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sexta-feira, 12 de Março de 1999
I Série - NÚmero 58
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
VII LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE MARÇO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Maria Luísa Lourenço Ferreira
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr. Deputado Falcão e Cunha (PSD) manifestou a sua preocupação pela situação da TAP e criticou a política que o Governo ali tem desenvolvido, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP).
O Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa (PSD) chamou a atenção da Câmara para o atraso nos pagamentos aos beneficiários do Centro Regional da Segurança Social do Porto e, depois, respondeu aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Afonso Lobão (PS).
Foi aprovado o voto n.º 148/VII - De pesar pelo falecimento de Luís Villas-Boas (PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes). Intervieram, para além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), José Niza (PS), Vieira de Castro (PSD), Luis Queiró (CDS-PP) e Octávio Teixeira (PCP), tendo, no fim, a Câmara guardado um minuto de silêncio.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 37 a 41 do Diário.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 604/71 - Revoga as leis da regionalização (CDS-PP), que foi rejeitado. Pronunciaram-se, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Queiró (CDS-PP), João Amaral (PCP), Álvaro Amaro (PSD), José Junqueira (PS), Gonçalo Ribeiro da Costa e António Brochado Pedras (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).

Foram debatidos, conjuntamente, na generalidade a proposta de lei n.º 162/VII - Altera os artigos 17. º e 18. º do Regime dos Despedimentos Colectivos, consagrado no Regime Jurídico da Cessaçáo do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que foi aprovada, e o projecto de lei n.º 388/VII - Altera o regime dos despedimentos colectivos (PCP), que foi rejeitado. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes), os Srs. Deputados Alexandrino Saldanha (PCP), Jorge Rato (PS), Moura e Silva (CDS-PP) e Hermínio Loureiro (PSD).
Foram aprovados o projecto de resolução n.os 124/VII - Alargamento das atribuições da Comissão Eventual de Inquérito às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma de Estradas (PS), a proposta de alteração do objecto do inquérito parlamentar n.º 8/VII (Apreciação de actos dos Governos do PS e do PSD envolvendo o Estado e grupos económicos), apresentada pela Comissão Eventual de Inquérito e o projecto de resolução n.º 109/VII - Relativo à adopção de medidas contra a deslocalizaçâo de empresas (PCP).
Na generalidade, foram aprovados os projectos de lei n.os 598/VII - Garante aos pais e encarregados de educação melhores condições de participação na vida escolar e de acompanhamento dos seus educandos (PCP) e 632/VII - Reforça as garantias do direito à saúde reprodutiva (PCP) e foi rejeitado o projecto de lei n.º 552/VII - Planeamento familiar e saúde reprodutiva (PSD).
Em votação final global, foram aprovados o texto final da Comissão de Saúde relativo ao projecto de lei n.º 580/VII - Programa especial de acesso aos cuidados de saúde (PCP) e os textos fi-

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nais da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, um, relativo à proposta de lei n.º 213VII - Altera a Ler n.º 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República) e ao projecto de lei n.º 584/VII - Redução do período de campanha eleitoral e de prazos para a marcação de eleições e alargamento do dever de neutralidade das entidades públicas (PSD), e outro, relativo ao projecto de lei n.º 518/VII, Alarga a aplicação dos princípios reguladores da propaganda e a obrigação da neutralidade das entidades públicas à data da marcação das eleições (PCP).
For ainda discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 231/VII - Atribui às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação de trabalho, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, os Srs. Deputados Odete Santos

(PCP).
Barbosa de Oliveira (PS).
Pedro Feist (CDS-PP).
António Rodrigues (PSD).
José Reis (PS) e
Moura e Silva (CDS-PP).
As propostas de lei n.os 226/VII - Aumenta de três para quatro anos a duração máxima do mandato dos titulares de corpos gerentes de associações sindicais e 227/VII - Assegura a informação e consulta dos trabalhadores em empresas ou grupos de empresas transnacionais, regula a instituição de conselhos de empresa europeus ou de procedimentos simplificados de informação e consulta em empresas e grupos de empresas de dimensão comunitária foram debatidas, na generalidade, em conjunto, tendo intervido, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP).
Arménio Santos (PSD).
Barbosa de Oliveira (PS) e
Moura e Silva (CDS-PP).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

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O Sr. Presidente: .- Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.

José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bemardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.

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Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmem Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos que deram entrada na Mesa, bem como das respostas recebidas.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nas sessões plenárias de 4 e 5 de Março, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Victor Moura; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Hermínio Loureiro e Castro de Almeida; aos Ministérios da Justiça e das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Carmem Francisco, e ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Antonino Antunes.
Entretanto, o Governo respondeu, nos dias 8 e 9 de Março de 1999, aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: João Amaral, nas sessões de 7 de Outubro e 27 de Janeiro; Alexandrino Saldanha, no dia 1 de Fevereiro, e Lino de Carvalho, na sessão de 10 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para intervir sobre assuntos de interesse político relevante, os Srs. Deputados Falcão e Cunha e Pedro da Vinha Costa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como cidadão e como português, mais até do que como Deputado, preocupa-me, e muito, a situação da TAP.

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É uma empresa particularmcnte importante, à qual todos nós dispensamos sempre uma especial atenção. Por melhores ou piores razões, com justiça ou sem ela, a TAP, tem sido, ao longo dos anos, motivo de crítica, de elogio e, sobretudo, de discussão, na opinião pública.
Nos últimos tempos, a TAP tem sido notícia, sobretudo, em atenção ao seu futuro, à sua recuperação económica e financeira e à necessidade de se preparar para as exigências de competitividade do futuro.
Em obediência a estes princípios e objectivos, o Governo anterior elaborou e conseguiu fazer aprovar um importante plano estratégico de saneamento económico e financeiro da TAP. Tratouse de preparar, discutir e aprovar um grande programa de intervenção, que assegurasse um futuro competitivo para a empresa.
Houve, então, vontade política de encarar um problema e de encontrar para ele uma solução. Não foi fácil, mas foi decisivo e determinante esse momento. Cá dentro e em Bruxelas, a capacidade de decidir veio ao de cima, a vontade de agir prevaleceu e o Governo teve a coragem de avançar. Avançou para um investimento de 180 milhões de contos para a recuperação e o saneamento financeiro da TAP, de acordo com um plano sério, consistente e firndamentado. Havia metas a atingir, resultados a alcançar e objectivos a concretizar.
Foi a última oportunidade para tomar uma decisão desta envergadura. A alternativa era nada fazer, tudo adiar, virar as costas às dificuldades, fingir que o problema não existia.
O Governo de então preferiu o difícil ao fácil e a exigência à facilidade. Preferiu, numa palavra, ser factor da solução e não factor de agravamento do problema. É que a verdade é esta, nua e crua: nada fazer, nessa ocasião, ou tomar apenas medidas de remendo ou de paliativo, era, objectivamente, contribuir para agravar um problema, que já era grave e, a prazo curto, se tornaria irreversível.
Mas mais: houve, então, a coragem de destinar 180 núlhões de contos para investir numa só empresa. É certo que é uma empresa decisiva, mas, de qualquer forma, uma única empresa.
Também aqui foi preciso coragem e vontade política, porque, num país em que o dinheiro é sempre pouco e as necessidades sempre muitas, apostar 180 inilhões de contos na recuperação de uma só empresa era, para um país como o nosso, -uma opção corajosa e de grande envergadura
Seria mais fácil investir esses milhões no que dá mais nas vistas, no que dá votos ou, simplesmente, em obras que todos os dias os portugueses reclamam. Seria mais fácil, mas não seria, nacional e socialmente, correcto.
Foi, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a última oportunidade para decidir em favor da TAP. Considero histórica essa decisão.
Só que o País mudou de governo e, com isso, mudou de política. O que sucedeu, então, a partir da posse deste Governo? Nesta como noutras áreas, sucedeu o pior. Abandonou-se, na prática, o plano que, antes, tinha sido aprovado e passou-se a viver, no que à TAP diz respeito, a política da confusão, do ziguezague e do adiamento, escondendo, porventura, muitas vezes, uma guerra de protagonismos entre a tutela e a administração da empresa.
Hoje, a TAP vive momentos de angústia, de preocupação, de conflito e de confusão maiores do que vivia antes de o plano de 1994 ter sido aprovado. Angústia para os seus trabalhadores, que são milhares e nos devem merecer atenção particular; preocupação para todos os portugueses, porque a TAP é de todos e o dinheiro público vem do

bolso de todos os contribuintes: conflito que, todos os dias, salta aos olhos da opinião pública e que consome energias que deviam estar concentradas no objectivo essencial, e confissão, porque a isso conduziu a nova política, ou a falta de política, deste Governo.
Considero leviana e irresponsável a situação a que este Governo deixou chegar as coisas.
Hoje, em consequência de tamanha leviandade e irresponsabilidade, há três realidades que estão, infelizmente, a marcar a vida da TAP: a falta de firmeza do Governo e da Administração para defender o interesse nacional; a descaracterização da empresa e a sua desvalorização.
São graves os factos que comprovam estas realidades.
O Grupo Swissair, escolhido pelo Governo como parceiro estratégico para a TAP, ainda não tomou posição no seu capital social e, todavia, já manda, já decide e já coloca em marcha um plano de acção que, na prática, significa a descaracterização da empresa como uma grande transportadora de interesse nacional estratégico.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Factos como a entrega do seu sistema de reservas de passageiros a uma participada da Swissair, problema que eu próprio aqui coloquei em Fevereiro de 1998, o encerramento de balcões de atendimento da TAP no estrangeiro e a sua substituição por outros de empresas suas concorrentes e o desvio de passageiros para outras companhias são motivo de forte preocupação, factor de descaracterização da Companhia e razão de uma degradação que se acentua a um ritmo perigoso e inaceitável.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como também não é aceitável a estratégia que está em marcha, de desvalorização acelerada e acentuada da TAP.
Veja-se toda a acção que está em curso para atingir os pontos fortes da Companhia; veja-se o que está a suceder com o encerramento de importantes e rentáveis linhas aéreas da TAP, como as do Canadá, e veja-se o espectáculo inquietante que é, sobretudo, o processo, o modo e o objectivo em torno da avaliação da TAP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqui, quanto à avaliação da empresa, a situação começa a atingir foros de escândalo - e só faltará vermos que o avaliador seja o próprio possível comprador! De avaliação em avaliação, sempre para menos, sempre para baixo, o que está a suceder é simples, é claro, mas é grave. A Swissair, com a conivência da Administração da TAP e do Governo socialista, está a desnatar a TAP para, a seguir, lhe atribuir um valor de avaliação baixo e para, no final, pagar por uma posição importante no seu capital muito menos do que realmente deveria pagar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Numa palavra, Portugal está a vender a TAP ao desbarato.
Tudo isto é, feito à custa do dinheiro dos contribuintes portugueses. Nada disto é admissível ou tolerável. Tudo isto está, contudo, a suceder. O Governo e a Administração da TAP não estão a defender, como deviam, o interesse da Companhia e o interesse nacional.

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O problema não está em a Swzssair actuar como está a
fazê-lo. A Swissair está, seguramente, a defender o seu
interesse e ninguém pode criticá-la por isso. O problema
está em que a Administração da TAP e o Governo não
estão a defender o interesse de Portugal, com a firmeza e
a determinação que esta questão exige e reclama. E é isto
que é profundamente criticável, porque é grave e preocu
pante.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Já não chegava este Governo e esta
Administração terem «mandado às urtigas» o plano de
recuperação da TAP, que estava em marcha; já não basta
va este Governo e esta Administração delapidarem milhões
de contos, que são do erário público; agora, assistimos
ainda à delapidação da TAP, à venda ao desbarato do seu
capital e à cedência do interesse nacional perante interesses

que não são nossos, porque não são de Portugal nem dos Risos do PSD.
portugueses.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, quero dar conhecimento à Câmara de que, por proposta do PCP, foi solicitada a presença do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração, do Território na Comissão de Economia, Finanças e Plano, com vista à discussão de todo o processo relativo à TAP, nomeadamente à escolha do consórcio. Isso acontecerá exactamente daqui a seis dias nesta Assembleia, pelo que o Partido Socialista acha um pouco prematura a introdução deste tema e confrontar-se-á com ele nesse local e no próximo dia 17.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deados: O que se passa na TAP é preofinte, como é preocupante a arrogância e a prepotência que a Administração da empresa tem evidenciado.
Pior, porém, é o Governo: não faz, nem obriga a Administração a fazer, a defesa do interesse nacional e do interesse da TAP; pactua com uma Administração que é arrogante cá dentro e permissiva lá fora, e permite, objectivamente, que o presente e o futuro da TAP sejam vistos com angústia e crescente preocupação.
Quando tudo isto, afinal, poderia e deveria ser diferente, havia condições para isso. Desde logo, a própria consciência e sentido de responsabilidade dos trabalhadores da TAP. Ninguém poderá acusá-los de ausência de colaboração, de fuga à verdade ou de falta de espírito responsável e exigente. Para eles, quero aqui, em nome do meu partido, deixar uma última palavra de esperança: não podem resignar-se; não vamos cruzar os braços; não iremos permitir que se assista, de forma impávida e serena, à contínua degradação deste estado de coisas: Bem pelo contrário, vamos reagir e agir, denunciar e avançar - é o que tencionamos fazer.
O Grupo Parlamentar do PSD requereu já ao Sr. Presidente da Assembleia da República um debate urgente sobre o descalabro a que a política do actual Governo está a conduzir a TAP.
É preciso confrontar o Governo com as suas responsabilidades, para que o País - todo ele - tome conhecimento do que está a suceder e para que possa ser possível devolver à TAP um futuro que a empresa e o País merecem.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas eu não pedi ao Partido Socialista para falar por mim...

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, por acaso, não pedi ao Partido Socialista para falar pelo PCP,...

... mas o Sr. Deputado José Junqueiro já adiantou algu-

ma coisa do que eu queria dizer.

O Sr. Presidente: - É a liberdade de palavra, como sabe.

O Orador: - Sr. Deputado Falcão e Cunha, é verdade que há razões sérias para nos preocuparmos com a situação da TAP e há razões suficientes para que a Assembleia da República intervenha neste processo enquanto é tempo.
O que se está a passar nesta matéria, em relação ao que o Sr. Deputado já deu alguns exemplos, é, só por si - e não se conhece tudo -, preocupante, quanto à possibilidade de a TAP se manter, no futuro, como Transportadora Aérea Nacional.
O acordo com a Swissair, no âmbito do chamado Grupo Qualiflyer, está evidentemente a reduzir a rentabilidade da transportadora aérea nacional e a sua imagem e a pôr em causa a garantia e a segurança do futuro dos seus trabalhadores. Há, inclusive, uma série de aeroportos, na Europa; onde os balcões da TAP foram encerrados, onde a própria sigla TAP desapareceu, e há uma evidente degradação da qualidade dos serviços prestados em muitos lados.
Há até quem ponha a hipótese de se estar a assistir a uma estratégia em que o sucessivo processo de desvalorização da transportadora aérea nacional possa levá-la, no seu terminus, a acabar como uma transportadora regional ligada a operadores turísticos, que estariam interessados na própria transportadora aérea.
Há, pois, aqui muitas questões para discutir e muitas questões que o Governo nos tem de esclarecer.
Infelizmente, Sr. Deputado, os tempos passados, aqueles em que o PSD era governo, irão foram tão cor-de-rosa, aliás, tão laranja, como o Sr. Deputado aqui veio dizer, porque foi exactamente nesse período, Sr. Deputado, que se abriu o caminho para a privatização da TAP e se iniciou o processo de desmembramento da transportadora aérea nacional.

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, nós estamos a fazer a história dos tempos de hoje - a história dos tempos passados está feita - e, nesse aspecto, estou de acordo com o Sr. De-

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putado, de que é preciso fazer alguma coisa. Da nossa parte, Sr. Deputado, já fizemos, propondo, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, uma audição, com carácter de urgência, do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, da Administração da TAP e das várias estruturas representativas dos trabalhadores e dos sindicatos.

O Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - O que esperamos, Sr. Deputado, é que o PSD nos acompanhe nessa iniciativa, que já está em curso na Comissão de Economia, Finanças e Plano e que vai ter inicio na próxima semana, e que dessa iniciativa saia - no que também esperamos que o PSD nos acompanhe - a TAP como companhia de bandeira é como transportadora aérea nacional reforçada. Esse é o contributo que temos de dar para esse processo.

Aplausos do PCP..

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quero agradecer-lhe o contributo que deu para o retrato que fiz da situação da TAP e que mereceu, tanto quanto percebi, a sua concordância.
Gostava, contudo, sobre a referência que fez à atitude do governo do PSD ém relação à TAP, de lhe dizer que foi esse governo que fez um plano de recuperação da TAP e que foi capaz, como eu disse, de atribuir 180 milhões de contos a uma única empresa, porque entendeu que a TAP merecia essa defesa.
Sr. Deputado, quanto ao desafio que nos faz para estarmos presentes e participarmos nas discussões que vão seguir-se, com certeza que sim.
Gostava só de lembrar aqui - e o Sr. Deputado Lino de Carvalho recorda-se disso, porque também interveio nesse debate - que, em Fevereiro de 1998, eu próprio perguntei ao Sr. Secretário de Estado dos Transportes se ele não via com preocupação que o «coração» da política comercial da TAP, o seu serviço de reservas, passasse a ser dirigido de Zurique e não de Lisboa. O Sr. Secretário de Estado não me respondeu; o PS também não me respondeu. Por esse motivo, percebi bem a interpelação à Mesa do Sr. Deputado José Junqueiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para intervir sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSIT): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Já muito tem sido dito sobre o chamado «bug do ano 2000». Alguns referem-se-lhe como sendo a causa do tantas vezes anunciado e previsto «fim do mundo».
Não sou um especialista em questões de informática, mas confesso que, perante tantas coisas, e tão contraditórias, que têm sido ditas sobre o « bug ínformático», começo a pensar que, para além de eventuais problemas que possam efectivamente surgir, esse tal de « bug do ano 2000» co-

meça a ser aproveitado, por muito boa gente, como desculpa para todas as insuficiências, deficiências e incapacidades.
Vem isto a propósito de reclamações de inúmeros cidadãos do Porto, que culminaram na denúncia pública, através de vários órgãos de comunicação social, de atrasos de cerca de três meses nos pagamentos do Centro Regional de Segurança Social do Porto. Milhares de cidadãos deste país, tão portugueses como quaisquer outros, com iguais obrigações, mas também com iguais direitos, são obrigados a passar por enormes dificuldades porque a segurança social não cumpre as suas obrigações.
Se aos cidadãos pouco ou nada foi dito, aos órgãos de comunicação social, que deram eco à denúncia desta inacreditável situação, logo apareceu alguém muito solícito a explicar que os beneficiários da segurança social ou, melhor, aqueles que deveriam ser beneficiários da segurança social, mas que, efectivamente, não o são, porque não recebem o que lhes é devido, devem aguardar calmamente, como se o dinheiro que deveriam receber não fosse importante, em muitos casos imprescindível mesmo, para a sua sobrevivência, porque os atrasos, «pequenos», de três meses apenas, se devem ao famigerado «bug do ano 2000».
É verdade, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, vejam lá VV. Ex.as que o maldito do bug ou, melhor, os receios ao maldito do bug levaram os responsáveis da segurança social a tudo fazer para evitar as previsíveis nefastas consequências. Mas, pasme-se, para se evitarem consequências tão lastimáveis como sejam atrasos nos pagamentos após a mudança do milénio, optou-se por antecipar tais atrasos, deixando os pobres e infelizes dos beneficiários da' segurança social sem receber desde já. Como todos sabemos, é muito melhor não receber hoje do que não receber no ano 2000. Eis uma verdade insofismável!
Evidentemente, qualquer cidadão mais incauto estará, agora, a pensar que a situação é igual em todo o País, já que se supõe que a mudança de ano, de século e de milénio se dê para todo Portugal, e o bug, a existir, existirá para todos. Mas não! Desenganem-se os que assim pensam. Pelos vistos, o tal de bug só ameaça o Porto, porque idênticas medidas não foram tomadas no resto do País.
Devo, desde já, confessar que esta última afirmação é uma conclusão minha, que passo a explicar. Ora, por favor, sigam o meu raciocínio: o atraso nos pagamentos deve-se às medidas que foram tomadas para evitar o bug, dizem os responsáveis da segurança social. Ora, se assim é, se tais medidas tivessem sido tomadas para todo o País, então, teriam iguais consequências em todo o País, ou, pelo menos, haveria um qualquer local onde teriam idênticas consequências. Nada disso!

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, há três hipóteses: primeira, só vai haver mudança de milénio no Porto.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - É isso!

O Orador: - Parece pouco viável.
Atentemos, por isso, na segunda possibilidade, isto é, vai haver mudança de milénio em todo o País mas o maldito do bug só vai atacar no Porto. Também não vamos lá assim. O tal de bug, se atacar, atacará em todo o lado.
Resta, pois, uma hipótese, isto é, o milénio muda em todo o País, o maldito do bug, se atacar, ataca em todo o País, mas os responsáveis da segurança social, dando mais

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uma prova da sua inquestionável dedicação e amor às gentes do Porto, «estiveram-se nas tintas» para as terríveis consequências para todo o País e preocuparam-se só, e apenas, com as gentes do Porto.
Os beneficiários da segurança social do Porto estão deliciados com tamanha prova de amor e carinho. Sem receberem o seu rico dinheirinho, que tanta falta lhes faz, mas alegres e contentes perante tanta atenção que lhes é dedicada.
Espero, Srs. Deputados do Partido Socialista, que registem e tomem a devida nota do facto de eu não estar a colocar, sequer, outra hipótese que mentes mais turvas e conturbadas afirmam ser a que se aproxima mais da realidade.
Não, eu não posso acreditar que com o PS no Governo e com os seus boys a atacar no terreno, seja possível que tenha havido erros na inserção, no sistema informático, dos elementos necessários para efectuar os pagamentos da segurança social aos beneficiários do distrito do Porto. É verdade que se tal acontecesse e, mais importante, viesse a ser do conhecimento público, algum boy teria de ser responsabilizado.
Ora, como sabemos, no PS, alguém assumir responsabilidades só se for com a intenção de ser diferente dos demais camaradas. Bom, e se assim fosse, de facto, tendo à «mão de semear» a desculpa do tal bug, talvez alguém não resistisse à tentação de se esconder no armário.
Não, não posso acreditar nesta hipótese, porque se ela fosse verdadeira o Sr. Ministro Ferro Rodrigues seria certamente o primeiro a vir a público esclarecer a verdade. Ele, que é sempre tão solícito a pintar o quadro cor-de-rosa com que tentam anestesiar o País, seria igualmente solícito a esclarecer todo o País, mas principalmente os milhares de cidadãos prejudicados, dizendo que foi cometido um erro mas o seu responsável, mesmo que seja um boy, responderá por tal erro.
Bom, Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados, a verdade é que o Sr. Ministro ainda nada disse quanto ao facto de milhares de cidadãos, os beneficiários da segurança social do Porto, estarem, desde Janeiro, sem receber.
É verdade que, perante a gravidade desta situação, que tantas dificuldades cria a pessoas para. quem a vida já é suficientemente madrasta, o Sr. Ministro se tem mantido calado, como se quisesse que pensássemos que, coitado, nada tem a ver com tudo isto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, o seu tempo já terminou, mas foram-lhe concedidos dois minutos pelo CDS-PP.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Isso funciona!

O Orador: - É verdade que perante uma situação tão preocupaste, tão flagrantemente injusta, tão violadora de importantes direitos de cidadania, o Sr. Ministro assobia para o lado e deixa que, à falta de melhor, se incrimine o tal de bug, que não tem rosto, não fala para se defender repondo a verdade e, mais importante que tudo, não é reconhecido como militante do PS, embora alguns socialistas mais empedernidos não percebam porque é que ainda não se inscreveu, ou sequer participou, nos Estados Gerais. E assim sendo, é difícil, confesso, continuar a recusar esta hipótese, até porque ainda me lembro bem de, há quatro anos atrás, ter começado a ouvir o PS gritar, e prometer, que as pessoas não são, e nunca seriam para o PS, números.

