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I Série — Número 94

Quinta-feira, 17 de Junho de 1999

Diário Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA - 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE JUNHO DE 1999

Presidente: Ex.mº Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.m°s Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Maria Luísa Lourenço Ferreira João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos
Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 286/VII, da proposta de resolução n.º 146/VII, dos projectos de lei n.os 687 a 690/VII, das apreciações parlamentares n.°s 101 e 102/VII e da interpelação n.° 22/VII.
Ordem do dia (1.ª parte). — Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado do PS, à substituição de um Deputado do PS e de outro do CDS-PP e dado conhecimento à Câmara que a Deputada Mana João Rodrigues (PS), renunciou ao respectivo mandato.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.° 199/VII — Altera os artigos n.ºs 13 e 14 do Decreto-Lei n.° 398/83, de 2 de Novembro, adita o artigo 15.°-A e revoga o n.° 3 do artigo 5.° do mesmo diploma, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes), os Srs. Deputados António Rodrigues (PSD). Artur Penedos (PS). Alexandrino Saldanha (PCP) e Moura e Silva (CDS-PP).
Foi também apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.° 242/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que aprovou o regime do trabalho temporário, tendo proferido intervenções o mesmo membro do Governo e os Srs. Deputados Pedro da Vinha Costa (PSD), Alexandrino Saldanha (PCP), Osório Gomes (PS) e Moura e Silva (CDS-PP).
Após o Sr Deputado Moreira da Silva (PSD) ter procedido à síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias relativo à proposta de lei n.° 260/VII - Revê o regime dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública foi a mesma debatida na generalidade, tendo intervindo, a diverso titulo, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Publica (Fausto Correia), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP). Francisco José Martins (PSD), Moura e Silva (PSD) e Barbosa de Oliveira (PS).
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e de respostas alguns outros.
Em declarações políticas, os Srs. Deputados Francisco de Assis (PS), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), António Capucho (PSD) e Octávio Teixeira (PCP) saudaram os novos Eurodeputados eleitos e analisaram os resultados eleitorais para o Parlamento Europeu.
Foi discutido e aprovado o voto n.º 155/VII — De pesar pela morte, por atropelamento, de um cidadão que circulava de bicicleta na 2.ª circular (Deputado do PSD Francisco Torres), tendo depois a Câmara guardado um minuto de silêncio. Intervieram os Srs. Deputados Francisco Torres (PSD), Natalina Moura (PS), António Filipe (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ordem do dia (2. ª parte). — A Câmara apreciou, na generalidade, a proposta de lei n.° 280/VII — Autoriza o Governo a tomar medidas legislativas no âmbito dos mercados de valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, sobre a qual intervieram, além do Sr. Secretário de Estado Tesouro e das Finanças (Teixeira dos Santos), os Srs. Deputados Augusto Boucinha e Francisco Peixoto (CDS-PP), Joel Hasse Ferreira (PS) e Duarte Pacheco (PSD).
Seguidamente, procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.°s 243/VII — Estabelece normas sobre a cooperação entre Portugal e os tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda e 251/VII — Aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Justiça (Lopes da Mota), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Laurentino Dias (PS), António Brochado Pedras (CDS-PP) e António Filipe (PCP).
Finalmente, foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 276/VII — Altera a Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), tendo intervindo, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Antonino Antunes (PSD), Joaquim Sarmento (PS), Odete Santos (PCP) e António Brochado Pedras (CDS-PP).

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Berrardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.

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António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vascoijcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Bernardo Coelho de Pinho.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ORDEM DO DIA (1.ª parte)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos após o período eleitoral.
Espero que todos tenham ficado o mais possível satisfeitos com os resultados das eleições.

O Sr. Secretário vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (João Corregedor da Fonseca): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 286/VII - Contagem do tempo de serviço prestado nas

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categorias de auxiliar de educação, ajudante e vigilante pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância regulados no Despacho n.º 527 80, de 12 de Junho, dos Secretários de Estado da Educação e da Segurança Social e no Despacho Conjunto de 11 de Maio de 1983 dos Secretários de Estado da Educação e Administração Escolar e da Segurança Social, que baixou à 6.ª Comissão; proposta de resolução n.º 146/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo relativo aos Privilégios e Imunidades necessárias ao desempenho das funções dos Oficiais de Ligação da Europol, ao abrigo do disposto no parágrafo 2 do artigo 41.º da Convenção que cria um Serviço Europeu de Polícia, que baixou às 1.ª e 2.ª Comissões; projectos de lei n.º 687ATI - Lei de bases da Acção Social Escolar (CDS-PP), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões, 688/VII - Cria um fundo de compensação salarial para os profissionais de pesca (PCP), que baixou às 8.ª e 10.ª Comissões, 689/VII - Aperfeiçoa as disposições legais destinadas a prevenir e punir o branqueamento de capitais, proveniente de actividades criminosas (PCP), que baixou à 1.ª Comissão, e 690/VII - Institui o Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e cria a respectiva Comissão Nacional (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; apreciações parlamentares n.ºs 101/VII - Requerimento do PSD solicitando a apreciação pela Assembleia da República do Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de Maio, que estabelece o Regime dos Sistemas Locais de Saúde, que baixou à respectiva Comissão, e 102/VII - Requerimento do PSD solicitando a apreciação pela Assembleia da República do Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, que estabelece o Regime de Criação, Organização e Funcionamento dos Centros de Saúde; Interpelação n.º 22/VII - Sobre a paralisia das obras públicas (PSD).
Sr. Presidente, há ainda um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário, de dar conta do relatório e parecer.

O Sr. Secretário (João Corregedor da Fonseca): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi observada a retoma de mandato de um Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Manuel Francisco dos Santos Valente, do Círculo Eleitoral de Aveiro, em 6 de Junho corrente, inclusive, cessando António Alves Cardoso.
Foi igualmente observada a substituição dos Deputados, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, António Rui Esteves Solheiro, do Círculo Eleitoral de Viana do Castelo, por António José Guimarães Fernandes Dias, com início em 7 de Junho corrente, inclusive, e, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, Rui Manuel Pereira Marques, do Círculo Eleitoral de Aveiro, por Bernardo Coelho de Pinho, com início em 1 de Junho corrente, inclusive.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tomou ainda conhecimento que a Deputada Maria João Fernandes Rodrigues, do PS, do Círculo Eleitoral de Coimbra, substituída nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto dos Deputados, em 26 de Novembro 1997, transitou, a seu pedido, para a situação de substituída nos termos do artigo 7.º do mesmo Estatuto (renúncia ao mandato), a partir de 26 de Maio de 1999, inclusive.
Analisados os documentos de que a Comissão dispunha, entendeu proferir parecer no sentido de que a retoma de mandato e as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 199/VII - Altera os artigos 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, adita o artigo 15.º-A e revoga o n.º 3 do artigo 5.º do mesmo diploma.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 199/VII visa rever o regime jurídico da suspensão dos contratos de trabalho e a redução de horários de trabalho e resulta, como é conhecido, de um compromisso público assumido pelo Governo com os parceiros sociais subscritores do acordo de concertação estratégica, que, neste contexto, acordaram discutir e aprovar legislação relativa a esta matéria.
O objectivo desta legislação é tornar um instituto jurídico, que já existe há bastantes anos em Portugal e que não tem tido relevância prática, num efectivo instituto que ajude, permita e seja um verdadeiro instrumento para a recuperação e viabilização de empresas. A suspensão do contrato de trabalho é uma medida que pode ajudar a defender o emprego.
A alteração fundamental nesta matéria tem a ver com o aliviar a parte da compensação salarial paga nas situações de suspensão dos contratos de trabalho - comummente designadas pela expressão inglesa lay-off - a cargo das entidades patronais, que passa a ser de apenas 30%, quando até aqui era de 50%. Como se sabe, essa compensação salarial já traduz uma redução para dois terços do salário pago ao trabalhador antes da suspensão do contrato de trabalho.
Quem passa a assegurar esta parte do encargo anteriormente assegurado pelas entidades patronais será o orçamento da segurança social.
Antevejo desde já - e não preciso ser profeta - uma acusação comum de que estamos a descapitalizar a segurança social...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Tem a consciência pesada, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Não! A minha consciência está muito leve.

Risos do PCP.

Primeiro - e quem me conhece sabe que não tenho feitio para me gabar de coisas -, porque sou o autor intelectual da

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proposta, que teve acolhimento político, do reforço do íiindo de estabilização financeira da segurança social.

Risos do PSD.

Se há Governo que capitalizou a segurança social foi o XIII Governo Constitucional. Nenhum outro o fez como até agora.
Portanto, a acusação de descapitalização é de natureza essencialmente demagógica, porque do que se trata aqui é de defender emprego e de defender empresas, e não há segurança social capitalizada ou reforçada financeiramente sem empresas a produzir, sem trabalhadores a trabalhar nas empresas, sem salários pagos e sem contribuições para a segurança social pagas sobre esses salários.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Muito bem!

O Orador: - E o que hoje se perde em receita, no caso de uma empresa com dificuldades, ganha-se amanhã na empresa viabilizada.
Tudo é necessário numa política activa de emprego para impedir que as empresas desapareçam, vão à falência, deixem de pagar os salários aos trabalhadores e deixem de contribuir para a riqueza nacional. É esse o sentido da proposta de lei n.º 199/VII.
Por último, e não menos importante, a proposta de lei em discussão alarga o âmbito do direito à informação e consulta dos trabalhadores e dos seus representantes, criando a obrigação de consulta em matéria de elaboração do plano de formação para que o mesmo possa ter em conta os seus interesses bem como uma informação periódica das estruturas representativas dos trabalhadores sobre a evolução da situação da empresa no que respeita aos motivos que determinaram a redução ou suspensão do trabalho.
Este ponto é da maior importância, porque não é intenção do Governo «passar cheques em branco», nesta matéria, às empresas que recorram a este instituto da suspensão do contrato de trabalho. É intenção do Governo agilizar um instrumento de recuperação das empresas, com eventual sobrecarga, no curto prazo, dos encargos da segurança social, mas fazendo-o com rigor, e com controlo público e das estruturas representativas dos trabalhadores.
E se, porventura, esta legislação, uma vez aprovada e posta em prática, viesse revelar, a médio prazo, situações em que se pudesse pôr em causa a solvabilidade financeira da segurança social, serão os actuais responsáveis e os futuros responsáveis que, com certeza - pela leitura que posso fazer dos resultados eleitorais de Domingo, e que não vêm aqui ao caso -, também manterão esse compromisso e saberão encontrar alternativas de financiamento público que não pelo orçamento da segurança social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei hoje em apreciação constitui exemplo típico do que é a política legislativa do Governo em matéria laboral.
Apresentada como prioridade, temos, para apreciação na generalidade, um diploma relativo à suspensão dos contratos de trabalho e à redução temporária dos períodos normais de trabalho, vulgo lay-off, regime que deu polémica em 1983 e que viria a ser alterado em 1989 e 1992. Prioridade tal, que merece ser agendada à pressa em final de legislatura em detrimento de outras medidas assumidas como estruturantes desde 1995.
O Governo, com isto, deixou cair outras matérias que, até há bem pouco tempo, eram de relevância principal, como foi o caso proposta de lei para a resolução do «falso trabalho independente» e da proposta de lei relativa às «férias, feriados e faltas», que só deixaram de ser prioritárias porque encerravam grande polémica mesmo no seio do Partido Socialista.
Aliás, a prioridade deste Governo foi sempre a de fugir da polémica, não decidindo o que era essencial, apresentando apenas o que era acessório e recuando sistematicamente quando se evidenciava um excessivo movimento social. Nestes casos, à convicção sucedeu-se o adiamento e à reforma sucedeu-se a omissão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A presente proposta de lei é bem reveladora deste comportamento e deste estado de espírito. Ela é composta por um artigo novo, um número revogado de outro artigo e 2 artigos alterados. Este conjunto de três normas traz, apenas, uma consequência de fundo: o aumento da oneração da segurança social.
Na ausência de outras medidas, deve ser com esta que o Governo pensa fazer aja celebre, porque inexistente, reforma do sistema de segurança social.
Em si mesma a proposta de lei poucas alterações introduz. Mas é, em si mesma, reveladora de outra característica da política laboral deste Governo - dá com uma mão o que tira com a outra!
Neste caso é mais grave, dado que o. Governo tira ao próprio Estado, logo aos contribuintes, aumentando a comparticipação pública de 50% para 70% nas situações em que se verifica uma redução do horário ou suspensão dos contratos de trabalho.
De resto, estamos perante questões de menor relevância, regulando-se apenas o acesso à formação profissional durante o período de lay-off os procedimentos burocráticos a esse respeito.
Dir-se-ia que este diploma apenas mereceria duas linhas de referência e nem dois minutos de intervenção, não fosse o mesmo revelador a forma de o Governo alterar a legislação laboral. Aqui, a política governamental nesta legislatura caracterizou-se por intervenções de natureza pontual; aumento de burocracia, pela introdução de novos procedimentos sem que daí resulte maior defesa do trabalhador; adopção de fórmulas pouco claras e equívocas nos termos legislativos; alterações sistemáticas de diplomas com poucos meses - em muitos casos diplomas deste mesmo Governo -, o que demonstra pouco cuidado, muita hesitação e cedência sistemática às pressões exteriores: criação de «mantas de retalhos» na legislação, donde resulta maior confusão para as partes

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envolvidas, falta de estratégia coerente nas alterações propostas, incapacidade de gerir consensos entre os parceiros sociais. O que e aprovado em sede de concertação social normalmente não corresponde as propostas de lei apresentadas, o que leva naturalmente, a desconfiança dos parceiros sociais a polémica publica e a instabilidade laboral - precisamente o oposto do que se pretende com a concertação social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Poder-se-ia aqui perguntar quantos diplomas do Acordo de Concertação Estratégica foram aprovados entre 1996 e 1999 e quantos correspondem ao texto e ao espírito dos que de boa fé subscreveram o Acordo.
Aliás, a concertação social sentiu a este Governo única e exclusivamente para publicitar o diálogo e ao mesmo tempo tomá-lo inconsequente. Mais de década e meia de diálogo social em Portugal nunca, como com este Governo ele se tornou tão inconsequente.
O incumprimento sistemático do acordo de 1996 e o atraso com que as medidas iam sendo promovidas, levou a que, passados três anos, a maioria deles não tenha sido alcançada Assim, seguramente, o próximo Governo terá uma tarefa prioritária decidir o que este não foi capaz em tempo útil.
O comportamento do Governo revela bem as suas hesitações, cedências e recuos sistemáticos Revela ainda a necessidade de pretender agradar a todos, acabando por não satisfazer ninguém, num ziguezague continuado que apenas distorce a coerência e a compreensão do sistema jus-laboral português.
Sr Presidente. Sr Secretário de Estado. Sr.ªs e Srs Deputados. Não se nega que as alterações hoje propostas possam aperfeiçoar o sistema O que não se aceita e que elas sejam essenciais e prioritárias.
Mais ainda, estamos convictos que daqui resultará ainda uma maior confusão legislativa.
Como outros diplomas que o Governo tem apresentado, o maior contributo da presente proposta de lei e tornar cada vez mais o direito do trabalho num enorme labirinto de pequeníssimas normas, espalhadas por dezenas de diplomas, onde todos se perdem e ninguém ganha - nem trabalhadores nem empregadores.
Esta lição o Governo não aprendeu em quatro anos nesta matéria, como em muitas outras, o Governo tem uma nota claramente negativa e merece um chumbo já na prova escrita, sem qualquer recurso - nem sequer uma nova oportunidade na segunda chamada

Aplausos do PSD

O Sr Presidente - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr Artur Penedos (PS): - Sr Presidente. Sr Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados sem empresas ou actividade empresarial não há forma de garantir minimamente aos cidadãos direitos constitucionais e fundamentais, como são, entre outros, o caso do direito ao trabalho, à subsistência e a qualidade de vida Sem empresas ou actividade empresarial fortes e competitivas não é possível manter e alargar os níveis de emprego no nosso País.
Foi esta a filosofia que em 1983 ditou a introdução de mecanismos jurídicos que assegurassem à sociedade portuguesa os meios necessários a manutenção dos postos de trabalho e a contenção do desemprego.
Dezasseis anos de vigência da norma, com as alterações que lhe foram introduzidas em 1989 e 1992. demonstram claramente que os objectivos que presidiram à sua aprovação não foram cumpridos, uma vez que a aplicação real desta se resumiu a «meia duzia(!)» de casos sem qualquer significado no nosso tecido empresarial e consequentemente, no mercado de trabalho
Dai que, em sede de concertação social, os parceiros sociais e o Governo tenham decidido rever o regime de suspensão de contratos de trabalho e redução do horário de trabalho, vulgarmente designado por lay-off, como forma de proteger o emprego e os trabalhadores, garantindo a sua participação no processo, eliminando qualquer preferência legal entre as duas medidas e reduzindo a proporção dos encargos da empresa, de modo a salvaguardar a finalidade da sua estabilização e a articular a medida com acções de requalificação dos trabalhadores e de políticas activas de emprego.
A proposta de lei em discussão visa a concretização desses objectivos e a sua aprovação contribuirá para o reforço dos direitos dos trabalhadores que venham a ter a sua actividade suspensa ou a sofrer uma redução no seu horário de trabalho em resultado de factores externos à sua vontade. Simultaneamente, permite-se às empresas em situação difícil melhores condições de recuperação, viabilização e manutenção dos postos de trabalho. São estes os objectivos que caracterizam a proposta do Governo e não aqueles que. de forma leviana e inconsequente, o PSD acaba de nos referenciar.
Em concreto, introduzem-se melhorias no regime jurídico vigente por forma a torna-lo mais flexível e adequado às necessidades das empresas e dos trabalhadores portugueses, passando estes, em inúmeras situações, a beneficiar de acções de formação profissional que lhes permitirão uma maior qualificação, um mais elevado nível de empregabilidade e uma maior possibilidade de reinserção no mercado de trabalho Às empresas facilita-se a tarefa da recuperação da sua actividade normal, por forma a que a sua viabilização possa concretizar-se e, por via dessas facilidades e incentivos, procura-se que, à custa da redução temporária dos períodos normais de trabalho, se consiga a manutenção dos postos de trabalho.
Do alargamento das facilidades concedidas resulta que na compensação salarial devida aos trabalhadores durante o período de suspensão ou redução do período normal de trabalho, o orçamento da segurança social assegure o pagamento de 70% e à entidade patronal a diferença, ou seja, os restantes 10%, a compensação salarial a que atrás nos referimos, respeitante à entidade empregadora, não poderá ultrapassar os 15% nas situações em que os trabalhadores beneficiem de acções de formação profissional adequadas às finalidades de viabilização da empresa, de manutenção dos postos de trabalho ou de desenvolvimento da qualificação profissional dos referendos trabalhadores, conforme com um pia-

