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Quinta-feira, 18 de Fevereiro de 1999
I SÉRIE-NÚMERO 49

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE FEVEREIRO DE 1999

Presidente: Ex.mº Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Duarte de Oliveira

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da interpelação n.º 20/VII, do projecto de lei n.º 623/VII, da apreciação parlamentar n.º 82/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Marques Mendes (PSD), a propósito da recente divulgação dos alegados resultados da sindicância feita à Junta Autónoma de Estradas, teceu críticas ao Primeiro-Ministro e ao Governo. No fim, deu esclarecimentos aos Srs. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa) e Deputado Francisco de Assis (PS), que exerceram o direito de defesa da honra, e respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP) e Luís Queiró (CDS-PP).
De seguida, procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo CDS-PP, sobre a nova orgânica do Teatro Nacional de São Carlos e suas implicações, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Cultura (Manuel Maria Carrilho), os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto CDS-PP).
Luísa Mesquita (PCP).
Manuel Frexes (PSD) e
Fernando Pereira Marques (PS).

O Sr. Deputado Sérgio Vieira (PSD) deu conta de algumas propostas do PSD do Porto no sentido de contribuir para o êxito do «Porto 2001 - Capital europeia da cultura».
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 81. º do Regimento, a Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira (PSD) lembrou o Dia Mundial do Doente, celebrado no dia ll do corrente mês, e condenou a política de saúde seguida pelo Governo.

Ordem do dia. - Foram discutidas em conjunto, na generalidade, as propostas de lei n.º 218/71 - Regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal e 232/VII - Altera a Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, que estabelece medidas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jdrdim), os Srs. Deputados Francisco Peixoto (CDS-PP).
António Filipe (PCP).
António Montalvão Machado (PSD).
António Brochado Pedras (CDS-PP).
Guilherme Silva (PSD).
Nuno Baltazar Mendes.
Henrique Neto e José Magalhães (PS) e
Moreira da Silva (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.

Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Feinando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Po-
pular (CDS-PP):,

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmem Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeidá e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de lei n.º 623/VII - Tratamento de resíduos industriais (PSD), que baixou à 4.ª Comissão; apreciação parlamentar n.º 821/VII - Decreto-Lei n.º 15/99, de 15 de Janeiro (Regula a intervenção do Estado nas actividades cinematográficas do audiovisual e do multimédia) (CDS-PP); interpelação ao Governo n.º 20/VII - Defesa do Serviço Nacional de Saúde e a política do Governo para o sector (PCP).
Foram apresentados na Mesa vários requerimentos.
Na reunião plenária de 27 de Janeiro de 1999: aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento. Rural e das Pescas e do Ambiente, formulados pela Sr.ª Deputada Jovita Ladeira; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado António Saleiro; à Administração Regional de Saúde do Centro, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Artur Torres Pereira; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura; ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Pimenta Dias..
Na reunião plenária de 29 de Janeiro de 1999: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado.

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No dia 1 de Fevereiro de 1999: aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.
Na reunião plenária de 3 de Fevereiro de 1999: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Duarte Pacheco; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; à Secretaria de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, formulado pelo Sr. Deputado Acácio Roque; ao Conselho Económico e Social, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; à Câmara Municipal de Santo Tirso e à Comissão Instaladora do Município da Trofa, formulados pelo Sr. Deputado Pimenta Dias.
Na reunião plenária de 4 de Fevereiro de 1999: aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados António Barradas Leitão e Manuela Aguiar.
Na reunião plenária de 5 de Fevereiro de 1999: aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, do Ambiente e à Secretaria de Estado da Juventude, formulados pelos Srs. Deputados Jovita Ladeira.
Jorge Valente.
António Saleiro e
Alexandrino Saldanha; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Rui Rio e Pedro da Vinha Costa; a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.º Deputada Manuela Aguiar; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado.
No dia 9 de Fevereiro de 1999: ao Ministério da Cultura, formulado pelos Srs. Deputados Ricardo Castanheira e Luísa Mesquita.
Na reunião plenária de 10 de Fevereiro de 1999: à Secretaria de Estado do Tesouro e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira; à Secretária de Estado do Comércio, formulado pelo Sr. Deputado João Pedro Correia; aos Ministérios do Ambiente e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Valente; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Osório Gomes; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Jovita Ladeira; ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Manuel Alves Oliveira; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Arménio Santos; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura; à Presidência do Conselho de Ministros e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr
Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 4 de Fevereiro de 1999: Isabel Castro, no dia 10 de Novembro; Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 19 de Novembro; Francisco Torres, no dia 3 de Dezembro; Sílvio Rui Cervan, no dia 21 de Dezembro.

No dia 8 de Fevereiro de 1999: Mota Amaral, na sessão de 23 de Outubro; Lino de Carvalho, na sessão de 14 de Janeiro.
No dia 11 de Fevereiro de 1999: Manuela Aguiar, na sessão de 12 de Novembro; Afonso Candal, na sessão de 10 de Dezembro.
No dia 12 de Fevereiro de 1999: Sérgio Vieira, na sessão de 8 de Outubro; Barbosa de Oliveira, na sessão de 11 de Novembro; Carlos Marta, no dia 25 de Novembro; Artur Torres Pereira, na sessão de 17 de Dezembro; Hermínio Loureiro, na sessão de 13 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O caso da prescrição de importantes processos em fase de investigação criminal, ocorrida no final do ano passado e que aqui tive ocasião de denunciar, veio, então, provar que o Governo socialista é permissivo e não está seriamente empenhado no combate à fraude, à corrupção ou à utilização indevida de dinheiros públicos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Um governo sério, um governo que se prezasse, perante o que de muito grave então sucedeu, com processos a terminarem na secretaria, sem conclusão, ao fim de anos e anos de investigação, teria agido de forma implacável e sem demora.
O Governo socialista, ao contrário, capitulou. Perante um dos casos mais degradantes passados com a justiça portuguesa nos últimos anos, este Governo nada fez - não teve uma única palavra de censura perante a gravíssima falha da Procuradoria-Geral da República,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... não quis apurar responsabilidades e responsáveis, não tomou uma única atitude nem uma única decisão. Foi uma omissão grave e deplorável, verdadeiramente, uma vergonha.
Poucos meses volvidos, este Governo vê-se, novamente, no centro de outra grave polémica de investigação - o já chamado caso da Junta Autónoma de Estradas (1AE).
Entre os dois casos há um importante ponto em comum - pouco ou nada interessa ao Governo que se investigue e se apure a verdade dos factos...

O Sr. José Magalhães (PS): - Espantoso!

O Orador: - A única coisa que verdadeiramente interessa ao Governo é alijar responsabilidades, intimidar pessoas, condicionar atitudes e comportamentos, lançar suspeitas e fazer ameaças, tentando manchar o nome de pessoas sem nunca concluir nada, fazer julgamentos e condenações na opinião pública sem que alguma vez a justiça julgue ou, realmente, condene quem deve ser condenado. Em certo tipo de casos e situações, mais do que investigação independente e rigorosa, o que parece existir hoje, em Portugal, é uma gestão política de processos que se anunciam ou se abrem para deles fazer, apenas e só, a utilização política considerada mais adequada ou mais conveniente.

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Aplausos do PSD.

No caso da sindicância à Junta Autónoma de Estradas foi o Governo, ele mesmo, o autor deste comportamento dirigido, persecutório e intimidatório. Os factos falam por si e não deixam margem para dúvidas.
Há uma sindicância cujas conclusões só o Governo conhece. Menos de 24 horas depois de concluída, já estava na praça pública, cirurgicamente divulgada, com objectivos bem precisos e alvos bem definidos. A intenção era clara: fazer esquecer as acusações graves lançadas na praça pública entre o ex-presidente da JAE e o Ministro, com outro Ministro de permeio, e, cumulativamente, tentar julgar o PSD e o governo anterior e tentar condenar na opinião pública o ex-ministro Ferreira do Amaral. O supremo requinte de malvadez está à vista de todos - o actual Ministro Cravinho, verdadeiramente incapaz de fazer obra, tenta vingar-se assim da sua sombra, ou seja, do ex-ministro Ferreira do Amaral que fez obra, e grande, e importante, por Portugal e pelos portugueses.

Aplausos do PSD.

Este comportamento persecutório é indigno de um Estado democrático. Um Ministro que actua assim, sem ética, sem escrúpulos e sem respeito por nada nem ninguém, já deveria ter sido imediata e exemplarmente demitido.

Aplausos do PSD.

Só que, também neste caso, não era previsível que nada disso sucedesse.
O Primeiro-Ministro era cúmplice e estava comprometido. Ainda antes da manipulação pública da sindicância, já o Primeiro-Ministro tinha dado, ele próprio, o primeiro sinal da orquestração política que se visava com este processo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - Utilizando uma vez mais a residência oficial do Presidente da República, o Primeiro-Ministro apressou-se a ilibar o seu partido para melhor poder condenar o PSD. Usando informações de que só o Governo dispunha, o Primeiro-Ministro não resistiu à baixa política: Falou como líder partidário, não como Primeiro-Ministro, à porta da residência do Presidente da República, usou e manipulou em seu favor uma sindicância que só o seu Governo conhecia, usou-a e manipulou-a para fazer combate partidário, violou o dever de isenção e de imparcialidade que é exigível a um Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Numa palavra, o Primeiro-Ministro abusou do seu estatuto e do seu poder no Estado ao usar, como arma de arremesso político, uma sindicância mandada fazer à medida precisa do objectivo que se pretendia alcançar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

0 Sr. Acácio Barreiros (PS): - Essa agora!

O Orador: - E tudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazendo tábua rasa dos mais elementares princípios de um Estado de direito. Não se acusam pessoas na praça pública sem, previamente, as ouvir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Que crédito tem uma sindicância que, pelo que veio a público, responsabiliza pessoas que nunca foram ouvidas? Que sindicância é esta? Que Estado de direito é este? E que princípios democráticos são estes que avalizam tamanha perversidade?
Mas o grave da situação não termina ainda.
No início desta semana, o magistrado do Ministério Público que conduziu a sindicância tornou pública a sua decisão de processar o líder da oposição por este, com todo o direito, denunciar a gravidade desta situação. O grave está em que o magistrado, que é suposto ser independente, resolveu «tomar as dores» do Governo. O Presidente do PSD criticou o Governo. O Governo calou-se. Quem falou, a ameaçar com um processo crime foi o magistrado sindicante. Uma vez que não era visado nas declarações do PSD, o magistrado do Ministério Público em causa ou foi utilizado ou deixou-se utilizar pelo Governo. Este facto não pode deixar, em qualquer caso, de configurar uma grave relação de promiscuidade política. E isto não é aceitável num Estado democrático.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este caso configura, como se vê, uma investigação claramente dirigida.
Uma investigação tem de ser um processo sério - destina-se, em abstracto, a esclarecer factos e a apurar responsabilidades, independentemente da sua natureza e de quem os pratica. Aqui fez-se o contrário: definiu-se, primeiro, o alvo em concreto a atingir para, depois, desenvolver tudo à medida do objectivo pretendido.

O Sr. José Magalhães (PS): - No «cavaquismo» é que era assim!

O Orador: - A interação não foi, nem é, a de averiguar; a intenção é a de atacar pessoal e politicamente. Estamos, assim, perante uma das maiores desonestidades políticas alguma vez praticadas em Portugal.

Aplausos do PSD.

Só que nada disto sucede por acaso, nada disto é um caso isolado. Tudo isto é muito singular e paradigmático.
A crescente arrogância do Governo leva a que todos os meios sejam utilizados para alcançar os fins pretendidos. E os fins pretendidos são óbvios: intimidar pessoas, condicionar comportamentos, fazer julgamentos sumários, tentar silenciar quem critica, quem faz oposição, quem discorda, quem não se identifica com o poder instalado.
A prática deixou de ser a conclusão de processos. O que há, sim, são processos,que se anunciam, uns atrás dos outros, para manter os potenciais visados em regime de silêncio controlado ou de «liberdade de opinião vigiada». Nunca, em Portugal, se anunciaram tantos processos e nunca, em Portugal, tanto processo ficou por fechar ou concluir.

Aplausos do PSD.

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Não há corrupção ou fraude que o Governo queira verdadeiramente apurar e punir. A corrupção, se existe e onde existe, continua, impunemente, a existir. O que há são ameaças e mais ameaças de processos, sempre com a mão visível ou invisível do Governo a orientar,...

O Sr. José Magalhães (PS): - A mão invisível?!

O Sr. Rui Namorado (PS): - Se é invisível como é que a viu?

O Orador: - ... para que a opinião se cale, a crítica se não faça ouvir e o que é incómodo ceda rapidamente perante o politicamente correcto do situacionismo vigente.
Chegou-se ao ponto, como neste caso, de o Governo se arvorar, ele próprio, em juiz, em árbitro e em investigador. É uma perversão do Estado de direito democrático. Isto não é luta contra a corrupção, isto é luta política e combate partidário.
Tudo serve, Srs. Deputados, para tentar intimidar e silenciar; tudo serve à estratégia arrogante do Governo; tudo serve para tentar enviesar ou calar o debate político democrático.
Mas uma outra coisa fica igualmente clara: a chocante. inversão de atitudes que o Governo pratica. Tudo é feito, diz-se, em nome da transparência e do combate à corrupção, mas, no final, é o combate à corrupção, ele próprio, que fica por fazer, é a investigação independente e verdadeira, «doa a quem doer», que cede à luta partidária. Não há vontade política de encerrar nada nem de chegar ao fim de nada.
O combate à corrupção, à fraude e à indevida utilização de dinheiros públicos é um combate que importa fazer. Esse é um combate indispensável. Mas esse é' sempre adiado com todos os pretextos.
O cidadão anónimo pergunta-se legitimamente: onde estão os resultados do combate à corrupção? Onde estão concluídos os muitos processos anunciados? Onde está o tratamento exemplar de quem prevarica?
Quando fala de corrupção o Governo só sabe falar de falta de meios. É uma conversa recorrente e requentada. Serve para disfarçar e anestesiar. O País, esse, queixa-se da falta de resultados, porque é de resultados, palpáveis, sérios, independentes e rigorosos, que se faz o combate à corrupção.
É em nome deste combate, que não tem cor política nem limite partidário, é em nome da indignação pelo aproveitamento público e pela manipulação política de simulacros de investigação que aqui levanto, uma vez mais, a minha voz. Porque o que está asuceder em Portugal, pela mão de um Governo socialista, avalizado e praticado por um Governo socialista, é inaceitável! Isto tem de ser denunciado com toda a firmeza e com toda a convicção porque nada disto é próprio de um Estado e de um regime de direito democrático!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se para defesa da honra da bancada do Governo, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Vozes do PSD: - Oh!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, na intervenção de V. Ex.ª há duas partes bem distintas. Uma tem a ver com a interpretação e o conhecido incómodo que o PSD tem quanto ao funcionamento das entidades independentes do Estado, as entidades de fiscalização,...

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

... que é uma matéria que já não nos surpreende e quanto à qual não farei qualquer comentário. Quando VV. Ex.as eram governo, os resultados do funcionamento dessas entidades eram «forças de bloqueio» ao vosso governo, agora, que estão na oposição, são «armas de arremesso» contra a oposição. É sempre a mesma mentalidade e o mesmo incómodo que têm com o funcionamento de entidades independentes e de fiscalização.
Há uma outra parte da intervenção de V. Ex.ª que motiva esta defesa da honra da bancada do Governo e que é devida a ter invocado um facto, pura e simplesmente, deturpando-o. Refiro-me às declarações do Sr. Primeiro-Ministro, proferidas no passado dia 11, à saída do Palácio de Belém, após audiência com o Sr. Presidente da República.
Naquele momento, o Sr. Primeiro-Ministro, tendo sido interrogado sobre os resultados da sindicância que tinham sido noticiados na véspera, no telejornal, e que, nesse dia, tinham dado lugar a uma manchete do Diário de Notícias, dizendo que estavam envolvidos governantes do PS e do PSD, começa por louvar a celeridade com que foi produzido o inquérito, tendo dito que, agora, importava que a justiça actuasse e que «não doesse a mão» à justiça. Em seguida, há uma jornalista que lhe pergunta o seguinte: «Mas como é que interpreta o facto de esse ilícito envolver figuras do PS?». Ou seja, não foi o Primeiro-Ministro que falou de figuras do PS, do PSD, do PCP, do PEV ou do PP, foi uma jornalista que lhe fez uma pergunta sobre as figuras do PS.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Então, a culpa é dos jornalistas?

O Orador: - Perante esta pergunta, responde o Sr. Primeiro-Ministro: «Houve, de facto, indicações, num jornal de hoje, de que haveria figuras do PS envolvidas. Não tem razão de ser qualquer distinção; seja qual for a cor política a justiça deve actuar e que não lhe doa a mão».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não foi isso que ele disse!

O Orador: - Foi isto que disse o Sr. Primeiro-Ministro.
Acrescentou o Sr. Primeiro-Ministro, como lhe era devido e para não fugir à pergunta que lhe tinha sido feita quanto a figuras do PS, que, entretanto, tinha recebido indicações de que nenhum actual ou ex-membro do Governo do PS estava envolvido num caso de corrupção.
O Sr. Primeiro-Ministro disse-o, e bem. É que, para quem estabeleceu para si próprio um padrão de ética e de responsabilidade exigente, é normal que se preocupe desde logo em saber se algum membro do Governo, que exerce ou exerceu funções por sua nomeação, está envol-

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vido num caso de corrupção. Isto faz sentido para quem não veja em inquéritos manobras políticas, para quem se veja sujeito a inquérito como um dever de responsabilidade de quem gere dinheiros públicos e que, como tal, deve fazê-lo de forma impoluta e isenta. Foi isto que disse o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro nunca se referiu à figura A ou B. Insistiu, aliás, em dizer que não tinha cor política a distinguir relativamente a esta matéria.
Quanto a isto, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, não vale a pena estar nervoso. Faça como nós que estamos serenos...

Risos do PSD.

... porque seguimos um velho ditado: «Quem não deve não teme».
O que V. Ex.ª não pode fazer é pôr na boca do Sr. Primeiro-Ministro aquilo que dá boca do Sr. Primeiro-Ministro não saiu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, para dar explicações, se assim o desejar.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a sindicância em causa não é um inquérito independente, foi mandada fazer pelo Governo e não considero que, em matéria de investigação, o Governo seja uma entidade independente, como se provou.

Aplausos do PSD.

Quanto ao mais importante da sua intervenção, que é relativo às afirmações do Sr. Primeiro-Ministro, proferidas na residência oficial do Sr. Presidente da República, há dois ou três pontos que importa reafirmar.
O primeiro ponto é o de que, por aquilo que disse há instantes, o Sr. Ministro acaba de confirmar que o Sr. Primeiro-Ministro, na sua qualidade de Primeiro-Ministro, disse aquilo que eu disse que ele disse.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - É verdade!

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não é verdade!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro disse publicamente, à saída do Palácio de Belém, perante uma qualquer pergunta, que, pelas informações de que dispunha, não havia membros do seu Governo implicados pela sindicância. Tudo isto é claro. Ou seja, para português corrente, o Sr. Primeiro-Ministro ilibou o PS e o seu Governo, para melhor poder condenar o PSD, os seus militantes e os seus dirigentes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas ainda há mais: o Sr. Primeiro-Ministro pode ter tido as perguntas dos jornalistas que estes

entenderam colocar-lhe - não há mal nenhum quanto a isso -, mas, ao responder-lhes, e da forma como o fez, o Sr. Primeiro-Ministro não falou como Primeiro-Ministro, falou como líder partidário,...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não!

O Orador: - ... confundiu o Palácio de Belém com o Largo do Rato, confundiu o Governo com o Coliseu dos Recreios, o mesmo é dizer que confundiu o partido com o Estado. É a prova provada de que esta sindicância era claramente dirigida, com todos os requintes, para que pudesse servir o seu objectivo.
Primeiro, cria-se uma ideia e a seguir vem ó Primeiro-Ministro e diz: «nenhum governante meu está minimamente envolvido». Em função disto a manipulação é total e grosseira. Aliás, não é a primeira vez, de resto, que à saída do Palácio de Belém o Sr. Primeiro-Ministro fala como líder partidário...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não, não!

O Orador: - ... e dessa forma alterna e desvirtua o seu estatuto e está a violar um dever de isenção e de imparcialidade que é exigível a um primeiro-ministro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro, mas agradeço que se circunscreva a essa figura regimental.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não vou contribuir para atrapalhar mais os debates parlamentares...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Essa agora!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Atrapalhe à vonta-

de!

O Orador: - Temos uma agenda «carregada», pois existem duas propostas de lei muito importantes para serem discutidas hoje sobre o combate à corrupção.
No entanto, gostaria de, como há dúvidas sobre o que o Sr. Primeiro-Ministro disse ou não disse, referir que eu tenho aqui uma cassete com o registo videográfico...

Protestos do PSD.

Pois..., a verdade incomoda, não é?... A verdade é muito incómoda, eu sei!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Como o Sr. Deputado Luís Marques Mendes insiste em dizer que o Primeiro-Ministro disse aquilo que o Primeiro-Ministro não disse e está registado em vídeo aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro efectivamente disse em resposta à pergunta que lhe foi colocada, eu entregaria à Mesa esse registo das declarações do Sr. Primeiro-Ministro, pedindo

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a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que diligenciasse no sentido de que, rapidamente, se procedesse à transcrição das palavras do Sr. Primeiro-Ministro e que isso fosse publicado do Diário da Assembleia da República, para assim, tal como vão ser publicadas as palavras do Sr. Deputado Luís Marques Mendes, também todos possamos saber o que é que o Primeiro-Ministro disse e em que medida é que o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, certamente involuntariamente, faltou à verdade na intervenção que proferiu perante esta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, por via desta figura regimental, gostaria de dizer ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares o seguinte: o «número» da cassete já é requentado...! É mais uma manobra de diversão...!

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - Em qualquer circunstância não podemos esquecer que os portugueses não são cegos, nem surdos, nem são ingénuos...

Vozes do PS: - Lá isso é verdade!

O Orador: - ... e perceberam tudo aquilo que o Primeiro-Ministro disse ao País.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se alternarem na produção de ruído ambos vão ser lesados daqui até às eleições, pelo que melhor é respeitarem quem está no uso da palavra para que também seja respeitado quando, por seu turno, estiver no uso dela.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Srancisco de Assis, Octávio Teixeira e Luís Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, o senhor ac@ibou de fazer aqui uma intervenção que nos permite estabelecer uma antítese clara entre duas visões da ética da responsabilidade pública: por um lado, a visão do Governo, que perante acusações ou suspeitas de existência de corrupção ou prática de ilegalidades administrativas graves ao nível da administração pública, empenha-se em criar as condições para que, de forma isenta, rigorosa e independente, se desenvolva um inquérito para averiguar a veracidade dessas acusações ou dessas suspeitas e, por outro lado, da parte do Sr. Deputado Luís Marques Mendes, sendo aqui o porta-voz do PSD, a estranha e curiosa concepção de que uma investigação só é correcta, isenta e objectiva se à partida determinar que o Governo tem culpa e que a oposição está absolvida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é essa a nossa concepção. É este o choque de posições que aqui está!

Aplausos do PS.

V. Ex.ª acabou na sua intervenção de ser a expressão mais clara daquilo que é o «cavaquismo» em versão oposicionista: a mesma arrogância, o mesmo desrespeito pelo princípio da separação de poderes, a mesma incapacidade de levar até ás últimas consequências uma investigação séria para saber se são verdadeiras ou não as suspeitas e as acusações graves de existência de corrupção em Portugal.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Não deixa de ser curioso, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, que, perante uma situação em concreto, em que, na verdade, um magistrado, usando de toda a independência que num Estado de direito democrático, como é o nosso, lhe está claramente conferida, promove um inquérito e na sequência desse inquérito se extraem conclusões, V. Ex.ª suba à Tribuna para pôr em causa o inquérito e para desenvolver uma verdadeira acção de intimidação sobre o magistrado sindicante que exerceu com total independência as suas funções.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Luís Marques Mendes, o que é fundamental é isto e fazemos um apelo: que haja o maior consenso possível quando se fala de corrupção, quando se fala de favores ilegítimos, quando se fala de tráfico de influências, porque é a própria essência do regime democrático que está em causa e nessa perspectiva, justamente porque temos essa noção, é que devem ser criados todos os instrumentos para que seja possível proceder a uma averiguação que não deixe a menor das dúvidas.
Foi essa a atitude do Governo e é por isso que temos de saudar a decisão do Sr. Ministro no sentido de promover a realização desta sindicância, porque isto é a demonstração inequívoca de que com este Governo quando há suspeitas há imediatamente a promoção de iniciativas conducentes à averiguação da veracidade ou da falsidade dessas suspeitas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não foi assim em relação a governos anteriores e V. Ex.ª veio demostrar que nesse aspecto os senhores nadá mudaram. V. Ex.ª veio demonstrar, de forma inequívoca, que, sob esse ponto de vista, em questões essenciais que têm a ver com o Estado, com a transparência do Estado, os senhores não mudaram rigorosamente nada e ainda bem que o senhor fez essa intervenção, porque é a demonstração inequívoca, a dois dias da realização de mais um momento desse processo quixotesco em que de dois terços em dois terços o Professor Marcelo Rebelo de Sousa se vai aproximando do abismo final, de que nas questões de fundo bs senhores nada mudaram: é

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a mesma arrogância, a mesma insensibilidade, o mesmo desrespeito pelo princípio da separação de poderes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas qual separação de poderes?

O Orador: - Já sabíamos que quando estavam no poder VV. Ex.as mantinham um conflito com o Sr. Montesquieu e verificamos agora que, estando na oposição, VV. Ex.as mantêm esse conflito. Salva-vos a coerência, mas não vos salva, seguramente, a posição de princípio,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... porque nesse aspecto a razão está do lado deste Governo e da maioria que o suporta e que levará este assunto até ao fim e até às últimas consequências, porque, como muito bem disse o Sr. Primeiro-Ministro, o que é importante é que sejam apuradas responsabilidades e que se alguém prevaricou seja penalizado, seja esse alguém quem for e pertença ao partido a que pertencer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Francisco de Assis, nem hoje nesta sessão, ao contrário de outras anteriores com a ajuda e a muleta do Governo, o senhor se aguenta nas suas fragilidades e vulnerabilidades.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Não seja insolente!

O Orador: - E a primeira coisa que é clara na sua intervenção é o seguinte: ao querer numa questão séria, que aqui abordei como o fiz em Dezembro passado relativamente a.outra matéria, levá-la para o campo partidário, fazendo um discurso tipo «Coliseu dos Recreios», isso só evidenciou, uma vez mais, que o seu sentido de Estado está pelas ruas da amargura.

Aplausos do PSD.

Vamos às duas ou três questões: independência. Qual é, Sr. Deputado Francisco de Assis, a independência de uma sindicância que, antes de ser conhecida dos visados, já está divulgada nos jornais? E não me consta que os jornais inventem; consta que os jornais divulgam aquilo que chega até eles. Qual a independência de uma sindicância em que nomes de pessoas estão manchados na praça pública sem poderem ter sido ouvidos e sem poderem pronunciar-se? Onde está a independência?

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - É uma vergonha!

O Orador: - Onde está a independência quando o magistrado sindicante, em vez de apurar quem fez as fugas de informação que causaram mancha à honra das pessoas, se preocupa em substituir-se ao Governo lançando a ameaça de um processo crime sobre o líder da oposição?

Vozes do PSD: - É uma vergonha!

O Orador: - Isto quando um magistrado deveria, designadamente neste caso, curar de que aquela sindicância não tivesse fugas de informação, que não passasse para os jornais enquanto os visados não se pudessem pronunciar, defender e ser ouvidos. Um magistrado em vez de apurar tudo isto, as fugas de informação, a tentativa de manchar o nome das pessoas, não!, toma as dores do Governo, substitui-se ao Governo na resposta ao líder da oposição e ameaça com processo crime. Onde está a independência de tudo isto?

Protestos do PS.

Srs. Deputados, os factos são evidentes: onde está a independência quando antes de tudo vir a público já tínhamos assistido, .como aqui vimos e reafirmámos, à saída do Palácio de Belém, o Sr. Primeiro-Ministro, único que é Chefe do Governo e que conhece a sindicância, os seus resultados e as suas conclusões, pronunciar-se publicamente sobre ela? Isto não é independência! Isto é uma actuação dirigida! Isto é a tentativa de manipular e de aproveitar pública e politicamente alguma coisa que devia ser tratada com seriedade.
Concluindo, Sr. Deputado, dir-lhe-ei que é por isso que isto não é combate à corrupção; isto é luta partidária. O combate à corrupção, esse sim, é importante, mas o que hoje os portugueses sentem é isto: fala-se de combate à corrupção, mas não há resultados desse combate; abrem-se processos, anunciam-se processos e fala-se de meios e mais meios, mas nunca há resultados! Os senhores têm «grande» vontade de combater a corrupção no discurso, porque depois não têm resultados práticos.
E mais, ainda, Sr. Deputado: combater a corrupção, por exemplo - e peço-lhe que olhe para mim - e combater a fraude na utilização dos dinheiros públicos era ter uma palavra de censura relativamente a importantes processos que prescreveram na secretaria, ao fim de vários anos, já que muitos inocentes ficarão para sempre com a marca de que se «safaram» por causa da prescrição! E muitos fugiram à malha da justiça. Sobre isso, o Sr. Deputado não teve uma palavra de crítica, uma palavra de censura, como não teve...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Objectivamente, os senhores não têm vontade de combater a corrupção; os senhores, por princípio, são Taxistas e comportam-se de uma forma que é inaceitável num Estado de direito democrático.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Francisco de Assis pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada do PS, Sr. Presidente.

Vozes do PSD: - Oh!
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Francisco de Assis (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, V. Ex.ª ultrapassa os limites do despudor ao permitir-se vir aqui falar da questão da prescrição de importantes processos quando sabe, como nós sabemos, que tal decorre de uma determinada redacção do anterior Código de Processo Penal, alterado por iniciativa desta maioria parlamentar socialista.

O Sr. José Magalhães (PS): — É óbvio!

O Orador: — V. Ex.ª não hesita em recorrer aos argumentos mais despudorados com o intuito de lançar a confusão em relação a esta matéria.

Vozes do PSD: — Não é verdade!

O Orador: — Sr. Deputado Luís Marques Mendes, esta Câmara já se habituou a que, na ausência de argumentos racionais, invocáveis e fundamentáveis, o senhor opte pelo insulto e pela calúnia mais primária!
Também devo dizer-lhe, olhos nos olhos — olhando frontalmente para o Sr. Deputado Luís Marques Mendes —, que os seus insultos e calúnias, pela sua repetição e pela forma como, despudoradamente, recorre a elas, já não nos apoucam, apenas têm o efeito de nos enobrecer, porque são a demonstração inequívoca da vossa preocupação, do vosso nervosismo, do vosso desalento!
Incapazes de constituírem uma alternativa credível; incapazes de mobilizarem os portugueses,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): — Eh!...

O Orador: — ... mormente aqueles que vos são mais próximos; incapazes de construírem um cenário de esperança em relação ao vosso próprio eleitorado, os senhores não hesitam em recorrer aos argumentos mais primários, mais vis, mais acintosos, com o único intuito de pôr em causa a transparência do funcionamento de um Estado de direito democrático.
V. Ex.ª não ignora, tal como ninguém ignora, que este Governo tem procurado criar instrumentos — aliás, ainda hoje, dentro de alguns minutos, vamos ter oportunidade de discutir aqui duas importantes iniciativas legislativas provenientes do Governo — justamente no sentido de melhorar as condições de eficácia do combate à corrupção em Portugal; V. Ex.ª não ignora, tal como ninguém ignora, que este Governo tem criado novos instrumentos e procurado estabelecer todas as condições para que eventuais casos de corrupção sejam eficazmente combatidos em Portugal.
O que é espantoso, o que é um dado novo deste debate é que, aparentemente, isso incomoda muito VV. Ex.ªs

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — O Sr. Deputado Luís Marques Mendes lá saberá por que é que fica tão incomodado quando o Governo procura ir até às últimas consequências na investigação de suspeitas de corrupção e da prática de graves ilicitudes administrativas ocorridas em Portugal!