Aguardo, pois, que o Sr. Ministro venha esclarecer esta situação e explicar o que parece inexplicável, isto é, como é possível que a segurança social esteja quase três meses sem cumprir as suas obrigações perante milhares de cidadãos que, ainda por cima, em muitos casos, dependem da segurança social para sobreviver.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Lobão.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, ouvi com atenção a sua intervenção, por isso, gostava de fazer um comentário e, também, de ouvir, da sua parte, uma ponderação àquilo que vou dizer, que, certamente, não é do seu desconhecimento.
O Sr. Deputado sabe que este Governo considerou como prioritária a modernização dos processos administrativos, nomeadamente no que toca à criação de esquemas que permitam a informação mais atempada e transparente aos utentes e beneficiários da segurança social, e sabe, até porque tem sido referido, várias vezes, em sede de comissão, pelos membros do Governo, que, pelo facto de não haver compatibilização entre os vários sistemas informáticos dos vários centros regionais, por vezes, os contribuintes e os beneficiários são prejudicados, exactamente porque a informação não é atempada nem é possível de momento. E o Sr. Deputado sabe que é preocupação deste Governo e do serviços descentralizados da Administração Pública da segurança social, naturalmente, também desenvolverem esforços para modernizar as suas respostas aos beneficiários.
Dou-lhe conta, por exemplo, que a atribuição do subsídio de doença, as prestações familiares e o próprio rendimento mínimo criaram uma carga de trabalho, em termos informáticos, que obriga a que se preparem os meios por forma a responder aos utentes.
Acontece que, para além disso, por força da actualização da informação disponível aos beneficiários e contribuintes da segurança social, o Centro Regional de Segurança Social do Porto arrancou com um trabalho de melhoramento dessa capacidade de resposta. Mas queria dizer-lhe que durante essa modernização, neste interregno, os utentes da segurança social, nomeadamente os beneficiários mais carenciados, sempre tiveram a possibilidade de receber por outros meios, nomeadamente os manuais, os subsídios a que têm direito.
A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, é se não considera que é importante - e basta ver que o vosso projecto de lei de bases da segurança social incide muito na questão da informação aos beneficiários - que a segurança social, que hoje já tem equipamentos informáticos obsoletos, faça um esforço, quer financeiro quer humano, no sentido de Inelllorar a informação aos beneficiários.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, dispondo de um minuto e meio que lhe é concedido pela Mesa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Lobão e meu querido amigo, muito obrigado pela sua questão.

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Vou muito rapidamente analisar alguns aspectos da sua intervenção. Primeiro, não sou eu que digo que há atrasos, quem o diz é um senhor que se chama Martins Alves, Presidente do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social do Norte, que disse, conforme constava no Público de terça-feira: «Foi preciso fazer a passagem de toda a informação que constava na aplicação anterior, mas penso que o novo sistema está concluído e que, agora, é só recuperar os atrasos». Mesmo assim, Martins Alves adianta que não é possível saber o momento em que o processamento estará definitivamente normalizado.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Pode ser amanhã!

O Orador: - Não sou eu quem o diz, é ele!
Segundo aspecto, Sr. Deputado, se eu já estava preocupado com o atraso de que as pessoas estão a ser vítimas, agora, fiquei muito mais, pois esperava que V. Ex.ª estivesse também preocupado com tal facto, mas, afinal, está é preocupado em justificar a burocracia, a incapacidade e a inacção do Governo socialista para responder a esta questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, que há algo mais grave: é que, no debate do Ornamento, o Sr. Ministro Ferro Rodrigues foi questionado sobre eventuais problemas que poderiam resultar do chamado «bug do ano 2000». Sabe qual foi a resposta dele? Recorda-se da resposta, Sr. Deputado? A resposta do Sr. Ministro foi: «Não há problema algum! Está tudo previsto e devidamente tratado»! Vá dizer isso, agora, às pessoas do Porto que, há três meses, não recebem as suas prestações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão e votação, para o que há consenso, do voto n.º 148/VII - De pesar pelo falecimento de Luís Villas-Boas (PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes), importante e ilustre cidadão,que teve um grande papel na difusão da música jazz, e não apenas, que será lido pelo Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
Morreu ontem, com 74 anos, Luís Villas-Boas, o fundador do jazz em Portugal. A ele se deve, como pioneiro, e ao longo de décadas, a introdução e a divulgação, fundamentalmente, da música negra no nosso país.
Fúncionário de uma companhia de aviação, a KLM, cedo começou a voar para Nova Iorque, onde, à noite, se aventurava sozinho no Harlem para ouvir jazz ou para assistir anualmente ao Festival de Newport, onde conheceu e se tornou amigo das maiores figuras do jazz das últimas décadas.
Tudo isso trouxe e implantou em Portugal, a par de milhares de discos, hoje autênticas raridades.
Fundou, em Lisboa, na Praça da Alegria, o Hot Club de Portugal, actualmente o mais antigo clube de jazz da Europa. Ao longo de décadas realizou milhares de programas de rádio e, depois de 1957, foi também ele que levou o jazz e os músicos portugueses à RTP.
A partir de 1971, organizou o Festival de Jazz de Cascais - o Cascais Jazz -, por onde passaram músicos como Duke Ellington, Miles Davis, Ornette Coleman, Dexter

Gordon, Keith Jarrett, Phil Woods, Charlie Hayden ou cantoras como Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan.
Luís Villas-Boas dedicou também à música popular portuguesa, sobretudo a partir dos anos 60, uma grande parte da sua paixão e experiência, tendo tido uma influência determinante na evolução de cantores e compositores.
Como democrata e homem de esquerda que sempre foi, já não poderá comemorar e festejar os 25 anos do 25 de Abril, que o « sew> jazz também ajudou a construir.
Na sua campa do cemitério do Alto de S. João, onde hoje foi a enterrar, ficaria bem o epitáfio «Aqui jazz Luís Villas-Boas.»

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Penso que a morte de Villas-Boas significa a perda, para o nosso país, daquele que é, indiscutivelmente, o pai do jazz em Portugal. Tal facto tem a ver com a sua história pessoal e o seu percurso, o qual se confunde, ele próprio, com o jazz e com a energia imensa que ele dedicou, no nosso país, à sua divulgação.
É bom lembrar que o jazz, no início, era, de algum modo, uma música marginal, uma música maldita, tendo sido Villas-Boas quem teve a capacidade de trazer, para o nosso país, os sons novos que vinham do outro lado do Atlântico: os sons de uma música que era rebelde, os sons de uma música que era de liberdade, os sons de uma música que era de uma imensa criatividade.
Julgo que é essa enorme capacidade de Villas-Boas de criar o Hot Club de Portugal, que tem um papel pioneiro na formação de músicos de jazz do nosso país, a sua capacidade de organizar, em condições que não foram fáceis, o primeiro festival internacional de jazz, em Cascais, o modo intenso e entusiasta com que ele, das mais diversas formas (na sua escrita, nos seus programas de rádio e de televisão), comunicou e fez partilhar o amor pela música de jazz, a forma sempre entusiasmante como apoiou os novos músicos, as suas carreiras e como os acarinhou e, no fundo, aquilo que foi a sua capacidade de transmitir a outras pessoas, durante gerações, o imenso prazer que é a descoberta da música jazz e a partilha desse gosto e dessa imensa descoberta, que é permanente e constante, que demostra o significado da perda desse homem de cultura.
É isso o que a sua morte significa, para Os Verdes. Mas é uma morte que, de algum modo, deixa uma semente: uma escola de jazz e muitos, muitos amantes, que através dele, descobriram, também, esta forma de música.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como disse a Sr.ª Deputada Isabel Castro, Villas-Boas foi o pai do jazz em Portugal. Mas eu diria mais: foi também a alma do jazz em Portugal, porque implantou o jazz numa altura em que, como foi dito também, era música considerada maldita.
Recordaria um episódio que se passou nos anos 60 ou no final dos anos 50, em Coimbra, quando um grupo de estudantes, no qual me incluía, fundou o clube de jazz do Orfeon Académico e pretendeu fazer um concerto de jazz no anfiteatro da Faculdade de Letras. Quando fui falar com o director, um professor catedrático de quem não me recordo o nome, porque a minha memória rejeitou-o, ele

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disse-me: «Não quero aqui, na Faculdade, música de pretos!». Nessa altura, já Luís Villas-Boas fazia programas de rádio e tinha criado o Hot Club.
O jazz é uma música que, hoje, finalmente, singrou por todo o mundo e que se implantou muito cedo em Portugal devido ao Luís Villas-Boas.
Ele começou por criar o Hot Club que é, hoje, o clube de jazz mais antigo da Europa. Por aquele pequeno espaço passaram as grandes figuras da música mundial e eu próprio passei lá muitas noites, ouvindo música e, também, tocando.
Ele fez milhares de programas de rádio, durante décadas, sobretudo com base nos discos que trazia do estrangeiro, pois, como era funcionário de uma companhia de aviação, tinha facilidades nas viagens e sempre regressava a Portugal abastecido de discos.
Aliás, Luís Villas-Boas tem um património incalculável, que ele próprio não conhecia, porque os discos que acumulava em sua casa, numa sala enorme, eram amurados ao contrário do que é habitual,, isto é, eram empilhados, portanto, o disco que estava por baixo, por exemplo, o 157.º, não era acessível. Trata-se, pois, de um património que está perfeitamente inexplorado.
Ignoro qual irá ser o destino desse património que, talvez mesmo a nível mundial, contém raridades espantosas e desconhecidas.
A partir de 1971, Luís Villas-Boas organizou o maior festival de jazz da Europa, o Festival de Jazz de Cascais, a que trouxe todas as grandes personalidades do jazz, passando por Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Miles Davis, Keith Jarrett, etc. Só cá não veio o Bill Evans, mas veio, também, o Louis Armstrong. O Festival de Jazz de Cascais realizou-se durante muitos anos e trouxe muitos estrangeiros a Portugal porque, nessa altura, Cascais, mais do que Paris ou Londres, era o centro do jazz na Europa.
Luís Villas-Boas participou e produziu imensos-programas para a RTP na área do jazz.
Mas há um outro papel que ele assumiu e que é pouco recordado. Na verdade, ele teve uma influência decisiva na evolução da música popular portuguesa a partir dos anos 60, designadamente, orientando e acompanhando cantores, como, por exemplo, Fernando Tordo, Carlos Mendes, Duarte Mendes, Paulo de Carvalho, Carlos do Carmo e, também, compositores da minha geração. Ele teve um papel decisivo na produção de discos, na divulgação deste tipo de música, numa altura em que a música popular portuguesa, que contou também com José Afonso e com Adriano Correia de Oliveira, teve um enorme boo»:. Foi, portanto, uma personalidade de grande relevo do ponto de vista musical.
Como cidadão, Luís Villas-Boas foi, como é dito no voto de pesar que apreciamos, um homem de esquerda, um democrata que muito festejou o 25 de Abril mas que, infelizmente, não terá a possibilidade de festejar, este ano, o 25.º aniversário da revolução.
Luís Villas-Boas era um homem que tinha muitos amigos, que morreu pobre mas que foi muito rico e que muito enriqueceu o nosso país em matéria cultural.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Luís

Villas-Boas. Tenho dele as melhores recordações no plano pessoal, mas são, seguramente, o que, agora, menos importa.
O que verdadeiramente releva é lembrarmos que Luís Villas-Boas tem, indiscutivelmente, um lugar na cultura portuguesa. Ele foi um verdadeiro promotor da difusão da música jazz através da rádio, da televisão, da criação do Hot Club e da organização das sucessivas edições do Festival de Jazz de Cascais.
Ele possibilitou a milhares de portugueses ouvirem aqueles que serão, até hoje, dos melhores intérpretes da história da música jazz. Por essa via, ele criou em milhares de portugueses o gosto pela música jazz que, antes dele, era pouco ouvida e pouco amada.
Neste momento em que lembramos a sua memória, pouco me importa se Luís Villas-Boas era de esquerda ou de direita. O que me importa é que Luís Villas-Boas era um homem de cultura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para uma pessoa que não travou conhecimento pessoal com Luís Villas-Boas e que, ainda por cima, é «duro de ouvido» podia pensar-se não ser fácil manifestar solidariedade por alguém que desaparece. Mas, curiosamente, apesar destas duas circunstâncias, sinto pesar e quero manifestar a minha solidariedade, sobretudo á família enlutada.
Porquê? Por que é que entrou no imaginário de todos nós uma música que já aqui foi classificada como «rebelde» e «marginal», música de liberdade que veio dos Estados Unidos, como disse a Sr.ª Deputada Isabel Castro? Por que é que entrou no nosso imaginário aquele programa 5 Minutos de Jazz?
Na verdade, o jazz, género musical que parece não pertencer ao nosso quotidiano, não é uma música que pertença a toda a gente, mas toda a gente a conhece. E toda a gente a conhece por causa do Luís Villas-Boas.
Recordo perfeitamente a sua cara nos seus programas de televisão, a simplicidade, a familiaridade com que nos entrava pela casa dentro, explicando-nos um género de música de que afinal até acabei por gostar.
É esta dedicação a uma causa estética que penso que deve ser realçada hoje, aqui. Por isso mesmo, nós, Grupo Parlamentar do CDS-PP, associamo-nos ao voto de pesar e manifestamos à família a expressão da nossa solidariedade e do nosso pesar. '

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós nos associamos a este voto de pesar pelo falecimento de Luís Villas-Boas. Depois do que já foi referido, pouco mais haverá a acrescentar.
Para além de Villas-Boas ter sido a pessoa que «abriu as portas de Portugal» ao jazz, de ter sido o grande divulgador do jazz em Portugal, julgo que, pelo menos para as pessoas da minha geração, há algo que nunca poderá ser esquecido: é que foi Villas-Boas que nos mostrou o jazz, a mim a aos da minha geração, que nos disse o que é o jazz e que nos levou a gostar do jazz.

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À falta de mais palavras e para não repetir o que já aqui foi dito, devo dizer que o País, e, muito em particular, a minha geração, muito fica a dever, e deve, a Luís Villas-Boas. Por isso, também aqui deixamos o nosso reconhecimento, a nossa admiração e o nosso profundo pesar pelo seu falecimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como calculam, quem viveu em África e gosta de África não pode deixar de gostar de jazz.
Junto a minha palavra e o meu sentimento às vossas palavras e ao vosso sentimento.
Vamos, pois, passar à votação do voto n.º 148/II - De pesar pelo falecimento de Luís Villas-Boas, subscrito por todos os partidos e que já foi lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar 1 minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, este voto será levado ao conhecimento da família enlutada.
Terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 28 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.
Estão em aprovação os Diários da Assembleia da República, 1.ª Série, n.º 37 a 41, respeitantes às reuniões plenárias de 20, 21, 22, 27 e 28 de Janeiro.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 604/VII - Revoga as leis da regionalização (CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
Enquanto o Sr. Deputado se dirige à tribuna, anuncio que, a assistir aos nossos trabalhos, temos um grupo de 50 alunos da Escola C+S de Marinhais, um grupo de 150 alunos da Escola C+S da Eira de Pombal, um grupo de 70 alunos da Escola E.B. 2 e 3 Dr. José dos Santos Bessa, de Carapinheira, Montemor-o-Velho, um grupo de 15 alunos da Escola Secundária de Alvide, um grupo de 60 alunos da Escola Profissional de Matosinhos e suponho que também já está presente um grupo de 47 alunos da Escola Profissional de Salvaterra de Magos, os quais, se ainda não estão presentes, chegarão em breve.
Saudêmo-tos carinhosamente.

Aplausos gerais, de pé.

Sr. Deputado Luís Queiró, faça favor.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a apresentação desta iniciativa legislativa de revogação da Lei-Quadro das Regiões Administrativas, de 1991, e da Lei de Criação das Regiões Administrativas, de 1998, o CDS-PP conclui, hoje, uma fase importante do

processo que iniciou com a apresentação do seu projecto de revisão constitucional, em 1996, no qual se propunha a eliminação das regiões da Constituição da República Portuguesa.
Os portugueses rejeitaram a regionalização por uma maioria significativa de votos, mais de 60%, no referendo do dia 8 de Novembro do ano passado. Isto significa, para nós, que o povo português foi sensível às dúvidas que nós e outros oportunamente colocámos, cuja interpretação pelos partidários das regiões foi, na altura, completamente distorcida, mas que se veio a revelar fazerem todo o sentido.
Mas é bom que todos tomemos verdadeiramente consciência de que os portugueses, perante as nossas e outras dúvidas, disseram «não» à regionalização em ambas as perguntas. Não é possível que a Assembleia da República ignore por mais tempo esta realidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por isso, vamos, hoje e aqui, dar corpo e consequência à vontade popular.
Façamos, então, um pouco de história sobre o que foi o segundo referendo da democracia portuguesa.
Foram aprovadas, nesta Assembleia, as duas perguntas a fazer aos portugueses: uma para dizerem se queriam ou não a criação, em concreto, de regiões, outra para responderem se concordavam ou não com a região da sua área de recenseamento, definida de acordo com o mapa aprovado pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista Português.
Nos termos da Lei do Referendo, foi o Tribunal Constitucional consultado sobre a conformidade das perguntas com a Constituição, tendo-se este pronunciado - e passo a citar - que «é das concretas regiões administrativas criadas pela Lei n.º 19/98, com os órgãos e poderes defi-nidos pela Lei n.º 56/91, que se está a falar - não das regiões administrativas que cada um idealize, nem do princípio da regionalização em si mesmo».
Embora seja o entendimento de muitos - e é, também, a nossa convicção - que o povo português se opôs à regionalização e não apenas a este seu modelo concreto, a verdade é que, neste referendo, o Tribunal Constitucional considerou que o que estava em causa era esta regionalização, a que foi proposta, e não outra qualquer. Isto é, se a primeira pergunta - «sim» ou «não» às regiões - fosse feita isoladamente, então, o referendo seria inconstitucional, por não se poder referendar uma matéria que está consagrada na Constituição.
Ora, sendo este o enquadramento que o próprio Tribunal Constitucional deu ao alcance e ao sentido do referendo, a grande questão é esta: que sentido faz manter no ordenamento jurídico aquelas duas leis que enformam o modelo de regionalização que foi recusado pelos portugueses?
São estas duas leis que se devem considerar jurídica e politicamente mortas e que, portanto, temos a responsabilidade de revogar pela forma própria.
Para nós, a questão é muito simples: leis que se mantêm no ordenamento jurídico são leis para cumprir e o cumprimento das leis em causa foi tornado inviável pela vontade popular. Logo, revoguem-se essas leis, pois, para nós, é inadmissível mantê-las formalmente vivas apenas para dar testemunho de uma regionalização que alguns quiseram mas que o povo, maioritariamente, não quis.
A não ser que, para o Partido Socialista - e talvez, também, para o Partido Comunista -, agora, também a vontade popular se tenha transformado numa «força de bloqueio» daquilo que pomposamente classificaram de

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«refonna do século», mas que se veio a revelar a derrota política do ano.
É inteiramente oportuno recordar aqui a voz autorizada do Sr. Deputado José Magalhães, até porque ele não está presente hoje, que:, perante o cenário que se veio a verificar, de uma abstenção superior a 50%, definia, com precisão e «semaforicamente», alguns cenários do pós-referendo, dos quais referiremos apenas os que são actuais.
Dizia ele que se houvesse mais votos «não» do que «sim» à primeira pergunta, acender-se-ia um sinal vermelho. E continuava o Sr. Deputado - e cito: «O «não» é vinculativo. A regionalização não se faz contra a Constituição e o processo terá de recomeçar do zero».
Se houvesse mais votos «não» à primeira pergunta, mas o «sim» ganhasse em algumas regiões acender-se-ia novamente um sinal vermelho. Cito, novamente, o Sr. Deputado José Magalhães: «Os "sim" à segunda pergunta serão abortados pelo "não" geral. É como dizer: "Não gosto de carne mas quero um bife"»:
Pois bem, Sr. Deputado José Magalhães e Srs. Deputados do Partido Socialista, têm VV. Ex.as inteira razão. É este começar do zero que aqui vos trazemos.
E começar do zero implica não só revogar a Lei de Criação das Regiões Adnúnistrativas, porque os portugueses recusaram o mapa com que os senhores queriam dividir o País. como, de igual modo, revogar a Lei-Quadro das Regiões Administrativas, porque recusaram aquelas regiões, com aqueles órgãos, com aquelas atribuições e com aqueles poderes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já ouvimos dizer que, sendo a descentralização e o reforço do municipalismo a nossa opção à regionalização, todavia, não apresentámos ainda quaisquer medidas concretas para a levar a cabo.
Não deixarei de responder de duas formas.
A primeira, salientando ao Partido Socialista que quem é Governo - ao menos, por enquanto = são os senhores, não somos nós. É muito fácil, nesta como noutras áreas, nada fazer para não errar ou para se furtarem a tomar as medidas necessárias e por vezes impopulares que sempre estão associadas à governação.
A segunda é recordando que a 4.ª Comissão deste Parlamento está a apreciar, já há longos meses, um conjunto de iniciativas legislativas alternativas à regionalização, não só nossas como de outros partidos da oposição.
E, já agora, quero dizer que acabámos de dar entrada na Mesa a um projecto de lei de deslocação da sede do Tribunal Constitucional para Coimbra e da sede do Banco de Portugal para o Porto, através do qual, ainda que simbolicamente, pretendemos duas coisas: por um lado, dar corpo a uma estratégia descentralizadora de instituições com um estatuto de marcada especificidade e independência, localizando em cidades diversas da capital a sua sede, naquilo que constitui um modo específico de desenvolver e concretizar a descentralização do Estado; por outro, dar um passo e um contributo positivos no funcionamento e na respiração multipolares do País.
Não gostaria de finalizar a minha intervenção sem tecer algumas considerações sobre a questão da eventual ínconstitucionalidade da revogação da Lei-Quadro das Regiões Administrativas, proposta no nosso projecto de lei.
Não se vê em que é que,a revogação da Lei-Quadro de Criação das Regiões Administrativas pode pôr em causa a garantia institucional - e constitucional, acrescentamos nós - das autarquias locais pela extinção da sua dimensão
regional.

Nós não estamos a extinguir a autarquia local região administrativa, pois ela continua na Constituição. Nós não estamos a revogar a norma que diz que a autarquia local região é composta por um órgão deliberativo colegial e por um órgão executivo colegial, porque também estas normas estão na Constituição.
Esta não é uma tentativa de revisão constitucional por lei ordinária, como já pude ler nos jornais de hoje.
O sistema político-constitucional viveu 23 anos sem concretizar as regiões que quis consagrar na Constituição, em 1976, o que vale por dizer que vivemos todos estes anos sem que, por isso, elas tivessem saído da Constituição.
A nós não nos preocupa que elas lá estejam - pelo menos, até à próxima revisão ordinária da Constituição contanto que lá permaneça também aquilo que, para nós, é uma verdadeira cláusula de salvaguarda - o referendo.

O Sr.º Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Face às dúvidas de constitucionalidade levantadas, porém, ficamos sem saber qual é o problema da revogação da Lei-Quadro das Regiões Administrativas.
É o de a Lei-Quadro de 1991 ser uma lei de valor reforçado?
Pois que se vote esta lei, que aqui propomos, como se votam as leis de valor reforçado. Ninguém, com certeza, defende que as leis de valor reforçado, só pelo facto de o serem, têm atestado de perenidade na ordem jurídica!
Aquilo que queremos é retirar do nosso ordenamento jurídico normas que se encontram caducas, mortas, vazias, recusadas que foram pela vontade maioritária do povo português.
Aquilo que queremos é dar desfecho a esta questão, que é uma questão jurídico-política, pois foi neste campo que ela se pôs e é neste campo, particularmente no da interpretação da mensagem clara, que o povo português nos transmitiu no dia 8 de Novembro de 1998, que ela deve ser resolvida.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto do Partido Popular serve para provar que o tempo continua a ser em Portugal um bem de baixo preço. Ou, pior ainda, serve para provar que é sempre tempo no PP para voltar ao tempo da brincadeira e neste caso a brincadeira é jurídica.
O PP quer que a Assembleia da República vote a eliminação da criação das regiões administrativas. Claro que o PP sabe que isso só pode ser feito em sede de revisão constitucional, porque é aí, no texto constitucional, que está prevista a criação das regiões.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Não é verdade! Isso é uma brincadeira jurídica!

O Orador: - Como não está em condições de apresentar um projecto de revisão constitucional extraordinária, já que sabe que tal projecto provocaria no País uma gargalhada universal, geral e gratuita, então o PP tenta chegar a um resultado político semelhante por via da lei e como se diz em linguagem técnico jurídica que o Sr. Deputado Luís Queiró usou, por via da lei ordinária.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Aqui está, portanto, a lei ordinária que o PP propõe.

Risos do Deputado do PS José Junqueiro.

O Orador: - O que torna ridículo este projecto do PP de lei ordinária é a insanável contradição em que vive.
O projecto propõe duas revogações: a da lei-quadro e a da lei de criação.
A primeira revogação tem relevância jurídica, só que é juridicamente impossível; a segunda revogação, ao contrário, seria juridicamente possível, mas sofre da síndroma da absoluta irrelevância.
De facto, a revogação da lei-quadro teria a relevância - relevante relevância - de criar um vazio jurídico, mas a Constituição não o permite porque continua a prever a criação das regiões. Se o PP quer agora pegar nesta matéria, então proponha alterações à lei-quadro e então isso é que teria, realmente, muita, muita graça!
Quanto à revogação da lei das oito regiões, é óbvio que pode ser revogada. Só que isso é o mais inútil de todos os actos inúteis, porque o referendo já se encarregou de, em sete das oito regiões, as rejeitar na fórmula proposta.
Esta proposta do PP levanta dois problemas, o primeiro dos quais é o seguinte: será adequado à vontade popular, que o PP invocou da Tribuna, revogar esta lei na parte em que se refere 5 região que o eleitorado apoiou maioritariamente?
O segundo problema é ainda mais curioso: é o de que os Deputados podem votar com inteira liberdade.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Ora bem!

O Orador: - Podem por isso votar contra a revogação da lei. E a questão é esta: que ilação tira daí o PP? Acha que assim, se fosse rejeitada a revogação, já podiam ser instituídas as oito regiões?

Risos da Deputada de Os Verdes Isabel Castro.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É que, se essa é a ilação do PP, então vamos ter de concluir que o PP apresentou este projecto para tentar retomar o processo de regionalização e logo com as sete regiões que os portugueses rejeitaram!