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no de formação aprovado pelos serviços públicos competentes.
O alargamento das facilidades concedidas às empresas implica o alargamento das suas obrigações perante os trabalhadores e as suas estruturas representativas, de que se destaca: a obrigação de, nas acções de formação profissional, a entidade empregadora ter de informar as estruturas representativas dos trabalhadores sobre as áreas de formação a frequentar pelos trabalhadores durante o período de redução ou suspensão do trabalho; a obrigação cometida à entidade empregadora de, trimestralmente, informar as estruturas representativas dos trabalhadores sobre a evolução dos fundamentos que justificaram o recurso à redução ou suspensão da prestação do trabalho: a obrigação de consultar os trabalhadores abrangidos pela redução ou suspensão atrás referida sobre o plano de formação profissional, plano esse que deverá igualmente ser submetido a parecer da estrutura representativa dos trabalhadores, previamente à sua aprovação.
Complementarmente ao alargamento de benefícios e obrigações, elimina-se do regime jurídico vigente a preferência legal a favor da redução do horário de trabalho. Com efeito, o estabelecido no n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei 398/83, ao estipular o recurso à suspensão do trabalho apenas nas situações em que a redução do período normal de trabalho se afigure inadequada ou insuficiente à viabilidade da empresa e à manutenção dos postos de trabalho, traduz-se numa preferência legal entre as duas medidas, que se torna inaceitável tendo em consideração os objectivos da medida.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados, conforme facilmente se constata, os objectivos da proposta de lei em discussão visam a introdução de melhorias no regime jurídico vigente por forma a torná-lo mais flexível e adequado às necessidades das empresas, dos trabalhadores e do País. Daí estarmos convictos que a sua aprovação contribuirá para reforçar os direitos dos trabalhadores, uma vez que a recuperação e a viabilização das empresas propiciará estabilidade, segurança e, fundamentalmente, a manutenção dos postos de trabalho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As alterações ao regime jurídico do chamado lay-off, apresentadas pelo Governo, vão no seguimento do objectivo de dar cada vez mais benesses às entidades patronais - o que veio muito a propósito em período eleitoral -, transferindo custos de erros e dificuldades de gestão, ou mesmo de má gestão, para a segurança social. Aliás, esta linha condutora da política do Governo está de igual modo bem patente na proposta de lei sobre o trabalho a tempo parcial, que acabou de ser discutida na especialidade, e noutros diplomas do pacote laboral. Para os patrões, menos descontos e mais benefícios, sobretudo à custa da descapitalização da segurança social; para os trabalhadores, mais incógnitas sobre as reformas futuras, mais precariedade, mais desregulação e mais insegurança.
Vejamos as propostas mais no concreto. Enquanto, hoje, às compensações salariais devidas aos trabalhadores em caso de redução ou suspensão da prestação de trabalho por iniciativa da entidade empregadora são suportadas, em partes iguais, pelos patrões e pela segurança social, o Governo quer diminuir a parte daqueles - os patrões - para 30% e aumentar a pane da segurança social para 70%. Desde logo se pode discordar (e nós discordamos frontalmente) que seja a segurança social a financiar uma crise, uma dificuldade ou uma má gestão empresarial.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A entender-se que deve haver financiamentos, eles devem ser suportados por toda a sociedade, através do Orçamento do Estado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, independentemente deste entendimento, e atendo-nos apenas àquelas duas hipóteses, não será a situação actual - sem prejuízo da nossa posição de fundo - mais equilibrada que a proposta agora apresentada pelo Governo? Porque quer o Governo dar mais este benefício injustificado às entidades patronais, à custa da oneração do orçamento da segurança social?
Porém, o Governo não se contenta com tão pouco para o patronato - quer ir mais longe. Elimina a norma que prevê a hipótese de redução ou anulação da comparticipação da segurança social, com o correspondente aumento da parte a suportar pela entidade empregadora e substitui-a por uma outra com o sentido inverso. Assim, quando os trabalhadores frequentassem cursos de formação profissional, a compensação salarial a cargo da segurança social seria, regra geral, elevada até aos 85%, podendo mesmo ir até aos 100%. Quer dizer, o encargo com a compensação salarial poderia vir a ser suportado, exclusivamente, pela segurança social - a entidade patronal pagaria 0% - apesar da formação profissional realizada nestas circunstâncias se destinar essencial e exclusivamente a beneficiar as empresas, pois tem sempre de ser adequada à finalidade da viabilização da empresa.
Mesmo assim, o Governo ainda continua a achar pouco. Daí que pretenda também revogar a norma introduzida no actual regime do lay-off do Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, que passo a citar: «A suspensão só pode ter lugar quando a redução dos períodos normais de trabalho se mostra inadequada ou insuficiente para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho». A radical proposta de eliminar este comando é exclusivamente determinada em favor dos interesses do patronato e não tem em conta as posições dos trabalhadores, pois a opção entre redução ou suspensão da prestação de trabalho fica na total arbitrariedade daquele. E, como é óbvio, o patronato vai escolher a solução mais vantajosa para si - quer dizer, optará normalmente pela suspensão, pois assim não terá de pagar aos trabalhadores a parte do salário correspondente ao trabalho prestado, funcionando o mecanismo de compensação salarial suportado sobretudo (ou totalmente, nos casos de haver planos de formação aprovados pelos serviços públicos) pela segurança social.

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Por outro lado, o Governo não se preocupa minimamente em definir critérios objectivos que pudessem determinar quando se aplica a redução ou quando se aplica a suspensão da prestação do trabalho - pelo contrário, retira o único critério que poderia ir nesse sentido. Nem se preocupa também em obrigar as empresas a fundamentar a sua opção por uma dessas possibilidades, no sentido de salvaguardar a situação e os interesses da empresa, mas também de ter um mínimo de salvaguarda dos interesses dos seus trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma última referência para o facto de o preâmbulo desta proposta de lei usar como argumento e fundamento da sua apresentação o desacreditado Acordo de Concertação Estratégica, celebrado em Dezembro de 1996, pela tríade Governo/UGT/patronato, para servir de «almofada» ao descontentamento e à luta dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, utilizando uma linguagem em voga na «cultura» deste Governo, pode dizer-se que a proposta de lei n.º 199/VII é uma barbaridade. Bom seria que a Assembleia da República travasse o seu avanço, e já, na votação na generalidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, a propósito da discussão da proposta de lei n.º 199/VII, vulgarmente designada por lay-off, oferece-me dizer o seguinte: o Governo serve-se do repetido argumento de que a suspensão dos contratos de trabalho e a redução temporária dos períodos normais de trabalho podem contribuir para superar algumas situações de crise económica e para recuperar as empresas. O repetido argumento concentra-se nas situações de crise económica, muitas vezes acompanhada também com os efeitos da globalização na economia. É verdade que não podemos ficar indiferentes às constantes mutações que a sociedade tem vivido e vai, com certeza, continua a viver, pelo que é muito justificável um conjunto de reformas estruturais e que este Governo não soube ou não quis fazer em tempo.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Aliás, importa aqui agora recordar que o CDS-PP há muito reclama a premência destas reformas como forma de prepararmos as estruturas administrativas do Estado e os serviços que presta, bem como permitir a modernização do Estado e assim contribuir decisivamente para que os pilares de sustentabilidade económica se fortaleçam e encontrem os argumentos para fazer face a uma concorrência económica cada vez mais forte e mais feroz. Mas a esta constatada realidade o Governo tem respondido com indiferença. Míope no encontrar de soluções para resolver ou atenuar os muitos problemas já sentidos na economia nacional e nas nossas empresas, o Governo tudo quer resolver retirando direitos e regalias sociais aos trabalhadores e transferindo
responsabilidades para o Estado que hoje não tem. A ter em consideração a anunciada pretensão do Sr. Ministro José Sócrates, em autêntico acto de caridadezinha, de resolver - quer dizer, solver - as dívidas contraídas pelos cidadãos menos zelosos, facilmente se conclui que o Governo, qual Deus cá na Terra, assume o papel de Pai de todos que, nos momentos difíceis, a todos franqueia as suas portas para, se mais não for, distribuir a todos «a sopa dos pobres». Esta ideia de Estado há muito esgotou os seus méritos - se é que alguma vez os teve.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Só o PS e o Governo não deram ainda por isso! Para o PS e para o Governo tudo é muito simples: reformas estruturais, preparar o Estado e a economia portuguesa para os desafios do futuro, isso não é connosco, os outros que resolvam! Como resolve, então, o Governo os problemas? O Governo escolhe outro caminho, o mais fácil. Mais fácil, mas que hipoteca seriamente o futuro do País: os problemas da sociedade passam para a responsabilidade do Estado. Pobre Estado este! E é consubstanciado neste critério que aparece a proposta de lei n.º 199/VII.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Proposta que, na exposição de motivos, refere pretender facilitar a utilização dos instrumentos de suspensão dos contratos de trabalho e de redução temporária dos períodos normais de trabalho, por forma a torná-los mais eficazes e, dessa forma, a facilitar a viabilização das empresas em situação económica difícil. Só que, sem grande rigor, facilmente se comprova pelo articulado da proposta que é falsa a justificação. Os instrumentos com esta permissidade já estão em lei desde 1983. Na altura era Primeiro-Ministro o Sr. Dr. Mário Soares e então Secretário de Estado da Segurança Social a Sr.ª Dr.ª Leonor Beleza.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Isso é verdade!

O Orador: - Mas o que se pretende com este diploma? É reforçar a situação de privilégio das entidades patronais, que passarão a suportar apenas 30%, no máximo 15%, no caso de haver lugar a formação profissional, ficando a segurança social a suportar 70% ou mais da remuneração dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Se a intenção é, mesmo sabendo que a segurança social não tem uma situação excelente, diminuir os encargos às empresas em situação difícil em detrimento da segurança social, que se diga! Que se assuma! Até seremos capazes de compreender. Mas utilizar argumentos inverdadeiros é ofensivo à nossa inteligência.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, damos por findo o debate desta proposta de lei.

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Passamos à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 242/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que aprovou o regime do trabalho temporário.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.
O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados. A proposta de lei n.º 242/VII vem procurar disciplinar o regime do contrato de trabalho e visa actualizar a legislação em vigor nesta matéria. Todos sabemos como o trabalho temporário é um sector importante para uma correcta flexibilização do mercado de trabalho, desde que adequadamente utilizado. Todavia, também todos sabemos que tem sido um sector altamente desregulado!
Tem sido uma prioridade para a actuação da Inspecção do Trabalho e gostaria de dizer à Câmara que, no ano de 1998. se levou a cabo um processo intenso de auto-regulação, ou seja, de discussão com os representantes das empresas de trabalho temporário, que decorreu durante o mês de Maio do ano passado, que originou uma carta de sensibilização por parte da Inspecção do Trabalho aos grandes utilizadores, públicos e privados, do trabalho temporário no sentido de não contratarem serviços com empresas sem alvará ou incumpridoras. Houve acções no terreno, de grande importância: foram inspeccionadas doze empresas de trabalho temporário e 20 utilizadores desses serviços; resultaram, no caso das empresas de trabalho temporário, 75 infracções detectadas, 136 processos, uma recuperação de milhares de contos - cerca de 40 000 contos à segurança social, mais de 100 000 contos aos trabalhadores em remunerações não pagas e mais de 46 000 contos em coimas aplicadas às infracções detectadas. Também no caso dos utilizadores foram detectadas 45 situações de trabalhadores ilegalmente classificados como trabalhadores temporários, que passaram para os quadros permanentes das respectivas empresas que os utilizavam; foram instaurados 18 processos e mais de 14 000 contos de coimas a essas empresas.
Não cito estes elementos para introduzir nenhuma nota de satisfação ou de auto-contentamento, mas para alertar os Srs. Deputados para uma situação de facto, que é conhecida de muitos, de desregulação e que não pode ser resolvida apenas com a intervenção da Inspecção do Trabalho - necessita da revisão do regime jurídico, e é essa a proposta que vos é presente pelo Governo.
Quais são, em linhas gerais, as grandes alterações introduzidas por esta proposta, relativamente ao regime vigente? Em primeiro lugar, é clarificado o conjunto dos requisitos para a autorização do exercício da actividade das empresas de trabalho temporário, pela revisão do artigo 4.º, em que é clarificado nos termos constitucionais o acesso ao exercício da actividade pelas empresas; é reforçado substancialmente o esquema de protecção dos trabalhadores temporários, designadamente com o previsto no artigo 6.º. que introduz uma caução inicial de 200 vezes o salário mínimo nacional (actualmente, é 150). E essa caução, para além de ser actualizada anualmente em função do salário mínimo nacional, poderá ser substancialmente agravada para 10% da massa salarial da empresa de trabalho temporário, se essa empresa recorrer à caução ou criar uma situação em que haja recurso à caução para cumprir as suas obrigações salariais para com os trabalhadores contratados.
Por outro lado, há um alargamento cauteloso, prudente e vigiado dos casos em que os utilizadores podem recorrer a trabalho temporário, de acordo com as alterações ao artigo 9º, designadamente reconhecendo que. em situações de acréscimo temporário ou excepcional de actividade, o período autorizado de trabalho temporário passa a ser de 12 meses, prorrogável até 24 meses, sendo, no entanto, esta prorrogação sujeita a autorização prévia da Inspecção-Geral do Trabalho (IGT). Nos outros casos, será de seis meses, também prorrogáveis, mas também com a autorização da IGT.
Ao mesmo tempo, o regime de colocação de trabalhadores temporários no estrangeiro é desenvolvido no sentido da protecção desses mesmos trabalhadores, regulamentando exigências nessa matéria, designadamente introduzindo também uma caução adicional em certas situações.
É introduzida a possibilidade de as empresas de trabalho temporário recrutarem trabalhadores com contratos sem prazo para efectuar trabalho temporário.
Não menos importante é responsabilizar, de uma forma clara, o utilizador em matérias de segurança, higiene e saúde no trabalho relativamente ao trabalhador temporário contratado, ao seu serviço - isto, de acordo com as alterações ao artigo 20º.
É introduzida uma alteração da maior importância, que é a obrigação de consagrar pelo menos 1% do volume anual de negócios das empresas de trabalho temporário à formação profissional dos trabalhadores temporários.
Propõe-se algum alargamento de actividade das empresas de trabalho temporário e, finalmente, reforça-se o sistema de sanções, aplicando-se já o novo regime de classificação das contra-ordenações em leves, graves e muito graves, de acordo com a proposta de lei já apresentada e cuja discussão na especialidade nesta Assembleia suponho já estar concluída.
Estabelece-se ainda a sanção acessória da cessação da autorização da empresa de trabalho temporário, nos casos de infracções à idade mínima de admissão de menores e ao regime da caução, de salários em atraso e de não inscrição dos trabalhadores temporários na segurança social.
Em traços gerais, são estas as alterações propostas, que visam, tal como no diploma anterior, prosseguir uma linha reformista e não casuística de modernização do nosso mercado de trabalho. Porém, trata-se de uma modernização que procura compatibilizar sempre, e sempre, flexibilidade com segurança - uma flexibilidade controlada, regulada e com segurança, isto é, criando segurança e protegendo o emprego. É nesse sentido que vamos trabalhando. E a acusação que, porventura, se ouve, de vez em quando, de que as nossas propostas em matéria laboral são puramente casuísticas, fica aqui, uma vez mais, cabalmente desmontada.
E já que vejo alguns jovens nas galerias, dirijo-me mais a eles, citando aquela célebre frase que eles estudam nas escolas: «E contudo move-se!».

Aplausos do PS.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Eles não são ingénuos!

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Neste momento, registaram-se manifestações de protesto de público presente nas galerias.

O Sr. Presidente: - O público presente nas galerias não pode manifestar-se. Como sabem, isso constitui uma ofensa à instituição parlamentar, é um mau acto de civismo, pelo que agradeço que se retirem das galerias.

Pausa.

Lamento muito que continuem a verificar-se cenas destas e não sei a quem devemos pedir responsabilidades por elas. Temos de fazer uma reflexão sobre a repetição destes acontecimentos. A Assembleia não é local para estas manifestações e temos de defender-nos o mais possível de que elas possam voltar a repetir-se. Não sei como... Porém, acho que o meu conceito de liberdade não coincide com esta forma de exercício da cidadania. O meu conceito de cidadania é outro, convictamente diferente, e passa pelo respeito das instituições democráticas. Se não tivessem a liberdade que têm, com certeza não poderiam fazer aquilo que estão a fazer neste momento. Fazem um mau uso da liberdade que têm, não a merecem, mas nós, mesmo assim, continuaremos a lutar por ela.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Quanto a essa de «não a merecem» tenha calma!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Somos, hoje, chamados a apreciar a proposta de lei n.º 242/VII, que visa alterar o Decreto-Lei n.º 358/89, que aprovou o regime do trabalho temporário.
Antes de tudo o mais, importa referir que não é a primeira vez que este Governo altera aquele Decreto-Lei. Na verdade, tal já havia sido feito através da Lei n.º 39/96. E este é um aspecto que não posso deixar dê aqui referir, isto é, o Governo navega ao sabor sabe-se lá de que ventos, alterando os quadros legais vezes sem conta, numa demonstração clara de que se governa sem estratégia, sem saber quais os objectivos que se pretendem atingir, pela simples e crua razão de que não há objectivos.
Parece que um dia, de manhã, bem cedo, um membro do Governo acorda, cheio de vontade de trabalhar, e, na ausência de melhor alternativa, diz bem alto: «ora vamos lá alterar qualquer coisinha». Segue-se, então, um complicado processo de reflexão, isto é, um sorteio, através do qual se selecciona o diploma legal que vai ser objecto da irreprimível vontade de produzir de Sua Excelência.
Seleccionado o diploma, gera-se uma qualquer alteração, de preferência uma só, dado que a vontade de trabalhar também não é infinita e pode Sua Excelência ter, passados alguns dias, uma recaída e precisar de alterar mais qualquer coisita.
Não fora o facto de se introduzir uma enorme confusão no quadro legal e até podia ter piada. Mas os assuntos da governação, que mexem com a vida das pessoas, não podem ser motivo de brincadeira.
Por isso, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados, vamos lá então ver o que nos traz desta vez o Governo.
Ora, desta feita, a sorte incidiu sobre o trabalho temporário, importante realidade que - e permitam-me que aqui o recorde com redobrado orgulho -, mereceu, pela primeira vez, atenção legislativa em 1989, com o PSD a governar Portugal.
Dizia-se, então, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 358/89, que «o recurso a trabalho temporário constitui um instrumento de gestão empresarial para a satisfação de necessidades de mão-de-obra pontuais, imprevistas ou de curta duração. No que respeita ao mercado de emprego, assume igualmente uma relevante resposta de regularização, por permitir a absorção de mão-de-obra para serviços ou actividades que, de outra forma, ficariam eventualmente por realizar».
Estas eram as duas grandes questões que, então, se colocavam, quando o Governo do PSD teve a coragem de encarar de frente este problema e submetê-lo ao necessário quadro legal.
Questões que continuam a ser os grandes desafios que importa enfrentar, no que diz respeito ao quadro legal regulador do trabalho temporário.
Porém, tal quadro legal não pode esquecer alguns problemas que podem resultar do trabalho temporário. Desde logo, a necessidade de assegurar que, no mercado de trabalho temporário só terão intervenção empresas com idoneidade e capacidade garantidas. Se assim não for, corre-se o risco de abrir o mercado a situações pouco transparentes que vitimarão, necessariamente, a parte mais fraca, isto é, os trabalhadores.
Mas importa também garantir que o trabalho temporário não servirá de capa para que empresários menos escrupulosos contornem determinados quadros legais, desvirtuando a figura jurídica do trabalho temporário e utilizando-a como subterfúgio.
Se assim não for, com a preocupação de regulamentar uma realidade necessária, estar-se-á a abrir a porta para injustiças que, uma vez mais, recairão sobre os trabalhadores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, o Decreto-Lei n.º 358/89 foi claramente balizado por estes objectivos e por estas preocupações. Mas a realidade das empresas, dos mercados e do mundo laboral é uma realidade em constante evolução, não estática, portanto.
Por isso, estamos disponíveis para alterar, melhorando, o quadro legal que regula o trabalho temporário. E algumas das propostas do Governo merecem a nossa concordância genérica.
Contudo, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados, não queremos contribuir para a situação que há pouco denunciei, isto é, a febril veia alteradora de um Governo que vai modificando os quadros legais «às pinguinhas».
Qualquer diploma legal tem de ter um determinado período de vigência, devendo, por isso, ser precedido de um seno