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Concretize!

O Orador: — Sr. Deputado, há apenas uma frase em que o cito: «Os portugueses não são cegos»; os portugue-
ses que acompanharam os últimos 10, 15 anos de governação sabem estabelecer a diferença; os portugueses que assistem a este debate saberão estabelecer a diferença entre um Governo e uma maioria que sustenta parlamentarmente esse Governo empenhados em levar até às últimas consequências o combate às práticas de corrupção em Portugal...

O Sr. Pedro Baptista (PS): — Exactamente!

O Orador: — ... e o maior partido da oposição profundamente incomodado perante a perspectiva de o Governo levar até às últimas consequências o combate à corrupção em Portugal!

Aplausos do PS.

Essa é que é a verdade, essa é que é a evidência, essa é que é a ilação legítima que se pode retirar do debate desta tarde.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, dois meses após eu ter denunciado, do alto da tribuna, censurando e criticando, a prescrição de vários processos judiciais, finalmente, o Sr. Deputado teve uma palavra sobre o assunto.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Em Dezembro passado, quando aqui denunciei e proferi palavras duras sobre essa matéria, quando aqui propus ao Governo a instauração de um inquérito para apurar responsabilidades e responsáveis, o senhor disse nada! Dois meses depois, acossado, teve uma palavra a dizer. Mas que palavra, Sr. Deputado!?
O Sr. Deputado entende que 10 anos não é tempo suficiente para pôr fim à investigação de importantes processos, como é o caso daqueles? O Sr. Deputado entende que se devem manter processos durante anos e anos, deixando-os prescrever na secretaria? O Sr. Deputado concorda que a culpa, uma vez mais, morra solteira?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — O Sr. Deputado concorda que, uma vez mais, quem é inocente fique com a marca de que, no meio da confusão, se conseguiu «safar» e que os prevaricadores tenham conseguido, por uma habilidade, fugir às malhas da justiça?
Sr. Deputado Francisco de Assis: «quem não deve não teme»!

Vozes do PS: — Ah!

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para construir um discurso, para fazer retórica, e nunca para investigar, para apurar responsabilidades.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está embaraçado, muito embaraçado!

O Orador: - Para o PS e para o Governo o discurso do combate à corrupção é um, a prática é outra. Por isso, uma vez mais, fugiu-lhe a boca para a verdade, ou seja, o Sr. Deputado afirmou que para combater a corrupção precisam de meios, de mais instrumentos e de se tornarem mais eficazes.

Vozes do PS: - Há resultados!

O Orador: - Sr. Deputado Francisco de Assis, o que o País quer sãó resultados.

Vozes do PS: - Mas há!

O Orador: - O que acontece hoje, em Portugal, é que todos os dias se anuncia a abertura de processos; todos os dias se faz o anúncio de novos processos, mas nunca ninguém lhes conhece o rasto..., porque nunca chegam ao fim, ficam na secretaria! Essa é a prova provada de como os senhores não têm vontade política nesta matéria.

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, dá-me licença que continue?

O Sr. José Magalhães (PS): - Dou, dou!

O Orador: - O Sr. Deputado terá oportunidade de falar...
Mas já agora gostava que o Sr. Deputado Francisco de Assis explicasse à Câmara como é que, ao fim de todos estes anos, ainda continuamos apenas a falar de «mais meios», de «mais instrumentos», de «aprofundar e de aperfeiçoar o combate à corrupção»!?
Ó Sr. Deputado, vá ver se consegue convencer algum português desta ineficácia, desta incapacidade! Do que se fala é sempre do combate à corrupção, mas em termos concretos, em matéria de resultados, o que temos é zero. E os senhores não têm uma palavra para criticar ou contestar essa situação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Marques Mendes, tem agora a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, em nome da bancada do PCP e pessoalmente, gostava de dizer que não podemos aceitar que a sindicância a que se referiu, na intervenção, tenha sido ordenada e conduzida com alvos e conclusões pré-determinados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós também

O Orador: - E digo que não podemos aceitar porque isso, tal como V. Ex.ª referiu, não seria estar a combater

a corrupção, nem, sequer, estar a entrar no combate político, na luta partidária.

O Sr. José Magalhães (PS): - É óbvio!

O Orador: - Tal significaria descer a processos abjectos, indignos de uma qualquer democracia e, possivelmente, apenas passíveis de se verificarem nas chamadas «repúblicas das bananas».

Vozes do PSD: - É o caso!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, certamente, todos nós defendemos, na palavra e nos actos, que ninguém pode ser condenado na praça pública, sem que previamente tenha sido condenado em juízo.

Vozes do PCP e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E não queremos deixar de manifestar a nossa estranheza pela forma como os... - ia dizer os resultados dessa sindicância, mas não sei se assim é, porque apenas conheço o que vem na comunicação social alegados resultados da sindicância passaram para a comunicação social. Não podemos aceitar e julgo que não é possível que situações destas se continuem a multiplicar.
Manifestamos não apenas a nossa estranheza como uma clara condenação pela forma como esse processo decorreu.
Por último, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, gostava de referir o seguinte: a sindicância foi feita e apresentada à Procuradoria-Geral da República. Pela nossa parte, consideramos que, em tempo útil, com celeridade, a Procuradoria-Geral da República deve promover a análise e o aprofundamento desta sindicância até às suas últimas consequências,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ... doam elas a quem doer!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Talvez seja altura de também a Procuradoria-Geral da República conduzir as suas investigações para apurar como, por que forma e por quem os resultados desta sindicância foram transmitidos à comunicação social.

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, concordo com praticamente tudo, para não dizer tudo, quanto V. Ex.ª aqui acabou de referir.
Permita-me apenas que, na sequência das suas considerações e reflexões, deixe aqui - mais à Câmara e ao País do que ao Sr. Deputado - a seguinte questão: uma sindicância é, por natureza uma investigação de factos. Nenhum de nós conhece a sindicância, apenas o Governo

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a conhece, mas o que todos nós lemos nos jornais, mais do que factos, foram nomes de pessoas em concreto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - Isto é vergonhoso, porque uma sindicância respeita a factos, a situações em concreto; os inquéritos é que são feitos a pessoas, por isso é que um inquérito é conduzido por uma outra entidade que não 0 Governo!
Mas o que o Sr. Deputado conhece, o que eu conheço, o que a Câmara conhece,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Que o Governo quis que a gente conhecesse!

O Orador: - ... o que o país conhece, pela mão do Governo, que divulgou cirurgicamente aqueles dados,...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Falso!

O Orador: - ...; aquilo que se conhece, dizia, são nomes de pessoas que não puderam ser ouvidas, nem pronunciar-se, nem defender-se das acusações, mas cujo nome já foi manchado na opinião pública. Isto é vergonhoso, repito, num Estado de direito democrático.
No fundo, alguns dos senhores desta Casa parecem não perceber o que se passa, mas hão-de perceber, mais dia menos dia, porque este tipo de comportamentos, que se tem vulgarizado ao longo dos anos, infelizmente, toca a todos! É contra estes comportamentos, não na defesa do PSD, não na defesa de ninguém em concreto, porque a transparência, o combate à corrupção não têm cor, mas na defesa de princípios elementares de um Estado de direito que me indigno e revolto. A questão não é partidária, é uma questão de ética, de princípios, de valores, de defesa da pureza e da autenticidade do regime democrático.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dos Assuntos Par
lamentares pede, mais uma vez, para usar da palavra em
defesa da honra da bancada do Governo, em virtude das.
últimas afirmações do Sr. Deputado Luís Marques Men
des. _
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Marques Mendes deixou de se referir ao Sr. Primeiro-Ministro, mas na resposta ao Sr. Deputado Octávio Teixeira afirmou duas coisas: primeiro, que o Governo conhecia a sindicância e, segundo, que o Governo a divulgou «cirurgicamente».

Protestos do PSD.

Em nome do Governo, queria deixar claro o seguinte: primeiro, o Governo, no seu conjunto, não conhece nem tinha de conhecer a sindicância. O magistrado sindicante entregou ao Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território o relatório da sindicância e o Sr. Ministro, sem o ler sequer, entregou-o ao Sr. Procurador-Geral da República,...

Risos do PSD e do CDS-PP.

... como lhe competia.
Segundo, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, por muito que lhe custe, porque, de facto, essa é uma peça boa na encenação que quer construir, o Governo não divulgou qualquer resultado de sindicância.
Neste ponto, a cronologia é muito importante. Na quarta-feira, dia 10, uma dos canais de televisão, no telejornal da noite, divulgou que no dia seguinte iria ser entregue o resultado da sindicância, dizendo genericamente que envolvia figuras deste e daquele.
No dia 11, de manhã, o Diário de Notícias apresentou como manchete que a sindicância envolveria governantes do PS e do PSD e só nesse dia à tarde, às 15 horas, é que o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento é da Administração do Território recebeu do magistrado sindicante o relatório da sindicância, o que significa que quando o Si-. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território recebeu o resultado da sindicância já, pelo menos, o Diário de Notícias e um dos canais de televisão se tinham referido ao resultado da sindicância.
Em terceiro lugar, o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território só ao fim desse dia, e depois de se encontrar com o Sr. ProcuradorGeral da República, deu uma conferência de imprensa onde se referiu, genericamente, àquilo que tinha sido relatado pelo magistrado sindicante.
E se o Sr. Deputado tiver reparado bem... Já percebi que nem sequer ouviu o que o Sr. Primeiro-Ministro disse, mas se reparar bem ao ouvir a cassete que entreguei ao Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro diz, aliás, o seguinte: «(...) recebi informações (...)». E recebe informações porquê? Estou certo de que se um dia o Sr. Deputado Luís Marques Mendes for Primeiro-Ministro- de Portugal - o que pode acontecer... - e vir num jornal o resultado de uma sindicância que envolve um membro do governo por si nomeado, a primeira coisa que o Sr. Deputado Luís Marques Mendes faria- faço-lhe essa justiça - era saber se tinha ou não alguém para demitir nesse mesmo dia.
$ evidente que se tivesse um padrão de ética e de responsabilidade como o que VV. Ex.ª praticavam no vosso governo, em que sempre que havia um membro do governo acusado do que quer que fosse isso era considerado como «uma manobra das forças de bloqueio», é evidente que o Sr. Deputado não teria a preocupação de demitir; teria, isso sim, a preocupação de, imediatamente, construir uma «conspiração política» que atingia um membro do seu governo. Mas não é essa a nossa postura! Nós acreditamos, respeitamos e submetemo-nos às instituições independentes do Estado,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas quais?

O Orador: - ... «doa a quem doer», e mesmo quando nos dói! E quando nos dói sofremos isso porque é essa atitude que nos exige o nosso padrão dê ética e de responsabilidade.
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, não acuse sem provas, porque se a acusação que fez fosse verdadeira seria - como disse e muito bem o Sr. Deputado Octávio Teixeira - uma coisa abjecta!

Vozes do PSD: - E é!

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O Orador: - Portanto, se tem alguma prova de que algum membro deste Governo divulgou «cirurgicamente», com o objectivo de atingir A, B, ou C, os resultados dessa sindicância, coloque essas provas em cima da mesa e olharemos para elas com toda a atenção que certamente nos merecem. É porque se assim fosse, de facto, isso seria lamentável.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Ministro.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Mas o que o País não lamenta - e pode ficar satisfeito - e V. Ex.ª certamente lamenta é que a acusação que V. Ex.ª dirige a este Governo seja totalmente infundada. E essa, sim, é uma manobra de diversão de quem está muito nervoso e creio nada dever ter na consciência que lhe pese e que justifique tanto nervosismo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, como já foi dito várias vezes ao longo dos últimos dias e também hoje, a sindicância é da responsabilidade do Governo. Foi o Governo que a mandou fazer. É o Governo a única entidade que, pelo menos, até sexta-feira, e julgo que ainda eventualmente hoje, conhecia a sindicância.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não é verdade!

O Orador: - Se não foi o Governo a divulgar, então o Sr. Ministro explique ao País quem foi que divulgou as informações à comunicação social!

Aplausos do PSD.

Na sequência disso, o Sr. Ministro, já agora, tenha a gentileza de informar o País sobre se o Governo, não tendo qualquer responsabilidade na passagem de informação para os jornais, já tomou alguma diligência ou iniciativa para investigar de quem é a responsabilidade da fuga de informação.

Aplausos do PSD.

. Em terceiro lugar, Sr. Ministro, já agora, aproveite o ensejo e explique também ao País como é que uma sindicância que é feita a factos se vê espelhada nos jornais em termos de nomes de pessoas concretas que não tiveram direito a ser ouvidas ou a defender-se. Já agora, explique também esta questão ao País!
Para concluir, Sr. Ministro, hoje, cada intervenção de V. Ex.ª é assim: «é pior a emenda do que o soneto»!

Risos do PSD.

Lá diz o nosso povo que «há dias em que não se deve sair de casa».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, gostaria de, através da Mesa, porque directamente, pelos vistos, há dificuldade de comunicação, insistir junto do Sr. Deputado Luís Marques Mendes para ver se o Sr. Deputado consegue perceber o que eu disse há pouco.
O Governo recebeu os resultados da sindicância do magistrado sindicante na quinta-feira às 15 horas e já nessa manhã, ou seja, antes de o Governo ter recebido o resultado, o Diário de Notícias se tinha referido à sindicância e na véspera um dos canais de televisão se tinha referido à sindicância.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mantenham a serenidade necessária.

O Orador: - Sr. Presidente, quero apenas, através de V. Ex.ª, explicar ao Sr. Deputado Luís Marques Mendes, e por extensão a todas e a todos os ilustres Sr.ªs e Srs. Deputados da sua bancada, que é impossível alguém divulgar por antecipação aquilo que só vem a conhecer posteriormente.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, nunca fui explicador de ninguém.

Risos do PSD.

... e não ia agora sê-lo do Sr. Deputado Luís Marques Mendes.
O Sr. Deputado Luís Marques Mendes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Espero que seja breve e que acabemos com essa multiplicação de interpelações que só indirectamente o são.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, quero dizer o seguinte sobre esta questão que o Sr. Ministro trouxe: há duas ou três coisas que são factos públicos e notórios e esses não têm a ver com qualquer um de nós. O primeiro facto é que quem mandou fazer a sindicância e quem é o responsável por ela...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não repita o que já disse, dê informações novas, se não não se trata de uma interpelação.

O Orador: - O Sr. Ministro também repetiu e o Sr. Presidente verá que vou acrescentar alguma coisa.

O Sr. Presidente: - Também me apeteceu dizer o mesmo ao Sr. Ministro.
Peço desculpa, mas temos de respeitar-nos uns outros. Não quero ser mais respeitado do que os senhores, mas ao menos tenham por mim um respeito igual.

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O Orador: - Sr. Presidente, o primeiro facto que é público e notório é que foi o Governo que mandou fazer uma sindicância, portanto é ele o responsável por essa sindicância.
O segando facto é que houve fugas de informação, o que também é indiscutível.
O terceiro facto é que houve nomes de pessoas que foram claramente «manchados» e agora o que existe de novo é a insinuação feita pelo Ministro de que afinal a fuga não era da responsabilidade do Governo mas que é eventualmente - é o que se pode depreender - ou do magistrado sindicante ou de qualquer outra entidade de investigação.
Gostaria que o Sr. Ministro tivesse a coragem de afirmar, em vez de insinuar, porque, eu, por exemplo, gosto de dizer as coisas cara a cara e nunca insinuo: digo, afirmo e reafirmo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Junqueiro pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Junqueiro (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se os Srs. Deputados multiplicam as interpelações deste género, deixarei de dar a palavra. Lamento muito mas não vamos eternizar esta situação.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer esta interpelação, na qualidade de presidente da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma de Estradas, para informar a Câmara, já que tive conhecimento e, por isso, estou em condições de poder afirmar, de que o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território despachou favoravelmente o envio a esta Comissão e à Assembleia da República do relatório que resulta da sindicância que foi feita, e cuja temática tem sido abordada, pelo que os Deputados da Comissão de Inquérito terão acesso a todos os factos integrais que constam desse mesmo relatório, obrigando-nos, como é óbvio, a manter sigilo sobre o mesmo.

O Sr. Presidente: - Fica dada a informação.
Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de pedir esclarecimentos e fazer uma breve referência a três ou quatro pontos que me pareceram importantes na sequência da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Mendes e do debate que se seguiu.
Parece-me muito significativo e importante voltar ao primeiro ponto e denunciá-lo, na Assembleia da República, as vezes que forem necessárias, ou seja, o problema da prescrição dos processos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Francisco de Assis, a verdade é que nenhum processo está parado 10 anos por causa de qualquer Código de Processo Penal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Código de Processo Penal é importante para saber se esses 10 anos influem ou não na prescrição do processo. Agora, o facto de estar parado não é por culpa de qualquer Código de-Processo Penal.
Devo dizer que processos parados há 10 anos têm de ser vistos numa dupla perspectiva: por um lado, a sensação de impunidade com que a opinião pública fica relativamente a alguns dos casos mais controversos e mais graves que estão em cima da mesa na sociedade portuguesa, a criminalidade económica, a corrupção e o uso ilícito de bens e dinheiros públicos. Por outro lado, Sr. Deputado, sei que o Sr. Deputado só pode ser sensível ao facto de haver pessoas que ficam 10 ou 12 anos, ou seja, um terço da sua vida útil suspensas de um processo que não acaba ou se acaba acaba da pior forma, com a sua honorabilidade, o seu bom nome e a sua reputação postos em causa, sem verem o caso em que se viram envolvidos resolvido pela justiça.
A segunda questão que quero referir é a seguinte: temos, neste caso, como em muitos outros, um problema relacionado com a divulgação, muitas vezes seleccionada e selectiva, das notícias de processos que estão sob reserva ou mesmo sob segredo de justiça.
É uma evidência, não vale a pena negar que a nossa história recente é feita de casos desses, com vítimas variadas e de vários quadrantes. Mas nesta situação em concreto, mesmo o debate que se suscitou em torno de se saber se a responsabilidade da fuga de informação é do Governo, do magistrado,, da Procuradoria-Geral da República ou de algum funcionário anónimo de qualquer dessas três entidades, merece que, na verdade, se reveja, uma vez mais, a matéria de segredo de justiça e se contemplem as nossas opções. Este é um caso nítido em que, a meu ver, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, as autoridades, sejam administrativas sejam judiciais - penso que se tratou de uma sindicância de âmbito administrativo dirigida por um magistrado -, devem ter a obrigação legal de, a solicitação dos visados, proceder a um esclarecimento público e cabal das circunstâncias em que as pessoas são visadas e do que delas consta relativamente à sindicância ou à investigação em causa. É que quem melhor defende a honorabilidade das pessoas são os próprios visados e neste caso era obrigatório que isso acontecesse, ainda para mais, Sr. Deputado, quando se sabe - e este é, a meu ver, outro facto absolutamente espantoso - que esta sindicância não respeitou, relativamente a alguns visados, o princípio do contraditório, ou seja, a possibilidade, de eles se fazerem ouvir e dizerem das suas razões. Tanto mais ainda que uma das pessoas visadas nessa sindicância já veio dizer que se foi com base nas declarações que ela fez, a propósito de uma outra, que se indiciou essa outra personalidade, então é um disparate completo porque ela não disse na sindicância aquilo que veio a público.
Para terminar, quero apenas fazer um último comentário, antes que o Sr. Presidente me recorde o tempo. Acho que nestas discussões se passa sempre ao lado aquilo que é mais importante, ou seja, a reforma da justiça, que este Governo se revelou completamente incapaz de fazer no sentido do aumento da sua eficácia e da celeridade dos processos e, por outro lado, a reforma da administração pública e a racionalização dos serviços burocráticos do Estado. Cada vez é mais verdadeira a frase de que o Estado inventa dificuldades para depois alguns dos seus agentes venderem as facilidades.

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Acho que o combate às causas, a luta pela reforma da administração pública e da máquina judicial continua por fazer e os senhores vão orgulhar-se, no fim desta legislatura, de deixarem estes sectores como os receberam ou pior.
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, a pergunta que lhe faço é muito simples e prende-se com a questão de saber se V. Ex.ª comunga ou não das preocupações que referi relativamente a estes pontos que enunciei.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, tal como disse há instantes ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, concordando praticamente com todas as afirmações que fez aqui, também o digo relativamente ao essencial das questões aqui colocadas pelo Sr. Deputado Luís Queiró. E, por isso, permitir-me-ia, a concluir o debate aqui travado esta tarde, tirar duas ou três rápidas conclusões.
Em primeiro lugar, duas bancadas, a do PP e a do PCP, exprimiram aqui as suas preocupações com todo este processo e com a forma como foi conduzido, tal como a bancada do PSD.
Em segundo lugar, houve apenas uma bancada que fingiu que não percebeu e que fingiu que não percebeu o que de sério e grave estava por trás de tudo isto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, como terceira e última conclusão, verificou-se aqui, hoje, a presença do Governo para fazer, como sempre, a mesma coisa: alijar responsabilidades, nunca assumir responsabilidades por coisa nenhuma mas, hoje, corri uma nuance, ou seja, sem a coragem de fazer afirmações, deixando no debate um sem número de insinuações.
Tudo isto vale o que vale e tudo isto é, de facto, sério. A partir daqui, os portugueses sabem tirar as suas conclusões.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Vai tudo a julgamento!

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo Partido Popular, sobre a nova orgânica do Teatro Nacional de São Carlos e suas implicações.
Para uma intervenção de introdução do debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ªs e Srs. Deputados: Destina-se este debate de urgência a esclarecer junto do Sr. Ministro da Cultura as razões que o levaram a querer «enfiar» no fosso do São Carlos uma orquestra sinfónica. Questão de somenos? Não! E explico porquê.
Em 1991, o panorama orquestral português era patético. A sua modificação requereu muita ponderação, muito trabalho e a afectação de recursos consideráveis. De tudo isto saiu uma orquestra sinfónica portuguesa, o quadro normativo que viria a permitir a criação de orquestras regionais, um quadro normativo de estímulo e apoio a

concertos ou ciclos de concertos de formações orquestrais várias e a normalização da crise aguda por que passava o Teatro Nacional de São Carlos.
Nos Estados Gerais do PS e, depois, no Programa deste Governo, mais não fizeram os socialistas senão reafirmar estes princípios e proclamar a necessidade de consolidar estas mesmas realidades. Aliás, na crítica feita pelos socialistas ao desempenho do Sr. Ministro da Cultura, através de uma moção apresentada no último Congresso do Partido Socialista, realça a da visão reducionista da Orquestra Sinfónica Portuguesa e a estagnação das orquestras regionais.

O Sr. José Saraiva (PS): - Não foi discutida!

A Oradora: - Podia o actual Ministro da Cultura rasgar o Plano Nacional de Orquestras, rasgar a orgânica da Fundação do São Carlos, consagrar diferentes normativos e estabelecer novas prioridades. Mas não foi isso que fez. Congelou ou reduziu o pouco que havia, sem nada realizar de novo e de melhor. E é isso que merece a nossa crítica e suscita a nossa preocupação.
A legitimidade político-cultural de uma orquestra sinfónica num país que atingiu, neste ano, o ranking da pobreza europeia, mede-se pela sua rentabilidade cultural. Paga pelos contribuintes, é legítimo exigir que ela produza muito e a sua produção beneficie um número crescente de cidadãos. Aliás, cabe perguntar aqui, por que razão se dá diferente tratamento à orquestra do Porto e à Orquestra Sinfónica Portuguesa. Que lógica, socialista ou outra, pode estar subjacente a tão abstrusa decisão?
O Teatro Nacional de São Carlos não tem vocação para gerir uma orquestra sinfónica. Aliás, o Teatro Nacional de São Carlos tem muito com que se ocupar, gerindo-se a si próprio. Senão vejamos: em 1997/98 produziu 6 óperas, das quais 2 eram importadas, correspondendo a 22 espectáculos; em 1998/99 produziu 5 óperas, correspondendo a 22 espectáculos. A mais de 1,5 milhões de contos/ano, é obra!
A Orquestra Sinfónica Portuguesa, por outro lado, poderia realizar mais de 100 concertos por ano. No entanto, a inércia dos poderes levaram a estes números: em 1996, 44 concertos; em 1997, 40 concertos; em 1998, 32 concertos. Músicos desocupados e, por isso, decerto infelizes, ganham milhares de contos do erário público. Mas não tocam.
E pensar que no Programa deste Governo se previa, e cito, a «desconcentração institucional, conducente a uma rede de organismos tanto quanto possível ligeiros, flexíveis, dotados de elevada autonomia funcional; autonomização institucional dos grandes organismos de produção artística, em especial das orquestras nacionais; institucionalização das actuais Orquestras Sinfónica Portuguesa e Clássica do Porto»!...
Mas, com a concentração agora operada, nem o Teatro Nacional de São Carlos, nem a Orquestra Sinfónica Portuguesa poderão cumprir devidamente as suas missões e vocações.
Um país como o nosso tem de ter particular cuidado na gestão destas artes, que, sendo as mais onerosas na sua produção, são as menos democráticas no acesso à fruição por parte da maioria dos cidadãos.
O Sr. Ministro não é um mecenas mas tão-só um executor de políticas culturais públicas que têm de ser avaliadas pela sua racionalidade, eficiência e eficácia.

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Espero, pois, que hoje nos responda às seguintes questões: quais são as vantagens para o Teatro Nacional de São Carlos e para a Orquestra Sinfónica Portuguesa desta nova orgânica? Como explicar um modelo redutor da rentabilidade cultural de instituições que, sendo únicas e muito onerosas, devem ser agilizadas e rentabilizadas ao máximo?
É que se V. Ex ª, Sr. Ministro, foi movido por um instinto destruidor de fundações públicas, era bom que nos dissesse agora e aqui se a sua substituição por «Conteúdos, S.A.» - em geral!... - resolve ou não o problema da cultura nacional.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Uma vez que não há pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Este debate de urgência, proposto pelo CDS-PP, não sendo um acto de contrição, quer pelo silêncio que assumiu perante a extinção das orquestras sinfónicas da RDP e do Teatro Nacional de São Carlos, quer pelo silêncio que assumiu desde o início até ao término do processo de extinção, em 1992, da empresa pública que geria o Teatro Nacional de São Carlos, quer pelo silêncio que assumiu em face dos direitos fundamentais dos trabalhadores da empresa pública que foram gravemente preteridos, com a substituição dos respectivos contratos de trabalho por contratos precários, só pode ser um concerto sem instrumentos e sem músicos ou uma ópera sem cantores e sem cenários.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: É indiscutivelmente importante avaliar, nesta sede, se as opções de política cultural deste Governo, particularmente na área da música e da ópera, têm vindo a constituir as melhores respostas não só para a defesa e valorização do património existente como para o seu desenvolvimento.
É importante avaliar se os objectivos traçados resultaram do diálogo com os profissionais que a estas áreas estão ligados e do conhecimento das necessidades, das apetências e da formação dos públicos existentes e dos públicos a conquistar. E é fundamental que esta avaliação aconteça para que não seja possível afirmar-se hoje, como afirmou Alexandre Delgado, em Junho de 1992, a propósito da destruição de duas orquestras sinfónicas e de uma ópera, que o Estado «.conseguiu tornar-nos, em três anos, o mais imponente deserto sinfónico do continente europeu; o mais extraordinário fenómeno de autofagia cultural da segunda metade do século XX. A manter-se o ritmo actual de destruição de orquestras, e caso Lisboa e Porto não sejam dotadas, com urgência, de dois grandes aparelhos sinfónicos, os corredores do Metropolitano não serão suficientes para albergar tantas gerações de músicos desempregados.».
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: A lei do lucro das indústrias de produção cultural tem-se sobreposto muitas vezes ao desenvolvimento e democratização da cultura.
O economicismo tem sido, frequentemente, o vector determinante das opções culturais.

Mecenatos e fundações, financiamentos indefinidos e agentes culturais votados ao ostracismo têm constituído estratégias destruidoras do nosso tecido artístico.
E foi com este cenário que o PSD encerrou a empresa pública que geria o Teatro Nacional de São Cárlos, transformando-a em fundação, despedindo os trabalhadores e sujeitando-os, posteriormente, a provas de avaliação, para, mais tarde, oferecer, a alguns, contratos a termo certo e algumas câmaras de vídeo que os vigiavam durante o trabalho e, a outros, o desemprego.
Convenhamos que é difícil uma melhor encenação operática. Seria cómica, se não fosse trágica. Trágica para o país e, particularmente, para todos aqueles que, transformados em peças do jogo económico, eram lançados no desemprego, depois de anos e anos de trabalho.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Foram muitos e muitos os músicos despedidos que se viram obrigados, em nome da sobrevivência, a tocar em bares e em restaurantes. E consta que alguns responsáveis por toda esta barbárie cultural lhes terão proposto que tocassem também em casamentos e baptizados.
Sr. Presidente, Sr.ªl Deputadas, Srs. Deputados: De tudo isto se lembram, ainda hoje, os trabalhadores que voltaram ao Teatro Nacional de São Carlos ou aqueles que se viram obrigados a iniciar outros trajectos profissionais. Porque nem sempre é curta a memória, também se lembram dos responsáveis, dos que ignoraram as suas expectativas, dos que, através de decretos e de comissões liquidatárias, do reinado do terror, das humilhações e das decisões autoritárias e unilaterais, marcaram o seu dia-a-dia.
Cronologicamente ultrapassada mas não branqueada esta página da história artística nacional, há que avaliar hoje os reflexos do restabelecimento do Teatro Nacional de São Carlos, segundo o Decreto-Lei n.º 88/98, «como organismo de direito público, ao qual é expressamente cometida uma missão de serviço público cultural no domínio da ópera e demais ramos de actividade lírica e músico-teatral, bem como no da actividade sinfónica e coral-sinfónica».
Definido o estatuto e os objectivos do Teatro Nacional de São Carlos, enuncia ainda o Decreto-Lei de Abril de 1998, que «O Teatro Nacional de São Carlos assume-se, deste modo, como instrumento privilegiado na prossecução dos objectivos de desenvolvimento artístico e cultural que constituem responsabilidade inalienável do Estado, em articulação com os demais organismos públicos de produção no sector das artes do espectáculo e com a rede pública de formação artística especializada.».
Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados, era o mínimo que este Governo poderia fazer, depois da azáfama demissionista do Estado na formação dos valores culturais nacionais, depois da azáfama destruidora de estruturas estáveis de produção cultural, depois da azáfama de constituição de estruturas empresariais destinadas á colocar no mercado os produtos culturais mais vendáveis.
Publicado o decreto, definidas as unidades orgânicas que integram o Teatro Nacional de São Carlos, eis que surgem, com o apoio de algumas luzes da ribalta, desfocadas, é certo, os carrascos de outrora, clamando hoje por justiça, defendendo os direitos laborais e valorizando o património nacional existente.