Risos dos Deputados do PS José Junqueiro e Maria Celeste Correia, e de Os Verdes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Claro que pelo meio lá está sempre o PP nestas hesitações: se há-de enterrar o CDS ou se o há-de fazer reviver. Ver o PP a propor a revogação da lei-quadro aprovada pelo CDS em 1991 é sempre um grande gozo para este Parlamento.
Ando, pessoalmente, a organizar uma lista das leis do CDS que o Dr. Portas quer revogar, mas ando também a fazer a lista das leis do Dr. Monteiro que o mesmíssimo Dr. Paulo Portas também quer revogar.

Risos da Deputada do PS Maria Celeste Correia.

E já comecei a fazer a lista das leis do Dr. Paulo Portas que o líder seguinte irá querer revogar.

Risos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acho que este momento de humor com que, saudavelmente, o PP brindou o País já chega.
Quanto à regionalização, voltaremos a falar nisso daqui a uns anos, se for caso disso.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Muitos, muitos! Nós não sabemos quantos, nem os senhores!

O Orador: - Agora - e como diria um certo cavalheiro... -, por favor, «deixem-nos trabalhar».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª tem aqui, na Assembleia da República, esse estatuto que é o de ter graça de vez em quando.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Nem sempre consegue!

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa não teve graça nenhuma!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado José Magalhães,...

Vozes do PS: - João Amaral.

O Orador: - ... desta vez devo dizer-lhe que não conseguiu esse estatuto de ter graça e demonstrou, sobretudo, uma grande ignorância jurídica.
Mas não só não teve graça como demostrou muita ignorância jurídica. No meu entendimento, posso estar enganado, até tinha a ideia que nos tínhamos licenciado na mesma escola, onde nos ensinaram que as leis que estão em vigor são leis para cumprir. Está a perceber, Sr. Deputado? São para cumprir! Leis que estão regularmente publicadas, que não estão feridas de inconstitucionalidade, que estão em vigor, que não estão revogadas, nem expressa nem tacitamente, por outra lei, são para cumprir!
Portanto, Sr. Deputado José Magalhães,...

Vozes do PS: - É o João Amaral.

O Orador: - ... se esta lei, como o senhor diz, não é para cumprir e nessa medida a sua revogação é uma perda de tempo,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa teve graça!

O Orador: - ... nós não entendemos assim e afirmamos que estas duas leis têm de ser, expressamente, revogadas. Recordo, Sr. Deputado, que o Tribunal Constitucional foi muito claro ao dizer que o que estava em referendo na última consulta popular era o modelo de regionalização e as regiões com aquela configuração geográfica, com aqueles órgãos, com aquelas competências e com

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aquelas atribuições. Logo, se foi esse modelo de regiões, com esse mapa, com essa divisão geográfica, com esses órgãos, com esses poderes e com essas atribuições, são essas leis que enformam juridicamente esse mapa e esses órgãos e essas atribuições, que têm de ser, expressamente, revogadas pela Assembleia da República.
Sr. Deputado, como é evidente, nunca tive qualquer expectativa de que V. Ex.ª revogasse essa lei. Aliás, não posso esquecer o que diziam aqui alguns representantes do seu partido e não sei mesmo se o Sr. Deputado João Amaral de que o que era preciso era que se este referendo não desse o «sim» à regionalização ter-se-iam de fazer tantos referendos quanto os necessários até que a regionalização se fizesse, cumprindo, assim, o vosso determinismo histórico.
A regionalização tem de se fazer, está no zénite da vossa história, logo fazem-se tantos referendos quantos os necessários - e V. Ex.ª confirme-me se era isso que diziam, se bem me recordo, os Deputados do Partido Comunista Português.
Para terminar, Sr. Deputado João Amaral, quero dizer-lhe que admito que lhe dê às vezes algum gozo fazer um périplo pela história recente do meu partido relativamente a algumas propostas, mas, Sr. Deputado - e nunca falei disto na Assembleia -, que gozo que às vezes me dá fazer um périplo pela história do vosso partido e, então, pensando em si ainda me dá mais gozo. Ir à história recente, ir às posições que os senhores assumiam, há uns anos atrás, sobre questões internacionais, ao cerco da Constituinte, eu sei lá o quê! O gozo que isso me dá e vê-los aqui, hoje, a defender a democracia parlamentar que na altura atacavam de punho fechado.
Sr. Deputado, sabe que a história de cada um é sempre uma história imperfeita, mas ainda bem que assim é e eu não sei porquê mas suspeito que a sua história, no futuro, ainda há-de ser muito mais imperfeita do que é hoje.
(O Orador reviu.)

Risos dos Deputados do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, agradeço que me tenha nomeado pelo meu verdadeiro nome, que, como disse, é João Amaral é porque realmente reconheço que não tive graça, mas consegui confundir o Sr. Deputado Luís Queiró que me chamou José Magalhães não sei quantas vezes.

Risos gerais.

O que tem graça é o Sr. Deputado, que me acusou de ignorância jurídica, confundir-me com um dos mais reputados juristas desta Assembleia. Tem mesmo muito graça!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não tem graça alguma!

O Orador: - Aí teve, de facto, a confissão implícita de que não tem qualquer razão.
O que eu quis dizer na minha intervenção, porque realmente achei muita graça foi uma coisa relativamente simples: é que coisas que não são sérias não devem ser levadas a sério. Portanto, penso que devemos ocupar o tempo

e assistir ao pacote laboral, pois há bastantes coisas a tratar esta tarde, coisas importantes, e convém não perder muito tempo com brincadeiras.
Quanto a esta questão do gozo sobre os partidos devo dizer-lhe que sei que não tenho graça, más deu-me muito gozo ver essa situação que os senhores exibem agora. Ao Sr. Deputado dá-lhe gozo, mas não consegue ter qualquer graça acerca dessa questão.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Para si, sei que não tenho graça alguma!

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No pressuposto de que não é de brincadeira que estamos a falar, tenho a honra de subir à tribuna para dizer de nossa justiça.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não é o mesmo!

O Orador: - A aventura política que constituiu a teimosia socialista no processo de regionalização do País teve um fim inevitável e inquestionável: morrgu de morte certa e solene.
O resultado do referendo sobre esta matéria não deixou margens para dúvidas do verdadeiro sentido da vontade popular e do entendimento dos cidadãos sobre as soluções políticas que lhes estavam a ser colocadas pela aliança entre socialistas e comunistas.
Para utilizar uma expressão da moda, e fruto, também ela, da criatividade de alguns dirigentes socialistas, o resultado do processo referendárìo revelou uma maioria absolutamente inequívoca de portugueses que estavam longe de comungar dos desejos do Governo e do Partido Socialista e que, pelo contrário, se mostraram contrários ao negócio político que o projecto de regionalização representava.
Não espantou, por isso, o tiro certeiro nessa pretensão. E hoje, constatada a morte do aventureirismo, há que formalizar o seu enterro político.
O PSD quer proceder nesta matéria, como de resto procede sempre que estão em causa questões essenciais para a dignidade do Estado e para o futuro da Nação, com sentido de responsabilidade e com o rigor que os factos políticos merecem.
Da mesma forma que durante a campanha para o referendo da regionalização tratámos o problema com a elevação política necessária, com a apresentação de um quadro de soluções alternativas claras, e com a frontalidade de quem discorda das soluções dos nossos adversários políticos, também agora invocamos essa dimensão do exercício político para tirar as inevitáveis consequências do resultado desse referendo sobre a regionalização.
Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há consequências políticas que derivam dos resultados, há que dar cumprimento à expressão da vontade popular.
Não há, em política, barreiras à vontade democraticamente expressa pelos cidadãos. Ela tem de ser capaz de se impor aos formalismos jurídicos, administrativos ou de qualquer outra ordem e, se necessário mesmo, afastá-los.

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O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recusada a regionalização que nos quiseram impor e derrotados os seus promotores, não significa isso que tenham sido afastadas as questões que se colocam ao País, no que respeita à reforma do Estado e à sua organização administrativa. Os pressupostos da mudança necessária mantêm-se. A natureza do problema é óbvia.
O Estado tem de se constituir em instrumento de cidadania e de meio de acesso ao bem-estar social, à justiça, à saúde, à educação e deve organizar-se de forma a melhor cumprir esta dimensão das suas funções.
A identificação do cidadão com os poderes políticos tem de ser aprofundada, não apenas por via das reformas dos sistemas eleitorais, mas igualmente através da reorganização administrativa do Estado e da maior proximidade do poder autárquico, por forma a facilitar a melhor satisfação dos interesses das pessoas e a mais rápida resolução dos seus problemas.
Nestas matérias, no que respeita à natureza do problema, não estará, com certeza, a ruptura de posições entre nós.
O que verdadeiramente nos distingue, onde reside a divergência que os portugueses tão bem dirimiram no referendo, é no domínio das opções e das vias políticas para a reforma do Estado e para a dimensão social da Administração.
E que fez o PS de então para cá? Que ilações tirou da sua derrota regionalista? Que propostas apresentou para combater as disparidades do desenvolvimento? Nada! Absolutamente nada!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Essa é a verdade!

O Orador: - Para o PSp, a solução política assenta na necessidade de reforço da componente municipalista do País e não no aumento desnecessário do pessoal político ainda mais distanciado do cidadão.
A solução política que defendemos, que então apresentámos como alternativa àquela proposta de regionalização, assenta num quadro de valores - o municipalismo - e numa estratégia de acção um programa de descentralização dos órgãos e das funções do Estado.
O PSD sempre entendeu o municipalismo, não apenas como um modelo de organização política e administrativa do território nacional, mas igualmente como o lastro, o cimento cultural que identifica os cidadãos, que os une e mobiliza, e que, simultaneamente, os afirma no contexto da Nação.
O municipalismo é uma referência histórica, que acompanhou a evolução natural do País e do Estado, que é hoje um potenciador de unidade e não de divisão e que cumpre o sentido político de uma aproximação progressiva dos cidadãos eleitores aos cidadãos eleitos e às instituições.
Entendemos, por outro lado, que a representação política se atinge, preferencialmente, pelas freguesias e pelos municípios e que os desafios do desenvolvimento equilibrado, da modernidade e do combate às assimetrias regionais se cumprem pela conjugação de políticas de descentralização administrativa e de combate à desertificação do interior.
Não deixamos a coerência política por mãos alheias, nem rejeitamos as nossas responsabilidades na oposição.
Apresentámos, neste Parlamento, um projecto de lei que, no quadro das nossas opções, pretendia, e pre

tende, avançar decididamente no combate à desertificação do interior do País e estimular o seu desenvolvimento, que o aproximasse, progressivamente, aos padrões e índices do litoral.
Um projecto que, assumindo uma filosofia de discriminação positiva, privilegia o desenvolvimento de infra-estruturas, o estímulo ao emprego estável, o incentivo à instalação de empresas e jovens e ao investimento em actividades produtivas.
São também conhecidas as alternativas políticas que apresentámos à regionalização e que se consubstanciaram num programa de descentralização e de reforço do municipalismo.
Ficou claro que a opção do PSD é pelo reforço das atribuições e competências dos municípios e das associações de municípios, pela valorização das freguesias, pela definição das novas áreas metropolitanas, pela legitimação democrática das actuais Comissões de Coordenação Regional e pela localização de serviços do Estado nas zonas do interior do País.
As nossas opções eram e são distintas das do Governo e dó PS.
A regionalização cozinhada nos corredores da política opusemos a descentralização e o reforço do municipalismo, assumidos pela vontade real dos portugueses.
O PSD deu uma contribuição decisiva para essa derrota política da aventura em que, então, se quis lançar o País.
Mas o PSD não o fez de ânimo leve nem de modo irresponsável. Fê-lo apresentando soluções políticas alternativas para uma realidade que urge alterar e fê-lo com a convicção própria de quem conhece bem e se identifica com o verdadeiro sentimento do povo português.
E por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, deixamos aqui um pedido que é também um desafio.
O Partido Socialista, não tendo apresentado um projecto coerente de descentralização, pode agora dar seguimento, em sede de Comissão, aos que aí «repousam» por proposta do PSD e de outros partidos da oposição.
Caso não o faça dentro de um prazo de 30 dias, então solicitaremos a subida a Plenário, avocaremos os diplomas para Plenário, para que cada um assuma as suas responsabilidades políticas.
Para o PSD, nesta como noutras matérias, não é tempo de parecer que se faz. É preciso agir, é preciso decidir!
E isto que as populações nos exigem!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS comprometeu-se perante o País...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - A muita coisa!

O Orador: - ... com o cumprimento da Constituição, nomeadamente no que respeitava à criação das regiões administrativas. E eu sei que estas questões doem ao Partido Popular, porque o respeito pela Constituição não é, propriamente, uma prioridade do PP - é, certamente, uma questão de coerência de quem; ao fim e ao cabo, nunca quis que a própria Constituição fosse aprovada.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - O que não é nenhuma desonra, Sr. Deputado!

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O Orador: - Mas o PS assumiu essa vontade enquanto oposição e tentou concretizá-la enquanto poder.
Não é vulgar em política fazer as reformas estruturais em detrimento de interesses conjunturais. Pelo contrário, algumas oposições só se apresentam como tal através de atitudes conjunturais avulsas, sem fio condutor, não privilegiando o interesse de Estado, mas promovendo apenas o interesse partidário - por isso, não é de estranhar que venham aqui alguns chamar à coerência «aventura política». E é assim que, de maneira absolutamente inequívoca, o PSD mostra a sua metafisica verticalidade também nesta matéria.
É exactamente este o contexto em que o PP se movimenta. Num dia quer concelhos que não propôs, noutro defende uma Europa que sempre hostilizou. E o seu próprio líder, veja-se bem, até se queixa das «tempestades» que colhe, mas nunca fala dos «ventos que semeou»...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Tem muito a ver com esta matéria!

Convém lembrar, a este propósito, que nesta legislatura muito se evoluiu e se valorizou o próprio municipalismo, de que muitos falam e para o qual poucos contribuíram.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Mas não foi por vontade do PS! Foi contra a vontade do PS!

O Orador: - Vejamos alguns exemplos: a lei sobre o regime aplicável ao exercício do mandato dos membros das juntas de freguesia; a lei sobre o regime jurídico da tutela administrativa das autarquias locais e entidades equiparadas; a lei sobre o regime de competências e meios financeiros das freguesias, de que muito se fala; a Lei-quadro de Formação de Municípios; a lei sobre o estatuto dos eleitos locais; a lei sobre a criação dos conselhos locais de segurança; a lei sobre as associações representativas dos municípios e freguesias; a lei que cria as empresas públicas municipais e intermunicipais; a lei sobre as bases da política de ordenamento do território e urbanismo; ou a Lei das Finanças Locais.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - É melhor não falar dessa !
O Orador: - Hoje surge um projecto que, como opinou o

próprio Presidente da Assembleia da República, melhor não falar dessa!
«poderá pôr em causa a garantia institucional das autarquias locais, na medida em que extingue a concretização normativa de uma das suas dimensões essenciais: a existência de uma autarquia de nível regional» (vd. artigos 235 º e 236.º da Constituição). E é também um projecto que, de alguma forma, procura ocultar que «a natureza de lei de valor reforçado implica a sua não revogabilidade por leis posteriores que não sejam dotadas da mesma natureza».
Invoca o PP que esta reforma terá sido rejeitada por cerca de 60% dos votos e, portanto, temos toda a legitimidade para «ferir» a Constituição e devemos revogar estas leis. Imaginem agora o que seria do PP que, segundo as sondagens que por aí. aparecem, é «rejeitado» por cerca de 95% ou 93% do eleitorado! Imaginem que, com base nessas sondagens, tínhamos de o «revogar»! Também era inconstitucional e, até, como é óbvio, antidemocrático.

Risos do PS e do PCP.

O que não surge, da parte do PP, é a proposta ou o conjunto de propostas que se constituam em solução com vista à descentralização e à reorganização dos serviços periféricos do Estado. Esse seria, quanto a nós, um esforço digno de nota, porque demonstraria que o PP, para além das palavras, era capaz de fazer obra.
Quanto a nós, a introdução deste problema procura responder à conjuntura política do País, ou seja, à pré-campanha eleitoral em que o PP se envolveu, mas não é estruturalmente relevante para o País nem, mesmo assim, nestas condições, conjunturalmente racional.
É, portanto, uma temática acessória à essência dos verdadeiros problemas do País.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Isso era o que os senhores queriam!
O Orador: - O que, no nosso entender, poderá ser essencial é a realização de um intenso debate na sociedade portuguesa, com os políticos, as instituições em geral e as universidades em particular, sobre a desconcentração, a reorganização dos serviços periféricos do Estado, a descentralização e o reforço do funcionamento participado e democrático das instituições.

O Orador: - Estes são apenas alguns exemplos que demonstram que somos adeptos dos actos e não das palavras; exemplos de produção legislativa que criou mecanismos de trabalho e novas capacidades de decisão e participação ao nível do poder local.

O caminho a percorrer é ainda longo, e o acervo legislativo, quer ao nível das propostas de lei, quer ao nível dos projectos de lei, ainda existente ao nível do trabalho de comissão, é exemplo disso mesmo. E, em matéria de trabalho de comissão, é bom que se tenha a noção do conjunto de reuniões agendadas sobre esta matéria, a fim de ultimar, durante os meses de Março e Abril, alguns dos diplomas importantes que ainda se encontram em.comissão

É, em nosso entender, importante saber qual é o papel reservado, por exemplo, aos distritos, sob o ponto de vista político e administrativo, bem como conhecer a evolução possível das estruturas de planeamento existentes, quer ao nível da sua representatividade, atribuições e competências, quer ao nível da definição do seu espaço geográfico, a partir da agregação por inteiro dos. distritos existentes.

Para este debate o PP nada trouxe de novo, a não ser a renovada tentativa de «ferir» a Constituição da República, o diagnóstico do que lhe parece estar mal e a prognose de um futuro que, sem este partido no poder, em tudo seria sombrio ou mesmo negro - veja-se bem a catástrofe!
É tudo um pouco à imagem do líder, que só agora se deu conta de que existe um país real que não conhece, que dispensa pseudo-soluções, avulsas e virtuais e que, a seis meses de eleições, criou um «alfabetizado» Conselho Económico e Social com a missão de pensar para o País, em apenas algumas semanas, as soluções que não propuseram durante quatro anos - uma espécie de take away legislativo que, contrariamente ao que diz o PP, será feito apenas para servir à hora dos telejornais!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Queiró, Gonçalo Ribeiro da Costa e António Brochado Pedras.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

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O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, quero apenas fazer-lhe um reparo muito breve.
V. Ex.ª fez aqui uma intervenção um pouco idêntica às declarações que já havia prestado, ontem, aos jornais. Aliás, tal como o Sr. Deputado João Amaral, a quem chamei por engano Deputado José Magalhães, e peço imensa desculpa por esse facto, mas até julguei que eram amigos!
Mais uma vez, o Sr. Deputado vem dizer que é preciso realizar um grande debate, tendo-se até mostrado muito admirado por termos uni Conselho Económico e Social que, em poucas semanas, vai produzir uni conjunto de soluções alternativas àquelas que o Partido Socialista, infelizmente - porque está sempre rio grande debate, no grande diálogo e no estudo das grandes soluções! -, não consegue apresentar. Aliás, o comportamento do Partido Socialista é muito curioso nessas matérias.
Eu vou tentar explicar.
Quando um grupo parlamentar ou um partido político da oposição apresenta unia determinada medida avulsa, os senhores argumentam que não pode ser, porque é avulsa, desenquadrada das soluções globais e articuladas que se têm de encontrar para o respectivo sector de actividade; quando se trata de sugerir a realização de reformas, de duas uma: ou os senhores não a fazem, ou queixam-se que a oposição não apresenta propostas para a realização dessas reformas! E quando as oposições apresentaria sugestões, ou mesmo leis de bases para reformas, os senhores dizem que elas são irresponsáveis. Assim, Sr. Deputado, não vale a pena!
Sabe o Sr. Deputado José Junqueiro o que o Partido Socialista e o Governo fazem lembrar? A mim, fazem lembrar um relógio parado. Sabe como é: não erra as horas porque está parado e sempre acerta duas vezes por dia! Os senhores estão parados para não cometerem erros, mas têm a secreta esperança de, pelo menos duas vezes, ainda acertarem, como o relógio parado. É lamentável e tenho muita pena que assim seja, porque o País reclama muito mais do que isso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Junqueiro, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. José Junqueiro (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, muito me honra a atenção agora dispensada pela bancada do CDS-PP à minha intervenção. Mas a verdade é que também fiz uma intervenção essencialmente dirigida ao PP, e não a qualquer outro grupo parlamentar.
Quero apenas esclarecer o seguinte: ao ter falado no Conselho Económico e Social «alfabetizado», constituído até na minha terra de origem, não tenho «culpa» que VV. Ex.as, a apenas seis meses das eleições e em algumas semanas, queiram agora arranjar para o País as soluções que não encontraram nem imaginaram durante quatro anos! Tenho de sublinhar esse facto, mas devo dizer que ele não é negativo, porque está sempre a tempo. Aliás, numa próxima legislatura, creio que essa cooperação com o Partido Socialista será bastante útil: começam por estudar agora e

vão experimentar depois. O País está sempre a tempo de receber esses contributos, e nós também.
Convenhamos, porém, que, num espaço de tempo tão curto, não me parece que a obra seja de vulto.
Por outro lado, as medidas propostas são avulsas e, como tal, indicam que não há uma forma nem um pensamento global. E esse é o único reparo que fazemos, porque não criticamos as propostas do PP; o que criticamos é a ausência das propostas do PP!
Repare bem: estivemos presentes na Convenção do PP, que, aliás, correu lindamente,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito obrigado!

O Orador: - ... e ouvimos atentamente alguns dos discursos, nomeadamente o do Dr. Paulo Portas, tendo um dos representantes do PS levado algum tempo a tomar notas de tildo quanto o Dr. Portas disse. E, quando lhe perguntaram por que é que ele - concretamente, o Dr. Jorge Coelho - tomou todas essas notas a resposta foi esta: «Os senhores estiveram aqui a fazer o diagnóstico, apontei algumas notas e, entre elas, esperava encontrar alguma solução para os problemas. Mas, de facto, não saiu daqui qualquer solução para os problemas!». Daí que não critiquemos as propostas de VV. Ex.as; o que criticamos, sim, é a ausência dessas mesmas propostas.
Ora, os senhores têm de acertar, definitivamente, pela «hora oficial», porque de duas uma: ou os senhores têm ursa relógio bi-hórário, ou, então, têm um relógio sem «ruonteiros»..., perdão, sem ponteiros, o que é muito mais grave!

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, estamos aqui a assistir a uma demonstração do mau perder do Partido Socialista. Aliás, para dizer a verdade, não é grande novidade!
Um proeminente Deputado do Partido Socialista, um anos antes da realização do referendo sobre a regionalização, avisou logo que não iria aceitar os resultados do referendo, o que deixa antever qual será a posição do Partido Socialista em matéria de respeito pela vontade popular...
O Sr. Deputado José Junqueiro também falou dos compromissos que o Partido Socialista e o Governo assumiram relativamente à Constituição da República. Devo recordar apenas alguns dos compromissos que os senhores assumiram e que esqueceram rapidamente.
Por exemplo, o compromisso de respeitar o princípio constitucional de garantir habitação a todos os portugueses está por cumprir e, porventura, cada vez mais distante.
Também no que se refere ao compromisso, de respeitar o princípio constitucional de garantir a educação a todos os portugueses, vejamos, por exemplo, o caos no ensino superior de que se fez eco arma pessoa indiscutível e idónea nessa área, ainda esta semana. Já quanto ao compromisso de cumpür o princípio constitucional de garantir a saúde a todos os portugueses, as listas de espera aumentam cada vez mais, bem como à porta dos tribunais, nas secretarias dos tribunais. E em relação ao compromisso de garantir o acesso à justiça e ao direito, também previsto

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constitucionalmente, veja-se o caos em que caiu a justiça e que hoje é indiscutível.
Também vou falar de um outro princípio constitucional em relação ao qual os senhoras se comprometeram, esse, sim, conexo com a matéria hoje em discussão. Refiro-me ao princípio constitucional da descentralização administrativa. E, neste raso, há mais do que um compromisso de respeitar o princípio constitucional: há uma promessa eleitoral e, sobretudo, a obrigação de respeitar a vontade popular.
A este respeito. Sr. Deputado, devo dizer o seguinte: não há dúvida - julgo que os senhores também não a têm, mas se a têm, é bom que a deixem de ter - de que o resultado do referendo sobre a regionalização teve um significado preciso: o de que os portugueses rejeitaram a solução regionalizadora e optaram pela solução municipalizadora. Esse é o sentido político que deve ser retirado do resultado do referendo sobre a regionalização, de 8 de Novembro.
Ora, nesta matéria, em que medida o PS tem respeitado a vontade popular? Em zero! Há cerca de dois anos, deram entrada na Assembleia da República vários projectos de lei que estão «empatados» por exclusiva responsabilidade do Partido Socialista, e que assim continuarão.
Devo dizer - faço-o pela primeira vez, neste Plenário - que duvido muito que òs mesmos venham a ser aprovados ainda na presente legislatura, o que significa que esta é uma falha grave do Partido Socialista em matéria de promessa eleitoral e de respeito pela vontade popular. E ao falar em matéria de respeito pelos compromissos e pelas promessas, vou até ao mais alto nível: segundo uma declaração oficial do Primeiro-Ministro, o Eng.º António Guterres, de 28 de Abril de 1997, «se os portugueses disserem não à regionalização, o Governo apresentará à Assembleia da República uma proposta de revogação da Lei de Criação das Regiões».

