções e, portanto, potenciais conflitos.
Uma proposta assim, em vez de dar mais eficácia ao sistema de segurança, e mais clareza e transparência a estas polícias municipais, põe o cidadão mais inseguro à mercê de choques de competências.
A confusão começa logo no artigo 1.º, que põe as polícias municipais como tendo como objectivo missões de segurança interna. Isso não é assim. A primeira função e a razão de ser das polícias municipais é serem o serviço de polícia administrativa do município, para fiscalizarem os regulamentos de competência municipal.
Porque existem essas policias e por elas existirem, então, é que é possível potenciar a sua utilização, dando-lhes outras funções, como no estacionamento automóvel, na regulação do trânsito e na guarda de instalações municipais, e ainda algumas funções, devidamente tipificadas, de cooperação nas funções do Estado de manutenção da tranquilidade pública e protecção das comunidades. É isto, e só isto, a que se refere o dispositivo constitucional citado pelo Sr. Ministro.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Tudo o que saia deste quadro de partida contraria os poderes próprios das forças de segurança. As polícias - a PSP e a GNR - têm uma organização nacional, têm uma estrutura de responsabilidade definida hierarquicamente, têm controlos múltiplos, desde a Inspecção-Geral da Administração Interna até à Procuradoria-Geral da República, têm uma linha de responsabilidade política, cujo vértice termina aqui, na Assembleia da República, por intermédio do Governo, e têm uma formação especializada, dada a delicadeza das funções que exercem. Com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos não se brinca...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... e, por isso, devem ser estas forças de segurança, a PSP e a GNR, a exercer aquele tipo de funções de segurança interna que a elas exclusivamente devem estar reservadas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não está seguramente no domínio do bom senso prever a criação de polícias municipais, cujos agentes atingem, pela aplicação da proposta, o número absurdo de mais de 20 000, com poderes pára identificar pessoas, proceder a detenções, envolver-se em serviços de ordem, incluindo de manifestações, e nas delicadíssimas funções de segurança dentro de transportes públicos - e veja-se o que se passa nas zonas suburbanas com esse tipo de funções -, exibir armas, sem qualquer critério funcional, isto é, sem adequação a qualquer razão que os leve a usar essa arma. E, agora, a pergunta que se faz é esta: se as polícias municipais fizessem isto tudo, para que serviriam, então, as forças de segurança? Ou anda por aí algum projecto inconfessável de um novo modelo policial que o Partido Socialista não tem a coragem de assumir e que quer fazer contrabandear com este projecto?
O Governo fala de segurança nas escolas. Muito bem! Aproveitem-se as polícias municipais para a área interior das escolas, incluindo, se se quiser, nessa área, chamada área escolar, a zona de entrada da escola. A presença das polícias municipais será muito útil aí. Muito bem! Mas o policiamento nas ruas, isso é função da PSP e da GNR, com as suas características nacionais, a sua formação especializada, a sua isenção e estatuto próprio, o seu armamento.

Risos da Deputada do PS Natalina Moura.

Sr.ª Deputada Natalina Moura, isto é um problema realmente sério; pode encara-lo com um ar despreocupado, como está a fazer, mas este é um problema muito sério, porque tem a ver com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos!
Citaram-se aqui as experiências externas. Ora, em França, está, neste momento, em discussão o estatuto das polícias municipais e, aí, fala-se de 16 000 polícias municipais para todo o território, num país que faz seis vezes o nosso, para o qual se prevêem 20 000; fala-se de agentes que andam desarmados - lá, são polícias e andam desarmados...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Não sabe o que está a dizer!

O Orador: - Sr. Ministro, tenho aqui o relatório, que, ontem, na Assembleia Nacional francesa, foi discutido em

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torno desta questão. Mais: fala-se de policias que, quando não são dirigidas pelo perfeito, isto é, quando, no fundo, não se inserem no sistema de segurança interna francês, trabalham num horário normal, das 7 às 23 horas, não tendo um horário nocturno, não tendo as características próprias de uma segurança integral, e fazendo as missões de dia.
Como se procede aqui em Portugal? Sr. Ministro e Srs. Deputados, creio que os sistema que está a seguir-se é "meia-bola e força e logo se verá". E o que vier soará em cima do cidadão. Parece que, às vezes - desculpem-me, mas não resisto a dizê-lo -, esta ideia é mais uma filha daquela dos jobs. Mas se o Sr. Ministro anda tão aflito para arranjar mais jobs, tenho aqui duas sugestões que me parecem interessantes: um primeira consiste em criar um corpo de observadores de aves em extinção e outra criar um corpo de intervenção rápida nas Berlengas.

Risos do PCP e do PSD.

Agora, deixe a polícia em paz, porque isso é excessivamente sério.

Aplausos do PCP.

É por tudo isto, Srs. Deputados, que esta proposta de lei precisa de uma reforma radical, que a reconduza às regras constitucionais, ao respeito dos direitos dos cidadãos, à exacta delimitação de funções com as forças de segurança. Em suma, que a reconduza ao bom senso.
As polícias municipais têm muito que fazer e poderão libertar a PSP e a GNR de muitas das funções que hoje exercem - funções que têm a ver com o estacionamento e muitas outras, que são hoje assumidas, e mal, pela PSP e pela GNR -, que poderão ser assumidas pela polícia municipal, libertando estas forças de segurança para a sua verdadeira função.
Podem fiscalizar o estacionamento, substituir o cívico que anda atrás dos "verdianos" da EMEL, regular o trânsito urbano, fiscalizar regulamentos e posturas nas áreas da habitação, urbanismo, saúde pública, metrologia, consumo, ambiente (policia ambiental), etc. Podem guardar instalações municipais públicas, como instalações culturais e desportivas, sedes de câmaras e juntas de freguesia, jardins fechados, cemitérios, as escolas, no quadro em que referi, etc.
Muitas destas actividades já podiam, hoje, estar a ser desenvolvidas pelos serviços municipais de polícia, criados por este Parlamento, em 1994, pela Lei n.º 32/94, de 29 de Agosto.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Aí está!

O Orador: - Nessa lei, já se previa que as funções de polícia administrativa fossem exercidas por serviços de polícia administrativa, que os seus agentes fossem fardados, que pudessem fiscalizar o estacionamento, que pudessem guardar instalações municipais e que pudessem regular o trânsito. Até se previa que, em certas circunstâncias, pudessem usar meios coercivos e - imagine-se! excepcionalmente, usar arma.
Por que é que isto não foi feito? Por que é que o programa do Partido Socialista se sobrepôs a uma realidade jurídica que já existia e que permitiria ter resolvido problemas com que os cidadãos e as forças de segurança se defrontaram?
Porquê esta birra de não ter instituído os serviços municipais de policia?
E que se essa lei, com mais de quatro anos, tivesse sido posta em prática, já teria libertado milhares de agentes da PSP e GNR para as funções próprias. Ela só não foi regulamentada para o Sr. Ministro Jorge Coelho poder vir aqui de polícias municipais no bolso, aliás, a escassos meses do fim da legislatura, num típico gesto que o Governo está a usar bastante, que é o de dizer: "Já estamos a acabar a legislatura, mas temos propostas.".
O Sr. Ministro da Administração Interna acabou a sua intervenção com uma frase bonita: "Vamos ter polícias, apelo para termos policias!" Mas, para constituir as polícias previstas nesta proposta de lei, o Sr. Ministro ainda tem de fazer a legislação enquadradora do pagamento pelos municípios, a regulamentação do estatuto dos agentes, a regulamentação da nomenclatura dos postos, a definição do fardamento, a regulação do sistema de formação, que deve ser feita no CEFA (Centros de Estudos de Formação Autárquica), e a sua execução, porque não pode pôr as policias municipais a funcionar sem as formar. Tem ainda de regular o uso das armas de fogo - até isso está aqui previsto -, o processo de deliberação municipal e as regras relativas à aprovação dos regulamentos da polícia municipal.
Sr. Ministro Jorge Coelho, sei que no seu Ministério há pouco que fazer, mas acredito que, mesmo assim, terá alguma dificuldade em fazer tudo isto até às eleições. Não vai fazê-lo! Pura e simplesmente, não vai fazê-lo! É pura demagogia dizer que vai fazê-lo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Agora, passadas a demagogia e a discussão sobre o que é esta proposta, faço o seguinte convite: chegou a hora de pormos esta proposta de lei na comissão própria, de a estudarmos adequadamente e de se fazer aquilo que é desejável, ou seja, dar uma maior eficácia à fiscalização das leis e regulamentos pelos quais os municípios são responsáveis, uma maior disciplina ao estacionamento e trânsito urbanos, mais segurança nas instalações públicas do município, mais cooperação na segurança das escolas, mais disponibilidade da PSP e da GNR para as suas missões específicas de combate e prevenção do crime e de assegurar a tranquilidade pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Deputado João Amaral já não tem tempo para responder, a não ser que o Partido Socialista, que ainda está "virgem" em matéria de tempo gasto, lhe possa ceder três minutos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, cederemos, certamente, algum tempo mas sem excesso de generosidade. Com generosidade, apenas dois minutos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, meu caro Deputado João Amaral, por que é que o Grupo Parlamentar do PS e o Governo não desencadearam um processo de aplicação da lei do PSD? Precisamente porque tínhamos significado que essa lei, que o "cavaquismo" aqui impulsionou e que tornou inevitável que fosse aprovada como o mal menor, não espelhava o nosso ponto de vista e o nosso ponto de vista foi claramente expresso no Contrato de Legislatura e

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no Programa do Governo. De resto, até tinha levado o Secretário-Geral do Partido Socialista a propor uma revisão constitucional antecipada, num determinado momento da nossa História, como o Sr. Deputado João Amaral se lembra, e, depois, levou a que no processo de revisão constitucional fosse aprovada a norma que hoje está em vigor.
Ora, a norma constitucional actualmente em vigor aponta para uma realidade, que - como dizia, com muita graça e com muito rigor, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, na Comissão Eventual de Revisão Constitucional - representava um tertius genus, um "mais" em relação às actuais, assim ditas, polícias municipais. Portanto, não era um "marcar passo", era um passo em frente; não era o mesmo, era outra coisa, um "mais", uma polícia verdadeira, uma polícia municipal.
Nessa altura, o Sr. Deputado Luís Sá, em nome do PCP, teve ocasião de criticar esta opção, da qual o PCP se demarcou, não concordou com ela, dizendo que aquilo que entendia é que deveria haver polícias municipais no sentido em que o Sr. Deputado João Amaral, agora, voltou a enunciar, ou seja, limitadas ao aspecto estritamente administrativo. Mas não foi essa a solução constitucional, Sr. Deputado João Amaral! E há um momento para tudo, inclusivamente para reconhecer que a solução constitucional em vigor não é aquela que, em certo momento, um determinado partido considerou adequada! Hoje, é lei da República, lei suprema da República!
Mais: é uma lei razoável, é uma norma constitucional aceitável. Coloca dificuldades de execução em vários pontos - isso é outra discussão para a qual estamos completamente disponíveis - mas é uma norma razoável: exprime a ideia de que, ao lado das forças de segurança tradicionais, pode haver corpos de polícias municipais que não são "uma coisa outra" dos polícias; são polícias. Têm de ser polícias! Ou então, a norma constitucional seria contraditória em si mesma; polícias que não eram polícias, polícias municipais que eram municipais mas não eram corpos policiais! Não pode ser assim!
Compreendo que discordou na matriz, na constituição desta norma, mas agora, esse momento de discordância foi ultrapassado e temos de executar a norma. Repare: a experiência internacional vai nesse sentido!. O que é que há de mal em os presidentes de câmara de países como a França, que acabou de citar, exercerem a autoridade que esta proposta de lei precisamente sugere que seja exercida pelas forças policiais?
Por que é que um maire comunista - eu sei que os maires comunistas, em França, serão ligeiramente diferentes do que são em Portugal, neste momento, a esta hora, mas isso provavelmente também mudará - não poderá exercer estas competências?
O que é que há de grave em que se exerçam, a este nível, competências como a vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, a organização de serviços de ordem, a execução de actos administrativos, a detenção e a entrega à autoridade judiciária de suspeitos de crime punível com pena de prisão em casos de flagrante delito?
Sr. Deputado João Amaral, em caso de flagrante delito até V. Ex.ª, eu ou qualquer cidadão, a acção popular, pode deter! Por que é que estas forças não hão-de poder fazer o que o mais modesto cidadão faz, desde tempos imemoriais, em Portugal, em flagrante delito?

O Sr. António Filipe (PCP): - Então, não precisa de estar na lei!

O Orador: - É verdadeiramente um parti pris, um complexo ou preconceito, que as forças de segurança, e as polícias municipais, em concreto, não merecem.
Portanto, Sr. Deputado João Amaral, colocava-lhe a seguinte questão: estando nós abertos para discutir tudo sobre a execução da Constituição, estamos disponíveis para discutir esta Constituição e não aquela que V. Ex.ª, em 1997, achava adequada, porque essa não foi aprovada. A solução contrária tem um inconveniente: é que houve uma maioria de dois terços - o paralelo com o artigo 109.º é muito curioso, embora perverso - para aprovar a norma da Constituição, mas imagine que, agora, se formava uma maioria absoluta ou alargada (PCP, CDS-PP e PSD) para rejeitar a execução da Constituição. Isso seria uma aberração, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, dispondo de três minutos para o efeito: Dois minutos que lhe foram cedidos pelo PS e um minuto que lhe foi dado pela Mesa.
Faça favor, Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Gostaria de agradecer ao Partido Socialista as perguntas formuladas e o tempo que nos cedeu.
Sr. Presidente, Sr: Deputado José Magalhães, muito seriamente não escamoteamos o que foi o debate desta norma em sede de revisão constitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): - É evidente!