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Enfim, se não fosse mera hipocrisia, digamos que era bonito, que ficava bem, no seio deste país de matriz ocidental cristã.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: Mais importante do que imaginar um cenário onde proliferam orquestras, de Norte a Sul do País, é a aposta na defesa do património existente. E, neste sentido, não é possível falar de tradição, criar públicos, defender a descentralização e, simultaneamente, escolher, como estratégia permanente, a ruptura, a extinção e a substituição.
Como afirmam hoje, num jornal diário, o músico Mário Vieira de Carvalho: «Uma orquestra não é uma soma de músicos, é uma instituição que amadurece com o tempo e a prática.». Ou Adriano Aguiar, músico da Orquestra Sinfónica Portuguesa: «Pará cumprir as funções de orquestra operática e sinfónica e agora também o acompanhamento da Companhia Nacional de Bailado (...) é necessário aumentar o efectivo dos instrumentistas. Ainda no início de Fevereiro (...) a Orquestra Sinfónica Portuguesa foi buscar os sopros a outro lado. Nem sei aonde, mas aquilo não era a Orquestra Sinfónica Portuguesa.».
Este não pode ser o caminho. Outros existem e urge iniciá-los. Mas não chega a publicação do decreto-lei. É necessário criar condições para abrir as portas do Teatro Nacional de São Carlos ao país. É necessário que a dotação orçamental não ponha em causa o funcionamento autonómico das respectivas unidades orgânicas. É necessário criar condições de trabalho, particularmente aos músicos da Orquestra Sinfónica Portuguesa, que são obrigados a viajar de espaço para espaço, para poderem realizar os seus ensaios. É necessário que os processos de decisão resultem sempre do diálogo com os profissionais das respectivas áreas artísticas. É necessário, Promover e valorizar os músicos e a música portuguesa. É necessário descentralizar as actividades artísticas, procurando o alargamento dos públicos e promovendo o acesso dos cidadãos à fruição dessas actividades. É necessário reconciliar o País com a actividade artística, particularmente com aquela que alguns poderes quiseram transformar em espaços de elite cultural e financeira.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Tem a palavra, a Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, a V. Ex.ª, que aqui representa o Partido Socialista, na defesa do Sr. Ministro, visto que a bancada do Partido Socialista ficou muda nesta matéria e. penso que quase sei as razões, vou, de facto, fazer-lhe uma pergunta. Mas devo dizer que não deixa de ser curioso o apoio que a Sr.ª Deputada veio dar, com muito boa vontade e alguns erros que aproveito, desde já, para corrigir.
Em primeiro lugar, na data que apontou, ou seja, em 1992, não havia duas orquestras sinfónicas em Portugal. Infelizmente, elas foram extintas e não havia nenhuma. Isto é um erro de facto, que é grave, e relativamente ao qual a Sr.ª Deputada terá de perceber que, depois, na lógica

do seu discurso, já não deu uma coisa com a outra, não é verdade?! Ou seja, vinha queixar-se da extinção de duas orquestras, mas elas não existiam. Foi criada, então, a Orquestra Sinfónica e as orquestras sinfónicas foram extintas muito antes. Aliás, era bom procurar quem esteve na origem dessa extinção.
Depois, a Sr.ª Deputada fez aqui uma outra confusão: é que isto não é uma questão operária, é uma questão operática. Portanto, toda a questão sindicalista que a Sr.ª Deputada trouxe aqui seria muito interessante noutra sede mas é de somenos para este debate. Mas também não era desinteressante se conseguisse averiguar qual foi o acordo salarial feito por este Governo com os músicos do São Carlos, em total disparidade com os outros corpos artísticos, nomeadamente o bailado e o teatro, porque estou certa de que, mesmo numa questão operária,-que não operática, gostaria de preservar critérios de equidade.
A pergunta que lhe quero fazer é muito simples: com a produção que o São Carlos tem, com a produção que a Orquestra Sinfónica tem e dividindo o que o São Carlos e a Orquestra custam pelo número de bilhetes, considera correcto que seja a esse público que o Estado subsidie os bilhetes quase a 100%? É ou não esta a questão que estamos aqui a discutir?! Ou seja, quando falamos em produção cultural, a nossa preocupação é a de que haja uma rentabilização destas instituições que, sendo, exactamente, as mais onerosas, são as menos democráticas, porque a elas muito poucas pessoas têm acesso. Por isso, a pergunta que lhe faço é esta: considera que esta situação, que agora, com esta nova legislação, fica, de certa forma, trancada, é uma situação recomendável, num país de fracos recursos e onde, de facto, quem vai ao São Carlos é uma minoria com bilhetes subsidiados quase a 100% pelo Sr. Ministro da Cultura?

O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo, para o efeito, de 2 minutos concedidos pela Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais, muito obrigada por tanta benevolência. Vou tentar ser sintética e responder às questões, às várias e não a uma, que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto acabou de colocar.
Entendo que a Sr.ª Deputada estivesse interessada hoje num debate de urgência perfeitamente circunscrito. Foi entendido, e todas as bancadas o perceberam, que 3 minuto s de intervenção, tentando restringir um assunto de âmbito tão genérico, como é, efectivamente, a cultura em Portugal, só poderia ter um objectivo: a Sr.ª Deputada pretendia, e isso não vai conseguir, por parte da bancada do Partido Comunista, que nós, de algum modo, ignorássemos a história recente, na qual a Sr.º Deputada participou...

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Se quisesse que a ignorassem, não falava nela, Sr.ª Deputada! Que disparate!

O Sr. Presidente: - Sr.ªs Deputadas, por favor, não entrem em diálogo directo.

A Oradora:.- Recuso-me, Sr. Presidente.
Continuando a minha resposta, entendo perfeitamente a sua intenção e o seu objectivo: restringir a discussão para que, de algum modo, pudéssemos esquece r aqui, nesta

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Casa, hoje, o comportamento e as atitudes políticas da Sr.ª Deputada nesta matéria, pela qual é, em grande parte, responsável, nomeadamente naquilo que tem a ver com o despedimento dos músicos da Orquestra Sinfónica Portuguesa, com a implantação do reinado do terror dentro da orquestra, através das câmaras de vídeo, e com algumas sugestões feitas aos músicos da Orquestra Sinfónica Portuguesa - provavelmente a Sr.ª Deputada saberá de quem -, no sentido de tocarem em casamentos e baptizados, se quisessem comer todos os dias, etc.
Portanto, é natural que a Sr.ª Deputada não estivesse interessada nesta história, é natural que a Sr.ª Deputada estivesse interessada em delimitar ou restringir a nossa discussão de hoje ao decreto-lei do Partido Socialista, ao decreto-lei da responsabilidade deste Governo.
Quanto ao apoio, Srª Deputada, o apoio tem sido dado pelo CDS-PP, em todas as matérias, ao longo desta legislatura, desde o Orçamento do Estado. Ou será que a Sr.ª Deputada está esquecida de que colaborou na passagem do Orçamento do Estado, da responsabilidade do Partido Socialista?! Já esqueceu!

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não!

A Oradora: - A Sr.ª Deputada tem memória curta! Já Garrett o dizia e a Sr.ª Deputada é um bom exemplo desse ser humano: tem memória curta!
Mas é preciso lembrar estas coisas e não vir casuisticamente defender questões de natureza cultural, quando, na prática, se esquece de que, nas questões de fundo, de política de fundo, o CDS-PP, concretamente a Sr.ª Deputada, aposta no Partido Socialista. Portanto, quem tem de o defender, sempre que é necessário «colocar o tapete» ao Governo, é a Sr.ª Deputada, não somos nós! E de tal forma que assim é que a Sr.ª Deputada só ouviu 1/3 da minha intervenção, provavelmente aquela que corresponderia temporalmente à sua intervenção, e não ouviu todas as críticas que fizemos ao elencar o clausulado do decreto-lei. Não ouviu!... Eram as últimas páginas e já estava distraída!... É entendível. Com uma memória curta, como a que a Sr.ª Deputada tem, esquecendo os despedimentos, esquecendo o reinado do terror, esquecendo tudo aquilo que foi da sua inteira responsabilidade, é natural que também não tenha tido capacidade para ouvir os 7 minutos da nossa intervenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Ex.mº Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Hoje, o Teatro Nacional de São Carlos é o espelho da política que governa a cultura do País: é despesista, é elitista, é centralista, é ineficaz, é arrogante.
É despesista, porque consome cerca de 2,5 milhões de contos para não ter a alargada acção cultural, educativa e formativa de públicos que era suposto ter como teatro do Estado e como única instituição portuguesa da sua especialidade.
Se o São Carlos custa hoje 2,5 milhões de contos ao bolso do contribuinte, pergunta-se: quais as contrapartidas culturais e artísticas desse custo em termos do aumento da fruição pública dos bens culturais lá produzidos? Que
contrapartidas de desenvolvimento do gosto e da cultura musicais das populações era suposto o São Carlos servir?
É elitista, porque, sustentado pelo contribuinte culturalmente «indiferenciado», tem como destinatário de privilégio a nata do público especializado, desprezando o grande público que efectivamente o sustenta, não cumprindo a missão essencial de tornar sistematicamente acessíveis as obras fundamentais do repertório e, assim, criar e fomentar o gosto pela música e pela arte lírica.
Há uma ilustração viva e pública do tema do elitismo cultural inserta na moção «Educação, Ciência e Cultura» levada por figuras gradas do Partido Socialista ao último congresso. Lá se dizia ser preciso «resistir à tentação politicamente mais frutuosa no curto prazo de corresponder às pressões de certos circuitos e interesses elitistas». A ilustração para estes dizeres está patente no Teatro Nacional de São Carlos e na sua política. E quando, no mesmo documento, se fala da necessidade de estratégias culturais coerentemente definidas, a política do São Carlos vem ainda à colação sem o mínimo esforço.
É centralista, porque confina a sua actividade a Lisboa, não promovendo regularmente quaisquer acções de descentralização, nem irradiando para fora dos grandes centros.
É ineficaz, porque tende a ser um peso morto e luxuosamente marginal no contexto da cultura portuguesa, existindo e vivendo em isolamento, funcionando no circuito restrito dos iniciados, desligado das reais e culturais necessidades do grande público.
É arrogante, porque não tolera que lhe apontem o dedo, fazendo crer que se renovou, que a sua acção é pouco menos que perfeita, enquanto os mais lúcidos e descomprometidos dos tradicionais consumidores dos seus produtos se insurgem contra o marasmo pseudo-vanguardista da sua programação e contra a irrelevância da sua acção (é ver o infeliz artigo inserto pelo seu Director no dépliant que anuncia a temporada presentemente a decorrer).
Que dizer da programação escassíssima e elitista do Teatro Nacional de São Carlos, desinteressante e pouco chamativa para o grande público, mas excelente para servir o refinadíssimo universo dos amigos musicais do Governo?

O Sr. José Magalhães (PS): - O sábio Frexes!

O Orador: - E se o público não acorrer aos espectáculos há o recurso óbvio a. que constantemente se deita a mão, que é o de oferecer bilhetes ao desbarato, compor a casa, trocar a realidade pela aparência. Será que a responsabilidade do Estado é a de manter um teatro lírico gratuito? Será que a vocação do Teatro Nacional de São Carlos é a de distribuir bilhetes pelos amigos?

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Não, é pôr lá ranchos folclóricos! ...

O Orador: - Sr. Presidente, desculpe, mas não estamos aqui num debate desportivo! Com certeza que o Sr. Deputado está habituado à chicana própria desses locais, mas não é este o local apropriado!
Será que temos de pagar -mais de 2 milhões de contos por ano para manter um clube lírico fechado?
Nunca o Teatro de São Carlos teve ao seu dispor recursos financeiros tão importantes e nunca fez tão pouca ópera como actualmente.

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Como se compreende que o Teatro Nacional de São Carlos ignore olimpicamente a apetência de um grande público potencial de ópera, que se vê obrigado a ir ao Coliseu ver as óperas da sua preferência em espectáculos de terceira categoria - refiro-me aqui única e exclusivamente ao último Rigoletto -, só porque o Teatro de São Carlos não quer ter uma programação que atenda aos seus gostos?
Enquanto o Coliseu enche a casa por várias noites consecutivas e a empresa ganha dinheiro, o instituto público do Teatro Nacional de São Carlos apresenta os seus seis tristes títulos de ópera, dos quais apenas dois, no máximo três, têm características de interesse para o grande público. E, desses três títulos, um já foi apresentado numa versão cénica ineficaz que estava longe de honrar a música - estou a referir-me ao Don Giovanni - e um nível de interpretações tão desigual que até a crítica mais amiga fez reparo.
Que faz o instituto público dó Teatro Nacional de São Carlos para elevar os índices da sua desejabilidade cultural e social?
Neste panorama, 2,5 milhões de contos não dão para mais do que uma temporada como a deste ano? Porquê? Talvez devido às opções músico-culturalmente restritas que estão a ser seguidas pela direcção do instituto público, obviamente de acordo com as instruções da tutela, o que espelha flagrantemente a natureza da política cultural do Governo. Ou será que o responsável do instituto público do Teatro Nacional de São Carlos faz o que muito bem lhe apetece, sem curar dos interesses gerais? Nesse caso, porque não o demitem?
Falando, agora, das orquestras, trata-se de um campo em que este Governo nada fez. Estes são os factos! Esta é a realidade, nua e crua. E o que está em causa é a realidade da gestão cultural deste Governo. Não estamos a avaliar se o Ministro irá criar oito ou oitenta orquestras no futuro. Aliás, de megalomanias e promessas estão os portugueses fartos! E, não fora a tão apregoada «pesada herança do passado», não haveria orquestras da responsabilidade do Estado em Portugal.
A Orquestra Sinfónica Portuguesa, orquestra de larga vocação sinfónica, apequenou-se e diluiu-se na incoerência administrativa e cultural do Teatro Nacional de São Carlos, tornado instituto público, pouco passando, no presente, de uma simples orquestra de ópera e, ainda por cima, fadada para acompanhar um número ridículo de óperas.
Com a integração no instituto público, a Orquestra Sinfónica Portuguesa perdeu a grande oportunidade de ser um polo dinamizador da vida musical à escala do País. E essa é uma das grandes e principais vocações de uma orquestra sinfónica, acima de tudo num país que não tem outra!
Integrou-se administrativa e funcionalmente a Orquestra nos quadros do Teatro, extinguindo-se o cargo de director artístico, sem que ao Teatro, programaticamente, coubésse a responsabilidade da difusão cultural sinfónica, donde, se a Orquestra perdeu autonomia, a música sinfónica deixa de ser contemplada nos projectos de política musical e a sua difusão deixa de ser uma prioridade.
E, de caminho, Sr.ªs e Srs. Deputados, saneia-se o seu maestro, como já outros o haviam sido. A política do Governo para a música, tão pressurosa nos seus saneamentos, deixa a maestros estrangeiros (muito pouco reputados, o que, de resto, se verifica ao ler o respectivo currículo) a missão de formar o gosto musical dos cidadãos e de difundir a própria música sinfónica portuguesa.

Mais: despede-se um maestro com um ano de antecedência e contrata-se um. outro que só pode começar a trabalhar no final deste ano, pelo que pudemos ler hoje na comunicação social.
Mas que sentido de responsabilidade tem o Ministro da Cultura?
Até Setembro do corrente ano teremos a única orquestra sinfónica existente em Portugal em autogestão.
Esta situação mereceu, aliás, reparos das mais ilustres personalidades de diversos sectores culturais, políticos e partidários de Portugal e, mesmo, quer o Sr. Presidente da República, quer o Sr. Presidente da Assembleia da República e até vários colegas seus, Sr. Ministro da Cultura, do Governo, manifestaram solidariedade ao maestro despedido.
Mas, evidentemente, a política da música não é caso isolado no quadro da política de cultura do Ministro. Neste campo, a música, como se disse, tem a qualidade de ser espelho reflector de outras realidades mais vastas e não menos tristes.
E são estas tristes realidades que o Ministro da Cultura tem de explicar ao País e aos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gostaria, em primeiro lugar, de felicitar a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto por ter suscitado este debate, apesar de a figura regimental do debate de urgência não ser, decerto, a mais adequada, tendo em conta que o que motiva e preocupa a Sr.ª Deputada - se bem entendemos - é, concretamente, um decreto-lei do Governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Deste modo, teria sido mais profícuo proceder, em tempo oportuno, à apreciação parlamentar desse diploma, o que permitiria a sua análise em comissão e, até, eventuais alterações ao seu articulado.
Como quer que seja, é tão raro discutirem-se temas de política cultural neste hemiciclo que é de louvar a iniciativa do CDS-PP.
Aliás, neste hemiciclo, há duas pessoas particularmente, qualificadas para falar de questões de política cultural antes de 1995 e, concretamente, sobre a situação do S. Carlos antes de 1995: a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que foi Subsecretáriá de Estado Adjunta do Secretário de Estado da Cultura e o Sr. Deputado Manuel Barata Frexes, que, além de também ter sido Subsecretário, foi Presidente da Administração do Teatro de São Carlos em 1992:
De facto, e por estas razões, não é a primeira vez que tenho a oportunidade de debater com a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto a situação e os problemas do Teatro de São Carlos. Recordome, nomeadamente, de uma sessão de perguntas ao Governo realizada em 6 de Dezembro de 1991, a Sr.ª Deputada era, então, Subsecretária de Estado Adjunta do Secretário de Estado da Cultura.
Reinava, nessa altura, como todos se recordam, grande agitação entre os profissionais desse Teatro, que se interrogavam, a exemplo de outros sectores da opinião pública, sobre as intenções do Governo quanto ao seu futuro.

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Aventava-se, inclusive, a hipótese do encerramento do Teatro, como já acontecera noutros períodos difíceis da história centenária dessa casa.
Na sua intervenção, respondendo às minhas perguntas, a Sr.ª Dr.ª Maria José Nogueira Pinto disse, em dada altura, e passo achar: «Desde 1990, o Teatro sofre de uma crescente instabilidade laborai, assente, fundamentalmente, em discordânciasrelativas à política cultural prosseguida, ao subaproveitamento dos corpos residentes, a questões salariais e às condições contratuais. O TNSC tem vindo, em regra, a reduzir o número de espectáculos apresentados desde 1987, ano em que apresentou 160 espectáculos, até ao presente, apresentando este ano (...)», 1991, «(...) cerca de 60 espectáculos.»
Referia-se, depois, a Dr.ª Maria José Nogueira Pinto à situação orçamental, que aqui não vou recordar no pormenor, bastando dizer que o défice acumulado era de cerca de um milhão de contos.
À situação assim descrita, nessa altura, de forma bastante objectiva, era preocupante sob todos os pontos de vista: funcionais, orçamentais e artísticos.
Justificando-se com tal estado de coisas, o governo em funções nessa altura decidiu proceder a algumas medidas drásticas que passo a sintetizar, sem atender à sua sucessão cronológica: a empresa pública do Teatro de São Carlos foi extinta e deu lugar a uma fundação de direito privado e utilidade pública; reduziu-se, em quase 50%, a dotação orçamental destinada a esse Teatro, que passou a orçar cerca de um milhão de contos, na expectativa de a mesma ser complementada com financiamentos de carácter mecenático; desmantelou-se a companhia residente de cantores que, como se sabe, era a única existente no País; extinguiu-se a orquestra, enquanto componente orgânica desse Teatro, a qual passaria a ser constituída por músicos em regime contratual de prestação de serviços.
Não questiono a boa-fé e as motivações com que os responsáveis pela condução da política cultural desse governo procederam a estas medidas. Mas os factos viriam a demonstrar a sua inadequação face à natureza dos problemas existentes.
A Fundação de São Carlos não conseguiu alargar nem diversificar significativamente as fontes de financiamento privado e mesmo os seus mecenas estatutários não satisfaziam as comparticipações a que se tinham comprometido. OTeatro continuaria, assim, dependente do Orçamento do Estado, ao mesmo tempo que se acumularam passivos financeiros consideráveis.
Após 1995, e sob a vigência do Governo actual, temse procurado, prioritariamente, liquidar esses passivos, estabilizar financeiramente o Teatro e aumentar gradualmente a dotação que lhe é destinada no Orçamento do Estado.
Procedeu-se também à actualização salarial, nomeadamente dos membros do Coro, para além de se ter regularizado a situação contratual dos músicos da Orquestra Sinfónica Portuguesa, visando uma maior estabilidade e dignidade profissional dos mesmos.
Entretanto, através do Decreto Lei n.º 88/98, de 3 de Abril, pôs-se termo ao anterior modelo de gestão do São Carlos que deixou, por consequência, de ser uma fundação, para se tornar uma pessoa colectiva de direito público, mas com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, a exemplo do que tem acontecido com outras entidades na área da cultura.
Dois aspectos desta nova orgânica têm sido particularmente questionados: o da não autonomização da Orquestra Sinfónica Portuguesa, considerada uma mera «unidade

orgânica» e o da acumulação das funções de direcção administrativa com as de direcção artística.
Trata-se, na verdade, de questões importantes e merecedoras de reflexão. Com efeito, sendo a OSP a nossa única formação sinfónica, esta deverá ocupar um lugar nuclear na vida musical nacional e não poderá limitar-se a desempenhar, essencialmente, funções de orquestra operática, o que redundaria num subaproveitamento das suas potencialidades.
Quanto à segunda questão, e deixando de lado o saber se é aconselhável, em termos de eficácia e de funcionalidade, a acumulação de funções administrativas e artísticas, poderá tornar-se problemático encontrar, por norma, um director que consiga ser tão polivalente.
Parece-me, todavia, que estas questões formais não serão as mais decisivas. Aliás, em última instância, e segundo o artigo 18.º desse mesmo Decreto-Lei, cabe ao Ministro da Cultura a «(...) definição da estrutura interna (...)» das unidades orgânicas, as «(...) atribuições e competências (...)» das mesmas, bem como a definição das «(...) responsabilidades de direcção e articulação hierárquicas, funcionais e de coordenação(...)».

Deste modo, e tendo em conta esta possibilidade clarificadora e interventora atribuída ao Ministro da Cultura, o que me parece verdadeiramente decisivo é que, resolvidos os problemas estruturais de carácter funcional, orçamental e artístico, o São Carlos e a OSP venham a desempenhar o papel que lhes cabe numa política nacional e global para a música. E, por isso, o que importa é que haja os meios necessários e a vontade para levar essa política a cabo.
Trata-se de uma política que, evidentemente, também tem de assentar na Orquestra Nacional do Porto, de passar pelo reequacionamento do projecto das orquestras regionais, por incentivos aos diversos agrupamentos clássicos e de câmara existentes no País, por uma efectiva integração, neste contexto, dos conservatórios e escolas, pelo apoio ao associativismo e, ainda, pelo indispensável desenvolvimento do ensino artístico.
Isto para que se formem valores nacionais nas várias componentes da música e do espectáculo lírico e se valorizem os já existentes, de forma a que essas expressões artísticas deixem de ser privilégio de minorias, a ela acedendo os novos públicos que urge criar, na perspectiva de uma efectiva democratização da cultura.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes, para o que a Mesa lhe concede 1 minuto, dado já não dispor de tempo.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr. Presidente, queria pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Fernando Pereira Marques porque penso que em política há um valor essencial que é o da coerência.
De facto, parece-me que neste debate - infelizmente, o tempo é pouco -, em vez de nos estarmos a centrar na avaliação da política deste Governo dos últimos três anos e meio, porque é isso que está em causa, pelos vistos andamos ainda a falar nos anos 80, nos anos 90, ainda

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por cima com muitas imprecisões e de maneira tendenciosa, de forma a deslocar e a desfocar o debate.
O Sr. Deputado conhecia tão bem como eu a situação da antiga Orquestra do Teatro Nacional de São Carlos, que era uma orquestra de natureza clássica, e sabíamos das dificuldades que ali existiam. Entretanto, criou-se uma orquestra sinfónica. Qual é a orquestra que existe hoje? Não é essa?! Mas alguém criou alguma neste País?!
Fala-me em questões de passivos. Posso dizer-lhe que, de facto, em 1995 o passivo do Teatro era de cerca de 600 000 contos - tenho esse número. Quanto é que é hoje? Não é três vezes mais?! Então, isso não é aqui referido? De facto, há aqui um conjunto de circunstâncias, principalmente a desfocalização da situação,...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - ... que importa centrar e discutir porque o que estamos a debater é a política cultural deste Governo para o teatro lírico e para a música em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, que também praticamente não dispõe de tempo, pelo que lhe agradeço que seja breve.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Frexes, não percebo a sua irritação, porque limitei-me a citar a sua ex-colega de governo, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, e retratei o mais objectivamente possível - recorrendo, inclusive, aos dados que constavam da intervenção da agora Sr.ª Deputada - a caracterização da situação existente na época.

O Sr. José Magalhães (PS): - Objectivíssimo!

O Orador: - O Sr. Deputado pode dizer que o branco não é branco e que o preto não é preto, mas isso é uma questão de ponto de vista, como diria «o outro», e depende dos seus problemas de visão. Agora, negar realidades que eram, inclusive, testemunhadas pelos seus colegas do governo de então, chamar a isso imprecisões e maneira tendenciosa... !
Aliás, caberia ao Sr. Deputado, inclusive na sua interpelação, enunciar as imprecisões, dizer em que é que eu tinha sidp tendencioso na caracterização que fiz da situação então existente e referir, de maneira também concreta e objectiva, esses aspectos tão negativos que, depois, aflorou no fim.
Falou dos passivos, etc.. Pois diga quais são, enumere-os, mas não queira ocultar aquilo que foi a «herança» que deixaram a este Governo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura (Manuel Maria Carrilho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por dizer que é com grande prazer que me encontro aqui, hoje, para responder neste debate de urgência suscitado pelo Partido

Popular. E quero dizer que é um motivo de prazer, pois penso que desde o debate de urgência sobre o Côa que não era suscitado qualquer debate de urgência sobre a política cultural, o que dá uma ideia de como este Parlamento está sintonizado com a política cultural que se tem vindo a desenvolver.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de começar por exprimir a minha surpresa pelo modo como foi aparecendo este debate de urgência, caracterizado, na opinião pública, como uma questão de fundo que tem a ver com a política no domínio da música, da ópera, inclusivamente da filosofia institucional que o Governo segue e, ao mesmo tempo, como uma questão que tinha a ver com procurações relativas a contratos, a maestros, a situações que me parecia estranho que fossem assumidas neste Parlamento.
Devo dizer que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto teve a elegância de não o fazer aqui, mas o Sr. Deputado Manuel Frexes não resistiu em colocar uma questão que, como ele sabe, é de uma ordem muito diferente. E, com todo o respeito que tenho pelo Maestro Álvaro Cassuto, devo dizê-lo, nunca me passou pela cabeça que esta matéria pudesse ser debatida no Parlamento, senão teríamos, em breve, o Grupo Parlamentar do PSD não só a sugerir como também a compor a música que as orquestras sinfónicas deveriam tocar,...

Risos e aplausos do PS.

:.. já que de outra escrita se lhe conhecem, enfim, outras dificuldades.
Ora, para mim, a esta bizarria do motivo inicial acrescentam-se dois outros aspectos, que têm a ver com um exercício que eu não posso deixar de caracterizar, muito francamente, como de hipocrisia e de cinismo político no que diz respeito à discussão deste problema.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem dito!

O Orador: - Fala-se, em primeiro lugar, como se tivesse sido o Ministério da Cultura quem colocou na dependência do Teatro Nacional de São Carlos a Orquestra Sinfónica Portuguesa. Não foi! A Orquestra Sinfónica Portuguesa foi colocada na dependência do Teatro Nacional de São Carlos - na sua figura anterior, que era a de Fundação -, pelo Governo anterior. Portanto, a orquestra existia na Fundação, submetida, naturalmente, a uma dependência orgânica da direcção do Teatro Nacional de São Carlos.
Mas pretende-se - e eu percebo-o - mais do que isso! O que se pretende - e isso já foi aqui invocado - é esconder, ocultar as condições de indignidade em que se colocou a Orquestra, particularmente desde 1993, indignidade que tem a ver com a situação de pagamento por recibo verde em que foi colocada a Orquestra, que desaparecia no Verão para reaparecer no Outono,...

O Sr. José Magalhães (PS): - É incrível!

O Orador: - ... indignidade que tem a ver com as instalações onde ela foi colocada, indignidade - e permita-me que o lembre - que tem a ver com a maneira como o Sindicato dos Músicos caracterizou a gestão anterior.

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Este Sindicato, quando comenta a situação actualmente em debate sobre a política da música, diz: «1. A efectiva integração (...)» — porque se trata, de facto, de uma efectiva integração, que não existia até aqui — «(...) da Orquestra Sinfónica Portuguesa na estrutura orgânica do Teatro Nacional de São Carlos é um acto de gestão cultural, que repõe neste Teatro uma estrutura indispensável para a sua produção normal, que nunca daí deveria ter saído. 2. É sintomático de despudor ético que os Srs. Deputados acima mencionados, (...)» — trata-se, justamente, do Sr. Deputado Manuel Frexes e da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto — «(...) grandes responsáveis por todo o processo de extinção do Teatro Nacional de São Carlos, E.P., e pela forma vergonhosa como foram tratados os músicos da Orquestra Sinfónica e da Companhia residente, com responsabilidades também no reinado de terror instalado no início do funcionamento da Orquestra, venham agora agitar fantasmas na diminuição do número de instrumentistas desta formação quando, no passado, não se importaram em criar as condições de ilusionismo político para enviar justamente os músicos para o desemprego.»
Srs. Deputados, é bom lembrar esta situação, como é bom lembrar que foi o actual Governo quem acabou com ela, criando condições de dignidade profissional para a Orquestra e para o Coro, decidindo instalar a Orquestra Sinfónica Portuguesa, a partir do dia l de Outubro deste ano, como foi anunciado, no Teatro Camões, onde estão a decorrer obras que orçam em 400.000 contos, para que ela seja lá instalada dignamente.
Mas o insólito deste debate continua quando os grupos parlamentares do CDS-PP e do PSD se constituem em defensores de uma figura inédita — e fê-lo, particularmente, o Sr. Deputado Manuel Frexes —, a de uma espécie de maestro titular vitalício.
Para encerrar este ponto, gostava só de dizer ao Sr. Deputado o seguinte: em geral, numa orquestra, o problema com os bons maestros não é o de eles não quererem sair, é o de eles não quererem ficar.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): — Essa é muito boa!

O Orador: — Srs. Deputados, acho que o modo como tem sido colocado aqui o problema da Orquestra revela que há o desconhecimento do que é um maestro titular de orquestra ou até mesmo uma orquestra. Aliás, lembro que a situação de maestro vitalício não existe em nenhuma orquestra do mundo.
No entanto, gostaria de lembrar — e faço-o porque isso completa o exercício de hipocrisia que aqui temos — que, na acta de 22 de Outubro de 1994, o representante do Sr. Deputado Manuel Frexes na Administração do Teatro Nacional de S. Carlos votou contra a manutenção do Maestro Álvaro Cassaio.

O Sr. José Magalhães (PS): — Bem lembrado!

O Orador: — Isto mostra, repito, o exercício de pura hipocrisia que aqui temos.

Aplausos do PS.

Mas nada disto surpreende, dado a simpatia que, como todos sabemos, o Sr. Deputado Manuel Frexes tem por todas as formas de subdesenvolvimento cultural.

Risos do PS.

Também não surpreende que isso venha de um partido que é o partido do desprezo pela cultura, de um partido que é o partido da censura do Prémio Nobel, de um partido que é o partido da destruição do Côa.
Portanto, Sr. Deputado, nada do que disse nos surpreende.

Aplausos do PS.

Mas o que é que se inventou em 1992 para alterar a situação do Teatro Nacional de São Carlos? Inventou-se uma fundação, que deveria suceder à empresa pública do Teatro Nacional de São Carlos. E lembro o seguinte: entre 1989 e 1992, ou seja, durante o governo anterior, o Teatro Nacional de São Carlos, E.P., passou, em três anos, de uma despesa de 103 000 contos de custos com pessoal para mais de um milhão de contos, o que representa um aumento de 908%; os seus custos totais aumentaram mais de 783%; o passivo da empresa pública aumentou de 382 000 contos para 2,3 milhões de contos. E a produção operática baixou nesta fase.
Isto mostra, de facto, a capacidade de gestão do Teatro Nacional de São Carlos na altura em que o Sr. Deputado Manuel Frexes fazia parte da sua administração.

O Sr. José Junqueiro (PS): — O Sr. Deputado Manuel Frexes tem o espelho retrovisor avariado.

O Orador: — A lição — e nós estamos a tratar de questões sérias — era já muito clara nessa altura: a de que o Teatro Nacional de São Carlos precisava não só de mais financiamento mas também que esse financiamento fosse assumido de um modo mais claro e transparente.
Ora, quando tudo fazia crer que era preciso aumentar o financiamento do Teatro Nacional de São Carlos ele foi diminuído, passando, com a invenção da Fundação de São Carlos, de 1,786 milhões de contos, em 1992, para cerca de l milhão de contos, em 1993. Nunca o São Carlos teve um financiamento tão baixo.
Mas, mesmo assim, este financiamento não foi atribuído, uma vez que, verbalmente, foram concedidos 1,7 milhões de contos, mas, depois, o Sr. Deputado Manuel Frexes escreveu uma carta à Fundação de São Carlos dizendo que, afinal, não dava esse dinheiro, que «(...) o orçamento é de l 715 contos, mas, sabendo-se que as comparticipações correntes fixas dos diversos fundadores, para o ano corrente, é de l 125 contos, verifica-se que as mesmas são insuficientes para fazer face aos custos previstos. Neste sentido, a SEC assegurará um reforço financeiro de 300000 contos (...», etc., etc..

Risos do PS.