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha, queira concluir.

O Orador: - Estamos a falar do quê, Sr. Deputado? Da medida do vosso respeito pela vontade popular e da medida do vosso respeito pelas promessas que assumem.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, tenho imenso gosto em ouvi-lo, até porque V. Ex.ª escolhe sempre mal os temas. A esse propósito, gostava de adiantar algumas informações.
Em primeiro lugar, relativaffiente aos projectos essenciais, não tenha dúvida, absolutamente nenhuma!, de que eles estarão prontos nesta sessão legislativa, o que será conseguido, com certeza, com o esforço de todos nós. Não tenho a mínima dúvida.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Ao vosso ritmo, não estão, nem vão estar!

O Orador: - Em segundo lugar, V. Ex.ª refere-se à questão da habitação. Ora, compraram-se 500 mil novas casas em Portugal, meio milhão de casas, mas para VV. Ex.as isso não tem significado rigorosamente nenhum, para além das outras centenas e milhares de habitações sociais que foram concretizadas. E vem V. EX.ª falar na habitação... ! Escolheu mal o tema!

Por outro lado, a educação é um sector em que tradicionalmente há dificuldades, mas é um sector em que se avançou de forma extraordinária.
Em relação ao próprio ensino universitário, ao ensino superior, esqueceu-se V. Ex.ª de dizer, por exemplo, que os alunos do ensino privado teriam há uns anos um orçamento de cerca de 400 mil contos, que estimularia a frequência deste mesmo ensino privado, que hoje são gastos 3 milhões de contos e que o Governo definiu que este investimento e esta ajuda se estenderá a todos os alunos de todas as universidades.
E o Sr. Deputado esqueceu-se de falar do resto, da pré-primária, dos milhares de professores contratados, do direito de todas as crianças usufruírem daquilo que foi um dos marcos assinaláveis deste Governo.
Na questão da saúde, falou nas listas de espera. Eu poderia falar nas listas de espera do próprio CDS-PP, eventualmente para um futuro Governo da AD, dos 45 elementos do seu Conselho Económico e Social, mas prefiro falar, em matéria de saúde, na recuperação das 20 mil novas cirúrgias, dos 100 mil novos tratamentos, da recuperação de 100 mil novos actos médicos. E, por uma questão de justiça, que V. Ex.ª critica, até o poupo a mais exemplos.
Por último lugar, achava que não deveria voltar a insistir na questão dos resultados do referendo, porque, apesar de os resultados do referendo sobre a regionalização serem, em nosso entender, negativos, são resultados bem superiores àqueles que o CDS-PP obtém perante o País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, antes de mais gostaria de dizer o seguinte: o Sr. Deputado pôs em causa a coerência do Partido Popular ao apresentar este projecto de lei. Suponho que o classificou como algo de acessório... Houve quem lhe chamasse brincadeira, mas trata-se de vozes que não chegam aos céus.

Risos do CDS-PP.

Gostaria, neste momento, de dizer-lhe que sou, dentro do meu partido, um regionalista convicto. Fui vencido num referendo interno e sou daqueles que defendo que, apesar do resultado do referendo nacional que foi feito no País, não deve ser retirada da Constituição a referência à autarquia local «região administrativa». Portanto, julgo que estou numa situação privilegiada para lhe poder responder; e perguntar também.
E que, de facto, o Sr. Deputado falou numa insconstitucionalidade por omissão, que, a ver meu, e no entendimento de muitos constitucionalistas, não existe, pela simples razão de que a Constituição não impõe que a Assembleia da República legisle e faça uma lei-quadro, sob pena de haver omissão.
Esta questão está inteiramente ligada à criação legal e simultânea das regiões administrativas. De resto, não fazia sentido ter uma lei-quadro, que desde logo impõe um determinado modelo, se não fosse possível depois fazer coincidir esta lei-quadro com um modelo concreto de regionalização. Por isso é que o Tribunal Constitucional considerou que a resposta que foi dada no referendo pôs em

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causa, em concreto, aquelas regiões que foram definidas por VV. Ex.as e pelo Partido Comunista e também a própria lei-quadro.
Sendo assim, Sr. Deputado José Junqueiro, onde é que está a inconstitucionalidade? Não a vejo.
Em segundo lugar, V. Ex.a, no fundo, considera que a resposta que o eleitorado deu no referendo representou para o PS um certo impulso para a descentralização. Por outro lado, até falou na reorganização dos serviços periféricos do Estado. Ora, o PS está no poder há três anos e meio, e há três anos e meio que há uma completa descoordenação dos serviços periféricos do Estado. Onde é que está um projecto para reorganizar os serviços periféricos do Estado? E já passaram sobre o resultado do referendo seis meses, Sr. Deputado!
Por outro lado, Sr. Deputado, penso ser de muito mau gosto comparar os resultados de um referendo de um processo sério, que foi desencadeado a nível do País, com meras sondagens. Isso não faz o mínimo sentido!
Assim, Sr. Deputado José Junqueiro, gostaria que V. Ex.ª me respondesse onde é que está a inconstitucionalidade e por que razão é que uma lei-quadro não pode ser, pura e simplesmente, revogada por uma lei que deve, naturalmente, também ter o tratamento próprio de uma lei-quadro. Onde é que isso está na Constituição como algo vedado à Assembleia?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Em lado nenhum, como é evidente!,Até respondo por si, Sr. Deputado José Junqueiro!

OS r. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado José Juhqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, gostaria de referir ao Sr. Deputado António Brochado Pedras quatro ou cinco coisas.
Em primeiro lugar, gostaria de saudar a sua intervenção, até porque nos permite rever aqui alguns pontos da agenda.
Quanto à constitucionalidade, tive há pouco ocasião de referir o conjunto das nossas razões e até tive ocasião de citar outras opiniões, que não a minha, sobre esta matéria, dizendo claramente - e citei um despacho - que a revogação pura e simples da lei-quadro das regiões «poderá pôr em causa a garantia institucional das autarquias locais, na medida em que extingue a concretização normativa de uma das suas dimensões essenciais (...)». Portanto, sobre essa matéria a nossa opinião é absolutamente clara.
No que se refere aos resultados do referendo como impulso para a descentralização, é verdade que penso isso, mas sempre pugnámos por essa descentralização. Os senhores é que se associaram, na prática, a quem sempre pugnou pela concentração. E é evidente que, tendo nós um projecto de descentralização - que o Sr. Deputado pergunta onde está - que não vingou, em vez de fazermos medidas avulso, eventuais, sem fio condutor, estamos todos empenhados nessa reforma global com total coerência e grande racionalidade.
Por outro lado, não é possível formular uma opinião com base nas suas afirmações quando se confessa um «regionalista convicto», porque, nessa altura, num debate como este, era preciso explicar qual a posição do CDS-PP. É a posição manifestada pelo Sr. Deputado Luís Queiró, pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa ou é a posição manifestada agora por V. Ex.ª ? Em que é que ficamos?

É a sua, que não vingou dentro do partido? Mas então qual é a posição do partido?
Por outro lado, não pus em causa a coerência do CDS-PP nesta matéria, em termos de Constituição, e daquilo que o CDS-PP aqui veio propor. Até disse que era coerente, porque foi um partido que desde sempre rejeitou a própria Constituição. Portanto, feri-Ia desta maneira, em nosso entender - se bem que não propositadamente, entenda-se -, está completamente em linha de coerência com aquilo que têm pensado sobre esta matéria.
Para terminar, também não quero cometer nenhuma indelicadeza ao comparar o resultado do referendo com os valores com que o PP aparece nas sondagens. Não quero cometer nenhuma indelicadeza, nem cometerei no futuro, porque, no futuro, como VV. Ex.as sabem, no esquema que está montado, nunca poderemos avaliar o PP, porque está tudo confundido no partido «PP/PSD».

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sobre a confusão, ainda vamos falar!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Julgo que estamos numa fase da discussão em que cada intervenção que soma só comprova que é um exercício vazio ou é um exercício de inutilidade. E que falou-se de habitação, falou-se de saúde, falou-se de tudo menos daquilo que era objecto deste diploma, porque este diploma verdadeiramente não tem objecto.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Não esteve atenta?

O Orador: - Dizem os proponentes do diploma que aquilo que se visa é, através de um artigo único que se propõe, proceder à revogação da Lei n.º 56/91, de 13 de Agosto, uma lei que, recordo, foi aprovada por unanimidade nesta Câmara, e da Lei n.º 19/98, de 28 de Abril.
Evocam-se as pessoas para dar sentido útil a este projecto, e julgo que, nesta Câmara, ninguém terá dúvidas de que as pessoas, os cidadãos portugueses estão desinteressados com este projecto de lei. Aliás, julgo que este projecto de lei tem uma característica que se calhar não é nova. É bom sublinhar e relembrar aqui, porque talvez o tenhamos esquecido desde o início, os termos em que ele é apresentado e o que o despacho de admissão do Sr. Presidente da Assembleia coloca ao admiti-lo: a revogação pura e simples da lei-quadro das regiões administrativas - no fundo, era isso que este projecto do PP pretendia fazer - «(...) põe em causa a garantia institucional das autarquias locais na medida em que extingue a concretização normativa de uma suas dimensões essenciais: a existência de uma autarquia de nível regional. A natureza de lei de valor reforçado implica a sua não revogabilidade por leis posteriores que não são dotadas da mesma natureza».
Portanto, julgo que este é um exercício de vazio, é um exercício inútil, que não vai ao encontro dos cidadãos e daquilo que eles reclamam neste momento, é um exercício que, além do mais, a ser concretizado, daria mais uma possibilidade de permitir ver o desrespeito do Partido Popular pela Constituição da República Portuguesa, o que é seguramente aquilo que aos portugueses menos interessa neste momento, ou seja, pôr fim, por esta forma, a algo

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sobre o qual, não há muito tempo, tiveram oportunidade de se pronunciar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, o meu pedido de esclarecimento é muito rápido e muito simples.
Gostaria só de pedir que esclarecesse, de forma mais desenvolvida, a tese que acabou de expender de que este projecto de lei põe em causa a constitucionalidade em matéria de autarquias locais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, remeto o Sr. Deputado para as razões que expus na minha intervenção. Julgo que não vale a pena enfastiar a Câmara e repetir o que já disse.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer que não fiquei esclarecido.

O Sr. Presidente: - Não ficou esclarecido? Essa é uma interpelação original, mas o Sr. Deputado tem esse direito!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Vedes): -:Para uma interpelação à Mesa, Sr Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, espero que o tempo ajude o Sr. Deputado a compreender.

Risos.

O Sr. Presidente: - Hoje estamos muito sintéticos.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 162/VII - Altera os artigos 17.º e 18.º do Regime dos Despedimentos Colectivos, consagrado no Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e do projecto de lei n.º 388/VII - Altera o regime dos despedimentos colectivos (PCP).
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes): - Sr. Presidente,

Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 162/VII visa adaptar a legislação nacional, em matéria de despedimentos, à Directiva n. 92/56/CEE, que, por sua vez, reviu a Directiva n.º 75/129/CEE, em matéria de despedimentos colectivos.
De facto, há dois pontos fundamentais sem correspondência no nosso direito interno vigente introduzidos por esta revisão da directiva comunitária, que são os seguintes: por um lado, garantir que seja definido o período durante o qual o empregador pretende efectuar o despedimento colectivo, obrigando a essa definição nas informações que o empregador deve prestar aos representantes dos trabalhadores; por outro lado, incluir nessas informações o método de cálculo de qualquer compensação indemnizatória a conceder aos trabalhadores, sempre que a mesma difira das indemnizações previstas na lei ou, se mais favoráveis, em regime definido por convenção colectiva.
Aproveita-se também esta proposta para reforçar o elemei Trata-se, por isso, de uma proposta de lei bastante simples que visa esta adaptação e tem também este pequeno ponto de inovação.
Em todo o caso, a discussão pelos Srs. Deputados desta proposta de lei, bem como do projecto também agendado para hoje, da iniciativa do PCP, não deve fechar as portas, no entendimento do Governo; a uma reflexão que possa aperfeiçoar a legislação num sentido de protecção dos direitos dos trabalhadores nas situações de despedimento colectivo e no combate à ilicitude que, porventura, se possa verificar em casos concretos, a qual deve ser impugnada por via judicial.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, vou fazer-lhe três perguntas muito concretas e rápidas.
A primeira pergunta é a seguinte: como é que se justifica que a transposição de uma directiva apenas com dois pontos, como referiu, demorasse cinco anos além daqueles a que ela própria obrigava? É que a directiva estabelecia que a transposição se efectuasse até Junho de 1994 e já estamos em 1999!
A segunda pergunta que quero fazer-lhe tem a ver com a formulação que se encontrou para transpor as normas constantes dos artigos 17.º e 18.º, alterados pela proposta de lei.
Estabelece a directiva que considera conveniente dar aos Estados-membros a possibilidade de prever que os representantes dos trabalhadores possam recorrer a peritos, mas, na transposição, aparece logo, em primeiro lugar, no artigo 18.º - e, para não me enganar, leio exactamente o que consta da proposta de lei -, o seguinte: «A entidade empregadora e a estrutura representativa dos trabalhadores...». Ou seja, aquilo que a directiva considera um apoio ou, digamos, um direito para a parte mais fraca nas relações de trabalho, que é o trabalhador, poder estar mais defendida, o Governo pretende estabelecê-lo também para as entidades patronais.
Assim sendo, a pergunta que faço é a seguinte: entende o Governo que deixou de haver parte mais fraca na relação laboral e que o trabalhador está em igualdade de cir-

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cunstâncias com as entidades patronais, quer quando procura trabalho, quer dentro da própria empresa?
Uma última pergunta que faço tem também a ver com a formulação que foi encontrada para transpor uma parte da directiva que se refere ao método de cálculo da indemnização.
Estabelece a directiva «que o método previsto para cálculo de qualquer eventual indemnização de despedimento», enquanto que a transposição tem a seguinte formulação: «Indicação do método de cálculo de qualquer eventual compensação genérica...». O que é que isto pode querer dizer? A «compensação genérica» pretende afastar os direitos económicos que a própria lei dos despedimentos prevê e que outras leis também prevêem, como é o caso da lei das férias e da lei do 13.º mês?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alexandrino Saldanha, relativamente às questões formuladas vou apenas fazer comentários muito rápidos.
Em relação à questão de saber como se justificam cinco anos de atraso na transposição da directiva, em primeiro lugar, a própria directiva normalmente, embora não tenha aqui o original, tem um prazo...

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - De dois anos!

O Orador: - ... de dois anos e, portanto, não podemos falar exactamente dessa forma no atraso.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Já lá vão sete anos!

O Orador: - Não é exactamente essa a conta que deve ser feita, mas, de qualquer forma, há uma responsabílídade de vários órgãos de soberania, nomeadamente de governos - e este que aqui represento também tem a sua responsabilidade - e da própria Assembleia, porque se trata de matéria da sua competência reservada, sendo certo que nenhuma iniciativa vingou nas diferentes legislaturas que foram abrangidas neste espaço de tempo.
Em todo o caso, recordo que esta proposta de lei do Governo já está depositada na Assembleia há bastante tempo, salvo erro há cerca de um ano, ou seja, entrou em Janeiro de 1998. Decorreu, naturalmente, o prazo normal de consulta pública e todas as etapas normais mas também aqui, uma vez mais, há uma responsabilidade partilhada.
Da parte do Governo, assumo a responsabilidade que nos cabe neste atraso, mas o que é preciso é resolver o problema.
Relativamente às formulações da transposição, naturalmente, podemos sempre criticar as que são adoptadas, mas pareceu-me entender alguma suspeição na forma como formulou a sua dúvida relativamente ao caso do artigo 18.º, n.º 4, da proposta de lei, relativo à assistência por peritos. Neste caso, optámos por uma equiparação, porque, à partida, ela existe e não é o facto de, por palavras, dizermos que é para o trabalhador que altera a situação. Sabemos que a parte entidade empregadora tem o seu perito na sua própria delegação, porque tem sempre uma componente

técnica possível nas suas administrações ou nas suas gerências e, portanto, neste caso, a relevância é dada ao lado dos trabalhadores. Entendemos, pois, que há parte mais fraca e o facto de haver uma formulação de equiparação das situações é justamente para discriminar positivamente a parte fraca, sem fingir que a parte mais forte, concretamente a entidade empregadora, não está também assessorada tecnicamente, na medida em que está sempre assessorada e, portanto, mais vale que fique desta forma.
Em todo o caso, do nosso ponto de vista, não se trata de uma questão de grande relevância.
Quanto à última questão suscitada, relativa à compensação genérica, a fórmula adoptada serve para cobrir todo o tipo de compensação que exceda o que a lei prevê - os mínimos da lei - ou aquilo que, sendo mais favorável, as convenções colectivas de trabalho prevejam. Portanto, não vejo bem a razão da dúvida ou de qualquer suspeição sobre esta formulação. Sinceramente, não compreendo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, informo que acabaram de entrar rio Plenário mais 120 alunos da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos António Bento França, da Ericeira. Dado, sobretudo, o seu número, justifica-se uma saudação para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O conjunto de diplomas que hoje vamos debater integra-se num vasto pacote de alterações à legislação laboral, cujo «núcleo duro» ainda está para vir.
Com excepção do diploma que pretende atribuir às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, o que hoje vamos aqui debater são «trocos», perante propostas de alteração como as relativas ao trabalho a tempo parcial, ao regime de férias e ao conceito de retribuição, que aguardam agendamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Discuti-las-emos quando o Governo as quiser agendar. Esperamos, contudo, que o Governo e o Partido Socialista tenham a lucidez suficiente para não insistir em propostas de lei altamente gravosas para os direitos e o futuro dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se mantiverem as suas intenções, terão, muito claramente, a nossa frontal oposição, a nossa determinação na sua denúncia e o nosso voto contra. E terão também, seguramente, na rua, a luta determinada dos trabalhadores e das suas organizações.

Aplausos do PCP.

Contudo, em relação aos diplomas hoje em debate - com a já referida excepção da proposta de lei n.º 231/VII -, distinguimo-los dos que atrás referimos e o nosso voto será no sentido de os viabilizar, pelas razões que

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adiante avançaremos, sem prejuízo de desacordos em sede de especialidade e de apresentarmos propostas para os melhorar.
Temos, nesta matéria, a posição coerente que sempre temos mantido: votaremos contra tudo o que seja gravoso e atentatório dos direitos dos trabalhadores, mas não temos dúvidas em viabilizar o que mereça ser viabilizado, mesmo que tal corresponda a aspectos parcelares e menores do essencial do já conhecido pacote laborai.
No concreto e sobre os diplomas em apreciação, o projecto de lei n.º 388/VII, do PCP, que propõe alterações ao regime dos despedimentos colectivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, foi apresentado para dar resposta a graves problemas dos trabalhadores, resultantes da publicação deste diploma, que veio impor um regime pior do que o anterior, que era o do Decreto-Lei n.º 372-A/75. Com efeito, este último decreto-lei fragilizou ainda mais os trabalhadores apanhados nas malhas dos despedimentos colectivos e, em simultâneo, instalou a permissivridade de despedimentos colectivos ilícitos.
Como dizemos no preâmbulo do projecto de lei, «Essa perndssividade instalou-se através da conjugação da amputação das competênciás do Ministério...» - hoje do Trabalho e da Solidariedade - «com as exigências colocadas ao trabalhador pata que possa impugnar o despedimento, e com a falta de meios de que os tribunais de trabalho dispõem para aferir da ilicitude do
despedimento».
De facto, para que o despedimento possa ser impugnado pelo trabalhador, este não pode receber a respectiva indemnização. Sendo óbvio que a perda do emprego coloca o trabalhador em grandes dificuldades económicas, pois, normalmente, apenas tem o seu trabalho como fonte de rendimento, tal condicionamento constrange fortemente as suas vontade e opção, restringindo-lhe o acesso aos tribunais para impugnação do despedimento.
Por outro lado, e como também referimos na fundamentação do nosso projecto, «O Estado não pode demitir-se de intervir na relação contratual laborai em apoio da parte mais fraca dessa relação: o trabalhador. É dessa demissão (...)» - do Estado - «(...) que tem resultado a situação difïcil de tantos trabalhadores (...) no desemprego, que dessa forma pagaram a acumulação do capital por parte de empresários menos escrupulosos».
As propostas que avançamos dão a resposta legislativa adequada a estas situações, definindo também «preferências na manutenção de emprego», nomeadamente a trabalhadores deficientes e a vítimas de acidentes de trabalho e doença profissional, e reintroduzindo «(...) a preferência na admissão na empresa por parte de trabalhadores despedidos, no prazo de um ano a contar da data do despedimento».
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Ao contrário da nossa iniciativa legislativa, a proposta de lei n.º 162/VII, destinada a alterar os artigos 17.º e 18.º também da secção relativa a despedimentos colectivos, da lei dos despedimentos, só é apresentada porque a Directiva n.º 92/56/CEE, de 24 de Junho' de 1992 - repare-se! que alterou uma outra de 1975, assim o impõe. E esta apresentação, hoje, desta proposta de lei é feita a contragosto, pois as normas em causa deveriam ter sido transpostas para a legislação portuguesa - imagine-se! - até 24 de Junho de 1994. Já lá vão quase cinco anos! ...
Ficam assim claras as diferentes motivações políticas das duas iniciativas legislativas aqui em análise, apesar de, na nossa opinião, ambas serem susceptíveis de melhorar, com algumas adaptações, a chamada lei dos despedimentos.

Aliás, a directiva alterada por aquela que agora se pretende transpor para a nossa legislação já sofreu, entretanto, uma nova codificação, através da Directiva n.º 98/59/CE, de 20 de Julho do ano passado, à qual o Governo nem sequer se refere.
Quer dizer, qualquer alteração favorável aos trabalhadores, ainda que milesimal, e mesmo sob a pressão de directivas da União Europeia, resiste anos e anos nas gavetas governamentais. Mas, para favorecer as entidades patronais - ainda que existam dúvidas sobre a constitucionalidade das propostas apresentadas, como é o caso da proposta de lei que discutiremos a seguir e que «atribui às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho» -, o Governo abre todas as gavetas possíveis. Como também aconteceu, por exemplo, com as cartas escritas ao patrão da CIP pelo Sr. Ministro, do Trabalho e da Solidariedade e também uma outra anterior com a concordância do Sr. Secretário de Estado, a fornecer-lhe interpretações abusivas da lei, com o objectivo de permitir a continuação do desrespeito pelo horário das 40 horas.
De resto, a norma que o acrescento de um novo número ao artigo 18.º pretende transpor refere-se à, e passo a transcrever, «possibilidade de prever que os representantes dos trabalhadores possam recorrer a peritos...»mas o desvelo do Governo com o patronato também aqui se manifestou e é assim que esse novo número alarga essa possibilidade à «entidade patronal.», colocando-a em primeiro lugar. Um claro indício às entidades patronais de que podem continuar a praticar a política que têm praticado nas suas empresas e que hoje as transformam, em alguns casos, em campos de concentração! Uma clara posição de classe!
Uma referência ainda sobre a forma encontrada para transpor a norma da directiva relativa ao método de cálculo de indemnizações de despedimento, se não forem as decorrentes das leis ou práticas nacionais, ou seja, a proposta de alínea 9) do n.º 2 do artigo 17.º.
Diversos pareceres de organizações representativas de trabalhadores se referiram à ambiguidade da substituição da expressão «indemnização (...) que não a que decorre das leis e ou práticas nacionais», constante da directiva, pela expressão «compensação genérica», ambiguidade que poderia vir a ser entendida e utilizada para excluir outros direitos de carácter económico previstos na própria lei dos despedimentos e noutros diplomas legais.
A concretização do processo legislativo iniciado com a apresentação do projecto de lei do PCP, em meados de 1997 - recorde-se! -, e com a proposta de lei do Governo deverá, pois, ter em conta a necessidade de superar ambiguidades, bem como de proceder a eventuais adaptações. E tal processo deverá concretizar-se rapidamente, tanto mais que a transposição das normas da directiva constantes da proposta de lei n.º 162/VII já deveria ter sido concretizada, como antes afirmámos, até 1994. Este atraso é mais uma demonstração do domínio que o poder económico exerce, hoje, na sociedade portuguesa, sobre o poder político.
O PCP continuará a pautar a sua acção pela apresentação de propostas em defesa dos trabalhadores, do povo português e do desenvolvimento sustentado da economia portuguesa, e a lutar por uma política alternativa à política neoliberal do Governo, onde as questões sociais tenham o relevante papel que merecem.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.