O Orador: - Às 2 horas da manhã, nesta Sala, estava eu neste lugar - estou sempre aqui -, estavam o Sr. Deputado José Magalhães e outro Sr. Deputado, não me recordo quem, nos seus respectivos lugares, sendo que, ao que o outro Sr. Deputado dizia "alhos" o Sr. Deputado José Magalhães dizia "bugalhos". Eu ria e até apelei: "Sr. Presidente, pare a votação desta norma! Isto é um escândalo! Ninguém sabe o que é que está a votar, ninguém sabe o que isto é!".

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós sabemos!

O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães fez, agora, o exercício mais brilhante que pode ser feito em torno disso, que é dizer-nos o seguinte: "Isto, sendo uma polícia, é uma policia. Então, não há-de ela fazer aquilo que pode fazer qualquer cidadão?".
ó Sr. Deputado, então se esta é uma polícia destinada a fazer o que faz qualquer cidadão, que polícia é esta?

O Sr. José Magalhães (PS): - Uma polícia que prende!

O Orador: - A questão, Sr. Deputado José Magalhães, é que a Constituição distinguiu perfeitamente a polícia municipal das outras forças de segurança!
Como o Sr. Deputado sabe perfeitamente, a policia municipal, nos termos constitucionais, não é uma força de segurança.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, não é uma polícia?!

O Orador: - A única coisa que a Constituição aditou acerca da polícia municipal, que é um mero serviço do município e, por isso, não precisava de previsão constitucio-

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nal, é que esse serviço pode cooperar em funções de tranquilidade pública. Nem sequer é obrigado! Não era imperioso que isso fosse feito!
Agora, é imperioso fazer o seguinte: criarmos as polícia municipais para o que elas são, ou seja, polícias administrativas. Quando se diz "Se é uma polícia é uma polícia", que tipo de polícia é que é? É uma polícia judiciária? É uma polícia de segurança? É uma polícia administrativa!
O Sr. Deputado José Magalhães, entusiasmadíssimo, diz: "É uma polícia!".

O Sr. José Magalhães (PS): - E é!

O Orador: - Sr. Ministro Jorge Coelho, se é uma polícia tem de ser uma polícia! E digo, com o mesmo entusiasmo: "Se é uma polícia tem de ser uma polícia administrativa!" - é o que ela é! -, à qual pode aditar essas funções que já referimos, como por exemplo, o apoio das escolas, a possibilidade de estarem dentro das escolas, etc.
Evidentemente que é isso que, em sede de comissão, vamos discutir. Mas convença-se, Sr. Deputado José Magalhães, que a sua perspectiva, e a do Partido Socialista, acerca do que eram as polícias municipais não fez vencimento na revisão constitucional, ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não fez?!

O Orador: - ... porque não conseguiram, nessa sede, que esta polícia fosse qualificada como uma força de segurança.
Finalmente, eu não queria maçar mais o Sr. Deputado José Magalhães, que teve uma manhã trabalhosa, porque esteve no programa "Se a manhã se despenteia" e tenho receio que ele entenda isto como sendo, ainda, "uma tarde para se despentear". Isto não é um programa de televisão, é um debate simpático sobre polícias. Vamos fazer uma polícia municipal simpática, activa, que vai servir os cidadãos, os municípios e que até pode dar, em relação a alguma da sua actividade, uma certa ajuda à PSP e à GNR.
Parabéns, Sr. Ministro, por aquilo que é feito no que toca à polícia de proximidade da PSP. Muito bem para o que está a ser feito aí. Mas, muito mal se quer confundir polícia de proximidade com esta polícia municipal, que não serve para esse efeito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras para uma intervenção.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao apresentar, nesta Câmara, a proposta de lei ora em discussão, nos precisos termos em que o fez, o Governo revelou-se um legislador sem imaginação, insensato, distraído e desrespeitador da Constituição.
Desde o início da presente legislatura, o Governo dispunha de um completo edifício legislativo - Lei n.º 32/94, de 29 de Agosto, Decreto Regulamentar n.º 20/95, de 18 de Julho e Portaria 959/95 - que poderia perfeitamente ter utilizado no fomento e criação de polícias municipais com autoridade e funções de carácter meramente administrativo, sem embargo de, posteriormente, poderem vir a ser consagradas, constitucional e legislativamente, novas funções na perspectiva da anunciada filosofia de complementaridade entre estas polícias e as forças e os serviços de segurança.
Impunha-se, por isso, que, enquanto não houvesse um modelo de polícias municipais actualizado, com acréscimo de novas atribuições e competências, se implementassem polícias municipais em todos os concelhos onde os problemas de segurança mais se fizessem sentir, em ordem a libertar a PSP e a GNR das ciclópicas funções de prevenção e repressão da criminalidade.
Não o fazendo, o Governo demitiu-se do cumprimento de um importante vector da política de segurança nacional sob o pretexto da necessidade de prévia "actualização do modelo policial português e do seu ajustamento no quadro de referências constitucionais".. Mas, para além disso, a presente iniciativa legislativa revela, afinal, um Governo displicente em matéria constitucional.
Permita-me que lhe diga, Sr. Ministro, que V. Ex.ª tem maus assessores e até desperdiça, creio, valores que existem no seio do PS. Olhando para a bancada do Partido Socialista vejo o Sr. Deputado Jorge Lacão, que acompanhou a última revisão constitucional, que, certamente, se V. Ex.ª lhe tivesse pedido um conselho, o teria assessorado com muito gosto. E não sou. só eu a dizê-lo! A bancada do Partido Comunista, pela voz autorizada do Deputado João Amaral, também o disse! Todos os partidos exprimiram as maiores dúvidas na comissão da especialidade. Todos nós, creio, temos as maiores susceptibilidades e críticas em relação a esta matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está a misturar tudo!
Efectivamente, ao consagrar, nos artigos 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 1, entre as atribuições e competências das polícias municipais, verdadeiras funções de segurança interna e ao instituir, no artigo 7.º, n.º 2, o princípio da subsidiariedade, de acordo com o qual, no exercício destas competências, as forças e serviços de segurança só intervêm quando a 'acção não possa ser suficientemente realizada pela polícia municipal, o Governo deturpa, inverte e viola o sentido do princípio da cooperação estatuído pela norma constitucional do n.º 3 do artigo 237.º da Constituição da República Portuguesa, introduzida na revisão de 1997.
É que a função de segurança interna - em cuja noção cabe a "tranquilidade pública" e a "protecção das comunidades locais" - está integrada no núcleo essencial dos poderes de soberania do nosso Estado unitário que são absolutamente indelegáveis, inalienáveis e indivisíveis, não podendo ser divididos ou repartidos por quaisquer entidades públicas, designadamente pelos municípios.
Sucedeu que, na última revisão, a Lei Fundamental consagrou, no n.º 3 do artigo 237.º, o princípio da cooperação das polícias municipais na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, em homenagem à autonomia do poder local e à descentralização administrativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Todavia, da interpretação conjugada dos citados artigos 237.º e 272.º resulta que não podem ser cometidas às polícias municipais atribuições de segurança interna.
Assim sendo, a concretização prática do mencionado princípio da cooperação, plasmado no citado n.º 3 do artigo 237.º da Constituição da República Portuguesa, constitui, como bem afirmou o auditor jurídico do Ministério

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da Administração Interna, Dr. Mário Gomes Dias, em recente seminário internacional, " Um desafio à imaginação do legislador".
Ora, manifestamente, ao Governo minguou imaginação, quando mais era preciso tê-la.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É bem verdade!

O Orador: - Era, pois, preciso definir com rigor as formas de cooperação, tipificando as modalidades de actuação e delimitando concretamente as áreas funcionais em que deve ser exercida, instituir órgãos locais de coordenação operacional com competências bem definidas, em ordem a evitar conflitos de competência e a articular esforços.
O que o Governo se limitou a fazer, Sr.ªs e Srs. Deputados - e fez mal! -,foi elencar, no n.º 2 do artigo 3.º, os domínios em que as polícias municipais exercem as funções de protecção de pessoas e bens e definir, no artigo 4.º, n.º 1, as respectivas competências, mas sempre no pressuposto de que, nestas funções, aquelas polícias agiriam em substituição das forças e serviços de segurança, embora em coordenação com estas, que também poderiam actuar, mas sempre subsidiariamente, em segunda linha, ou seja, na hipótese de insuficiência de acção das polícias municipais.
É este o entendimento claro que resulta do n.º 2 do artigo 7.º.
Ora, tal regime é patentemente inconstitucional. Quem tem de ter a primazia, quem tem de ocupar a primeira linha, são as forças de segurança. As polícias municipais têm de actuar apenas em cooperação com aquelas, subsidiariamente, em segunda linha, e não substituí-las.
Inverter as posições, Sr. Ministro, é erro de palmatória e alimenta preocupações. O Sr. Inspector-Geral chamou-lhes "perigos" - apelidação que partilho com ele - de colocar nas mãos dos Srs. Presidentes de Câmara autênticos poderes funcionais de dirigir polícias que poderão coarctar direitos fundamentais dos cidadãos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, Srs. Deputados: Creio que o Partido Popular, que, há mais de seis anos, advoga a criação de polícias municipais no âmbito da política global de segurança, deu provas de que está de acordo com a filosofia de que é preciso libertar a PSP e as forças de segurança de funções burocráticas meramente administrativas. Estas últimas forças têm de estar na rua, têm de fazer vigilância, têm de fazer prevenção e têm de reprimir. Apesar disto, queremos que a Constituição se cumpra.
Por isso, apesar das críticas e dos reparos que não poderíamos deixar de fazer, quero manifestar a disponibilidade do CDS-PP para, em sede de especialidade, ajudar a reformular o diploma com o maior cuidado e empenho, contribuir para expurgar do mesmo a inconstitucionalidade de que enferma e introduzir-lhe os aperfeiçoamentos de que carece.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período regimental de votações.
Em primeiro lugar, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 601/VII - Programa especial de combate às listas de espera (PSD).

Submetido, à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 580/VII - Programa especial de acesso aos cuidados de saúde (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Este projecto de lei baixa à 7.ª Comissão.
Vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 600/VII - Aceleração de processo judicial atrasado (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Passamos à votação, igualmente na generalidade, do projecto de lei n.º 571/VII - Processo especial urgente de tutela efectiva do gozo da liberdade pessoal (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP e de Os Verdes e abstenções do PS, do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, este projecto de lei baixa à 1.ª Comissão.
Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 171/VII - Autoriza o Governo a publicar um decreto-lei que aprova o regime de instalação de equipamentos e instalações portuárias em águas territoriais, seu leito, zona económica exclusiva e na plataforma continental, excluídas das zonas de jurisdição portuária,

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Relativamente a esta proposta de lei, foi apresentada uma proposta de aditamento ao n.º 3 do artigo 2 º, subscrita pelo Sr. Deputado Joaquim Matias, do PCP.
O texto desta proposta de aditamento ainda não foi distribuído, mas vai sê-lo de imediato.
Para proceder à apresentação da proposta de aditamento, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de aditamento vem na sequência da intervenção que fizemos, aquando da discussão na generalidade da proposta de lei, e resume-se a obrigar que os projectos de infra-estruturas para o pedido de licenciamento sejam acompanhados do respectivo estudo de impacte ambiental.
De facto, sendo a zona costeira extremamente sensível, onde as construções a fazer devem ser verificadas com cuidado por forma a preservar a qualidade do ambiente, de mais a mais com os exemplos do que tem acontecido no nosso país no caso dos licenciamentos apressados e precipitados, pensamos que as autorizações para construção de infra-estruturas nestas zonas costeiras devem ser sempre acompanhadas do respectivo estudo de impacte ambiental para tranquilidade de todas as pessoas.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves, a quem peço que seja o mais sucinto possível.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto a esta matéria, entendemos que o regime de avaliação do impacte ambiental e dos respectivos estudos está sujeito a uma legislação específica que já está devidamente tratada.
Assim, entendemos que a questão não deve ser colocada de forma avulsa de cada vez que se faz legislação sobre estas matérias. Na verdade, se há um regime próprio, é nessa sede que a questão deve ser tratada, portanto, neste caso, não daremos assentimento a esta proposta de alteração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do nosso ponto de vista, parece-nos assistir alguma razão aos proponentes. Ou seja, de facto, estamos perante uma proposta de alteração que encerra alguma matéria nova, mas não temos a certeza sobre se é ou não imprescindível que isto seja referido na proposta de lei de autorização legislativa.
É que, uma vez que se trata de uma autorização legislativa, a Assembleia, posteriormente, quanto mais não fosse em sede de apreciação parlamentar do diploma, sempre poderia impor a obrigação da realização destes estudos de impacte ambiental.
De qualquer maneira, compreendemos a posição dos proponentes e cremos que a sua proposta tem pertinência enquanto tal. Portanto, nada temos, a opor a esta sugestão do Partido Comunista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se recordarão, foram apresentadas à Assembleia duas propostas de lei de autorização legislativa, uma das quais mereceu a nossa objecção de princípio e a outra não. Esta última é a que estamos a discutir agora. Ora, o facto de esta proposta de lei não ter merecido a nossa objecção não significa que não sejamos sensíveis à sua especificidade.
Neste caso, trata-se da construção de portos de águas profundas, que são estruturas específicas e complexas em qualquer sítio em que estejam implantadas. Ora, penso que se alguma vez se justifica especificar a exigência de um estudo de impacte ambiental é exactamente neste caso.
Esta condicionante que é proposta de maneira nenhuma vem dificultar a urgência do que se passa em relação a Sines, mas é um complemento de segurança que entendemos ser adequado utilizar neste caso. Assim, daremos o nosso voto favorável a esta proposta de aditamento.

