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19 DE MARÇO DE 1999 2297

Nos Estados Unidos da América, em cada 18 minutos, uma mulher é agredida; por ano são agredidas entre 3 a 4 milhões de mulheres.
Os salários das mulheres são 30 a 40% inferiores aos que os homens auferem por um trabalho semelhante.
Em Portugal, confirma-se a regra. Não há uma única excepção. Só que a realidade não é medível, não se conhecem os verdadeiros números, mas vê-se todos os dias, ouve-se permanentemente.
Estas são também, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, formas de violência, de não desenvolvimento, de exploração de uma sociedade cada vez mais injusta, menos solidária, onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres são cada vez mais pobres.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E é neste quadro social que se devem julgar as diferentes formas de violação dos direitos humanos. E é neste contexto que se deve avaliar e tomar medidas, protegendo a mulher da violência física, psicológica e sexual que ocorre na família, na sociedade e também aquela que é perpetuada e/ou tolerada pelo Estado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E não só entender a violência contra as mulheres como resultante de padrões culturais que perpetuam de geração em geração o ainda reduzido estatuto que lhes é atribuído na família, no local de trabalho, na comunidade e na sociedade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As práticas violentas resultam sempre em elevados custos sociais, quer a curto quer a médio prazo. Por isso, a construção de uma sociedade mais justa e simultaneamente a concretização de medidas de prevenção e de protecção são o único percurso capaz de dissuadir as motivações de violência.
No entanto, neste quarto de século de regime democrático, apesar de uma razoável listagem de instrumentos legislativos, que levados à prática, regulamentados e melhorados sempre que necessário teriam dificultado a permanência da violência contra as mulheres, também muito tem sido feito ou tem ficado por fazer no sentido exactamente inverso.
Quando os poderes instituídos silenciam ou ignoram as mais diversificadas formas de violência, abrem as portas à sua existência, motivando a exercê-la todos os que da sociedade têm uma única leitura - a exploração do ser humano, particularmente, quando ele é mais fraco.
E mais grave que o alheamento do Estado é o facto deste se outorgar o direito de o fazer também.
Quando não se regulamentam leis durante quase 10 anos, como a Lei n.º 61/91, que garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência, nos casos em que a motivação do crime resulte de atitude discriminatória, estando, nomeadamente, abrangidos os casos de ofensas corporais; quando não se cumprem as leis de protecção da maternidade, ignorando o seu valor social eminente, quer no sector público, quer no sector privado; quando se permite que a mulher trabalhadora grávida possa ser despedida ou possa ser sujeita a situações de trabalho que ponham em causa a sua saúde ou a do nascituro; quando o Governo entende, ao arrepio da lei, que uma gravidez de risco, quando não sujeita a internamento, é uma doença e as faltas dever-se-ão justificar com atestado médico; quando o Governo se prepara para apresentar e defender uma proposta de lei que pretende consagrar, como legítimo, o que já acontece sem legitimidade, em alguns locais de trabalho - por exemplo, as grandes superfícies, onde o trabalho predominantemente feminino se impõe a tempo parcial, sem direitos, nem garantias, onde o subsídio de refeição se paga ou não e o trabalho suplementar é exigido mas não remunerado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quando o Governo discrimina, liberaliza, desregulamenta, flexibiliza, atinge todos os trabalhadores, todas as trabalhadoras, mas, particularmente, as mulheres e os jovens.
Numa publicação da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, sobre Assédio Sexual no Local de Trabalho, afirma-se: «Nos contratos a prazo a situação da trabalhadora é muito vulnerável, pois é relativamente fácil à entidade patronal ou ao superior hierárquico apressar a extinção do contrato ou não o renovar. Esta situação é, noutros casos, particularmente delicada.» E estas atitudes têm nome: violência. Violência que se repercute na vida familiar.
A falência de projectos de vida facilita e pode determinar a violência familiar. Daí que não possamos deixar de tratar a realidade exactamente na mesma medida em que não devemos ignorar a totalidade das causas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Noutros países, medidas têm sido tomadas para enfrentar estas situações, minimizando as consequências trágicas que se abatem sobre a mulher e os filhos, quando existem, mas as causas têm permanecido. De tal modo que na vizinha Espanha, em 1984, abriu-se a primeira casa de abrigo para mulheres vítimas de agressões conjugais, casa que se encheu no próprio dia em que se abriram as portas. Mas, hoje, em Espanha, existem mais de 100. instituições deste tipo e são insuficientes.
Outros países, que há mais de 20 anos tomaram medidas de prevenção e protecção das mulheres vítimas de violência, como em Inglaterra, Holanda, Alemanha ou França, continuam a debater-se com insuficiência de meios perante o aumento permanente das vítimas.
Em Portugal, quer junto da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, quer junto da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, contam-se em milhares as mulheres que ocorrem a pedir ajuda, apesar do secretismo que, normalmente, envolve a violência sobre as mulheres.
O Serviço de Informação e Consulta Jurídica da CIDM afirma que as vítimas narram situações gravíssimas de maus tratos físicos e não físicos.
Dos insultos às humilhações, da expulsão de casa à proibição de sair, das agressões durante a gravidez ao impedimento de recurso ao médico, tudo é possível, mas não visível porque o medo do agressor, a falta de informação, a falta de meios, a vergonha, a ausência de confiança nas instituições impedem as queixas.
Em 1997, o Parlamento Europeu propôs aos Estados membros que considerassem 1999 o ano da tolerância zero da violência contra as mulheres. Mas as declarações de boa vontade são migalhas, quando a intervenção não acontece, quando as medidas de protecção social e jurídica não surgem e não se articulam com medidas de prevenção.
A exiguidade de respostas institucionais demostram claramente como é impossível abordar a violência exclusivamente no contexto familiar, sem o alargar à sociedade

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