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3190 I SÉRIE - NÚMERO 88

condições para o arquivamento liminar, devo dizer-lhe que essa é daquelas questões em relação às quais nós mostramos total abertura para discuti-la em sede de especialidade.
Foi uma opção que tomámos, mas não fazemos deste tipo de opções tábua rasa para a continuação de uma discussão: muito pelo contrário, como V. Ex.ª ouviu, eu, no fim da minha intervenção, disse que, em matéria de tanta sensibilidade e de tanto melindre e tratando-se, sobretudo, de uma reforma global e importante para os nossos jovens, estamos dispostos a empenhar-nos, juntamente com os Srs. Deputados de todas as bancadas, para tomá-la o melhor possível.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.º Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Nesta hora da reforma do direito de menores, penso que deve desmistificar-se a ideia, que muitas vezes se avantaja, de que a delinquência juvenil está em acrescimento.
Não raros exemplos importados de outros países, através de câmaras de televisão, servem de suporte a apelos para que a idade da inimputabilidade seja diminuída e se situe em idade inferior aos 16 anos.
Caso não exemplar é, por exemplo, o do Reino Unido que, na legislação mais recente - Crime and Disorder Act, de 1998 -, acabou com a presunção de inimputabilidade logo a partir dos 10 anos de idade.
Caso muito menos exemplar é até o de alguns Estados dos Estados Unidos da América que executam sentenças de morte aplicadas a crimes praticados por menores quando estes atingem a maioridade.
Regressa-se nalguns países a um modelo que visa, com as medidas aplicadas a menores, objectivos de prevenção geral e especial, sobrepondo a segurança da sociedade ao interesse do Estado na ressocialização do menor.
É forçoso afirmar, hoje, que, em Portugal, a delinquência juvenil não se encontra em expansão. Bem pelo contrário, o que se encontra em crescimento acentuado é o número de menores em risco. O número de crianças em risco deu origem, em 1989, a 1187 processos (43%) e, em 1996, a 1492 processos (51,3%).
O que se encontra em aumento é, ainda, o número de menores vítimas de crimes, passando a percentagem dos mesmos de 7,4%, em 1984, para 27%, em 1997, enquanto os menores agentes de infracção penal passaram de 50,3%, em 1984, para 30,7%, em 1997.
E os dados relativos às medidas aplicadas pela justiça tutelar são elucidativos acerca da gravidade, que é pequena, das infracções penais cometidas. Nos anos de 1989 a 1996, entre 35 a 40% dos processos foram arquivados sem aplicação de qualquer medida. A medida predominantemente aplicada pelos tribunais é a admoestação, logo seguida da entrega aos pais ou de medidas de apoio social.
Entretanto, as estatísticas também nos dizem que nas instituições destinadas a internamentos convivem menores agentes de infracções penais e menores em risco e dizem-nos que tais instituições estão «a rebentar pelas costuras» com menores a aguardar colocação.
A proposta de lei do Governo relativa à acção tutelar educativa - e é a esta que me vou referir, porque em relação às outras duas não pomos reservas - considera o modelo de protecção como pai de todos os males - isso vem na «Exposição de motivos». É o modelo de protecção que tem culpa da sobrelotação das unidades de internamento, é o modelo de protecção que não dá resposta às necessidades de prevenir a delinquência juvenil.
Mas será assim? Não se recusa a necessidade de proceder a alterações no modelo existente, por forma a introduzir o sistema de garantias exigido por instrumentos internacionais que acentuam que o menor é um sujeito de direitos.
Mas, penso, o Governo erra na pontaria na «Exposição de motivos» ao detectar as causas do bloqueamento do sistema, porque, se os menores em risco convivem nas unidades de internamento com os menores agentes da infracção penal, isso deve-se ao facto de não ter sido dada resposta à necessidade de criação, em número suficiente, de centros de acolhimento estritamente para os menores em risco.
Se aumentam os menores em risco, tal deve-se à desumanização da sociedade causada pelo modelo neoliberal, que também contribui para a desumanização das famílias, mercê da ausência dos pais junto dos menores.
Se os menores em risco não têm as necessárias respostas, isso deve-se à falta de meios do Instituto de Reinserção Social, já endémica, bem conhecida de todos os magistrados que desesperam na busca de soluções para as situações dramáticas que se lhes deparam.
Peço licença ao seu autor, que não está cá, para citar parte da sua intervenção, que me parece muito bela e que foi proferida por um juiz de Direito do Tribunal de Menores de Lisboa, em 1997: «Saio deste Tribunal algo frustrado por tão pouco se poder fazer em prol destes menores em risco ou em caminhadas vertiginosas para o crime adulto.
Recuso-me a esperar por mais meses à espera que os Centros Regionais de Segurança Social consigam encontrar uma cabal resposta para um singular problema de dois menores, a eles confiados à luz do artigo 19.º da OTM, a Marta e o Daniel (porque para mim todos eles têm nomes de preferência próprios) acorrentados em casa pelos pais, batidos selvaticamente por quem lhes deu fôlego de vida, torpedeados e titubeantes, fugidos das escolas e vivendo no lixo mundano de uma metrópole que os não compreende...
Louvo aqui o hercúleo trabalho de um IRS pequeno demais para tantas solicitações. Louvo o trabalho dos curadores de menores que, nos tribunais das Andreias e dos Ricardos, vão trabalhando horas sem fim, gerindo as urgências que todos os dias nos tombam nas secretárias e nos faxes, tentando engolir em seco, perante tanta monstruosidade, tanta pomba assassinada nos olhos de água dos meninos da rua e do lixo, tanto pai velador, tanta mãe abandónica e negligente, tanto rato a roer os pés da Joana e do Ruben, tanto álcool corroendo famílias, tanta maldita

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