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I SÉRIE-NÚMERO 49 1814

rante a minha exposição para a sensibilidade deste tipo de questões. E naturalmente que está fora do espírito do Governo chegar aqui, em relação a uma matéria destas, numa posição de arrogância e de inamovibilidade. Nada disso! Estamos muito dispostos a colaborar com VV. Ex.as, como, aliás, habitualmente o fazemos, em sede de ComÍssão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para chegarmos às soluções que todos, em consenso, conseguirmos encontrar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a questão que queria colocar diz respeito à proposta de lei sobre a protecção de testemunhas que me parece ser aquela que suscita maiores problemas, como, aliás, foi assumido na intervenção de V. Ex.ª. A minha pergunta é um apelo, digamos assim, a alguma reflexão sobre a matéria que se me afigura mais complexa.
Não me refiro à possibilidade de audição das testemunhas através de teleconferências, com ausência da testemunha da sala de audiências; quanto à distorção da voz, também não creio que suscite problemas especiais; compreendem-se também, perfeitamente, aquelas situações em que há uma particular vulnerabilidade das testemunhas que tenham de depor contra alguém da sua família próxima, designadamente em casos em que estejam em causa maus tratos. Não creio que esses problemas sejam intransponíveis.
Há, no entanto, uma questão que se me afigura mais complexa e que exigirá, porventura, maior reflexão na especialidade, que diz respeito à possibilidade de ocultação da identidade da testemunha. E claro que se compreende que a criminalidade altamente organizada exige formas de combate sérias, na medida em que todos reconhecemos que hoje em dia os obstáculos legítimos a quem procura reprimir a criminalidade organizada são maiores, obstáculos que decorrem do Estado de direito democrático e das garantias mínimas da defesa, e, ao contrário, os criminosos têm as mãos livres, porque não respeitam nada nem ninguém, não têm qualquer legalidade a respeitar. Há, portanto, que tomar medidas sérias de combate à criminalidade.
Compreende-se por que é que se propõe que haja uma ocultação da identidade de uma testemunha, mas a questão que se coloca é a de saber até onde é que podemos ir. Ainda na semana passada, tivemos em Portugal um eminente especialista no estudo da criminalidade, a cuja conferência tive oportunidade de assistir, que dizia que, no caso concreto de uma associação criminosa conhecida na Rússia, de entre 21 testemunhas que tinham arroladas, não se conseguiu que qualquer delas comparecesse. Algumas foram liquidadas fisicamente e outras, por razões óbvias, não se prestaram a fazer depoimentos e a ajudar a justiça, pelo que esse julgamento e essa acusação não foram possíveis. Portanto, este é um problema real.
A questão sobre a qual vale a pena reflectir é a de saber até que ponto é que podemos ir, na medida em que a ocultação da identidade da testemunha representa um prejuízo incontornável para os direitos da defesa. Sei que a proposta de lei tenta contornar o problema através de um processo complementar autónomo. É uma tentativa e creio que devemos estudá-la muito bem; agora, ainda assim, há

uma preterição de direitos da defesa que, creio, são, de alguma forma, incontornáveis. Compreendo perfeitamente os propósitos da proposta de lei, que são evidentemente estimáveis, mas a questão que se nos coloca - e é essa reflexão que gostaria que o Sr. Ministro compartilhasse connosco através da sua opinião sobre este assunto - é se não estaremos a prejudicar de uma forma incontornável, face ao nosso quadro constitucional, os direitos de uma defesa que não sabe de quem é que tem de se defender, na medida em que não conhece nem a voz, nem a imagem, nem a identidade, não tendo, portanto, quaisquer condições de demonstrar que aquela testemunha, por exemplo, é fictícia.
É esta dificuldade que gostaria que suscitasse um pouco a nossa reflexão.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, naturalmente que não posso senão concordar com várias das afirmações que V. Ex.ª fez. Este tipo de criminalidade põe hoje questões que, felizmente, no nosso país nada têm a ver com os exemplos que deu, mas nós temos de antecipar acontecimentos e pode haver organizações criminosas com que possamos vir a ser confrontados, até de países terceiros, não tem que ver com organizações criminosas internas.
Portanto, no fundo, a minha resposta é um pouco a que acabei de dar ao Sr. Deputado Francisco Peixoto, do CDS-PP.
Nós fizemos um esforço - enfim, os autores estão sempre convencidos de que o seu esforço foi coroado de êxito, e eu também estou convencido disso - criando, precisamente, esse incidente para que, perante um advogado nomeado só para isso, se pudesse, no fundo, avaliar aquilo que referi, que é a questão de a testemunha ser credível ou não e se não será, talvez, necessário - não o é, no nosso ponto de vista - que seja o advogado do arguido directamente, porque aí estaríamos com «o gato escondido com o rabo de fora» e iríamos colocar, até, o advogado do arguido em situações em que não o devemos colocar, como é óbvio! Ele teria de manter oculta, perante o seu cliente, a identidade daquela pessoa. Não vamos acreditar nisso nem vamos colocar os advogados nessa situação.
Assim, penso que isto tem de ser criado, mas, naturalmente, como já disse, estamos inteiramente abertos a melhorar, na especialidade, o sistema, adiantando eu que vou mais pela via que o Sr. Deputado do CDS-PP traçou - embora na proposta de lei seja dito que é só para casos de terrorismo, de criminalidade altamente organizada, etc. - ou seja, trabalharmos para poder restringir nalguns casos as medidas mais gravosas e a med)da mais gravosa é, obviamente, a da ocultação da identidade. É aí que está, efectivamente, o nó da meada que, juntos, teremos de deslindar.
Mas, Sr. Deputado, devo dizer-lhe uma coisa: ainda na última reunião do Conselho de Ministros da União Europeia estivemos a discutir esta matéria - aliás, não sei se já chegou às mãos dos Srs. Deputados, mas enviámos um conjunto de elementos que tínhamos disponíveis, de direito comparado, para podermos colaborar com os Srs. Deputados neste estudo - e estou convencido de que, em certos casos (tal como o exemplo dado pelo Sr. Deputado, naturalmente extremo, das «mafias» russas), a não ser

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