Reforço que nunca veio e que obrigou o Professor Machado Macedo a agarrar na carta do Sr. Secretário de Estado e a ir ao banco pedir 300 000 contos, abrindo uma conta caucionada — e esteve caucionada até este ano, estão aqui as livranças — e que foi paga só este ano, já conto como.

Aplausos do PS.

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Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto administraram o financiamento do Estado e diminuíram em 70% o orçamento do Teatro Nacional de São Carlos.
Nessa altura inventaram-se os mecenatos que, como se sabe, nunca funcionaram, assunto que já tenho referido e que, por isso, não vou aqui repetir. Mas vou lembrar um outro aspecto, que me parece bastante importante.
Realmente, foi esta a situação que encontrámos no que diz respeito à questão institucional. Mas não foi só no que diz respeito a esta questão...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, lamento informá-lo que já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, solicito-lhe um minuto mais e, entretanto, vou pedir que seja entregue na Mesa, para posterior distribuição pelos Srs. Deputados, uma clara ilustração das condições físicas em que o Governo anterior colocou, no Teatro Capitólio, em 1993, a Orquestra Sinfónica Portuguesa.
Este, sim, é o espelho de que há pouco falou o Sr. Deputado Manuel Frexes, é neste espelho que o Sr. Deputado se revê, onde a sua política cultural colocou a Orquestra Sinfónica Portuguesa.

Protestos do PSD.

Portanto, penso que esta situação, de absoluta degradação, dá uma ideia clara da política cultural por ele seguida.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente dar-me-á um minuto mais para referir que a Fundação de São Carlos foi extinta este ano, criando-se o Instituto do Teatro Nacional de São Carlos.
Na Fundação de São Carlos a situação era de tal ordem que eu, em carta de 21 de Julho de 1998, pedi ao Ministério das Finanças que aí procedesse a uma auditoria, a qual foi realizada e apurou que, logo no primeiro ano da sua criação, a Fundação apresentava um passivo de 635 000 contos, situação que nós «limpámos». Pela primeira vez, neste momento, o Teatro Nacional de São Carlos não tem dívidas, nem sequer de um tostão, quando, este ano, o seu passivo era de 1,2 milhões de contos.
Estas afirmações baseiam-se num inquérito realizado, e, aliás, tenho aqui o relatório da Inspecção-Geral de Finanças sobre as diversas anomalias da gestão que foi feita...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, vai ter de concluir, pois já lhe dei quase 3 minutos. Isto é igual para todos.

O Orador: - ... no Teatro Nacional de São Carlos.
Srs. Deputados, termino dizendo que é esta alinha que teremos de seguir para que o Teatro Nacional de São Carlos seja um teatro digno, que defenda a música portuguesa.
Assim, no âmbito das instituições do Estado, é preciso continuar a reforçar o Teatro Nacional de São Carlos, que foi sempre financiado com dinheiro do Estado. Por isso, apostar aqui em ficções de mecenato...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, tem de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço-lhe o tempo que me concedeu. Tenho mais alguns esclarecimentos a dar, o que farei com todo o gosto, caso seja necessário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Manuel Frexes, apesar de ter pedido a palavra para defesa da sua honra e consideração, só lha posso conceder no termo do debate, de acordo com o Regimento, uma vez que não pertence à direcção da sua bancada.
Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero começar por dizer que se a sorte da Orquestra Sinfónica Portuguesa dependesse de nós, isto é, desta Assembleia e deste Governo, estaríamos decerto perdidos, e a orquestra em primeiro lugar.
Quero também dizer que o argumento de esconder alguma coisa é, penso eu, completamente despropositado. Se a iniciativa do debate foi desta bancada, isso significa que nós não temos nada a esconder, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita. Nós não temos absolutamente nada a esconder. É isso que me faz...

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não fui eu!

A Oradora: - Não, não, a Sr.ª Deputada foi a primeira a falar em «esconder» e, portanto, a si digo que não tenho absolutamente nada a esconder. A seguir ao panorama que aqui trouxe e que o Sr. Deputado do Partido Socialista fez o favor de lembrar, uma coisa é certa - e os factos não deixam mentir: a primeira orquestra sinfónica dessa época constituiu-se depois, como também se constituíram as primeiras e únicas orquestras regionais.
Portanto, daquilo que pude fazer, a saber, transformar uma orquestra que já não tocava, a orquestra do Teatro Nacional de São Carlos, numa orquestra sinfónica...

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Fazendo provas.

A Oradora: - Fazendo provas?! É isso o que se faz em todas as orquestras do mundo, Sr.ª Deputada! Todas as orquestras do mundo fazem provas e isso foi também aqui feito, sendo que as orquestras regionais encalharam depois, misteriosamente, algures.
Portanto, é exactamente com a tranquilidade de quem encontrou o panorama que o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques descreveu e, apesar de tudo, deixou uma orquestra sinfónica e o embrião das orquestras regionais, que com todo o à-vontade falo, embora não tenha suscitado este debate para falar de mim - quando quiserem, se acharem interessante, estarei às vossas ordens para fazê-lo - ou do maestro, mas sim para abordar aquilo que agora se está a fazer com a orquestra sinfónica.
Em relação ao maestro quero dizer ao Sr. Ministro que há uma história muito interessante do Bulgakov e do Estaline, mas V. Ex.ª, para bem ou para mal, não é o Estaline, o Sr. Maestro não é o Bulgakov e o Teatro Nacional de São Carlos não é o Teatro Nacional de Moscovo. Portanto, não fazia qualquer sentido, dado isto, suscitar um debate dessa natureza. Só o faria se a história tivesse sido igual à do Bulgakov e do Estaline, mas não foi.

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Quero também assinalar que o Sr. Ministro, o Sr. Deputado do Partido Socialista e a Sr.ª Deputada do Partido Comunista fizeram uma coisa que, em termos de debate parlamentar, tem como consequência a confusão. Puxaram uma ponta daqui e uma ponta dali sem qualquer espécie de sistematização e atiraram os números sem qualquer espécie de consistência. Contudo, queria recentrar este debate no que me parece ser essencial. De facto, o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques tem razão, porque não houve uma ratificação, como deveria ter havido, por uma razão meramente burocrática que não consegui ultrapassar.
Este debate não se prende, concretamente, com a questão do Maestro Álvaro Cassuto, como é óbvio e como, aliás, a denominação do debate indica, mas prende-se com a possibilidade de esta Câmara e de a opinião pública ouvirem, da parte do Sr. Ministro, uma justificação consistente que não se prenda com o que está para trás, mas, sim, com a utilidade de, com esta nova orgânica, reduzir a autonomia da Orquestra Sinfónica. Este debate tem a utilidade de permitir ao Sr. Ministro explicar a esta Câmara, e, talvez, ao País, se julga que Portugal comporta muitas orquestras sinfónicas, ou se, de uma maneira menos megalómana e mais consistente, nos deveríamos empenhar em consolidar a Orquestra Sinfónica que temos e que, devo dizer, não me parece tão má assim.
Por outro lado, também lhe devo perguntar se pensa que a consolidação da Orquestra que temos se faz com um maestro que só chega em Outubro, porque, eventualmente, a Orquestra desocupada ou pouco ocupada até Outubro sofrerá com isso. Nós estamos a falar, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, de trabalhadores que precisam de trabalhar para não «perderem a mão», não é apenas para ganharem o salário. Será um outro estilo a que V. Ex.ª talvez não esteja tão habituada!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Mais vale tarde do que nunca!

A Oradora: - Portanto, nesta perspectiva trágica de eles não trabalharem, necessitando de trabalhar para não «perderem a mão», também pergunto se consolidar a Orquestra passa por um maestro que virá dirigir essa Orquestra, com uma programação que virá a ser definida, se bem que neste momento...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Já ultrapassou o tempo de que dispunha para pedir esclarecimentos, Sr.ª Deputada. Tem de concluir.

A Oradora: - Concluo, colocando apenas mais uma questão, Sr. Presidente.
Na altura em que aqui vim como membro do governo responder a perguntas, vinha preocupada pelo facto de só ter 60 recitais. Neste momento, são apenas 22 recitais, Sr. Ministro. Pergunto-lhe, portanto, se, independentemente da figura jurídica, V. Ex.ª não pensa que, num País com as características do nosso, o facto de a produção do S. Carlos e da Orquestra ser mais baixa do que aquilo que foi é algo de insólito e de negativo.
Estas são as verdadeiras questões e não interessa estar a andar para trás e para a frente, sendo certo que quando quiserem discutir aquele período, estarei aqui com todo o gosto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, o Partido Ecologista Os Verdes concede-lhe 2 minutos, pelo que lhe dou a palavra para responder.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que, no essencial, abordaram-se algumas questões que se prendem com a discussão de hoje. Percebo que, do ponto de vista de alguns partidos da oposição, pudesse parecer conveniente discutir hoje o São Carlos e a Orquestra Sinfónica como se não houvesse aqui uma história, como se não houvesse aqui um lastro que temos de discutir. Como digo, quando herdamos uma dívida de 1,2 milhões de contos na Fundação de São Carlos, temos de assumir que temos um problema - que a auditoria do Ministério das Finanças poderá confirmar ao Sr. Deputado sem qualquer custo - e temos de assumir a origem dessa dívida.
O que quero dizer é muito claro: há uma política clara no Teatro Nacional de São Carlos, há uma política clara no sector e não há redução de autonomia. Há, sim, uma redefinição das regras com grande clareza. Há uma clara definição dá política para o sector, que procura diminuir os custos que implicaria a existência de uma orquestra sinfónica em paralelo com a Orquestra do Teatro Nacional de São Carlos. Isso é assumido. Não temos qualquer problema em assumir este objectivo e esta política e quero dizer que assumimos isto num quadro de responsabilidade do Estado, o que se faz pela primeira vez.
Não vamos pôr a Orquestra a recibos verdes, nunca o fizemos nem faríamos, e não vamos, como diziam alguns responsáveis, mandar a Orquestra tocar nos casamentos. Trata-se de assumir a vocação de uma orquestra, os custos que ela tem e, efectivamente, de assegurar o financiamento necessário para daqui para a frente sermos mais ambiciosos. E sermos mais ambiciosos significa, como assumi - e aproveito para responder a alguns equívocos que aqui surgiram hoje -, não que devamos ter nove orquestras sinfónicas no imediato, mas que, claramente, esses são os parâmetros europeus no domínio da música e no domínio do número de orquestras em cada país. É preciso assumir isso e começar a trabalhar, como estamos a fazer neste momento, para ter, dentro de dois anos, uma segunda orquestra sinfónica no Porto, projecto em que se está a trabalhar, como foi anunciado. Este é o nosso objectivo: que Portugal venha a ter mais orquestras sinfónicas - duas já para o ano, e, mais tarde, três.
É também nosso objectivo assumir claramente que o Estado tem uma responsabilidade, não apostando, como se fez em certa altura, em soluções ultra-liberais de pôr tudo à venda, de empandeirar as responsabilidades e de inventar cenas para, depois, vir dizer que o modelo não funcionou. A responsabilidade do Estado neste domínio está claramente...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, não quero ser antipático, mas, na administração do Regimento, não sou ultra-liberal. Tem de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, penso que, no essencial, ficaram respondidas as questões que me foram colocadas e que foram definidas claramente as perspectivas do Teatro Nacional de São Carlos e da Orquestra Sinfónica para o futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para defesa da sua honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes.

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O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, quero apenas dizer-lhe que ficámos a saber que V. Ex.ª se preocupou mais com o tempo anterior do que com este e que, ao mesmo tempo, não disse a verdade, o que é mais grave.

Tenho aqui o relatório de 1995 da Fundação do Teatro Nacional de São Carlos,...

O Sr. José Magalhães (PS): - E então?!

O Orador: - ... onde se diz que o défice era de 600 000 contos e não de 1,2 milhões de contos, como o senhor diz agora. Este défice foi feito no seu tempo e V. Ex.ª tem de o reconhecer. Aliás, e apenas para precisar este ponto, devo dizer-lhe que o défice é superior a 1,2 milhões de contos.
Já que gosta tanto de ser quer o porta-voz dos sindicalistas quer uma espécie de carteiro que veio aqui mostrar fotografias,...

Protestos do PS.

... devo dizer-lhe que a Orquestra, até 1995, esteve dois anos naquela situação e que, no seu tempo, já está assim há mais de três anos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, agradeço a moderação de linguagem que a dignidade desta Câmara e que o debate exigem.
Faça favor de continuar.

Aplausos do PS.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Assim, ficou sem palavras!

O Orador: - Dizia que, no seu tempo, a Orquestra já está nesta situação há mais de três anos, pelo que lhe pergunto se só agora é que o Sr. Ministro acordou. Antes não via a indignidade, ou a indignidade só surgiu agora?!
Ficámos ainda a saber outra coisa, Sr. Ministro: que, em matéria de política musical, V. Ex.ª e o seu Governo não fizeram rigorosamente nada. Pelo contrário, regrediram e regrediram muito. De todo o modo, pode continuar com o seu autismo ministerial, com a sua auto-satisfação ministerial, porque consigo, em termos de música, aquilo que resta é única e exclusivamente o silêncio!

O Sr. José Magalhães (PS): - Que fífia!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, silêncio parece-me ser o que vejo na sua bancada. De todo o modo, gostava apenas de concluir com dois pontos.
Em primeiro lugar, não me parece que os termos em que o Sr. Deputado Manuel Frexes coloca as questões sejam, realmente, os termos de que a política cultural necessita, pelo que me recuso completamento a pactuar com esse tipo de linguagem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, quero dizer muito claramente que a dívida apurada pela Inspecção-Geral de Finanças, que tem o valor que lhe referi, refere muito claramente onde, quando e como foi constituída e, naturalmente, nela estão integradas estas dívidas à banca que, com cartas do Sr. Deputado, foram abertas pela administração da Fundação no seu tempo. Portanto, tudo isto faz parte da dívida que nós teríamos de assumir por termos a responsabilidade que temos no Teatro Nacional de São Carlos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Naturalmente, tudo seria mais fácil se fosse possível distribuir sobre figuras ficcionais os problemas do São Carlos, mas nós, pela primeira vez, assumimo-los. Assumimos que há uma política cultural de fundo em curso e, finalmente, percebe-se por que é que tudo correu mal no tempo do seu governo e por que é que as coisas hoje têm outra tradução na prática, sem qualquer tipo de comparação.
Sr. Deputado, gostava que a política cultural fosse, de facto, discutida nesta Câmara e que não se fizesse apenas um exercício de culpabilidade de anteriores governantes. Gostava que a política cultural fosse virada para o futuro, fosse virada para as apostas que temos de fazer na música e que não estivéssemos permanentemente agarrados a este lastro de quase vergonha, que temos em relação aos 10 anos de cavaquismo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminámos o debate de urgência sobre a nova orgânica do Teatro Nacional de São Carlos e suas implicações, requerido pelo CDS-PP.
Para tratamento de interesse político relevante, tem agora a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em Maio de 1998, foi o Porto, em parceria com Roterdão, designado «Capital europeia da cultura» em 2001. A cidade de quem Vítor Nemésio escreveu «é preciso vir ao Porto para voltar ao portuguesismo» encheu-se de orgulho e também o PSD.
Foi uma vitória da cidade com a história, a tradição e os pergaminhos que se conhecem, uma cidade com carácter nas pedras, uma cidade com carácter nas pessoas. A «antiga, muy nobre, sempre leal e invicta» cidade do Porto sente-se honrada e estimulada com a responsabilidade que terá em 2001.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD da cidade do Porto, partilhando dessa honra e desse estímulo, tem vindo a encetar uma série de reflexões e de contactos com diversas personalidades do Porto, no sentido de contribuir, de forma franca e aberta, para o tão desejado êxito e sucesso do «Porto 2001 - Capital europeia da cultura».
Foi nosso propósito, desde o início, produzir um documento estratégico, onde, de forma clara, o PSD do Porto plasmasse a sua posição sobre este evento de importância fundamental para a cidade do Porto. Esse documento, entregue no passado dia 4 de Fevereiro ao Presidente da Sociedade Anónima «Porto 2001», Dr. Artur Santos Silva, personalidade de grande prestígio que merece o nosso apoio e reúne grande consenso na cidade, reflecte as nossas sugestões e contributos quanto ao modelo organiza-

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cional, enquadramento e eventos do «Porto 2001 - Capital europeia da cultura».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Tivemos oportunidade de, em Julho do ano passado, defender que a capital europeia da cultura deveria, deve e deverá envolver toda a cidade. Ou seja, as forças vivas do velho burgo: as universidades, as fundações, as associações empresariais, as colectividades culturais e desportivas, as associações de estudantes, etc., etc., etc. Nesse sentido, o PSD do Porto sugeriu que deveria ser constituído um conselho consultivo que viesse a ser integrado por representantes daquilo que é a sociedade civil do Porto, a que atrás fiz referência.
Estranhamente, ou não, o PS e o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, o Dr. Fernando Gomes, reagiram mal, sustentando que esse órgão não faria sentido. No entanto, o Presidente da Sociedade «Porto 2001» disse, públiça e repetidamente, que queria poder contar com todos e que deveria ser constituído um órgão com as características que o PSD defendeu e que, incompreensivelmente, ou não, o PS e o Dr. Fernando Gomes tanto rejeitaram.
O «Porto 2001» terá de ser um projecto participado por toda a cidade e qualquer tentativa de o partidarizar colocaria em risco o seu sucesso e impacto para toda a cidade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Para o PSD do Porto, a «Capital europeia da cultura» é um momento único para a nossa cidade.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É um momento único para, no Porto, se fixarem novos hábitos culturais, para requalificar áreas urbanas na cidade, para reafirmar a centralidade do Porto no Norte e no Noroeste peninsular, para relembrarmos a história dá cidade a que tanto nos orgulhamos pertencer e para se criar uma «indústria da cultura» que tenha futuro depois de 2001.
O «Porto 2001» constitui uma oportunidade única para se impulsionar um conjunto de mudanças que a cidade reclama -há muitos anos. Terá de ser, antes de mais, um evento que seja a alavanca de um conjunto alargado de projectos que visem preparar a cidade do Porto para os desafios do novo milénio.
Ao contrário de outras forças políticas, o PSD do Porto sobre este evento reflectiu, debateu, auscultou e produziu um documento estratégico, que é o nosso contributo para aqueles que tão importante tarefa têm em 2001.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É um contributo cujas principais ideias, de uma forma sucinta, tenho a honra de trazer a esta Câmara.
Sr. Presidente; Sr.ªs e Srs. Deputados: Quanto ao modelo organizacional do «Porto 2001 », o PSD do Porto concorda com a opção de uma estrutura de tipo empresarial para coordenar o evento. A criação de um conselho consultivo de assessoria à sociedade, como tínhamos proposto e ao qual tantas reservas colocaram -os socialistas, merece obviamente o nosso aplauso.
Quanto ao enquadramento, entendemos que deve ser dada primazia a acções/eventos indutores da criação de emprego, nomeadamente através do aparecimento, no Porto e na sua área envolvente, de uma «indústria de cultura». Neste domínio, e como elemento galvanizador e promotor de projectos, propomos a criação de uma Agência para o Desenvolvimento das Artes e das Indústrias Criativas,

na qual participem a autarquia, instituições da cidade, a universidade e o sector privado.
No que concerne à revitalização da baixa portuense, o desenvolvimento de um plano integrado de segurança e iluminação, bem como uma política integrada de habitação para o núcleo central da cidade, com condições especiais de aquisição e de recuperação de imóveis como forma de atrair jovens casais e jovens universitários, parece-nos fundamental para a revitalização dessa área no Porto.
Quanto aos eventos, a promoção de um número alargado de acções a desenvolver deve ter como promotores, para além da sociedade gestora, as instituições da cidade e projectos independentes, dando grande importância a acções com origem nas escolas, de nível secundário e superior. Mas, sobretudo, a promoção de acções em áreas como a educação e o sector social apostando na criação de programas de ocupação de jovens à procura de primeiro emprego e de desempregados de longa duração deverá merecer especial atenção quer da sociedade gestora quer da autarquia local. Áreas como a limpeza e a recuperação do património artístico e arquitectónico, a limpeza geral da cidade e dos seus jardins e o apoio aos visitantes deverão ser consideradas prioritárias.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD do Porto espera que a ideia de «continuidade» depois de 2001 esteja presente em tudo aquilo que venha a ser realizado. Esperamos que este evento marque o futuro da cidade e deixe traços claros da sua passagem no Porto. Desejamos que seja o momento de arranque para um novo Porto, que tanto ambicionamos.
Aqui deixei algumas das nossas propostas, como noutros fóruns e locais o PSD do Porto tem feito, que são demonstrativas da nossa disposição para contribuir e ajudar ao sucesso e êxito do «Porto 2001-Capital europeia da cultura».
Oxalá que alguns míopes da política não se intrometam no trabalho - muito - que há para levar por diante, de modo a que o «Porto 2001» não se torne uma oportunidade perdida. A cidade não merece e os portuenses não perdoariam.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, quanto ao autor inicialmente citado, o Sr. Deputado quis, com certeza, dizer Vitorino Nemésio - sem dúvida, uma das grandes figuras da literatura portuguesa deste século.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tomamos hoje a palavra para assinalar, nesta Câmara, a efeméride do Dia Mundial do Doente, celebrada a 11 do corrente mês.
Nos países que respeitam a vida como um direito inalienável a defender e a preservar, o dia consagrado ao doente motiva a reflexão sobre a problemática da saúde, cujo debate, no momento presente, se reveste de especial acuidade no nosso país.
Instituído em 1992 por Sua Santidade o Papa João Paulo II, obteve forte eco ria Organização Mundial de

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Saúde, onde gerou, de imediato, um movimento conjunto de Estados europeus para a promoção dos direitos dos doentes, com vista à criação de um novo pensamento no processo dos cuidados de saúde.
Amesterdão, em Março de 1994, onde foi subscrito 0 documento Princípios sobre os Direitos dos Doentes na Europa; Copenhaga, em Dezembro de 1994, com Políticas de Saúde; e Viena, em 1996, com Sistemas de Cuidados de Saúde; foram etapas que conduziram à Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, documento de assinalável importância que, em consciência, deverá obrigar a todos os parceiros do sistema de saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se há estado de vulnerabilidade em que se espera que o conceito de assistência, para além da prática eficiente e competente, englobe também os mais nobres valores da solidariedade e humanização, esse é, com certeza, o estado de doença que sujeita e amordaça o ser humano, lhe subtrai coragem e dinamismo, lhe quebranta forças e resistência, o põe, enfim, à mercê dos recursos da assistência.
Ora, é aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que mora o pesadelo e começa o desafio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Porque, sendo verdade que os extraordinários avanços da ciência e da técnica puseram ao dispor do homem poderosos meios de luta contra a doença e que os investimentos em meios técnicos e humanos são cada vez mais vultuosos e necessários, não é menos certo que a aposta na saúde passa, cada vez mais, pelo aperfeiçoamento e execução, sem tibiezas, de políticas realistas, mas audaciosas e inovadoras, com uma correcta e eficaz gestão de recursos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A prevenção capaz, o tratamento eficaz e atempado e o acompanhamento humanizado, que obriga à informação e ao consentimento, que respeita convicções, privacidade e confidencialidade, têm que servir, e bem, a todos, por igual.
Assim o exige o sentido de justiça, clamando por equidade, contra qualquer tipo de discriminação. Assim o recomenda a moral e a ética, exaltando os valores da dignidadè humana e do profissionalismo. Assim o impõe o coração, sentindo como seu o sofrimento e a dor. Assim o compreende a razão, invocando uma lógica de deve e haver entre o cidadão e a sociedade. Assim o defende a política responsável, propondo e executando correctas medidas de saúde.
Este trato, a cumprir sem tibiezas, reside no pensamento dos homens justos e faz jus às sociedades que se preocupam em dar assistência condigna aos seus doentes.
Imbuída deste espírito de serviço, a Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes aí está. Deveria, como um guia imprescindível, ser conhecida e assumida por todos (doentes, agentes de saúde e governantes) como um importante instrumento de trabalho. Infelizmente, a prática diz-nos que, entre nós, ela não passou de um processo de intenções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, o direito à saúde para todos está consagrado na

Constituição da República Portuguesa. Mas a inacção governativa permitiu que se chegasse à situação que hoje temos: um sistema de saúde estagnado, improdutivo, insuficiente e caótico, que não consegue suprir as faltas clamorosas da população doente e em risco. As queixas, muitas e variadas, que apontam essencialmente insuficiência de resposta e desumanização no atendimento, estendem-se de norte a sul do País.
Em centros de saúde, como em hospitais distritais e centrais, acontecem, de forma continuada e persistente, por acção ou omissão, verdadeiros atentados à dignidade e integridade das pessoas, que não é demais denunciar, a exigir enérgica acção governativa, que tarda em chegar. E, enquanto os problemas se avolumam no sistema, não podemos deixar de nos interrogar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sobre qual o sentido do slogan «As Pessoas Primeiro» para os políticos, que dele se serviram até à exaustão como meio para a conquista do poder!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Decididamente, em fim de legislatura, o Governo não encontrou ainda o caminho da saúde, embora, de vez em quando, com a pompa e circunstância em que é exímio, anuncie medidas débeis e inconsistentes, de escassos ou nenhuns resultados.

Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Para descongestionar as caóticas urgências hospitalares, promove-se o encaminhamento dos doentes para os centros de saúde, onde se espera que o médico analise o doente antes de o fazer baixar, se necessário, às urgências hospitalares.
Mas como pode esta medida ter pleno sucesso se também aí faltam médicos, tal como faltam médicos de família aos milhares, para fazer essa primeira triagem? E quanto às consultas da especialidade? E quanto as intervenções cirúrgicas? Não é desesperante esperar dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove ou mais anos por uma consulta ou uma intervenção? Será excessivo chamar-lhe atentado contra a integridade física e moral?!
E que dizer do caos das urgências em hospitais distritais ou centrais, em ruptura ou pré-ruptura, sem espaço, sem equipamento, sem pessoal, onde se faz atendimento sem, privacidade, ultrajantemente desumanizado, onde a espera se torna abandono, como aconteceu, no caso paradigmático denunciado pelo Sr. Bispo de Viseu, ocorrido com um octogenário que ficou 24 horas numa cadeira, onde a família o deixou e voltou a encontrar?!...
E os chamados doentes de maca - a maca dos bombeiros, à falta de outras -, que se amontoam num verdadeiro pandemónio dentro e fora dos serviços, impedindo as ambulâncias de regressar aos quartéis?! São doentes muito maltratados! São doentes do Serviço Nacional de Saúde! Mas há também os doentes sem o cartão de utente, como é o caso de muitos imigrantes em situação irregular.
Apesar dos louváveis esforços de associações solidárias, como é o caso da SANITAE, abundam por todo o País pessoas excluídas da saúde, mesmo que atingidas por doenças infecto-contagiosas... por não poderem pagar! Sobre eles, referirei, a título de exemplo dolorosamente elucidativo, o caso de uma jovem mulher, que teve alta com dois dias de parto e um filho nos braços. Não falava português, não tinha apoio de família, era seropositiva e

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tuberculosa, como foi comprovado no serviço que a atendeu! Em causa estavam dois seres humanos! Em causa estava a saúde pública!
Inacreditável e chocante, Sr. Presidente e Srs. Deputados, como inacreditável e chocante essa outra situação, quiçá causadora de danos acrescidos, ao doente que a sofreu, o ilustre Vice-Presidente desta Assembleia, que não encontrou o socorro urgente e inadiável de um ventilador num hospital central da sua cidade, a capital do País, a mesma cidade a que deu dias, meses e anos da sua vida, agora em risco! Um caso intolerável, entre os muitos iguais que, diariamente, acontecem com gente anónima em hospitais centrais deste país!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sem mais palavras, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas o sublinhado de um panorama desolador!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em momento tão difícil como é aquele que o Sr. Eng.º Krus Abecasis atravessa, fazemos votos para que consiga vencer a maior de todas as batalhas que travou e possamos nós ter o prazer de o ver reocupar, com o brilho de sempre, a tribuna que o povo lhe confiou.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, das propostas de lei n.os 218/VII - Regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal é 232/VII - Altera a Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, que estabelece medidas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira.
Para apresentar estas propostas de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me, antes de mais, aproveitando a intervenção da Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira, que faça votos pelo rápido restabelecimento do Sr. Deputado e meu querido amigo, Engenheiro Nuno Abecasis, e que a todos os Srs. Deputados, em particular à bancada do CDS-PP, formule votos para que ele, o mais rapidamente possível, possa juntar-se aos Deputados desta Assembleia.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A necessidade de proteger as testemunhas contra a intimidação - que constitui objecto da proposta que hoje aqui apresentamos tem constituído uma preocupação crescente, nas últimas décadas, no quadro da luta contra a criminalidade violenta e altamente organizada, envolvendo, nomeadamente, o terrorismo, as associações criminosas, o tráfico de estupefacientes e a criminalidade económica.