O Sr. Jorge Rato ( PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.- e Srs. Deputados: Encontra-se hoje em discussão a proposta de lei n.º 162/VII, que visa alterar os artigos 17.º e 18.º do regime dos despedimentos colectivos, consagrado no regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Com esta proposta de lei, pretende o Governo alterar o regime jurídico dos despedimentos colectivos, no sentido de obrigar os empregadores que recorram ao instrumento do despedimento colectivo a incluírem nas informações a prestar aos- represegtantes dos trabalhadores o período durante o qual pretendem efectuar o despedimento e o método previsto para o cálculo da indemnização de despedimento, se esta for mais elevada do que a prevista na lei ou em convenção colectiva.
Pretende-se ainda permitir que as partes se façam assistir por um perito nas reuniões de negociação subsequentes à comunicação do empregador da intenção de proceder ao despedimento colectivo.
As alterações preconizadas resultam, como aliás consta da exposição de motivos da proposta de lei, da necessidade de conformar o ordenamento jurídico-laborar nacional nesta matéria àquilo que são as imposições resultantes da Directiva 92/56/CEE, de 24 de Junho de 1992, que alterou a Directiva 75/129/CEE, de 17 de Fevereiro de 1975.
Embora se reconheça que as alterações introduzidas nesta directiva já se encontram consagradas, na sua quase totalidade, nos artigos 16.º e seguintes do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, há, no entanto, dois aspectos fundamentais que não tiveram acolhimento no decreto-lei em vigor. Um primeiro aspecto relativo à natureza das informações a prestar pela entidade empregadora às estruturas representativas dos trabalhadores, e um outro, relativo ao processo de consulta dessas mesmas estruturas representativas, por parte da entidade empregadora, no decurso de um processo de despedimento colectivo.
Quanto ao primeiro, a Directiva comunitária 92/56/CEE, prevê expressamente que, entre as informações que o empregador deve prestar aos representantes dos trabalhadores no decurso do despedimento colectivo, devem figurar o período duránte o qual pretenda efectuar o despedimento e o método previsto para o cálculo de qualquer indemnização de despedimento, se não for adoptado o que decorre das leis ou práticas nacionais. Trata-se de elementos de informação relevantes, relativamente aos quais os trabalhadores e suas estruturas representativas não têm, actualmente, forma de aceder e que ficam garantidos através da nova redacção dada ao artigo I7.º do regime em vigor, pela proposta de lei apresentada.
Quanto ao segundo aspecto, relativo ao processo de consulta, é expressamente admitida na directiva de 1975 e retomada na directiva de 1992 a possibilidade de as estruturas representativas dos trabalhadores se fazerem assistir de um perito nas reuniões de negociações, matéria esta que se encontra vertida na nova redacção proposta para o artigo 18 º. Este particular é tanto mais importante porquanto todos nós sabemos que, em regra geral, o recurso ao mecanismo do despedimento colectivo conduz a um laborioso processo negocial com vista à obtenção de um acordo sobre a dimensão e os efeitos das medidas a aplicar no

âmbito do despedimento colectivo, tarefa esta que ficará bastante facilitada pela intervenção de peritos na matéria, nomeadamente para as estruturas representativas dos trabalhadores que, por razões sobejamente conhecidas, apresentam maiores dificuldades no processo negocial.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: O conteúdo da proposta de lei, parecendo embora uma medida singela, afigura-se muito relevante e globalmente positiva, configurando um manifesto reforço dos direitos dos trabalhadores no que concerne ao despedimento colectivo. Trata-se de uma medida que resulta dos compromissos assumidos pelo Estado português no quadro da integração europeia e configura também um compromisso assumido pelo Governo do PS e da nova maioria com os parceiros sociais, no âmbito do Acordo de Concertação Estratégica e que consta do seu Capítulo V, ponto 2.2.1.
Num momento em que se afirmam os direitos sociais dos trabalhadores, nomeadamente os direitos à informação e à consulta a nível europeu, é para nós significativo que o reforço e a promoção desses princípios, também no domínio dos despedimentos colectivos, ocorra pela mão do Governo do Partido Socialista.
Trata-se de uma matéria delicada, de equilibrios dificeis, sempre dramática e penosa para os trabalhadores. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista saúda esta medida legislativa que reforça o poder dos trabalhadores e das suas estruturas representativas, garantindo um maior equilíbrio entre empregadores e trabalhadores.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Encontra-se ainda em discussão o projecto de lei n.º 388/VII, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português. Este projecto de lei não tem motivação política coincidente, porquanto não tem como objectivo a adequação do ordenamento jurídico-laboral nacional às regras comunitárias. Como se verifica da sua exposição de motivos, este projecto de lei visa alterar o regime jurídico dos despedimentos colectivos, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que, na opinião dos subscritores, veio subverter o regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho. Trata-se, portanto, de um projecto de lei agendado para discussão conjunta, não pela coincidência de objectivos, mas pelo facto de ambos terem o mesmo objecto, isto é, proporem alterações ao regime jurídico dos despedimentos colectivos.
Em traços gerais, a iniciativa do PCP pretende repor soluções que vigoravam à data da vigência do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, e que foram revogadas porque desajustadas, nomeadamente atribuindo ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade a faculdade de proibir o recurso ao despedimento colectivo através de despacho ministerial e de impor outras medidas como seja a reconversão profissional; altera a tramitação do processo administrativo do despedimento colectivo e mantém o processo jurisdicionalizado de impugnação do despedimento, ao qual podem recorrer os trabalhadores.
Trata-se, pois, de uma iniciativa legislativa cuja aprovação significaria um retorno à legislação laboral aprovada em 1975, o que não corresponde aos objectivos de política laborar que defendemos e aos objectivos de política laboral delineados pelos parceiros sociais e assunúdos pelos trabalhadores portugueses e pelos seus representantes.
A legislação laboral de um país deve adaptar-se à mutação social, tecnológica e organizacional do mundo do trabalho e não deve ser cega às transformações do tecido

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produtivo e à evolução das relações industriais, sob pena de, a curtíssimo prazo. essa «cegueira» traduzir-se em perdas importantes para os próprios trabalhadores. Neste sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode dar o seu acordo a este projecto de lei.
Há, no entanto, dois aspectos com os quais concordamos. Um relativo à possibilidade de o trabalhador impugnar o despedimento. mesmo tendo recebido indemnização, e outro relativo aos critérios de preferência na manutenção de emprego, matérias que adoptaremos em sede de especialidade.
Para terminar reafirmamos a nossa intenção de apoiar e patrocinar medidas que contribuam para a melhoria dos direitos sociais dos trabalhadores, para uma efectiva estabilidade do emprego, para o seu crescimento e para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores portugueses, no quadro de uma economia aberta e em crescimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Rato, constato que tem uma posição diferente da do Governo relativamente ao nosso projecto, embora diga que, em sede de especialidade, poderá apresentar algumas propostas.
É claro que não vou pronunciar-me sobre o facto de V. Ex.ª dizer que os objectivos que defendem correspondem aos interesses dos trabalhadores portugueses, porque esquece que os representantes da maioria dos trabalhadores portugueses não subscreveram nem se identificam com esses objectivos que V. Ex.ª diz que eles defendem.
Gostava, no entanto, de lhe fazer unia pergunta muito simples, uma pergunta cuja resposta é quase «sim» ou anão». Pergunto-lhe se, em sede de especialidade, para além de apoiar aquelas propostas que aqui apresentámos e que referiu, está disposto a alterar o modo ou a formulação que o Governo encontrou para a transposição do ponto VI, que diz respeito à indemnização e à compensação genérica, para evitar ambiguidades e para que essa compensação genérica não possa, finalmente, vir a ser utilizada para retirar os direitos económicos que outra legislação prevê e que a própria lei dos despedimentos prevê. Pergunto-lhe, portanto, se está na disposição de apoiar esta alteração de formulação na especialidade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.

O Sr. Jorge Rato ( PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alexandrino Saldanha, V. Ex.ª estaria, de certo, distraído, visto que na minha intervenção referi exactamente os pontos que o Sr. Secretário de Estado considerou como possíveis de rever em sede de especialidade.
Relativamente à questão da compensação genérica que me colocou, posso dizer-lhe que da análise que fizemos do texto da proposta de lei não vimos que daí pudesse vir qualquer mal ao mundo, ruas, naturalmente, em sede de especialidade, estamos disponíveis para analisar as situações perversas que os senhores encontraram e que, em nosso entendimento, não existem. Como lhe digo, estamos dispostos a rever essa matéria no sentido de encontrar uma formulação que não deixe dúvidas. Repare, Sr. Deputado, nós entendemos que o regime dos despedimentos colecti-

vos é um regime bastante equilibrado que fica substancialmente melhorado com as alterações que constam da proposta de lei.
Obviamente, nós compreendemos a posição do PCP, apresentando propostas que revogam ou alteram o regime dos despedimentos colectivos, porque isso justifica também a vossa clientela eleitoral. Estranhamos é que, tendo VV. Ex.as apresentado um projecto de lei sobre esta matéria em Outubro de 199 - o projecto de lei n.º 3/VII e outro - o projecto de lei n.º 388/VII, que está hoje em discussão - em Junho de 1997, não tenham, sendo tão gravoso o processo de despedimentos colectivos, ageridado esta matéria para discussão anteriormente.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O segundo revoga o primeiro! É assim a regra!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 162/VII, que propõe a alteração dos artigos 17.º e 18.º do regime dos despedimentos colectivos, consagrado no regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, aparece-nos hoje aqui em duas perspectivas diferentes.
A primeira dessas perspectivas é a do Governo, que, desde logo, na «Exposição de motivos» da proposta de lei que apresenta, nos diz da necessidade de proceder a tais alterações por força de directivas comunitárias com as quais o direito interno dos Estados, do nosso Estado, devem estar em conformidade. Com base nestes pressupostos, o Governo, recordando que a alteração em causa não é susceptível de ser feita por acordo entre os parceiros sociais. propõe que a comunicação a que se refere o n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 seja acompanhada de indicação do período de tempo no decurso do qual se pretende efectuar o despedimento e, ainda, de indicação do método utilizado para calcular qualquer compensação genérica a ser concedida aos trabalhadores a despedir, desde que esta não esteja compreendida na indemnização a que se refere o n.º 1 do artigo 23.º. nem esteja estabelecida em convenção colectiva de trabalho.
Esta proposta de lei consubstancia ainda o aditamento de um número ao artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, em que se estatui a possibilidade de quer a entidade empregadora quer a estrutura representativa dos trabalhadores serem assistidas por peritos nas reuniões. de negociação. Aqui está uma possibilidade que consideramos vantajosa e que até hoje não eia permitida pela lei.
No que concerne ao projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português quer as razões e os pressupostos . que estão na origem da sua apresentação quer o escopo das propostas apresentadas são substancialmente diferentes daqueloutra analisada anteriormente. Antes de mais, o Partido Comunista é da opinião que o Decreto-Lei n.º 64-A/89 constitui uma subversão do regime de cessação do contrato de trabalho, constitui uma demissão do Estado do seu dever de intervir na relação contratual laborai em apoio da aparte mais fracau e insere-se morra linha de quase total desprotecção dos direitos dos trabalhadores.

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Deste modo, o PCP apresenta um conjunto de propostas no domínio das providências a adoptar pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade, das informações a prestar a este Ministério e do recurso aos tribunais ou das consequências da ilicitude. Na prática, tais propostas materializam a visão de superproteção ao trabalhador por parte do Estado, tantas e tantas vezes debatida nesta Câmara, tantas e tantas vezes defendida pelo Partido Comunista e outras tantas rejeitada.
Para o Partido Popular, tais posições e tais propostas não traduzem tmla necessidade real, sentida pelos trabalhadores.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Não me diga!

O Orador: - Tal como consideramos inaceitável esta nova investida do Partido Comunista, empenhado num regresso ao passado pós-revolucionário do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, redesenhando um quadro em que se atribuem ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade competências para proibir a cessação de contratos de trabalho.
As condições em que o despedimento colectivo é considerado ilícito são já objecto de normas legais. A sua não observância é matéria que deverá ser julgada pelos tribunais, no respeito pelo princípio da separação de poderes. No entanto, não podemos deixar de referir a anuência da nossa parte às propostas do PCP no que se refere aos artigos 23.º-A e 25.º-B.
No que respeita à proposta do Governo, a necessidade de adequar o direito interno às determinações das directivas comunitárias e o facto de as soluções consagradas constituírem um acréscimo das garantias e direitos dos trabalhadores implicam que com ela concordemos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): -Sr. Presidente, o meu pedido de esclarecimentos será muito rápido.
O Sr. Deputado Moura e Silva disse que os trabalhadores portugueses não sentem esta necessidade de intervenção do Ministério do Trabalho. Pergunto-lhe em que é que fundamenta essa afirmação, porque os dados que tenho demonstram precisamente o contrário, sobretudo nos processos em que as pessoas ficam, efectivamente, despedidas. Pergunto-lhe, portanto, com que dados é que fundamenta essa afirmação.

O Sr. António Filipe (PCP): - Bem perguntado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Alexandrino Saldanha. agradeço a questão que me coloca. Devo dizer que estranharia o facto de concordarmos ou de termos posições convergentes nesta matéria. A visão que tenho, e que resulta também da minha longa experiência de muitos anos de actividade ligada às organizações laborais, é a de que é entendimento generalizado que o que está na lei permite que os trabalhadores se possam defender das investidas menos...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não me diga! Olhe, tem aí uni prazo mais pequeno para propor a acção no tribunal. Não podem receber a indemnização, porque, se a recebem, não podem propor a acção!

O Sr. Presidente: - Sr.º Deputada Odete Santos, agradecia que não entrasse em diálogo directo.

O Orador: - Sr.ª Deputada, não fico surpreendido pelo facto de termos posições divergentes sobre esta matéria, o que penso é que a sociedade evoluiu de tal forma que o entendimento que hoje temos acerca das empresas, da sua funcionalidade, da necessidade de as tornarmos sólidas e duradouras é bem diferente do que foi o resultado de 1975. Daí nos parecer que o enquadramento legal confere direitos aos trabalhadores que lhes permitem, se não estiverem em consonância com o objecto do despedimento colectivo, recorrer para os tribunais e aí verem, de facto, feita justiça aos direitos já consagrados.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - E vivem de quê?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que o debate terminará a tempo de votanllos ainda o projecto de lei e a proposta de lei de lei.
Para uma intervenção. tem a palavra o Sr. Deputado Herminio Loureiro.

O Sr. Herminio Loureiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Vamos hoje discutir e analisar duas propostas: uma, do Governo, e outra, do Partido Comunista Português. Os dois textos incidem sobre a nova redacção dos artigos 17.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. Estes dois artigos tratam, respectivamente, das comunicações e consultas que devem ser efectuadas quando se verifiquem despedimentos colectivos.
As duas alterações propostas são importantes, pois obrigam a contactos entre a entidade patronal e as estruturas representativas dos trabalhadores. E igualmente importante salientar a obrigatoriedade de critérios lineares e transparentes a serem seguidos pelas entidades patronais. Critérios objectivos e transparentes não só quanto à decisão de proceder a uni despedimento colectivo mas, ainda, na definição dos parâmetros que decidem os trabalhadores que serão objecto desse despedimento.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Importa realçar o cumprimento destes procedimentos. Quando tal não acontecer, a empresa incorre na ilicitude dos despedimentos. Estes procedimentos obrigatórios impedem os despedimentos «à medida» ou por conveniência.
Já relativamente às sanções pecuniárias, importa referir que as coimas previstas são hoje manifestamente desadequadas, dado o seu baixo valor.
A empresa tem de ser, essencialmente, um local de realização pessoal e profissional de todos, sem excepção, os que aí exercem actividade. Logo, os elementos potenciadores de conflitualidade devem ser, na medida do possível, eliminados, de modo a que a segurança e consequente estabilidade no emprego sejam compatíveis com os indispensáveis esforços de modernização.
O bom relacionamento e as negociações são fundamentais, pois penltitem aprofundar a análise séria e serena da situação, agora com a acção activa e participativa das estruturas representativas dos trabalhadores. Trata-se de per-

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não diga isso!

mitir analisar uma situação grave e, ao mesmo tempo,
encontrar as melhores saídas possíveis para todas as partes

envolvidas. Este ajustamento vem na sequência de uma
directiva comunitária, devendo os Estados-membros asse-
gurar que o respectivo direito nacional esteja em confor-
midade com o disposto na directiva.

Nessa perspectiva, o PSD acolhe esta proposta como boa
e aguarda uma revisão realista das coimas.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs.
Deputados: O facto de estarmos hoje a discutir estas ma
térias ganha particular relevância, pois, infelizmente, as
últimas notícias vindas a público não são de todo anima
doras. A falta de dinamismo na construção civil, motivada
pela paragem do investimento nas obras públicas, e, mais
recentemente, o anúncio de despedimentos em massa na
EDP são bem elucidativos do que, infelizmente, para os
portugueses são as políticas praticadas pelo Governo soci
alista.
Importa aqui hoje, mais uma vez, realçar as nossas preo
cupações, pois os sonhos cor-de-rosa rapidamente se trans
formaram em grandes pesadelos.
Relativamente ao emprego, toda a gente sabe que o
sector das obras públicas é decisivo para a sua manuten
ção e aumento. A situação que estamos a viver é muito
preocupante. As estimativas credíveis já divulgadas apon
tam para uma perda de 16 000 postos de trabalho directos
e pára uma perda indirecta de outros 50 000.
E, claramente, em termos sociais, uma situação de ex
trema gravidade e de grande preocupação para todos os
portugueses, excepto, talvez, para os milhares de boys
socialistas.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs.
Deputados: O desemprego em termos reais é muito su
perior aos números oficialmente divulgados. O Governo
tenta esconder, neste como noutros domínios, a verdade
aos portugueses. Existe uma grande diferença entre a
verdadeira realidade sentida pelos portugueses e a virtua
lidade estatística. As bonitas pétalas das rosas socialistas
rapidamente se transformaram em grandes espinhos da
governação!
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs.

Deputados: Quanto ao projecto do Partido Comunista Por
tuguês, entendêmo-lo mas não concordamos com o mes
mo, pois recorre à intervenção governamental, o que en-

tendemos não ser a melhor solução.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de
Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das
Relações Laborais: - Sr. Presidente, volto a usar da
palavra por me parecer oportuno esclarecer um dos pontos
levantados nas intervenções feitas.
O Sr. Deputado Alexandrino Saldanha proeurou
descortinar uma diferença de sensibilidade entre a
minha intervenção e a do Sr. Deputado Jorge Rato, o
que não é exacto, como ele próprio já esclareceu. Na
minha intervenção, não quis pormenorizar porque
pensei que não me competia, não sendo eu membro
da Assembleia, entrar no debate do projecto do PCP,
mas quero esclarecer que estou totalmente de acordo
com a intervenção do Sr. Deputado Jorge Rato e que
subscrevo a ideia que ele transmitiu aqui: primeiro,
que a legislação em vigor é equilibrada,...
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não diga isso!
O orador: - ...º que não quer dizer que não seja passível de correcções e
de aperfeiçoamentos; em segundo lugar, de tal maneira é equilibrada que a definição...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não fuja à questão!

O Orador: - Se a Sr.ª Deputada Odete Santos está

em desacordo com isto, deveria ter aconselhado os seus
colegas de bancada a propor alterações ao artigo 16.º, que
define o despedimento colectivo!

Como dizia, tanto a legislação em vigor é equilibrada que não há propostas de alteração da própria definição do despedimento colectivo!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é nesse aspecto! Não fuja à questão!

O Orador: - O que se passa é que os Srs. Deputados continuam com aquela velha desconfiança relativamente à divisão de poderes, não confiam no poder judicial, que, num Estado de direito, é onde a ilicitude do despedimento colectivo tem de ser demonstrada, e querem, novamente, responsabilizar os governos para impedir despedimentos alegadamente ilegais. Não pode ser assim! É nos tribunais que se demonstra a ilicitude do despedimento colectivo!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é nada disso! Nós não confiamos é do poder executivo!

O Orador: - E, portanto, o que deve ser impedido é que a lei dos despedimentos colectivos seja convertida numa luta de classes...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ai, a luta de classes, que coisa horrível!

O Orador: - ... nesse país imaginário da nossa juventude, que os Srs. Deputados continuam a...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A ideia da sua juventude!

O Orador: - Da minha juventude, exactamente!

Fui eu que envelheci, mas olhe que o Sr. Deputado perdeu mais cabelo do que eu nestes 20 anos!
Risos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas não mudei de ideias!

O Orador: - Nós estamos a trabalhar com o País real, que quer empresas que se reestruturem e não é por promover manifestações na Praça de Londres ou na Rua Castilho, conforme a deslocalização que se pretenda fazer do Ministério do Trabalho, que os trabalhadores vêem os seus interesses acautelados; esses direitos são acautelados pela intervenção dos serviços de formação e de emprego da administração do trabalho e da segurança social, aliás, tal como está previsto no diploma. Isso é feito sem prejuízo da intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tem sido cá uma intervenção...

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O Orador: — ... e, essencialmente, sem prejuízo do recurso ao poder judicial, porque essa é que é a base onde se discute e a vossa desconfiança do poder judicial é, de facto, dramática.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — A desconfiança é do poder executivo!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): — Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado tentou fazer aqui uma manobra em que descortinava uma desconfiança da nossa parte quanto ao poder judicial, mas devo dizer que não temos
qualquer desconfiança relativamente ao poder judicial. O que acontece — e o Sr. Secretário de Estado sabe tão bem como eu — é que os processos que «caem» no tribunal, por força das deficientes condições em que trabalham não só os juizes mas também os funcionários, demoram um, dois, três, quatro, cinco ou mais anos.
Sr. Secretário de Estado, para quem pensa nunca ser despedido, é fácil remeter para os tribunais, mas pergunto-lhe: um trabalhador despedido que não aceite (e, para recorrer ao tribunal; não pode fazê-lo) a indemnização de que é que vive ao longo de um, dois, três, quatro anos? Quem espera nunca ser despedido pode fazer discursos desse tipo, mas de que é que vive um trabalhador, durante este período de tempo, se não tem outra forma para se sustentar a si e à sua família, Sr. Secretário de Estado?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado e peço-lhe que seja o mais breve possível.

O Sr. Secretário de Estado da Seguranca-Social e das Relações Laborais: — Sr. Presidente, serei muito breve.
Quero apenas dizer que concordo com a alteração que consta do projecto de lei do PCP no que diz respeito à indemnização como impeditivo, como foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Rato, relativamente a cuja intervenção declarei o meu acordo integral. Portanto, eu não quis maçar a Assembleia, repetindo, mas estamos de acordo sobre esse aspecto; não estou de acordo é com a tentativa de reintroduzir a proibição político-administrativa do despedimento colectivo fora dos tribunais.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegou a hora das votações. Vamos começar pela votação do projecto de resolução n.° 124/VII —Alargamento dás atribuições da Comissão Eventual de Inquérito às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma de Estradas (PS).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade:
Vamos votar a proposta de alteração do objecto do inquérito parlamentar n.° 8/VII (Apreciação de actos dos Governos do PS é do PSD envolvendo o Estado e grupos económicos), apresentada pela Comissão Eventual de Inquérito.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos passar à votação do projecto de resolução n.° 109/VII — Relativo à adopção de medidas contra a deslocalização de empresas (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD/ do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PS.

Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.° 598/VII — Garante aos pais e encarregados de educação melhores condições de participação na vida escolar e de acompanhamento dos seus educandos (PCP).

Submetido, à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, o projecto de lei que acabámos de votar baixa à 6.a Comissão. Vamos votar, também na generalidade, o projecto de lei n.° 552/VII - Planeamento familiar e saúde reprodutiva (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Passamos agora à votação, na generalidade, do projecto de lei n.° 632/VII — Reforça às garantias do direito à saúde reprodutiva (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes, votos contra do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, o projecto de lei que acabámos de votar baixa à 7.a Comissão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, permite-me que use da palavra para pedir um esclarecimento?

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, gostaria apenas que repetisse a que comissão é que baixa o projecto de lei que acabámos de votar.

O Sr. Presidente: — À 7.a Comissão, Sr. Deputado.
Vamos agora passar à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Saúde, relativo ao projecto de lei n.° 580/VII — Programa especial de acesso aos cuidados de saúde (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.° 604/VII — Revoga as leis da regionalização (CDS-PP), que foi hoje mesmo discutido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, quero apenas informar a Mesa que não tenho o guião das votações que o Sr. Presidente está agora a anunciar, pelo que peço que o mesmo seja distribuído.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, quando se trata de diplomas projectos que acabámos de discutir, o guião tem sido dispensável. Se o exigir, os serviços irão fotocopiar e distribuir, mas vamos gastar algum tempo talvez sem necessidade; porque se trata exactamente do projecto de lei que acabámos de discutir. O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):— Nesse caso, penso que não será necessário, Sr. Presidente. .

O Sr. Presidente: — Vamos, então, votar, na generalidade, o projecto de lei n.° 604/VII — Revoga as leis da regionalização (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.° 162/VII — Alteia os artigos 17.° e 18.° do Regime dos Despedimentos Colectivos, consagrado nó Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.
Srs. Deputados, esta proposta de lei baixa à 8.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.° 388/VII. — Altera o regime dos despedimentos colectivos (PCP).

Submetido à votação foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, passamos anotação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.° 213/VII - Altera a Lei n.º 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República) e ao projecto de lei n.° 584/VII — Redução do período de campanha eleitoral é de prazos para a marcação de eleições e alargamento do dever de neutralidade das entidades públicas (PSD).

