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5 DE FEVEREIRO DE 1999 1623

charneca alentejana e ainda pelo encantamento silencioso do Louvre, com os Últimos momentos de Camões de Domingos Sequeira? Tudo isto com a rendição ao mundanismo tantas vezes vulgar, com a cedência ao auto-elogio e à necessidade imediatista de reconhecimento
O aparente desconcerto de aspectos marcantes da sua personalidade e da instabilidade da sua própria vida fizeram sobressair a qualidade da sua inteligência vivíssima e as suas exuberância e riqueza íntimas, de forma a criar senão profundíssimas obras de meditação dos diversos campos que abordou pelo menos, mas de forma incontestável, toda uma obra e acção que o tornaram numa das figuras cimeiras da nossa literatura e num exemplo apaixonante de português
Desde muito cedo que se dedicou à arte literária, nela plasmando a sua sensibilidade, satisfazendo a sua curiosidade por tudo e todos quantos o rodeavam, por tudo quanto o fazia sentir, desde logo pelos portugueses, pelos nossos costumes, pelo nosso passado, pelo nosso devir, perscrutando o nosso destino comum Entender-se-á que esta paixão precedeu a sua consciência política e a sua heróica militância
Cedo também, ainda estudante de Direito em Coimbra, com apenas 17 anos, viu já na revolução de 1820 o modo e a forma de processar o renascimento português, precisamente através do domínio cultural
Foi este o maior e mais fecundo estigma de toda a vida de Almeida Garrett Admiravelmente, não confundiu nunca princípios com conveniências, não moldando a certeza das suas convicções a esotéricas aritméticas de circunstância ou de oportunidade Por isso, sofreu dois exílios, seguramente suportados, mas sublimados no seu maior e mais precioso bem a sua sensibilidade e, com ela, o seu poder criativo
Por isso, foi soldado, lutou, integrou o exército liberal, esteve no Mindelo e, depois, no Cerco do Porto Foi nesta primeira fase da sua vida política, de exilado, de lutador - fase de sofrimento, de entrega, de carência, de interrogação e de angústia - que, em manifestação elegante e eloquente da sua riquíssima personalidade, concebe e elabora obras das mais marcantes da nossa história literária como Camões e Dona Branca, obras consideradas justamente como introdutoras, entre nós, do Romantismo literário Mais tarde, alguns anos mais tarde, durante o Cerco do Porto, elabora o Arco de Sant'Ana
Com a derrota de D Miguel e a constituição dos primeiros governos liberais, surge no horizonte, talvez mesmo sem que se saiba (nem mesmo o próprio Garrett o sabia), nova ocasião para a exuberância ímpar da sua personalidade Encarregado de negócios em Bruxelas pelo governo, e a par de um período de particular vigor mundano, sofre a marcante influência de Shiller e, sobretudo, de Gõethe Ganha um estilo mais próprio e mais verdadeiramente original
As vicissitudes políticas nacionais continuarão determinantes na condução, talvez mesmo no sortilégio da coordenação do espirito de Garrett Com a revolução de 1836 e com o governo de Passos Manuel, Almeida Garrett é por este incumbido de propor um plano para a fundação e organização de um teatro nacional Almeida Garrett promove a fundação do Teatro Nacional, a fundação do Conservatório Nacional e ainda a criação dum repertório de peças portuguesas «que formem um publico no amor dos valores castiços, no culto da liberdade e no gosto estético»
Promoveu, de facto, a formação do repertório de petas, mas de uma maneira singular praticamente, foi ele próprio quem o fez, com a criação de obras das mais imortais da nossa literatura e atingindo o auge da sua carreira literária São desta ocasião o Auto de Gil Vicente e Frei Luís de Sousa e, com eles, Garrett tornou-se num mentor de ideias e de conceitos estéticos.
Se o relativo sobressalto da sua vida pessoal, marcado por uniões desfeitas e por alguma intranquilidade, pode testemunhar também a sua sensibilidade criativa em Cartas Dispersas, Flores Sem Fruto e Folhas Caídas, é a vida política, porventura, que constitui um dos principais motores da sua fecunda criação
Depois do cabralismo, que o afasta da vida política, a regeneração, que o recupera para Ministro dos Negócios Estrangeiros, que o honra e que o nobilita em 1854, quando compunha a novela Helena, é surpreendido pela morte que prematuramente, nos seus 55 anos, o leva
Almeida Garrett, pela sua singular riqueza, pontificou não só na história das nossas letras mas também na nossa história cultural, política e social Foi, indisputadamente, o introdutor do Romantismo em Portugal e o grande reformador do teatro português - e isto sempre bastaria para a sua imortalização e para a plena justificação de toda e qualquer homenagem -, mas foi também, permitam-me que aqui o sublinhe, talvez mesmo e sobretudo, o visionário, aqui com verdadeiro génio, que teve a capacidade de entender e de intuir realidades de sempre e ideias de futuro
Antes de mais, teve a capacidade de entender que as diversas manifestações culturais exprimem também, de forma solidária, o mesmo sentido, a mesma história, os mesmos sortilégios, os mesmos encantamentos e o mesmo devir de afirmação plena do individual e do diferente, tanto nos homens, como nas nações
Pôde proclamar, reconhecendo com aguda e rara felicidade, que ambos são entes, são acontecimentos, são fenómenos absolutamente únicos e irrepetíveis e, desta forma, que a verdadeira sabedoria e riqueza consistem na sua preservação, na sua adição com outras realidades e não, de forma alguma, nas suas diluições e obliterações
António Lopes Vieira falava da generalidade de Almeida Garrett muito mais pelo que descobriu e induziu do que pelo realizou.
Possamos, assim, nós, portugueses de hoje e de amanhã, honrar e comemorar Garrett, estando à altura dos desígnios e dos desafios que ele nos indicou

Aplausos gerais

O Sr. Presidente: - Em representação do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, tem a palavra o Sr Deputado Reis Leite.

O Sr Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Ilustres Convidados, Srs Deputados- É com emoção que venho a esta tribuna para proferir algumas palavras de homenagem a Almeida Garrett, na ocasião em que promovemos uma sessão solene parlamentar, comemorativa do segundo centenário do seu nascimento.
Quis o destino que, passado mais de um século, eu, pobre e obseuro insular, viesse ocupar em São Bento uma cadeira de Deputado pelo mesmo círculo que Almeida Garrett tanto se orgulhava de representar- os Açores.
Mas como abordar o tema fugindo aos lugares comuns e arredando a tentação de vos falar, em termos académicos, do poeta, do prosador ou até mesmo do homem de Estado? Tudo isso foi Almeida Garrett e de todas essas facetas da sua personalidade sabeis vós o suficiente.

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