E a mesma necessidade se tem verificado quanto à perseguição de crimes praticados no âmbito de grupos fechados ou da violência no seio da família, em que assumem particular melindre a posição e o papel da vítima.
A descoberta e punição dos crimes associados a estas realidades depende; em larga medida, dos contributos prestados por pessoas ligadas, dependentes ou conhecedoras das organizações e da sua actividade ou por pessoas inseridas em grupos sociais fechados, em muitos casos numa relação de subordinação ou dependência de facto.
Ora, estas pessoas encontram-se em formas e posições especialmente vulneráveis de intimidação, coacção ou pressão, muitas vezes com sérios riscos para a vida, a saúde, a integridade física ou o património, em virtude da colaboração que possam prestar para a prova do crime.
A delinquência deixou de ser apenas obra de indivíduos, actuando isoladamente ou em comparticipação, constituindo, cada vez mais, o resultado de actividades de organizações com elevado nível de sofisticação que penetram insidiosamente a sociedade e corroem os próprios fundamentos do Estado de direito, em espaços crescentemente abertos.
Embora as estatísticas oficiais comparadas não permitam atribuir a Portugal uma situação particularmente grave, a integração nos espaços Schengen e da União Europeia conferem ao nosso país novas vulnerabilidades face ao crime organizado que não se podem iludir.
Tem que se reconhecer que a emergência de novas formas de delinquência, que se socorrem de meios de actuação cada vez mais difíceis de detectar, exige respostas eficazes quer no âmbito preventivo quer repressivo.
Todavia, estas respostas têm de respeitar, em absoluto, os princípios que estruturam o processo penal democrático, permitindo assegurar a liberdade e a segurança.
As soluções propostas visam dotar o sistema jurídico nacional de medidas que têm vindo a ser recomendadas por organizações internacionais empenhadas na luta contra a criminalidade organizada, na protecção das testemunhas e das vítimas e na defesa do Estado de direito, das quais se destacam várias recomendações do Conselho da Europa e resoluções do Conselho da União Europeia e também os princípios da ONU sobre para a prevenção do crime e o tratamento dos delinquentes.
Variados instrumentos quer de índole legislativa quer administrativa têm vindo a ser propostos e aprovados pelo Governo e pela Assembleia da República como resposta à criminalidade em geral e à criminalidade organizada em especial, sendo de salientar, de entre outros, a revisão do Código Penal, a revisão do Código de Processo Penal, o novo Estatuto do Ministério Público, consagrando a criação do DCIAP e a legalização dos DIAP, e ainda a criação do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) junto da Procuradoria-Geral da República.
Não é de omitir, aqui, a própria alteração ao artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa, aprovada pela IV revisão constitucional de Setembro de 1997, pela qual passou a permitir-se, noutros termos mais amplos, a extradição até mesmo de portugueses em certas condições e relativamente a casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada. Estas alterações constitucionais foram levadas em consideração na proposta de lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, já aprovada pelo Governo e que em breve será enviada a esta Assembleia.
O presente diploma contempla, assim, um aspecto circunscrito da resposta à criminalidade grave, ligado à pro-

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tecção dos intervenientes no processo penal que possam dar um contributo relevante para a prova. E aqui, interessa desde já referilo, uma vez mais não se perdeu de vista a necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos individuais, nomeadamente do arguido, e o interesse colectivo da segurança.
A repressão da criminalidade, em nome da segurança, haverá sempre que compatibilizar-se com a salvaguarda das garantias da defesa. O ponto de encontro entre estas duas tarefas, ambas igualmente a cargo do Estado, poderá sofrer deslocações por força de uma realidade social que mudou, mas deverá situar-se sempre, num Estado de direito democrático, dentro dos limites impostos pelo sistema legitimador fundamental.
O conjunto de medidas de que se rodeiam as soluções adaptadas, reputadas indispensáveis, garantem a sua compatibilização com o disposto na Constituição da República Portuguesa e nos textos internacionais a que Portugal está vinculado.
Sem nunca deixar de ter a preocupação apontada, a proposta procura enfrentar uma realidade básica: de dever cívico, o dever de testemunhar ou de dar um contributo probatório em processo penal passou frequentemente a constituir um comportamento de risco, a ponto de a recusa chegar mesmo a ser abordada como uma situação de não exigibilidade. Casos típicos que têm vindo a lume, designadamente, e em especial, no que se refere a tráfico de mulheres, que na maior parte dos casos temem apresentar queixa por medo de represálias, são bem a prova desse risco.
Paralelamente à contemplação de situações de risco, entendeu-se oportuno reunir, no mesmo diploma, um conjunto de medidas destinadas às denominadas «testemunhas especialmente vulneráveis».
Em relação a estas, o objectivo da reconstituição da verdade dos factos não poderá alhear-se da sua especial fragilidade quando confrontadas com o funcionamento prático do sistema judiciário. Por outro lado, haverá que estar alertado para as dificuldades destas pessoas em intervir num processo penal, em desfavor de outras pessoas que lhes são muito próximas, sobretudo quando não é fácil distinguir se a dificuldade se fica a dever apenas a verdadeiros laços efectivos ou também a situações de dependência pura e simples.
A protecção dispensada pela presente proposta destina-se às testemunhas, agregando-se neste conceito um conjunto variado de intervenientes no processo penal que abrange não só as testemunhas propriamente ditas mas também os assistentes, os arguidos, os peritos, os consultores técnicos ou mesmo as partes civis.
Para protecção das testemunhas em situação de risco elencam-se basicamente cinco tipos de medidas, desde a simples ocultação da testemunha em acto processual público até à elaboração de todo um programa especial de segurança, passando pela teleconferência, pela não revelação da identidade da testemunha ou por medidas pontuais de segurança.
A medida de não revelação de identidade da testemunha, já prevista em várias legislações estrangeiras, apresenta incidências que, pela sua sensibilidade, justificam particular atenção.
O anonimato das testemunhas constitui uma medida excepcional reservada para os casos mais graves, sem deixar de levar em conta o justo equilíbrio entre as necessidades da justiça penal e os direitos da defesa, alcançável através de um procedimento que dê a possibilidade de

contestar a presumida necessidade do anonimato, a credibilidade ou a origem dos conhecimentos da testemunha.
A alínea d) do n.º 3 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem confere a todo o acusado o direito de interrogar ou fazer interrogar as testejnunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação.
Ora, o direito de interrogar as testemunhas de acusação envolve obviamente o direito de, através desse interrogatório, se contestar a credibilidade da própria testemunha. Impõe-se, portanto, criar um mecanismo que permita ultrapassar a limitação que representa para a defesa o anonimato de uma testemunha, ou seja, que permita controlar a autenticidade e a exactidão do depoimento ou a sinceridade da testemunha.
A Recomendação do Conselho da Europa R (97) 13 menciona mesmo três eventualidades susceptíveis de abalar a credibilidade na testemunha: poder ser pouco fiável por razões subjectivas ligadas à sua personalidade deformada ou desequilibrada; poder ter tido ligações com o arguido no passado, que interesse ter em conta; ou poder ser o autor ou o instrumento de um complot desleal contra o acusado. Também o Conselho da Europa, através da jurisprudência do Tribunal Europeu (designadamente, em vários casos que incluíam súbditos holandeses), pôde, entretanto, ir assumindo uma posição que se veio a reflectir naquela recomendação.
Assim, a recomendação acaba por propor um mecanismo de verificação independente, capaz de se substituir, leal e eficazmente, ao acusado e ao seu advogado, a fim ser feita luz sobre todas as circunstâncias que possam influenciar, de modo sério, a credibilidade da testemunha anónima. Levando em conta essa recomendação e a jurisprudência do Tribunal Europeu, a proposta prevê um procedimento que visa equilibrar os interesses em presença e garantir o direito de defesa.
Assim, a medida de não revelação da identidade da testemunha pode ter lugar, se o depoimento ou as declarações disserem respeito a crimes previstos nos artigos 299.º, 300.º ou 301.º do Código Penal ou a crimes cometidos pelas organizações criminosas punidos com pena de prisão igual ou superior a oito anos, sendo a decisão de não revelação de identidade da testemunha proferida em processo separado e urgente com natureza incidental.
Entendeu-se também que a nomeação de um advogado para fazer valer os interesses do arguido, exclusivamente no processo complementar, seria a solução mais conveniente, do ponto de vista da própria defesa. Na verdade, a relação de confiança que deve estabelecer-se entre o arguido e o seu defensor no processo principal dificilmente deixaria de ficar comprometida se se fornecesse a identidade da testemunha ao defensor, proibindo-se este de a revelar ao arguido.
A testemunha poderá, igualmente, beneficiar de medidas pontuais de segurança, nomeadamente as de indicação no processo de residência diferente da residência habitual ou que não coincida com os lugares de domicílio previstos na lei civil; de transporte em viatura fornecida pelo Estado para poder intervir em acto processual; de disponibilidade de compartimento, eventualmente vigiado e com segurança, nas instalações judiciárias ou policiais a que tenha de se deslocar e no qual possa permanecer sem a companhia de outros intervenientes no processo; de benefício de protecção policial extensiva a familiares ou

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a outras pessoas que lhes sejam próximas e de poder ter, na prisâo, um regime que lhe permita estar isolada de outros reclusos e ser transportada em viatura diferente.
Ao contrário das outras medidas, o estabelecimento de um programa especial de segurança é da competência da autoridade administrativa, como sucede, aliás, na generalidade dos países europeus. Incumbe ao Ministério da Justiça a criação da comissão que elaborará o programa e assegurará a sua execução, por ser este o departamento chamado em primeira linha a fornecer as condições de funcionamento da justiça penal.
Com as medidas destinadas às testemunhas especialmente vulneráveis, proeurou atender-se às dificuldades de obtenção de depoimentos de crianças, de idosos e de pessoas psicologicamente frágeis. Teve-se, porém, especialmente em vista a criminalidade cometida no seio da família, em que as crianças, as mulheres e os idosos são as principais vítimas.
Por definição, a família é uma área de privacidade em que a visibilidade dos crimes cometidos no seu seio, traduzidos geralmente em violências físicas e abusos sexuais, é muito reduzida. Pouco se sabe do que aí se passa e do que se sabe menos se prova. Impor-se-á, então, enquadrar devidamente os membros da família relutantes a denunciar ou a depor, por razões que podem ir dos laços efectivos à dependência económica, sem excluir o medo de represálias.
Em situações graves, a autoridade judiciária poderá desencadear um processo de afastamento da testemunha do ambiente inibitório em que esta se encontrá inserida. Nomeadamente, se for o caso, deverá fornecer elementos ao Ministério Público competente que lhe permitam requerer a alteração ou inibição do poder paternal, a remoção das funções tutelares ou a aplicação de medidas não especificadas.
Diga-se, por último, que o efeito inibitório causado pela inserção em famílias contra cujos membros se deva depor pode igualmente surgir no seio de grupos de natureza étnica fechada ou em ambientes também fechados, como são, designadamente, os estabelecimentos prisionais ou instituições como orfanatos ou asilos, em que não raras vezes se revelam situações de violência contra as pessoas carecidas da devida tutela jurídico-penal.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Pensamos, com esta proposta de lei, estar a contribuir para colmatar uma lacuna do nosso ordenamento jurídico e a construir um sistema que, respeitadas as garantias de defesa, propiciará meios adequados de combater as formas de criminalidade organizada, que são hoje a preocupação maior dos Estados no que se refere à segurança dos cidadãos.
Não podemos, por omissão que seria grave, deixar de dotar a investigação criminal de instrumentos que, sempre respeitadores das garantias do Estado de direito, permitam desenvolver a luta contra as formas mais gravosas da criminalidade que põem em causa os próprios fundamentos da nossa democracia.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Conjuntamente com a proposta de lei relativa à protecção de testemunhas, apresenta-se hoje também a proposta de lei que visa introduzir alterações à Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, que estabelece medidas de combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira.
Sendo fenómenos que se desenvolveram segundo processos e lógicas próprios, cujos pontos de contacto não eram frequentes até há poucos anos, é, todavia, hoje, cada

vez mais visível uma ligação crescente enfie o crime organizado e a corrupção.
De uma situação em que as organizações criminosas não contaminavam, ou só pontualmente poderiam contaminar, o funcionamento normal das instituições, por operarem à margem da sociedade e do Estado, passou-se para uma realidade nova em que é cada vez mais frequente a conexão entre ambas as formas de criminalidade.
Pelos riscos de criminalização do Estado e da sociedade, a combinação do crime organizado com a corrupção passou a possuir um especial efeito demolidor para a democracia e para o Estado de direito. Aliás, há, hoje, como sabemos, Estados que já são dominados em boa parte por mafias organizadas. Esta verificação constitui, hoje, um dado pacificamente aceite nas diversas instâncias internacionais, em cujo âmbito têm vindo a ser desenvolvidos esforços contra estas formas de criminalidade.
Como é sabido, o desenvolvimento dos níveis de sofisticação próprios da criminalidade económico-financeira e da corrupção, todos vocacionados para a obtenção de rendimentos ilícitos, dificulta significativamente a detecção, a perseguição e a prova dos crimes.
Esta realidade veio colocar sérios desafios aos Estados democráticos, em nome dos valores que fundamentam a vida em sociedade e da confiança que os Estados devem manter nas suas próprias instituições.

É em nome desses valores e dessa confiança que temos o dever de reforçar a eficácia no combate a estas formas dé crime, num quadro que preserve os princípios e as regras de funcionamento do Estado de direito e do processo penal democrático, que reforce a confiança nas instituições e que reafirme os valores democráticos.
São estes, em síntese, a justificação e o sentido da proposta de lei n.º 232/VII, que introduz alterações à Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro.
Uma proposta que tem presente que o combate à corrupção é uma tarefa multidisciplinar, que não se resume a medidas de carácter penal e que, a par do reforço de meios operacionais, tem de levar em conta factores de prevenção que passara pelo reforço da transparência dos processos de decisão e pelo aprofundamento da cultura de promoção e defesa de valores éticos essenciais ao funcionamento da sociedade e do Estado.
A presente proposta de lei restringe-se, naturalmente, aos aspectos penais de combate à corrupção.
Não estando em causa as molduras das penas correspondentes aos crimes de corrupção activa e passiva, que se revelam, aliás, de gravidade superior às previstas em sistemas que nos são próximos, a proposta visa uma dupla finalidade: permitir uma melhor detecção dos crimes e aumentar a eficácia da investigação.
No que se refere à detecção e conhecimento dos crimes - que, como se sabe, constituem uma realidade de difícil penetração -, leva-se em conta a solução já hoje consagrada no Código Penal vigente que dá tratamento favorável a formas de comparticipação dos agentes no processo de execução dos crimes ao consagrar mecanismos de atenuação especial da pena para o agente de corrupção passiva, no caso de auxílio na recolha das provas, e de dispensa de pena para o agente da corrupção passiva, igualmente, em caso de arrependimento activo.
Porém, não se prevêem no Código Penal mecanismos de idêntica natureza relativamente ao agente de corrupção activa, cuja colaboração assume um papel fundamental para um eficaz combate à corrupção de funcionários públicos.

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Ora, sabendo-se bem da importância da contribuição do corruptor activo para a descoberta dos crimes de corrupção passiva, parece perfeitamente justificado que, por razões de idêntica natureza, se devam introduzir mecanismos que reforçam a tutela penal dos bens jurídicos e a eficácia da investigação, maximizando o mais possível as soluções de tratamento favorável dos agentes do crime. É uma solução presente no direito penal comparado e que tem sido adoptada noutros sistemas com resultados positivos, como, por exemplo, na vizinha Espanha.
No que se refere aos meios processuais, diagnosticam-se, actualmente, vários pontos em que é necessário aperfeiçoar o sistema estabelecido pela Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro. Desde logo no que toca ao acesso às informações e elementos sob segredo bancário. Porque se trata de aspectos da maior importância para a investigação deste tipo de crimes, é necessário remover as dificuldades que hoje se fazem sentir neste domínio, levando em atenção o interesse preponderante, e, por idênticas razões, alargar o regime vigente ao segredo fiscal.
Assim, a proposta clarifica a especialidade - já prevista na lei - do acesso a elementos sob segredo relativamente ao regime geral do Código de Processo Penal, estabelecendo-se que o acesso às informações e documentos dos bancos dependerá unicamente de decisão do juiz que reconhece a sua necessidade e relevante interesse para a investigação e para a prova (o que exclui, nesta matéria, a oponibilidade do segredo e o recurso ao incidente previsto nos artigos 135.º e 136.º do Código de Processo Penal).
Nesta conformidade, consagra-se expressamente a obrigação de os bancos fornecerem, no prazo fixado, as informações e documentação solicitada, nos termos da decisão judicial que declarou aquela necessidade, bem como o dever de não obstrução à apreensão, Sob pena de procedimento criminal pelo crime previsto no artigo 360.º do Código Penal; reforça-se o segredo do processo relativamente às informações e documentos solicitados; e definem-se os termos da colaboração do Banco de Portugal, enquanto autoridade bancária, nos procedimentos de identificação das contas bancárias.
Em conformidade com o que se referiu a propósito do crime de corrupção activa, propõe-se a introdução de uma nova disposição, que, para além da possibilidade de suspensão provisória do processo nos termos do artigo 9.º, vem permitir o arquivamento do processo através do mecanismo de isenção de pena, tendo, todavia, presente que se trata de medidas de carácter excepcional, sujeitas a requisitos exigentes, mas que se justificam, como disse, pela estrita necessidade de protecção dos bens penalmente protegidos e da investigação, com cuidadosa ponderação dos interesses em jogo.
Nestes termos, prevê-se que o agente da corrupção activa para acto ilícito possa beneficiar da isenção da pena, desde que, cumulativamente, se verifiquem três condições: tenha praticado o acto a solicitação do funcionário agente da corrupção passiva - mas já não quando o acto é da iniciativa do agente da corrupção activa; tenha denunciado o crime no prazo máximo de 30 dias; e tenha contribuído decisivamente para a descoberta da verdade.
Por outro lado, relativamente ao agente do crime de corrupção activa para acto lícito, prevê-se a dispensa de pena de forma menos exigente, uma vez que se trata de conduta de menor reprovação jurídico-penal, em que se visa a prática de um acto que deve ser praticado pelo funcionário, bastando, neste caso, que tenha denunciado o crime

e, cumulativamente, contribuído, de forma decisiva, para a prova.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Este conjunto de medidas em matéria de combate á corrupção possibilitará dotar o sistema de investigação criminal e os tribunais dos instrumentos exigidos pelo combate contra este tipo de criminalidade, com respeito pelos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e pela defesa do Estado de direito democrático.
Estamos convictos de que, também nesta matéria, esta Assembleia não deixará de acolher as soluções propostas, num consenso que todos pretendemos cada vez mais alargado em nome da defesa dos valores da democracia e dos valores da liberdade e da segurança que a todos nos identificam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, antes de mais, queria, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, agradecer empenhadamente a V. Ex.ª o cuidado amigo que mostrou pela saúde do Engenheiro Nuno Abecasis, que a todos nos angustia e preocupa. Aguardamos que corra tudo pelo melhor e que, dentro do que é humanamente possível, em breve, o possamos ter entre nós.
Sr. Ministro, relativamente à proposta de lei n.º 218/VII, queria dizer, antes de mais, que a entendemos perfeitamente e estamos prontos para trabalhar e colaborar no sentido que decorre, necessariamente, da enorme dificuldade prática que há em conciliar a salvaguarda dos direitos individuais e das garantias processuais dos cidadãos e a necessidade, também crescente - constantemente mudada e sentida como nova - da defesa e salvaguarda do interesse colectivo em termos de segurança.
V. Ex.ª referiu - e a proposta de lei é bem clara nesse sentido - que todo este regime é excepcional. Pensamos que essa excepcional idade deveria, até, numa análise em termos de direito comparado, ser mais vincada.
Gostaria de perguntar a V. Ex.ª da disponibilidade do Governo no sentido de encontrar, em sede de especialidade, soluções mais apuradas no que poderá, eventualmente, implicar uma redução da alínea a) do artigo 16.º na tipificação dos crimes a que se pode aplicar esta medida, porque cláusulas como as relativas a crimes puníveis com pena de pena de prisão superior a oito anos parece-nos algo excessivo:
Portanto, entendemos que tentar afinar esta questão e dar uma melhor característica e excepcionalidade seria uma demonstração do Governo no sentido de colaborar e conseguir um consenso, o que, numa matéria deste melindre e desta importância, penso ser fundamental que esta Câmara consiga alcançar e assim, para já, gostaria de saber da disponibilidade do Governo nesse sentido.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): -Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, começo por lhe dizer que há toda a disponibilidade do Governo. Nós preparámos esta proposta com toda a consciência e com todo o cuidado, mas eu alertei du-

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rante a minha exposição para a sensibilidade deste tipo de questões. E naturalmente que está fora do espírito do Governo chegar aqui, em relação a uma matéria destas, numa posição de arrogância e de inamovibilidade. Nada disso! Estamos muito dispostos a colaborar com VV. Ex.as, como, aliás, habitualmente o fazemos, em sede de ComÍssão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para chegarmos às soluções que todos, em consenso, conseguirmos encontrar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a questão que queria colocar diz respeito à proposta de lei sobre a protecção de testemunhas que me parece ser aquela que suscita maiores problemas, como, aliás, foi assumido na intervenção de V. Ex.ª. A minha pergunta é um apelo, digamos assim, a alguma reflexão sobre a matéria que se me afigura mais complexa.
Não me refiro à possibilidade de audição das testemunhas através de teleconferências, com ausência da testemunha da sala de audiências; quanto à distorção da voz, também não creio que suscite problemas especiais; compreendem-se também, perfeitamente, aquelas situações em que há uma particular vulnerabilidade das testemunhas que tenham de depor contra alguém da sua família próxima, designadamente em casos em que estejam em causa maus tratos. Não creio que esses problemas sejam intransponíveis.
Há, no entanto, uma questão que se me afigura mais complexa e que exigirá, porventura, maior reflexão na especialidade, que diz respeito à possibilidade de ocultação da identidade da testemunha. E claro que se compreende que a criminalidade altamente organizada exige formas de combate sérias, na medida em que todos reconhecemos que hoje em dia os obstáculos legítimos a quem procura reprimir a criminalidade organizada são maiores, obstáculos que decorrem do Estado de direito democrático e das garantias mínimas da defesa, e, ao contrário, os criminosos têm as mãos livres, porque não respeitam nada nem ninguém, não têm qualquer legalidade a respeitar. Há, portanto, que tomar medidas sérias de combate à criminalidade.
Compreende-se por que é que se propõe que haja uma ocultação da identidade de uma testemunha, mas a questão que se coloca é a de saber até onde é que podemos ir. Ainda na semana passada, tivemos em Portugal um eminente especialista no estudo da criminalidade, a cuja conferência tive oportunidade de assistir, que dizia que, no caso concreto de uma associação criminosa conhecida na Rússia, de entre 21 testemunhas que tinham arroladas, não se conseguiu que qualquer delas comparecesse. Algumas foram liquidadas fisicamente e outras, por razões óbvias, não se prestaram a fazer depoimentos e a ajudar a justiça, pelo que esse julgamento e essa acusação não foram possíveis. Portanto, este é um problema real.
A questão sobre a qual vale a pena reflectir é a de saber até que ponto é que podemos ir, na medida em que a ocultação da identidade da testemunha representa um prejuízo incontornável para os direitos da defesa. Sei que a proposta de lei tenta contornar o problema através de um processo complementar autónomo. É uma tentativa e creio que devemos estudá-la muito bem; agora, ainda assim, há

uma preterição de direitos da defesa que, creio, são, de alguma forma, incontornáveis. Compreendo perfeitamente os propósitos da proposta de lei, que são evidentemente estimáveis, mas a questão que se nos coloca - e é essa reflexão que gostaria que o Sr. Ministro compartilhasse connosco através da sua opinião sobre este assunto - é se não estaremos a prejudicar de uma forma incontornável, face ao nosso quadro constitucional, os direitos de uma defesa que não sabe de quem é que tem de se defender, na medida em que não conhece nem a voz, nem a imagem, nem a identidade, não tendo, portanto, quaisquer condições de demonstrar que aquela testemunha, por exemplo, é fictícia.
É esta dificuldade que gostaria que suscitasse um pouco a nossa reflexão.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, naturalmente que não posso senão concordar com várias das afirmações que V. Ex.ª fez. Este tipo de criminalidade põe hoje questões que, felizmente, no nosso país nada têm a ver com os exemplos que deu, mas nós temos de antecipar acontecimentos e pode haver organizações criminosas com que possamos vir a ser confrontados, até de países terceiros, não tem que ver com organizações criminosas internas.
Portanto, no fundo, a minha resposta é um pouco a que acabei de dar ao Sr. Deputado Francisco Peixoto, do CDS-PP.
Nós fizemos um esforço - enfim, os autores estão sempre convencidos de que o seu esforço foi coroado de êxito, e eu também estou convencido disso - criando, precisamente, esse incidente para que, perante um advogado nomeado só para isso, se pudesse, no fundo, avaliar aquilo que referi, que é a questão de a testemunha ser credível ou não e se não será, talvez, necessário - não o é, no nosso ponto de vista - que seja o advogado do arguido directamente, porque aí estaríamos com «o gato escondido com o rabo de fora» e iríamos colocar, até, o advogado do arguido em situações em que não o devemos colocar, como é óbvio! Ele teria de manter oculta, perante o seu cliente, a identidade daquela pessoa. Não vamos acreditar nisso nem vamos colocar os advogados nessa situação.
Assim, penso que isto tem de ser criado, mas, naturalmente, como já disse, estamos inteiramente abertos a melhorar, na especialidade, o sistema, adiantando eu que vou mais pela via que o Sr. Deputado do CDS-PP traçou - embora na proposta de lei seja dito que é só para casos de terrorismo, de criminalidade altamente organizada, etc. - ou seja, trabalharmos para poder restringir nalguns casos as medidas mais gravosas e a med)da mais gravosa é, obviamente, a da ocultação da identidade. É aí que está, efectivamente, o nó da meada que, juntos, teremos de deslindar.
Mas, Sr. Deputado, devo dizer-lhe uma coisa: ainda na última reunião do Conselho de Ministros da União Europeia estivemos a discutir esta matéria - aliás, não sei se já chegou às mãos dos Srs. Deputados, mas enviámos um conjunto de elementos que tínhamos disponíveis, de direito comparado, para podermos colaborar com os Srs. Deputados neste estudo - e estou convencido de que, em certos casos (tal como o exemplo dado pelo Sr. Deputado, naturalmente extremo, das «mafias» russas), a não ser

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com a ocultação da identidade da testemunha, nós não temos testemunhas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ora essa! Assim, como é que um arguido se defende?!

O Orador: - Repito, não é o que se passa, ainda, em Portugal mas temos de nos defender e ter um sistema que seja capaz de fazer face a estes desafios terríveis que nos são postos hoje por certas formas de criminalidade altamente violenta e altamente organizada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, partilho também das preocupações manifestadas pelo Sr. Deputado António Filipe.
Ouvi-o atentamente, Sr. Ministro, abordar este tema que me parecer ser dos mais importantes da proposta de lei n.º 218/VII, qual seja o da reserva do conhecimento da identidade da testemunha, e creio, sinceramente, que se poderia fazer um esforço - um esforço ainda maior na tentativa de salvaguardar efectivamente os direitos da defesa. Creio que não basta dizer-se na lei que «É assegurada 'a realização do contraditório admissível no caso, de modo a garantir-se o justo equilíbrio entre as necessidades de combate ao crime e o direito de defesa» e, adiante, recusar-se a possibilidade de o arguido estar efectivamente representado pelo seu próprio advogado. Julgo ter retirado das palavras de V. Ex.ª que há como que uma presunção de que o advogado será tentado a revelar de imediato ao seu constituinte a identidade da testemunha. Não partilho, ao fim de quase 25 anos de advocacia, muitos deles em processo-crime, dessa presunção de suspeita da actividade dos advogados, maxime, do respeito pelo seu segredo profissional que também atinge isto. Por isso, insisto que poderia fazer-se melhor.
De resto, ao projectar-se na lei que será nomeado um advogado ad hoc neste procedimento incidental ad hoc com um juiz ad hoc, penso que poderia fazer-se mais em prol da protecção dos direitos de defesa. E creio que ter-se-á ido mesmo mais longe do que recomenda o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, ainda recentemente, a propósito de um caso ocorrido na Holanda (tive oportunidade de analisar um texto da Revista Portuguesa de Ciência Criminal), diz que situações destas apontam para um fosso marcado entre a defesa, a defesa efectiva, a defesa real e a vaga possibilidade de defesa. Ou seja, o que se cria nesta lei é uma faculdade abstracta de defesa e não um verdadeiro direito de interrogar, ao qual V. Ex.ª se referiu. Por isso, acho que se poderia fazer mais. Por exemplo, poderíamos colher o ensinamento do Código de Processo Penal francês.
Como V. Ex.ª sabe, melhor do que eu, o Código de Processo Penal francês, também preocupado com esta realidade, manteve a possibilidade de o arguido estar representado efectivamente pelo seu advogado e não por um advogado ad hoc. Quem anda nos tribunais, como eu, há mais de 20 anos, sabe o que são os advogados ad hoc, os advogados nomeados oficiosamente! Sr. Ministro, o Código francês adoptou o seguinte: um sistema em que a

testemunha não é facilmente localizada, em que a testemunha tem uma residência num qualquer local de polícia.
Outra qualquer solução teria sido melhor do que negar o direito de o arguido poder estar representado, nesta questão incidental tão importante para a sua defesa, pelo seu próprio advogado. É um contributo. Espero que o seu espírito de tolerância também preveja este contributo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, o meu espírito de tolerância é ilimitado! Mas já não diria tanto em relação à criminalidade organizada, porque, aí, é pouco! O Sr. Deputado traz um contributo útil ao debate, como sempre. Como sempre, V. Ex.ª traz contributos úteis ao debate - modo melhor será que nos faça todos quinhoar desse seu espírito tão insular que V. Ex.ª tem e que tantas vezes aqui perpassa, feliz ou infelizmente, consoante as perspectivas!

O Sr. Guilherme Silvá (PSD): - Apraz-nos o seu reconhecimento!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, V. Ex.ª referiu vários outros tipos de protecção que também previmos, como tem presente. Repare que o que dizemos não é que o advogado de defesa não pode interrogar a testemunha. Pode! Contudo, nesta última medida, prevemos que ele interrogue mas sem saber a sua identidade, o que é uma coisa diferente! Não está aqui em causa o princípio do contraditório, a meu ver; está em causa apenas que o advogado interrogue dentro das regras do processo penal, mas não saiba a identidade da testemunha. Naturalmente que estamos abertos, como já disse e escuso de repetir, a introduzir todas as modificações que contribuam para aperfeiçoar o articulado - isso está fora de causa -, mas há uma coisa que é certa: há casos em que é necessário que a identidade da testemunha seja ocultada, porque senão o Sr. Deputado não conte com essa testemunha!
Já agora, Sr. Deputado, se me permite, V. Ex.ª terá vinte e tal anos de advocacia e eu tenho um pouco mais, feliz ou infelizmente! Mas longe de mim duvidar dos advogados! O que eu digo é que não podemos deitar para cima de um advogado de defesa esse ónus de - e eu não conheço a sua actividade profissional mas V. Ex.ª, que disse que tem feito muita advocacia de crime, sabe, com certeza, quantas vezes as relações entre um advogado e o seu cliente se transformam, com o tempo, quase em relações de amizade, devido ao entusiasmo que o advogado põe na defesa do seu cliente) ficar obrigado a junto do seu cliente, sabendo quem é a testemunha, não lhe dizer. Penso que é demais! Penso que é demais!
Por isso, nós construímos este incidente, que não evita o contraditório, pelo contrário, o advogado interroga; só que há outro advogado que está a ver outros aspectos da testemunha, que são os aspectos que dizem respeito à sua credibilidade, e, mais, um magistrado judicial. Penso que fomos muito longe na defesa dos princípios fundamentais do nosso processo penal, designadamente dos princípios constitucionais.
Mas, repito, na especialidade, é bem possível que consigamos ainda aperfeiçoar a nossa proposta. Faço votos por isso.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, o Governo respondeu prontamente à divulgação pública do caso JAE com um pacote legislativo de que fazem parte as medidas que hoje estamos aqui a discutir. Julgo que o caso JAE, como muitos outros, adquiriram uma importância grande, sobretudo porque apareceram numa época de crise da justiça, crise manifesta, como, aliás, V. Ex.ª tem reconhecido. Crise não apenas da justiça mas do próprio sistema político e também já debatemos isto nesta Assembleia.
Pergunto a V. Ex.ª o seguinte: não acha que melhor do que aprovarmos medidas pontuais, seria bom que tratássemos de aqui falar, discutir, num bloco global, a reforma da justiça em Portugal? E a reforma do sistema político, designadamente o financiamento dos partidos, as incompatibilidades, etc.? Este é um primeiro conjunto de questões.
Segundo conjunto de questões: o legislador deve ter uma preocupação de facilitar a vida aos cidadãos, de facilitar a consulta das leis, de facilitar a ciência da legislação. Pergunto se não acha que seria de melhor técnica legislativa, seria de uma melhor sistemática se estas medidas avulsas, que o Governo agora apresenta, fossem incluídas no Código Penal e no Código de Processo Penal. Isto porque, por exemplo, uma delas, a proposta de lei n.º 232/VII, fala em abranger agora o corruptor activo em medidas de atenuação especial e também de dispensa de pena. Ora, se o corruptor passivo tem o seu tratamento específico no Código Penal, por que razão não há-de também o corruptor activo ter o mesmo tratamento e no mesmo local? E por que razão estas medidas de protecção de testemunhas, e outras, não se devem também incluir em sede de Código de Processo Penal?
Finalmente, Sr. Ministro, gostava de colocar um terceiro conjunto de questões. Foram criados os NAT junto da Procuradoria-Geral da República, reconhecendo-se, assim, que esta é uma criminalidade que exige conhecimentos técnicos. Porém, do meu ponto de vista, não basta que a Procuradoria-Geral da República se socorra de uma série de técnicos, porque se reconhece que a investigação deste tipo de crimes requer mesmo uma escola de técnicos de investigação e essa uma das grandes falhas da justiça nesta área. O Governo está ciente disto? Pensa criar uma escola de investigadores nesta área?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Brochado Pedras, agradeço as suas questões, mas quero dizer-lhe que a. Assembleia da República discute aquilo que muito bem entender - com a ordem de trabalhos, nada tenho a ver! Pela minha parte, estou disponível para discutir tudo e tenho discutido tudo nesta Assembleia, com grande frontalidade e, digamos, mesmo com algum prazer. Desde que tomei posse, mais não tenho feito se não discutir as reformas que estamos a fazer. Portanto, quando V. Ex.ª e o seu partido quiserem agendar uma discussão sobre a reforma da justiça, Sr. Deputado, o meu prazer será redobrado e cá virei discutir com VV. Ex.as!