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, quero só transmitir que uma troca de impressões entre os Srs. Deputados da l.a Comissão que trabalharam no diploma que V. Ex.ª está agora a submeter à votação levou à detecção de um lapso dactilografia) no artigo 57.°. Assim, nesse artigo, onde se lê «posições» deverá ler-se «candida-turas» e o seu último segmento «e grupos de cidadãos eleitores» deverá ser eliminado.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, os lapsos serão corrigidos em sede de redacção final.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, peço também a palavra.

O Sr. Presidente: — Faça favor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, é apenas para chamar a atenção para o facto de estas votação já não serem do Plenário de hoje. Assim, como delas não possuímos guião, peço ao Sr. Presidente que repita os dados dos diplomas que estão a ser votados...

O Sr. Presidente: — Tem toda a razão, Sr. Deputado, mas o Sr. Secretário da Mesa informa-me que foram distribuídos os textos destes diplomas. De facto, eu tenho aqui esses textos e, portanto, o Sr. Deputado é capaz de tê-los também no meio dos seus papéis.
Portanto, não há guião mas há os textos, que equivalem ao guião, que nada mais é do que um ordenamento dos textos! Pausa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Está tudo certo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Então, passamos à votação final global do texto final que anunciei.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos proceder também à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.° 518/VII — Alarga a aplicação dos princípios reguladores da propaganda e a obrigação da neutralidade das entidades públicas à data da marcação das eleições (PCP).
Submetido à votação foi aprovado por- unanimidade. Srs. Deputados, chegámos ao fim das votações.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, João Amaral.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos continuar os nossos trabalhos com a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.° 231/VII — Atribui às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação de trabalho.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.
O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.° 231/VII não oferece dificuldade no seu conteúdo, mas necessita de uma justificação. É ela a de que a política do Governo em matéria de elaboração de

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legislação do trabalho quer privilegiar, cada vez mais, a regulação do mercado de trabalho por via contratual e negocial.
Isto significa que é cada vez mais necessário criar condições para que, no terreno do mercado de trabalho, as partes intervenientes - os sindicatos, os representantes da classe empresarial ou patronal - falem ao mesmo nível. Não há contratualização, a nenhum nível da vida social, sem igualdade das partes.
Assim, é com este sentido que o Governo, levando em conta uma medida prevista no Acordo de Concertação Estratégica celebrado entre o Governo e os parceiros sociais, apresenta esta proposta, que visa consagrar na lei aquilo que já está institucionalizado na prática, uma vez que vamos já na segunda década de concertação social. Hoje, não há qualquer diploma sobre legislação do trabalho, quer ele tenha sido preparado por este Governo, quer tenha sido elaborado pelos governos que o precederam, quer venha a sê-lo pelos que lhe sucederão, sem que se tenha ouvido tanto o parecer das organizações dos trabalhadores, como a Constituição e a lei mandam, como o das organizações patronais, o que a lei não consagra mas que a prática e o uso já há muito instituíram. Aliás, todos respeitamos esta atitude e todos nos pronunciamos sobre os pareceres que cada uma das partes, sindicatos e associações patronais, emitem.
Por isso, a presente proposta visa consagrar na lei o direito de participação de todas as associações patronais na elaboração de legislação do trabalho, superando a Iimitação actual, ou seja, o facto de esse direito ser apenas reconhecido às confederações patronais e em relação a projectos da iniciativa do Governo apreciados na Comissão Permanente de Concertação Social.
Portanto, é para alargar cada vez mais esse direito que a proposta de lei foi preparada, porque o exercício do referido direito de participação só pode ser plenamente realizado quando as leis o prevêem com toda a clareza e em toda a sua plenitude.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, tenho muito gosto em encontrar aqui o Sr. Secretário de Estado, uma pessoa muito simpática e clara, para debater estas questões. No entanto, estranho que o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade nunca aqui venha para discutir as questões relativas às leis laborais. Possivelmente será para não se ver que, afinal, ele não é assim tanto da solidariedade!
V. Ex.ª disse, e muito bem - por isso foi claro -, que as associações sindicais e as organizações patronais deviam estar ao mesmo nível. Com certeza o Sr. Secretário de Estado conhece a informação da União Europeia sobre o triunfo das desigualdades em Portugal, onde a ratio entre os mais ricos e os mais pobres é a mais elevada da União Europeia - situa-se entre os 7 e os 8% -, indicando, claramente, que há aqui um proteccionismo aos mais ricos. E eu pergunto: será verdade que considera que trabalhadores e os patrões estão ao mesmo nível? Penso que ficar com cabelo não lhe serviu de coisa nenhuma!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente! Perdeu as ideias! ...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, serei muito breve.
Evidentemente que houve um comentário da Sr.ª Deputada totalmente legítimo, mas que, a meu ver, não se aplica à actuação do Ministério do Trabalho e da Solidariedade. Isto porque o Governo encarrega qualquer um dos seus membros - e fá-lo conforme o juizo que, em cada momento, tem da natureza dos diplomas e do debate que eles abrirão - para acompanhar a apreciação das propostas que submete a este Plenário.
Por outro lado, como a actividade de um ministério não cessa no momento dos debates parlamentares, é natural que outras actividades possam solicitar a presença do seu responsável. E gostava de tranquilizá-la, Sr.ª Deputada, dizendo que o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade estará nesta Assembleia em oportunidades próximas, para discutir com os Srs. Deputados alguns dos diplomas da maior relevância para o nosso ordenamento laboral.
Relativamente ao problema quê os poucos cabelos que ainda conservo permitiram,que saíssem da minha cabeça, ou seja, a mudança de ideias, gostaria só de dizer que uma coisa - e lamento que a Sr.ª Deputada trouxesse aqui essa confusão, que certamente não está na sua cabeça (fè-lo talvez mais para a audiência) - são as assimetrias sociais, aquilo que se passa entre indivíduos ou grupos de indivíduos - classes sociais, se quiser - e outra é o que tem a ver com os parceiros.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah!... E as assimetrias não se reflectem?!...

O Orador: - O facto de os parceiros estarem em igualdade de circunstâncias numa negociação não anula as diferenças da sociedade! Mas tem de haver isso! ... Todos sabemos que há proprietários ricos e inquilinos pobres,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isto não tem nada a ver com os inquilinos pobres e os inquilinos ricos!

O Orador: - ... embora também haja inquilinos ricos e proprietários de prédios pobres. Mas eles têm de estar em igualdade para ser possível um contrato de arrendamento. Qualquer contrato, seja ele individual ou colectivo, exige partes que se respeitem, partes que aceitem as suas diferenças e que estejam ao mesmo nível perante a lei. E é isso do que se trata, embora a intenção não seja apagar a diferença entre os indivíduos ou os grupos de indivíduos, mas, simplesmente, a criação de mecanismos de concertação na sociedade que, evidentemente, contrariam o pensamento mais profundo do PCP em matéria de luta de classes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas esta noite vai sonhar com a luta de classes!

O Orador: - Eu não!... A Sr.ª Deputada é que, certamente, sonha com isso todas as noites. Mas decerto é um sonho pouco satisfatório, porque não tem modo de superação, uma vez que não a vejo defender a revolução como a defendia há 20 anos

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Olhe, não se gabe muito!... Não sabe o que é que está para vir!...

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma interven
ção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs.Deputados: A operação do Governo socialista destinada a continuar a subversão do direito do trabalho que construímos por força de Abril, depois da operação-piloto flexibilidade/polivalência, tem hoje início.
Calculada a estratégia ao milímetro, o Governo não deixará de tentar disfarçar o núcleo duro da operação antilaboral, mesclando-o com diplomas instrumentais, aliás de duvidosa eficácia prática, questionado que seja o edificio substantivo do direito laboral.
Mas o Governo avança, nesta estratégia, já em situação de evidentes dificuldades, porque se avizinha o período pré eleitoral, um período em que tudo deve ser preocupações sociais e rosas.
O pulsar do coração do Sr. Primeiro-Ministro. Mas, afinal, por quem pulsa o coração? Há um pulsar sentido pelo facto de a operação antilaboral ter conhecido recuos, graças às lutas dos trabalhadores, e não se ter concluído a tempo de ser tentado o seu apagamento da memória dos atingidos, e há um pulsar de coração doente, ainda que não definitivamente desvendado, de quem caminha de facto ao arrepio da história, porque o neoliberalismo é um recuo na marcha da Humanidade para o progresso, mas não é um beco sem saída.
Hoje, dirá o Governo que discutimos tão-só o reforço dos direitos dos trabalhadores nos processos de despedimento colectivo e a consagração legal do que já vem sendo seguido, na prática - estas foram as palavras do Sr. Secretário de Estado -, da intervenção das organizações patronais na elaboração da legislação laboral.
Mas este último diploma prova bem que o coração do Partido Socialista não pende para os trabalhadores; pende para os compromissos que há muito estabeleceu com os representantes do neoliberalismo.
O Governo entende, como a proposta de lei n.º 231/VII revela claramente, que trabalhadores e patrões estão em igualdade - e o Sr. Secretário de Estado confirmou-o - e que, por isso, os direitos que aqueles têm devem ser concedidos aos segundos, para que estes, coitados, não se encontrem em desigualdade.
Esta é uma postura claramente retrógrada, a que, como já nos habituámos, em casos tais, talvez se chame de modernidade, para tentar encobrir, com vestes novas, as receitas velhas do neoliberalismo que, proclamando a liberdade de escolha, a liberdade da autonomia individual, a liberdade contratual, equipara, nos processos de decisão, aqueles que todos os dias se arriscam a ficar sem emprego - mas ficam empregáveis, diz o Governo como consolo - e os outros, aqueles a quem o neoliberalismo conferiu força - que é transitória, diz a história -, para deixar à porta das empresas o direito de cidadania dos tra balhadores.
A recensão, nos últimos anos, da inaplicabilidade dentro da empresa de normas de direito público do direito do trabalho, normas imperativas que fazem parte do Estado de direito democrático, prova o demissionismo do poder político, servindo os objectivos do poder económico que se lhe agiganta na prossecução dos objectivos dos representantes de uma minoria de privilegiados que dita as regras no Conselho de Concertação Social.

No prolongado conflito que opôs trabalhadores, nomeadamente do norte e do centro do País, ao Governo do Partido Socialista, a respeito da lei da flexibilidade e polivalência, primos que o Governo considerava as organizações patronais como os autênticos intérpretes da lei, o que desde logo forneceu a indicação de que a participação dos trabalhadores na legislação do trabalho era menorizada pelo Governo, arrastando também a própria Assembleia tia República.

E a proposta de lei n.º 231/VII é a prova acabada de que o Governo não sabe ler o texto constitucional e de que o Governo tem pena de que apenas esteja consagrado na Constituição como um direito fundamental dos trabalhadores e não também para as entidades patronais, o direito a participar na elaboração da legislação do trabalho.

Colmatando o facto de se ter visto forçado a recusar na revisão constitucional o conteúdo da proposta, para esconder a face real do programa socialista para o mundo do trabalho, o Governo vem agora retomar a proposta de lei rejeitada, deitando mais uma acha no enfraquecimento do direito do trabalho, como direito destinado ao favorecimento da parte mais fraca da relação laborai - o trabalhador.

O direito fundamental consagrado na Constituição de os organismos representativos dos trabalhadores participarem na elaboração da legislação do trabalho faz parte dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, recorde-se.

Como se assinala na Constituição Anotada dos Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, «(...) reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos "direitos, liberdades e garantias" como direitos do homem ou do cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o trabalhador (exactamente: o trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade.»

E acrescenta-se na Anotação ao texto constitucional: «Por outro lado, os direitos dos trabalhadores aqui garantidos implicam uma óbvia subversão do conceito tradicional da empresa (e das restantes organizações de trabalho) como domínio privado dos seus titulares, dispondo das relações e postos de trabalho, do acesso aos locais de trabalho, e sobretudo da gestão de empresa.»

Ao pretender consagrar na legislação ordinária para as organizações patronais um direito a participar na elaboração da legislação de trabalho, o Governo atinge direitos fundamentais dos trabalhadores, sanciona o desfiguramento do direito laborai como instrumento de progresso e posiciona-se como lídimo representante do neoliberalismo que faz triunfar as desigualdades.

O Governo contribui, também, desta forma, para o reforço dos poderes abusivos das entidades patronais no sacrossanto altar, da empresa. O Governo dá a sua ajuda para construir a inefectividade do direito de trabalho.

O Governo prepara a introdução na legislação de trabalho de mais um conjunto de diplomas - como o diploma relativo às férias, ao trabalho a tempo parcial, às remunerações, ao lay off -, reforçando a soberania do poder económico e é ao som desta cadência do regulem pela cidadania que bate o coração do Governo.

Mas esta é uma cadência atrasada e desfasada no tempo, porque atrás de tempos tempos vêm e o atraso core que, a contragosto, o Governo iniciou a operação antilaboral é já um sinal de que os trabalhadores exigem o respeito pela sua cidadania.

Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Barbosa de Oliveira e Pedro Feist.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, que cederá algum tempo do seu partido para que a Sr.ª Deputada possa responder-lhe.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, a um ano apenas do ano 2000, o seu discurso pareceu-me, no mínimo, estranho.
Ao contrário daquilo que a Sr.ª Deputada aqui referiu, classificando-o como o reguiem da cidadania, dir-lhe-ia que não há cidadania sem diálogo social, sem contratualização e não haverá contratualização sem a participação dos parceiros sociais.
Sr.ª Deputada, lembro-lhe que a central sindical CGTP participa no Conselho Económico e Social, participa no Conselho Económico e Social a nível europeu e na Comissão Permanente de Concertação Social e dialogar e discutir não quer dizer que se esteja sempre de acordo; agora, a ausência de diálogo, essa sim, quer dizer, em meu entender, o requiem da cidadania.
Pergunto, pois, se a Sr.ª Deputada tem presente que o PC francês, que é um partido irmão do seu, tem como posição que a ausência de diálogo social de contratualização significa uma perda para os trabalhadores.
Por outro lado, na prática diária e constante, esta Assembleia, nomeadamente a Comissão de Trabalho, -Solidariedade e Segurança Social, tem uma prática sensata de, nas grandes questões, nas que são importantes, como agora a questão da refürma da segurança social, tomar a iniciativa de chamar aqui os diversos parceiros sociais, sejam eles as centrais sindicais sejam as confederações patronais.
Assim, o facto de haver diálogo conduz à própria contratação colectiva, pois não existe contratação colectiva sem diálogo entre empregadores e empregados. De modo que, Sr.ª Deputada, não entendo a sua posição - repito - a um ano no novo século, a um ano do ano 2000.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que é que isso tem? Podíamos até estar no ano 2000!...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, que dispõe de 1 minuto cedido pelo PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, penso que o senhor tem uma ideia cabalística de estarmos a um ano do ano 2000...!

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Olhe que não!

A Oradora: - Mas eu quero dizer-lhe que era melhor falar na tremenda doença da sociedade francesa, mas eu não vou discutir isso.
Pergunto-lhe: que contratualização há quando os trabalhadores estão em desigualdade perante as entidades patronais? De facto, a sua intervenção foi exemplar, porque até indicou que o Sr. Deputado entende que a participação na elaboração de legislação do trabalho se manifesta através das audições que são feitas na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, mas o texto constitucional é muito mais do que isso, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Eu não disse isso!

A Oradora: - De maneira que a sua intervenção foi elucidativa sobre o seu posicionamento. Agora, já sei que

o Sr. Deputado considera que os trabalhadores são partes iguais no contrato de trabalho. Foi o que o Sr. Secretário de Estado disse e isso é ao arrepio de todas as modernas concepções sobre o direito de trabalho. Essa é uma concepção retrógrada!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, quando li a proposta de lei n.º 231/VII, que atribui às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação de trabalho, que estamos agora a discutir, pensei que vinha a Assembleia ouvir uma coisa que consta de um acordo feito em sede de concertação social na qual foi garantido às associações empresariais representantes dos empresários o direito de participar na elaboração da legislação de trabalho. Isso é pacífico e claro!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Por enquanto o Parlamento é soberano!

O Orador: - Agora, o que eu não pensava era vir ouvir um discurso marxista tão perto do 25 de Abril, no qual V. Ex.ª...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não me diga que pensava que eu não era marxista?!...

O Orador: - ... vem novamente falar no papão dos neoliberalistas, dos patrões malandros e dessas coisas todas, que eu julguei que o 25 de Abril, que os senhores tanto proclamam, tivesse afastado de uma vez para sempre.
Sr.ª Deputada, convido-a - e faço-o com toda a sinceridade e honestidade - a visitar a minha empresa amanhã de manhã para verificar qual foi a participação nos resultados das minhas várias empresas no ano passado em função dos trabalhadores para saber se isto são atitudes neoliberais ou se, de facto, por parte do empresariado, não há, em conjunto com os trabalhadores, uma vontade colectiva de melhorar a capacidade económica deste país indo ao encontro das necessidades económicas.
Sr.ª Deputada, de facto, não pensava vir ouvir isto a esta Assembleia!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não me diga!...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, que dispõe de 1 minuto cedido pelo CDS-PP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Feist, eu pensava que o senhor ia intervir assim. Vê?! Eu não tive surpresas! O que me surpreendeu foi o Sr. Deputado pensar que eu meti o marxismo dentro da gaveta, porque eu pertenço a um partido que tem a espinha direita e que não mete as coisas na gaveta quando elas são muito válidas.
O Sr. Deputado garante que, dando de barato que é assim na sua empresa, todas as entidades patronais são assim... Além disso, nós estamos a discutir uma questão que nada tem a ver com casos particulares.

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O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Mas não os retira!

A Oradora: - Estamos a discutir unia questão que tem a ver com o facto de os trabalhadores serem parte desigual e a Constituição dá-lhes o direito fundamental de participar na elaboração da legislação do trabalho não prevendo corporativismos, e essa foi unia solução corporativa que o Governo arrarijou... Já sabemos que o Governo tem esses compromissos com as entidades patronais - isso é claro! Aliás, o Governo até disse, em comunicado, que as entidades patronais dessa comissão eram os intérpretes autênticos da lei da flexibilidade e polivalência, tripudiando sobre a Assembleia da República, que é o poder legislativo ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - ... embora o Governo considere que os senhores são o poder legislativo, é óbvio!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs.Deputados: Julgo que a matéria que está aqui em causa é tão mais revelaüte quanto ela é, fundamentalmente, consensual pela prática política. Não é isso que está aqui em causa hoje, não é discutirmos se as associações patronais devem ou não ter direito a pronunciar-se relativamente à legislação laboral. Isso é um dado adquirido.
A discussão, hoje, passa, única e exclusivamente, por a Constituição, e em minha opinião excessivamente, resguardar uma participação específica para as organizações representativas dos trabalhadores, esquecendo uma parte fundamental dessa mesma discussão no sentido do diálogo social na tendência mundial de todos serem partes neste tipo de discussões.
Não está em causa se damos mais direitos a uns do que a outros, não está em causa se damos mais importância a uns do que a outros; o que está em causa é ouvir, é a institucionalização da audição de entidades, deixando a decisão a quem de direito, e fala-se do Governo e do Parlamento, naturalmente.
Porém, nenhuma destas entidades deve deixar influenciar-se por aquilo que são as audições que concede quer a representantes dos trabalhadores quer a representantes das entidades patronais.
O que está aqui em causa hoje - e é isso que importa questionar o Governo - é um conjunto de diplomas que estão à discussão nesta sessão plenária que são um mero balão de ensaio, que representam a falta de. estratégia do Governo, a incapacidade do Governo de assumir posições em tempo oportuno e que, acima de tudo, representam a falta de coragem que o Governo tem em avançar com as anunciadas propostas de legislação laboral.
Vejamos: que estratégia é que este Governo tem sobre a legislação laborai? A que anunciou em 1996 no Acordo de Concertação Estratégica, na l.ª Sessão Legislativa desta Legislatura e que só neste sessão legislativa teve coragem de vir apresentar? Qual é a coragem deste Governo ao apresentar hoje estes diplomas e não os que se afiguram polémicos, ou seja, os que enviou para esta Assembleia, mas que ainda não teve a capacidade nem a coragem de agendar atempadamente?

Ao contrário do que diz a Sr.ª Deputada Odete Santos, que já não se encontra na Sala, o coração do Governo não pende para os patrões mas apenas para alguns. É isto que lamentamos, porque desejaríamos que o Governo fosse o Governo de todos e não apenas de uma parte da sociedade portuguesa, nomeadamente de todos aqueles que contribuem para o desenvolvimento do País.
A proposta de lei hoje em apreciação, que atribui às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, corresponde ao texto do Acordo de Concertação Estratégia de 1996. Foram precisos três anos para que o Governo resolvesse redigir quatro linhas para assegurar um direito legítimo, necessário, que correspondia a uma prática informal do Parlamento, há anos.
Volto a dizer que não compreendo como é que esta questão levanta tanta polémica. O que está aqui em causa é, única e exclusivamente, dar uma oportunidade a que entidades patronais se pronuncieis relativamente a isto. Uma tendência, se não, pelo menos, europeia, seguramente algo que está consagrado em Portugal há muitos anos, que os governos praticam há muito tempo e que este Parlamento, informalmente, tem aceite como prática corrente.
Não compreendo também a posição do PCP relativamente a esta matéria, que tem apoiado todas as audições parlamentares, em que se convidam entidades patronais para se pronunciarem sobre as mais variadas matérias. Portanto, não compreendo a polémica que se levanta relativamente a esta matéria, que, para mim, tal como já aqui foi afirmado, era perfeita e necessariamente pacífica.
Trata-se, pois, de alargar a participação a toáss as entidades envolvidas nos processos, quando eles envolvem mudanças legislativas e com implicações sociais, o que é naturalmente positivo.
A discussão pública de diplomas e o procedimento formal da audição escrita ou oral das partes interessadas é um imperativo constitucional de realização da democracia participativa e de estabilidade social, com o objectivo de dar as mesmas oportunidades e a mesma dignidade de participação a todas as partes em=olvidas. A proposta de lei deve ser aceite no sentido de se consagrar a participação das entidades patronais no processo de legislação de trabalho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Reis.

O Sr. José Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Através da proposta de lei n.º 231/VII, visa o Governo reconhecer às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho.
Aquilo que hoje, em concreto, se discute nesta Câmara é a consagração legal de práticas de participação e de concertação social já enraizadas no nosso sistema jurídico-político e, nesse sentido, a iniciativa legislativa em discussão configura uma medida inatacável do ponto de vista social e dos objectivos que visa alcançar.
Como é sabido, o direito à participação na elaboração da legislação do trabalho encontra-se expressamente previsto e reconhecido, relativamente às associações sindicais e às comissões de trabalhadores, nos artigos 54.º e 56.º da Constituição da República Portuguesa. Este comando constitucional, que remonta a 1976, teve desenvolvimento na

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legislação ordinária através da aprovação da Lei n.º 16/79, de 26 de Maio, que veio regular as condições em que se deve processar a participação das associações sindicais e comissões de trabalhadores na elaboração da legislação laboral.
O direito à participação das estruturas representativas dos trabalhadores no domínio da legislação laboral, traduzido na emissão de pareceres aos projectos de diploma previamente publicados para efeitos de discussão pública, constituindo um importante instrumento ao serviço dos trabalhadores, tem possibilitado ao legislador conhecer, antecipadamente, as reacções dos destinatários últimos da legislação laboral, permitindo-lhe, assim, por um lado, legislar com conhecimento de causa e, por outro, potenciar um quadro jus-laboral mais adequado, equilibrado e consentâneo com a realidade do País e evolução das relações industriais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O direito à participação na elaboração da legislação do trabalho constitui, no nosso ordenamento jurídico-laboral, um direito fundamental dos trabalhadores, mas importa reconhecer que se trata igualmente de um direito fundamental das associações patronais e que, por isso, merece a tutela da lei.
A legislação do trabalho implica direitos e obrigações para os trabalhadores mas também implica direitos e obrigações para as empresas. Na elaboração da legislação laboral, o legislador não pode ser cego a esta realidade e, por isso, deve conferir a ambas as partes os mesmos mecanismos e instrumentos de participação e consulta. Neste contexto, embora entendamos que a legislação do trabalho deve proteger os trabalhadores, parte reconhecidamente mais fraca na relação contratual laboral, temos de reconhecer que o interesse na participação da elaboração da legislação laboral não constitui um monopólio dos trabalhadores.
Para o Partido Socialista, o diálogo social e a participação dos vários parceiros sociais na vida económica e social em geral e na elaboração das leis do trabalho em particular representam uma componente importante da nossa democracia, e tudo faremos para contribuir para o seu aprofundamento e desenvolvimento na sociedade portuguesa.
Foi neste espirito e com a profunda convicção da necessidade de se valorizar o diálogo social que o Governo da «nova maioria» assumiu no seu Programa, como uma das premissas da revisão da legislação do trabalho, a «dinamização das instâncias permanentes de concertação social no sentido de formação de consensos prévios quanto à política legislativa a prosseguir.»

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: A lógica e a razão de ser do diálogo social, da participação e da consulta, qualquer que seja o plano em que se processe, seja na concertação social, seja ao nível da empresa ou mesmo a nível europeu, pressupõe naturalmente que o debate em torno de diferentes posições permita alcançar a obtenção de acordos e soluções concertadas. Neste contexto, nem trabalhadores nem empregadores devem recear a participação e consulta de uns ou de outros, sendo que é da mesma que resultam - estamos convictos, e a experiência assim o vem demonstrando - as melhores soluções, porque negociadas.