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esforço, no sentido de se conhecer com a exactidão possível todos os contornos da situação que se pretende regular.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É nesse sentido que, desde já, anunciamos a nossa intenção de apresentar algumas propostas de alteração, que mais não visam do que impedir que, para a semana, de novo, sejamos chamados a apreciar mais uma proposta de alteração, porque, por sorteio, se ditou que o esforço inventivo de um qualquer membro do Governo se iria debruçar, uma vez mais, sobre o trabalho temporário.
E se ponho a hipótese de tal fervor modificativo se verificar na próxima semana é porque, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr." e Srs. Deputados, acredito firmemente que será possível, no começo do Outono, dispensar o PS da tarefa que tanto lhe pesa, isto é, de fingir que governa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao próximo orador inscrito, informo que se encontra a assistir à sessão um grupo de alunos da Escola Básica, 2.º e 3.º ciclos do Paião e esteve também presente um grupo de alunos da Trofa, que. entretanto, teve de ausentar-se.
Para eles, peço uma saudação simpática.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Antes de entrar propriamente na leitura da intervenção sobre esta matéria, não posso deixar de referir a falta de convicção do Governo na defesa dos seus argumentos. Isto, talvez porque já tenha a garantia de algum grupo parlamentar de deixar passar quer esta quer a anterior proposta de lei, que são extremamente gravosas para muitos trabalhadores.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na exposição de motivos que antecede a apresentação das alterações ao articulado do Decreto-Lei n.º 358/89, que aprovou o regime do trabalho temporário, o Governo começa por afirmar que «o trabalho temporário desempenha uma função relevante no mercado do trabalho (...)». E isto porque, ainda segundo o Governo, «(...) possibilita que as empresas e outros utilizadores disponham de modo expedito dos trabalhadores necessários ao desenvolvimento da respectiva actividade, em situações específicas de necessidades temporárias ou excepcionais de mão-de-obra, sem as demoras inerentes ao recrutamento e eventual formação de trabalhadores próprios» e porque, continua, «(...) propicia a muitos trabalhadores a oportunidade de aceder ao mercado de trabalho e adquirir experiência profissional relevante (...)».
Mas, perguntamos, é esta a realidade sentida pelos trabalhadores sujeitos ao regime do trabalho temporário?
Poucos duvidarão, com seriedade, que a totalidade (ou a quase totalidade) daqueles que têm necessidade de continuar a vender a sua força de trabalho através de empresas de trabalho temporário, ou que já passaram por essa situação, entende que se trata de mais uma forma de precarização laboral e de feroz exploração. Mais uma ajuntar aos contratos a termo certo, aos contratos a termo incerto, ao trabalho a tempo parcial, ao abusivo trabalho a «recibo verde», à tarefa, à hora, que, conjugados com as arbitrárias adaptabilidade, mobilidade e polivalência, com decretos de que pode ser dia até à meia-noite ou declarações de que as decisões da Assembleia da República sobre o que são pausas não vale - o que vale é a vontade do Ministro -, têm transformado as relações de trabalho numa verdadeira «selva».
Más, o Governo sabe bem que é assim e deixa transparecer a sua má consciência em alguns votos piedosos, que emite logo de seguida, na mesma exposição de motivos, quando refere a necessidade de combater a «concorrência desleal entre as empresas» e a lesão dos direitos dos trabalhadores ou de reforçar as «medidas contra o exercício ilegal da actividade».
Contudo, a questão de fundo que deveria ter constituído objecto de análise e decisão do Governo era a de proibir esta forma de precarização e exploração, que é, em si, o regime de trabalho temporário. E, sobretudo, quando existem já tantas possibilidades, como as que antes enunciámos, legais umas, de duvidosa legalidade outras, e ainda outras claramente ilegais, mas sem um combate eficaz por parte deste e de anteriores governos.
Porém, não perspectivando o Governo a proibição das empresas de trabalho temporário, as alterações propostas deveriam ter, no mínimo, em conta os contributos positivos das normas internacionais que visam regulamentar a actividade deste tipo de empresas e actividades com elas relacionadas.
O preâmbulo, ou exposição de motivos, refere duas directivas: a primeira, a Directiva 91/383/CEE, de 25 de Junho, relativa à melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores contratados a termo e de trabalhadores temporários; a segunda, a Directiva 93/104/CE, de 23 de Novembro, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho. Esta Directiva foi transposta para a ordem jurídica portuguesa pela Lei n.º 73/98, de 10 de Novembro, e não deixa de ter alguma ironia que o Governo a refira, apesar de ser ele próprio a incentivar a sua violação, garantindo a impunidade do patronato, através de carta do Ministro do Trabalho e da Solidariedade ao presidente da CIP.
Mas há mais instrumentos internacionais relativos a esta problemática, embora não estejam ratificados ou transpostos, com medidas que pretendem equilibrar a fragilidade da posição do trabalhador também nesta relação de trabalho: a Directiva 96/71/CE, de 16 de Dezembro, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, e a Convenção n.º 181 e a Recomendação n.º 188, ambas da OIT e sobre agências de emprego privadas.
A Convenção n.º 181 cria um novo conceito de «agência de emprego privada», que, além dos serviços das empresas de trabalho temporário, abrange os serviços prestados pelas actuais agências de colocação, cujo regime consta do Decreto-Lei n.º 124/89, de 14 de Abril, bem como outros serviços

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referentes à procura de emprego, sem o objectivo específico de aproximação entre uma oferta e uma procura específicas, como o fornecimento de diversa informação.
E aproveitando soluções daqueles três importantes instrumentos internacionais, apesar de não ratificados, as alterações ao diploma em discussão, deveriam, entre outros aspectos: excluir do âmbito de aplicação do regime de trabalho temporário sectores de actividade e/ou categorias profissionais particularmente perigosas para a saúde e segurança dos trabalhadores, indo muito além das tímidas propostas para o artigo 20.º; estabelecer medidas de protecção acrescidas para os trabalhadores migrantes; prever a partilha solidária de responsabilidades entre as empresas de trabalho temporário e as empresas utilizadoras.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 242/VII não dá resposta a estas e a outras legítimas e justas preocupações dos trabalhadores.
Algumas alterações causam mesmo dúvidas desnecessárias, de que é exemplo a da alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º, outras não atingem a totalidade das situações possíveis, como o caso das contra-ordenações, que não incluem, na previsão sancionatória, o incumprimento de algumas obrigações como, por exemplo, a de efectuar um seguro de acidentes de trabalho a favor dos trabalhadores temporários.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, todos estes aspectos mereceriam, a nosso ver, uma análise mais aprofundada, mas o curto espaço de tempo disponível não o permite.
Um regime e um vínculo tão precários e promotores de tantas injustiças e exploração, como aqueles que vigoram, não se compadecem com paliativos.
Estamos disponíveis para uma consideração de fundo desta matéria, mas não podemos avalizar uma iniciativa que, no essencial, deixaria tudo na mesma.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes.

O Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, Sr.ªs e Srs. Deputados: Através da proposta de lei n.º 242/VII, visa o Governo alterar o regime jurídico do trabalho temporário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro.
O trabalho temporário ocupa, hoje, no mercado de trabalho nacional e comunitário, um papel de relevo enquanto modalidade contratual alternativa, possibilitando às empresas a contratação expedita de trabalhadores para fazer face a determinadas situações de carácter excepcional.
O crescente recurso ao trabalho temporário tem resultado, por um lado, do desenvolvimento tecnológico que conduz, muitas vezes, à especialização da força de trabalho, por outro, à necessidade de as empresas fazerem face a acréscimos extraordinários de actividade e, por outro ainda, à crescente globalização da competitividade das empresas, que adoptam estruturas mais leves e flexíveis, designadamente, ao nível da gestão dos seus recursos humanos.
Estas situações de carácter transitório levam as empresas a recorrer ao trabalho temporário quer porque se trata de uma modalidade contratual mais expedita, quer porque, através dela, obtêm, de imediato, o pessoal especializado que necessitam sem quaisquer demoras inerentes ao recrutamento ou à formação profissional dos trabalhadores.
De acordo com a exposição de motivos da proposta de lei em apreço, a revisão do regime jurídico do trabalho temporário «(...) acolhe as alterações preconizadas no Acordo de Concertação Estratégica celebrado entre o Governo e os parceiros sociais», resultando da necessidade de as suas regras serem «(...) genericamente respeitadas, de modo a que esta modalidade de trabalho não seja geradora de concorrência desleal entre as empresas que operam neste mercado, não prejudique as expectativas dos utilizadores e, de modo especial, não lesem os direitos dos trabalhadores».
Com efeito, esta revisão tem como objectivos fundamentais: combater o exercício ilegal da actividade das empresas de trabalho temporário; ajustar as situações em que pode haver recurso ao trabalho temporário compatibilizando-o com a política de emprego; regulamentar e proteger o trabalho temporário executado no estrangeiro; reforçar as garantias dos trabalhadores e sancionar com rigor as práticas ilegais.
Entre as alterações mais importantes ao regime jurídico do trabalho temporário preconizadas pelo Governo, destacam-se, pela sua importância, as seguintes: o ajustamento das condições para a autorização do exercício da actividade das empresas de trabalho temporário ao princípio constitucional de que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos; a consagração da revogação da autorização do exercício da actividade como sanção acessória quando estejam em causa situações relativas ao trabalho de menores em desrespeito da idade mínima de admissão e da escolaridade obrigatória, a falta de actualização ou de reconstituição da caução, a não inscrição dos trabalhadores temporários nos regimes de segurança social e o atraso, por período superior a 30 dias, do pagamento da retribuição àqueles trabalhadores.
Permite às empresas de trabalho temporário a admissão de trabalhadores com contrato de trabalho sem prazo especificamente para exercerem actividade em situações de cedência a utilizadores; alarga a possibilidade de recurso ao trabalho temporário às situações de desenvolvimento de projectos com carácter temporal limitado; permite a prorrogação, até 24 meses, da utilização de trabalhadores temporários nas situações de acréscimo temporário ou excepcional de actividade desde que se mantenha a causa justificativa e a Inspecção-Geral do Trabalho a autorize; permite a cedência temporária no estrangeiro em moldes idênticos à cedência realizada em território nacional, com garantias adicionais de caução para o pagamento das remunerações, do seguro de doença e de repatriamento.
O valor da caução a prestar pela empresa de trabalho temporário passa a corresponder a, pelo menos, 200 vezes o valor do salário mínimo nacional, acrescido do valor da taxa social única correspondente, garantindo-se a sua actualização anual.
Consagra o dever das empresas de trabalho temporário investirem, na formação dos trabalhadores temporários, o valor correspondente a, pelo menos, 1% do volume de negócios com o trabalho temporário; consagra a responsabilidade do utilizador pela protecção da segurança e saúde no trabalho dos trabalhadores temporários, designadamente proibin-

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do a sua ocupação em postos de trabalho particularmente perigosos.
Simplifica as regras relativas à prestação de informações aos serviços públicos por parte das empresas de trabalho temporário e simplifica o regime sancionatório, designadamente adequando-o ao novo regime geral das contra-ordenações laborais, recentemente aprovado em sede de especialidade na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social; revoga o preceito do regime em vigor que permitia, em determinadas situações, o não gozo efectivo de férias vencidas mediante compensação pecuniária.
Neste contexto, e tendo em conta os seus objectivos últimos, que se consideram globalmente positivos e meritórios, o Partido Socialista acolhe com satisfação, votando favoravelmente, a proposta de lei n.º 242/VII, convicto de que, da sua aprovação, resultará um enquadramento legal do trabalho temporário mais consentâneo e adequado aos interesses dos trabalhadores temporários, das empresas de trabalho temporário e dos seus utilizadores.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 242/VII pretende alterar o Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que aprovou o regime de trabalho temporário, introduzindo os mecanismos julgados convenientes para credibiliza! este sector.
O recurso a esta forma de contratação constitui um instrumento de gestão empresarial para a satisfação de necessidades de mão-de-obra pontuais, imprevistas ou de curta duração.
A presença de empresas de trabalho temporário em Portugal é relativamente recente e o recurso a esta forma de contratação está ainda um pouco aquém do que se verifica em alguns países da União Europeia. Contudo, o trabalho temporário assume-se como um factor fundamental de gestão, assumindo-se, igualmente, como uma relevante resposta de regularização por permitir a absorção de mão-de-obra para serviços ou actividades que, de outra forma, ficariam, eventualmente, por realizar.
No entanto, reconhece-se que a experiência mostrou fragilidades e lacunas que permitiram o aproveitamento ilícito por parte de empresas prestadoras e o não cumprimento de todas as obrigações por parte dos utilizadores.
Constitui também motivo de preocupação social, sobretudo quando extravasa o âmbito em que a sua existência se mostra claramente legítima e útil, quer em termos económicos, quer em termos sociais.
Com a proposta de lei n.º 242/VII, o Governo assume, claramente, uma estratégia de procedimento e de reforma dos diversos diplomas que enquadram o que podemos designar por organização, definição, tempo e horário do trabalho.
Este diploma introduz alterações profundas e muito significativas ao regime jurídico do trabalho temporário, cuja revisão acolhe as ideias preconizadas no Acordo de Concertação Estratégico celebrado entre o Governo e os parceiros sociais.
Conforme diz a exposição de motivos «É necessário que as regras que enquadram o exercício da actividade das empresas de trabalho temporário e as condições da cedência de trabalhadores sejam genericamente respeitadas (...)», o que, reconhecidamente, nem sempre tem acontecido.
Este incumprimento verifica-se por vários motivos, como já referi, mas também porque os meios inspectivos não têm sido os mais eficazes. Importa, portanto, reforçar as garantias de legalidade no mercado de trabalho temporário, consagrando os instrumentos que penalizam os infractores através das contra-ordenações e também, como o diploma prevê, a sanção acessória da revogação da autorização do exercício da actividade.
Desta forma, procede-se de modo a que esta modalidade de trabalho não seja geradora de concorrência desleal entre as empresas que operam neste sector, não lese os direitos dos trabalhadores e não prejudique as legítimas expectativas.
Por outro lado, este diploma define e clarifica o objecto destas empresas bem como o exercício da sua actividade, tendo presente que o trabalho temporário pode propiciar a muitos trabalhadores a oportunidade de aceder ao mercado de trabalho e de adquirir experiência profissional relevante, melhorando a sua empregabilidade.
Por último, a proposta de lei, ao definir um conjunto de requisitos, nem sempre fáceis de satisfazer, para o exercício da actividade, está intencionalmente a provocar um efeito selectivo.
Dúvidas existem se este diploma não será inibidor da criação de novas empresas, tendo em consideração os valores correspondentes à caução para o exercício da actividade.
Contudo, o trabalho temporário constitui uma nova forma de emprego. Tem de ser encarado como uma verdadeira alternativa laboral neste final de século, com uma sociedade em permanente mutação.
A sociedade está cada vez mais competitiva, baseada num critério de gestão empresarial de muito rigor e de muita contenção de custos, pelo que o trabalho temporário assume um elemento fundamental de gestão e um factor essencial ao desenvolvimento das empresas.
O repetido argumento da globalização e as consequências provocadas ao nível das mudanças crescentes que atravessam a sociedade actual levam as empresas, nomeadamente as pequenas e médias, a enveredar por novos rumos em termos de gestão de efectivos.
O recurso ao trabalho temporário constitui a possibilidade de recorrer a técnicos especializados, o que, de outra forma, implicaria a criação de estruturas pesadas impossíveis de suportar.
Não perceber os sinais de mudança na economia e na vida das empresas é querer pactuar com o passado e virar as costas ao futuro. Este diploma, contudo, a receber algumas alterações em sede de especialidade, merecerá a nossa anuência.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate da proposta de lei n.º 242/VII.

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Vamos passar, agora, à discussão da proposta de lei n.º 260/VII - Revê o regime dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública.
O Sr. Deputado Moreira da Silva, na qualidade de relator, pediu a palavra para resumir o relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Peco-lhe que seja o mais sucinto possível.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta de lei que o Governo apresentou nesta Câmara, conforme referi no relatório da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que aqui vou apenas sintetizar, pretende alterar um regime sobre acidentes em serviço e doenças profissionais na Administração Pública que data dos anos 50 e 60.
O objectivo essencial que o Governo assume é essa actualização e adaptação face ao novo regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais da lei geral, regulado pela nova Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro. O primeiro objectivo em concreto é, por isso, a aplicação do mesmo regime a todos os trabalhadores ao serviço da Administração Pública, salvo nos casos de pessoal vinculado por contrato individual de trabalho sem termo. Quanto a esta questão, pode criticar-se, apesar de tudo, como referi no relatório, uma eventual disparidade entre alguns funcionários da Administração Pública.
O segundo objectivo é a delimitação da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações e a introdução das necessárias alterações ao Estatuto da Aposentação, havendo uma proposta do Governo no sentido de tentar compatibilizar as atribuições da Caixa Geral de Aposentações e do Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais na avaliação e graduação das doenças profissionais.
É ainda objectivo a manutenção do princípio da não transferência de responsabilidade da entidade empregadora para entidades seguradoras, salvo em casos devidamente justificados. Penso que, pela prática, a tendência será, eventualmente, estes casos serem alargados e tornarem-se regra, mas é uma questão que ficará à ponderação de todos.
Finalmente, há a destacar a intervenção dos tribunais administrativos para garantir o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores abrangidos pelo regime. Esta matéria é inovadora em termos de garantia dos particulares - é algo que é seguido, por exemplo, no sistema francês -, pois não implica uma omissão da Administração seguida de uma impugnação de plena jurisdição, mas, sim, e forçosamente, uma primeira decisão por parte da Administração que pode ser completamente contestada e alterada por parte do tribunal, o que nos parece uma vantagem acrescida neste regime.
Estes são os objectivos fundamentais desta proposta de lei.
Concluía a minha intervenção, tal como fiz no relatório, referindo que a autorização legislativa que nos é proposta é insuficiente em termos constitucionais, mas que, no entanto, tal insuficiência foi colmatada, como o Regimento prevê, com o envio a esta Assembleia de um anteprojecto do decreto-lei. Assim, os dois diplomas em conjunto podem colmatar as insuficiências da autorização legislativa, estando esta proposta de lei em condições de ser apreciada e discutida em Plenário e de, eventualmente, baixar à Comissão para alterações.
Finalmente, colocava à consideração do Plenário uma última questão. O Governo propõe 180 dias para emitir o decreto-lei ao abrigo desta autorização legislativa, mas este prazo não poderá ser utilizado pelo Governo na medida em que o artigo 165.º da Constituição refere, entre as várias formas de caducidade das autorizações legislativas, o termo da legislatura. Ora, como o termo da legislatura é anterior a estes 180 dias, o Governo não disporá deste tempo.
Em síntese, são estas as questões que queria focar. Penso que a discussão será profícua e que é urgente rever a matéria dos acidentes em serviço e doenças profissionais porque, realmente, trata-se de questão já ultrapassada pela prática na nossa Administração Pública.