O Sr. Presidente: --Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Intervenho apenas para dar um pequeno esclarecimento adicional.
De facto, a nosso ver, justifica-se a introdução desta obrigatoriedade em sede de pedido de autorização legislativa porque este já vem acompanhado do respectivo projecto de decreto-lei, o qual também ignora aquele aspecto. Dai entendermos que é importante este aditamento que propomos.
Igualmente consideramos importante que questões destas relativas a matéria de impacte ambiental incluam sempre especificação da obrigatoriedade de estabelecimento dos estudos porque, infelizmente, a lei geral que regula os estudos de impacte ambiental nem sempre acompanha.
Aliás, recentemente, tivemos um problema grave nesta Assembleia porque, durante a discussão da implementação da co-incineração de resíduos tóxicos perigosos, que implica estações de tratamento com alguma perigosidade para as populações, como é reconhecido pela comissão que avaliou os respectivos estudes de impacte ambiental, a Sr.ª Ministra afirmou que não era obrigada a fazer tais estudos porque a lei não o determinava especificamente. Da( a importância de especificar, à partida, esta obrigatoriedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Sr. Presidente, só quero dar um pequeno esclarecimento à Câmara.
Esta proposta de lei de autorização legislativa não tem a ver com o porto de águas profundas de Sines, mas, sim, como foi dito há duas semanas, no Plenário, por exemplo, com o caso da monobóia de Leixões e com outros casos análogos. Portanto, são coisas diferentes.
Quanto ao mais, ao regime de avaliação de impacte ambiental, mantenho o que já disse.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.
Assim, como este aditamento é relativo a um artigo que não contende com nenhum dos outros, peço à Câmara autorização para votarmos em conjunto todos os artigos da proposta de lei, após o que votaríamos esta proposta de aditamento ao artigo 3.º.
Verifico que há consenso, pelo que assim se fará.
Vamos, então, votar, na especialidade, em conjunto, todos os artigos constantes da proposta de lei n.º 171/VII.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

São os seguintes:

Artigo 1.º

Fica o Governo autorizado a legislar com o objectivo de estabelecer o regime de autorização para ocupação do domínio público das águas territoriais, zona económica exclusiva (ZEE) e respectivos solos e subsolos submarinos, para efeitos de construção e exploração de quaisquer infra-estruturas, instalações ou equipamentos destinados à movimentação de mercadorias ou passageiros, quer sejam gerados por actividades comerciais, industriais ou piscatórias, quer por actividades turísticas.

Artigo 2.º

A autorização constante do artigo 1 º terá o seguinte sentido e extensão:
1. Estabelecer que a ocupação do domínio público, das águas territoriais, da ZEE e respectivos solos e subsolos

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submarinos, para efeitos de construção e exploração de quaisquer infra-estruturas, instalações ou equipamentos destinados à movimentação de mercadorias ou passageiros, quer sejam gerados por actividades comerciais, industriais ou piscatórias, quer por actividades turísticas ou de lazer, fica sujeita a concessão ou licença prévia.
2. Estabelecer que as utilizações do domínio público marítimo a titular por concessão ou licença serão autorizadas pelos Ministros da Defesa Nacional, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ambiente através de portaria conjunta.
3. Estabelecer que os pedidos de concessão ou licença devem ser dirigidos à Direcção-Geral de Portos, Navegação e Transportes. Marítimos acompanhadas de projecto descritivo da construção e exploração de equipamentos e infra-estruturas e que esta deverá solicitar o parecer das Administrações ou Juntas Portuárias com águas territoriais confinantes, bem como o dos organismos competentes dos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ambiente.
4. Estabelecer que a Portaria que autoriza a concessão ou licença determinará qual a Administração ou Junta Portuária que, em razão da respectiva área de jurisdição, é incumbida de administrar a utilização do domínio público marítimo licenciado ou concessionário.

Artigo 3.º

A presente autorização legislativa vigora por um período de 180 dias.

O Sr. Presidente: - Vamos votar a proposta de aditamento ao n.º 3 do artigo 2.º, apresentada pelo Sr. Deputado Joaquim Matias, do PCP, segundo a qual se propõe aditar a frase "com respectivo estudo de impacte ambiental" a seguir à frase "exploração de equipamentos e infra-estruturas".

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PS.

Posto isto, passamos à votação final global da proposta de lei n.º 171/VII - Autoriza o Governo a publicar um decreto-lei que aprova o regime de instalação de equipamentos e instalações portuárias em águas territoriais, seu leito, zona económica exclusiva e na plataforma continental, excluídas das zonas de jurisdição portuária, incluindo o inciso que acabámos de aprovar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, dou por terminado o período regimental de votações.
Vamos, pois, retomar o debate da proposta de lei que estava em discussão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Primeiro um pouco de história, Sr. Ministro.
Permita-me que lhe recorde que esta ideia da disciplina dos serviços de polícia administrativa das câmaras municipais nasceu no início de 1992.
Era conhecida a situação de marginalidade em que se encontravam, face à lei, várias polícias municipais de pequeníssima dimensão. Era conhecida a estranha situação das forças da PSP ao serviço das Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto.
Em função da nossa ordem jurídica, entendíamos que essas situações não podiam continuar e, por outro lado, o contínuo crescimento das atribuições conferidas aos municípios e a experiência comparada permitiam antever uma solução mais adequada para este núcleo de interesses.
Recordo-me de ter recebido, então, uma proposta de lei oriunda do Ministério do Interior francês, da autoria do Ministro Paul Quilés, por sinal um socialista. Que dizia essa proposta? Coisas interessantes como, por exemplo, esta: "A primeira (,..)" ideia " (...)é a da complementaridade entre as missões dos agentes da polícia municipal e os poderes das policias do Estado: a polícia municipal não pode senão ser uma polícia de proximidade e da vida quotidiana; não deve ser uma polícia geral concorrente da policia nacional e da gendarmeria nacional."
Ideia que, cinco anos depois, se mantinha e se lia num relatório da Comissão das Leis Constitucionais da Assembleia Nacional francesa a propósito de uma outra iniciativa, esta do Ministro Charles Pasqua, e assim redigida: "De uma maneira geral, o projecto confirma que as polícias municipais não constituem um terceiro corpo de policia, o projecto recentra as polícias municipais sobre a sua vocação primeira, a saber, policia administrativa e polícia de prevenção e de proximidade..."
Foi então que iniciámos os contactos com as autarquias locais que dispunham de polícias municipais e tentámos construir uma nova disciplina legal sobre estas.
Não posso deixar de recordar o papel importantíssimo que o Dr. Parcídio Summavielle, então Presidente da Câmara Municipal de Fafe, desempenhou neste processo e no grupo de trabalho então criado - veja bem Sr. Ministro! - no seio da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Parcídio com Isaltino se paga!

Risos.

O Sr. Ministro da Administração interna: - Está tudo dito! Quem deve ficar satisfeito é o Dr. Isaltino. Vou ligar-lhe!

O Orador: - O resultado de todas estas diligências acabou por ser a Lei n.º 32/94, aprovada nesta Assembleia com a abstenção do Grupo Parlamentar do Partido Comunista e os votos favoráveis de todos os outros grupos parlamentares, incluindo os do Partido Socialista.
Nela se definia a estrutura legal dos serviços municipais de polícia administrativa, uniformizados - veja bem Sr. Ministro! -, armados (se para tal autorizados pela câmara municipal), com planos de formação e carreiras posteriormente aprovados em portarias também publicadas e, sobretudo, com competências claras que incluíam matérias como a fiscalização do cumprimento das deliberações dos órgãos do município e das disposições legais e regulamentares sobre o ordenamento, a segurança e a comodidade do trânsito, a guarda das instalações municipais - pasme-se Sr. Ministro! - e até a cooperação com as forças de segurança.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ora bem!

O Orador: - E nele se punha fim ao hibridismo das soluções em vigor para Lisboa e Porto, oferecendo-se a base para a constituição dos seus serviços próprios, sem continuar a lançar mão de efectivos pertencentes à PSP que à polícia nacional tanta falta faziam e fazem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Apesar de tudo isto, permaneceu a controvérsia sobre o modelo das polícias municipais e o Partido Socialista iniciou uma viagem pelo argumentário que visava alterar o quadro constitucional e legal aplicável.
Fazia parte da sua essência a ideia de que as polícias municipais pudessem ter intervenção ao nível da pequena delinquência e da pequena criminalidade e ao nível da instrução dos procedimentos aplicáveis.
Era a célebre teoria que me atrevo a denominar, pedindo permissão ao seu autor, como a "teoria Lacão".

Risos da Deputada do PS, Celeste Correia.

A revisão constitucional acabou, porém, com estas veleidades. Foi mais outro dos muitos aspectos positivos da revisão.
Toda a gente percebeu que os limites da revisão constitucional celebrada excluíam' a existência de polícias municipais, como muito bem lembrou o Sr. Deputado João Amaral, como forças de segurança.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Toda a gente percebeu que as polícias municipais não poderiam ter intervenção ao nível da pequena delinquência e da pequena criminalidade. Nem da grande, nem da pequena, Sr. Ministro!
O Governo, por pressão da própria Associação de Municípios, acabou por enviar uma proposta na qual é manifesto o recuo em relação às teses originais. Milagre, Sr. Ministro!
O artigo 2.º do diploma apresentado diz concretamente que "As polícias municipais são serviços de polícia administrativa dos municípios...". O Sr. Deputado João Amaral não diria melhor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta é a verdadeira razão e natureza das polícias municipais. Não há aqui, nem pode haver, a continuação de qualquer querela. Há a assunção evidente do seu fim! Há um ponto foral!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que eu não sei é, como o Sr. Deputado João Amaral dizia, quando é que o regime proposto se poderá aplicar. Este é um estranho mistério que o Sr. Ministro Jorge Coelho irá certamente desvendar e resolver. As interrogações que agora se colocam devem, porém, ser outras e devem ter em conta a realidade em que vivemos.
Sr. Ministro da Administração Interna, vão as polícias administrativas substituir-se às forças de segurança naquilo que ao combate à criminalidade diz respeito?.
Vão elas combater a insegurança reinante?
Vão elas evitar as vítimas diárias dos furtos e agressões que se multiplicam por todos os principais centros urbanos?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vão elas evitar, por exemplo, o desassossego dos taxistas que continuam a ser assaltados às dezenas sem que o Governo se sensibilize e cumpra a lei?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vão elas evitar que respeitáveis oficiais reformados se declarem na intenção de se organizar em milícias de auto-defesa aqui mesmo junto a Lisboa?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vão elas evitar que bandos de marginais actuem selectiva e programadamente na periferia da capital?
Vão elas evitar que os padres do interior e do norte do País sejam obrigados a dar entrevistas para chamar a atenção dos roubos de que são vítimas?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vão elas evitar - e ainda bem que está a olhar para mim, Sr. Secretário de Estado - que os cidadãos de S. João do Campo, em Coimbra, organizem autênticas batidas aos traficantes e consumidores de droga que os não deixam tranquilos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não! E não, porque essa insegurança depende dá ineficácia da política criminal e da ineficácia da política de segurança.

Aplausos do PSD.

Porque essa insegurança depende da ineficácia do Governo e das soluções que a nível nacional não constrói.
Porque essa insegurança depende da sensação de falta de autoridade e de impunidade e porque em causa se encontram a eficácia policial e a eficácia do sistema de justiça.
O que as polícias municipais vão permitir, Sr. Ministro da Administração Interna, é a libertação das forças de segurança ocupadas em matérias que lhes não devem dizer respeito.
Não é, como erradamente se escreve no artigo 7.º, sob a epígrafe de "Subsidiariedade", de "pernas para o ar", que " No exercício das competências concorrentes com as polícias municipais, as forças e serviços de segurança intervêm quando a acção não possa ser suficientemente realizada pela polícia municipal.".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é impensável!

O Orador: - Isto significaria que a actuação daquelas ficaria subordinada à impossibilidade destas, ou seja, só entrariam em acção as forças e serviços de segurança quando as polícias municipais não pudessem intervir.
As forças de segurança. E os serviços? O que é que o SIS tem a ver com este assunto, Sr. Ministro? Também

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depende de actividades concorrentes com as polícias municipais? Também vai haver um SIS para cada polícia municipal?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É a ideia da cooperação das polícias municipais com as forças e, outra vez, os serviços de segurança equivalente a competências concorrentes?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há aqui uma confusão de conceitos e uma incorrecção na redacção do diploma que tem de ser esclarecida, como há na detenção e entrega à autoridade judiciária de suspeitos. Há alguns, muitos, exageros que o respeito pelos direitos e liberdades não permitirão. São pormenores que derivam certamente da desatenção. É quando V. Ex.ª, Sr. Ministro, passa a Ministro político e deixa de ser Ministro da Administração Interna. Alguém se encarrega de alterar a redacção e V. Ex.ª é apanhado em contrapoder.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São pormenores que, certamente, derivam da desatenção Sr. Ministro. É certo que, pela lei em vigor, já poderiam existir serviços municipais de polícia. Perdeu-se tempo.
É mesmo conveniente recordar que o Dr. Jorge Lacão, aquele mesmo que além está, entendia, em 1994, que o nome atribuído não passava de um eufemismo, que o essencial dos poderes hoje propostos já se encontravam previstos, que o mesmo Deputado considerava aquele diploma como um passo muito importante.
E compreende-se, como parecem hoje deslocadas as palavras do Inspector Geral da Administração Interna, Dr. Rodrigues Maximiano, proferidas durante uma jornada promovida, na cidade de Matosinhos, pela Câmara Municipal daquele concelho, em 1998!
Não queria o Sr. Inspector, como já disse o Sr. Deputado António Pedras - e bem! - «os presidentes das câmaras convertidos em xerifes ou em coronéis do Brasil».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não queria ele e parece, curiosamente, que já ninguém o quer! Mas dantes queria! Há um limite objectivo: a Constituição não o permite.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É bem verdade!

O Orador: - Isto não era nem será possível. Mas o que podia ter acontecido...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que bela descoberta!