A medida legislativa que o Governo hoje propõe a esta Assembleia, podendo à primeira vista parecer singela, assume, contudo, um enorme relevo no domínio do aprofundamento do diálogo social e da participação dos parceiros sociais quanto à legislação laboral.
Com esta proposta de lei, consagra-se legalmente uma prática reiterada, ainda que desenvolvida a título informal. De facto, as associações patronais, como é de todos conhecido, contribuem já, e com alguma sistematicidade, através da elaboração de pareceres, no quadro da apreciação pública da legislação laboral, contributos estes bem acolhidos quer pela Assembleia da República quer pelo Governo.
No que se refere à Assembleia da República e, particularmente, à Comissão Parlamentar de Trabalho, é de sublinhar que tem vindo a ser prática, para além da recepção dos pareceres enviados pelos parceiros sociais sobre os diplomas em apreciação pública, a realização de audiências com a finalidade de conhecer posições, sensibilidades e contributos que permitam a aprovação de enquadramentos legais equilibrados, coerentes e de elevado grau de aplicação prática.
Acresce, ainda, que a presente proposta de lei corresponde ao cumprimento, por parte do Governo, de mais uma das medidas acordadas em sede de concertação social.
Com efeito, o Acordo de Concertação Estratégica, celebrado entre o Governo e os parceiros sociais, consagra expressamente como medida a implementar «Promover a participação dos empregadores na elaboração da legislação do trabalho, pelo que o Governo diligenciará no sentido da consagração, mediante diploma legal, do direito de as associações patronais participarem na elaboração da legislação do trabalho, nos termos estabelecidos pela Lei n.º 16/79, de 26 de Maio, para as organizações de trabalhadores». É para nós significativo que esta proposta de lei comporte a chancela e o apoio dos parceiros sociais, que, deste modo, expressamente reconhecem o papel do diálogo social na construção da sociedade democrática e da coesão social.
Em suma, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acolhe com grande satisfação esta medida do Governo, convicto de que a mesma contribuirá de forma inequívoca para o reconhecimento de um dos mais elementares direitos dos parceiros sociais: o direito à participação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 23I/Vll atribui às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação de trabalho, que vem propor a conjugação de um direito até hoje reservado às associações sindicais.
De facto, a Constituição da República Portuguesa atribui às associações sindicais e às comissões de trabalhadores o direito de participarem na elaboração da legislação de trabalho. Como está na proposta de lei, este direito é extensivo às comissões coordenadoras das comissões de trabalhadores, pelo que este direito dos trabalhadores ou, se preferir, das associações sindicais não pode nem deve ser entendido como um direito manipulador, um direito corporativo ou, até, como um direito que condiciona o legislador na sua actividade.

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O exercício de tal direito permite informar e contribuir para melhor preparar o legislador e até influenciar através da formulação de pareceres sobre os projectos de diplomas legais previamente publicados. Mesmo sem enquadramento legal, as associações patronais têm vindo a manifestar os seus pareceres sobre a legislação, do trabalho.
De facto, está cada vez mais afastada a ideia de que na vida das empresas, nas relações laborais, empregados e empregadores estão condenados a viver como adversários, de costas voltadas, em que os interesses de uns conflituam com os interesses de outros.

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP) — Muito bem!

O Orador: — A realidade é exactamente bem diferente, mesmo que este facto não agrade a alguns. A sociedade evoluiu, a globalização da economia trouxe uma vulnerabilidade para países de economia frágil, como o nosso, que impõe que tenhamos uma atitude solidária na resposta aos problemas e uma certeza nos repartidos proveitos.
A agressividade dos mercados e as necessárias adaptações que se reclamam numa sociedade em constante mutação justificam que caminhemos juntos como parceiros sociais de facto, nesta tarefa, que se apresenta difícil de construir empresas sólidas e duradouras. Justifica-se, portanto, plenamente, que se alargue às associações patronais o direito à consulta na elaboração da legislação de trabalho.
Como nota final, quero dizer que não deixo de registar que este diploma se insere num vasto pacote laboral, que o Governo propõe, de alterações à legislação laboral, que não deve marcar o sentimento de quem pode ser cúmplice de um só lado.

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP). — Muito bem!

O Sr. Presidente. — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das
Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, muito brevemente, de assinalar apenas dois pontos, sendo o primeiro o facto de haver consagração constitucional relativamente à participação dos trabalhadores e seus representantes na elaboração da legislacão de trabalho e de haver extensão na lei relativamente a algo que não está previsto na Constituição.
Parece que o argumento de inconstitucionalidade não foi usado, não parece poder existir, mas, em todo o caso, acho que há aqui um significado profundo que gostaria de assinalar é que, de facto, sendo a parte mais fraca os trabalhadores — para nós, Governo e Partido Socialista, é, sem dúvida, a parte mais fraca —, a consagração na Constituição tem justamente o valor de assinalar,que esse direito lhe está consagrado na lei fundamental do País e sujeito às regras próprias de alteração dessa mesma lei.
No que diz respeito à legislação ordinária, o que desejamos é consagrar essa possibilidade a todas as associações patronais, nomeadamente àquelas não integradas em confederações, porque já há associações patronais que têm este direito reconhecido — as confederações com assento na Comissão Permanente de Concertacão Social — relativamente às iniciativas do Governo mas não relativamente às iniciativas dos Deputados.
Contudo, não nos podemos esquecer que nem as confederações patronais nem as sindicais com assento na Comissão Permanente de Concertacão Social esgotam as formas de associação legítimas que devem ser ouvidas, sejam sindicatos não filiados em qualquer das confederações, sejam associações sectoriais ou empresariais que não estejam filiados, porventura, nas confederações patronais, e o facto de reconhecermos esse direito, agora através desta lei, não altera a posição de uns e outros na sociedade. Essa posição não resulta da lei nem do reconhecimento.

A Sr.a Odete Santos (PCP): — Ficam mais desiguais!

O Orador: — O facto de eu ter recebido uma associação patronal na Sala Nobre do Ministério do Trabalho e de a ter convidado a sentar-se...,

A Sr.a Odete Santos (PCP): — Pára quê?! Até fala com eles na rua!...

O Orador: —... levando a recordar-me que, há 20 anos, elas não se sentavam naquelas salas, ficavam em pé ou «empoleiradas» nós parapeitos da sala...

A Sr.a Odete Santos (PCP): — E há 26 e 27 anos, já agora?

O Orador: — Também o contrário se aplica, evidentemente! Más suponho que o facto de eles se sentarem não altera a minha posição, porque tanto eu como os sindicatos somos livres de concordar ou discordar e de aproximar ás posições através da arte da negociação, que é uma procura de compromissos.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — E isso exige um respeito e uma igualdade formal.

A Sr.a Odete Santos (PCP): — Ah!

O Orador: — É disso que se trata aqui. Não é uma igualdade na sociedade, porque essa não existe nem nenhuma lei a decreta. Por acaso, houve a ilusão de que se decretava a igualdade por lei, todos nós padecemos disso, mas a realidade mostrou-nos que não é por ai, é a realidade que a impõe!

Aplausos do PS.

A Sr.a Odete Santos (PCP): — Veja a questão das quotas!... Também era por lei que se queria decretar a «igualdade»!

O Sr. Presidente: — Sr.a Deputada Odete Santos, também me apetecia fazer uns apartes mas não faço!
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ouvi com muita atenção a sua intervenção e ou percebi mal ou, quando V. Ex.ª diz que permite que as entidades empresariais ou patronais, conforme lhe quiserem chamar, até se podem sentar no seu gabinete, confesso que fiquei profundamente perplexo.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é nada disso! Sentar, pode sentar-se!...

O Orador: - Quando a Sr.ª Deputada Odete Santos se insurge contra essa situaçã, creio que, eventualmente, de forma jocosa, gostava de lembrar - e talvez ninguém se lembre aqui nesta Sala que, naquele Ministério onde V. Ex.ª ocupa as suas funções, eu, como Presidente da União dos Comerciantes de Lisboa, representante de 12 000 empresários em Lisboa, depois do 25 de Abril, estive fechado 48 horas para assinar um contrato que permitia a abertura de estabelecimentos ao sábados da parte da tarde e as 44 horas de trabalho semanal. Estive lá fechado! E, nessa altura, deixaram-me estar sentado, porque era a única coisa que me deixavam fazer!
Portanto, com o todo o respeito, Sr. Secretário de Estado, não entendo que, tão perto do 25 de Abril (e repito aquilo que tem sido tão discutido nesta Assembleia), se venha dizer que os empresários ou os representantes das associações patronais - e a União dos Comerciantes de Lisboa, por exemplo, discute directamente com 18 sindicatos, como muito bem sabe, nem passa pela confederação - só têm direito a sentar-se mas não têm direito a discutir com os trabalhadores directamente.
Não entendi muito bem e, por isso, peço-lhe o seu esclarecimento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro que era uma metáfora! Um pensamento subtil...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Era uma metáfora! Daquelas de O Carteiro, de Pablo Neruda...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A imagem talvez tenha resultado confusa, dado a maneira como a apresentei, admito isso. Mas o que pretendi significar é que o facto de dialogarmos como devemos, respeitando-nos uns aos outros, a igualdade na discussão, não invalida nem nos leva a abdicar das nossas convicções, das nossas posições e das nossas diferenças. Foi isso que quis dizer à Sr.ª Deputada Odete Santos e que ela considerou muito infeliz, porque certamente só se sente segura das suas convicções se estiver sentada e os outros em pé, mas eu não preciso disso! E quando digo eu quero referir-me ao Governo e ao Partido Socialista, que dialoga por igual com todos, sem deixar de defender, «com unhas e dentes», o seu ideário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Está encerrado este debate, prosseguindo a sessão com a discussão conjunta das propostas de lei n.º 226/VII Aumenta de três para quatro anos a duração máxima do mandato dos titulares de corpos gerentes de associações sindicais e 227/VII - Assegura a informação e consulta dos trabalhadores em empresas ou grupos de empresas transnacionais, regula a instituição de conselhos de empresa europeus ou de procedimentos simplificados de informação e consulta em empresas e grupos de empresas de dimensão comunitária.

Para apresentar as duas propostas em conjunto, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à proposta de lei n.º 226/VII não é necessária qualquer justificação. Houve acordo em relação a este aumento, o Governo subscreveu-o com os parceiros sociais, no âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social, e não está em causa a democraticidade das associações sindicais, o que está em causa é simplesmente um ajustamento da duração máxima do mandato dos titulares de corpos gerentes de associações sindicais, por forma a estabilizar o que era uma aspiração da generalidade dos sindicalistas, ou seja, estabilizar o exercício desse mesmo mandato nas respectivas associações.
No que diz respeito à proposta de lei n.º 227/VII, trata-se de uma proposta com muita importância, na medida em que assegura a informação e consulta em certo tipo de organizações, em particular nas chamadas empresas de dimensão comunitária, e fá-lo visando transpor para a nossa ordem jurídica interna uma directiva comunitária de 1994.
Portanto, neste caso, o atraso é um pouco menor. A contestação aos nossos atrasos, totalmente legítima, poderá ser feita igualmente, mas já é menor, dado que apenas temos um atraso de três ou quatro anos.
A directiva comunitária tem origem na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores em que se reconheceu a necessidade de se desenvolver a informação, consulta e participação dos trabalhadores, tendo em conta as práticas nacionais, em particular nas empresas ou grupos de empresas que tenham estabelecimentos ou empresas em vários Estados membros da União.
A empresa de dimensão comunitária é aquela que emprega pelo menos 1000 trabalhadores nos Estados membros e pelo menos 150 trabalhadores em cada um de dois destes Estados. É nestas empresas que os trabalhadores poderão eleger as estruturas de informação e consulta, o conselho de empresa europeu, ou o procedimento especial de negociação, nos termos que me dispenso de apresentar na medida em que se trata de matéria com um teor essencialmente regulamentar. Destaco, apenas e muito brevemente três aspectos da nossa proposta.
Em primeiro lugar, indo além do que a mera transposição da directiva imporia, prevê-se a instituição subsidiária do conselho de empresas europeu se não houver acordo ao fim de três anos de negociações, independentemente de terem sido os trabalhadores ou os seus representantes a promover o início das negociações ou ter sido a direcção central a tomar a iniciativa das negociações obviamente, trata-se de impedir manobras dilatórias neste processo.
Em segundo lugar, quero destacar a complexidade no que diz respeito ao modo de designação dos representantes dos trabalhadores dos estabelecimentos ou empresas situados em território nacional. Reconhecemos os direitos constitucionais 'e legais dessas comissões de trabalhadores e dos sindicatos e decorrem~ias circunstâncias em que tal se processa alguns critérios essenciais para a designação dos representantes dos trabalhadores: a designação por acordo entre as comissões de trabalhadores e as associações sindicais; se o acordo não for viável, a designação é feita por acordo entre as associações sindicais que, em conjunto, representem pelo menos, dois terços dos trabalhadores; e, onde os anteriores falharem, a designação será feita pela intervenção directa dos trabalhadores através do voto directo e secreto.

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Em terceiro lugar, a protecção concedida nesta legislação aos representantes dos trabalhadores, equiparada, em geral, à protecção reconhecida aos delegados sindicais, mas adoptando no crédito tempo um critério misto, atribuindo um crédito de 12 horas por mês, a que acresce o tempo necessário para participar em reuniões com a direcção central e em reuniões preparatórias.
São estes os traços fundamentais para os quais, de uma forma breve, me permito chamar a atenção dos Srs. Deputados a propósito desta proposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, como temos pouco tempo porque darei a posição de fundo daqui a pouco, numa intervenção, neste momento coloco só uma questão muito concreta, que é a seguinte: por que é que o Governo optou, no artigo 28.º da proposta que transpõe a directiva, por uma solução que viola a recomendação n.º 182 da OIT, isto é, por uma solução que define como método de cálculo do número de trabalhadores, para efeito da criação dos conselhos, um método de cálculo baseado numa separação entre trabalhadores a tempo parcial e trabalhadores a tempo completo, calculando os primeiros em função do número de horas de trabalho, quando isso viola expressamente uma recomendação da OIT, que sobre esta matéria afirma que, para efeito do cálculo do número de trabalhadores, não conta o número de horas que cada um presta e são todos considerados trabalhadores o tempo completo. Porquê, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra para responder o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a opção do Governo resultou do processo negocial com todas as organizações envolvidas e ouvidos os parceiros, sejam eles sindicais ou patronais. O facto de se ter tomado esta opção resultou do juizo do Governo no sentido de considerar adequada esta ponderação, na medida em que a consideração dos trabalhadores a tempo parcial com períodos normais de trabalho inferiores a metade do tempo completo, citando o texto da proposta, dificilmente justificaria serem computados para o número de representantes. Repare-se que o número de representantes significa...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não estamos a pagar salários!

O Orador: - Pois não, mas significa também custos das empresas, créditos de horas, tempos e despesas envolvidas nas deslocações a outros países para as reuniões do grupo especial de negociação ou do conselho.
Relativamente à alegada contradição com a recomendação da OIT, não foi esse o juizo dos serviços jurídicos do nosso Ministério.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado, leia a recomendação!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se sabe, a lei sindical define o período de três anos como tempo máximo para a duração do mandato dos corpos gerentes das associações sindicais. Dentro desses limites, cada organização sindical adopta de forma autónoma e livre, nos seus estatutos e regulamentos internos, o prazo de vigência dos seus órgãos. Alguns sindicatos começaram por realizar a eleição dos seus dirigentes todos os anos, outros adoptaram a periodicidade de dois em dois anos ou de três em três anos.
Na União Europeia, também, ainda hoje, há situações em que sindicatos realizam eleições todos os anos, como é o caso inglês, ou mais espaçadamente, até quatro anos, como sucede noutros países.
Por isso, esta proposta do Governo, ao permitir alargar os limites dos mandatos dos corpos gerentes sindicais até quatro anos, parece-nos razoável e equilibrada, sobretudo porque as associações sindicais que, entendam que para realizar os objectivos dos seus associados têm vantagens em eleger os seus órgãos com uma regularidade mais assídua não são impedidos de o fazer, e são plenamente livres de consagrar a sua opção nos seus estatutos e actuar em conformidade. De resto, esta posição é partilhada também, de um modo geral, pelo movimento sindical português.
É neste quadro que o PSD votará favoravelmente a proposta de lei n.º 226/VII.
Mas esta proposta do Governo representa mais um remendo na lei sindical, e isso dá-nos também a oportunidade para perguntar: para quando uma nova lei sindical, no nosso país, que harmonize num único texto o Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, e todas as alterações que já lhe foram introduzidas e que dispersam e dificultam a consulta e a utilização do seu normativo por parte de quem dele é destinatário, ou seja, os trabalhadores, as suas estruturas representativas e as empresas, uma nova lei sindical que mantenha o que existe de bom na lei em vigor, que seja actualizada à luz das novas realidades, que seja participada pelos trabalhadores portugueses e seus dirigentes sindicais e que seja aqui debatida, neste Parlamento, com visão no futuro?
Deixamos este desafio ao Governo, porque de remendo em remendo se vai desfigurando e complicando, de forma inaceitável, a actual lei sindical.
No que respeita à proposta de lei n.º 227/VII, visa a mesma transpor para o ordenamento jurídico nacional a Directiva Comunitária n.º 94/45/CE relativa à instituição de um conselho de empresa europeu ou de um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores em empresas ou grupos de empresas de dimensão comunitária.
A transposição desta directiva é importante para a participação dos trabalhadores neste tipo de empresas e a sua apresentação no Parlamento só peca por tardia. O Governo apresenta-a com três anos de atraso, face às orientações comunitárias e face aos compromissos que assumiu no acordo de concertação estratégica.
Sempre defendemos a participação dos trabalhadores na vida da empresa, porque a consideramos o espaço privilegiado para a realização do diálogo e cooperação entre o investidor e o trabalhador. Somos daqueles que acreditam que trabalhador informado e participante nos objectivos da sua empresa é trabalhador mais motivado e mais apto a

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contribuir para o crescimento da competitividade, tal como entendemos que uma empresa sólida e com bons resultados é condição indispensável para os trabalhadores beneficiarem de condições laborais mais dignas e remuneração mais favorável.
Ou seja, para o Partido Social Democrata, o bem-estar económico da empresa tem de estar inequivocamente ligado ao bem-estar social do trabalhador. E numa altura em que a globalização da economia e a deslocalização das empresas é uma prática frequente por parte das multinacionais, impõe-se promover também a transnacionalização do diálogo entre trabalhadores da mesma empresa ou grupo de empresas, instaladas em países diferentes, para melhor acautelarem os seus legítimos interesses.
As mudanças que ocorrem nas relações económicas e no tecido empresarial exigem uma mudança consequente ao nível das relações laborais.
O conselho de empresa de dimensão europeia tem essa função: implementar uma relação de permanente diálogo e concertação entre os trabalhadores sobre as opções e a gestão da empresa ou grupo de empresas instaladas nos países signatários do espaço económico europeu, e constituir-se como interlocutor representativo de todos os trabalhadores.
Para além de outras competências, o conselho de empresa tem direito à informação e consulta, nomeadamente, sobre as matérias transnacionais susceptíveis de afectar consideravelmente os interesses dos trabalhadores. São funções, do nosso ponto de vista, importantes e que devem envolver, designadamente, as políticas de recursos humanos, de formação profissional da empresa, de complementos de protecção social ao trabalhador pós vida activa e de harmonização dos tempos de trabalho com o bem-estar da vida familiar do trabalhador. É, necessário, do nosso ponto de vista, dialogar e negociar estas questões, a esse nível, porque os portugueses conhecem bem a dureza das políticas desumanizadas de algumas multinacionais e a incompetência e ineficácia do Governo socialista em salvaguardar os interesses legítimos trabalhadores e do País nessas situações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Governo que, nos casos em que intervém, faz muitas promessas, dialoga muito, tem muitos sorrisos para as câmaras de televisão, mas depois, no concreto, quem fica «pendurado» e cai na angústia do desemprego são os trabalhadores.
A ex-Renault de Setúbal, a Texas, na Maia, a Ford, na Azambuja, a Siemens e a Nestlé são exemplos bem vivos da acção subserviente do Governo socialista face aos interesses neoliberais e ao comportamento de algumas dessas empresas multínacíonaís.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por estas razões que consideramos da maior relevância a adopção desta directiva europeia.
Mas, para nós, não basta que esta lei seja formalmente aprovada é preciso que seja correctamente aplicada e que o seu grande objectivo político seja alcançado: promover a participação efectiva dos trabalhadores na vida da empresa. O que significa que a directiva e as normas do diploma de transposição devem, de facto, ser cumpridas e que a informação e consulta dos trabalhadores devem ser encaradas como uma via privilegiada para o encontro de

soluções e compromissos entre os interesses económicos da empresa e a sua dimensão social.
É com este entendimento, e sem prejuízo dos aperfeiçoamentos que se justifiquem introduzir na especialidade, Sr. Presidente, que o PSD vai votar também favoravelmente esta proposta de lei no dia da votação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A transposição da directiva comunitária de 1994, que assegura a informação e consulta dos trabalhadores e cria os conselhos de empresa europeus, peca, desde logo, por tardia. A directiva devia ter sido transposta até 22 de Setembro de 1996.
Além do mais, a proposta de transposição da directiva que nos é trazida pelo Governo exige vários melhoramentos em sede de especialidade, uma vez que, em vários casos, fica aquém do que poderia e deveria ser legislado. É um facto, que à medida que o capital se globaliza também é imperioso que os trabalhadores e as suas organizações encontrem novas respostas e novas formas de cooperação internacional.
A luta em cada Estado e em cada local concreto de trabalho continua, obviamente, a ser um instrumento fundamental e prioritário dos trabalhadores. Mas com o crescente papel e domínio das empresas transnacionais, designadamente ao nível europeu, impõe-se que também os trabalhadores dessas transnacionais, e mesmo noutros planos, independentemente de trabalharem em países diferentes, encontrem formas de intervenção comum em muitos domínios, que têm a ver com os seus interesses comuns.
A directiva que agora se propõe seja transferida para o nosso ordenamento jurídico vai, nesse contexto, no bom caminho ao pretender assegurar e tornar obrigatória a informação e a consulta dos trabalhadores e a criação de conselhos de empresa europeus em empresas transnacionais e ou de dimensão comunitária.
Contudo, a proposta de transposição que o Governo nos traz peca por tímida e recuada em relação às possibilidades que, apesar de tudo, a directiva abre.
Refiro somente, e a título de exemplo, alguns dos domínios, em questões centrais, que precisam de uma clara alteração na especialidade.
Primeiro: deverão ser adoptados mecanismos que impeçam, antes da decisão ser tomada, que, a pretexto da confidencialidade, na prática, a empresa se recuse a prestar informações. Como importa clarificar, Sr. Secretário de Estado, que o dever de sigilo em relação a terceiros dos conselhos de empresa e de outros representantes dos trabalhadores não seja entendível como aplicado às estruturas nacionais representativas dos trabalhadores de cada empresa da transnacional em cada país.
Segundo: o método de cálculo do número de trabalhadores para efeitos de criação dos conselhos tem de ser alterado - e isto que já foi há pouco objecto da minha pergunta ao Sr. Secretário de Estado. Sr. Secretário de Estado, por que é que os trabalhadores a tempo parcial têm uma espécie de capitis deminutio e só contam para o diálogo em função das horas de trabalho? Não estamos a tratar de salários, estamos a tratar de informação e consulta e, nesta matéria, os trabalhadores devem contar todos por igual, como trabalhadores a tempo completo.