O Sr. Presidente: - Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública (Fausto Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretende o Governo, no âmbito do ponto 3.3 do Capítulo IV do seu Programa, legislar sobre o regime jurídico dos acidentes de serviço e doenças profissionais, adaptando, conforme referido, o regime legal vigente, aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, à Administração Pública, aliás, de acordo com a Constituição, que, nos seus artigos 63.º e 59.º, estabelece, respectivamente, o direito à segurança social-a qual abrange a protecção nos acidentes de trabalho e nas doenças profissionais - e o direito à assistência e justa reparação dos trabalhadores vítimas de tais acidentes e de doença no exercício da sua actividade profissional.
O regime legal em vigor para a Administração Pública encontra-se manifestamente desajustado, quer em relação à lei nacional, quer face a normativos comunitários e internacionais que importa acolher - o Código Europeu da Segurança Social; o Regulamento (CE) 1408/71; as Convenções n.ºs 102 e 121; a Recomendação n.º 121 e o Relatório da Reunião 261, de Novembro de 1964, todos da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
É neste quadro de referência que o Governo apresenta à Assembleia da República a presente proposta de lei de autorização legislativa, por se tratar de matéria que releva do regime e âmbito da função pública e, como tal, da competência legislativa reservada desta Assembleia.
Naturalmente, o prazo de 180 dias pedido para a presente autorização legislativa teve em conta que o Governo já tem praticamente pronto um projecto de diploma, o qual se encontra em fase final de discussão com as organizações sindicais representativas dos trabalhadores e que, conforme também salientado, já foi remetido aos grupos parlamentares.
Nestes termos, e para conveniente elucidação desta Câmara, importa, desde já, salientar e dar a conhecer aos Srs. Deputados as principais ideias força do diploma.
Em primeiro lugar, o diploma cuja autorização legislativa foi solicitada à Assembleia da República visa adaptar o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais à Administração Pública, dada a obsolescência do actual regime que vigora há mais de 45 anos. De facto, trata-se

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do Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, e, por remissão, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965.
Em segundo lugar, o novo regime a instituir será aplicável a todos os trabalhadores ao serviço da Administração Pública, salvo aos que, em função da sua relação específica de trabalho - contrato de trabalho sem termo -, devam sujeitar-se ao regime geral de segurança social.
Em terceiro lugar, afasta-se a obrigatoriedade da transferência de responsabilidade da entidade empregadora para seguradoras autorizadas, salvo casos devidamente justificados.
Em quarto lugar, regula-se a aprovação e os termos da apólice de seguro uniforme no âmbito dos acidentes em serviço.
Em quinto lugar, assegura-se uma efectiva reparação da desvalorização permanente da capacidade geral de ganho, o que não se verifica actualmente, nos casos em que o trabalhador venha a completar 36 anos de serviço, por se ter adoptado a mesma forma de cálculo de indemnização consagrada no regime geral.
Em sexto lugar, consagra o direito a novas prestações pecuniárias, designadamente, subsídios para assistência a terceira pessoa, readaptação de habitação e situações de elevada incapacidade.
Em sétimo lugar, prevê uma diferente constituição das juntas médicas para verificação das incapacidades temporárias ou permanentes - o trabalhador pode, por exemplo, escolher um médico.
Em oitavo lugar, possibilita o recurso da decisão da junta médica.
Em nono lugar, consagra a intervenção, na qualificação das doenças profissionais, do Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais (CNPCRP).
Em décimo lugar, são reguladas as situações de acumulação de actividades profissionais, enquadradas ou não num mesmo regime de protecção social de inscrição obrigatória.
Por outro lado, delimita as responsabilidades da Caixa Geral de Aposentações quanto à reparação das incapacidades permanentes resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais.
Afasta, ainda, a solução prevista no Estatuto da Aposentação para os subscritores da Caixa Geral de Aposentações, através do pagamento de uma pensão extraordinária de aposentação ou reforma, que consiste no acréscimo à pensão ordinária de uma parcela correspondente ao número de anos de serviço que faltarem para perfazer 36 anos, em percentagem igual à do respectivo grau de desvalorização da capacidade de ganho.
Em décimo terceiro lugar, são revogados e alterados vários artigos do actual Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro;
Por último, prevê a intervenção dos tribunais administrativos, por forma a garantir o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores.
Permita-se-me, ainda, que saliente ter havido uma intensa participação das organizações sindicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública na preparação do anteprojecto de diploma, a qual, repito, ainda se encontra em curso, atentos os prazos previstos na Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, aliás, tendo esta matéria sido objecto de ampla discussão no seio da Mesa Parcelar n.º 13, constituída, como os Srs. Deputados sabem, no âmbito do Acordo Salarial para 1996 e compromissos a médio e longo prazo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, para formular um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, pedi a palavra para um pedido de esclarecimento, uma vez que me parece que não está bem definido o sentido de extensão da autorização legislativa em todas as hipóteses, nomeadamente em relação à questão da delimitação das responsabilidades da Caixa Geral de Aposentações. Assim, gostava que este aspecto fosse concretizado durante o debate porque penso que, depois, deveríamos introduzir uma alteração à proposta de lei de autorização legislativa.
Efectivamente, desconhecemos o que vai resultar da alteração ao n.º 2 do actual artigo 54.º constante do Estatuto da Aposentação, cuja redacção data de 1979 - e, pelos vistos, há muitos outros artigos que também vão ser alterados, mas desconhecemos igualmente em que sentido irá essa alteração. Ou seja, afinal, qual vai ser a situação dos trabalhadores da função pública com vínculo permanente em caso de um acidente em serviço ou de uma doença profissional? O que é que vão receber concretamente?
Faço esta pergunta uma vez que está delimitado o regime dos outros trabalhadores, abrangidos pela Lei n.º 100/97, e já sabemos o que o Governo pretende fazer em relação a uma parte dos trabalhadores da função pública. Mas quanto aos outros? Concretamente, qual é a situação em que vão ficar?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, para responder.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, no que toca à questão do Estatuto de Aposentação da Caixa Geral de Aposentações, se me permite, gostaria de entregar-lhe em mão, neste preciso momento, o anteprojecto de diploma, na exacta medida em que, oportunamente, já o remetemos a todos os grupos parlamentares.
Sr.ª Deputada, eis, pois, o documento que lhe entrego novamente, desta vez em mão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito obrigada, Sr. Secretário de Estado, mas o problema é a autorização legislativa. Aí é que tem de estar tudo «preto no branco»!

O Orador: - Recordo que este anteprojecto de diploma, cujo texto acabei de entregar à Sr.ª Deputada, está em fase final de negociação com os sindicatos e consubstancia todas as alterações que estão compaginadas com o pedido de autorização legislativa.
Assim - e sem entrar agora em «miudezas» -, devo dizer-lhe que, no toca aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, pretende-se que seja assegurada uma efectiva reparação da desvalorização permanente da capacidade geral de ganho, o que não se verifica actualmente, uma vez

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que se o trabalhador sinistrado completar 36 anos de serviço não obtém qualquer indemnização pela desvalorização sofrida na capacidade de ganho, seja qual for o grau de desvalorização. Isto acontece hoje. Ora, o que se pretende é que, agora, seja assegurada essa efectiva reparação da desvalorização permanente.
Em geral, todas as soluções adoptadas e encontradas, designadamente no projecto de diploma em negociação, um exemplar do qual acabei de entregar novamente ao Grupo Parlamentar do PCP, tudo concorre para um conjunto de situações que em nada prejudicam os trabalhadores, antes pelo contrário, verificam-se benefícios claros em todas questões. Não há qualquer recuo, pelo contrário, há todos os avanços - os possíveis! - nessas matérias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins, para uma intervenção.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Está hoje em discussão uma proposta de lei com a qual o Governo pretende obter uma autorização legislativa tendente a proceder à revisão do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública.
Trata-se, como é referido na exposição de motivos desta proposta de lei, de matéria que foi objecto de negociação com os parceiros sociais no ano de 1996 e que, só agora, em fim de legislatura, o Governo entendeu avançar, para tanto pedindo a esta Assembleia da República autorização para legislar sobre a matéria.
É sabido que, no âmbito da Administração Pública, a reparação dos acidentes de serviço e das doenças profissionais é regulada pelo Decreto-Lei n.º 38523, publicado no já longínquo ano de 1951, sendo que tal diploma está manifestamente desajustado, tendo em conta a evolução legislativa nacional e os normativos internacionais.
Neste particular, importa ter presente a Lei Fundamental do País, onde é reconhecido o direito à segurança social que abrange a protecção nos acidentes de trabalho e os direitos individuais dos trabalhadores, obtidos a partir da última revisão constitucional, donde ressalta a consagração do direito destes à assistência e à justa reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional, bem como à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e saúde, o que envolve a adopção de políticas de prevenção dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Acresce que o normativo ainda em vigor na Administração Pública teve, por remissão legal, a aplicação subsidiária da já revogada Lei n.º 2127, sendo certo que o actual Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, instituído pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e regulamentado, em 30 de Abril último, pelo Decreto-Lei n.º 143/99, não é aplicável directamente aos trabalhadores da Administração Publica.
Por tudo isto não restam dúvidas e, por isso, corroboramos a conclusão formulada na exposição de motivos da proposta de lei hoje em debate, no sentido de que é premente rever o diploma ainda em vigor na Administração Pública e tomar como referencial o quadro legal vigente para o regime geral.
Mas, simultaneamente, a criação de um novo quadro legal no âmbito dos acidentes de serviço e doenças profissionais deve merecer uma atenção especial, ou seja, sem prejuízo das especificidades próprias e típicas da Administração Pública, os portugueses sujeitos a uma relação de trabalho dessa natureza não podem, seja a que título for, merecer um tratamento diferenciado e menos favorável, quando comparados com o regime aplicável àqueles que prestam a sua actividade no campo privado.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: No que concerne ao conteúdo da proposta de lei n.º 260/VII, hoje em apreciação, permitam-me que aluda a algumas questões que, na nossa opinião, justificam uma séria ponderação e obrigam o Governo a um cuidado especial na elaboração do futuro diploma.
No que respeita ao âmbito de aplicação, entendemos que não deverá existir qualquer diferença entre pessoal vinculado por contrato individual de trabalho a termo ou sem termo, no que diz respeito ao regime aplicável.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Apoiado!

O Orador: - No campo da assistência, recuperação e reabilitação do sinistrado, a nova lei deve acentuar o objectivo de que o mais importante é recuperar a saúde e as capacidades do trabalhador.
Por isso, não deve ser criado um regime que faça recair sobre o sinistrado a responsabilidade por quaisquer despesas decorrentes de acidente em serviço ou de doença profissional, por força do recurso a qualquer estabelecimento privado, quando, comprovadamente, não for possível prestar, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, a assistência, recuperação e reabilitação de que o sinistrado carece e a que deve ser submetido.
Concretamente, face ao estado da saúde em Portugal, cuja responsabilidade cabe integralmente ao Governo, e à incapacidade de resposta dos serviços públicos de saúde, não pode o cidadão, que paga os seus impostos, ser penalizado com os custos decorrentes dessas insuficiências.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quando está em causa a recuperação de um cidadão sinistrado, a saúde tem de estar em primeiro lugar e o dinheiro vem depois.
Quanto à responsabilidade pela reparação, que, em primeira linha, recai sobre o serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional, importa definir um quadro de responsabilidades pelo pagamento das despesas, pois pode o orçamento do serviço ou organismo não ser suficiente para cumprir as obrigações inerentes à sinistralidade laboral.
Por isso, defendemos a criação, no orçamento do Ministério das Finanças, de uma provisão que possa responder às

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eventuais falhas orçamentais existentes nos serviços ou organismos responsáveis.

O Sr. Moreira da SUva (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Por outro lado, a exemplo do regime geral, deve a Administração Pública dar uma especial atenção aos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho.
É sabido que, tal como para as empresas privadas, também a Administração Pública está sujeita ao cumprimento das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho.
Mas sendo, embora, um direito fundamental de qualquer cidadão, é do conhecimento de todos que tais normas não são cumpridas nos serviços da Administração Pública, onde não existem serviços organizados a actuar no âmbito dessa problemática.
Na verdade, para o Partido Social Democrata, a temática dos acidentes de serviço deve ser apreciada em duas perspectivas distintas, qualquer delas merecendo a maior atenção do legislador.
A primeira, de natureza preventiva e a outra, visando a reparação dos danos emergentes da sinistralidade laboral.
Mais - e o PSD tem-no dito por repetidas vezes nesta Câmara -: é indispensável fazer uma aposta séria na prevenção como factor determinante de combate à grave situação em que se encontra a infortunística laboral em Portugal, nomeadamente quando comparada com os restantes países da União Europeia.
Como tal, uma vez mais, reiteramos a preocupação pela falta de iniciativa do Governo nesta matéria, sublinhando a necessidade e a urgência em legislar sobre prevenção em Portugal, promover a sua efectiva aplicação, controlar e fiscalizar o cumprimento dessas normas e, desse modo, defender um dos bens mais nobres que temos em Portugal - os recursos humanos. Ou seja, e sublinhe-se, importa legislar, mas também, e sobretudo, accionar os mecanismos legais necessários e tendentes a promover uma verdadeira e efectiva aplicação das leis.
Daí que o diploma que irá materializar a autorização legislativa constante da proposta de lei em debate deva merecer uma atenção cuidada do Governo no estabelecimento de normas concretas sobre serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho.
No que concerne à transferência da responsabilidade por acidentes da entidade empregadora para entidades seguradoras, entendemos que a preocupação deve assentar no cidadão.
Na verdade, importa reflectir sobre qual a forma mais eficaz de promover a assistência, a recuperação e a reabilitação de um sinistrado e, por via disso, estabelecer um regime que permita às entidades empregadoras optar pelo sistema que melhor satisfaça o interesse do trabalhador.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ª e Srs. Deputados: Como já referi nesta intervenção, mostra-se pertinente rever o regime dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública.
O Partido Social Democrata está ciente da importância que tal diploma reveste no mundo laboral e, em particular, para todos aqueles que desenvolvem a sua actividade na Administração Pública. Por isso, aqui deixamos a nossa posição
assente num conjunto de propostas que reputamos de essenciais para a elaboração de um novo normativo sobre a matéria. Esperamos e desejamos que o Governo, com a celeridade que a natureza da matéria exige, e tendo em atenção as propostas que, aqui e agora, apresentamos, seja suficientemente capaz de utilizar a autorização legislativa constante da proposta de lei que hoje debatemos para dar vida a um novo regime de acidentes de serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública mais justo e equilibrado, à luz dos interesses que estão em causa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr." e Srs. Deputados: Com a presente proposta de lei, o Governo pretende proceder à revisão do regime dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública regulado pelo Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, e, subsidiariamente, pela Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965.
Isto porque se impõe não apenas actualizar a legislação em vigor como também uniformizá-la com o regime instituído pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que aprovou um novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, aplicável aos trabalhadores por conta de outrem, mas não directamente aos trabalhadores da Administração Pública.
O artigo 41.º desta lei previa, nomeadamente, que esta lei produziria efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a regulamentasse e que a sua regulamentação se previa no prazo de 180 dias.
No entanto, isso só veio a acontecer em 30 de Abril deste ano, após a publicação dos Decretos-Leis n.ºs 142/99 e 143/99, ou seja, passados quase dois anos sobre a publicação da Lei n.º 100/97.
Das opções tomadas pelo Governo, no âmbito da autorização legislativa constante desta proposta, realçamos a que se prende com a aplicação do regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais a todos os trabalhadores da Administração Pública e a garantia da afectação de verbas para fazer face aos encargos resultantes da aplicação da legislação objecto desta autorização.
De facto, há muito que a lei estava manifestamente desactualizada e a merecer revisão em ordem à uniformização com o regime geral, tendo em consideração as especificidades da Administração Pública. Por outro lado, resolve-se uma injustiça que, actualmente, se verifica.
Merece, contudo, alguma atenção a aplicação do regime diferente, dependendo do vínculo por contrato individual de trabalho.
Claro está que, materializada esta autorização legislativa, o diploma daí resultante também pode ou, melhor dizendo, deve contribuir como instrumento de modernização da Administração Pública.
Colocam-se algumas dúvidas à fundamentação exposta, contudo, ficamos a aguardar o documento final.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, para uma intervenção

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, o regime jurídico dos acidentes de trabalho e dás doenças profissionais relativo à função pública é já extremamente recuado e, efectivamente, impõe-se a sua alteração.
No entanto, pela nossa parte, entendemos que essa alteração deve ser feita por forma a reparar totalmente a desvalorização, não só corporal nem só material, dos trabalhadores de maneira a reparar efectivamente todos os danos sofridos com o acidente, inclusive os que recaem sobre a sua família, ou seja, os danos não patrimoniais que recaem sobre o trabalhador e a sua família. Isto em relação a todas as desvalorizações e não apenas às que, no regime geral constante da Lei n.º 100/97, o Governo encontrou para reduzir e limitar a um número exíguo de sinistrados no trabalho o direito a esse subsídio.
A autorização legislativa que temos - e é essa que vamos votar -, apresenta-se, em minha opinião, como excessivamente vaga em relação a algumas alíneas, e adaptar a Lei n.º 100/97 à função pública, em nossa opinião, é mau porque essa lei é má.
Essa lei melhorou a lei existente, que era, aliás, muito antiga, mas ela é má e nós, na altura, demonstrámos que. de facto, os lesados continuavam a ser os trabalhadores sinistrados. Isto é, continuava a «privilegiar-se» uma reparação baixa, bonificando as seguradoras que, com essa reparação baixa, efectivamente, podiam fazer uns «jogos» com os prémios de seguro, embaratecendo-os e concorrendo umas com as outras.
Ao privilegiar-se uma reparação baixa está a contribuir-se para se descurar a prevenção dos acidentes de trabalho; se a reparação for superior à prevenção, as empresas - e neste caso a Administração Pública, que também não é um bom exemplo nesta matéria-privilegiarão a prevenção e não dirão que «o seguro depois paga tudo ou a Caixa Geral de Aposentações paga tudo».
Deste modo, não é de louvar que, passados tantos anos, desde 1951, a Administração Pública ainda se situe nos parâmetros da Lei n.º 100/97, que são de facto parâmetros maus. E isto porque as pensões atrasadas ficam, por exemplo, por ser actualizadas, deixando muitos trabalhadores na penúria; porque se impõem limites para a remissão, que vêm agora expressos na regulamentação, «protegendo» os trabalhadores daqueles que falam sobre «os apetites» dos trabalhadores em receber efectivamente tudo mas impondo um limite inaceitável para as remissões, que é o de que a pensão obtida não seja superior a 30% - é mais ou menos uma redacção deste género.
Assim, parece-me que o regime deveria ser alterado, como é óbvio, mas com esta autorização legislativa pomos as maiores reticências na adaptação à função pública da Lei n.º 100/97 e da sua regulamentação, até porque pela Lei n.º 100/97 não é reparada a totalidade da capacidade de ganho.
Aliás, devo anotar e é curioso que, tendo o PCP levantado, há anos, este problema da reparação dos acidentes de trabalho, também já há anos apresentou vários projectos de lei e na votação final global da Lei n.º 100/97 requereu
avocações a Plenário, uma das quais para que os sinistrados tivessem direito a subsídios de férias e subsídios de Natal. Ora, o PS recusou liminarmente essa hipótese e o Diário da Assembleia da República reza isso.
Na regulamentação, o Governo deve ter-se dado conta que tal medida era impopular e que, em relação ao 13.º mês, já estava consagrado para uma parte dos sinistrados - para os restantes, até o 14.º mês - e, assim, a regulamentação veio agora a estabelecer aquilo que o Partido Socialista tinha rejeitado na votação de um requerimento de avocação do PCP. Regista-se o facto mas é bom que se diga que atitudes impensadas podem levar a comportamentos contraditórios e, se calhar, até ao «puxar dos pergaminhos» para dizer: «Mas o Governo ainda deu mais que a Assembleia, porque esta não deu subsídio de férias e subsídio de Natal e o Governo agora, na regulamentação, deu».
Porém, efectivamente, o que se passou foi que o comportamento quer do Governo, quer do Partido Socialista, em matéria de acidentes de trabalho e também aqui nos acidentes em serviço, são propostas tímidas, recuadas, que não se justificam numa época em que se está a generalizar, mesmo no estrangeiro, o conceito de que a reparação dos acidentes de trabalho deve ser feita como a reparação dos acidentes de viação.
Por isso, consideramos que esta é uma autorização legislativa é vaga, cujo sentido não está definido, e, portanto, Sr. Secretário de Estado, agradeço-lhe o anteprojecto que nos entregou mas já o tínhamos, embora em papel reciclado,

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: - Esse papel é melhor!

A Oradora: - Lê-se melhor, é num papel melhor, mas, de facto, não é isto que vamos votar, o que vamos votar é a autorização legislativa e aí deverá V. Ex.ª conceder que ela teria de ser completada e concretizada.