O Orador: - Diz bem, Sr. Deputado José Magalhães, foi uma bela descoberta da revisão constitucional!
Mas o que podia ter acontecido era uma simplificação das coisas e a adopção de um caminho útil.
Não foi o que se passou com a Câmara de Lisboa, por exemplo. Sabe-se como as coisas se complicaram, até com primor, nomeadamente na área do trânsito e do estacionamento: para este efeito criou-se uma empresa; depois verificou-se que os zeladores não tinham poderes para actuar; existindo uma versão transitória de polícia municipal, continuam a ocupar-se os agentes da secção de trânsito da PSP de Lisboa.
É frequente assistir a uma reunião na via pública de alguns zeladores e outros tantos polícias de trânsito para conferenciarem sobre as contra-ordenações aplicáveis. Uns notificam! Outros aplicam a coima! Os contribuintes pagam isto tudo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É a desorganização, organizada.
Será isto que contribui para a tranquilidade dos cidadãos? Será que isto contribui para a aplicação do preceito constitucional? O adiamento da resolução desta simples questão, por exemplo, provocou este bonito resultado.
Em suma, há agora espaço e enquadramento seguro para estas novas polícias administrativas como, aliás, já havia.
Se o País vai ter 21.000 novos polícias municipais ou menos, é coisa que aos municípios cumpre decidir.
Que pena que o Sr. Ministro não possa proceder ao anúncio público dos números! V. Ex.ª tem tanto jeito para isso!

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Muito obrigado!

O Orador: - Se todos os municípios se vão dotar destas polícias, é questão a resolver por elas próprias! E uma coisa também é certa e segura: não é por ser aprovado este diploma que o Governo vai ter de deixar de ter responsabilidades na política de segurança! Não é por ser aprovado este diploma que as responsabilidades se transmitem! Não é por ser aprovado este diploma que as autarquias devem deixar de reclamar do Governo condições de segurança! Não pode ser por ser aprovado este diploma que as polícias envolvidas se passam a encontrar na via pública para acertar competências, discutir a situação laboral e as tabelas salariais!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não pode ser por ser aprovado este diploma que os criminosos passem a perguntar em desespero: afinal quem me prende?

Risos do PSD..

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Brincar com a desgraça alheia não tem graça nenhuma!

O Orador: - Há é outras dúvidas a solucionar neste texto. Na especialidade, haverá muito trabalho a fazer. Entretanto, o recuo do Governo significou para nós que ouviu a razão que proclamávamos. Congratulamo-nos, porque, de vez em quando, o bom senso faz visitas oportunas mesmo ao Ministro Jorge Coelho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: A pró-

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posta de lei n.º 222/VII, que hoje apreciamos, estabelece o regime e forma de criação das polícias municipais.
A IV revisão constitucional, concluída em 1997, deu abertura à criação das polícias municipais no ordenamento jurídico português.
O Governo, ao apresentar a presente proposta de lei, dá assim cumprimento a um dos pontos do seu Programa, com que se apresentou a esta Assembleia em Outubro de 1995, e, simultaneamente, dá resposta a uma das pretensões dos autarcas portugueses.
Na nossa perspectiva, esta iniciativa legislativa é reveladora de uma grande atenção e sensibilidade para com situações que urgia colmatar e clarificar no apoio às comunidades locais e àqueles que, no terreno, são os intérpretes de tais insuficiências e omissões.
Consagrando-se em lei as funções da polícia administrativa dos municípios, definindo-se-lhes as suas atribuições e competências e remetendo para a deliberação das assembleias municipais, sob proposta das respectivas câmaras municipais, a possibilidade de criarem tais serviços e com que âmbito, o Governo deixa que seja cada município, cada autoridade administrativa local, cada comunidade local, a poder decidir como e até onde quer ir, atentas as especificidades e necessidades locais.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se as polícias municipais terão apenas funções de polícia administrativa ou se avançarão, também, para funções de protecção de pessoas e bens, será uma decisão de cada município a protocolar com o Governo nos termos da lei.
A relação de complementaridade que existirá entre-as polícias municipais e as forças de segurança, tendo em conta aquele que é o campo de intervenção da câmara municipal e do seu presidente, conjugada com a possibilidade de criação e implementação dos concelhos locais ou municipais de segurança, abre perspectivas de uma efectiva melhoria de condições na definição de uma melhor estratégia para a segurança e bem-estar de pessoas e bens, em cada comunidade local.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Para além da fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais e da aplicação das decisões das autoridades municipais, a vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, a guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais, a regulação e fiscalização do trânsito rodoviário, a segurança dos transportes urbanos e locais, a organização dos serviços de ordem aquando da realização de eventos na via pública, a possibilidade de proceder à execução de comunicações e notificações por ordem da autoridade judiciária, mediante protocolo a celebrar com o Governo, são, entre outras, um. conjunto de atribuições e competências que, com uma coordenação e articulação desejáveis e necessárias, a nível de cada município, facilitarão uma postura e intervenção, quer das polícias municipais, quer das forças de segurança, de que os beneficiários e destinatários são as respectivas comunidades locais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O aumento da proximidade entre o agente e o cidadão, que a criação e implementação das polícias municipais permitirá nas diversas localidades, propiciará, assim o pensamos e desejamos, um clima de protecção e segurança mais sentidos e vividos, porque mais acompanhados; relação de proximidade do agente com o cidadão que, concomitantemente, aumenta o sentimento de protecção; relação de proximidade que, por mais constante, e, também, mais imediata, a nível de cada comunidade, conferindo mais segurança e assegurando, pois, mais tranquilidade, simultaneamente, será dissuasora de eventuais desacatos e atropelos à ordem pública.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a consagração legal do papel das polícias municipais na fiscalização de normas e posturas municipais, levará a um maior acatamento das mesmas, do que resultará, pois, uma maior estabilidade e bem-estar na qualidade de vida de cada um de nós.
Gostaria ainda de registar o facto de, através da aprovação e implementação deste diploma, poder resultar, com acordo das partes - autarquias e Governo -, por força da assunção de determinadas tarefas, pelas polícias municipais, que hoje estavam cometidas às forças de segurança, uma maior disponibilidade e aproveitamento destas na defesa da segurança; ordem e tranquilidade públicas, uma grande preocupação das autarquias, deste Governo e deste Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo quanto disse, esta proposta de lei é credora do nosso apoio e na sua implementação depositamos uma enorme expectativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há algum tempo atrás, muitos seriam os cépticos que poderiam admitir que, num momento não demasiado distante, a Assembleia da República apreciaria uma iniciativa legislativa para a criação das polícias municipais em Portugal.
Foram muitas as resistências a essa possibilidade. Creio mesmo que muitas dessas resistências partiram de concepções anacrónicas acerca da relação adequada que entre a função policial e os cidadãos deve existir num Estado de direito, desejavelmente uma função de proximidade, desejavelmente uma função de protecção, desejavelmente uma função de confiança que habilite a que, entre as comunidades locais e as autoridades encarregadas da protecção da tranquilidade pública, se desenvolvam laços de confiança cada vez mais aprofundados.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!

O Orador: - E essa é, manifestamente, também, a função das polícias municipais.
Aqui foi dito que as polícias municipais, no entanto, por serem polícias de natureza administrativa, se distinguiriam radicalmente, por efeito das suas atribuições mais limitadas, daquelas outras atribuições e competências que incumbem às forças de segurança.

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É preciso, no entanto, que não nos deixemos enganar por conceitos não suficientemente aprofundados, porque se a Constituição, na sua última revisão, não tivesse trazido algo de inovador à possibilidade de função das polícias municipais, então a norma constitucional sobre essa matéria seria meramente uma norma semântica sem a possibilidade de produzir qualquer efeito inovador na nossa ordem jurídica. Não é assim! Entre as funções meramente administrativas que- as polícias municipais podiam praticar antes da revisão constitucional e aquelas que agora podem exercer depois da inovação constitucional, há, naturalmente, uma porta que se abriu. E, justamente, essa porta é aquela que, em termos de conteúdo constitucional, se reporta aos conceitos da manutenção da tranquilidade pública e à protecção das comunidades locais.
No entanto, como sabemos, estas funções não são autónomas da polícia municipal, elas podem ser exercidas pelas polícias municipais em regime de cooperação.
Como é evidente, Srs. Deputados, quem coopera tem de cooperar com alguém, e neste caso o que a cooperação significa é um regime de relacionamento mais estreitado entre funções das polícias municipais, neste domínio, e funções exercidas pelas forças nacionais de segurança.
Como é que esta regulação há-de ser feita? Naturalmente subordinada ao princípio da legalidade. E o princípio da legalidade tem dois aspectos que vale a pena referir.
Em primeiro lugar, o da prevalência da lei, que significa que há aspectos relativos à organização das polícias e às próprias medidas de polícia que são definidos no âmbito nacional e não podem ter configurações específicas no domínio das polícias municipais. Estaremos entendidos quanto a este aspecto.
Mas há outro domínio, o domínio de reserva de lei, que, nos termos da Constituição, dá ao legislador o poder e a faculdade de densificar os conteúdos constitucionais no sentido de, através deles, criar as melhores soluções de utilidade e de serviço público. É por isso que densificar conceitos como os da manutenção e tranquilidade pública e da protecção das comunidades locais tem a ver, justamente, com domínios que passam por formas de cooperação, e nalguns casos de estreita cooperação, entre as futuras polícias municipais e as actuais forças nacionais de segurança.
Como. é que esta regulação há-de ser feita pela lei? Invocando um outro princípio que, de resto, está presente nas preocupações da proposta do Governo: o princípio da subsidiariedade.
Mas,, a propósito do princípio da subsidiariedade, permita-se-me que chame a atenção para dois aspectos.
No futuro, haverá competências das polícias municipais, como já acontece na lei actualmente em vigor, que se reportam a competências exclusivas da administração autónoma, no âmbito das competências próprias das autarquias locais. Mas também poderá haver no futuro outro domínio de competências concorrentes, atribuíveis às policias municipais, justamente no âmbito da cooperação, para a defesa da tranquilidade pública e para a protecção das comunidades.
Aqui, o princípio da subsidiariedade deve ser entendido num duplo sentido: no âmbito das competências de administração autárquica, como sendo competências próprias no domínio da descentralização administrativa e, portanto, rigorosamente no âmbito das competências próprias dos municípios; no domínio da cooperação e das competências concorrenciais, naturalmente que o princípio da subsidiariedade deve ser entendido como sendo as polícias municipais a cooperar com as forças nacionais de segurança, e não estas colocadas numa eventual posição de subalternidade face às polícias municipais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma crítica ao Governo?

O Orador: - Clarificando os conceitos, encontraremos, estou certo, as soluções adequadas no corpo legislativo.
Também é necessário reflectir o domínio da tutela. No que diz respeito à tutela relativa às funções próprias que as policias municipais desempenharão, no quadro das competências próprias do município, não tenho dúvidas de que essa será uma tutela de legalidade, nos termos normais da tutela autárquica.
No que diz respeito ao domínio das competências concorrentes, então teremos de reflectir se não será de dar lugar à possibilidade de tutela de mérito e, eventualmente mesmo, para certos efeitos circunscritas, à possibilidade de superintendência relativamente a certas funções das polícias municipais, designadamente naqueles domínios em que elas venham a cooperar com outras entidades do Estado, as polícias nacionais, por um lado, e as entidades judiciárias, por outro lado. Isto é, em domínios em que não está em causa, exclusivamente, um sentido de administração autárquica, mas um sentido de cooperação entre todos os níveis da nossa Administração Pública.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - É na clarificação destes. pontos que vamos todos, Governo e Deputados, encontrar a solução que há muito faz falta aos portugueses para uma melhor qualificação da posição das nossas comunidades locais.
Para terminar, permitam-me que sublinhe, com imensa satisfação, que aqueles que, num passado recente, combateram o princípio da utilidade das polícias municipais, e que hoje levantaram esta ou aquela dúvida, se mostraram rendidos - todos, sem excepção! - à oportunidade e à necessidade política que as políticas municipais representarão e, portanto, à reforma significativa que elas virão implicar.

Aplausos do PS.

Por isso os cumprimento a todos, porque, ao fim e ao cabo, todos se vieram disponibilizar para, construtivamente, cooperarem de forma a encontrarmos a melhor solução. E a melhor solução, Srs. Deputados, é, seguramente, aquela que, nos termos propostos pelo Governo, e segundo a reflexão aqui hoje feita, irá permitir uma melhor garantia dos direitos dos cidadãos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais pedidos de palavra, dou por encerrado o debate da proposta de lei n.º 222/VII.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 197/VII - Regula a identificação civil e a emissão do bilhete de identidade de cidadão nacional.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (Lopes da Mota): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, as minhas saudações a VV. Ex.as.