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Aliás, o Sr. Secretário de Estado disse que os seus serviços jurídicos teriam considerado como boa a interpretação da norma da OIT, más não percebo como quando o ponto 21 da Recomendação n.º 182 da OIT é tão claro como isto: «sempre que as obrigações das entidades empregadoras sejam determinadas pelo número de trabalhadores que empregam, os trabalhadores a tempo parcial deverão ser considerados como trabalhadores a tempo completo». Não há aqui lugar, sequer, para outra interpretação ou para qualquer dúvida jurídica, Sr. Secretário de Estado! Isto é perfeitamente claro e este é outro aspecto que vai ter de ser alterado em sede de especialidade, obviamente.
Terceiro: o processo proposto de escolha dos conselhos de empresa, como, aliás, o Sr. Secretário de Estado referiu na sua intervenção, e do grupo especial de negociação pode levar, pela sua complexidade, à paralisia ou atraso da criação destas estruturas. O PCP defende que se adopte aqui o mesmo princípio adoptado para a escolha dos representantes dos trabalhadores nas restantes empresas, que é por eleição directa dos respectivos trabalhadores.
Quarto: também nos parece que o crédito de doze horas por mês para o exercício das funções nos órgãos em causa é manifestamente insuficiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os mecanismos de informação e consulta dos trabalhadores e a criação dos grupos especiais de negociação e dos conselhos de empresas europeus para as transnacionais são, evidentemente, úteis, mas só o serão tanto mais quanto noutras instâncias se adoptarem medidas adicionais que regulem e disciplinem a actividade das transnacionais e a sua crescente dominação da economia europeia e mundial, como ainda ontem aqui debatemos, e hoje aprovámos, a propósito do projecto de resolução do PCP contra a deslocalização de empresas, sem o que as estruturas que agora vamos criar, sendo positivas, teriam e terão sempre uma eficácia limitada.
Quanto à outra proposta de lei, que aumenta de três para quatro anos a duração máxima do mandato dos titulares dos órgãos sociais dos sindicatos, nada temos a objectar. Ela corresponde, aliás, a uma necessidade e a uma legítima e antiga reivindicação do movimento sindical,
Estas duas propostas; hoje em debate, têm o nosso voto favorável, como acabei de referir. Elas vão no sentido do reforço dos direitos e garantias dos trabalhadores e das suas organizações. Mas, como já foi aqui dito hoje pelo meu camarada Alexandrino Saldanha, na introdução do debate geral deste conjunto de diplomas, elas aparecem no quadro de um conjunto vasto de propostas de alteração da legislação do trabalho, o chamado «pacote laboral», como uma espécie de «cenoura» que esconde ou pretende esconder o tal núcleo duro e gravoso que o Governo já entregou na Assembleia da República.
E tal como não temos dúvidas em dizer «sim» às propostas hoje em debate, com excepção daquela que atribui às associações patronais o direito de participarem na legislação de trabalho, não hesitaremos também, Sr. Secretário de Estado, em dizer «não» às propostas que aí vêm, que são o núcleo central do chamado «pacote laboral» e que merecem o legítimo repúdio e luta dos trabalhadores portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: A informação, consulta e participação dos trabalhadores nas empresas constitui um princípio basilar inscrito na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores.
Mais do que a promoção dessa informação e consulta, o que hoje aqui se discute é a concretização desse princípio nas empresas multinacionais de dimensão europeia.
Com efeito, a proposta de lei n.º 227/VII, ora em apreço, visa transpor para a legislação portuguesa a Directiva n.º 94/45/CE do Conselho Europeu, de 22 de Setembro de 1994, relativa à instituição de um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores em empresas ou grupos de empresas de dimensão comunitária, designadamente o conselho de empresa europeu.
A presente proposta de lei, do ponto de vista dos objectivos que visa atingir, é globalmente positiva, porque aprofunda a participação e os mecanismos de informação e consulta dos trabalhadores ao nível das empresas ou grupos de empresas de dimensão comunitária.
Por isso, estamos certos, constituirá um instrumento indispensável no domínio das relações industriais e do progresso económico e social, ao mesmo tempo que faz emergir uma nova realidade - um sindicalismo transnacional. Um sindicalismo que, enfrentando hoje novos desafios, é colocado perante maiores responsabilidades, quer no plano nacional, quer no plano internacional.
Com a apresentação desta proposta de lei, para além de respeitar os compromissos resultantes da integração europeia, o Governo dá também cumprimento a mais uma das medidas acordadas com os parceiros sociais no quadro do Acordo de Concertação Estratégica, concorrendo, deste modo, para que a informação e consulta dos trabalhadores portugueses se afirme como um direito social de dimensão europeia.
A apresentação à Assembleia da República desta proposta de lei foi precedida de um aturado trabalho de preparação da transposição da directiva, que teve, designadamente, um grande envolvimento dos parceiros sociais, que deram à discussão e aperfeiçoamento do projecto uma assinalável participação, bem como a colaboração dos serviços da Comissão Europeia, que tomaram possível a comparação com leis e projectos de outros Estados membros sobre a mesma matéria.
Tudo isto não justificará por completo o atraso com que se faz esta transposição, mas, apesar disso, pode dizer-se que a demora acabou por ser útil ao aperfeiçoamento e valorização desta proposta que, enriquecida agora com os contributos da sua discussão na especialidade nesta Assembleia, dará lugar, com certeza, a uma boa lei.
Tem razão o Sr. Deputado Lino de Carvalho em alguns dos aspectos que referiu há pouco.
O desenvolvimento do mercado único europeu e, sobretudo, a globalização da economia contribuíram para uma pulverização do tecido empresarial no espaço comunitário, caracterizado pela existência de vários estabelecimentos ou micro-empresas pertencentes a uma mesma empresa ou a um mesmo grupo de empresas, no seio das quais os trabalhadores e as suas estruturas representativas encontram fortes dificuldades de consulta e participação, relativamente a actos praticados pela direcção central situada noutro país.
A instituição dos conselhos de empresa europeus constitui, assim, um instrumento de progresso capaz de superar essa limitação territorial dos sistemas nacionais e tradicio-

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nais de informação e consulta, permitindo aos trabalhadores, a partir de qualquer Estado membro, o acesso à participação e consulta perante a direcção central da empresa localizada noutro Estado membro.
A Directiva n.º 94/45/CE tem uma história muito rica e longa, e é o resultado de um diálogo dificil mas profícuo, impulsionado a partir dos anos 70 pelo movimento sindical, em que estiveram envolvidos os parceiros sociais a nível internacional, como a Comissão Europeia, que, nas décadas de 70 e 80, tentou fazer passar directivas nesse sentido, o Parlamento Europeu, que, a partir de 1992, deu um novo impulso, votando uma linha orçamental que permitiu aos trabalhadores e, em particular, aos seus organismos representativos prepararem-se para a chegada da directiva, mas sobretudo os trabalhadores e as suas organizações representativas, nomeadamente os sindicatos, que, desde os anos 80, conseguiram.um certo número de acordos com as empresas que tornaram possível a implementação de muitos conselhos de empresa europeus antes ainda da aprovação desta directiva.
Ela representa, assim, sem dúvida, uma grande conquista do movimento sindical internacional e marcou um importante avanço na construção de uma Europa mais social, mais humana e mais preocupada com os direitos de quem trabalha.
Numa altura em que se constrói o mercado interno europeu e se prevê o alargamento da União Europeia e em que se discute a globalização e mundialização da economia e a intervenção das multinacionais, é cada vez mais importante, premente e necessário que os trabalhadores das suas diferentes filiais ou estabelecimentos tenham direito à participação e intervenção na vida da empresa em todo o espaço da sua dimensão territorial, numa perspectiva da gestão provisional dos recursos humanos, designadamente quanto aos processos de reestruturação, às deslocalizações, ao desenvolvimento do emprego, à introdução de novas tecnologias e às condições de segurança, higiene e saúde no trabalho. No final de contas, em tudo aquilo que possa afectar as suas condições de vida e de trabalho.
Hoje, e cada vez mais, as empresas desenvolvem-se num espaço europeu e transfronteiriço. A participação dos sindicatos nas empresas, nessa dimensão, é fundamental. Foi por isso, e com grande empenho, que, aquando da última revisão do Tratado da União Europeia, os sindicatos, com as suas centrais sindicais nacionais e a Confederação Europeia de Sindicatos, se bateram pela institucionalização de direitos colectivos na dimensão europeia, como o direito à contratação colectiva a nível europeu.
A proposta de lei n.º 227/VII, que o Governo apresenta hoje a esta Assembleia, onde procede à transposição da Directiva n.º 94/45/CE para a ordem jurídica nacional, consagra aos trabalhadores portugueses ao serviço de empresas de dimensão comunitária e aos seus representantes o direito a acederem a um conjunto de informação e a serem consultados sobre matérias relativamente às quais, até aqui, têm estado arredados, salvo nas situações em que exista um acordo negociado nesse sentido.
A aprovação desta proposta de lei é mesmo, e por agora, a única forma de instituir os conselhos de empresa nas multinacionais portuguesas com sede em Portugal, algumas delas empresas públicas ou com participação do Estado, que se têm recusado a qualquer acordo, fazendo depender da transposição da directiva a consagração desta ou de outras formas de informação e consulta dos trabalhadores ao serviço das referidas empresas na dimensão europeia.
Não surpreende, pois, a expectativa gerada quanto à aprovação da referida proposta de lei.

Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Volvidos cinco anos após a aprovação da directiva, foram, até agora, constituídos cerca de 500 conselhos europeus de empresa, na sua maioria negociados, que abrangem aproximadamente 15 000 trabalhadores, que gozam já da possibilidade e do direito de dialogar com a direcção central das respectivas empresas, de trocar ideias e opiniões com a mesma e, extremamente importante, de preparar uma coordenação sindical ao nível europeu, com vista à defesa e salvaguarda dos seus interesses.
No entanto, a directiva tem como âmbito de aplicação cerca de 1500 empresas, o que significa que as estruturas representativas dos trabalhadores, quer no plano nacional, quer no plano comunitário, ainda têm muito por fazer para garantir aos trabalhadores o acesso à informação e consulta.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará favoravelmente esta proposta de lei com a profunda convicção de que as soluções nela plasmadas vão ao encontro dos legítimos interesses e direitos dos trabalhadores portugueses e europeus e das suas associações representativas, a quem caberá, em última análise, a responsabilidade e o desafio, que, naturalmente, saberão vencer, de utilizar este novo instrumento jurídico áo serviço do diálogo social nacional e europeu.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Relativamente à proposta de lei n.º 226/VII, que visa aumentar de três para quatro anos a duração do mandato dos titulares de corpos gerentes das associações sindicais, gostaria de manifestar aqui a nossa total concordância quanto a esta iniciativa do Governo e anunciar, desde já, que no dia da votação solicitaremos que as três votações sejam feitas no mesmo dia, por razões de importância para os sindicatos.
Com efeito, para além de corresponder a uma aspiração do movimento sindical, ela consubstancia uma adequação que se afigura necessária à estabilidade que deve caracterizar o exercício do diálogo social e da actividade desenvolvida pelas associações sindicais, assim como uma adequação à normal duração dos mandatos das pessoas colectivas, quer de direito público, quer de direito privado.
Parecendo, à primeira vista, uma simples alteração ao Regime Jurídico das Associações Sindicais, ela reveste, porém, inegável importância para a estabilidade da actividade sindical e, por isso mesmo, resulta também de acordo com os parceiros sociais, no quadro do Acordo de Concertação Estratégica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 226/VII, que aumenta de três para quatro anos a duração máxima do mandato dos titulares de corpos gerentes de associações sindicais, concedendo liberdade às associações sindicais para, no que respeita à duração do mandato dos seus corpos gerentes, adoptarem o modelo que mais lhes convenha, merece a concordância deste grupo parlamentar.
A proposta de lei n.º 227/VII responde àquilo que podemos considerar uma dupla necessidade. Assim, desde logo se constata, como a outro propósito já hoje aqui referimos, a necessidade de adequar a ordem jurídica interna às disposições comunitárias. Neste domínio, a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalha-

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dores serve de base à Directiva n.º 94/45/CE, do Conselho, mas existe uma outra vertente, não menos importante, que não podemos deixar de referir: a necessidade de proporcionar aos trabalhadores instrumentos eficazes na defesa dos seus direitos num mercado de trabalho cada vez mais global e complexo.
De facto, assistimos a uma maior internacíonalização das nossas empresas e a uma fase de desinvestimento estrangeiro em Portugal. Estas novas realidades impõem que se criem os mecanismos de um maior acompanhamento da vida das empresas europeias. Assiín sendo, consagra-se um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores de empresas e grupos de empresas de dimensão comunitária. Os fundamentos para o estabelecimento deste regime têm a ver com o facto de o funcionamento do mercado interno tèr criado novas realidades, para as quais os sístemas jurídicos nacionais não davam resposta.
Com efeito, se esses normativos permitiam aos trabalhadores ou aos seus representantes relacionarem-se com a direcção das empresas e dos estabelecimentos instalados no respectivo país, já eram, porém, inadequados para assegurar a informação e consulta relativamente a actos que afectassem as estruturas prodútivas e os trabalhadores e que fossem praticados pela direcção central da empresa ou grupo de empresas situada noutro país.
Porém, no que respeita ao articulado da proposta, entendemos ser desejável a existência de uma maior precisão conceptual em sede de competência dos conselhos de empresa, nomeadamente em relação ao direito de «informação e consulta». Também no que concerne ao artigo 29.º da proposta, o Partido Popular tem algumas dúvidas que se prendem com o facto de a representação dos trabalhadores, a que o artigo alude, ser composta por comissões de trabalhadores e associações sindicais. Como se sabe, estas estruturas representativas dos trabalhadores apresentam um elenco de competências próprias, diversas entre si, definidas na lei das comissões de trabalhadores e na lei sindical.
Sem prejuízo das alterações que pensamos possam ser introduzidas aquando da discussão em sede de Comissão, esta proposta merece o voto favorável deste grupo parlamentar. Fica, contudo, o registo do nosso lamento pelo facto de esta proposta de lei ter demorado cerca de três anos a chegar a esta Assembleia da República.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Outra vez?!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, para uma última intervenção.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas um comentário muito breve e conclusivo sobre este debate.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Conclusivo? Quem conclui, são os Deputados!

O Orador: - Conclusivo deste debate no que diz respeito à minha participação.
Gostaria de deixar uma nota geral para aqueles que quiseram, desde o princípio deste debate, não apenas deste diploma mas dos antecedentes, criar um clima de

«aquecimento de motores» para uma polémica extremada sobre um terrível pacote laboral em preparação, pois que se avizinharia um famigerado núcleo duro de diplomas antitrabalhadores, ...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Governo vai anunciar que desistiu dele?!

O Orador: - ... creio que só se pode constatar, que deverá haver uma grande desilusão, porque a discussão serena e calma destes projectos e destas propostas mostra que eles têm mérito.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não estamos a falar dos outros agora, estamos a falar destes!

O Orador: - O projecto da oposição, ou seja, do PCP, discutido anteriormente, também tem méritos, sendo possível o seu aperfeiçoamento sem ninguém abdicar das suas posições, mantendo a clareza dessas mesmas posições mas sabendo aproximá-las também para chegar a um compromisso.
Foi referida várias vezes a falta de coragem e a timidez das iniciativas do Governo a propósito deste diploma. Não tenho nem a verve nem o passado do Deputado Manuel Alegre para poder dar uma resposta tão convincente sobre essa matéria como ele daria, mas, de qualquer maneira, julgo que são epítetos mal colocados, porque esta legislação, onde não vai mais longe, do ponto de vista desta ou daquela bancada, é porque há compromissos. Ela também não reflecte, naturalmente, todas as aspirações da bancada socialista ou do próprio Governo, sendo uma legislação que resulta de um compromisso, que resulta do respeito escrupuloso do que está no acordo de concertação estratégica e o Governo tem-se empenhado nisso.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Só vem três anos atrasado!

O Orador: - Evidentemente que houve atrasos, porque os processos negociais são complexos e o processo da concertação estratégica, como é conhecido e público, teve sucessos mas também teve insucessos e muitas dificuldades.
Desde que tenho a responsabilidade desta área específica do trabalho (e os Srs. Deputados recordar-se-ão que é apenas há um ano e pouco), todo o meu trabalho, como o do Ministro e o de toda a equipa, de todos os que connosco colaboram, tem sido para garantir que, nesta legislatura, não vamos fechar nenhum processo de alteração profunda da legislação laboral mas vamos iniciar uma transformação fundamental, que, certamente, a próxima legislatura levará muito mais adiante, de modernização do nosso sistema de leis do trabalho, do funcionamento do mercado de trabalho, respeitando as leis do mercado mas introduzindo os limites fundamentais, porque a sociedade não se rege pelas leis do mercado. A economia rege-se pelas leis do mercado, mas a sociedade tem de reger-se pelas leis que derivam dos nossos conceitos de cidadania e de protecção dos cidadãos, no respeito escrupuloso dos seus direitos em toda a sua extensão, a que hoje nos habituámos, não apenas os políticos, não apenas os cívicos, mas também os sociais.
Relativamente ao projecto em concreto, em segunda nota e para concluir, alguns pontos devem ser reavaliados. O Governo está de acordo com sugestões nesse sentido, designadamente na questão do tempo parcial, que creio que

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deve ser ponderada e o Governo apoiará uma reponderação pelos Srs. Deputados em sede de especialidade.
Devo dizer que a posição do Governo está apoiada no entendimento do Conselho e da Comissão Europeias, que está patente na declaração conjunta anexa à acta que transcreve as discussões que levaram à adopção da directiva europeia que estamos a transpor. Em todo o caso, penso que deve haver abertura e que ela deve ser reavaliada, não havendo aqui nenhum bloqueio da parte do Governo nessa matéria, como é evidente, e saudamos essa reflexão.
Certos pontos podem ser melhorados. Em todo o caso e em concreto quanto à questão dos créditos, que o Sr. Deputado Lino de Carvalho mencionou, devo dizer que a proposta do Governo é superior ao que se passa em muitos dos países da União Europeia. Por exemplo, em França, o crédito anual é de 120 horas e recorde-se que a proposta do Governo é de 12 horas por mês, portanto, 144 horas por ano, a que acresce o tempo necessário à preparação e deslocação para as reuniões; em Itália, o crédito anual é de 32 horas remuneradas; em Espanha, o crédito anual é de 60 horas.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, tem de abreviar.

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente. Concluo imediatamente, reafirmando a convicção de que também nesta parte, como nas seguintes, do pacote laboral acabará por prevalecer a verdade das propostas e os méritos efectivos que elas contêm.

Aplausos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Julgava que ia anunciar que o Governo tinha desistido do resto!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais intervenções. A discussão conjunta está concluída, pelo que estas duas propostas, assim como a anterior, que eu não tinha referido, serão votadas no dia e hora previsto regimentalmente para as próximas votações.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, pelas 10 horas, com o debate das propostas de resolução n.º 98/VII, 113/VII, 115/VII e 77/VII e da proposta de lei n.º 98/VII.
Srs. Deputados, está encerrada -a sessão.

Eram 20 horas.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à proposta de lei n.º 213/VII e aos projectos de lei n.º 584/VII e 518/VII.

O Grupo Parlamentar do PS congratula-se por ter sido possível levar a bom termo e por unanimidade a votação na especialidade de iniciativas legislativas referentes ao regime da eleição dos Deputados à Assembleia da República (proposta de lei n.º 213/VII e projecto de lei n.º 584/VII, do PSD) e à garantia da igualdade de tratamento das candidaturas e posições submetidas a sufrágio (matéria sobre a qual foi também apresentado o projecto de lei n.º 518/VII, do PCP).
É especialmente importante que em torno do último tema se tenha estabelecido consenso, para o qual o PS contribuiu de forma empenhada.
O quadro vigente até à data mergulha as suas raizes no período da fundação do regime democrático, tendo a re-

dacção então fixada transitado, no essencial, para sucessivos diplomas.
O artigo 57.º da Lei Eleitoral para a AR (sob a epígrafe «neutralidade e imparcialidade das entidades públicas») estatuiu: « Os titulares dos órgãos e os agentes do Estado, das pessoas colectivas de direito público, das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, das sociedades concessionárias de serviços públicos, de bens do domínio público ou de obras públicas e das empresas públicas ou mistas devem, no exercício das suas funções, manter rigorosa neutralidade perante as diversas candidaturas e os partidos políticos. Nessa qualidade, não podem intervir directa ou indirectamente na campanha eleitoral nem praticar actos que, de algum modo, favoreçam ou prejudiquem um concorrente às eleições em detrimento ou vantagem de outros».
No seu projecto de lei, o PSD propôs que a redacção do preceito fosse alterada, passando a dispor:
1 - A partir do decreto que marca a data das eleições, os órgãos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, das demais pessoas colectivas de direito público, das sociedades de capitais públicos ou de economia mista e das sociedades concessionárias de serviço público, de bens do domínio público ou de obras públicas, bem como, nessa qualidade, os respectivos titulares, não podem praticar actos, que, de algum modo, favoreçam ou prejudiquem umá candidatura em detrimento ou vantagem de outra ou outras, nem intervir directa ou indirectamente na campanha eleitoral.
2 - Os funcionários e agentes das entidades referidas no número anterior devem, no exercício das suas funções, observar rigorosa neutralidade perante as diversas candidaturas e os partidos políticos.
Por sua vez, o PCP, aventou a elaboração de um diploma autónomo, definindo princípios gerais, aplicável desde a publicação do decreto que marque a data de qualquer acto eleitoral ou referendário.
Nos termos desse projecto:
1 - Os órgãos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, das demais pessoas colectivas de direito público, das sociedades de capitais públicos ou de economia mista e das sociedades concessionárias de serviço público, de bens do domínio público ou de obras públicas, bem como, nessa qualidade, os respectivos titulares, não podem intervir directa ou indirectamente em qualquer acto do processo referendário ou eleitoral, incluindo as respectivas campanhas, bem como praticar actos que de algum modo favoreçam ou prejudiquem uma opção ou um concorrente em detrimento ou vantagem de outro ou outros.
2 - Os funcionários e agentes das entidades previstas no número anterior observam, no exercício das suas funções, rigorosa neutralidade perante os diversos intervenientes no acto referendário ou eleitoral.
3 - É vedada a exibição de símbolos, siglas, autocolantes ou quaisquer outros elementos de propaganda por funcionários e agentes das entidades referidas no n.º 1 durante o exercício das suas funções.
A solução finalmente aprovada unanimemente distinguese das originariamente propostas e não apresenta os inconvenientes para que o PS alertou, tanto mais importantes quanto o preceito que regula o dever de neutralidade e imparcialidade das entidades públicas desempenha também a função de definição de um tipo criminal cuja sanção está igualmente prevista na lei.
Exige-se, pois, especial rigor na sua delimitação material, por forma a não criminalizar condutas inteiramente legítimas, designadamente o normal exercício da liberdade

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de participação e expressão políticas dos titulares de órgãos de entidades públicas, como é próprio da ordem jurídica de um Estado de direito democrático.
O regime agora aperfeiçoado tem as seguintes características:
a) O preceito é aplicável, por um lado, aos órgãos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, das demais pessoas colectivas de direito público, das sociedades de capitais públicos ou de economia mista e das sociedades concessionárias de serviços públicos, de bens do domínio público ou de obras públicas, e por outro lado, aos respectivos titulares, na medida em que actuem nessa qualidade, isto é, no exercício das respectivas funções e no âmbito das suas competências legais;
b) Estabelecem-se três níveis de garantias:
Proibição de intervenção directa ou indirecta dessas entidades e seus titulares nessa qualidade em campanha eleitoral ou para referendo (sendo o conceito de campanha e a respectiva duração, funcionando como elementos de delimitação material, os expressamente fixados nas respectivas leis);
Proibição de praticar actos (quaisquer actos) «que favoreçam ou prejudiquem uma posição em detrimento ou vantagem de outra ou outras» (de onde resulta que só pode ocorrer favorecimento ou prejuízo quando seja afectada em concreto qualquer situação jurídica por efeito do acto da entidade pública, não se confundindo tal, de modo algum, com a normal expressão de posições e opiniões políticas por parte de entes de natureza representativa e dirigidos à formação da opinião pública em sociedade aberta e pluralista);
Dever de assegurar a igualdade de tratamento e a imparcialidade em qualquer intervenção nos procedimentos eleitorais ou referendários, o que reafirma alguns dos principios que a Constituição estatui (artigo 113.º, n.º 3), que nesta se encontram mais densificados (cfr. alusão à boa fé, proporcionalídade e justiça contida no artigo 266.º, n.º 2).
Não foi consagrada a redacção imprecisa, proposta pelo PCP e também aventada pelo PSD na discussão na especialidade, que determinava uma proibição de intervir «(na campanha ou) em qualquer acto do processo referendário ou eleitoral». Tal norma , mesmo interpretada com proviso, seria susceptível de paralisar o próprio exercício das funções de comando administrativo do processo eleitoral, além de impedir a normal fruição de direitos de cidadania. O regime aprovado não veda, por outro lado, a qualquer título, o cumprimento dos normais deveres e obrigações dos executivos e demais órgãos das entidades abrangidas, sendo por demais evidente que não acarreta a sua colocação em situação de «gestão corrente». Não foram aprovadas, por desnecessárias, as normas propostas pelo PCP sobre liberdade de expressão e reunião.
c) O dever de neutralidade recai também sobre os funcionários e agentes das entidades abrangidos pela lei, aos quais se exige que observem, «no exercício das suas funções, rigorosa neutralidade perante as diversas posições, bem como perante os diversos partidos e grupos de cidadãos eleitores». Evidentemente, não se opera qualquer restrição ao exercício de direitos no plano da mera cidadania e dentro dos limites da Constituição e da lei.
d) É vedada a exibição de símbolos, siglas, autocolantes ou outros elementos de propaganda por titulares de órgãos, funcionários e agentes das entidades abrangidos pelo dever de neutralidade durante o exercício das suas funções.
e) O regime é aplicável a partir da publicação do decreto que marque a data do acto eleitoral, nos exactos termos configurados na lei agora aprovada, o que exclui

qualquer extensão do seu âmbito, opção inteiramente compreensível tendo em conta muito especialmente a função de tipificação penal que a norma também exerce.
O quadro legal supra descrito define, em termos agora mais claros, a forma como se realiza a defesa do interesse público nos processos eleitorais. É pois com base nele e não em quaisquer outros critérios - que os órgãos de controlo assegurarão o exercício das suas competências para tutela da legalidade democrática.

Os Deputados do PS, José Magalhães - Jorge Lacão.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João Rui Gaspar de Almeida.
Júlio Meirinhos Santanas.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Alberto Queiroga Figueiredo.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
Manuel Filipe Ctirreia de Jesus.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIvISUAL.

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DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
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