O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: A revisão do regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais aplicável aos trabalhadores da Administração Pública, que se manteve inalterado até agora e durante mais de 48 anos - e eu abriria aqui um parênteses para me interrogar porquê, porque é que passaram 48 anos sem que essa a revisão tivesse sido feita -, constitui uma necessidade imperiosa para o reforço e defesa dos direitos daqueles trabalhadores, o que corresponde a uma antiga e legítima aspiração das suas organizações representativas.
Com efeito o Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, que desde esse longínquo ano consagra e regulamenta as responsabilidades do Estado por acidentes dos seus servidores, directamente relacionados com o serviço, excluía as doenças profissionais contraídas no exercício das funções públicas e por causa destas - o que só veio a abranger em 1963, por determinação expressa do Decreto-Lei n.º 45 004, de 27 de Abril -, ainda que, ao tempo, e mesmo assim, tenha

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constituído um importante instrumento jurídico de salvaguarda do direito dos trabalhadores a reparação do infortúnio laboral, revela-se, já há muito tempo, como atrás disse, profundamente desactualizado a desajustado, quer no plano substantivo, quer no plano conceptual.
Impunha-se, pois, a sua profunda revisão por forma a cumprir os objectivos de uma justa reparação dos danos emergentes de acidentes em serviço ou de doenças profissionais e de uma adequada reabilitação profissional, direitos constitucionalmente garantidos a todos os trabalhadores. Já agora, eu diria que o caminho se faz caminhando ao proceder a esta revisão significa que tudo vai continuar como esta desde há 48 anos.
A natural evolução do contexto social, assim como a adopção a nível comunitário e international de normativos relativos à protecção dos trabalhadores vítimas de sinistralidade laboral, nomeadamente o Código Europeu de Segurança Social e as Convenções 102 a 121 da OIT, já aqui referidas, tornaram se mais premente essa revsão, actualização, aperfeiçoamento a modernização.
Acresce que a aprovação pela Assembleia da República da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que instituiu o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho a doenças profissionais aplicável ao sector privado, a que foi recentemente regulamentada, a uma razão acrescida para a revisão do regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais, aplicável no âmbito da Administração Pública a para nele acolher idênticas soluções normativas, sendo que tendo em conta as naturais especificidade. Poderá não ser um edifício perfeito a Lei n.º 100/97, mas a verdade é que os trabalhadores da Administraçãoo Pública, ao que se sabe, batem palmas pela aplicação deste regime, uma vez que a substancialmente melhor do que aquele que hoje vigora para a Administração Pública.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista manifesta a sua satisfação pelo facto de o Governo, ter o sentido de responsabilidade que o caracteriza, ter metido ombros à revisão do referido regime jurídico, demonstrando a capacidade de discutir, debater e consensualizar com as organizações sindicais o projecto de diploma que dará forma ao novo regime.
É de justiça recordar que o debate dos fundamentos e razões desta proposta de lei, entre o Governo a as organizações smdicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública, teve o seu início no âmbito da negociação colectiva.
O facto de se tratar de um quadro jurídico que nasceu sob o signo do diálogo e da negociação dá-nos a confiança e a convicção de que constituira um adequado instrumento ao cumprimento dos seus objectivos, capaz de garantir uma eficaz e adequada protecção dos direitos dos trabalhadores da Administração Pública no plano da reparação e reabilitação profissional em situações de acidente em serviço ou de doença profissional. E o que se conhece a que, por pane de todas as organizações sindicais - todas, repito -, os reparos são mínimos a os que foram feitos estão consagrados no projecto de lei, como ouvimos dizer ao Sr. Secretário de Estado.
Entre os aspectos constantes da proposta de lei n.º 260/VII permito-me destacar, pela sua importância, o acolhimento dado aos princípios consagrados na Lei n.º 100/97, adaptados, naturalmente, as especificidade da Administração Públicas a atribuição à entidade empregadora da responsabilidade pcla reparação dos danos emergentes dos acidentes e doenças profissionais, admitindo-se a transferência da responsabilidade para entidades seguradoras apenas na administração local ou em casos devidamente fundamentados e justificados a previamente autorizados pelos Ministros dos Finanças e da tutela, no respeito por uma apólice uniforme; a intervenção do Centro National de Protecção Contra os Riscos Profissionais na avaliação a graduação das doenças profissionais, cabendo à Caixa Geral de Aposentações a responsabilidade pela reparação em todos os casos de incapacidade permanente; a garantia de uma efectiva reparação da desvalorização na capacidade geral de ganho, adoptando-se a forma de indemnização consagrada no regime geral e a garantia do reconhecimento pelos tribunais adnlinistrativos dos direitos dos trabalhadores abrangidos pelo regime jurídico dos acidentes de risco e das doenças profissionais.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 260/VII, hoje em discussão, assume enorme relevância no plano da reparação dos acidentes de risco e das doengas profissionais, pelo que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está convicto que a sua aprovação não só se torna urgente como dará lugar a um quadro legal moderno a mais adequado, de que resultarão benefícios acrescidos para os trabalhadores da Administração Pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra, pelo que chegamos ao fim do debate da proposta de lei n.º 260/VII.
Está suspensa a sessão e os trabalhos recomeçarão às 15 horas.

Eram 12 horas a 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 mmutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram estrada na Mesa.

O Sr. Secretário (António Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados à Mesa diversos requerimentos.
Na reunião plenária de 25 de Maio de 1999: ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Aires de Carvalho; ao Ministério da Defesa National, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe.
Na reunião plenária de 26 de Maio de 1999: a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Reis; aos

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Ministérios do Ambiente, da Administração Interna e à Câmara Municipal de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
Nos dias 26 e 27 de Maio de 1999: Jorge Roque Cunha, no dia 24 de Março; Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 24 de Março; Pimenta Dias, na sessão de 15 de Abril; e Lino de Carvalho, na sessão de 4 de Maio.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Francisco Assis, Sílvio Rui Cervan, António Capucho e Octávio Teixeira.

Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Assis.

O Sr. Francisco Assis (PS): — Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: Uso da palavra nesta circunstância para, em primeiro lugar, exprimir a nossa profunda satisfação pela vitória eleitoral expressiva alcançada pelo PS nas eleições europeias realizadas no último domingo.

Aplausos do PS.

O Partido Socialista confirmou o seu estatuto de maior partido político português: cresceu em número de votos e em número de mandatos, registou um crescimento percentual muito significativo e afastou-se, de forma evidente, do segundo partido mais votado.
Não há qualquer exercício de acrobacia política, não há qualquer exercício de alquimia propagandista que possa encobrir esta evidente realidade.

Vozes do PS:—Muito bem!

O Orador: — Quero, pois, saudar todos os que integraram as listas do PS e aqueles que foram eleitos para o exercício de funções parlamentares em Bruxelas e Estrasburgo.

Aplausos do PS.

E quero, muito em particular, saudar o cabeça de lista, Dr. Mário Soares. .

Aplausos do PS.

Desde logo, quero saudar o seu gesto revelador de um alto grau de civismo democrático, ao dispor-se, de novo, a travar um combate político em torno de valores, em torno de princípios e em torno de convicções firmes acerca do projecto europeu.

O Sr. José Junqueira (PS): — Muito bem!

O Orador: — Pela simples circunstância de se ter apresentado a este combate eleitoral, o Dr. Mário Soares prestou um inestimável serviço à democracia portuguesa. Ao recusar a adopção de uma postura monárquica, que tantos lhe reco-
mendavam, e ao apostar claramente na participação, no debate cívico e político português, o Dr. Mário Soares prestou um grande serviço aos valores fundadores da República e esse gesto não pode, nesta circunstância, deixar de ser salientado.

Aplausos do PS.

Demonstrou que um democrata e um cidadão nunca se reforma; que um democrata e um cidadão, por mais elevados que tenham sido os cargos que teve a oportunidade de ocupar ao longo da sua vida pública, está sempre disponível para de novo descer à «arena» do combate político, justamente para proceder à afirmação de causas e convicções que, no caso do Dr. Mário Soares, foram a razão de ser de toda a sua vida pública.

Vozes do PS:—Muito bem!

O Orador: — Quero, pois, nesta circunstância, em nome do Grupo Parlamentar do PS, exprimir esta nossa admiração para com a atitude e o gesto do Dr. Mário Soares.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Neste momento, também não podemos deixar de condenar e deplorar vivamente aquele que foi o comportamento do PSD nos últimos dias e, em particular, na noite em que se consumou a sua expressiva derrota eleitoral.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Um partido começa a ser pequeno a partir do momento em que desiste interiormente de ser grande, quando a vontade e a ambição cedem perante a pura e simples retórica da justificação.

O Sr. José Junqueira (PS): — Muito bem!

O Orador: — E foi isso que aconteceu no passado domingo com o Partido Social Democrata. Ao tentar, com absoluto despudor, transformar uma derrota evidente num aparente sucesso, o PSD, afinal de contas, revelou o essencial: o PSD já abdicou de lutar por qualquer vitória nos próximos anos em Portugal!

Aplausos do PS.

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Aplausos do PS.

Aliás, pudemos verificar que, aparentemente, os dois únicos motivos de vitória do PSD foram, também, os mais mesquinhos motivos invocáveis por esse partido: o primeiro, manifestando contentamento pela vitória do PPE em relação aos socialistas. O Partido Social Democrata faz hoje parte do PPE, naquilo que é também uma demonstração da sua total incoerência do ponto de vista doutrinário e ideológico, pois um partido que se apregoa social democrata vai agora sentar-se ao lado dos democratas cristãos e conservadores liberais de todo o continente europeu.
Mas o segundo é mais grave: a forma como se referiram ao Dr. Mário Soares traduz mau perder, ressentimento, arrogância e pouco sentido da dignidade política.

Aplausos do PS.

O único motivo de aparente orgulho do PSD, a única aparente razão para celebrarem naquela noite consistia no facto de, não tendo os socialistas vencido na Europa, ser mais difícil a possibilidade de o Dr. Mário Soares ocupar a presidência do Parlamento Europeu, pelo menos na primeira fase desta nova legislatura europeia.
Srs. Deputados do PSD, contrariamente ao vosso comportamento, nós, socialistas, quando constatamos que um português se alcandora a uma posição de prestígio na Europa, temos orgulho nesse português, não nos deixamos invadir por sentimentos de inveja,...

Aplausos do PS.

... não nos deixamos invadir por sentimentos mesquinhos de ressentimento primário! Foi isso, infelizmente, que caracterizou também a reacção do PSD.
Por isso, nesta circunstância, parece-me apropriado salientar que, mais grave do que a derrota do PSD, foi a forma como o PSD interpretou essa derrota e reagiu à mesma, porque perder, todos perdemos ao longo da vida! O Partido Socialista perdeu durante 10 anos, mas é na forma como se reage perante a derrota que se constróem as condições para o sucesso futuro.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — E o PSD, perante esta derrota, revelou uma tal feita de grandeza e até, nalguns momentos, uma tal falta de dignidade cívica e política que se parece ter autocondenado a «atravessar o deserto» durante muitos e longos anos, em Portugal.

Aplausos do PS.

De resto, não deixou de ser curioso que o próprio cabeça-de-lista do PSD, o Dr. Pacheco Pereira, na declaração que proferiu nessa noite, tenha salientado que a grande vitória alcançada pelo PSD tinha sido uma vitória contra um adversário que nem sequer é hipotético, um adversário puramente virtual à alternativa democrática! Isto é, como já foi dito por alguém do meu partido, o PSD concorreu com os «fantas-
mas» que ele próprio criou, ainda por cima com a agravante que, verdadeiramente, nunca se vai poder fazer a prova real para saber se o PSD ganhou ou perdeu esse combate, porque ele é, nestas circunstâncias, totalmente insusceptível de qualquer tipo de verificação empírica!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Mas o que não deixa de ser evidente e o que perpassa e resulta dessa análise é que o PSD já não tem por horizonte Portugal: o PSD tem por horizonte o próprio PSD, o PSD já não visa ganhar eleições no País, o PSD visa apenas ganhar eleições no seu próprio interior.

Aplausos do PS.

Verdadeiramente, o Dr. Durão Barroso não se prepara para, em Outubro, desafiar o Engenheiro António Guterres; o Dr. Durão Barroso prepara-se para, até Outubro, enfrentar todos os fantasmas, pretéritos e futuros, que incomodam actualmente a vida do PSD!

Aplausos do PS.

Por isso se compreende, Sr. Dr. Durão Barroso, que ainda não tenha programa, ainda não tenha projecto, ainda não tenha uma única ideia e ainda não tenha avançado com uma única proposta de resolução dos problemas que se colocam no horizonte dos portugueses! Verdadeiramente, o seu horizonte não é Portugal, verdadeiramente o seu horizonte está cada vez mais reduzido porque, infelizmente para si, também é o horizonte de um PSD eleitoralmente cada vez mais frágil e cada vez mais pequeno.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Sr.ªs e Srs. Deputados: Esgotado este ciclo, cabe enfrentar outros.
Desde logo, no plano, europeu, é preciso assumir com determinação os desafios que se colocam no nosso horizonte; é preciso vencer a tendência para o ressurgimento dos velhos egoísmos nacionais. Todos temos de aprender as lições da história e o ressurgimento dos velhos egoísmos nacionais está para além da circunstância de a Europa ser governada hoje por estes ou por aqueles, são factores estruturais e mais profundos que carecem de ser encarados com seriedade e com clarividência.
É necessário criar uma Europa politicamente mais coesa, economicamente mais forte e socialmente mais equitativa; é necessário dotar a Europa de uma verdadeira identidade política, reforçando o seu peso na cena mundial, evitando que o mundo se conforme com uma solução em que há preponderância de uma única superpotência e sem pôr em causa o princípio fundamental da solidariedade euroatlântica.
É essencial que a Europa desponte e se afirme com uma política externa e de segurança comum activa e interventiva, que lhe permita assumir em plenitude o seu papel regulador na vida mundial.

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É necessário, também, uma Europa economicamente mais forte e mais competitiva. O euro, de resto, por um lado, propícia e, por outro lado, reclama a adopção de políticas económicas mais integradas. Nós não nos resignamos a uma União Europeia que seja apenas um espaço aberto à liberdade comercial, nós querermos uma verdadeira unido económica e estamos convencidos que o passo que se deu no sentido da adopção da moeda única vai inevitavelmente conduzir à adopção de outras medidas que levarão à concretização desse objectivo
Mas também queremos uma Europa social, por que é isso que verdadeiramente distingue o modelo europeu de outros modelos existentes noutras zonas do globo,

O Sr Presidente: - - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador - Termino já, Sr Presidente.
Por isso, saudamos todas as iniciativas que tem vindo a ser levadas a cabo, com o intuito de fazer do objectivo da criação de emprego um dos desideratos fundamentais no processo de construção da Europa.
Temos, Sr. Presidente e Srs Deputados, a noção de que a Europa se faz no pluralismo, na diversidade e na tolerância. A Europa nunca se fez com base no unanimismo, na exclusão e no sectarismo. Todos somos necessários!
Por fim, quero saudar todos os Srs. Deputados eleitos para o Parlamento Europeu Todos serão necessários e todos fazemos parte de importantes famílias políticas europeias que no passado deram um contributo sério para que se dessem os avanços necessários rumo à construção da Europa do futuro.
Nós, socialistas, esperamos o futuro com esperança. Felizmente, verificamos que grande parte do sociedade portuguesa compartilha esta nossa esperança no futuro de Portugal e no futuro da Europa.

O Sr. Presidente - Também para proferir uma declaração política, tem a palavra o Sr Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP) - Sr Presidente, Srs Deputados: Ao analisarmos os resultados das eleições europeias de domingo passado, cabe-me, antes de mais e em nome da minha bancada, felicitar o Partido Socialista, que venceu essas mesmas eleições

Vozes do PS -Ah!

O Orador - A vitória do Dr. Soares pode ter sido exígua face as expectativas, mas não deixou de ser expressiva e clara.

Vozes do PS - Muito bem!

O Orador - Felicito também todos os novos Deputados eleitos em Portugal para o Parlamento Europeu, dirigindo uma palavra de especial felicitação uns membros desta Câmara que exercerão essas, funções.

Vaus do PS: - Muito bem!

O Orador - Fazemos votos para que os 25 Deputados portugueses defendam os interesses de Portugal, tomado aproximar os portugueses dessa realidade que, por vezes, lhes parece demasiado distante. Só esta aproximação possibilitará, de futuro, uma redução da abstenção, um aumento da identificação dos eleitores com os eleitos e com esta instituição onde exercem o seu mandato.
Estes resultados são o desmentido da utopia federal e a confirmação da existência de vários povos na Europa, que se quer de paz e de prosperidade, mas também da inexistência de um povo europeu.
A abstenção foi, mesmo assim, bastante elevada, cabendo aos novos Deputados europeus, a partir do dia em que tomarem posse, lutar por uma diminuição da abstenção em futuras eleições.
Como já referi, estas eleições tiveram um vencedor, o partido que obteve mais votos e mais mandatos, mas tiveram também outros indicadores que interessa analisar.
No que diz respeito ao CDS-PP, estamos conscientes do resultado que tivemos, Sabemos a evolução que representa em relação ao último acto eleitoral equivalente, mas principalmente ao último acto eleitoral a que o CDS-PP concorreu, que foram as eleições autárquicas de 1997.
Sabemos a base eleitoral de partida, sabemos também quantos queriam a nossa extinção, sabemos quantos vaticinaram o nosso fim e sabemos também que mesmo as melhores sondagens ficaram imensamente distantes da realidade.
Tivemos os votos que os portugueses entenderam confiar-nos, mas não podemos ignorar a forma como foram influenciados em relação ao voto no Partido Popular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que durante a campanha eleitoral vimos, ouvimos e lemos, não podemos agora ignorar, ou seja, não podemos ignorar o que se disse e se escreveu sobre o CDS-PP e o seu líder, que era simultaneamente o seu cabeça-de-lista nestas eleições.
O CDS-PP foi acompanhado por uma onda de comentários, opiniões e sondagens que anunciavam o fim e retractavam a campanha como uma «morte lenta».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cito agora, para deleite de VV. Ex.ªs, alguma síntese dessas «pérolas» que nos acompanharam durante toda a campanha eleitoral e tentaram intoxicar os eleitores. O Jornal Público, de 31 de Maio de 1999. refere o seguinte: «Paulo Portas e a caricatura do político, a máquina de debitar 'sound-bytes' sem pestanejar, o antigo jornalista de frases sonoras ensaiadas e de dedo espetado. É tão artificial como a plasticina e tão superficial como mais uma sessão do 'Mundo VIP'», o Diário de Notícias, de 1 de Junho de 1999, refere «o que o que está em pior posição é Paulo Portas A campanha já não vai mudar nada, o seu destino está traçado. Na noite do dia 13 de Junho saber-se-á, mas tem uma de três hipóteses: com menos de 5%, terá de sair de imediato, mas pouco mais também não chega para se aguentar. A terceira hipótese é um milagre».
Segundo a opinião de Vasco Graça Moura, apresentada no Diário de Notícias, no dia 10 de Maio de 1999: «O Partido Popular não vai eleger ninguém»! Lapidar...
Houve também sondagens que não passariam em nenhum controlo de qualidade, caso os houvesse: em 2 de Junho, um

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semanário dava ao CDS-PP - e devo agradecer porque esta foi a melhor de todas - 5,6%, com o seguinte título: «PP consegue eleger Portas». Obrigadinho!

Risos do PS.

No dia 5 do mesmo mês, o Expresso dava-nos 4,8%, conseguindo levantar dos 2,8% e a SIC 3,2%, conseguindo levantar dos 2,8%.

Risos do PS.

Estávamos todos eufóricos com os resultados!
«Há um desastre eleitoral no horizonte do PP», perpassou em todas as notícias de todos os jornais, de todas as rádios, de todas as estações de televisão!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas sondagens foram, na altura, uma novidade porque, apesar de tudo, ainda foram do melhor que conseguimos.
Nos últimos dias de campanha, as profecias da desgraça intensificaram-se e então os títulos eram, no Semanário do dia 9 de Junho de 1999: «Paulo Portas tenta desesperadamente lutar para ser eleito»; o Expresso do dia 11 de Junho de 1999 refere: «Esta campanha foi uma espécie de odisseia de um homem só contra tudo e contra todos. Deixa a imagem de um lutador à beira do fim» e uma colunista do Expresso refere: «Assim foi a campanha do PP, desespero e bacalhau a pataco».
Para terminar, houve comentários mais elaborados, cada um com o seu estilo característico. Temos o estilo académico do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que dizia: «O PP tenta chegar à positiva. Está nestas eleições com um discurso impossível e conseguirá na melhor das hipóteses eleger o seu líder, ou então um comentário mais sarcástico do Victor Cunha, no Euro-Notícias: «As notícias da sua morte política a 13 de Junho têm sido amplamente teorizadas, mas tentemos ser sóbrios: são notícias algo exageradas. Paulo Portas merece, por agora, um muito mau resultado». E, por último, um estilo mais shakespeariano, citado no Diário de Notícias do dia 11 de Junho de 1999: «Paulo Portas será ou não eleito? Esta é uma das dúvidas de domingo».
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não nos servimos destes «enganos» para justificar absolutamente nada, mas não podemos deixar de os lembrar numa altura de balanço.
Como disse Abraham Lincoln: «Podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podereis mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo, mas não vos será possível enganar sempre toda a gente».
A partir destas eleições, estão em causa 8,2% de portugueses que não se deixaram enganar, que acreditaram e votaram no CDS-PP. Estes não podem ser desrespeitados e ofendidos pelo uso que fizeram da sua liberdade de voto. Muitos foram, ainda, iludidos pelo clima de «pré-Titanic» que foi lançado sobre o partido e hoje muitos lamentam-se de não ter votado CDS-PP, julgando-o morto, mas esses não serão enganados segunda vez.
O CDS-PP apresentou-se aos portugueses, cara a cara, nome a nome, sentimento a sentimento.
O CDS-PP viu, conheceu e sentiu os portugueses, porque eles não são zombies, números ou apáticos. Os portugueses existem, têm nome e sentem o que é a sua vida.
Os portugueses conhecem hoje o CDS-PP, não da televisão, não dos cartazes ou dos autocolantes, mas do seu dia-a-dia. Os portugueses conhecem o Partido Popular porque o Partido Popular esteve com eles.
O CDS-PP apresentou ideias e ouviu relatos de experiências de vida.
Os portugueses que votaram no CDS-PP não votaram num partido de protesto, votaram num partido de propostas. Os portugueses que votaram no CDS-PP não votaram contra a Europa, votaram pela manutenção do potencial de Portugal. Os portugueses não votaram pela convergência nominal, votaram a favor da convergência real. Os portugueses que votaram no CDS-PP votaram a favor da Europa mas sobretudo a favor de Portugal.
O CDS-PP assume a responsabilidade de concorrer às próximas eleições legislativas com o objectivo de equilibrar o poder e, assim, poder exigir as reformas que os portugueses pedem.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Há cada vez mais portugueses que sabem que é no CDS-PP que reside a vontade capaz de aumentar o seu capital de esperança num futuro melhor.
Tal como um enorme número de portugueses, não nos resignamos, porque - e termino citando Charles de Gaulle - «O fim da esperança é o princípio da morte».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados que temos a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 50 alunos da Escola do 1.º Ciclo do E.B. n.º 2 do Laranjeira e um grupo de 32 alunos do Externato O Poeta, de Lisboa.
Uma saudação carinhosa para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No rescaldo das eleições de domingo passado, subo a esta tribuna não apenas para fazer um balanço dos resultados mas antes para tentar dar um contributo sério para o debate sobre as respectivas consequências políticas.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Já não era sem tempo!

