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31 DE MARÇO DE 1999 2433

concluir, poder-se-á chegar à privatização de algumas áreas culturais.
Mas, se este é o alicerce doutrinário, a substância do artigo é. no mínimo, contraditória se a compararmos com os conteúdos dos artigos 46.º e 99.º: uma região autónoma ou uma autarquia pode substituir-se á administração central para realizar acordos na área da administração cultural, mas não tem qualquer capacidade para classificar um bem cultural como de interesse municipal ou regional, nem sequer autorizar e acompanhar qualquer obra ou intervenção em imóveis classificados ou em vias de classificação quer de interesse municipal quer de interesse regional.
O artigo 16.º é claro quanto à confusão conceptual de um quadro teórico criado sem qualquer preocupação de o testar e ajustar à realidade. O n º l identifica os patamares de protecção legal dos bens culturais: em primeiro lugar, a classificação; depois, a qualificação e, finalmente, a inventariação. Um conjunto de interrogações se colocam, pelo menos: como se qualifica ou classifica sem primeiramente inventariar? Como se distinguem as figuras de protecção - classificação e qualificação? A proposta de lei propõe dois adjectivos: classifica-se quando «o bem possui um inestimável valor cultural» e qualifica-se quando «determinado bem (...) se mostre possuidor de eminente valia cultural, mas para o qual a classificação se mostre desproporcionada». Nada mais é dito! Que critérios? Para além da subjectividade dos dois adjectivos?! É possível que um bem cultural classificado de interesse local exija mais protecção que um bem qualificado de interesse nacional?
O artigo 20.º pretende tornar operatório o processo de inventariação. Mas o que mais visivelmente se evidencia nos seis números que integram o artigo é, de facto, o pressuposto de que o procedimento de inventariar não é prioritário, nem determinante para a salvaguarda do património cultural. Para além de metodologias que se auto--anulam, os números 5 e 6 são disso exemplo: «Os bens não classificados nem qualificados pertencentes a pessoas colectivas privadas e a pessoas singulares só serão incluídos no inventário mediante acordo destas.» No entanto, se os referidos processos estiverem em curso, os bens ficarão inventariados, independentemente de se concretizar ou não a classificação ou a qualificação. É claro!
Sempre que um instrumento legislativo se constrói, primando por pressupor um vazio legal numa matéria tão transversal e interdisciplinar como o património, corre graves riscos. É indispensável uma visão global da cultura e das suas funções para actuar de forma concertada. É fundamental optar por estruturas polivalentes e integradas na sua multidisciplinaridade. Neste texto são visíveis sinais preocupantes de centralização cultural, falta de teorização, falta de planeamento e de estratégias de crescimento. Só assim se entende, por exemplo, que os artigos 46.º e 52.º não refiram a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, como entidade com competência própria para a intervenção em imóveis classificados não afectos ao IPPAR, com 70 anos de existência e milhares e milhares de intervenções realizadas. Haverá, por acaso, outro organismo no País com as características técnicas e operativas desta direcção-geral?
Finalmente, uma referência à tutela penal. Também esta área não resiste a qualquer análise comparativa no sentido de surpreender o escopo penal que determinou a construção dos respectivos artigos. Dois exemplos só: «Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, (...)» - e estou só a citar o próprio artigo - «... desfigurar ou tornar não utilizável um bem qualificado, ou em vias de qualificação, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.» Mas exactamente o mesmo acontecerá a «quem proceder ao deslocamento de um bem imóvel classificado, ou em vias de classificação ou qualificado como de interesse nacional, ou em vias de qualificação.»
O artigo 110.º trata das contra-ordenações especialmente graves. Segundo este artigo, quem exportar ou expedir, temporariamente ou definitivamente bens que integram o património cultural, se for pessoa singular, será punida com coima de 500 000$ a 5 000 000$, mas (ressalva-se em seguida) só se «o agente retirar beneficio económico calculável superior a 50 000 000$»! Será caso para afirmar, Sr.ªs e Srs. Deputados, que o crime compensa!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Terminava com uma reflexão do relatório intercalar, do tal que foi sujeito a discussão pública e que não é plasmada nesta proposta de lei que discutimos hoje: «O património cultural sendo, por um lado, um factor de identidade graças à condensação de vivências sociais revolutas, é ao mesmo tempo uma realidade em constante mutação. E isso não apenas porque a criação contemporânea o vai enriquecendo com novos valores e bens mas porque a evolução das mentalidades e da tecnologia altera os moldes como os bens herdados são valorados, protegidos e culturalmente fruídos.»

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr." e Srs. Deputados: Em 6 de Julho de 1985, foi publicada a lei do património cultural em vigor - a Lei n.º 13/85. O referido texto legal previa que o Governo promoveria a publicação, «no prazo de 180 dias, dos decretos-leis de desenvolvimento indispensáveis» (artigo 61.º, n.º 1).
No entanto, por várias razões - a principal das quais a de não ter a lei disposto sobre as formas de resolução de conflitos de competência entre os organismos da administração central, da administração regional e da administração local, o que só uma lei da Assembleia da República poderia fazer - tais textos legais nunca chegaram a ser publicados.
Em Julho de 1993, o XII Governo Constitucional, pela razão acima apontada e por o regime consagrado na Lei n.º 13/85 se revelar desactualizado em vários dos seus aspectos, nomeadamente os procedimentais, que se tinham que adequar ao novo Código do Procedimento Administrativo, optou por apresentar uma nova lei do património cultural. O projecto de lei do património em questão recebera os contributos de todos os organismos do sector da cultura

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