A Assembleia deve discutir tudo, deve discutir aquilo que lhe parece uma pequena coisa mas não é, Sr. Deputado, leia com atenção, se não leu já, os elementos que vos enviámos, do Conselho de Europa, da União Europeia, das, Nações Unidas, que falam, todos, nestas formas de criminalidade e na necessidade de instrumentos específicos para as combater, e verá que tenho razão.
Quanto a uma escola, Sr. Deputado, sabe que licenciaturas e bacharelatos não faltam neste país! Penso que já estão em várias centenas os bacharelatos e as licenciaturas! Por um lado, é um sinal de vitalidade - essas licenciaturas estão, cada vez mais, a ser dadas por mais universidades -, mas, por outro, qualquer dia caímos. na licenciatura em direito do ambiente, na licenciatura em direito disto, em direito daquilo e não me parece que seja esse o melhor caminho. No meu tempo, licenciei-me em Direito...
Sr. Deputado, temos uma escola, uma escola prestigiada, a Escola da Polícia Judiciária, que ensina os agentes e os inspectores que entram na Polícia Judiciária a investigar. Mas, Sr. Deputado, neste caso, trata-se de crimes de difícil investigação, de muito difícil investigação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Ainda há dias, relembrando novamente a reunião de Ministros da Justiça da União Europeia, discutimos este assunto e, unanimemente, todos os Ministros que intervieram disseram que era extremamente difícil a investigação da criminalidade económico-financeira e da corrupção, sendo necessário. criar instrumentos específicos para enfrentar a investigação deste tipo de criminalidade.
Como sabe, tem sido até muito discutida, por exemplo, a inversão do ónus da prova nalguns casos de enriquecimento ilícito. Não é matéria que me tenha preocupado e penso que não está ainda «madura» (pelo menos no meu espírito não está) a possibilidade de avançarmos com medidas desse tipo.
Diz V. Ex.ª que preferiria que estas matérias fossem inseridas no Código Penal. Sr. Deputado, não me oponho, se a Assembleia assim o entender. Mas há uma lei, que ficou conhecida como a «lei anti-corrupção», que tem um conjunto de mecanismos que precisam de ser aperfeiçoados e eu prefiro alterar a lei a alterar o Código Penal, embora, hoje, naturalmente, os códigos não sejam o que eram há 50 anos e, um pouco por toda a Europa, os códigos penais vão sendo alterados com alguma periodicidadè. Aliás, não tenho perante os códigos uma noção do tabu: não se mexe porque é um código! Penso que essa noção já se perdeu, os tempos são outros e a evolução é outra, mas, apesar de tudo, preferia introduzir este tipo de alterações na lei contra a corrupção.
Não é por questões sistemáticas que o Governo «faz finca-pé» - nunca o fez. Prefiro esta sistemática mas, se a Assembleia entendesse que seria melhor alterarmos o Código Penal, não seria do Governo que viria uma oposição frontal.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Fez V. Ex.ª uma reflexão que, de certo modo, corresponde à minha: é difícil este tipo de investigação. Penso que o caminho é, efectivamente, o de dotar as magistraturas e as polícias de um conjunto de meios periciais al-

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tamente sofisticados, pois não se conseguem numa escola específica, com cursos de dois ou três anos, pessoas que saibam de banca, de bolsa, de operações de câmbios, de contabilidade, de gestão financeira. Não se conseguem formar em pouco tempo agentes que sejam peritos de alta qualificação nestes domínios. Ora, o que temos estado a fazer é agregar peritos, quer às magistraturas quer às polícias, pois parece-nos o melhor caminho.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Permita-me que lhe recorde, Sr. Ministro, algumas das posições do seu partido nesta matéria, quando oposição. Isto, para compreender um pouco a génese destas iniciativas que o Governo traz a esta Assembleia.
Discutimos e aprovámos, nesta Assembleia, em 1994, a lei que V. Ex.ª propõe agora que n.º 36/94, de 29 de Setembro, que já referiu como lei do combate à corrupção e à alta criminalidade económica e financeira. E fizemo-lo isoladamente, pois só o PSD votou favoravelmente essa lei, tendo o PS votado contra essa iniciativa.
De repente, vemos que VV. Ex.as, agora no Governo, querem levar mais longe estas medidas de combate à corrupção, em patamares que tocam, como aqui já ficou claro pelas várias intervenções e pedidos de esclarecimento, o «fio da navalha» dos direitos fundamentais. É estranha esta mudança de 360º, que o seu partido e V. Ex.ª fizeram nesta matéria.
E sabe porquê, Sr. Ministro? Porque VV. Ex.as, nesta como noutras matérias, andam a reboque dos acontecimentos e, por isso, esta legislação já é conhecida como a «legislação JAE», ou seja, a legislação que resulta de o Governo ter sido ultrapassado pelos acontecimentos nesta matéria.
Há um Presidente da Junta Autónoma das Estradas que «bate coma porta», que se zanga com o Ministro e revela que recebeu uma carta de outro Ministro; o Ministro que mandou a carta gagueja, diz que sim e lamenta que essa carta tenha sido enviada; os dois Ministros zangam-se; o Sr. Primeiro-Ministro diz que tem de fazer qualquer coisa acerca do combate à corrupção e recebe o Sr. Procurador-Geral; o Sr. Procurador-Geral, que, dias antes, pela mão de V. Ex.ª, pelas iniciativas legislativas que o seu Governo e, em particular, o Sr. Ministro têm tomado, tinha vindo a público entrar num despique com o Sr. Director-Geral da Polícia Judiciária, dizendo que só dialogava com o Sr. Ministro e não com directores-gerais e que a investigação não devia caber à polícia mas ao Ministério Público, etc.
É neste ambiente de perda de credibilidade dos protagonistas judiciários e dos pilares fundamentais da instrução que surgem o caso JAE e estas iniciativas. E não podemos deixar de lamentar que a política de combate ao crime deste Governo ande ao sabor destes acontecimentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim como não podemos deixar de lamentar que o Partido Socialista tenha tido uma incompreensão total, em 1994, relativamente às medidas que, então, propusemos, e, agora, vá muito mais longe nas soluções, comparadas com os argumentos utilizados por VV. Ex.as para o pré-inquérito, que acabaram por consagrar de uma forma muito mais ampla na Lei Orgânica do Ministério Público, tocando aqui os direitos elementares de defesa, em relação aos quais VV. Ex.ª acabaram por vir a propor soluções que são muito mais tangenciais com esses direitos, levando-nos a perguntar: onde está, então, a filosofia de defesa das pessoas e de combate ao crime, de defesa da colectividade relativamente ao crime, e onde está a coerência de posições deste partido e deste Governo?
E se não bastasse esta circunstância, assistimos agora, depois das tais discussões e do passar de culpas entre ministros e presidentes, cessante e subsequente, da Junta Autónoma de Estradas, ao «tirar da cartola» de uma sindicância, quando, como todos sabemos, aquilo que devia ser feito era, desde logo, facultar todos os elementos aos meios de instrução criminal, à Procuradoria-Geral da República, e não tomar medidas que são redutoras, Sr. Ministro.
Não conhecemos qual o âmbito e quais os parâmetros em que essa sindicância foi feita, mas necessariamente que ela é redutora, pois as questões são muito mais vastas. E basta vero puule de que aqui se fala: já se diz que desta sindicância não resultou tudo aquilo que foram as instruções do Ministro Cravinho, que ainda há mais coisas para vir!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, peço-lhe o favor de limitar as suas considerações ao tema da ordem do dia. Julgo que a questão da Junta Autónoma das Estradas não consta da ordem do dia.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Pois é!

O Orador: - Sr. Presidente, peço imensa desculpa, mas estou a tratar do tema da ordem do dia, que é a legislação de combate à corrupção. Ora, nada mais adequado para que o País perceba que os Deputados não discutem as coisas teoricamente, mas em relação às situações concretas que acontecem na nossa colectividade, do que referir-me a essas situações concretas.

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - Portanto, V. Ex.ª desculpar-me-á mas vou continuar a servir-me dos exemplos concretos, porque estou a falar para uma população que precisa de perceber o discurso que os Deputados fazem na Assembleia da República.
Como dizia, vemos soluções que são redutoras, quando se devia deixar o acesso global, não dirigido, não direccionado e não compartimentado, sobre esta e qualquer outra matéria que tenha eventuais envolvências de corrupção, para que, sim, se venha falar em intervenções de entidades independentes e em princípio da separação de poderes, mas só então e não relativamente a sindicâncias que são dirigidas e pretensamente condicionantes da própria intervenção das entidades de instrução criminal.
Esta orientação não é a que serve o combate à corrupção e esperemos que V. Ex.ª, que tem no Governo uma particular responsabilidade por que as coisas se passem sem atropelo dos princípios e com transparência - e, nesta matéria, mais do que em qualquer outra -, tenha oportunidade de ter uma palavra que não leve a situações como estas, de que a própria comunicação social se deu conta.
Tenho aqui um artigo do Emídio Rangel, que diz que é uma pouca-vergonha ter-se permitido trazer para a pra-

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ça pública o nome de pessoas com base numa sindicância; tenho aqui um artigo dQ Pires Aurélio, que é o Provedor dos Leitores do Diário de Notícias, que diz que «(...) é imprescindível procurar ouvir os acusados e pôr à sua disposição todos os meios de defesa. Sem estas precauções, a comunicação social, a pretexto e ao abrigo do indiscutível direito a informar, poderá tornar-se presa fácil de pessoas ou grupos, constituídos em fontes, que mais não visam que a liquidação dos respectivos adversários».
Sr. Ministro, se lhe falo nisto e se retomo esta matéria é com uma preocupação das mais sérias e das mais profundas. É que não há dois governos em Portugal, Sr. Ministro, não há o Governo de V. Ex.ª, que traz aqui esta legislação, e o Governo que pactua com essas situações. Só há um Governo, Sr. Ministro! E se há uma coisa que é essencial neste combate à corrupção é que, antes de mais, o Governo de Portugal tenha perante os portugueses a credibilidade para liderar este combate. E não é desta forma que o Governo português ganha credibilidade para liderar este combate, nem é desta forma que nós acreditamos na boa intenção desta legislação que V. Ex.ª aqui traz, porque V. Ex.ª não é metade nem um quarto do Governo, tem de ser parte de um todo que gostaríamos de ver numa atitude coerente no combate a este flagelo que é a corrupção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E este meu discurso, Sr. Ministro, não é novo em relação ao seu partido. Disse aqui - e vou relembrar -, quando discutimos nesta Assembleia esta lei que V. Ex.ª agora, com uma das propostas de lei, pretende alterar, e referindo-me ao seu partido, o seguinte: «Se querem continuar a fomentar o desrespeito pela presunção de inocência de indiciados em qualquer crime até ao trânsito em julgado das respectivas sentenças, o que, aliás, neste âmbito, se tem colocado mais no vosso próprio campo, não contem connosco!
Se querem continuar a pactuar com as constantes violações do segredo de justiça, a colaborar e a fomentar o pré-julgamento pela comunicação social, sem o menor respeito pela honra e o bom nome dos cidadãos, sejam eles quem forem, não contem connosco!»
Dizia depois: «Ainda que tenhamos de prosseguir esta caminhada (aparentemente sós), não desistiremos do escrupuloso respeito pelos princípios nem abdicaremos da exigência de que todos e cada um exercitem os seus efectivos poderes no estrito âmbito das suas competências legais e constitucionais, com a firmeza que impõe um combate que queremos implacável e exemplar».
Referi ainda: «Se querem, a todo o custo, manter uma colagem às reivindicações corporativas, cada vez mais politizadas, de sectores com responsabilidades na justiça, que se desejam politicamente não envolvidos e equidistantes, por indispensável à garantia da sua isenção, independência ou autonomia e imparcialidade, não contem connosco!»
Finalmente, dizia: «Já sabemos que nesta postura de recusa à sistemática pugna político-partidária nesta matéria, e da sua colocação no patamar próprio das questões de Estado, não podemos contar convosco, mas, apesar disso, e até estimulados por isso, continuaremos a combater sem tréguas a corrupção, na certeza de que na realidade não iremos sós, porque vamos com o povo português (...)».
Sr. Ministro, pena é que a verdade destas minhas observações, feitas quando V. Ex.ª estava ali na bancada da

oposição, continue a sê-lo, quando o seu partido é Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Antes de mais, não gostaria de começar esta intervenção sem lamentar, de uma forma muito clara, a intervenção que o Sr. Deputado Guilherme Silva aqui nos fez em nome da sua bancada parlamentar.
Efectivamente, sobre instrumentos tão importantes como aqueles que aqui hoje estamos a discutir e sendo perfeitamente assumido por todas as bancadas que se trata de instrumentos muito importantes na luta contra a criminalidade violenta e altamente organizada, é de lamentar que o Sr. Deputado Guilherme Silva não nos tenha trazido aqui uma única ideia ou uma apreciação, ainda que crítica, sobre o próprio diploma, os próprios diplomas ou as medidas que deles constam - absolutamente nada! O que tivemos aqui foi quase que uma explicação de alguém que não estudou a lição, de alguém que, com toda a certeza, não terá adquirido algo que fosse dos próprios diplomas, o que é lamentável para não dizer inqualificável.
Procedimentos como este, vindos, ainda por cima, do maior partido da oposição, são reveladores de uma absoluta falta de ideias seja para o que for, inclusivamente de uma incapacidade crítica relativamente às soluções que aqui são propostas. Efectivamente, não podíamos deixar de denunciar um facto tão importante como este!
Quanto à sindicância à Junta Autónoma das Estradas, já estivemos, no período de antes da ordem do dia, a discutir toda essa temática, mas parece que o Sr. Deputado Guilherme Silva não ficou esclarecido e quis, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, trazer novamente essa questão à colação. É absolutamente lamentável esta postura do PSD!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A luta contra a criminalidade violenta e altamente organizada, como é o caso do terrorismo, das associações criminosas, do tráfico de estupefacientes, da corrupção e de outras formas de criminalidade económica e financeira, exige do Estado democrático respostas eficazes, quer de âmbito preventivo quer de âmbito repressivo.
A protecção das testemunhas e de outros intervenientes no processo contra formas de ameaça, pressão ou intimidação, nomeadamente nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, passou a estar prevista no Código de Processo Penal, ainda que devendo ser regulada em lei especial. É precisamente esse o desiderato último da proposta de lei em discussão.
Naturalmente, não é este o momento para analisar e discutir as medidas e acções concretizadas pelo Governo no âmbito da política criminal e do combate à criminalidade, como é o caso das reformas do Código de Processo Penal e do Estatuto do Ministério Público, as quais permitiram, é verdade que a par de outras, dotar o sistema de investigação criminal e os tribunais dos instrumentos exigidos pelo combate contra a criminalidade violenta e altamente organizada, sempre no respeito, para nós absolutamente sagrado, dos direitos, liberdades e garantias do cidadão e da defesa do Estado de direito.

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A presente iniciativa do Governo, ainda que contemplando um aspecto circunscrito da resposta à criminalidade grave, ligado à protecção dos intervenientes no processo penal que possam dar um contributo relevante para a prova, reveste-se de uma especial importância, já que a ela está subjacente um necessário e imprescindível equilíbrio entre os direitos individuais do arguido e os interesses colectivos de segurança.
As soluções adoptadas na proposta de lei consagram medidas que têm vindo a ser recomendadas por organizações internacionais empenhadas na luta contra a criminalidade organizada, na protecção das testemunhas e das vítimas e na defesa do Estado de direito, como é o caso de diversas resoluções do Conselho da Europa e do Conselho da União Europeia. Do mesmo modo, pode-se garantir a sua compatibilização com o disposto na nossa Constituição, bem como com os textos internacionais a que Portugal está vinculado.
O instituto da protecção das testemunhas em processo penal, para além de querer, desde logo, significar um meio de prevenir pressões, ameaças e riscos de represálias, constitui também um importante meio de garantir a qualidade do processo. Com efeito, a obtenção de um depoimento testemunhal em condições de segurança e sem constrangimentos é a melhor forma de conseguir que a sua fiabilidade não seja objecto de suspeição.
É nossa convicção que as medidas ora propostas para a protecção das testemunhas em situação de risco, apesar do seu carácter manifestamente excepcional, não põem em causa a igualdade que sempre deverá caracterizar, no tribunal e no processo, a acusação e a defesa, a chamada «igualdade de armas». Refira-se, a este propósito, que nenhuma decisão condenatória poderá fundar-se exclusivamente ou de modo decisivo no depoimento ou nas declarações produzidas por uma ou mais testemunhas cuja identidade não foi revelada.
Quanto a esta questão, não podemos, entendemos nós, ter qualquer espécie de dúvida ou hesitação. É que convém assumir, nesta Câmara, de uma forma muito frontal e franca, uma realidade absolutamente clara: não haverá testemunhas, em alguns processos, se não tivermos assegurado a segurança absoluta das pessoas que vão depor, porque em muitos casos - e digo-o com alguma frontalidade e com a responsabilidade que se requer quando se produzem determinadas afirmações nesta Câmara -, se essa segurança não for assegurada, tal poderá acarretar a morte da própria testemunha ou de familiares seus. Nessas condições, nessas circunstâncias, ninguém estará em condições de prestar o seu depoimento.
Da mesma forma, permitimo-nos referir que é absolutamente importante garantir, quanto à execução técnica e tecnológica dos depoimentos, a salvaguarda do «bom segredo». Com isto queremos dizer, pese embora na proposta de lei ora em discussão esse aspecto não esteja suficientemente pormenorizado, que, para nós, também é absolutamente vital salvaguardar e assegurar o segredo, nomeadamente quando estamos perante o caso de ocultação da identidade das próprias testemunhas, em relação aos próprios técnicos e às pessoas que acompanham, por razão de ordem técnica, a prestação desse depoimento.
Entendemos que também relativamente a esses técnicos - e existem soluções técnicas e tecnológicas que poderão salvaguardar e garantir essa situação - o segredo deve ser absolutamente salvaguardado e garantido.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a criminalidade violenta e altamente organizada, para além de extremamente

eficaz, está a misturar-se com circuitos legais e a penetrar no tecido político e social do mundo, nomeadamente na Europa. Existem, hoje, sérios riscos de introdução de capitais criminosos nos circuitos legais, podendo mesmo dizer-se que se pode estar perante o risco de simbiose entre capitais legais e capitais criminosos.
Se é verdade que a luta contra o crime tem de ser travada também no combate às suas causas, temos de reconhecer que, quanto ao crime altamente organizado e violento, o Estado democrático não pode ter qualquer espécie de hesitação quanto à sua efectiva repressão, que tem de passar necessariamente pelo reforço da acção das polícias e das autoridades judiciais.
O combate eficaz ao crime organizado não é compatível, de modo algum, com situações que dificultam o trabalho às autoridades, enquanto os criminosos têm as mãos livres só porque actuam fora da lei.
Medidas como aquelas que, agora, são propostas pelo Governo são um instrumento importante, como também o são, ao nível do espaço europeu, o reforço da acção da nova Europol e o incremento da entreajuda judiciária para a troca de informações entre os diversos Estados.
O que está em causa no combate contra tal criminalidade é a defesa dos próprios cidadãos e dos valores civilizacionais que regem as nossas sociedades. A justiça deve ser reforçada enquanto há uma mão para a apoiar, como muito bem referiu, ainda há poucos dias, o Professor Jean Zigler, em Portugal.
Do mesmo modo, a opinião pública tem de ser sensibilizada de forma mais intensa para a realidade da criminalidade organizada e violenta. Existe, efectivamente, um problema de percepção quanto a esta espécie de criminalidade, que urge contrariar, sendo que a comunicação social deverá ter aí um papel decisivo.
Apoiamos, pois, a presente iniciativa do Governo, cujas medidas propostas são, em nosso entender, adequadas ao objectivo que visam atingir.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Subjacente à luta contra o crime organizado está a defesa da cultura europeia e dos valores humanistas que a regem. Combater a criminalidade altamente organizada e violenta é assegurar, também, a liberdade de cada um e de todos os cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O aperfeiçoamento da legislação de combate à corrupção e a adopção de medidas legislativas de protecção de testemunhas em processo penal são matérias que assumem uma importância e uma delicadeza indiscutíveis.
As duas iniciativas legislativas de que hoje nos ocupamos, tendo um fundo comum, que é o reforço dos mecanismos de combate à criminalidade organizada no domínio económico e financeiro, revestem-se de âmbito e natureza muito distinta e suscitam problemas muito diferentes, pelo que se exige uma abordagem distinta de cada uma delas.
A proposta de lei n.º 232/VII, relativa à alteração da legislação de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira, surgiu, como ninguém ignora, na sequência da revelação de factos relacionados com a Jun-

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ta Autónoma das Estradas, susceptíveis de indiciar a prática de irregularidades e de actos de corrupção na gestão desse organismo público.
Esta revelação já teve, pelo menos, dois méritos: motivou a apresentação de iniciativas legislativas e conduziu à abertura de processos investigatórios de natureza diversa acerca da gestão da JAE, os quais, é legítimo supor, não teriam sido iniciados se o general Garcia dos Santos não tivesse tomado a atitude que tomou.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porém, o desencadear de medidas a reboque, ou pelo menos a propósito, de acontecimentos com impacto mediático, implicando esta ou aquela entidade, pode trazer consigo o risco de tentar responder com medidas pontuais a situações que o não são.
Não são as medidas adoptadas que estão mal, o que estaria mal seria considerar que, descobertos eventualmente alguns casos de corrupção na instituição A ou B ou feitas algumas sindicâncias ao funcionamento de um ou outro serviço, estariam apaziguadas as consciências, estaria erradicado o fenómeno da corrupção no aparelho de Estado e tornar-se-ia desnecessário encarar medidas sérias destinadas a preveni-lo.
O preâmbulo da proposta de lei em discussão começa logo por afirmar, e bem, que «a luta contra a corrupção constitui um objectivo central da política criminal num Estado de direito. Isoladamente ou ligada à criminalidade organizada de natureza económica e financeira, a corrupção subverte o funcionamento das instituições e corrói os fundamentos do Estado democrático.»
Se é certo que não vivemos num País de corruptos e que não é justo fazer recair sobre qualquer cidadão ou sobre qualquer cidadão que exerça funções públicas a suspeita de que se trata de um corrupto até prova em contrário, a verdade é que ninguém conhece a extensão exacta deste fenómeno.
Esta é uma criminalidade a que é muito difícil descobrir o rosto e em que a vítima, que é, afinal, um povo inteiro, não está em condições de apresentar queixa. Em verdade, ninguém conhece a extensão deste fenómeno: aparecem suspeitas de situações menos claras aqui ou ali, mas é inútil tentar fazer um inventário que correria sempre o risco de deixar de fora o mais importante, ou seja, o que não se conhece.
A multiplicação de referências a situações de corrupção, designadamente através da comunicação social, sem que se saiba qual o seguimento das questões levantadas ao nível do apuramento dos factos e da responsabilização dos eventuais infractores, cria, na opinião pública, um clima de desconfiança e de afirmação de que é generalizado o compadrio, o nepotismo, o «clientelismo» e o aproveitamento pessoal de cargos públicos.
Os fracos resultados obtidos até à data no combate à criminalidade económica e financeira, seja no domínio da corrupção, do desvio de fundos, das facturas falsas ou do branqueamento de capitais obtidos em diversas actividades ilícitas, criam, na opinião pública, a convicção, que, infelizmente, os factos não desmentem, da larga margem de impunidade com que actuam os chamados criminosos de «colarinho branco».
Não podemos perder de vista que, no que se refere particularmente ao crime de corrupção, existem, a montante da intervenção penal, mecanismos de prevenção cuja importância não pode, em caso algum, ser subestimada. A

desburocratização, a transparência, a participação dos cidadãos no funcionamento da Administração Pública e a transparência no exercício de cargos públicos, designadamente ao nível das incompatibilidades e impedimentos com a acumulação de cargos e interesses privados, são elementos fundamentais de uma política séria de prevenção da corrupção aos diversos níveis do aparelho de Estado.

O Sr. Rodela Machado (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei do Governo que se refere à alteração da chamada «lei da corrupção» contém dois aspectos distintos: o primeiro diz respeito ao levantamento do segredo fiscal nos processos por crimes de corrupção, fraudes e infracções económico-financeiras e à criação de condições para uma maior operacionalidade no acesso ao segredo bancário por parte das autoridades judiciárias na investigação de crimes dessa natureza, prevendo, designadamente, uma maior responsabilização das instituições financeiras no fornecimento das informações e documentos a que sejam legalmente obrigadas, o segundo diz respeito à possibilidade de dispensa de pena para os corruptores activos que tenham praticado o acto a solicitação do funcionário, tenham denunciado o crime no prazo de 30 dias e tenham contribuído decisivamente para a descoberta da verdade.
Quanto ao primeiro aspecto, independentemente da correcção da qualificação que é feita na legislação portuguesa do segredo bancário como segredo profissional, questão que é pertinentemente abordada no relatório da 1.ª Comissão hoje mesmo aprovado, importa assinalar que a evolução legislativa recente tem sido no sentido de mitigar a intangibilidade do segredo bancário, impedindo a sua prevalência nos casos em que esteja em causa a realiza ão da justiça.
reconhecido, porém, que os mecanismos de colaboração das instituições financeiras com as autoridades judiciárias estão ainda muito longe da perfeição, o que tem causado, por vezes, sérios prejuízos à investigação criminal. Os mecanismos legais desta cooperação podem ser aperfeiçoados e esta proposta de lei pode contribuir para este objectivo, mas a operacionalidade da investigação da criminalidade com forte componente económica e financeira pressupõe uma colaboração entre as entidades do sistema financeiro e as autoridades judiciárias que, dentro dos estritos limites legais, se revele mais pronta e eficiente.
A segunda ordem de questões, relativa à dispensa de pena aos corruptores activos, em certas condições, carece de uma atenta ponderação na especialidade. É certo que a colaboração dos corruptores activos com a justiça será uma das formas possíveis de chegar ao conhecimento da prática de actos de corrupção e, nesse sentido, não é uma possibilidade que deva ser, à partida, excluída. Carece, porém, de cuidada ponderação, designadamente para evitar que, com recurso a esta possibilidade legal, se abra caminho para o aparecimento impune de denúncias infundadas.
A outra iniciativa legislativa hoje em debate diz respeito a uma questão sem dúvida importante mas não menos melindrosa, que é a protecção de testemunhas em processo penal.
A adopção de mecanismos legais para a protecção de testemunhas tem suscitado grande debate e reflexão em numerosos países e instâncias internacionais e tem já consagração em diversos ordenamentos jurídicos, tendo em consideração dois tipos distintos de situações: por um lado,

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a necessidade de proteger as testemunhas intervenientes em processos que envolvam criminalidade violenta e altamente organizada, nomeadamente no âmbito do terrorismo, do tráfico de droga, da corrupção ou de outras formas de criminalidade económica e financeira e, por outro lado, a necessidade de proteger as testemunhas que se encontrem em situação de particular vulnerabilidade em processos que envolvam familiares próximos ou pessoas em relação às quais se encontrem em situação de dependência ou subordinação.
Quanto ao primeiro caso, que é o que suscita maiores problemas, é conhecida a dificuldade em encontrar quem se disponha a testemunhar contra associações criminosas, violentas e organizadas, por razões mais que óbvias. Em inúmeros estudos e relatos relativos ao combate à criminalidade organizada, em diversos países, não faltam exemplos de casos em que houve testemunhas assassinadas ou vítimas de processos implacáveis de chantagem, envolvendo, muitas vezes, os seus familiares próximos, ou ainda de organizações criminosas que ficaram ou permanecem impunes por força do círculo de intimidação e repressão que conseguem criar à sua volta.
São conhecidos, também, os problemas de segurança de todos os que, tendo pertencido a uma associação criminosa, se disponham a colaborar com a justiça no sentido do seu desmantelamento, como é o caso dos chamados «arrependidos». É conhecida ainda a necessidade de ocultação da identidade dos chamados «agentes infiltrados» em associações criminosas, sob pena de frustrar a sua acção futura e pôr em causa, obviamente, a sua própria segurança.
A protecção das testemunhas e dos seus familiares, se for caso disso, é, hoje em dia, um imperativo do combate à criminalidade organizada que se pretenda minimamente eficaz. Não há dúvidas a este respeito!
Determinadas formas de protecção previstas na proposta de lei do Governo não suscitam problemas de maior do ponto de vista constitucional, como é o caso dos programas especiais de segurança das testemunhas e seus familiares durante e após os processos. Também a audição através de teleconferência, por forma a evitar a presença física da testemunha na sala de audiências, não suscita problemas difíceis de ultrapassar do ponto de vista dos direitos da defesa. Os problemas mais melindrosos e complexos dizem respeito à conciliação entre o anonimato das testemunhas e a salvaguarda dos direitos da defesa, designadamente com o respeito pelo princípio do contraditório.
O Governo afirma, no preâmbulo da sua proposta de lei, que «tem de se reconhecer que a emergência de novas formas de delinquência, que se socorrem de meios de actuação cada vez mais difíceis de detectar, exige respostas eficazes, quer de âmbito preventivo quer repressivo, que, respeitando os princípios que estruturam o processo penal democrático, permitam assegurar, com realismo, a liberdade e a segurança». Afirma, mais adiante, que «a repressão da criminalidade, em nome da segurança, haverá sempre que compatibilizar-se com a salvaguarda das garantias de defesa. O ponto de encontro entre estas duas tarefas, ambas igualmente a cargo do Estado, poderá sofrer deslocações, por força de uma realidade que mudou, mas situar-se-á sempre, num Estado de direito democrático, dentro dos limites impostos pelo sistema legitimador fundamental».
Há que reconhecer, porém, que a salvaguarda dos direitos da defesa e o respeito pelo princípio do contraditó

rio num processo em que intervenham testemunhas cuja identidade, imagem e voz sejam absolutamente desconhecidas do arguido e do seu defensor, que não podem assim demonstrar a éventual falta de credibilidade das mesmas, é quase como conseguir a quadratura do círculo.
O processo complementar que é proposto para apreciação do pedido de não revelação da identidade da testemunha, com intervenção de um advogado nomeado para representar os interesses da defesa, que não se confunde com o defensor, é uma tentativa de salvar alguns direitos da defesa, mas não consegue contornar o incontornável.
A ocultação da identidade da testemunha, em casos absolutamente excepcionais e rigorosamente justificados, é uma proposta compreensível pelas razões a que, há pouco, aludi. Não pomos em causa a estimabilidade dos propósitos com que esta medida é proposta, mas importa avaliar com todo o rigor até onde é possível chegar sem lesar de forma insuportável o nosso ordenamento constitucional. A ocultação da identidade das testemunhas pode ter-se como justificada em algumas situações limite, mas não deixa de se traduzir num grave prejuízo para os direitos da defesa.
Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, em todo o caso, o processo de audições que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias já decidiu efectuar sobre esta matéria poderá ajudar a encontrar uma solução aceitável no nosso quadro constitucional, para a qual seguramente contribuiremos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O regime excepcional de aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal, hoje aqui proposto pelo Governo, representa, em nossa opinião, um contributo apreciável para a resolução de uma das problemáticas mais sensíveis e importantes que recentemente se têm colocado a todos os Estados de direito democrático.
Trata-se, no essencial, de conseguir o justo e sensibilíssimo equilíbrio entre os direitos individuais nesta matéria, garantidos e salvaguardados por declarações e tratados internacionais, que justamente constituem património da humanidade, e também pela nossa Constituição, designadamente pelo artigo 32.º, e todo um conjunto de novas medidas, dir-se-ia mesmo de novas necessidades tendentes à protecção do interesse colectivo de segurança.
Em todo o caso, parece não poder restar dúvidas que o conceito ou, pelo menos, a leitura mais habitual dos limites e do exercício dos direitos individuais, concretamente o arguido em processo penal, são clara e frontalmente postos em causa, diria mesmo em crise, perante esta nova necessidade, cuja gravidade e incontornabilidade se não discute e se aceita.
É precisamente sobre esta questão nodal que deverá incidir a apreciação do mérito ou do demérito desta proposta de lei, ou seja, desse tal equilíbrio salvaguardador, sempre, dos direitos dos cidadãos enquanto arguidos, o qual, em caso algum, desistiremos de defender, até porque somos daqueles que não vemos nas garantias processuais um obstáculo ou uma incomodidade à contabilidade pretendida da justiça portuguesa ou uma qualquer espécie de bode expiatório para lenitivo de desaires que têm de