O Orador: -Naturalmente, começo por reiterar as felicitações já transmitidas pelo meu partido ao Partido Socialista e ao Dr. Mário Soares pela vitória obtida nas umas,...

Vozes do PS: -Ah!

O Orador: -.. .bem como para reafirmar as nossas cordiais saudações e votos de sucesso e de bom trabalho a todos os 25 Deputados eleitos.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Estes nossos concidadãos, propostos em listas das quatro principais forças políticas, vão assumir responsabilidades acrescidas na defesa dos interesses nacionais na União Europeia.
Se outras razões não existissem, o simples facto de, entretanto, ter entrado em vigor o Tratado de Amesterdão, atribuindo poderes sensivelmente reforçados ao Parlamento Europeu, justifica aquela minha afirmação.
Estar no eixo da construção europeia, como aqui disse Francisco Sá Carneiro, é um desígnio nacional.
Reforçar o nosso protagonismo é um objectivo estratégico para Portugal, mas não é fácil.
De facto, a experiência mostra-nos que o papel da chamada eurocracia nem sempre será transparente nem isento de crítica, que estão permanentemente em jogo interesses diversificados e por vezes antagónicos e que é grande a complexidade do processo decisório nas instituições da União Europeia. Esta situação obriga-nos a uma correcta articulação da acção de todos os que têm participação mais directa neste processo dinâmico da construção europeia, em ordem a potenciarmos na União a defesa dos interesses nacionais: o Governo e a representação permanente de Portugal junto da União Europeia, os Deputados portugueses ao Parlamento Europeu, a Assembleia da República, mas também os agentes económicos e sociais.
Se refiro tudo isto é porque gostaria de deixar claro, em nome do PSD, que consideramos essencial o reforço da articulação de todos estes agentes para que, no plano europeu, o interesse nacional seja melhor salvaguardado.
Creio que a conjugação dos nossos esforços é hoje ainda sofrível.
É tempo de perdermos complexos e de reorganizarmos e tornarmos mais operacional um verdadeiro lobby português na Europa! Para tanto, os Deputados portugueses do PSD manifestaram, oportunamente, toda a disponibilidade para trabalharem nesta perspectiva, no Parlamento Europeu, ao lado dos colegas das demais forças políticas - como fizeram no antecedente -, sem prejuízo do respeito pelas naturais diferenças que nos separam.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os Deputados do PSD manifestaram também toda a disponibilidade para colaborarem na estratégia de reforço da articulação recíproca entre as diversas instituições e agentes a que me referi.
Em homenagem aos superiores interesses nacionais, essa é também a postura do partido em geral.
O nosso contributo como partido será agora ainda mais relevante face à vitória eleitoral do grupo em que o PSD toma assento, o grupo do Partido Popular Europeu, que abarca democratas-cristãos, conservadores, mas também centristas e reformistas, por isso, não há qualquer incoerência na nossa presença neste grupo.
Uma outra reflexão que não pode ser adiada respeita ao manifesto descrédito do Parlamento Europeu e ao consequente elevado grau de abstenção nas respectivas eleições. Resultados similares e mesmo mais elevados noutros Estados membros não nos devem servir de consolo. Creio que, pelo menos, em parte, esse descrédito resulta da convicção generalizada, embora errada, da inexistência de poderes reais do Parlamento Europeu. Não é apenas o cidadão comum que pensa assim: muitos comentadores políticos repetiram-no à saciedade durante a campanha eleitoral, sem que fôssemos capazes de esclarecer os eleitores, repondo a verdade. E a verdade é que hoje o Parlamento Europeu tem um papel essencial; pronuncia-se, muitas das vezes com carácter vinculativo, sobre todos os textos legais que têm origem na Comissão e que, posteriormente, são objecto de aprovação pelo Conselho-basta citar o exemplo do papel decisivo do Parlamento Europeu na aprovação do Orçamento da União. Todos aqueles textos legais, directa ou indirectamente, respeitam ao quotidiano dos nossos cidadãos, têm impacto nas actividades económicas de Portugal e influenciam o nosso futuro colectivo. Por isso, há que prosseguir, passada a campanha eleitoral, o esforço pedagógico de esclarecimento sobre a União Europeia e o verdadeiro papel das suas instituições.
O que é de ponderar desde já é a eliminação da absurda norma do Tratado que obriga à realização simultânea das eleições em todos os Estados membros, permitindo-se, no futuro, que cada governo as marque num intervalo de 15 dias e não apenas entre uma quinta-feira e o domingo seguinte.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Apreciando num relance rápido os resultados eleitorais, e embora o PS tenha sido o vencedor inquestionável,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... é também indesmentível que ficou sensivelmente aquém das previsões constantes de todas as sondagens promovidas pela comunicação social desde que foi conhecida a candidatura da figura tutelar do Dr. Mário Soares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, principalmente, o PS fica muito aquém das perspectivas apoteóticas que proclamou, embora tudo tenha feito, no terreno, para atingir esse desiderato: desde o empenhamento pessoal do Sr. Primeiro-Ministro, ao total envolvimento do Governo e até à utilização de meios materiais ostensivamente desmesurados. Isto sem falar no deslumbramento e mesmo na subserviência de certos sectores face à candidatura do Dr. Mário Soares.
Segundo os estudos de opinião já referidos - que são públicos -, o PSD conseguiu recuperar, desde Abril passado, de valores de intenção de voto inferiores a 20% para um resultado que ultrapassa, em valor absoluto, os votos obtidos nas eleições europeias precedentes e conservou o mesmo número de Deputado eleitos há cinco anos.
Recordo que, há cerca de dois meses, a distância que separava o PS do PSD nas referidas sondagens ultrapassava, em regra, os 30%. Os resultados de domingo e as sondagens actuais para as eleições legislativas mostram que essa diferença se encurtou decisivamente.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo o que disse, cumpre-me nesta altura endereçar uma palavra de muito apreço a todos os candidatos do PSD e, muito especialmente, ao Dr. José Pacheco Pereira, pelo sério trabalho de esclarecimento desenvolvido junto dos eleitores.

Aplausos do PSD.

Hoje, face aos dados que referi, mais animados ficamos quando se consta novamente que todas as sondagens beneficiaram claramente o Partido Socialista, ou seja, empolaram o resultado efectivamente obtido nas umas.

Risos do PS.

Em conclusão, Sr. Presidente e Srs. Deputados: a estratégia do Partido Socialista de transformar as eleições de domingo passado numa primeira volta plebiscitaria das legislativas não teve sucesso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo fica em aberto para as próximas eleições.
O PSD, com uma nova liderança, eleita há pouco mais de um mês - é bom recordá-lo -, nessa altura, sem lista nem meios para se apresentar ao eleitorado com a antecedência mínima, tem, hoje, objectivamente, razões de sobra, sem arrogância e sem proclamar vitória, para considerar que os resultados obtidos são francamente positivos e permitem catapultar o partido, com sucesso, para o próximo embate eleitoral de Outubro.
Nessa altura, o eleitorado fará uma escolha de natureza muito diversa daquela que esteve presente no escrutínio de Domingo. Então estará em causa a escolha entre a renovação - que julgamos imerecida - da confiança no actual Governo ou a aposta numa nova política, num novo governo e num novo Primeiro-Ministro - o Dr. José Manuel Durão Barroso.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de mudar!

Com serenidade, com credibilidade e um esclarecimento sério junto dos eleitores estamos confiantes de que a maioria dos cidadãos vai mostrar em Outubro que é tempo de mudar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma última declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os resultados eleitorais do passado domingo não poderiam deixar de reflectir quer a especificidade das eleições para o Parlamento Europeu quer o quadro gerado pelo PS em torno do seu cabeça de lista e, em particular, a mistificação levada a cabo pelo PS sobre o que estava em causa nestas eleições.
Da especificidade das eleições decorreram dois factos maiores: por um lado, a persistência de uma enorme abstenção que, descontado o efeito da chamada abstenção técnica, foi praticamente idêntica à registada em 1994.
Tratou-se do alheamento dos cidadãos fundado basicamente na forma como a União Europeia está a ser construída: longe dos povos, recusando ouvir a opinião dos cidadãos em aspectos centrais da evolução da natureza política da União, esquecendo as preocupações e aspirações dos trabalhadores da Europa comunitária.
Por outro lado, essa especificidade permitiu que nestas eleições os eleitores não se sentissem motivados para, através do voto, expressar a sua opinião sobre a governação do Partido Socialista, para fazer o julgamento das orientações e políticas prosseguidas pelo Governo do Eng. António Guterres.
Do quadro gerado pelo PS em torno do seu cabeça de lista, o que ressaltou foi a estratégia mistificadora levada a cabo pelo Partido Socialista de convencimento dos eleitores de que o que estava em jogo era a eleição do Dr. Mário Soares para Presidente do Parlamento Europeu, visando aproveitar o prestígio angariado pelo Dr. Mário Soares no exercício dos seus mandatos como Presidente da República e extrapolar essas potenciais mais-valias individuais para as eleições legislativas, em beneficio do PS.
Sejamos claros: como já o expressou o Comité Central do PCP, «com uma campanha escandalosamente resumida ao apelo a uma votação maciça na figura do ex-Presidente da República, com a sua apresentação como a voz que iria dar mais força a Portugal na Europa e à Europa no mundo, o PS pretendia, manifestamente, com a progressiva deturpação da finalidade destas eleições obter um resultado esmagador e retumbante que, antecipadamente, prefigurasse a inevitabilidade de uma sua maioria absoluta nas próximas eleições legislativas».
É certo que o Partido Socialista foi o partido mais votado nestas eleições - e nesse sentido venceu este acto eleitoral - mas, no contexto actual, também nunca esteve em causa esse resultado. É manifesto que o PS, relativamente às eleições de 1994, obteve um bom resultado: mais votantes, maior percentagem de votos, mais mandatos, mas é igualmente inequívoco que o seu grande e principal objectivo, a obtenção de uma maioria absoluta assente no prestígio do Dr. Mário Soares, se saldou por uma enorme desilusão para as hostes rosa.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O elemento central e prioritário da estratégia definida pelo PS e pelo Governo fracassou. Ainda por cima, nem sequer conseguiu a percentagem de votos que o PS obteve em 1995. Mas isso não ilegítima a ideia que temos de que, de facto, a candidatura de Mário Soares conseguiu, para além de uma maior mobilização dos eleitores socialistas, obter votos de eleitores que, noutras circunstâncias, votariam em forças políticas outras que não o Partido Socialista, incluindo na área dos votantes da CDU. Também por isso consideramos os nossos resultados positivos.
Não esquecendo a diminuição da percentagem de votos, a verdade é que a CDU manteve essa percentagem ao nível dos dois dígitos, aumentou o número de votantes relativamente a

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1994 e reconquistou o lugar da terceira força política portuguesa que havia perdido precisamente há cinco anos.
Quanto ao número de mandatos obtidos, temos de esperar pelos resultados finais. Embora neste momento levemos um atraso de 1383 votos, de 43 milésimas, face ao nosso concorrente à obtenção do 25.º mandato, o PSD, a diferença é tão diminuta que todas as expectativas, maiores ou menores, são legítimas.
Aliás, já há cinco anos, tivemos uma situação idêntica, com uma diferença que parece passar despercebida: em 1994, a «luta» era entre a obtenção do terceiro mandato da CDU e do 10.º mandato do PSD; hoje, o que está em causa para a CDU é, de novo, a obtenção do 3.º mandato, mas para o PSD não é já o 10.º, mas apenas o 9.º mandato! Isto é, estando por distribuir o 25.º mandato, o PS já ganhou dois e a mais não pode aspirar, mas a CDU ainda não perdeu nenhum, o que significa que um daqueles dois foi perdido pelo CDS-PP e o outro pelo PSD. É evidente que nós podemos vir a perder o nosso terceiro para o PSD, mas VV. Ex.ªs já perderam um para o Partido Socialista. Isto fica claro!
O CDS-PP, tendo sido a única força política a perder votos relativamente a 1994, e logo uma perda de quase 100 000 votos, e de ter perdido o lugar de terceiro partido mais votado, consegue afirmar que este resultado significa o seu renascimento. Aliás, o CDS-PP é o único partido que faz as comparações dos resultados obtidos - como ainda há pouco ouvimos - não com resultados anteriormente conseguidos mas, apenas e quixotescamente, com as sondagens. VV. Ex.ªs lá sabem porquê!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Ai, sabemos, sabemos!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do facto de o elemento central da estratégia do PS ter falhado não decorre apenas uma grande insatisfação desse partido, do Primeiro-Ministro e do seu Governo; dele decorrem igualmente dois elementos políticos importantes para as próximas eleições legislativas.
Em primeiro lugar, o facto de ter sido demonstrado, a quatro meses das eleições, que é perfeitamente possível impedir que o Partido Socialista possa obter a maioria absoluta que tão fortemente ambiciona. Pois se nem com a ajuda preciosa do Dr. Mário Soares o conseguiu no passado Domingo, muito menos viável o será sem essa ajuda directa e quando estiverem em debate os aspectos mais negativos da sua política nos últimos quatro anos.
Em segundo lugar, estas votações vieram tirar qualquer credibilidade ao pré-definido apelo do Partido Socialista ao «voto útil» do eleitorado de esquerda, com o espantalho do perigo de a direita regressar ao poder. O que agora foi patente foi que nem com o pleno do voto de direita o PSD está em condições de lutar pelo lugar de partido mais votado nas próximas eleições legislativas.
Como ontem concluía o Comité Central do PCP, «com a direita eleitoralmente enfraquecida e por força da apropriação pelo PS do essencial da sua polílica(...)» «(.. .)a questão-cha-ve das próximas eleições legislativas não é o desfecho do confronto eleitoral entre o PS e o PSD mas, sim, a significativa modificação da correlação da influência eleitoral entre o PS e o PCP», que dê força a um processo de viragem à esquerda na política nacional.
E para isso nos continuaremos a bater, agora e nas próximas eleições: denunciando e apresentando alternativas a uma política social que continua a condenar mais de um milhão de reformados a pensões que não garantem um mínimo de vida digna e que visa a mercantilização da Segurança Social; tudo fazendo no sentido de impedir que os aspectos mais gravosos do pacote laboral que o Governo teima em defender possam ver a luz do dia; activamente defendendo os direitos dos pescadores a salários justos e à garantia de um mínimo salarial digno e adequado e responsabilizando o Governo pelo arrastamento do conflito dos pescadores do arrasto perante o bloqueio impune da associação patronal à negociação; propondo e defendendo um Serviço Nacional de Saúde melhor para os cidadãos e mais barato para o erário público e uma reforma fiscal mais justa, que faça pagar a quem pode e não paga e reduza o peso da carga fiscal que impende sobre os trabalhadores por conta de outrem; acabando, de uma vez por todas, com comportamentos impróprios de partidos e de governos com grupos económicos, como aqueles que, escandalosamente, se registam em torno da venda do império financeiro de Champalimaud aos espanhóis, incluindo a motivação de votações sobre o relatório da comissão parlamentar de inquérito que condenava os favores concedidos por um Governo àquele banqueiro;...

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: -... em suma, contribuindo para uma política diferente em Portugal, uma política virada para a esquerda, uma política mais justa, de progresso económico e social e mais solidária, nos actos e não apenas nas palavras.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra no período de antes da ordem do dia, pelo que, com o consenso de todas as bancadas, vamos proceder à apreciação e votação do voto n.º 155/VII - De pesar pela morte, por atropelamento, de um cidadão que circulava de bicicleta na 2.ª Circular, apresentado pelos Srs. Deputados Francisco Torres e Natalina Moura.
Peço ao Sr. Secretário que leia o referido voto.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor: «A morte, por atropelamento, de um utilizador da bicicleta como meio de transporte na 2.ª Circular, em Lisboa, não é um acontecimento isolado nas ruas e estradas de Portugal. José Miguel Afonso foi mais uma vítima não só da falta de um automobilista mas também da falta de condições de segurança em que circulam (ou quase já não circulam) os peões e bicicletas nas cidades do nosso País.
Esta situação é uma responsabilidade do Estado, do Governo, da Administração Pública, das autarquias, de todos nós.
O País não pode continuar a evoluir para uma (des)organização terceiro-mundista das cidades, desumanas, atravessadas por viadutos, sem espaço para as pessoas,

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potenciadoras de todas as formas de exclusão social. Isto quando são revelados dados preocupantes sobre os níveis de poluição (e dioxinas) em Lisboa e Porto.
José Miguel Afonso, estudante de mestrado, era um utilizador diário da bicicleta, um activista da mobilidade ecológica como filosofia de vida, um militante de muitas outras causas a favor de uma sociedade mais equilibrada. Teria tido condições de segurança mínimas em quase todas as cidades europeias, não as tinha em Lisboa e lutava por isso para si e para todos nós. Que as suas militância e perseverança nos sirvam de exemplo, que a sua morte possa contribuir para salvar outras vidas e para que Portugal possa acompanhar a evolução de outros países da União Europeia, em matéria de segurança, ambiente e qualidade de vida.
A Assembleia da República, reunida em 16 de Junho de 1999, aprova o seguinte voto de pesar:

A Assembleia da República lamenta a morte de José Miguel Afonso por atropelamento na 2.ª Circular quando utilizava como meio de transporte a bicicleta e apela às autoridades competentes para a criação de condições de segurança para a circulação de peões e velocípedes sem motor e de qualidade de vida nas ruas, estradas e cidades portuguesas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Conheci há pouco tempo o José Miguel Afonso, numa manifestação, à porta da Assembleia da República. Fiquei chocado com a notícia que me foi dada por outros activistas das mesmas causas: a morte por atropelamento na 2.ª circular, em Lisboa, de um ciclista era a daquele militante que tinha estado aqui em S. Bento.
Infelizmente, a morte de um utilizador da bicicleta como meio de transporte não é um acontecimento isolado nas ruas e estradas de Portugal. José Miguel Afonso foi mais uma vítima da falta de condições de segurança em que circulam (ou quase já não circulam) os peões e bicicletas nas cidades do nosso País.
É para esta situação, que é da responsabilidade do Estado - do Governo, da Administração Pública, das autarquias - e de todos nós, que é preciso chamar a atenção. O País não pode continuar a evoluir para uma (des)organização verdadeiramente terceiro-mundista das cidades, atravessadas por viadutos, sem espaço para as pessoas, potenciadoras de todas as formas de exclusão social. Isto, quando são revelados dados preocupantes sobre os níveis de poluição em Lisboa e no Porto, reunindo o pior das cidades mais poluídas da Europa com a falta de condições e qualidade das cidades mais pobres do Terceiro-Mundo.
Cada vez mais a maioria das cidades europeias regressa à escala humana, criam condições para o seu usufruto pelos peões e utilizadores de bicicleta, enquanto nós, com honrosas excepções, que contam sempre com a adesão das populações, ainda caminhamos em sentido inverso. Nas cidades mais evoluídas da Europa anda-se cada vez mais a pé, de bicicleta, de eléctrico e de metro; entre nós, o automóvel, para não falar no verdadeiro absurdo da proliferação assustadora dejeeps nas cidades, resultante de um incentivo à sua compra que ainda perdura, e os viadutos asfixiam cada vez mais as nossas cidades.
Nesta matéria, estamos claramente na periferia da Europa. Estas assimetrias sociais e ambientais são bem visíveis para os visitantes europeus, quer dos países contribuintes líquidos da União Europeia quer até dos países candidatos à adesão, onde, de certa maneira, este verdadeiro atraso social é bem menor.
Deste ponto de vista, reconheçamo-lo, não somos ainda um bom exemplo da utilização dos fundos estruturais ao serviço da qualidade de vida e da coesão social.
Permita-me, Sr. Presidente, ser aqui mais pessimista do que V. Ex.ª, no seu último livro, Do Outro lado da Esperança: infelizmente, a angústia ecológica começa a ser, na Europa, um sentimento bem português, mas podemos alterar este estado de coisas não só com uma maior aposta na educação, tema da intervenção de S. Ex.ª o Presidente da República no passado dia 10, mas também com as políticas adequadas, os incentivos fiscais correctos e uma política de transportes europeia, por exemplo, que muitas vezes até não custam dinheiro mas geram poupança.
Estas questões preocupam os nossos concidadãos, que, como sabemos, se abstêm cada vez mais. É por isso que esta é uma questão relevante para reflexão parlamentar.
O José Miguel Afonso tinha 26 anos, estava a fazer o seu mestrado e era um utilizador diário da bicicleta por opção, um activista da mobilidade ecológica como filosofia de vida, um militante de muitas outras causas a favor de uma sociedade mais equilibrada. Teria tido condições de segurança mínimas em quase todas as cidades europeias, não as tinha em Lisboa e lutava por isso para nós. por nós e para ele. Que as suas militância e perseverança nos sirvam de exemplo, que a sua morte possa contribuir para salvar outras vidas e para que Portugal possa andar mais rapidamente na evolução que estão a realizar outros países da União Europeia, em matéria de segurança, de ambiente e de qualidade de vida.
À família, à namorada, aos amigos, aos colegas e companheiros de luta aqui presentes os mais sentidos pêsames.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: O Partido Socialista associa-se ao voto de pesar, agora apresentado, pela morte do mestrando José Miguel Afonso, que usou como meio de transporte uma bicicleta, tentando, assim, afirmar a força das suas convicções ecológicas e, com esta postura, incentivar este meio de transporte.
A morte de alguém é sempre penalizadora e é tanto mais quanto mais cedo nos atinge. No caso vertente, o jovem José Miguel Afonso é colhido na flor da idade - aos 26 anos.
Esta cidade, a cidade das sete colinas, é pouco propícia ao uso da bicicleta como meio de transporte, sendo necessária muita coragem para pôr em prática este meio de locomoção. O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa tem vindo a estabelecer contactos regulares com a Federação Portuguesa de Cicloturismo, com vista a viabilizar percursos ciciáveis, sobretudo dentro de alguns bairros, estando para breve o arranque do percurso ciclável dentro de Telheiras.