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A matéria relativa à identificação civil rege-se, actualmente, por disposições dispersas, desactualizadas e com grandes lacunas de regulamentação. Decorre de dois decretos-leis de 1976, que foram objecto de múltiplas alterações nos seus mais de 20 anos de vigência
É, pois, premente a necessidade de reunir num único e actualizado instrumento legal toda a matéria respeitante à identificação civil. Esta necessidade já foi, aliás, sentida em 1991, o que levou esta Assembleia a aprovar a Lei n.º 12/91, de 21 de Maio, que, contudo, não chegou a entrar em vigor por nunca ter sido publicado o respectivo regulamento.
Esta necessidade mostra-se ainda mais imperiosa, porquanto as soluções consagradas na Lei n.º 12/91 se apresentam já, elas mesmas, desactualizadas, em consequência de alterações significativas ocorridas nos últimos 8 anos.
A diferente natureza e as finalidades específicas da identificação civil e da identificação criminal conduziram à extinção do Centro de Identificação Civil e Criminal, operada pelo Decreto-Lei n.º 148/93, de 3 de Maio, que separou os serviços de identificação civil e de identificação criminal - entregando os primeiros à Direcção-Geral dos Registos e do Notariado e os segundos à Direcção-Geral dos Serviços Judiciários -, pelo que, também em termos orgânicos, deixou de haver razão justificativa para a regulação conjunta destas matérias, adoptada pela Lei n.º 12/91.
E estando já aprovada e publicada, em 18 de Agosto, do ano transacto, a Lei n.º 57/98, relativa à identificação criminal, em vigor desde 1 de Janeiro do corrente ano, por virtude da publicação e entrada em vigor do respectivo regulamento (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro), cremos ser tempo de estabelecer, também num único diploma, o quadro normativo regulador da identificação civil.
A presente proposta abrange toda esta matéria e apresenta a dupla vantagem de dispensar diploma regulamentar subsequente e de evitar os notórios inconvenientes de legislação dispersa, com o inevitável protelamento de soluções de futura regulamentação.
Nas alterações introduzidas sobressaem as relativas ao bilhete de identidade, com reflexos no seu conteúdo, formato e características.
Com efeito, as mudanças ocorridas nas últimas décadas e as exigências decorrentes da adesão de Portugal à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, que - noto - cria um espaço de liberdade de circulação das pessoas, tornaram inadequado o sistema em vigor, exigindo que o, bilhete de identidade constitua um elemento de identificação seguro, quer em Portugal, quer em novos espaços abertos, como é o espaço Shengen, dotado de características que hoje são comuns à generalidade dos países da União Europeia.
Impõe-se, por conseguinte, obter para o documento uma segurança acrescida, de que carece, e eliminar os elementos identificativos que se revelam sem utilidade significativa.
Quanto à segurança física do bilhete de identidade, esta assenta, particularmente, na impossibilidade de substituição da fotografia, uma vez que esta será digitalizada e inserida no próprio documento, e na inserção da assinatura igualmente digitalizada. Quer a fotografia quer a assinatura ficarão registadas em base de dados multimedia, o que permitirá, na renovação do bilhete de identidade, comparação simples, imediata e fiável com a fotografa e assinatura constantes de bilhetes anteriormente emitidos ao mesmo titular, possibilidade que hoje não existe.
Por outro lado, no que respeita ao conteúdo do bilhete de identidade, elimina-se a impressão digital e a referência à filiação, ao estado civil e à altura do titular, sem prejuízo da inserção de tais menções - com excepção da altura - no impresso do pedido, elementos que ficarão inseridos na base de dados dos pedidos.
A eliminação destes elementos, que foi devidamente ponderada, restringe o conteúdo do bilhete de identidade ao necessário e suficiente para garantir a identificação da pessoa, isto é, a sua individualização e diferenciação relativamente às demais. Corresponde ao reconhecimento de que aqueles elementos de pouco ou nada servem no próprio documento, pois referem-se a dados acessórios, mutáveis e desnecessários à finalidade do bilhete de identidade. Note-se, aliás, que também não estão presentes na generalidade dos países da União Europeia. Acresce que a comparação dactiloscopia, necessária em caso de suspeita de falsificação, fica sempre garantida através da sua recolha no impresso do pedido de bilhete de identidade.
Sem prejuízo das garantias de segurança na emissão do documento de identificação, considerou-se oportuno introduzir normas que permitem a simplificação dos actuais procedimentos e formalidades, por forma a imprimir maior celeridade na obtenção do bilhete de identidade, das quais me permito destacar as seguintes.
As certidões de assentos de nascimento destinadas a instruir os pedidos de bilhete de identidade deixam de estar sujeitas a prazo quando respeitantes a menores de 16 anos e, nos restantes casos, o prazo de validade é aumentado de 6 para 12 meses, o que se justifica por os elementos de identificação que a certidão se destina a comprovar serem tendencialmente inalteráveis, e em relação às certidões respeitantes a menores de 16 anos por não haver lugar a recolha do estado civil na base de dados da identificação civil;
Admissibilidade de emissão de bilhete de identidade provisório, sem a menção de cidadão nacional, com a validade de um ano, quando a nacionalidade do requerente suscita dúvidas, permitindo-se, assim, que, em inúmeros casos de solicitação do bilhete de identidade de cidadão português, enquanto a situação é definida, o interessado seja portador de documento de identificação e não seja prejudicado na sua vida por, eventualmente, o não possuir;
Possibilidade de envio do bilhete de identidade ao respectivo titular por via postal e de remessa de certidões aos serviços de identificação civil por meio de telecópia, desde que o emitente seja um serviço público português.
A proposta inclui, finalmente, normas de protecção de dados pessoais, em harmonia com a Convenção n.º 108 do Conselho da Europa e com a Lei de Protecção de Dados Pessoais.
Quanto a este ponto, permito-me frisar a necessidade de proceder à actualização das remissões face à revogação da Lei n.º 10/91, de 29 de Abril, pela Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, aprovada por esta Câmara já depois de apresentada esta proposta de lei.
A aprovação deste diploma permitirá, assim, atingir dois grandes objectivos: por um lado, uma actualização legislativa, com superação das lacunas manifestas actualmente existentes, nomeadamente no que se refere ao regime da base de dados de identificação civil, e a regulamentação unitária de toda esta matéria; por outro lado, uma efectiva modernização e simplificação dos procedimentos de emissão do bilhete de identidade, com manifestas vantagens de celeridade para o cidadão e um reforço inegável da segurança do bilhete de identidade.

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Trata-se, sem dúvida, de uma profunda reforma de todo o sistema, que permitirá, muito brevemente, a emissão de um novo bilhete de identidade por métodos modernos, eficientes e seguros, com recurso a novas tecnologias informáticas e multimedia e que nos situará, neste domínio, ao nível das exigências do nosso estatuto de cidadãos europeus.
Uma reforma que se desenvolve em duas vertentes: actualização e criação das bases jurídicas necessárias e criação de condições para a sua imediata aplicação. w
O trabalho que está a ser feito neste domínio pelo Ministério da- Justiça exigiu a abertura de um concurso público internacional para aquisição de serviços, tendo em vista dois objectivos: a apresentação de um novo modelo de bilhete de identidade seguro e, tanto quanto possível, infalsificável e a criação de uma base de dados multimedia que, para além de conter os dados de texto, permita a digitalização da fotografia, da assinatura e das impressões digitais.
Estando prevista já para o próximo mês de Fevereiro a apresentação do protótipo, pelo consórcio a quem a concepção do sistema foi adjudicada, a aprovação da presente lei constituí uma necessidade premente que permitirá, de imediato, avançar com a produção do novo bilhete de identidade.
Estamos certos de que esta Assembleia não deixará de dotar o nosso sistema jurídico da necessária base legal, de modo a atingirem-se os objectivos propostos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, receio bem que esta Câmara tenha de ficar um pouco aflita sempre que o Ministério da Justiça apresenta uma proposta que diz que. visa desburocratizar o que quer que seja.
Há cerca de 15 dias, num período de antes da ordem do dia - V. Ex.ª não estava presente, nem ninguém que representasse o Ministério da Justiça -, tive oportunidade de dar conta a esta Câmara da situação calamitosa que se tem vindo a agravar constantemente - que decorre do artigo 3 º da Tabela dos Emolumentos do Notariado, já que a sua aplicação criou uma dificuldade, na prática, inultrapassável com as repartições de finanças e, também, com os notários, no preciso aspecto da necessidade da definição do valor de bens. Mas, esta é outra questão com a qual o Ministério da Justiça, mais tarde ou mais cedo, vai ter de ser confrontado.
Mas, penso que há uma certa analogia entre esta situação que referi e aquela que se pode, eventualmente, criar se for aprovada, sem alterações, a proposta de lei n.º 197/VII.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há pouco, o Sr. Secretário de Estado teve a oportunidade de qualificar como acessórios alguns elementos que constam actualmente do bilhete de identidade. Com certeza, V. Ex.ª não ignora que o quotidiano dos portugueses é, de alguma forma, simplificado pela simples apresentação do bilhete de identidade ás diversas entidades administrativas, no qual consta o estado civil. Isto evita, como sabe, em termos de capacidade de exercício, a necessidade - escusada - de trazer o cônjuge para assinar e validar determinados actos jurídicos que se pretendam realizar.
Ora, se tal não acontecer, os portugueses vão ser obrigados a, de seis em seis meses, recorrerem ás conservatórias do registo civil para requererem uma certidão, a fim de demonstrarem o seu estado civil, para fazerem um qualquer acto que hoje é corrente, mas que será, obviamente, muito dificultado. E, talvez por acaso, verifica-se a seguinte coincidência: uma certidão custava 500$ há menos de um mês e,. agora, em virtude das novas actualizações, custa, nada mais, nada menos; do que 1000$!
Posto isto, pergunto ao Sr. Secretário de Estado se o Ministério da Justiça está, de facto, atento e, estando, que soluções apresenta para este aumento exponencial que vai ocorrer, seguramente, em termos de burocracia, de dificuldade e de peso administrativo para os portugueses, em virtude da não verificação nos bilhetes de identidade do estado civil. Como ultrapassar este obstáculo tão sério ao exercício quotidiano e constante de muitos e muitos actos que os portugueses hoje executam de uma forma muito mais simplificada?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Peixoto, a questão da manutenção, ou não, do estado civil no bilhete de identidade foi, como é óbvio, uma questão muito discutida na altura em que se elaborou o texto desta proposta de lei.
O problema que se punha era, basicamente, o de saber da necessidade da inserção deste elemento. E confrontámo-nos com o argumento que o Sr. Deputado teve a amabilidade de colocar e com as dificuldades eventuais que daí resultariam.
Sr. Deputado, basicamente, o raciocínio é o seguinte: a inserção do estado civil no bilhete de identidade, por si, não prova o estado de casado. Aquela referência ao estado civil vale o que vale uma declaração. Além do mais, é um elemento perfeitamente acessório, porque o bilhete de identidade destina-se apenas a identificara pessoa. Ora, o problema que se põe é o de saber quais são os elementos que permitem identificar, isto é, individualizar aquela pessoa e distingui-la de todas as outras. É para isto, e só para isto, que serve o bilhete de identidade!
Sabemos que hoje o estado civil é um elemento cada vez mais mutável, e não é pelo facto de ele constar do bilhete de identidade que se prova essa qualidade de casado, de solteiro ou de divorciado. Não é, e nós sabemos bem que é assim.
Portanto, a nossa preocupação foi reduzir aqueles elementos que permitem identificar a pessoa aos chamados elementos inalteráveis, ou tendencialmente inalteráveis.
Por isso, optámos por excluir o estado civil, porque se estivermos perante a formalização de um negócio em que é necessário comprovar o estado civil, a exibição do bilhete de identidade não chega, tanto mais que se pode pôr outra questão que tem a ver com o regime de bens.
Ora bem, não há, hoje, nos bilhetes de identidade que circulam na União Europeia, referência ao estado civil em qualquer desses países. Este é um elemento que não identifica a pessoa. Saber se ela é casada, solteira ou divorci-

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ada não a identifica e o que está aqui em causa é, pura e simplesmente, a identificação, embora, como lhe digo, esta tivesse sido uma questão que discutimos profundamente e chegámos a esta conclusão, convencidos de que esta será, de facto, a melhor solução, inspirando-nos, obviamente, noutras soluções.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, quero dizer, em primeiro lugar, que, no essencial, esta proposta de lei não nos suscita objecções de fundo. Parece-nos, de facto, corresponder a uma necessidade real, a de actualizar a legislação relativa à identificação civil. O que é lamentável - e importa dizê-lo agora, uma vez que estamos a discutir esta proposta de lei em concreto - é o facto de há alguns anos termos discutido aprofundadamente uma lei de identificação civil, que é a Lei n.º 12/91, que nunca foi regulamentada, que nunca entrou em vigor. Podemos dizer que esse processo legislativo - do qual ainda me recordo, embora não estivesse nesta Câmara há muito tempo quando ele foi realizado, terá sido, porventura, dos primeiros debates em que tive oportunidade de intervir nesta Assembleia - foi levado a cabo com muita seriedade mas revelou-se ineficaz e estamos agora, passados vários anos, a discutir a sua substituição e a verificar que essa lei da República nunca chegou a vigorar. Portanto, este é um mau exemplo que era importante referir para que situações destas não se multipliquem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Já agora, quero formular votos para que a lei que seja aprovada na sequência deste processo legislativo não tenha a mesma triste sorte!
E inequívoco que a Lei n.º 12/91 hoje não faz sentido, na medida em que a identificação civil está separada da identificação criminal - e bem! - e na altura não estava e, portanto, é uma exigência a provar esta nova lei, não propriamente por uma imposição europeia, na medida em que a nível da União Europeia, como é referido, e muito bem, no relatório da 1.ª Comissão, elaborado pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo - que é um relatório, aliás, excelente, a todos os títulos - não há propriamente uma exigência a nível europeu nem uma uniformização absoluta dos bilhetes de identidade a nível da União Europeia. Agora, é uma necessidade nacional. De facto, o bilhete de identidade é um documento, quer pelo seu conteúdo, quer até pela sua forma, um tanto arcaico e que merece ser actualizado, quer no seu conteúdo, quer nos processos para a sua obtenção, e já há hoje possibilidades técnicas de actualizar, de modernizar o bilhete de identidade e a identificação civil em geral.
Chamo a atenção para dois aspectos particulares desta proposta de lei que nos parecem positivos, tendo um deles a ver com a validade do bilhete de identidade, ainda que caducado, para outros efeitos que não o de certificar o local de residência. De facto, faz todo o sentido que assim seja, na medida em que evita muitos problemas aos cidadãos que, por qualquer razão, não actualizaram o seu bilhete de identidade ou por esquecimento ou por qualquer outra razão que pode perfeitamente ocorrer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O outro aspecto que nos parece também positivo tem a ver com a proibição, constante do artigo 41.º da proposta de lei, de retenção dos bilhetes de identidade aos cidadãos,, seja por entidades públicas seja por entidades privadas. E que, de facto, há um pouco o hábito de, em qualquer situação, alguém ficar com o bilhete de identidade do cidadão, designadamente a nível de portarias. Hoje, é muito frequente que, para ir a uma firma que fica no 8.º andar, o bilhete de identidade fique apreendido na recepção havendo, portanto, um uso e abuso por parte de alguém que se arroga o direito de reter o bilhete de identidade de um cidadão que depois de acabar o que tem a fazer volta à portaria e, nessa altura, a pessoa devolve-lhe o bilhete. Isto é abusivo e é importante que haja uma disposição legal que clarifique esta questão. Isto é, o bilhete de identidade do cidadão só pode ser retido nos casos previstos pela lei ou mediante uma decisão de uma autoridade judiciária.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Judicial...

