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5 DE MARÇO DE 1999 2065

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, esta proposta de lei, tal como outras que o povo português teve ó bom senso de rejeitar ao longo desta legislatura, mais não faz do que tentar remendar, com apressadas afirmações de princípios e precipitações impositivas, a incapacidade de promover as reais transformações de que a sociedade necessita, tendentes a uma maior igualdade entre homem e mulher. Como se, com uma simples penada se conseguisse decretar a sociedade ideal - ilusão ou auto-ilusão de mudar o mundo com uma caneta - desculpabilizadora da não promoção das reformas necessárias à evolução das mentalidades e dos comportamentos sociais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, o meu partido não apoia o presente projecto lei, mas está aberto a alternativas, que deveriam ter precedido a presente proposta de lei, designadamente o aumento gradual e com objectivos percentuais concretos da participação das mulheres na vida pública através da auto-regulação das forças políticas, eventualmente pactuado entre elas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje debatemos e vamos votar está bem construída e o seu conteúdo não ataca qualquer valor fundamental, pelo que não fere as consciências, por mais susceptíveis que sejam.

Vozes do PSD: - Ah!

A Oradora: - Mas, ao que parece, vamos perder esta votação.

Vozes do PSD: - Ai é?!

A Oradora: - Pelas mais variadas razões, mas que, no plano dos argumentos, podemos reduzir a três grandes núcleos: dizem uns que as mulheres precisam de mais condições; dizem outros que as mulheres pouco se interessam por política; diz-se ainda que a adopção de uma quota seria humilhante para as mulheres. Primeiro, é verdade: as mulheres, precisam de mais condições para participar a todos os níveis de decisão, nomeadamente política, que é aquilo que estamos a tratar. Precisamos de mais tempo na divisão das tarefas domésticas, menos preocupações no cuidado dos filhos e de familiares idosos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Esta batalha que travamos hoje só terá consequências positivas se, no futuro, for seguida por esforços concretos nesse sentido. Não refiro o actual acesso à instrução porque, nesse plano, a nossa democracia funciona razoavelmente, pois que a percentagem de jovens mulheres na universidade é já, em alguns casos, superior à dos homens. Mas não nos iludamos com uma miragem mecanicista. A percentagem de mulheres com cursos superiores não significa que elas irão ficar em condições de igualdade para disputar cargos de chefia, posições nos partidos e na esfera política.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - Se é certo que a nossa sociedade cultiva o mérito, fá-lo mais como imagem e projecção do que como realidade assumida. O mérito não é suficiente quando se trata de atribuir posições de poder. Neste caso, o mérito não é suficiente quando existe - como no caso das mulheres e noutros grupos sociais - uma teia de conscrições que não é menos paralizante por ser pouco visível. Algumas dessas conscrições resultam do reflexo que tem no espírito das mulheres o sistema dos valores ditos masculinos e femininos em que vivemos.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

A Oradora: - A auto=inibição é um factor que tem sido apontado como uma das explicações para a situação actual. Mas porque se inibem as mulheres na sua aproximação aos partidos políticos? Aqui entroncamos num outro ponto, que referi em segundo lugar. Em muita da argumentação está subjacente a ideia de que as mulheres são essencialmente diferentes dos homens e que; se é verdade que a presença delas na política é importante, elas representam a esfera predominante emotiva, afectiva, etc., enquanto aos homens cabe o racional, o que é estável, o que é forte, etc. As mulheres realizar-se-iam na esfera da vida privada; aos homens, caberia a esfera pública. Em suma, algumas mulheres na política sim, mas como uma espécie de sal e pimenta, poucas, como tempero, não como substância. Portanto, qualquer aumento do número de mulheres, neste caso, através de uma quota, estragaria a ementa!
Creio que qualquer argumentação baseada na ideia de que as mulheres são essencialmente diferentes nos desvia do verdadeiro cerne do problema. Não estamos aqui a defender a maior participação das mulheres prometendo que elas irão fazer muito melhor do que os homens. O cerne da questão encontra-se no próprio conceito de democracia. A questão básica é fundamental em democracia: é a da representação. Isto tem a ver com a distribuição equilibrada dos vários grupos sociais pelos vários níveis que preparam, emitem e executam as decisões políticas. Mas se a participação de um grupo se baseia na suposição de que os indivíduos que o compõem têm, de forma inerente, diferentes capacidades intelectuais ou emocionais - de acordo com o seu sexo, ou com a sua raça ou grupo étnico - isso significa que estamos a introduzir na ideia de democracia um princípio de contingência, como diria Robert DahI, muito perigoso. O que está em causa é o princípio democrático segundo o qual os indivíduos na sua condição (que inclui o género e a cor da pele) têm o direito a tomar parte em decisões que - afinal de contas - afectam as suas próprias vidas. Mesmo que não seja para trazer a «salvação» ou para fazer «melhor» que os outros - mas para fazer, eventualmente, o mesmo.
Terceiro e último argumento: a introdução das quotas seria humilhante para as mulheres, porque elas conseguiriam chegar lá, mais cedo ou mais tarde. Se possível, é claro, mais tarde... Depois seria, eventualmente num futuro longínquo, tarde demais...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Permita-se-me uma nota pessoal. Há 25 anos, quando voltei para Portugal na sequência do 25

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