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Lamentamos também profundamente a falta de civismo de que este jovem foi alvo e mergulhamos o nosso sentimento no profundo pesar da família enlutada, solicitando a V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, que se digne enviar o sentido do nosso voto de pesar à família, assim como à Federação Portuguesa de Cicloturismo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavrão Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto de pesar apresentado pelo Sr. Deputado Francisco Torres, e ao qual nos associamos, tem uma motivação que tem a ver com um acontecimento infeliz que nos causa a todos um enorme pesar, o qual está relacionado com o atropelamento mortal de um cidadão, mas representa também o momento, dadas as circunstâncias desse infeliz acontecimento, para chamar a atenção para as condições de insegurança com que se confrontam as pessoas que optam por circular de bicicleta no nosso país, dentro e fora das localidades.
Tive, há pouco, oportunidade de, em nome do meu grupo parlamentar, receber uma delegação da Federação Portuguesa de Cicloturismo, que nos chamou, de facto, a atenção para o facto de, nos últimos tempos, terem já ocorrido vários acidentes mortais que vitimaram utilizadores de bicicleta.
Portanto, esta é uma oportunidade para a Assembleia da República de, através de um voto de pesar, chamar a atenção para a necessidade de, a todos os níveis, criar melhores condições que garantam a segurança mínima das pessoas que optam por utilizar a bicicleta nas suas deslocações, sejam deslocações diárias, sejam deslocações ocasionais, seja até pelo prazer de andar de bicicleta e de usufruir algum contacto com a natureza ou de fazer algum exercício físico por essa via, quer nas nossas localidades quer nas nossas estradas.
Daí que nos associemos plenamente ao conteúdo deste voto de pesar e, naturalmente, à situação concreta que ele reflecte, fazendo nossas as condolências expressas por esta Assembleia aos familiares do jovem cidadão que foi vítima desta ocorrência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Muito brevemente, entendo que este voto é suscitado por um acontecimento trágico mas que, embora trágico, lamentavelmente, não é inédito na cidade de Lisboa e no nosso país.
Todos sabemos das condições de insegurança em que se circula nas nossas cidades e nas nossas estradas, e não só daqueles que optam ou que desejam optar pelo ciclismo, mas até do simples peão, que disputa com o carro o espaço público. Esta é uma realidade que não pode ser esquecida.
Parece-me que este acidente tem, porventura, uma carga mais dramática pela atitude perfeitamente brutal e criminosa de quem abandonou este jovem, que acabou por morrer sozinho numa via rápida de Lisboa.
Entendemos que a questão de encontrar soluções alternativas de circulação na cidade de Lisboa e noutras cidades é prioritária e é uma questão que importa discutir, discutindo, finalmente, que é preciso pôr em causa o poder ilimitado do carro como invasor do espaço e como elemento de insegurança, que não é só a insegurança de cada um como circulante deste espaço mas também a sua insegurança do ponto de vista da saúde, que é uma questão normalmente ignorada porque não é visível mas em relação à qual Portugal tem de fazer um debate verdadeiro e enfrentar culturalmente a mudança de comportamentos. É evidente que isto implica encontrar espaços públicos ajustados, é evidente que isto implica encontrar espaços próprios de estacionamento, é evidente que isto implica investir nos transportes públicos, o que não tem sido feito em Portugal.
Aquilo que está hoje a acontecer na cidade, aquilo que vai acontecendo diariamente, a invasão do espaço público, o domínio todo poderoso e a única lógica que move as políticas, que é o encontrar espaços para mais carros, porque os carros são um grande negócio e dão muito dinheiro no seu imenso negócio de venda de impostos, é uma discussão que tem de ser feita, em nome daqueles que vão morrendo nas estradas, nas ruas da cidade, nos passeios da cidade, sem culpa, em nome daqueles que, lentamente, vão sendo condenados à morte ou, pelo menos, à doença pela poluição que invade silenciosa as cidades, sem que o problema seja encarado de frente e numa perspectiva de futuro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também tenho muita pena de que tenha sido ceifada mais uma vida jovem, em holocausto, em irracionalidade da concentração urbana.
Endereço à família, aqui presente, o sentido do meu profundo pesar.

Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, vamos proceder à votação do voto n.º 155/VII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade. Guardemos, pois, Srs. Deputados, um minuto de silêncio. A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Este voto vai ser oficialmente transmitido à família enlutada e à Federação Portuguesa de Cicloturismo.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA (2.ª parte)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão da proposta de lei n.º 280/VII-Autoriza o Governo a

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tomar medidas legislativas no âmbito dos mercados de valores mobiliários e outros instrumentos financeiros.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças

(Teixeira Dias): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O momento que estamos a viver, no que respeita à nova realidade dos mercados financeiros, representa, sem dúvida, o fim do princípio de uma nova fase marcada pela introdução do euro, bem como pela internacionalização, globalização e consequente integração financeira, tanto em relação aos mercados como no que se refere às instituições que os regulamentam ou supervisionam.
Podemos já avaliar com base no funcionamento dos mercados e no comportamento dos seus agentes certas tendências que se concretizam, designadamente: no forte processo de concentração de grupos financeiros; na celebração de alianças ou na implementação de acordos de associação ao nível dos mercados de capitais, as quais contribuem para a sua maior profundidade, liquidez e eficiência; na progressiva desintermediação financeira e/ou redução das margens de intermediação com os consequentes ganhos resultantes das economias de escala alcançados; ou, ainda, na maior utilização do euro nas transacções internacionais e nos mercados cambiais, contribuindo-se, assim, também, para a sua credibilização e competitividade face ao dólar.
Estes aspectos são acentuados desde a entrada na 3.ª fase da UEM, pelo que se exige a especial atenção das autoridades reguladoras e supervisoras para o forte acréscimo da concorrência entre todos os intermediários financeiros e, em geral, entre todos os prestadores de serviços financeiros (aqui incluindo as próprias bolsas de valores e as centrais de compensação e liquidação de transacções).
Com uma só moeda e com o desaparecimento do risco cambial, aumentará significativamente a pressão para a eliminação das restantes barreiras, v.g., de nível regulamentar. Neste sentido, a protecção e a promoção do mercado serão tanto maiores quanto maior for a abertura concedida à entrada de agentes externos e à liquidação de transacções internacionais.
Mas a atenção daquelas entidades deve-se centrar também na consolidação do nível da protecção dos investidores e dos consumidores de serviços financeiros. O alargamento dos instrumentos financeiros de aplicação das poupanças, através de investimentos transfronteiriços, não pode ser feito à custa de uma diminuição dos níveis de protecção dos investidores, de quem dependerá em grande parte o próprio sucesso da construção de um mercado financeiro europeu.
Para dar resposta a estes desafios, impõe-se o reforço da cooperação entre as autoridades de supervisão nacionais, a qual deverá assentar numa base institucional mais sólida.
É, pois, de extrema importância aperfeiçoar o regime legal da prática da supervisão em base consolidada dos grupos e dos conglomerados financeiros adaptando-a à realidade decorrente da moeda única.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É neste contexto e visando a prossecução deste objectivo que se situa a iniciativa do
Governo relativa à aprovação de um novo Código do Mercado de Valores Mobiliários, através do qual: serão reforçados os poderes da CMVM em matéria de regulamentação, supervisão, fiscalização e promoção do mercado; se definirá o seu âmbito de aplicação espacial à face das novas realidades da integração dos mercados e do acentuar da sua globalização; e se clarificará a distinção entre mercados regulamentados e os restantes mercados, bem como o regime das operações fora de mercado, em conformidade com a directiva relativa aos serviços de investimento.
Outro aspecto a que será dada particular atenção na nova lei é o relativo à prevenção dos riscos e à protecção dos interesses dos investidores, em especial os pequenos investidores ou os investidores que não sejam especialmente conhecedores do mercado.
Esta questão é fundamental, pois não há mercado sem investidores e só há investidores se aos mesmos conseguir ser incutida confiança baseada na veracidade, na transparência e no rigor da informação que lhes é prestada, o que deve ser acompanhado de um eficaz regime sancionatório - que será revisto -, bem como de mecanismos adequados à tutela dos danos que os investidores possam porventura sofrer.
Neste sentido, aliás, o Governo aprovou recentemente um decreto-lei - cuja publicação se aguarda -, em transposição da Directiva 97/99/CE, relativa aos sistemas de indemnização dos investidores.
Será necessário ter em conta as diferenças, evidentes, aliás, entre os investidores comuns e os investidores dotados de especiais qualificações ou investidores institucionais. Nessa medida, serão estabelecidos diferenciações ao nível do regime legal, numa óptica de aligeiramento das obrigações das entidades emitentes ou oferentes de valores mobiliários quando os seus destinatários não sejam o público em geral.
No que diz respeito a este tema, é também de particular importância a enunciação efectuada pela IOSCO (International Organization of Securities Commissions), já em Setembro do ano passado, relativa aos mercados de investimento colectivo em valores mobiliários, chamando a atenção para: a necessidade do reforço das condições de acesso dos fundos e sociedades gestoras ao mercado; para a importância da supervisão comportamental dos agentes e da prevenção da emergência de situações de conflito de interesses; para a estrutura e organização interna dos fundos; para a informação a ser prestada aos investidores; para a necessidade de protecção dos activos dos clientes face a riscos de prejuízos ou mesmo de ruptura financeira; e para a extrema necessidade de cooperação internacional.
Esta é outra matéria a que estamos atentos e que pretendemos regular no futuro Código a aprovar pelo Governo com base na lei de autorização legislativa cuja proposta se encontra hoje em discussão.
Mas não fica por aqui a actividade legislativa do Governo no que refere ao mercado de capitais, cabendo igualmente salientar as iniciativas legislativas referentes, por exemplo: ao regime de emissão e comercialização de Warrants autónomos (já aprovado pelo Decreto-Lei n.º 172/99, de 20 de Maio); ao regime de registo das emissões de obrigações e de Warrants autónomos; ao regime da titularização de créditos,

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bem como da actividade dos fundos de titularização e das respectivas sociedades gestoras; ou à eventual criação de um mercado de capitais para as pequenas e médias empresas, cuja hipótese se encontra em estudo.
Todas estas iniciativas legislativas representam, no seu conjunto, medidas fundamentais para o reforço e crescimento do mercado de capitais, para a sua competitividade face aos mercados concorrentes, uma vez que se potência a inovação e a diversificação na emissão, negociação e comercialização de novos valores mobiliários e outros instrumentos financeiros já bastante difundidos e utilizados noutros mercados.
Por fim, uma referência deve ainda ser feita à eliminação das distorções à concorrência, com particular relevo para o sector da fiscalidade financeira e para a necessidade de combinar uma maior liquidez do mercado com menores custos de transacção. Nesta área, o Governo está a preparar um sistema fiscal competitivo que constitua um factor de atracção de capitais, com especial destaque ao nível da tributação dos produtos financeiros e da competitividade das zonas francas.
O Governo tem, assim, estado a trabalhar com base numa concepção global e coerente para o reforço da competitividade e consolidação do mercado de capitais português. Este trabalho tem como pedra de toque o futuro Código - enquanto diploma estruturante -, mas assenta também nas medidas e iniciativas já tomadas e que acabei de referir, bem como noutras ainda a tomar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Foi, pois, para dar efectiva resposta aos novos desafios e dotar o mercado português de um quadro jurídico aberto, exigente, actualizado e adequado às novas realidades, que o Governo aprovou em Conselho de Ministros a presente proposta de lei de autorização legislativa.
Assim, permitir-me-ia salientar, com a necessária brevidade, as principais novidades ou os aspectos mais relevantes, que resultam da proposta de lei de autorização legislativa que aqui se encontra em discussão, bem como fazer uma breve referência ao futuro Código do Mercado de Valores Mobiliários.
No que se refere à proposta de lei de autorização legislativa os aspectos merecedores de maior destaque são os que, por força do regime da reserva de competência parlamentar, incidem sobre a matéria criminal e contra-ordenacional. Assim, quanto aos mesmos, há que salientar o seguinte: os crimes de mercado, de informação privilegiada e manipulação de mercado, que já se encontram tipificados no actual Código, são objecto de um maior rigor na respectiva tipificação; a moldura das penas não ultrapassa os três anos, o que corresponde a uma gravidade média em termos das penas consagradas no Código Penal, e é compatível com qualquer das formas de processo: é introduzido maior rigor relativamente a alguns aspectos processuais, nomeadamente no que respeita à investigação dos crimes de mercado, deixando bem claro o campo de actuação do Ministério Público e da autoridade do mercado, em particular a CMVM, evitando as situações de indesejável conflito de competências.
No que respeita aos ilícitos de mera ordenação social as principais novidades consistem no seguinte: procede-se à elevação das molduras sancionatórias de acordo com o que se encontra em vigor nos outros sectores financeiros, designadamente a banca e os seguros; consagra-se a forma sumaríssima de processo, moldada sobre o mesmo processo já existente em processo penal.
Para além dos aspectos acima referidos, pretende-se ainda, em geral: clarificar o regime das taxas a cobrar por operações realizadas fora de bolsa; conferir iniciativa para a acção popular aos investidores não institucionais e às suas associações; estabelecer mecanismos de mediação voluntária de conflitos entre os investidores e as várias entidades intervenientes nos mercados de valores mobiliários; estabelecer as condições de exercício da profissão de consultor autónomo relativamente ao investimento em valores mobiliários e outros instrumentos financeiros; estabelecer e regular o regime de benefícios fiscais aplicáveis ao mercado de capitais; definir o regime de segurança social dos trabalhadores das entidades gestoras dos mercados ou serviços relacionados com o mercado de valores mobiliários.
Para finalizar, permitam-me que acrescente algo acerca do novo Código do Mercado de Valores Mobiliários, o qual, antes de mais, não significará uma revolução face ao actual. Pelo contrário, procuraremos seguir na mesma linha de fundo, pois não devemos esquecer que o actual Código foi a base da modernização do nosso mercado de capitais ao longo desta década.
Assim, procurar-se-á simplificar o texto do Código, tornando-o menos denso e reduzindo a sua extensão. O anteprojecto já existente representa, só para se ter uma breve ideia, 27% do Código actual, em termos de palavras e caracteres, isto é, menos de um terço, apesar de os artigos serem um pouco mais de metade. E isto é assim apesar de o novo código regular matérias que não estão contempladas no actual Código.
Quanto, agora, aos aspectos mais importantes, destacaria os seguintes: a actualização de acordo com a evolução havida a nível internacional, através da criação das condições jurídicas para suportar a internacionalização do nosso mercado de capitais; o novo diploma tem uma clara preocupação codificadora, entendido o termo em sentido técnico.
Nesse sentido, em termos técnicos, procura a sua integrarão harmoniosa dentro do sistema jurídico, através do seguinte método: a criação, pela primeira vez entre nós, de um valores mobiliários, hoje fragmentário e, sobretudo, disperso por vários diplomas; a criação de um regime geral das ofertas públicas; a criação de um regime geral dos mercados de valores mobiliários; e o estabelecimento de regras gerais das várias actividades de intermediação financeira.
As modificações operadas contribuirão para melhorar a supervisão dos mercados, promover a sua transparência, melhorar a informação e permitir uma melhor integração dos novos mercados com os mercados europeus.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Secretário de Estado do Tesouro, tendo presente, na nossa óptica, que