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ser assumidos como condição primeira da efectiva e séria resolução da crise grave da nossa justiça.
Para nós, fique bem claro, a salvaguarda dos direitos individuais é o bem mais precioso, que em circunstância alguma aceitaremos deixar de defender com todo o denodo e intransigência de que formos capazes. Naturalmente, temos plena consciência da resposta que tem de ser dada à criminalidade grave, alta e sofisticadamente organizada, e à perigosidade que a mesma representa para as sociedades modernas, mas também temos igualmente consciência de que essa resposta, para lá dos princípios das garantias de defesa, que, por questões de princípio, jamais deixaremos cair, mesmo em sede da mera eficácia, não poderá cair na tentação, indiciária que seja, de se nivelar por baixo, utilizando métodos menos próprios de um Estado de direito.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Apresente proposta de lei prevê cinco medidas para protecção das testemunhas, entendidas, para efeitos deste diploma, como qualquer entidade (arguido, assistente ou mesmo partes cíveis) com relevância para a instrução probatória do processo, a saber: ocultação de imagem de testemunhas ou distorção de voz em acto processual público, recurso à teleconferência, não revelação da entidade da testemunha, medidas pontais de segurança e programa especial de segurança.
É precisamente na teleconferência com distorção de imagem ou de voz, por forma a obstar ao reconhecimento da testemunha, e na ocultação da identidade da testemunha que se levantam as maiores dúvidas mas, sobretudo, toda a necessidade de um amplo consenso desta Assembleia, do Governo e mesmo das organizações representativas dos profissionais do foro.
Tratando-se, como se trata, de uma questão vital para a manutenção do respeito pelas liberdades e pelas garantias de defesa do indivíduo pelo próprio Estado de direito democrático, pensamos que, neste particular, a proposta do Governo pode e deve ser aperfeiçoada. Desde já, manifestamos toda a nossa disponibilidade para esse trabalho em sede de especialidade.
Dado o melindre desta matéria, não é suficiente nem, muito menos, tranquilizante consignar-se que «Nenhuma condenação pode assentar exclusivamente ou de modo decisivo na prova fornecida pelas testemunhas anónimas» ou mesmo a obrigatoriedade de criação de um procedimento autónomo, um processo separado, urgente e com natureza incidental, sob a direcção de um juiz de instrução, e a nomeação de um advogado com a sua acção resumida ao próprio processo complementar e, por isso, impedido de revelar a identidade da testemunha ao seu constituinte sem que por esse motivo deteriore a sua relação e eficácia de defesa nos subsequentes passos processuais.
Isto, convenhamos, são medidas de alcance formal que não resolvem, por si só, a verdadeira e substantiva questão que se levanta e que consiste na objectiva diminuição das garantias de defesa do arguido, na sua real e efectiva possibilidade de contraditar um depoimento não sabendo a identidade do seu autor e, por esse motivo, contestar a credibilidade da testemunha depoente.
É uma questão séria, grave e de transcendente importância a que hoje, aqui, discutimos, pelo menos no processo legislativo que se inicia, ao qual daremos o nosso melhor contributo e a nossa total disponibilidade, mas sempre na certeza e na segurança de não obliterarmos ou lesarmos os direitos individuais dos portugueses.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 232/VII pretende alterar a Lei n.º 36/94 que estabelece medidas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira no sentido de facilitar a investigação deste tipo de crimes, defendendo de forma mais adequada a sociedade daqueles que, isoladamente ou de forma organizada, atentam contra o Estado de direito democrático.
Na exposição de motivos da proposta de lei justifica-se a necessidade de revisão da lei na medida em que uA liberalização dos mercados, a abolição das fronteiras, a livre circulação de pessoas, bens e capitais, a globalização da economia e o desenvolvimento acelerado das novas tecnologias reforçaram consideravelmente os níveis de sofisticação próprios destas formas de criminalidade vocacionadas para a obtenção de rendimentos ilícitos, dificultando de forma significativa a detecção, perseguição e prova dos crimes».
O legislador pretende, por este meio, adequar a lei à evolução da tecnologia e da economia, consciente de que a aceleração da mudança é uma realidade das sociedades modernas, o que obriga a uma constante e correspondente modernização das formas de investigação deste tipo de crimes, à procura de soluções preventivas que desencorajem a sua prática e, naturalmente, conduzam à punição dos criminosos quando for caso disso.
Nesta preocupação de manter actualizadas as leis, o legislador é frequentemente confrontado com duas opções contraditórias: a vantagem de manter e promover a estabilidade do edifício legislativo e a necessidade de dar resposta aos novos desafios que a criminalidade coloca ao Estado e à sociedade. Esta contradição só pode ser minorada através da capacidade do legislador de prever as mudanças económicas e sociais em tempo útil, inovando as respostas adequadas e evitando andar a reboque dos acontecimentos. E isto que o Governo aqui vem fazer.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - No caso da proposta de lei em apreço, os objectivos do Governo são, essencialmente, três.
Primeiro, alargar o conjunto de instrumentos disponíveis para a investigação, na medida em que o maior obstáculo no combate a,este tipo de criminalidade reside na dificuldade de conseguir fazer a prova para além de qualquer dúvida, recorrendo, para o efeito, ao benefício que resulta da atenuação especial da pena do agente de corrupção activa para acto ilícito e de dispensa de pena nos casos de arrependimento claro, com contribuição para o apuramento da verdade, como já foi dito.
Segundo, definir com rigor as condições de isenção de pena, que são diversas para os agentes de corrupção activa, para acto ilícito e para os agentes de corrupção passiva, criando uma distinção clara quanto à iniciativa do crime e em que a isenção de pena é permitida apenas aos agentes de corrupção activa que tenham agido por solicitação do funcionário agente de corrupção passiva.
Finalmente, facilitar a recolha da informação necessária ao trabalho da investigação, nomeadamente obviando algumas das dificuldades existentes por via do segredo profissional dos funcionários das instituições financeiras ou dos serviços fiscais, no sentido de obter acesso às infor-

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mações e elementos sobre o segredo bancário e sobre o segredo fiscal, ao mesmo tempo que se reforçam as garantias relativamente ao segredo do processo e às informações e documentos solicitados.
Pretende, desta forma, o legislador deixar clara a obrigação de as instituições de crédito e de as sociedades financeiras fornecerem às autoridades judiciárias ou aos órgãos de polícia criminal todas as informações pedidas e no mais curto prazo de tempo.
Entretanto, como é evidente e o próprio diploma o diz, trata-se de medidas de carácter excepcional sujeitas a exigentes condições de aplicabilidade, tomadas por decisão do juiz e em vista de uma necessidade evidente para a investigação e para a prova. Ou seja, trata-se de instrumentos para a investigação de crimes cujo esclarecimento é reconhecidamente difícil pelos processos tradicionais e em que o Estado se encontra, habitualmente, em situação de inferioridade de meios relativamente aos criminosos.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Neste contexto, talvez se justifique referir, ainda, algumas conside, rações óbvias, que, aliás, também sãò referidas na proposta de lei.
O combate a este tipo de criminalidade não se exerce apenas por via legislativa, sendo também importante a existência de outras condições, entre as quais sublinharia duas: militância activa dos governos e meios operacionais modernos e qualificados.
Quanto aos governos, parece-me essencial que tenham a capacidade de actuar pelo exemplo e estejam disponíveis para exercer em todos os domínios da sua acção a difícil pedagogia das virtudes cívicas, que comporta a humildade do poder, a capacidade de manter a transparência dos actos da governação ao longo de todo o tempo do seu exercício e de saber governar não apenas com o objectivo de tomar as decisões úteis ao Estado mas de fazê-lo em todas as circunstâncias, no reconhecimento de que mais importante do que o resultado de cada decisão é o valor pedagógico dessa mesma decisão. Ou seja, mesmo uma boa decisão do ponto de vista operacional pode comportar um valor pedagógico negativo e, como tal, deve ser evitada.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos meios, parece-me, desde logo, importante a existência de sistemas de coordenação e de informação modernos, nacionais e internacionais, que utilizem todas as potencialidades das tecnologias próprias da sociedade da informação em três direcções distintas.
Em primeiro lugar, no sentido de permitir, quando não mesmo de forçar, a transparência dos actos da administração pública, na medida em que a informação digital permite um registo e um acesso tão amplo e tão democrático que não tem rival nos meios de informação tradicionais, o que torna muito mais difícil a actuação criminosa, nomeadamente quando visa «limpar» os rastos da sua actuação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - No sentido de gerar condições de investigação mais simples e eficazes porque os procedimentos administrativos realizados por via informática obrigam ao cumprimento de regras pré-estabelecidas e iguais, quer para os procedimentos quer para os utilizadores, o que

facilita a consulta, o tratamento estatístico adequado e a consequente detecção de quaisquer anormalidades.
Finalmente, no sentido de aproveitar os mais modernos sistemas de informação, os quais permitem a introdução. de formas de inspecção e de controle muito mais eficazes, porque podem ser levados a cabo em qualquer fase do processo e, nomeadamente, ser realizados à distância.
Acresce, como se compreende, que a existência de uma disciplina administrativa por meios informáticos é um forte dissuasor deste tipo de criminalidade.
Uma outra questão relevante no combate à criminalidade de «colarinho branco» é a da adequada formação técnica dos recursos humanos, particularmente importante na administração pública portuguesa, reconhecidamente envelhecida e burocratizada. Aliás, esta é uma questão provavelmente essencial, até porque a economia e a sociedade portuguesas têm tido um desenvolvimento que, provavelmente, não tem sido equiparado ao nível da Administração Pública.
Ainda quanto à necessidade de generalizar o uso de meios informáticos na Administração Pública, a minha opinião é a de que apesar da inegável melhoria ocorrida durante a presente legislatura, o esforço feito é ainda débil e não responde completamente às necessidades do País, principalmente porque o facto de a nossa Administração Pública estar mais envelhecida não deve ser uma razão válida para andar mais devagar, devendo ser, antes, uma forte motivação para andar mais depressa, na medida em que os atrasos históricos abrem sempre novas oportunidades para a aceleração da mudança.
Bastará, para isso, que os dirigentes compreendam, eles próprios, que a sociedade de informação não é tão complexa e os meios informáticos não são tão difíceis de utilizar nem tão caros como geralmente se pensa e assumam que esta é uma reforma essencial para o Estado e para a sociedade portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Acresce que se Portugal exerce uma forte liderança mundial em algumas áreas da sociedade de informação, como seja no sistema de pagamentos interbancários, na Via Verde e na utilização de meios de pagamentos electrónico - para referir apenas estes casos -, não existe nenhuma razão válida para que não possamos fazer o mesmo na liderança de uma Administração Pública moderna e eficiente, como ainda recentemente aconteceu - e eu próprio enalteci nesta Câmara - com o caso exemplar do recenseamento eleitoral.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, os outros países europeus enfredtam o mesmo desafio que a Administração Pública portuguesa. Existe, também, a nível europeu um longo caminho a percorrer, quer na uniformização da legislação quer nos procedimentos, no sentido de criar uma verdadeira cooperação comunitária no combate aos crimes económicos e fiscais, o que passa, também, pela adopção dos meios disponibilizados pela sociedade de informação.
Esperemos que a actual existência, em Bruxelas, de preocupações quanto à transparência do processo de decisão política e com o tema da corrupção possam facilitar alguns avanços no sentido de dotar a União Europeia de meios adequados ao combate ao crime que não sejam atra-

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vês de mera cosmética ou da demagogia, sempre possível, do aumento das penas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 232/VII que o Governo nos trouxe merece a atenção e a aprovação da Câmara por ser um progresso claro no sentido de dotar os País dos meios necessários para contrariar este tipo de criminalidade que preocupa as sociedades modernas e que raramente envolve pessoas ou grupos de excluídos. Antes pelo contrário, trata-se de defender o Estado e a sociedade de pessoas e de organizações frequentemente bem instalados na vida e poderosos, com acesso aos melhores advogados e a todos os meios de defesa quis o dinheiro pode comprar. Também por isso, os meios de combate a utilizar pelo Estado têm de ser adequados e, nesse sentido, as propostas do Governo não nos parecem exageradas ou susceptíveis de colocar em perigo os direitos, liberdades e garantias por que todos pugnamos. São, aliás, medidas já utilizadas noutros países, niuna conhecida linha evolutiva e de alguma forma consagrada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Coube-me em sorte falar da proposta de lei n.º 232/VII, que introduz duas pequenas alterações à Lei n.º 36/94.
O articulado da proposta é relativamente simples e não vou maçar VV. Ex.as com considerações sobre o mesmo. Julgo, no entanto, que há considerações a tecer sobre os princípios, sobre a filosofia que está subjacente a este articulado e não queria, portanto, deixar de fazê-lo nesta altura.
Em primeiro lugar, julgo que todos estamos de acordo - Governo e oposição - quanto à necessidade de dar um combate sem trégua à corrupção e, por isso, a única coisa que penso que pode diferenciar-nos é a forma, os meios, enfim, a vontade política de conseguir este desiderato.
O Governo optou por medidas pontuais, algumas das quais diria que são de mera cosmética, outras que visam alterar a legislação que já consagra, de alguma forma, alguns aspectos relativamente a estas propostas que agora nos são trazidas.
Mas julgo que há, realmente, duas filosofias distintas e uma opta claramente pela ruptura: é a do CDS-PP e é neste plano que nos colocamos. Na verdade, não basta trazer aqui uma proposta de lei sobre a questão das testemunhas e uma outra sobre a questão do segredo bancário ou fiscal. Creio que a crise da justiça é de tal forma, que a crise do sistema político atingiu tais proporções que, realmente, só uma ruptura é capaz de alterar todo este sistema.
Dizia eu que a situação, sendo difícil - e todos estamos de acordo nisso -, exige claramente soluções que salvaguardem a lei, a Constituição, o direito. Ora, julgo que, apesar de as medidas previstas nesta proposta de lei serem medidas que, em parte, já estavam previstas num outro diploma, devem merecer alguma reflexão.
Em primeiro lugar, devo dizer que, sendo a justiça uma das principais funções do Estado, deve ser exercida pelo
Estado como pessoa de bem.

Tem-se a sensação que vários governos - e não quero estar a abrir excepção para o Governo português - têm tentado resolver, por exemplo, a questão do narcotráfico, a do terrorismo, a da criminalidade económico-financeira, a da corrupção, de uma forma que nos dá a ideia de que vale tudo, de que os fins justificam os meios: «Estamos em situações limite; pois, se estamos, vamos combatê-las de qualquer jeito!».
Ora, julgo que este princípio, se levado às últimas consequências, pode ser perigoso porque, em qualquer questão, o Estado deve ser muito cauteloso e parecer uma pessoa de bem - não apenas sê-lo, mas também parecê-lo.
Estamos perante um autêntico flagelo que exige medidas concretas. Vários Estados adoptaram a figura do «arrependido», figura essa que é, sabemo-lo, sinistra e justifica alguns comentários em muitos sectores que hoje se interrogam sobre se, efectivamente, valerá a pena aos Estados combater este tipo de criminalidade recorrendo, no limite, a esta figura.
Por outro lado, devemos meditar sobre se a figura do «corrupto arrependido» ou do «corruptor arrependido» deve ser, de alguma maneira, equiparada àquelas situações limite que há pouco referi, do narcotráfico ou do terrorismo, porque, julgo, em todo o caso, há alguma diferença entre esse tipo de criminalidade violenta e a corrupção, que, infelizmente, sempre marcou os povos desde a Antiguidade até agora.
Esta questão levanta também um problema moral, porque isto de o Estado se associar aos criminosos para combater outros criminosos, associar-se a um colega para denunciar outro, sempre trouxe grandes reservas morais. Entendemos que este tipo de fomento da delação deve ser encarado com muitas reservas, porque, muitas vezes, as pessoas que vêm acusar os seus parceiros de crime não agem por sinceridade mas, sim, em quase todas as circunstâncias, para salvara pele, sendo isso que as leva a agirem desse modo.
Para terminar, julgo que estamos perante uma questão política séria, que exige grande coragem e medidas de fundo em todos os sectores que se prendem com este tipo de criminalidade, que exige uma reforma da justiça e se se apostar na formação dos investigadores deste tipo de criminalidade está a apostar-se numa medida correcta.
O Sr. Ministro da Justiça falou na delicadeza da investigação deste tipo de crimes e a esse propósito devo dizer que creio que não são os cursos para os futuros agentes da Judiciária que vão dar aos agentes esta formação, que tem de ser dada em qualquer lado, é certo, e julgo que terá de ser uma escola apropriada para responder a este tipo de situações.
Por último, gostava também, a título de reflexão, deixar esta ideia: colocar os magistrados perante a situação de dar credibilidade, confiança e crédito a pessoas que são marginais, tal qual as pessoas que os juízes vão julgar, deve fazer com que nós, em sede de especialidade, tenhamos muita cautela para não cometermos graves atropelos.
A Constituição, os direitos individuais e a justiça exigem que os parlamentares e a Assembleia da República tenham uma preocupação muito grande em estar à altura da figura da justiça, que não pode ser uma figura cega, mas, tal qual a que está aqui representada nesta Assembleia, a figura da justiça grega, com os olhos bem abertos, olhos postos nos princípios, nos valores. E é em função desses valores que nós devemos ter a consciência de que legislar não é fácil, sempre foi difícil, mas é preciso

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legislar no respeito pelos direitos humanos e da Constituição.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, que cederá algum tempo do do seu grupo parlamentar ao Sr. Deputado António Brochado Pedras, uma vez que este já não dispõe de tempo para lhe responder.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.
Sr. Deputado António Brochado Pedras, gostaria apenas de dar um pequeno esclarecimento e dizer-lhe que a sua intervenção nos deixou absolutamente perplexos perante aquilo que o Sr. Deputado Francisco Peixoto tinha referido.
Sinceramente não sei, depois de ouvir V. Ex.ª, e ficámos com dúvidas terríveis sobre qual é a posição do PP sobre os diplomas - importantes, como certamente V. Ex.ª reconhecerá -, que estão aqui em discussão, porque me parece, claramente, que há uma crise de identidade no PP quanto a esta matéria.
Sr. Deputado, então o PP, que foi o partido que veio propor nesta Assembleia a abolição da liberdade condicional - V. Ex.ª já se deve ter esquecido -, que veio aqui propor o agravamento absolutamente desmesurado de todas as penas no Código Penal, projecto esse que apreciámos, discutimos e rejeitámos, vem agora com uma posição, deixe-me dizer-lhe com toda a tranquilidade, absolutamente laxista?! É esta a posição do PP relativamente a esta matéria?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao que chegaram!...

O Orador: - Sr. Deputado, isto, realmente, é grave! Permito-me perguntar a V. Ex.ª o que é que pensa sobre o desmantelamento das organizações criminosas. O que é que V. Ex.ª pensa do depoimento das testemunhas que não estão em condições de o prestar, conforme vem referido na proposta da lei? O que V. Ex.ª pensa das resoluções do Conselho Europeu? O que é que V. Ex.ª pensa disto tudo? Acha que isto tudo não tem sentido, que são medidas de mera cosmética, como V. Ex.ª aqui lhes chamou?
Sr. Deputado, quero crer, até pela relevância destas matérias - e se não fosse isso, com o devido respeito, não lhe estava a formular este pedido de esclarecimento, porque estas são matérias muito importantes e decisivas num Estado de direito -, e admitindo que V. Ex.ª venha aqui falar, com todo o respeito que tenho pelos princípios do Direito, do direito grego e da justiça grega, terei de admitir que o senhor não leu nem uma nem outra proposta de lei ....

O Sr. José Magalhães (PS): - Também pode ter acontecido!

O Orador: - ... e, portanto, V. Ex.ª considera que se trata de medidas de cosmética, sem importância absolutamente alguma.
Ora, é sobre essas medidas que nós, por uma questão de rigor, gostaríamos de saber qual é a posição do PP: é a que o Sr. Deputado Francisco Peixoto aqui nos deixou, traduzida na intervenção que fez, ou é a que o Sr. Deputado António Brochado Pedras produziu, considerando que

as medidas constantes dos dois diplomas são de mera cosmética?
Em que é que ficamos, Sr. Deputado? Gostaríamos muito de saber a sua resposta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras, que dispõe de três minutos cedidos pelo Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, quero dizer-lhe que não entendeu o sentido das minhas palavras. De facto, procurei ser claro, mas, pelos vistos, não consegui fazer-me perceber.
Julgo que ficou absolutamente claro que o meu partido combate, de forma radical, toda a qualquer corrupção. Aliás, fomos nós quem suscitou aqui, na Assembleia da República, o inquérito à JAE e por aí se vê que está absolutamente definida a vontade política do meu partido em erradicar a corrupção em Portugal.
De facto, o Sr. Deputado não pode ter deduzido das minhas palavras que eu tenha oposição frontal àquilo que o Governo, apoiado pelo seu partido, veio aqui propor. Não é isso! A posição do Sr. Deputado Francisco Peixoto coaduna-se perfeitamente com a minha; o que eu quis significar foi que há uma diferença de filosofia, porque nós somos mais radicais e não podemos aceitar de boa mente que haja aqui uma dualidade, porque os senhores vêm apresentar aqui um diploma pontual...

O Sr: José Magalhães (PS): - Pontual?

O Orador: - ... e não se preocupam com a situação da justiça em Portugal,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... em que há criminosos de alto gabarito que ficam por punir, há processos que prescrevem e os senhores ficam impávidos e serenos.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Acha que estamos impávidos?

O Orador: - É isto que nos distingue da bancada do PS: nós queremos resolver a situação da justiça de forma global e total.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - O que é que nós

estamos a fazer, Sr. Deputado?

O Orador: - Nós não estamos contra estas medidas, é preciso que isso se entenda, e uma ou outra medida até terá algo de cosmético, porque há coisas que já estão previstas na lei, nomeadamente a protecção e o segredo bancário, que já pode, neste momento, ser quebrado ao abrigo do Código de Processo Penal,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sabe muito bem que não é quebrado!

O Orador: - ... e o corrupto passivo já pode ser isento de pena ou merecdr atenuação especial. Agora, o que eu

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quero vincar é a diferença de filosofia: o que nós pretendemos é que sejam tomadas medidas inequívocas e que haja uma vontade firme de erradicar, de uma vez por todas, não apenas a corrupção mas a grande criminalidade e isso exige muita coragem e não é compatível com actos de cobardia.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Acha que isto é um acto de cobardia?

O Orador: - É, pois, em função da seriedade desta luta que quero lembrar ao Sr. Deputado que nós empenhar-nos-erros aqui e sempre pela justiça em Portugal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nós assistimos com muita perplexidade a esta súbita erupção de uma espécie de ataque de demagogia infrene e de uma baixa medição do valor das palavras por parte do Sr. Deputado António Brochado Pedras.
O Sr. Deputado esteve quieto e calmo durante quase todo o debate e podia agora ir para casa tranquilamente sem poluir os anais da Assembleia com observações irresponsáveis como as que fez, mas, infelizmente, decidiu inverter o curso das coisas, que tinham sido abertas decentemente pelo Sr. Deputado Francisco Peixoto num tom que mereceu, de resto, a aquiescência institucional do Sr. Ministro da Justiça e muito razoavelmente, porque ele propunha ou sugeria que determinados mecanismos fossem objecto de análise.
Nesta altura do debate em que as propostas de lei foram objecto de cuidadosa apresentação, em que se sublinhou o grau de inovação que elas representam, num determinado caso exprimindo, aliás, um consenso europeu e colocando Portugal onde deve estar em matéria de prevenção, e, numa outra medida, garantindo inovações que ultrapassam dificuldades concretas que o nosso aparelho judicial dia-a-dia enfrenta, o Sr. Deputado António Brochado Pedras veio fazer um libelo: por um lado, é cego, ou seja, disse que de um lado está a virtude toda e que o PP não pode assistir a um determinado fenómeno sem estar em estado de indignação e nós estaríamos - e por isso defendo a honra da bancada - impávidos e serenos. Perante o quê? Perante a situação em curso neste País?
Sr. Deputado, isso é puramente um insulto! Estão hoje, aqui, a ser propostas e discutidas medidas que são parte de um complexo de acções que foram tomadas, nomeadamente de dotação de meios - contra as quais V. Ex.ª, aliás, votou - para o combate efectivo à corrupção e à melhoria do aparelho processual penal nesta Legislatura. Votou contra todas! O seu partido nada propôs e votou contra tudo! Ou, melhor, aquilo que o seu partido propôs eram verdadeiros abortos legislativos, que nós, honradamente, rejeitámos com o apoio da maioria desta Câmara.
Na verdade, as propostas do PP, que foram do PP pré-AD, do outro PP, de um PP que, pelos vistos, morreu, além de serem a maior parte delas inconstitucionais, fo-

ram rejeitadas com um consenso alargado ao próprio PSD. Portanto, a vossa política de repressão infrene e, aliás, arbitrária foi revista pelo vosso próprio partido. Eu diria, até, que isso criava condições excelentes e razoáveis para o PP, para o novo PP, o re-PP, o PP, afastando essa política, conseguir discutir as políticas propostas a nível europeu que o Governo aqui trouxe. Mas não!
Admito que a sua intervenção, Sr. Deputado, não tenha tido qualquer significado e V. Ex.ª desatou a bradar, pedindo coragem. Ora, eu desafio-o, em nome desta bancada, a ter a coragem de apoiar estas medidas. Tenha a coragem de votar favoravelmente estas medidas e tenha a coragem de propor correcções, mas não enverede pelo caminho da demagogia, pois se o fizer ter-nos-á, claramente, pela frente, uma vez que a demagogia nesta matéria, Sr. Deputado, paga muito pouco e não passa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, compreendo que o Sr. Deputado José Magalhães esteja muito incomodado com o que eu disse porque o senhor não ouviu nas minhas palavras nada que pudesse fazê-lo pensar que o meu partido ir votar, contra estas medidas. Nada! Por isso, o senhor indignou-se perante algo que realmente morde o cerne do PS.
É que o senhor não pode banir da situação actual a ideia que todos temos de que. não há apenas uma crise mas de que essa crise é grave, atinge os fundamentos do Estado de direito, porque há pessoas que são tratadas de forma diferente e isso é algo de muito grave.
Compreendo que V. Ex.ª reaja dessa forma e eu devolvo-lhe o termo de «demagogo», porque não sou eu que sou demagogo, não senhor! Os senhores ouviram ainda há tempos e calaram acusações perfeitamente correctas no sentido de que não fizeram em três anos o que quer que fosse para alterar o sistema da justiça em Portugal.
A justiça está, neste momento, numa situação confrangedora e isto exige uma grande reflexão. Ora, eu quero aqui dizer que o PP participará com muito gosto neste acto de reflexão colectiva, reflexão essa que a todos nos deve unir. Portanto, não são demagógicas as minhas palavras. Eu quero aqui dizer-lhes que estamos dispostos a participar nessa discussão para conseguir ajudar o Governo, que, em primeira linha, deve governar, pois isso não compete à oposição. Mas estamos aqui para, de forma construtiva, ajudar o Governo do PS a tomar as medidas que até agora não tomou.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

Protestos do Deputado do PS José Magalhães..

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Ó Sr. José Magalhães, tenha calma...,

O Sr. José Magalhães (PS): - E «isso» já não é o PP!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

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O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, vou deixar os ânimos acalmarem um pouco, para que possamos regressar ao debate.
Compreendo perfeitamente estas manifestações, já que o Sr. Deputado José Magalhães tinha alguma ânsia em demonstrar o seu novo militantismo e as suas picardias...

Risos do PSD.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - No Governo é precisa uma «quota» para a justiça!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, quem está no uso da palavra é o Sr. Deputado Moreira da Silva.
Faca favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, vou tentar acalmar os ânimos com a minha intervenção.
Um pouco no seguimento da vontade manifestada pela sociedade civil e um pouco no seguimento da intervenção de um ex-presidente da Junta Autónoma de Estradas, o Governo apresentou várias medidas legislativas sobre a corrupção. Duas delas são hoje objecto de discussão.
Permitam-me que coloque umas questões relativamente a algumas, e apenas a algumas, ,dessas medidas, na medida em que outras já foram aqui referidas. Isto sem esquecer o «pano de fundo» destas questões - creio que o Sr. Ministro da Justiça, o Sr. Secretário de Estado e os meus distintos Colegas têm presente esse «pano de fundo».
Desde logo, com a adopção destas medidas, existe a possibilidade de um conflito de direitos e princípios constitucionais, designadamente entre o princípio da justiça e da própria investigação criminal, por um lado, o direito à intimidade da vida privada - artigo 26.º da Constituição e a própria garantia da presunção da inocência do arguido em processo criminal, por outro lado.
Estas duas vertentes entram, de facto, em conflito, o que não é nada de desesperante. Pelo contrário, é algo normal na vida democrática, mas que implica que se ponderem convenientemente os equilíbrios destas medidas.
A este propósito, recordo um acórdão do Tribunal Constitucional, de 1995, no qual se pode ler o seguinte: «Está o Tribunal em condições de afirmar que a situação económica espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito.
De facto, na época histórica caracterizada pela generalidade das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes, designadamente, às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada, constitucionalmente garantido».
E determinava este acórdão de 1995 que as medidas de restrição ao segredo bancário «devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, isto é, devem obedecer ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, ao da proibição do excesso, devendo ser, por isso, necessárias,

adequadas e proporcionais. Têm de revestir carácter geral e abstracto, não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais».
Penso que o Governo e todos os Srs. Deputados têm estas questões em mente ao discutir estas propostas, mas nunca é demais realçá-Ias.
Estas matérias, designadamente as referentes à proposta de lei n.º 232/VII, que altera a Lei n.º 36/94 (altera o artigo 5.º e introduz um novo artigo, o artigo 9.º-A), traduzem uma tentativa de o Governo introduzir duas novas restrições no âmbito quer do segredo bancário quer relativamente à corrupção activa, completando dessa forma o Código Penal.
Não nos esqueçamos - o que, aliás, já foi referido de que esta não é matéria nova. Já durante os anos 80, várias organizações internacionais se debruçaram sobre esta matéria e, nos anos 90, Portugal já produziu legislação. E nunca é demais citar que, antes de a própria legislação ser produzida pelo Estado, uma associação privada - a Associação Portuguesa de Bancos -, em 1991, já tinha, inclusive, redigido e celebrado um protocolo no sentido de prevenir situações deste teor, colocando-se, no fundo, à disposição da colaboração com a justiça, na medida da lei, para solucionar e prevenir este tipo de criminalidade.
O que está em causa - e sublinho - são crimes de difícil investigação e repressão, pois envolvem os chamados «crimes de colarinho branco». Aliás, creio que o Sr. Ministro da Justiça, tal como o seu antecessor nesta Câmara, o Sr. Ministro da Cultura, não precisavam de vir de colarinho cor-de-rosa para, eventualmente, se situarem fora deste normativo...

Risos.

Não precisavam de o fazer, porque não é, com certeza, a cor da camisa que definirá o criminoso!nem vice-versa - qualquer cor de canlisa é abrangida. Em todo o caso, sublinho o facto de o Sr. Ministro da Justiça e de o seu antecessor no debate que há pouco aqui se travou, o Sr. Ministro da Cultura, terem vindo de camisa cor-de-rosa. Não sei se esse passará a ser o «uniforme» dos Ministros do Governo!...

Risos.

Também a iniciativa legislativa que estabelece medidas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira não pode servir como um pretexto do próprio Governo ou de outras autoridades judiciárias que têm a ver com a prevenção e a repressão da corrupção e do tipo de criminalidade que aqui está em causa. Ou seja, muitas vezes, actores importantes da prevenção e repressão da corrupção e da criminalidade económica e financeira têm referido a impossibilidade de actuar por inexistência de legislação aplicável ao caso. E, mais uma vez, o Governo parece enveredar por essa via, alegando que a falta de incriminações, a falta de repressões, a falta de suspeições se deve, mais uma vez, à falta de leis nesta matéria.
Claramente, penso que não é disso que se trata, apesar de o reforço destas medidas e de o desenvolvimento de outras anteriores ser sempre necessário. Todavia, penso que não devemos énveredar por aí, pela falta de legislação, pela falta de meios para actuar, porque há, com certeza, um mínimo de leis, um mínimo de meios para se ter actuado.