O Orador: - Creio que a proposta de lei fala em judiciária, mas poderemos discutir essa matéria.
O que é importante é reter esse princípio de que o cidadão não é obrigado, numa situação que não esteja prevista taxativamente na lei, a deixar abandonado nas mãos de alguém o seu bilhete de identidade, seja por que pretexto for.
Finalmente, são colocadas duas questões que têm alguma pertinência, vale a pensa discuti-las e devo dizer-lhe que não temos ideias cristalizadas sobre esta matéria.
Um das questões prende-se com o facto de saber o que é que é importante que conste do bilhete de identidade, concretamente no que se refere ao estado civil e à filiação. Isto porque são colocadas objecções relativamente ao facto de não constar o estado civil ou a filiação, que podem ter pertinência. Pensamos que vale a pena que a questão seja discutida, porque não basta dizer que nos outros países da União Europeia também não consta para que sejamos levados à conclusão de que se não consta para eles também não deve constar para nós. Vale a pena discutir se não há situações em que é importante que conste do bilhete de identidade o estado civil para evitar muitos trabalhos para os cidadãos que poderiam ser evitados se este elemento constasse. Não temos qualquer questão de princípio em relação a esta matéria, a questão para nós é a de que o bilhete de identidade facilite, quanto possível, a vida aos cidadãos e, portanto, é a essa luz que esta questão deve ser discutida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Devemos verificar se,, de facto, perante situações concretas, há ou não casos que aconselhem que a filiação e/ou o estado civil se mantenham no bilhete de identidade ou se, pelo contrário, não faz sentido, não é preciso e nesses casos estes elementos podem deixar de constar. Penso que é esta a questão que está mais em aberto para o debate na especialidade e que vale a pena discuti-la.
Quanto ao resto, estamos convictos de que poderá daqui sair uma lei positiva e que é inquestionavelmente necessária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Não vou repetir o que escrevi no relatório - que já foi, aliás, gentilmente citado pelo Sr. Deputado António Filipe - mas vou fazer algumas considerações, que espero sejam muito breves, sobre a temática fundamental que está em causa.
O Sr. Secretário de Estado reduziu, julgo eu, a função do bilhete de identidade à identidade propriamente dita no sentido de que "eu sou eu e não outro". No entanto, julgo que esta interpretação é muito redutora. Vou ler-lhe, se me permite, um texto, de 1985, que vem da União Europeia, concretamente da Comissão, Refere esse texto o seguinte: "Com efeito, o bilhete de identidade pode ser uma prova da identidade do seu titular,..." - tal como disse o Sr. Secretário de Estado - "... bem como, eventualmente, da sua nacionalidade ou ainda da sua residência no Estado-membro de que é nacional; pode assim constituir um título de viagem, à semelhança do passaporte".
O bilhete de identidade, Sr. Secretário de Estado, tem n funções e nós, legisladores, temos de ter em conta a prática da nossa vida corrente. Na verdade, já foi salientado que o bilhete de identidade, entre nós, não é prova plena para o que quer que seja; se calhar, nem sequer para a minha. identidade. Isto não é um título cartular. Se eu perder o meu bilhete de identidade, não perdi a minha identidade, hei-de arranjar outro; se perder uma letra, fico sem poder cobrar o crédito, mas se perder o bilhete de identidade, vou arranjar outro, este documento não é um titulo cartular. O bilhete de identidade tem uma certa função e nós temos o dever, como legisladores, de manter esta função adequada aos nossos hábitos sociais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Penso que há aqui uma redução grave do ponto de vista do que é este papel na mão dos portugueses, nos poderes do dia-a-dia.
Eu imaginei no relatório a seguinte situação: uma pessoa casa um mês depois de ter atingido os 16 anos - e entre os 16 e os 18 anos é menor - mas não consta no seu bilhete de identidade o estado de casada; todavia, essa pessoa adquire pelo casamento a plenitude de exercício dos seus direitos civis, políticos e muitos direitos públicos, o que é muito mais importante. De repente, essa pessoa tem de ir buscar uma certi4o de casamento para, juntamente com o bilhete de identidade, poder entrar no tráfico do dia-a-dia mais normal, .ou seja, abrir uma conta num banco ou fazer outra coisa qualquer. Ora, só com o bilhete de identidade essa pessoa não pode fazer isso. Se se tratar de uma conta que precise da maioridade ou da plenitude do exercício de direitos, ou situações deste tipo, essa pessoa tem de provar que está casado e que por isso atingiu a emancipação. Não se pode, pois, retirar do bilhete de identidade o estado civil.
Por outro lado, uma questão que já foi aflorada - e julgo que tem muito a ver com a nossa realidade concreta que sai, se calhar, dos grandes espaços urbanos - , é a de haver pequenas comunidades locais onde os nomes e os sobrenomes são os mesmos, a residência e o local do nascimento também são os mesmos e, por isso, as pessoas distinguem-se, de acordo com aquele princípio matriarcal que inclui a boa tradição portuguesa, dizendo: "este é o João da Ofélia, aquele é o João da Maria, o outro é o João da Rosa". São todos " Jões", mas são identificados pela sua filiação.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O elemento da filiação é fundamental também na nossa cultura profunda do País. Aliás, suponho que um raciocínio deste tipo deve ser tido em conta em relação, por exemplo, a Macau. É outra cultura, não é, sequer, a nossa cultura europeia urbana, é outra cultura civilizacional. Como ,é que se destinguem as pessoas em algumas culturas? E só pelo nome próprio. E o seu patronímico? Será que se pode dispensar assim, sem mais, em espaços como Macau, este dado? Não sei, mas gostava de ter visto isto melhor explicitado.
Em geral, saúdo o texto da proposta de lei. Penso que é uma boa acção esta de reunir tudo num diploma. Li com muita atenção o conteúdo da proposta de lei e penso que, em geral, está certo.
Em todo o caso, permita-me, Sr. Secretário de Estado, que seja um pouco pessimista, aliás, faz parte também! V. Ex.ª anunciou, e fez bem, e também é dito na "Exposição de motivos", que vamos ter um bilhete de identidade com uma fotografia e a assinatura digitalizadas e que isso não vai permitir mais falsificações. O Sr. Secretário de Estado foi um bocadinho excessivo nisto. É que o Estado, quando inventa uma coisa, tem de perceber que outros, contrários ao Estado, vão inventar outra igual,

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo é falsificável! Mas V. Ex.ª prometeu isto e di-lo na "Exposição de motivos" e eu, feliz, fui logo ler tudo e não encontrei vazada esta promessa em forma jurídica.
Do artigo 17.º consta uma alternativa, mas não fala da digitalização. Diz que é através do selo branco ou de outros meios que garantam a segurança - não estou agora a ler - do, documento. Julgo que é por aqui que quis aludir a essa questão. Isto é, o Governo assume uma obrigação cum potuerit, isto é, quando pudermos cumprir isso, vamos fazer o bilhete de identidade assim.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Logo se vê!

O Orador:. - Depois de verá!
V. Ex.ª foi excessivamente optimista nesta parte, mas foi mais noutra. Foi já aqui feita a referência àquela lei fantasmática que se produziu na última legislatura, que fez depender a sua entrada em vigor de um regulamento, regulamento esse que nunca foi publicado e agora nem sei que lei é essa, se ela existe, se não existe, se é preciso revoga-la, se não é. Nenhum de nós sabe! O melhor. é, realmente, revoga-la, .é um lixo. Como aquilo que fica no computador e depois, se não se sabe o que é que se há-de fazer, deita-se fora.
Sabe que neste caso há o mesmo risco, porque, no fundo, VV. Ex.as condicionam a efectiva entrada em vigor no que respeita ao bilhete de identidade - e disto é que trata a lei - não a um regulamento mas a um despacho. Se lermos com atenção o que se diz, verificamos que no n.º 1 do artigo 51.º refere que a emissão do bilhete de identidade no novo modelo inicia-se na data que for fixada no despacho referido no n.º 1 do artigo 45.º, ou seja, por despacho do Ministro da Justiça, do qual não consta qualquer prazo. O que há tempos aconteceu com a falta de um regulamento pode, desta feita, acontecer com a falta de um despacho. Não está assim tudo tão garantido, como V. Ex.ª pretendeu deixar entendido na Câmara.

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O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso, Sr. Secretário de Estado, tem aqui um bom texto. Espero que possamos trabalhá-lo em comissão e ouvir as razões que, de facto, podem justificar algumas das soluções que aqui estão previstas e que, à partida, não nos convencem.

Aplausos do PSD.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A proclamada necessidade de o Governo promover um conjunto de reformas institucionais que aumentassem a eficiência da máquina administrativa e pudessem reduzir o peso burocrático do Estado perante os portugueses constitui, confessadamente, o principal motivo pelo qual o Governo vem hoje propor a esta Câmara a aprovação da presente proposta de lei.
Sem dúvida que a dispersão legislativa que actualmente regulamenta a matéria da identificação civil constitui um factor muito negativo ao qual urgia pôr termo. E isto, a par das alterações impostas pela extinção, em 1993, do Centro de Identificação Civil e Criminal mas também pela adesão de Portugal à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, a primeira, fazendo cessar a razão de ser da regulação conjunta da identificação civil e da identificação criminal, a segunda, pela exigência de um reforço de segurança dos elementos de identificação.
A questão nodal da apreciação desta proposta não pode deixar de ser a da indagação da possibilidade concreta da co-existência de virtudes do actual regime com as necessidades decorrentes das novas exigências.
Não se questionando a utilidade da uniformização legislativa nem, aliás, tão-pouco, a aplicação a este caso concreto da alínea b) do artigo 165.º da Constituição e, portanto, da qualificação desta matéria como de competência exclusiva desta Assembleia, ficará a interrogação sobre a capacidade efectiva do Governo para promover, de forma e em tempo útil, o conjunto de medidas necessárias a obviar aos inconvenientes que implicará a cessação de tratamento conjunto das identificações civil e criminal, ou seja, na promoção e organização eficaz do ficheiro de âmbito nacional e de natureza informática, constituindo uma funcional e operacional base de dados inter-relacionados.
Caberá, neste particular, ao Governo dar, desde já, as garantias e a explicação necessárias.
Por outro lado, a demonstração de que a introdução dos novos-elementos de segurança física do bilhete de identidade é incompatível com a manutenção de dados pessoais naquele mesmo documento, mas de tão grande utilidade para o dia-a-dia dos portugueses, ou, não o sendo, por que motivo se propõe retirá-los em nome do seu propósito inicial de desburocratizar e diminuir o peso da Administração na vida dos portugueses?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tema palavra o Sr. Deputado Antão Ramos.

O Sr. Antão Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Propõe-se o Governo, através da presente iniciativa legislativa, regular a organização e o funcionamento do sistema de identificação civil, cuja disciplina, em muito desactualizada, se encontra ainda dispersa por diversos diplomas.
Embora tendo origem diferenciada, finalidades próprias que não se confundem entre si e seguindo trajectórias diversas no seu desenvolvimento, desde muito cedo, designadamente a partir do decreto-lei de 19 de Abril de 1957, que o sistema passou a concentrar a nível nacional a identificação civil e a identificação criminal.
Esta tendência de unificação dos dois sistemas de identificação culminou com a criação, em 1976, do Centro de Identificação Civil e Criminal, a quem competia o estudo e a execução das medidas relativas à identificação civil e criminal dos cidadãos, o que veio a possibilitar alguns avanços relevantes na modernização, do sistema, tendo em vista o tratamento automático da pertinente informação.
Por seu turno, com a Lei n.º 12/91, de 21 de Maio, já aqui referida, veio acentuar-se esta filosofia englobadora dos dois sistemas de identificação, agora também na perspectiva de possibilitar o tratamento da informação com recurso preferencial aos meios informáticos.
Por falta da necessária regulamentação, porém, a referida Lei n.º 12/91 não chegou a entrar em vigor.
Por vicissitudes várias, o Centro de Identificação Civil e Criminal veio a ser extinto com o Decreto-Lei n.º 148/93, em consequência do que se operou a separação da identificação criminal, que ficou a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, e da identificação civil, na competência da Direcção-Geral dos Registos e Notariado.
Em consonância com a reforma orgânica subjacente ao abandono da filosofia englobadora dos dois sistemas, foi já objecto de apreciação por esta Assembleia a matéria atinente à identificação criminal, cujo regime hoje se encontra substancialmente contido na Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, lei, essa, regulamentada pelo decreto-lei de 27 de Novembro, já em vigor desde o principio do ano corrente.
É chegada agora a vez de ser tratada a identificação civil.
Neste domínio, revela-se premente a necessidade de sistematizar as normas dispersas por profusa legislação parcial, de actualizar a regulamentação existente, harmonizando-a com as novas necessidades e permitindo os aproveitamentos proporcionados pelas tecnologias mais recentes, como é o caso da intentada criação de uma base de dados multimédia.
A matéria atinente à identificação civil reveste-se da maior relevância, já que interfere directa e imediatamente com todos os cidadãos. Desde logo, por se situar no domínio dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, designadamente no seu direito à identidade pessoal, com consagração constitucional, mas também em consequência das profundas alterações introduzidas durante as últimas décadas, de que as decorrentes da adesão da República à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen não deixam de ser relevantes.
Diga-se ainda que o diploma observa o regime da conservação e tratamento dos dados que interessam à identificação civil dos cidadãos, de acordo com a Convenção n.º 108 do Conselho da Europa e a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, sobre a protecção dos dados pessoais.
Ora, a presente proposta de lei estabelece uma definição clara do objecto da identificação civil e dos princípios pré-ordenadores dó instituto.
A identificação civil tem por objecto a recolha, o tratamento e a conservação dos dados pessoais indivi-