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Não vamos, por isso, prolongar o debate, na especialidade, destes diplomas que agora nos foram presentes, numa tentativa de, mais uma vez, adiar a solução dos problemas.
Pelo menos, nós, Partido Social-Democrata, não seguiremos esse caminho. Há meios, há leis, por isso vamos actuar com o que temos, desenvolvendo e aperfeiçoando estas propostas ou outras. Estamos ao dispor do Governo e dos restantes grupos parlamentares para trabalhar, em sede de especialidade, no sentido de encontrar melhores meios e melhor legislação para reprimir estes crimes de corrupção e a criminalidade económica e financeira.
Posto isto, Sr. Ministro, vou colocar-lhe duas questões: uma relativa à proposta de alteração ao artigo 5.º da Lei n.º 36/94, outra respeitante à introdução de um novo artigo, o artigo 9.º-A.
Todavia, antes de o fazer, não quero deixar de referir que fiquei, de alguma forma, estupefacto com as intervenções de Deputados do Partido Socialista sobre o fundo desta questão, designadamente dos Srs. Deputados Nuno Baltazar Mendes e Henrique Neto, uma vez que não se lhes suscitaram quaisquer dúvidas, quando o Governo, pela palavra do Sr. Ministro da Justiça, se colocou à disposição desta Assembleia - ele próprio tem certas dúvidas sobre algumas soluções encontradas nestas iniciativas legislativas - para, no trabalho em especialidade, em conjunto, as podermos aperfeiçoar. Essa atitude fica-lhe bem, tal como ficará bem ao Partido Socialista tomar uma atitude semelhante!
De facto, algumas destas medidas necessitam de um certo aperfeiçoamento e, até, de discussão, fruto de audições públicas a realizar pela 1.º Comissão.
Ultrapassado este ponto prévio, a minha primeira questão, tal como referi, prende-se com a alteração global ao artigo 5.º da Lei n.º 36/95, de 29 de Setembro.
O n.º 2 do actual artigo 5.º da referida lei estabelece que o levantamento do segredo bancário - e do segredo fiscal, de acordo com a ampliação que se pretende introduzir - depende sempre de prévia autorização do juiz, em despacho fundamentado. Ora, no n.º 2 do novo artigo 5 º mantém-se essa redacção, mas acrescenta-se um n.º 3 e fazem-se algumas alterações à redacção dos n.os 4 e 6, introduzindo o termo «autoridade judiciária».
Assim, no novo n.º 3 pode ler-se que «o despacho a que se refere o número anterior identifica as pessoas abrangidas pela medida, bem como as informações que devam ser prestadas ou documentos que devam ser entregues à autoridade judiciária, (...)». Os outros números adoptam uma redacção semelhante nesta matéria.
Recordo, novamente, o acórdão do Tribunal Constitucional que há pouco citei, porque entendo que sempre que se fala de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias terá de se fazer referência à autorização ou à ordem emitida pelo juiz, e não pela autoridade judiciária, em bloco! É que, como sabem, esta abrange outras entidades para além do próprio juiz.
Como estamos aqui a falar de uma restrição a direitos, liberdades e garantias, repito, a única autoridade autorizada a fazê-lo, com base na lei, será o juiz e não qualquer outra!

O Sr. José Magalhães (PS): - Obviamente!

O Orador: - Ainda bem, Sr. Deputado José Magalhães, pois tomo essa sua posição como uma possibilidade de alterar, na especialidade, esta matéria.

Relativamente à introdução de um novo artigo (o artigo 9.º-A), já aqui foi referido - penso que pelo Sr. Ministro da Justiça, na sua intervenção inicial - que se mantém o actual artigo 9.º da Lei n.º 36/94, que trata da suspensão provisória do processo. Estabelece-se aí que, relativamente à corrupção activa, o Ministério Público, com a concordância do juiz da instrução, pode suspender provisoriamente o processo.
Esse regime mantém-se, mas acrescenta-se o artigo 9 º-A, relativo à dispensa de pena, no qual se fixa que, nos casos de corrupção activa, o agente «é dispensado de pena», se se tiverem verificado determinados factos, que aí se enumeram.
Ora, penso que este mecanismo necessita, obviamente, de alguma reflexão, porque o que se prevê é que o agente «é dispensado de pena» e não que «pode ser dispensado de pena»! Portanto, é dispensado automaticamente, se verificados determinados condicionalismos que estão na vontade .e nos meios do próprio corruptor.
Configuremos, então, a seguinte situação: estamos a falar de um corruptor activo, por isso imaginemos que alguém, algum agente chega junto de um funcionário e entrega-lhe um determinado montante para, por exemplo, o seu filho poder ingressar na função pública, através de um determinado concurso - imaginemos um caso destes e não outro - que envolva a construção de uma estrada ou de uma ponte... Ora, se essa pessoa, dentro dos 30 dias, se dirige à autoridade policial e denuncia o crime que ele próprio praticou fica automaticamente dispensado de pena, mas o corruptor passivo fica apanhado nas malhas da justiça, o que me parece muito bem!
No entanto, penso que este automatismo, esta dispensa automatizada não reproduz a posição do Governo, por isso parece-me que a redacção desta disposição poderia, eventualmente, ser alterada no sentido de colocarmos aqui a perspectiva de ficar na dependência do juiz e do Ministério Público a possibilidade e a sugestão da dispensa da pena, e não o automatismo, verificados os condicionalismos que o próprio agente tem o poder de desencadear.
É que, no fundo, temos a seguinte situação que importa para a reflexão global, não só para este ponto como para o diploma anterior que já discutimos: já foi referida - penso que pelo Partido Comunista através do Sr. Deputado António Filipe - uma questão que, julgo, nos deve fazer reflectir a todos, inclusive ao Governo. Não queremos, com certeza, regressar, ao chamado «Estado-polícia», um Estado onde há um denunciador a cada esquina, onde há um incremento, uma tentativa de que todos andemos a denunciar todos. Essa não é claramente a ideia! Há, sim, a ideia de tentarmos encontrar todos os agentes criminosos, se isso for possível, através de algumas medidas no sentido de as testemunhas ou de o denunciante poder eventualmente ver atenuada ou ter uma outra situação mais favorável a nível criminal. Não me parece é que a situação de toda a testemunha, todo o denunciante de um crime poder eventualmente ver a sua responsabilidade penal, por uma denúncia de má fé, também envolvida, deva ser colocada assim em termos tão genéricos. Não me estou exactamente a referir a este ponto, mas penso que toda esta legislação apresentada e algumas declarações públicas por parte do Governo indiciam um pouco esta ideia. Ou seja, é fácil, a testemunha é acariciada, o denunciante é acariciado e com isso conseguimos que o verdadeiro criminoso possa ser devidamente colocado atrás das grades, mas a verdade é que nos crimes económicos, matéria

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sobre a qual estamos a falar, pode haver situações em que isto é extraordinariamente favorável para o denunciante.
Imagine-se, por exemplo, um caso de segredos industriais ou de segredos económicos em que alguém não consegue determinadas informações, determinados documentos económicos de certa empresa. No entanto, através destes subterfúgios, consegue colocar a público, colocar dentro de uma investigação, na qual também é parte e, por isso, eventualmente, constituir-se como assistente, e ter acesso a estas informações económicas e bancárias e documentos aos quais não teria esse acesso através do segredo bancário e do segredo fiscal.
Por isso, penso que esta questão deve ser rodeada de algumas cautelas que não vejo na lei - mas posso estar errado.
Penso que esta reflexão deveria ser tida ainda em conta na análise destes problemas. Não vamos, como digo, favorecer todo e qualquer denunciante - obviamente que há responsabilidades pelas denúncias de má-fé, e vamos ter alguma cautela neste tipo de medidas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, parafraseando o Sr. Deputado António Brochado Pedras, coube-me em sorte falar em último lugar e a esta hora já tardia. Aliás, o interesse por estes debates sobre a justiça é sempre tão grande que acabam sempre muito tarde e, portanto, quase sempre me cabe em sorte, como V. Ex.ª disse há pouco, falar já bastante tarde. Assim, não vou abusar da paciência de VV Ex.ª mas vou usar uns minutos de que ainda disponho e alguns que a minha bancada me vai dispensar.
Vou começar por me dirigir ao Sr. Deputado António Brochado Pedras.
Sr. Deputado, cada vez que o Governo apresenta na Assembleia da República a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, o Código de Processo Penal e legislação que lhe podia citar em duas páginas - mais de 20 diplomas -, há sempre um conjunto de Deputados que dizem que o que queriam discutir era a reforma da justiça. Ora bem, Sr. Deputado, acho que era tempo de acabarmos com esta situação!
Não tinha o prazer de conhecer V. Ex.ª, não se é recém-vindo à bancada, mas nunca tinha tido o prazer de o ouvir é, portanto, nesta matéria não é reincidente mas a sua bancada é. Sempre que vimos à Assembleia da República com um diploma sobre a justiça, os senhores dizem que o que é preciso discutir é a reforma da justiça. Vamos a isso, Sr. Deputado! Mas tem de me dizer o que é isso da reforma da justiça! Tem de dizer-me o que é! Não é processo civil, não é processo penal, não é a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, não são os novos processos de injunção, não é nada disso! Então, vamos ver o que seja! Eu venho à Assembleia da República discutir desde que me avisem o que é isso da reforma da justiça que não sejam as dezenas de diplomas que temos andado a discutir ao longo destes três anos. Portanto, para ficarmos entendidos, V. Ex.ª , quando me disser, fora disto tudo que temos andado a fazer, o que é a reforma da justiça, conta comigo!

Sr. Deputado, já agora, devo dizer-lhe que a figura do arrependido não é uma figura sinistra, não é! Sr. Deputado, acho que essa afirmação, vinda da sua bancada é...

O Sr. José Magalhães (PS): - Estranha!

O Orador: - ... um pouco estranha. V Ex.ª fale com colegas seus italianos de bancadas parecidas - se bem que agora já estão um bocadinho em extinção, mas suponho que ainda existem... -, fale com colegas seus alemães da CDU, fale com vários partidos da Europa e digaIhes que a figura do arrependido é sinistra relativamente a terrorismo, a mafias, a criminalidade organizada e penso que a reacção dos seus colegas não vai ser muito positiva, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Por que é que diz isso?

O Orador: - Admito que possa ser uma figura antipática, admito-o! Talvez tenhamos dentro de nós aquele sentido de lealdade, etc., agora, sinistra, não, Sr. Deputado! E digo-lhe mais: em relação a esta lei da corrupção, gostaria que V. Ex.ª me dissesse do seu conhecimento, quantos corruptores passivos já colaboraram com a justiça? V. Ex.ª dê-me exemplos dessa Lei que está em vigor desde 1994. Quantos corruptores passivos vieram denunciar à justiça, arrepender-se e colaborar com a justiça? Se V. Ex.ª me der um conjunto de exemplos, nem que seja um, já começo a pensar que será necessária esta alteração. Em relação a corruptores activos, dou-lhe exemplos, Sr. Deputado, ou, melhor, não lhe dou porque não quero falar em casos concretos, mas há. Sabe por que é que há, Sr. Deputado? É que o corruptor activo não é assim uma figura sinistra de que V. Ex.ª falou. V. Ex.ª leia com atenção o que está na lei: «que tenha a solicitação do corruptor passivo». Ou seja, a primeira condição é a solicitação. Não é alguém que vai dar, como uma armadilha, alguma coisa a alguém para depois o denunciar. Não! A solicitação do passivo é a primeira das condições que vem estabelecida na lei.
A segunda condição é o facto de ter de denunciar em 30 dias, não pode ficar com uma espada sobre a cabeça de quem recebeu alguma benesse, financeira ou outra, durante a vida toda para o denunciar, para o ameaçar.
Sr. Deputado, V. Ex.ª não desconhece, certamente, que em muita da corrupção passiva sobre o activo há chantagem no sentido de se dizer: «ou me dás isto ou eu não faço». Portanto, temos de admitir que este homem ou organização que corrompeu, solicitado - e sabemos que o solicitado, em muitos destes casos, tem um sentido muito mais violento no sentido de dizer «ou me dás ou eu não faço» -, se pode.arrepender de ter dado e depois em 30 dias dizer: «eu dei, mas estou arrependido de ter dado e quero denunciar esta situação». E mais: conhecendo V. Ex.ª os princípios do Direito Ppenal, sabe que a dispensa de pena não significa uma falta de crítica sobre quem cometeu o acto, temos é de o dispensar da pena.
Sr. Deputado Moreira da Silva, veja na proposta que o seu partido fez em 1994 onde se diz «é dispensado de pena», porque senão não podemos dizer «pode ser dispensado de pena». Que garantias é que isto dá à pessoa? Então a pessoa vai denunciar uma situação de chantagem de que foi objecto e depois «pode ser dispensado de pena»? Não! O que consta da lei é «é dispensado de pena».

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O Sr. Deputado António Filipe também levantou este problema.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, o seu tempo está esgotado.

O Orador: - O Sr. Presidente disse que eu tinha uns minutos cedidos pela bancada do Partido Socialista.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço desculpa, Sr. Ministro. Faça o favor de continuar.

O Orador: - Sr. Deputado, medimos bem estas alterações e penso que elas são fundamentais, não são «operações de cosmética», Srs. Deputados. Podem e merecem ser discutidas, estamos disponíveis para as discutir, mas elas estão construídas com cuidado, com cautela e são importantes.
Dizem que o segredo bancário já está acautelado. Srs. Deputados, já está, mas muitas vezes com o incidente que se vai fazer reflectir no processo, e com isso é que queremos acabar. Além disso, Sr. Deputado, o que cá está é «mandado do juíz» para dar ao Ministério Público, não é mandado do Ministério Público; é «mandado do juiz», para que os elementos sejam dados ao Ministério Público na fase de inquérito. É isto que consta da lei. É preciso ler bem as coisas para depois não fazer leituras distorcidas e vir criticar a lei quando ela não diz...

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Registo que é essa a interpretação!

O Orador: - Não, não é a interpretação, é o que cá está!
Finalmente, Sr. Deputado Guilherme Silva, o Sr. Deputado tem um vezo cada vez mais acentuado de memorialista. Sempre que usa da palavra vem ressuscitar tempos passados, o que se passou há quatro, cinco, seis anos, e agora até acentuou esse vezo lendo as suas próprias «peças». Começo a ver que também a idade lhe vai pesando, a idade em que as pessoas gostam, naturalmente, de memorar os seus feitos, no seu caso os grandes feitos como Deputado, parlamentar, político... Não lhe levo isso a mal, Sr. Deputado!

O Sr. Guilherme Silva (PS D): -Está enganado!

O Orador: - Mas, então, deixe-me também lembrarlhe umas «coisinhas» de há quatro anos. Agora V. Ex.ª vai ouvir, porque não sou memorialista, mas ainda tenho alguma memória, e vou avivar-lhe a sua.
Lembra-se V. Ex.ª de um dia em que compareceu nesta bancada o Sr. Primeiro-Ministro de então com o Sr. Ministro da Justiça para anunciar, em grandes parangonas, a lei da corrupção? Lembra-se V. Ex' que isso foi um show ofj`',foi uma grande operação mediática para anunciar que o governo estava ali para lutar contra a corrupção?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está a ver o que o Eng.º Guterres aprendeu?

O Orador: - Um momento, Sr. Deputado! Acalme-se! Oiça a memória até ao fim! Oiça a história até ao fim!

E lá veio a lei, e lá veio a grande luta contra corrupção. E depois, Sr. Deputado, o que é que se passou? Vou dizer-lhe o que se passou depois. Quando chegámos ao Governo, o Sr. Director-Geral da Polícia Judiciária disse-me: «O quê? O DCIAP!? Isso não existe!?» Há um prédio na Rua Alexandre Herculano, o célebre prédio que já tinha sido comprado duas vezes... - V. Ex.ª recorda-se -, às tantas já havia vários prédios e nós já não sabíamos bem que prédio é que era, afinal! Está recordado desses episódios um. pouco pícaros da altura? Eu recordo-lhos!
Pois não havia nada! Tinham sido postas duas ou três dezenas de agentes à pressa, que nada sabiam de investigação de criminalidade económica e financeira, nem de luta contra a corrupção, que ali estavam «pendurados». Foi isso que deu o show off da lei contra a corrupção nos tempos áureos que V. Ex.ª trouxe à sua memória.
Portanto, Sr. Deputado, memória por memória, prefiro a nossa. Na altura, nós levantámos, em relação à lei, algumas questões: Essas questões continuam na ordem do dia, mas o que queremos fazer neste momento não é mexer nessas questões, é aprofundar e melhorar alguns aspectos da lei.
Mas, Sr. Deputado, não nos contentamos em fazer leis. Trouxemos aqui uma lei contra a qual a vossa bancada votou - nunca me esqueço de o dizer porque um dia, VV. Ex.as hão-de verificar os resultados que daí advieram, e talvez esse dia não esteja tão longe como isso... -, votaram contra o núcleo de assessoria técnica da Procuradoria-Geral da República, votaram contra o DCIAP, votaram contra a reorganização do Ministério Público, e um dia, em que V. Ex.ª ainda faça as suas memórias, há-de dar razão ao nosso Governo. E que não chega fazer leis! Nós fazemos leis, mas depois pômo-Ias no terreno. O NAT tem pessoas a trabalhar, está a ter resultados que serão visíveis dentro de pouco tempo e acaba de ser reforçado, por portaria ou por despacho meu - não estou agora lembrado -, de há dias, com mais elementos para funcionar. O mesmo sucede com a Polícia Judiciária, que os senhores deixaram sem meios durante anos a fio, repito, anos a fio. Vieram fazer um show-off; fizeram uma lei e por aí se ficaram.
Portanto, Sr. Deputado, memórias contra memórias, fique V. Ex.ª pensando também nesta memória, para ver se alguma coisa não é verdadeira naquilo que acabei de dizer.
Srs. Deputados, quero terminar a minha intervenção, dizendo apenas o seguinte: verifico que há um consenso amplo na Câmara quanto ao sentido destas leis e, naturalmente, com isso me congratulo.
Foram suscitados alguns problemas por alguns de VV. Ex.as, mas nada de mais natural. Obviamente, é para isso que existe a Assembleia e que os Srs. Deputados criticam, se opõem e suscitam dúvidas, com toda a legitimidade. Nada mais mesmo poderíamos esperar, nem tínhamos legitimidade para esperar outra coisa.
No final deste debate, deixo aqui apenas esta ideia: estamos convencidos de que estas duas leis são bons instrumentos para a luta contra a criminalidade, são fundamentais, são importantes e não foram feitos à pressa, Sr. Deputado Guilherme Silva, nem por causa da JAE.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Então não foram?! Foram, foram!

O Orador: - VV. Ex.as têm tentado trazer outra vez à colação a JAE, mas a JAE já foi discutida, segundo

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suponho, ao princípio da tarde e não estamos aqui para discutir a JAE. Mas, já agora, Sr. Deputado Guilherme Silva, faça-me justiça no seguinte: o Ministério da Justiça trabalha bem mas, em 48 horas, que foi quando o Sr. Primeiro-Ministro anunciou o que estava feito em matéria de corrupção e de protecção de testemunhas, em 48 horas, repito, era um bocadinho difícil. Nós trabalhamos bem e, enfim, até procuramos trabalhar depressa, mas 48 horas era demais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Voltando ao que estava a dizer de importante, enfim, de importante só porque estou no final da minha intervenção, quero deixar aqui a ideia de que estamos disponíveis para discutir, em sede de especialidade, e encontrar com VV. Ex.as soluções que não andem afastadas daquelas que propusemos mas que possam merecer o consenso de todas as bancadas, pois era importante que o merecessem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito brevemente, quero dizer ao Sr. Ministro da Justiça, e ainda antes da defesa da honra, que o que estava a referir há pouco era que também estava a encontrar o Sr. Ministro um bocadinho cheio de si próprio. Era só isso que estava a dizer. E sabe porquê? Porque acusou aqui o nosso colega Deputado Guilherme Silva de ser memorialista e de estar embevecido com o seu próprio passado e ao mesmo tempo o Sr. Ministro já se estava a ver, amanhã, com os partidos da oposição a dar-lhe razão, dizendo «aquele Ministro é que tinha razão». Enfim, enferma do mesmo pecadilho, se é que é um pecadilho, mas isso também não é grave.

Risos do Sr. Ministro da Justiça.
Em todo o caso, Sr. Ministro, o que lhe quero dizer é o seguinte: V. Ex.ª, e a parte final da sua intervenção ainda me leva mais a justificar este meu pedido de defesa da honra da bancada, acabou agora de afirmar que tinha verificado que, nesta Câmara, havia um consenso político quanto à necessidade de continuar a combater a criminalidade. quanto à justeza das medidas que aqui estão a ser debatidas, à necessidade de as discutir e aperfeiçoar na especialidade, etc. mas se assim é, então este seu discurso é um pouquinho contraditório com aquele que V. Ex.ª fez no início da intervenção, concretamente quando se referiu ao Sr. Deputado António Pedras, querendo colar a sua oposição à política de justiça do Governo a uma hipotética oposição a estas medidas. Digamos que isto é truque habitual no jogo parlamentar, que V. Ex.ª conhece e de que se recorda bem, mas, no caso, não é justo. V. Ex.ª tem de aceitar que um partido da oposição, sempre que tenha oportunidade de o fazer, deve criticar a governação, que, ainda por cima, pessoalmente, considero que encerra uma obrigação de resultado, Sr. Ministro. E quando verificamos os resultados concretos e palpáveis da actividade governativa na área da justiça, ficamos insatisfeitos, fica

mos descontentes e, por isso mesmo, falamos. E, se quer saber, achamos muito mal que V. Ex.ª esteja contente.
Portanto, continuamos, continuaremos sempre, a falar na necessidade de reformar a justiça, no sentido de que é preciso um esforço enorme para a credibilizar junto das pessoas, promovendo a aceleração das decisões, resolvendo, portanto, este flagelo da demora nas sentenças judiciais, matéria, aliás, que se prende e subjaz a algumas das nossas preocupações neste debate.
O que lhe quero dizer, Sr. Ministro, e entenda as nossas objecções nesse contexto e nessa perspectiva, é o seguinte: V. Ex.ª deve dotar a administração judicial de meios investigatórios adequados às necessidades de combate à criminalidade portuguesa e à criminalidade internacional, sobretudo à criminalidade organizada. E deve fazê-lo sempre na justa medida em que isso se revele absolutamente indispensável para combater essa criminalidade.
Mas V. Ex.ª também tem de admitir que a administração judicial e as pessoas não são perfeitas e que, muitas vezes, pessoas que são inocentes podem ser atingidas. Perante isso, V. Ex.ª sabe que tem, depois, do outro lado, um aparelho judicial que não responde e, sobretudo, que não responde atempadamente à resolução das reclamações que lhe são apresentadas, em oposição, por exemplo, a medidas, a investigações, a quebras do segredo de justiça, ou quando a honorabilidade das pessoas é atingida, sabendo que todos são inocentes até ao trânsito em julgado das sentengas. Há pendências de anos para resolver essas questões. E preciso, pois, conseguir esse equilíbrio entre os diversos direitos e interesses em presença, sempre tendo presente o sistema judicial que temos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Luís Queiró, esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Para terminar, Sr. Ministro, como já disse, V. Ex.ª tem de compreender que estejamos insatisfeitos relativamente à situação da justiça em Portugal. E, recentemente, V. Ex.ª assistiu a intervenções importantíssimas, por exemplo, na abertura do ano judicial e num debate público que se realizou numa televisão, as quais também o deviam fazer pensar e não se sentir descansado relativamente ao trabalho produzido pelo seu Ministério e pelo Governo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, ouvi a sua intervenção com muita atenção e prazer.
Pode V. Ex.ª estar certo de que não estou descansado com a situação da justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Agora, Sr. Deputado, há aqui outra coisa que temos de ver: o Código de Processo Penal entrou em vigor há um mês e a Lei Orgânica dos Tribunais, aue vai ser a enorme reforma de todo o sistema judiciário português vai entrar em vigor em 15 de Setembro. Tudo isto é demorado, leva tempo e o Sr. Deputado também sabe disso. O próprio processo legislativo, a discussão,

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enfim, tudo isso demora tempo. E sabe V. Ex.ª também, tão bem como eu, ou melhor, que as medidas da justiça não têm reflexos. imediatos. Se, hoje, acabamos com um tipo de recurso, não quer V. Ex.ª, certamente, que acabemos com ele em relação aos processos pendentes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Essa medida só terá efeitos daqui a dois ou três anos, e assim por diante.
Portanto, a única coisa que lhe digo é o seguinte: não podemos passar a vida a dizer que o que é preciso é a reforma da justiça, quando estamos a fazer as várias reformas da justiça, porque V. Ex.ª sabe muito bem que não há um papel que seja a reforma da justiça. Se alguém o inventar, agradeço que mo mostre! Há um conjunto de reformas que, aliás, não têm a ver apenas com leis, têm a ver com «Palácios da Justiça», com tribunais, com meios informáticos, com meios humanos e com muita coisa. Isso é a reforma da justiça! Agora, não tenha, V. Ex.ª, ilusões. E sei que não as tem. V. Ex.ª conhece a situação da justiça em França, em Itália, em Espanha, na Alemanha e sabe que em todo o lado... Na França, por exemplo, um divórcio demora, em média, seis anos. É uma situação catastrófica! Em Itália há outra situação catastrófica. Dirá V. Ex.ª, «Com o mal dos outros...». Tudo bem! Não estou aqui para me desculpar, estou a dizer que a reforma da justiça é difícil, porque é uma reforma lenta e também de muita mentalidade, de muito método de trabalho, de muitas novas coisas que é preciso introduzir, da modernidade que é preciso introduzir nos tribunais, porque não chega pôr computadores, meios informáticos e programas, também é preciso que as pessoas se habituem a isso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Falo, muitas vezes, na cosedura dos processos e as pessoas riem-se, mas isto tem uma importância simbólica e nada mais.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Já discutimos isso!

O Orador: - É que há resistência! Um magistrado meu amigo, com quem almocei há dias, disse-me, peremptoriamente, o seguinte: «no meu tribunal nunca se perdem os papéis». Pela minha parte, respondi-lhe: «Por amor de Deus, não há nenhum outro sector da Administração Pública (...)» - que também precisa de grandes reformas, como o Sr. Deputado disse há pouco - «(...) em que se cosam os processos à mão. E, então, perdem-se os papéis?». Ele respondeu-me: «No meu tribunal, só por cima do meu cadáver».
Portanto, Sr. Deputado, estas coisas têm de ir lentamente, porque se traduzem também numa reforma de mentalidades. Não tenhamos ilusões! Tenho dito isto várias vezes: a reforma da justiça não é para produzir resultados num ano, em ano e meio ou em dois anos, é uma reforma lenta que estamos a fazer e que estamos a fazer com a cooperação da Assembleia da República.
Por isso, Sr. Deputado, e mais uma vez o declaro aqui, estou inteiramente disponível para todos os debates que VV. Ex.as queiram fazer sobre as reformas que estão em curso e as que importa fazer. Só que, desculpará V. Ex.ª, quando no meio disto tudo me dizem que é preciso fazer

a reforma da justiça, fico um bocadinho incomodado, porque não me aparece o tal papel.

Risos do PCP.

Se aparecesse o tal papel e me dissessem «está aqui a reforma da justiça»... Veja V. Ex.ª que, há dias, vi um conjunto de ideias do PSD para a grande reforma da justiça e propunham mais juízes auxiliares, quando estamos a acabar com eles, porque os magistrados dizem «não» aos juízes auxiliares, uma vez que não servem para quase nada, mais funcionários, mais meios... Que pobreza de ideias! Que pobreza de ideias!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - E o processo acelerado'...

O Orador: - Ah! E o processo acelerado, mais vulgarmente conhecido por processo celerado.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

O Orador: - Bom, do que tenho pena é de que eu não possa, muitas vezes,...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, o tempo de que dispunha está completamente esgotado, pelo que lhe peço o favor de concluir.

O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente. Às vezes, gosto de me ouvir, como diz o Sr. Deputado,...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Já tinha dado por isso, Sr. Ministro.

O Orador: - ... mas, enfim, são só uns segundinhos. Sr. Deputado, V. Ex.ª dirá que é vaidade mas, às vezes, tenho pena de não ter interlocutores que me digam assim: «Ó homem, talvez seja melhor aquilo ou aqueloutro». Não! O que me dizem é o seguinte: «Mais juízes auxiliares, mais funcionários, mais tribunais, mais computadores». Ó meu Deus do céu! Que pobreza de ideias!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Venham as ideias!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Mais uma citação!...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Por acaso, também é para uma citação, já que a demonstração de memória do Sr. Ministro é muito selectiva.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Quem é que é agora?!...

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Quanto à génese desta legislação, não vale a pena ocultá-la, porque tenho aqui, à minha frente, as primeiras notícias que apareceram sobre o caso JAE e que se reportam ao princípio de Outubro, concretamente a 5 de Outu-

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18 DE FEVEREIRO DE 1999 1833

bro. Tenho uma notícia do Sr. Ministro das Finanças a dizer que, efectivamente, mandou uma carta ao General Garcia dos Santos;...

Risos do Deputado do PS, Nuno Baltazar Mendes .

... tenho o Sr. Ministro das Finanças a dizer que a Inspecção-Geral de Finanças fez uma investigação e mandou-a ao Ministério Público;...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não quer mais uma?!...

O Orador: - ... tenho o Sr. Procurador a dizer que não tinha recebido nada; tenho o Sr. Procurador a dizer que a Polícia Judiciária é que tinha mas que só tinha um agente a tratar disto; tenho o Sr. Director-Geral da Polícia Judiciária a dizer que não era verdade que fosse só um agente, porque era uma brigada. Enfim, tenho esse panorama todo, desgraçado, de uma imagem desgraçada e descoordenada das acções de investigação e instrução criminais, com o silêncio do Governo e do Sr. Ministro da Justiça.
Mas tenho mais: tenho o Sr. Procurador-Geral a dizer, no dia 12 de Outubro, que vai ter uma reunião em S. Bento com o Sr. Primeiro-Ministro e que leva um caderno de encargos, entre eles a questão do sigilo bancário; tenho 0 Sr. Primeiro-Ministro a anunciar, no dia 13, depois dessa reunião com o Sr. Procurador-Geral, as medidas de corrupção; tenho VV. Ex.as a enviarem esta legislação, agora, no princípio de 1999, para a Assembleia.
De modo que, Sr. Ministro, veja o seguinte: V. Ex.ª colocou aqui problemas de tempo que não batem certo com esta versão e, que eu tenha visto, não fez qualquer desmentido para os jornais sobre as notícias que aqui registei. Portanto, é tarde para a sua preocupação de rectificar ou desfazer o que já não é passível de ser desfeito.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Em relação às responsabilidades do Governo do PSD no combate à criminalidade, quero dizer-lhe que também tenho aqui alguns números relativos a esse período. E vou lembrá-los a V. Ex.ª. Aliás, o Sr. Director-Geral da Polícia Judiciária quando lá chegou, e se, eventualmente, foi com a boa intenção de pedir a V. Ex.º mais reforços, bem andou, ao pintar de negro a situação. Bem andou! Se, efectivamente, não tivesse tido a atitude inteligente de ter posto as coisas por baixo, V. Ex.ª não lhe tinha dado a necessária atenção e assim sempre travava alguma.
No DIAP do Ministério Público em Lisboa, de 1989 a 1992, passou-se pela seguinte evolução: da falta de instalações para uma instalação condigna e ampla, que V. Ex.ª conhece e que já lá estava quando foi exercer funções; de 39 para 147 funcionários; de 22 para 71 magistrados. Nos seus serviços do Porto, de Junho de 1993 a Maio de 1994, passou-se o seguinte: de 22 para 65 funcionários e de 11 para 25 magistrados. V. Ex.ª, nos três anos que leva de Governo, não tem proporções de aumento que se comparem, nem de perto, nem de longe, em nenhum destes sectores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, está encerrada a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei

n.º5 218 e 232/VII. A votação destes diplomas será feita amanhã, nos termos regimentais.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e terá como ordem do dia a interpelação n.º 20/VII - Centrada na defesa do Serviço Nacional de Saúde e a política do Governo para o sector (PCP).
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Fernando Alberto Pereira Marques.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
João Carlos Barreiras Duarte.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
António Fernandes da Silva Braga.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Maria Teixeira Dias.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo,

Partido Social Democrata (PSD):

António Costa Rodrigues.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Manuel Durão Barroso.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

António Luís Pimenta Dias.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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I SÉRIE-NÚMERO 49 1834
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

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