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dualizadores da cada cidadão, com o fim de estabelecer a sua identidade civil, e serve de base à emissão do respectivo bilhete de identidade, bilhete de identidade, esse, que se pretende possa funcionar como documento suficiente e idóneo para a demonstração da identidade de um cidadão perante quaisquer instâncias.
O bilhete de identidade constitui um documento de uso comum e frequente pelos cidadãos, devendo ser adequado aos fins que o justificam e ser garantida a segurança da sua utilização pelos respectivos titulares.
Como medida tendente à salvaguarda da segurança física do bilhete de identidade, encontra-se previsto no diploma em debate, além dos usuais, como será o caso da aposição do chamado selo branco dos serviços emissores, o recurso à fotografia digitalizada e ainda à digitalização da assinatura do titular.
Por outro lado, e no que concerne à segurança dos próprios dados pessoais recolhidos, encontra-se o diploma repassado de uma preocupação de garantir a transparência no seu processo de tratamento e o mais estrito respeito pela reserva de vida privada dos cidadãos, bem como pelos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Por seu turno, a simplificação do processo deve garantir que o material informativo seja o necessário e suficiente para identificar um cidadão, dispensando-se referências acessórias, a despeito de outros elementos não constantes do bilhete de identidade poderem figurar nos registos de dados pessoais do titular.
De qualquer modo, a identificação civil conhece limitações nos seus fins e implica o controlo da sua organização e do seu uso. Daí que se explicitem no diploma em apreciação os princípios por que deve reger-se a organização e o funcionamento da identificação civil, limitando-se a sua acção pela observância, entre outros, de um estrito princípio da legalidade.
E não podem restar dúvidas de que na economia do diploma se afigura estar devidamente acautelado o respeito pelos mencionados princípios e sancionada uma apertada regulação do acesso à informação e do seu controlo, a processar sempre nos termos da lei.
Quanto à problemática do acesso à informação sobre dados pessoais, seja pelo próprio titular, seja por terceiros, julga-se que se encontram devidamente acautelados os princípios fundamentais que o limitam, em homenagem à salvaguarda do direito à imagem e da reserva da vida privada dos cidadãos.
No tocante ao acesso por parte do respectivo titular, ele é garantido, desde logo, por o direito à identidade pessoal compreender o próprio direito à informação sobre a identificação civil, podendo, assim, tomar conhecimento dos seus dados pessoais e poder exigir a sua rectificação e actualização.
No que concerne a terceiros, encontra-se prevista a possibilidade de comunicação de dados pessoais às entidades policiais e judiciárias para fins de investigação ou de instrução criminal, na dependência de pedido fundamentado pelas respectivas instâncias e nas condições enunciadas na lei.
É também facultada às mesmas entidades a consulta em linha de transmissão de dados, se previamente para tanto habilitadas.
Em qualquer caso, encontra-se expressamente proibida qualquer forma de interconexão dos dados pessoais existentes na base de dados de identificação civil e prescrevem-se específicas obrigações a observar pelas entidades autorizadas a aceder directamente aos dados pessoais.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Reunir e actualizar, de forma sistemática e coerente, as normas reguladoras da identificação civil e as relativas à emissão e uso do bilhete de identidade, conferindo a este segurança acrescida, são, em suma, as preocupações centrais da presente iniciativa legislativa.
Por outro lado, é dominante, no diploma, o acolhimento dispensado às disposições sobre protecção de dados pessoais informatizados e, bem ainda, a intenção de conferir ao bilhete de identidade idoneidade para o preenchimento das respectivas funções, designadamente agora que se encara a possibilidade de harmonizar modelos correntes na União Europeia.
Naturalmente, o Partido Socialista aplaude esta iniciativa e irá votá-la favoravelmente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, dispondo do tempo que resta ao Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito sumariamente, quero agradecer as questões que foram aqui colocadas, pois são questões que merecem ser ponderadas e, obviamente, isso tem de ser feito em sede de especialidade. Faremos essa ponderação e agradecemos os contributos, particularmente as questões que foram aqui suscitadas pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo. Temos de fazer uma reflexão exacta sobre isso, mas a nossa sensibilidade vai no sentido de que podemos dispensar estes dados e de que isto facilitará a emissão através destes meios. Em todo o caso, vamos discutir a questão e vamos ver até que ponto é possível conciliar as duas coisas.
Quanto à questão da digitalização, ela resulta de toda a regulamentação da base de dados. Portanto, temos de inserir todos esses dados e, obviamente, a fotografia, a assinatura e as impressões digitais só podem ser introduzidas por um processo de digitalização, o que corresponde, obviamente, a uma questão técnica.
Quanto ao artigo 17.º, fala-se no selo branco pela simples razão de que até ao novo bilhete de identidade se aplica esta lei e o velho bilhete de identidade já leva o selo branco.

Risos do Deputado do PSD Barbosa de Melo.

Mas quero tranquilizar o Sr. Deputado, dizendo-lhe que, se tudo correr como esperamos, este ano teremos novos bilhetes de identidade. Adjudicámos o processo a um consórcio que está a trabalhar nisto, que é a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, a Casa da Moeda Alemã e a Efacec, esse consórcio tem os trabalhos adiantados e irá fazer a demonstração e a apresentação do protótipo no próximo mês de Fevereiro, pelo que me parece que no prazo de três meses isto estará em vigor. E não vai acontecer, nem de perto nem de longe, o que aconteceu com a Lei n.º 12/91. Posso garantir-lhe!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós, a partir de Outubro, resolvemos isso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate desta proposta de lei.

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Passamos à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 196/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre a dissecação lícita de cadáveres e a extracção de peças, tecidos ou órgãos para fins de ensino e de investigação científica.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, que veio estabelecer o regime jurídico da dádiva ou colheita de órgãos de origem humana para fins de diagnóstico ou para fins terapêuticos e de transplantação prevê que a dádiva e colheita de órgãos para fins de investigação científica seja objecto de legislação especial. É com vista a dotar o ordenamento jurídico português de regras precisas e claras sobre esta matéria que o Governo apresenta a esta Assembleia a proposta de lei ora em discussão.
Nesta matéria, rege ainda, e só, a velha Portaria n.º 40, de 22 de Agosto de 1913, que dispõe que "(...) ficam à disposição das Faculdades de Medicina, para seus estudos, os cadáveres dos falecidos nos hospitais, asilos e casas de assistência pública, os quais, dentro do prazo de doze horas, decorridas depois do falecimento, não sejam reclamados pelas famílias para procederem ao seu enterramento". É esta a lei que temos.
Pacífico é o entendimento de que urge definir o regime jurídico destes actos, facto realçado por diversas vezes pelo próprio Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida que, na sequência de um parecer de 1991, recomendou à Assembleia da República e ao Governo, em Março de 1994, a publicação urgente de legislação.
Mas não são apenas imperativos jurídicos que servem de fundamento a esta proposta.
A carência de material humano para fins de ensino e investigação constitui, de há muito, uma realidade preocupante, com substanciais e inevitáveis reflexos negativos no progresso das ciências da saúde e na formação dos profissionais desta área.
Sendo um problema que a generalidade dos cidadãos desconhece, este é, todavia, um assunto a que urge dar solução, solução que tem sido, aliás, viva e reiteradamente reclamada pelas mais diversas entidades, muito particularmente pelas faculdades de medicina e sociedades científicas médicas.
Há que reconhecer que as condições em que até hoje tem sido possível obter material humano para estes fins se têm revelado de difícil aceitação, quer no plano ético, quer no plano normativo, como, aliás, expressamente se refere em parecer de 1992 do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
A falta de regulamentação, como é conhecido, tem possibilitado o recurso a expedientes diversos, articulados com circunstâncias fortuitas, com contornos nem sempre claros, de legitimidade duvidosa, tolerada apenas em face da nobreza dos fins em vista.
A adopção de medidas destinadas a regulamentar e a dar transparência à utilização de cadáveres para fins de ensino e de investigação científica deve ser efectuada na plena defesa da dignidade da pessoa humana e do valor de solidariedade que essa dádiva traduz, no escrupuloso respeito devido às pessoas.
A presente proposta de lei tem em consideração todos estes aspectos e respeita rigorosamente os pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
À semelhança da filosofia presente na Lei n.º 12/93, relativa à colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana, acautelaram-se, nesta matéria, de forma rigorosa, os princípios éticos fundamentais.
Respeita-se a regra fundamental do primado do direito à decisão da pessoa, seja ela positiva - como expressão de alto sentido de solidariedade -, seja ela negativa, e constitui o elemento primordial a levar em conta para a legitimação dos actos.
Entende-se ser de recorrer aos meios já existentes ao nível do Registo Nacional de não Dadores, que constitui um sistema com provas dadas. E entende-se também ser de estabelecer que a oposição é livremente revogável e se manifesta pela mesma forma que a indisponibilidade para a dádiva de órgãos ou tecidos para os fins previstos na Lei n.º 12/93, bem como que os não dadores já inscritos no RENNDA se presumem não dadores para efeitos da presente lei.
Por se tratar de uma matéria de uma sensibilidade extrema, consagra-se a proibição expressa da comercialização de cadáveres e de peças, tecidos ou órgãos deles extraídos, bem como a proibição da revelação da identidade da pessoa cujo cadáver tenha sido dissecado ou do destino dado a peças, tecidos ou órgãos, estabelecendo-se uma sanção penal autónoma para os actos de comercialização, em virtude de os bens jurídicos em causa justificarem uma decidida intervenção do direito penal, em conformidade, aliás, com as preocupações que têm vindo a ser demonstradas ao nível das diversas instâncias internacionais, em face de novas formas de criminalidade organizada envolvendo o tráfico de órgãos.
São estes, em síntese, e muito rapidamente, a justificação e os aspectos fundamentais desta proposta de lei.
A sua aprovação representará, finalmente, o preenchimento de um inadmissível vazio do nosso sistema jurídico, que se prende com a dignidade da pessoa e o respeito devido aos mortos e suas famílias, e constituirá uma condição indispensável ao desenvolvimento das ciências médicas no nosso país, bem como um contributo de grande importância para o próprio aperfeiçoamento do sistema médico-legal que se iniciou, também aqui, com a aprovação por esta Assembleia da República da proposta de lei n.º 108/VII, que veio a dar origem ao Decreto-Lei n.º 11/98, de 24 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: O tempo é muito curto mas, em todo o caso, gostava bem de falar sobre este tema.
Antes de mais, começo por salientar uma nota: o Governo não foi gentil para com a Assembleia da República, porque não lhe enviou, ou, pelo menos, não chegou ao meu grupo parlamentar, o projecto de decreto-lei. Mandou um ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que o criticou, porque não era conforme à sua doutrina, e o Governo fez bem, porque emendou o referido projecto. Tratava-se de uma questão que tinha a ver com o consentimento.
Mas julgo que esta omissão do Governo também é explicável, porque esta Casa tem uma longa cultura institucional sobre esta matéria. Ao longo das duas últimas legislaturas, sobretudo na última, não faltaram aqui iniciativas, e importantes, sobre esta questão. A proposta de

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lei de que resultou a Lei n.º 12/93, relativa à colheita de órgãos para transplante, inicialmente, também cobria esta perspectiva das coisas. A Assembleia entendeu, e bem, que devia separar. a colheita de órgãos para transplantes e a dissecação e extracção de tecidos ou outras partes do cadáver para fins científicos de investigação, a qual deveria ser vertida noutra lei. E, repito, fez bem!
Depois, houve um projecto de proposta de lei do Governo, na parte final da VI Legislatura, que ia no sentido de se aprovar uma lei nesta área, mas malogrou-se, não conheço o resultado dele, e. já nos últimos meses da última legislatura, em Abril, os Srs. Deputados Macário Correia e Fernando Andrade apresentaram um projecto de lei sobre esta matéria mas, também, já não foi possível dar-lhe saída.
Agora, o Governo apresenta este diploma que vem ao encontro de uma urgentíssima necessidade de se regular esta matéria, que não pode estar ao livre arbítrio e disponibilidade das pessoas e na consciência imediata de cada um; a lei tem de pôr aqui limites e encaminhar as decisões no sentido do que o bem comum exigir.
Contudo, tenho pena que este diploma seja uma proposta de lei de autorização legislativa, porque era bom que também nós pudéssemos colaborar. Em todo o caso, gostava de fazer o seguinte reparo: esta proposta de lei é contrária a tudo o que vem detrás.
Diz-se, a determinada altura, que, de entre os estabelecimentos que vão ser autorizados a proceder à dissecação e extracção de elementos dos cadáveres, fazem parte as escolas médicas das universidades públicas. Assim, presume-se - é esse um dos desenvolvimentos de que se ouve falar - que vai haver escolas médicas, aliás, não sei se já as há, de universidades privadas.
A este respeito, fico surpreso e lembrei-me do Frade Barbadinho. Luís António Verney, no seu livro Verdadeiro método de estudar, criticou Coimbra e a sua escola de medicina, porque, lá, a rapaziada estudava anatomia através da dissecação da cadáveres de carneiros... Será que é isto que o Governo pretende em relação às escolas médicas das universidades privadas?! Será que faz esta injúria em relação ao ensino médico em universidades privadas, à partida?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É qualquer coisa de terrível!
Diz, e bem, o Conselho Superior de Medicina Legal e nós percebemos que isto deve estar certo -, e cito, o seguinte: "Essa, de dissecar e extrair peças do cadáver, é uma prática indispensável na formação geral e especializada dos médicos e na investigação orientada para a compreensão dos fenómenos patológicos e para o aperfeiçoamento dos métodos de diagnóstico e terapêutica.".
Portanto, temos de ir para fórmulas antigas, ou seja, estabelecimentos de ensino superior universitário nos quais se ministre o ensino de anatomia normal ou patológica e nos estudos de medicina legal, que é, aliás, a fórmula que consta de outros documentos, e depois se verá.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se houver universidades privadas que queiram fazer escolas de medicina e não tenham condições para isso, não devem ensinar medicina; agora, se são autorizadas, pela lei, a ensinar medicina têm de poder fazer isto que é indispensável à formação dos médicos, claro é!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao problema do consentimento, estava mal no tal primeiro projecto de decreto-lei. O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida não gostou e VV. Ex.as emendaram, e bem. Penso que está bem dito na "Exposição de motivos", percebe-se o que fizeram; no entanto, se lermos os n.os 2 e 3 e uma parte do n.º 4 do artigo 2 º do articulado e concertarmos o que aqui se diz, é um bocado complicado. Mas, enfim, vê-se que o pensamento está correcto.
Srs. Deputados, não vou demorar muito mais tempo, quero apenas dizer mais uma coisa que não sei se está bem ou não. Penso que não seria mau, não se perderia tempo, se tivéssemos acesso a esse trabalho inaugural do Governo e pudéssemos, em sede da 1.ª Comissão, ter, antes de mais, um debate em conjunto para podermos contribuir com a nossa parte, a parte parlamentar, para a boa realização desta lei. Não sei se faço uma proposta tola ou se faço uma proposta sensata, mas julgo que é uma lei demasiado importante para não ser, ao menos, debatida em Comissão durante algum tempo, embora se trate, claro está, de uma proposta de lei de autorização legislativa.

Aplausos do PSD.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martinho Gonçalves.

O Sr. Martinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Com a presente proposta de lei de autorização legislativa, pretende o Governo que esta Assembleia lhe dê luz verde para a consagração de um conjunto de princípios e regras que enunciem claramente as situações em que é lícita a dissecação de cadáveres ou de parte deles, bem como a extracção de peças, tecidos ou órgãos para fins de ensino e investigação cientifica.
Ao fazê-lo, o Governo vai colmatar um vazio legislativo, o qual se tornou mais notório desde que a Lei n.º 12/93 consagrou a necessidade de implementação de legislação especial neste domínio.
Louve-se a iniciativa e realce-se a coragem do Executivo em enfrentar esta temática atento o carácter complexo e sensível que a mesma encerra.
Importará, porém, dizer que não surpreende esta capacidade de decisão que o Governo evidencia na procura do aperfeiçoamento legislativo em matérias onde a prática editada pela ciência se reflecte quase sempre em considerações de ordem moral, ética e religiosa.
É que, na verdade, a imperiosa necessidade de o legislador ter em devida conta estes parâmetros na missão de produzir as normas enunciadoras que devem reger problemas do género daquele com que hoje estamos confrontados, com as consequentes e naturais complexidades daí advindas, não só não tem inibido o Governo de legislar como, ao invés, parece funcionar como um estímulo e um desafio para rasgar novos horizontes, para dar novos e decisivos passos no sentido de apetrechar o nosso ordenamento jurídico dos mecanismos legais há muito anunciados ou prometidos mas só agora concretizados.
Foi assim com a proposta de lei que estabeleceu os princípios em que se baseia a verificação da morte, com a proposta que regulamenta as técnicas de procriação assistida,

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com a proposta que altera o regime das perícias médico-legais e, agora, com a presente autorização legislativa. Ou seja, estamos perante um louvável incremento da adopção de medidas transversais, com incidência directa nas áreas da justiça, da saúde bioética e também da educação e ciência.
Com efeito, estas iniciativas densificam conteúdos e direitos fundamentais dentro do tecnicamente possível, respeitando sempre os limites da ética, da moral e da consciência individual.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nas últimas décadas, o avanço fascinante da ciência no sentido de desvendar os mistérios da vida ou de procurar prolongá-la, bem como o esforço titânico em suplantar os dramas decorrentes das enfermidades, dos defeitos congénitos e dos conflitos psíquicos de vária índole, tem levado inevitavelmente os cientistas a uma maior manipulação do corpo humano quer ao longo da vida quer, especialmente, após a morte física.
Encontrar na enunciação normativo-legal da dissecação lícita de cadáveres o ponto de equilíbrio entre um desejável desenvolvimento das ciências e o respeito dos direitos fundamentais e dos direitos de personalidade do homem, não é seguramente tarefa fácil. Não obstante, a presente autorização legislativa procura trilhar esse caminho.
Assim, desde logo prevendo que a dissecação de cadáveres e a extracção de órgãos, peças ou tecidos para fins de ensino e de investigação científica seja permitida quando a pessoa tenha expressamente declarado em vida a vontade de que o seu cadáver seja utilizado para aqueles fins.
Fora destes casos, prevê-se que aquela utilização só seja possível desde que a pessoa não haja manifestado, em vida, a sua oposição ou que quem legalmente possa reclamar a entrega do corpo o não faça dentro de um prazo de 24 horas após a tomada de conhecimento do óbito.
Consagra-se, assim, a ideia de que a decisão - quer a decisão afirmativa quer a negativa - cabe ao próprio doador, através de uma decisão livre e consciente.
Por outro lado, pretende-se regular a manifestação de oposição nos mesmos moldes em que já se procedia com o Registo Nacional de não Dadores, acrescentando-se que os não dadores aí inscritos se presumem não dadores para os efeitos previstos na presente autorização legislativa.
Estabelece-se, ainda, com uma moldura penal ajustada, a proibição de comercialização de cadáveres e de peças, tecidos ou órgãos dele extraídos, bem como a revelação da identidade da pessoa cujo cadáver tenha sido dissecado ou o destino dado a peças, tecidos ou órgãos dele extraídos.
Estão ainda devidamente salvaguardadas as questões que têm a ver com a conservação e utilização dos cadáveres, o seu transporte e o destino dos despojos, sempre na linha de uma preocupação de um grande respeito devido aos restos mortais humanos.
Julgamos que o diploma ora em apreço, com as condicionantes apontadas e nos contornos traçados, consegue um justo equilíbrio entre um desejável contributo para o progresso da medicina e um incontornável respeito quer pelos direitos fundamentais e de personalidade do ser humano quer pelos valores éticos, morais e religiosos que lhe estão indissociavelmente inerentes.
Merece, por tal, a nossa concordância e merece igualmente que lhe seja associado uma séria e inteligente campanha de sensibilização pública que, também nesta matéria, conduza a uma sociedade mais esclarecida, passível de traduzir em actos de generosidade e solidariedade o seu contributo para satisfazer as necessidades prementes do ensino e da pesquisa nestes domínios.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Quero, em nome do meu partido, saudar esta iniciativa, porque, de facto, vem clarificar, de forma equilibrada, uma situação de alguma perplexidade que se criava em torno desta questão. E dizemos equilibrada, porque, do nosso ponto de vista, pelo que ficou exposto na intervenção do Sr. Secretário de Estado, embora corroboremos o lamento do Sr. Deputado Barbosa de Melo pelo facto de não ter chegado à 1.ª Comissão nem, sequer, aos nossos grupos parlamentares o texto do projecto de decreto-lei, conseguiu conciliar-se aquilo que, para nós, era fundamental, ou seja, o respeito pela dignidade humana e a questão da solidariedade e, portanto, o esforço que todos devemos fazer para perceber e entender a necessidade académica e de evolução da ciência médica que há e que decorre da disposição dos cadáveres.
Por outro lado, consagrando o primado da decisão da própria pessoa - o doador - e proibindo, de uma forma expressa e inequívoca, qualquer espécie de comercialização, estas são as componentes do equilíbrio que nos fazem, sem qualquer espécie de embargo, regozijar com esta iniciativa.
Para terminar, quero aproveitar esta ocasião para fazer um apelo aos grupos parlamentares no seguinte sentido: há cerca de um ano, foi aprovada na generalidade, nesta Câmara, o diploma que determina os critérios de verificação da morte, que é de primordial importância que seja articulado com esta lei e que jaz na 4.ª Comissão, penso eu, sem, que tenha tido ainda uma saída útil. É evidente que a conclusão destes trabalhos é de uma importância que dispensa qualquer comentário, pelo que fica aqui o apelo para que, rapidamente, consigamos articular estes dois diplomas legais com a certeza de que são fundamentais.

Aplausos, do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Esta proposta de lei esclarece, logo no inicio - e essa é uma prevenção importante -, que o que se vai regular é a disposição de cadáveres para dissecação para efeitos de ensino e investigação cientifica, sendo esse o seu âmbito, e parte de um pressuposto, que é correcto e preocupante, da falta de cadáveres para o ensino e para a investigação cientifica, com prejuízos para ambos, especialmente, atrever-me-ia a dizê-lo, para a formação prática dos estudantes de medicina que se vêem, em muitas situações, na formação que lhes é dada, alheados de uma prática que teria de ser, necessariamente, mais intensa e mais frequente neste âmbito e utilizando estes instrumentos.
É evidente que recenseada esta necessidade, que, julgo, todos acolhem, estamos numa área de sensibilidade, de algum melindre em que é preciso encontrar as soluções equilibradas que não ponham em causa princípios e questões sociais que nesta matéria sempre se colocam.

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Julgamos que o princípio de que a não declaração expressa de oposição à utilização do corpo para os fins previstos nesta lei deve validar a sua utilização, só este princípio assegura que existam em número suficiente os cadáveres para os fins de investigação científica e de ensino, mas tudo isto tem de se balanceado com a protecção dos interesses dos familiares, das sensibilidades sociais e familiares que nesta área sempre se colocam.
Julgamos que esta proposta de lei de autorização legislativa assegura, no fundamental, estes requisitos ao construir um equilíbrio razoável, sendo também importante que se imponha uma cláusula penal para a questão da comercialização, que assume nas nossas sociedades uma perigosidade crescente, pelo que deve ser acautelada 'e penalizada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, o tempo foi muito curto para debater um tema desta importância, mas quero apenas salientar um ponto. Eu fiz questão para que chegasse a esta Câmara o projecto de decreto-lei e todos os pareceres que foram reunidos, nomeadamente o do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, o do Conselho Superior de Medicina Legal e o do Conselho Nacional de Reitores. Penso que esse material está todo cá e teremos todo o gosto em participar numa discussão mais aprofundada desta matéria, a nível da Comissão. No entanto, fazemos um apelo: que esta matéria não passe outra legislatura. Eu "desenterrei" isto do fundo das gavetas, em 1996, depois de vários apelos, empenhámo-nos fortemente nisso e julgamos que temos condições para, na presente legislatura, aprovar este diploma.
Relativamente à questão de saber por que razão não apresentámos uma proposta de lei material, devo dizer que não o fizemos porque haverá aspectos de organização e funcionamento, que não têm a ver com a Assembleia da República, e queríamos pôr tudo num único diploma para depois não haver atrasos.
Srs. Deputados, o projecto de decreto-lei está pronto e, logo que a lei esteja pronta, o decreto-lei será publicado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate desta proposta de lei.
Resta-me informar que a próxima reunião se realiza amanhã, com início às 10 horas, e terá como ordem do dia o debate conjunto das propostas de resolução n.º5 87, 114, 120 e 124/VII, a apreciação conjunta dos Decretos-Leis n.º5 332/98, de 3 de Novembro, que cria o Instituto Portuário do Sul e extingue a Junta Autónoma dos Portos do Sotavento do Algarve e a Junta Autónoma dos Portos do Barlavento do Algarve [apreciação parlamentar n.º 64/VII (PSD)], 333/98, de 3 de Novembro, que cria o Instituto Portuário do Norte e extingue a Junta Autónoma dos Portos do Norte [apreciação parlamentar n.º 65/VII (PSD)], 334/98, de 3 de Novembro, que cria o Instituto Portuário do Centro e extingue a Junta Autónoma dos Portos do Centro [apreciação parlamentar n.º 66/VII (PSD)], 335/98, de 3 de Novembro, que transforma a Administração dos Portos do Douro e Leixões em APDL - Administração dos Portos do Douro e Leixões, S.A. e aprova os respectivos Estatutos [apreciação parlamentar n.º 67/VII (PSD)], 336/98, de 3 de Novembro, que transforma a Administração do Porto de Lisboa em APL - Administração do Porto de Lisboa, S.A. e aprova os respectivos Estatutos, [apreciação parlamentar n.º 68/VII (PSD)], 337/98, de 3 de Novembro, que transforma a Administração do Porto de Sines em APS - Administração do Porto de Sines, S.A. e aprova os respectivos Estatutos [apreciação parlamentar n.º 69/VII (PSD)], 338/98, de 3 de Novembro, que transforma a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra em APSS - Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S.A. e aprova os respectivos Estatutos [apreciação parlamentar n.º 70/VII (PSD)] e 339/98, de 3 de Novembro, que transforma a Junta Autónoma do Porto de Aveiro em APA - Administração do Porto de Aveiro, S.A. e aprova os respectivos Estatutos [apreciação parlamentar n.º 71/VII (PSD)], a apreciação do Decreto-Lei n.º 364/98, de 21 de Novembro, que estabelece a obrigatoriedade de elaboração da carta de zonas inundáveis nos municípios com aglomerados urbanos atingidos por cheias [apreciação parlamentar n.º 72/VII (PSD)], a apreciação do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, que estabelece regras sobre o regime geral de estruturação de carreiras da Administração Pública [apreciações parlamentares n.os 73/Vll (PCP) e 81/VII (CDS-PP)] e, ainda, a apreciação do Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de Dezembro, que cria, por cisão da Empresa Pública Aeroportos e Navegação Aérea, ANA, E.P., a Empresa Pública Navegação Aérea de Portugal, NAV, E.P., e procede à transformação da Empresa Pública Aeroportos e Navegação Aérea, ANA, E.P., resultante da cisão em sociedade anónima com a denominação ANA - Aeroportos de Portugal, S.A.. Aprova os Estatutos da NAV, E.P., e da ANA, S.A. [apreciações parlamentares n.os 74/VII (PCP) e 77/VII (PSD)].
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Carlos Alberto Dias dos Santos.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Pinto Simões.

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Carlos Manuel Luís.

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Fernando Alberto Pereira Marques.
João Pedro da Silva Correia.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

Alberto Queiroga Figueiredo.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Comunista Português (PCP):

Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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1532 I SÉRIE -NÚMERO 41

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