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esta proposta de lei contém contornos algo tímidos, parece-lhe que com este diploma se adquirem e relançam quer a confiança quer o empenhamento dos portugueses no mercado de capitais quer a nível interno quer a nível europeu?
Mais, Sr. Secretário de Estado, julgo que foi feita uma análise comparada com a legislação de outros mercados de capitais. Entende V. Ex.ª que nesta proposta de lei se procura aproximar, nivelar ou adequar a nossa legislação à de outros mercados de capitais quer europeus quer mundiais, de modo a que os nossos operadores nem se sintam marginalizados ao operarem noutros mercados estrangeiros, nem estes entrem no nosso mercado de modo a manobrá-lo a seu bel-prazer, fragilizando um sector altamente condicionante do desenvolvimento económico do nosso País? Estará tudo, efectivamente, salvaguardado, Sr. Secretário de Estado?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, que dispõe de três minutos cedidos pelo PS.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças: - Sr. Deputado Augusto Boucinha, poderei responder afirmativamente às duas questões essenciais que levantou.
De facto, com a elaboração do novo Código do Mercado de Valores Mobiliários, bem como o novo regime sancionatório, que é especialmente focado nesta proposta de autorização legislativa, procurámos, de facto, relançar condições para uma maior confiança no mercado, na medida em que serão exigidas obrigações muito mais claras e com maior nível de exigência quanto à prestação de informação e quanto à supervisão dos mercados financeiros.
Por outro lado, comparando com outros mercados, há aqui uma grande aproximação no quadro regulamentar relativamente ao que existe noutros mercados europeus, não esquecendo aquilo que foi o passado, o Código anterior, pois não podemos cortar radicalmente com aquilo que foi a base de desenvolvimento e de afirmação no nosso mercado, não ignorando a História, que foi importante.
De facto, estamos a proceder a essa aproximação, no sentido de evitar que os nossos agentes encontrem nesse quadro regulamentar factores nocivos para a sua competitividade e para a sua capacidade de afirmação nesses mesmos mercados.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O mercado de capitais é, na sua essência, a forma mais eficiente de juntar investidores sejam particulares ou institucionais que pretendam aplicar os seus fundos disponíveis com as empresas que legitimamente pretendam obter financiamento para as suas actividades através e especificamente deste tipo e forma de investimento de capital.
Daqui resultam, como facilmente se compreende, a importância e a necessidade absoluta em preservar e saber manter o elemento confiança como factor determinante da estabilidade e do correcto funcionamento do sistema, já que é dessa mesma confiança que os agentes operadores depositam no sistema em concreto de que ele, pura e simplesmente, depende - aliás, uma forma clássica em todo o mundo de conseguir obter a confiança dos agentes económicos no mercado de capitais tem sido prosseguida através da criação de entidades que supervisionam e fiscalizam as actividades dos diversos agentes envolvidos sejam os investidores, sejam as entidades emitentes, intermediários financeiros ou mesmo consultores.
Precisamente entre nós a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários tem como principal função: a criação e a manutenção das condições para que os vários agentes envolvidos tenham a plena confiança no correcto funcionamento do mercado de capitais, tendo para o efeito de constituir a obrigatoriedade da disponibilização por parte das entidades emitentes de informação financeira sobre as suas actividades de forma completa, verídica e atempada; proceder à prevenção e ao combate a comportamentos manipuladores do mercado, que têm como principal objectivo a obtenção de ganhos extraordinários à custa dos investidores menos prevenidos ou mal informados; e à fiscalização de capacidades técnicas e do grau ético exigido aos profissionais cuja função é executar as ordens dos investidores e prestar-lhes aconselhamento financeiro.
Repare-se que é precisamente na gestão da informação que reside o elemento crucial da confiança de todo o sistema, na medida em que os investidores necessitam da informação para poderem, de forma racional, escolher as estratégias de investimento que lhes pareçam, em cada momento, as mais adequadas, isto na certeza de que nem todos os agentes têm acesso a toda a informação, designadamente a mais sensível, podendo criar-se situações em que os pequenos investidores se sintam e sejam, efectivamente, prejudicados e manipulados com o seu consequente e sempre indesejável, abandono do mercado de capitais.
É, pois, fundamental afastar toda e qualquer opacidade no funcionamento do sistema não permitindo, em caso algum, a prática de abuso de informação - privilegiando -, ou de manipulação de mercado, mantendo-se um conjunto mínimo de garantias em relação à informação que necessariamente circula nos mercados de capitais.
Sr. Secretário de Estado, o Governo com a presente autorização legislativa pretende fazer reverter em lei actualizada a prática e a experiência de oito anos, entretanto adquiridas, do actual Código do Mercado de Capitais.
Para nós, toda a qualquer medida de actualização com o objectivo de agilizar, mas sempre de melhorar, a transparência, a perceptibilidade, a solidez e a confiança, sobretudo a confiança do mercado de capitais, é naturalmente positiva.
O Governo propõe-se atingir este desiderato através de três conjuntos de medidas: por um lado, criminalizando duas novas acções, nomeadamente a da violação do dever de certos responsáveis de impedirem práticas manipuladoras de mercado e a da intermediação financeira e a constituição ou gestão de mercados não autorizados ou devidamente registados. Isto mantendo a criminalização anteriormente pré-

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vista sem salvaguarda do princípio de intervenção mínima que, naturalmente, nada ou muito pouco tem a ver com a prevenção e a punição criminalizadora que seja de actos e de práticas graves lesivas da economia nacional e de um dos pontos nevrálgicos do nosso sistema de mercado.
Neste particular, a verdadeira motivação do Governo estará muito mais próxima da enternecedora declaração de reconhecimento da vantagem da compatibilização com qualquer uma das formas de processo, pasme-se!, previstas no Código de Processo Penal, do que na genuína vontade em clarificar o mercado de capitais. Ou seja, o Governo sente mais a necessidade e a pressão em criminalizar de forma dissuasora práticas que ocorrem com perigo no nosso mercado de capitais mas nunca sem causar prejuízo à política de justiça deste Governo que se conhece: a obsessão dos números e a contabilidade dos processos.
Seguramente que o Sr. Ministro da Justiça agradecerá mas certamente que os portugueses não compreenderão nem aceitarão tanta timidez, situação ou panorama a que não obstará a elevação dos limites mínimos e máximos das coimas dos ilícitos de mera ordenação social com a sua equiparação a outros sectores do sistema financeiro. Mas mais positivo será sempre - e porque não? - o reconhecimento da competência da CMVM em proceder a um conjunto de averiguações preparatórias ou vestibulares à notícia do crime, assim como à extinção do regime actualmente previsto na Lei n.º 83/95, conferindo-se iniciativa da associação popular aos investidores e às suas associações.
Finalmente, a proposta de lei prevê também autorização legislativa relativa às isenções fiscais, as quais se resumem a isenção de imposto de selo e de sisa de actos relativos a sociedades gestoras de mercados regulamentados e de sistemas de liquidação - o que é francamente positivo -, mas revoga a isenção de IRC relativo ao investimento dos resultados das sociedades gestoras do imposto sobre o rendimento das mais-valias que resultam de operações de fomento de mercado ou de estabilização de preços, o que é mais negativo.
Em síntese: o Governo erra e no pouco em que acerta é tímido e insuficiente. Em todo o caso, trata-se de uma autorização legislativa que não deixaremos de acompanhar, como sempre, com toda a atenção.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A evolução do mercado de valores mobiliários aconselha a adoptar medidas que regularizem o seu funcionamento, tendo em conta, nomeadamente, o novo estatuto reconhecido à Bolsa de Lisboa.
Efectivamente, como sabemos, a Bolsa de Valores de Lisboa passou a ser considerada como integrada não num mercado emergente mas num mercado desenvolvido. A própria expansão quantitativa das transacções da Bolsa portuguesa é sinal da importância que lhe vai sendo reconhecida. Em cinco anos, mais do que triplicou o volume das transacções efectuadas. Será, aliás, altura de se pensar que outro tipo de reformas poderá a Bolsa portuguesa vir a ter e até como reformular o relacionamento entre a Bolsa de Lisboa e a do Porto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qual é, então, o sentido essencial desta proposta de lei? Aumentar a transparência dos mercados de valores mobiliários, visando o fortalecimento e a melhoria de condições para o crescimento adequado do mercado de capitais português em relação com o desenvolvimento da economia produtiva e desempenhando o seu papel no funcionamento da actividade económico-financeira.
A agilização do funcionamento das bolsas, o reforço da supervisão da CMVM, a garantia dos direitos e do património dos investidores dentro de regras cada vez mais claras são objectivos louváveis e que o articulado desta proposta de lei estabelece. Neste contexto, um quadro sancionatório deverá funcionar como dissuasor e penalizador de quem desrespeite as regras do mercado. Não absolutizamos a «mão invisível», embora acreditando no mercado, mas queremos, sim, punir a «mão visível» que não respeite as regras. Só assim o mercado de valores mobiliários desempenhará um papel correcto no quadro da economia nacional.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Em nosso entender, esta proposta de lei dá uma garantia e um acréscimo de poder para os investidores não institucionais e sublinhamos a atribuição da titularidade para a iniciativa da acção popular. Também julgamos de realçar o já referido papel de relevo, que é reforçado, relativamente à CMVM como entidade supervisora dos mercados de valores mobiliários.
Por outro lado, importa ainda sublinhar que o sentido da autorização legislativa solicitada é preciso, claro e satisfaz os diferentes requisitos formais e de conteúdo exigidos a um diploma deste tipo, o que não significa, no entanto, em nosso entender, que não seja passível de pequenas alterações que melhorem o seu conteúdo, nomeadamente na área que tipifica as contraordenações e na que se refere a matéria de carácter criminal. Aqui, será de efectuar um balanço realista entre a possibilidade de utilizar mais o mecanismo das contra-ordenações ou o de considerar determinado tipo de ilícitos como criminais.
Neste sentido, estamos abertos a discutir ou até a apresentar propostas de alteração que, em nosso entender, sejam adequadas e oportunas. Teremos de ter em conta o bom funcionamento dos mercados, a celeridade dos processos e o juízo da sociedade face aos actos envolvidos, embora não queiramos dar qualquer pretexto, legítimo ou nem tanto, para que se atrase a aprovação deste diploma.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A terminar, direi que esta proposta de lei é também um acto de coragem política, já que visa pôr cobro a um conjunto de situações identificáveis e conhecidas pelos agentes do mercado. Concluo, assim, dizendo que esta é uma proposta de lei muito positiva, a qual o Grupo Parlamentar do PS sugere aos Deputados dos outros partidos que apoiem, senão entusiástica, pelo menos, convictamente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputados Duarte Pacheco.

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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Na proposta de lei n.º 280/VII, o Governo solicita à Assembleia da República autorização para legislar no âmbito dos mercados de valores mobiliários e outros instrumentos financeiros.
O mercado de valores mobiliários é hoje, em Portugal, um mercado estável, que se consolidou ao longo dos anos 90, que assenta na maturidade da economia de mercado e na confiança que os agentes económicos têm no regime económico e no sistema político que o sustenta. Deste pressuposto decorre que o enquadramento legal que regula o mercado de valores mobiliários deve ser claro e estável, de modo a não gerar instabilidade, pôr em causa a confiança dos investidores nem ferir as expectativas criadas pelos investidores que tomaram opções com base num determinado quadro legal.
No entanto, todos temos consciência de que nada é imutável e que também os quadros legislativos devem ser actualizados para se adaptarem à condicionantes que o tempo demonstrou serem essenciais, nomeadamente face às alterações tecnológicas, ao surgimento de novos instrumentos financeiros e à entrada de Portugal na União Económica e Monetária.
Neste contexto, o Partido Social-Democrata nada tem a opor à proposta de alteração legislativa apresentada a esta Assembleia, nomeadamente face ao objecto e à extensão daquilo que é preconizado, ou seja, autorizar o Governo a definir o regime de ilícitos penais e de mera ordenação social, a definir o regime de ilícito disciplinar nos mercados de valores mobiliários, a estabelecer limitações ao exercício da profissão de consultor autónomo quanto ao investimento em valores mobiliários, a definir o regime de isenção de impostos relativo aos mercados de valores mobiliários, assim como o regime de taxas devidas pela realização de operações sobre os valores mobiliários, propondo-se ainda o Governo - ao que nos opomos - a legislar em termos de atribuição do direito de acção popular aos investidores não institucionais, na definição de um regime de segurança social das entidades gestoras de mercado ou serviços, assim como sobre a possibilidade de instituir um sistema de mediação voluntária de conflitos, tudo no sentido de aproximar o nosso quadro legislativo ao quadro de países com mercados mobiliários mais desenvolvidos.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Pelo PSD, o Governo terá autorização para legislar no sentido de alterar o quadro legal que regula o mercado de valores mobiliários. Tem, para o fazer, 180 dias e desejamos que este tempo seja utilizado pelo Governo para tomar alguma decisão e não só para fazer mais um anúncio no fim do mandato. A seu tempo, avaliaremos o que, em concreto, for apresentado aos portugueses e tomaremos a decisão que entendermos ser mais conveniente para os interesses de Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado não haver mais inscrições, chegámos ao fim do debate deste ponto da ordem do dia.
Vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 243/VII - Estabelece normas sobre a cooperação entre Portugal e os tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda e 251/VII - Aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (Lopes da Mota): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputadas e Srs. Deputados: Após a adopção, em 1991, de legislação sobre a matéria, a cooperação judiciária internacional em matéria penal registou avanços consideráveis, que exigem e justificam a revisão e o aprofundamento do regime vigente.
A proposta de lei que agora se apresenta a esta Assembleia leva em conta três factores: os instrumentos internacionais adoptados e ratificados, desde então, que vinculam internacionalmente o Estado português e os desenvolvimentos da cooperação a nível internacional; a evolução do direito interno resultante da revisão constitucional de 1997 e das alterações ao Código de Processo Penal e, finalmente, a necessidade, revelada pela experiência, de se aperfeiçoarem aspectos do regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro.
No que se refere aos instrumentos de direito convencional, assumem particular relevo as convenções adaptadas no âmbito da União Europeia em matéria de extradição, de 10 de Março de 1995 e de 26 de Setembro de 1996, vigentes na ordem interna - a primeira, referente ao processo simplificado de extradição e a segunda, modificando o regime de extradição constante da Convenção Europeia de Extradição do Conselho da Europa, de 1957, nas relações entre os Estados membros da União Europeia, bem como a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen em vigor na nossa ordem interna desde 26 de Março de 1995.
Levam-se ainda em consideração recomendações adoptadas no quadro da ONU, do Conselho da Europa e da União Europeia no âmbito da luta contra a criminalidade organizada de carácter internacional, nomeadamente em matéria de protecção de testemunhas e de pessoas que colaboram com a justiça, bem como instrumentos em vias de conclusão, como é o caso da perseguição e punição de infracções rodoviárias.
Toma-se igualmente em conta o aparecimento, nos últimos anos, de jurisdições penais internacionais, o que confere novas dimensões à cooperação internacional, tradicionalmente de natureza inter-estadual.
A criação dos tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda, em 1993 e 1994, e, mais recentemente, do Tribunal Penal Internacional constituído em Roma, em Julho de 1998, pela Conferência diplomática de plenipotenciários das Nações Unidas - questão que, a seu tempo, também terá de ser analisada nesta Assembleia -, para perseguição de crimes de genocídio, de crimes de guerra e de crimes contra a paz e a humanidade, exigem a adopção de normas de direito interno que possam constituir base jurídica para novas formas de cooperação e garantam a efectiva participação do nosso país na acção da comunidade internacional contra as mais graves formas de violação de direitos do homem

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Para além de tudo isto, a revisão que agora se propõe não esquece a necessidade de se superarem dificuldades de cooperação relativamente a ilícitos de natureza administrativa ou de natureza penal processadas, pelo menos parcialmente, perante entidades administrativas, ou seja, a matéria referente a contra-ordenações e contravenções.
Neste domínio, torna-se necessário assegurar os adequados interfaces na cooperação entre autoridades judiciárias e administrativas, com vista à perseguição de ilícitos de menor ressonância, atendendo à diversidade de sistemas sancionatórios nacionais e aos processos de descriminalização, que tendem a remeter para as autoridades administrativas o tratamento de um conjunto cada vez mais vasto e diversificado de infracções.
A matéria referente à extradição é aquela em que a proposta de lei mais inova. As alterações que se propõem decorrem basicamente da revisão constitucional de 1997, que acolheu soluções contidas em instrumentos jurídicos internacionais ratificados por Portugal, quer no que se refere à extradição de cidadãos nacionais, quer no que respeita à extradição por crimes a que corresponda pena ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida.
Por se tratar de matéria especialmente sensível, nomeadamente no quadro de cooperação reforçada da União Europeia em que a construção de um espaço de liberdade, segurança e justiça constitui tarefa fundamental, na qual o nosso país tem particulares responsabilidades teve-se especial cuidado na formulação de critérios jurídicos, como tal objectivados na lei, que pretendem constituir, simultaneamente, a base de um sistema de cooperação eficaz e de confiança e também um sistema de garantias na luta contra a criminalidade grave e organizada e tendo por referência um grande grau de afinidade dos sistemas jurídicos nacionais, moldados por idênticas normas e princípios de protecção de direitos fundamentais.
Ainda em matéria de extradição leva-se especialmente em conta o impacto das convenções de 1995 e 1996 na ordem interna. Assim, dá-se especial relevância ao regime do consentimento da pessoa em causa, que deve ser livre, espontâneo e esclarecido, e às formalidades a observar, tendo presente que dele depende o funcionamento do regime convencional aprovado no quadro da União Europeia, seja em matéria de procedimento simplificado, de afastamento da regra da especialidade ou da reextradição sem prévio consentimento do Estado da primeira extradição.
A proposta de lei de cooperação judiciária internacional consagra uma perspectiva global, apontando soluções para os diferentes níveis de integração entre os Estados envolvidos, para o espaço em que a cooperação se desenvolve e para a natureza da infracção concreta que fundamenta o acto de cooperação.
Nesse sentido, fixam-se princípios e regras gerais que constituem verdadeiros quadros definidores do regime de cooperação, que levam em conta o estádio de desenvolvimento substancial da cooperação internacional e que prosseguem a realização de objectivos pretendidos de aceleração e simplificação de circuitos, com reforço da imediação, da judicialização e das garantias de defesa. Estas preocupações estão presentes ao longo de todo o diploma, nos diversos domínios em que a cooperação se processa.
Especial referência merece a introdução de dois novos capítulos em matéria de extradição: um deles referente à aplicação interna da Convenção relativa ao processo simplificado entre os Estados membros da União Europeia, de 1995, e outro relativo ao funcionamento interno da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 1990.
Esta última convenção contém mecanismos inovadores a que importa dar plena expressão ao nível interno, nomeadamente no que respeita à comunicação directa de pedidos de auxílio judiciário e ao estabelecimento de mecanismos pré-extradicionais específicos desencadeados a partir da possibilidade de sinalização de pessoas no Sistema de Informação Schengen, a que se confere força jurídica equivalente à de um pedido de detenção provisória para efeitos de extradição.
A experiência nesta matéria aconselha à previsão de um mínimo de regulamentação tendente a assegurar a coerência global do sistema, assim como o estabelecimento de um adequado mecanismo de comunicações entre as diversas entidades intervenientes na formação e na apreciação de pedidos de detenção provisória e de extradição, tendo presentes as competências do Gabinete Nacional SIRENE. Visa-se, por esta forma, garantir objectivos de agilização, simplificação e imediação de contactos no quadro da aplicação do Acordo de Schengen, agora integrado no Tratado de Amsterdão.
A proposta de lei n.º 243/VII, que igualmente se apresenta, visa regulamentar aspectos de cooperação com os tribunais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda, cujo regime se rege igualmente pela lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal.
Porque se trata de tribunais criados por razões históricas específicas, julgou-se preferível autonomizar o tratamento legislativo de aspectos que carecem de regulamentação no nosso direito interno, preenchendo-se lacunas de regulamentação e articulando os regimes estabelecidos por actos do Conselho de Segurança da ONU para aquelas entidades internacionais com as normas de direito interno.
Assim, julga-se necessário adoptar legislação específica no respeitante, nomeadamente, a concorrência de competências, à prática de actos de investigação em território nacional, à detenção e transferência, à execução das decisões e à punição do falso testemunho.
No que respeita à transferência e entrega de pessoa solicitada pelos tribunais, haverá que levar em conta o disposto na lei de cooperação judiciária em matéria penal, que expressamente se aplica, por razões de ordem constitucional que têm de ser respeitadas.
Assim, e, aliás, em concordância com o despacho de admissibilidade do Sr. Presidente desta Assembleia, parece-me que se poderá introduzir uma pequena clarificação na redacção do artigo 10.º da proposta de modo a excluir-se qualquer dúvida nesta matéria. Estou, naturalmente, à disposição de VV. Ex.ªs para, se assim for entendido, se trabalhar conjuntamente este ponto na especialidade.
São estes, em síntese, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os aspectos mais significativos das propostas de lei em análise.
Trata-se de matérias que assumem especial significado no tempo em que vivemos, de reforço da cooperação no comba-

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te à criminalidade internacional e à defesa da sociedade e do Estado democrático contra o crime.
O Governo está convencido de que será possível, uma vez mais, reunir o desejável consenso numa matéria em que se joga o prestígio e a credibilidade do Estado na efectiva assunção dos seus compromissos.
Estamos, naturalmente, como sempre, à disposição desta Assembleia para, em apreciação na especialidade, prestarmos a colaboração que for entendida como necessária e para eventual aperfeiçoamento do texto proposto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Lembro aqui uma referência dos Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade, num interessante estudo publicado em 1982, intitulado Democracia e Criminologia, em que diziam (matéria que, aliás, já lembrei num debate parlamentar aqui, neste Plenário): «À semelhança do que vem acontecendo na generalidade dos países democráticos, com destaque para os Estados Unidos, a partir, sobretudo, da campanha eleitoral do candidato republicano Goldwater, em 1964, também em Portugal cedo se descobriu o fascínio do crime como tópico do discurso político e cedo se multiplicaram as tentativas mais ou menos logradas de utilização de construções de realidade social, de uma realidade de violência, de insegurança e de medo generalizados, como peças fundamentais das estratégias de crítica e do desfrute do poder. Isto retira-se, com segurança, de uma leitura atenta de dois dos principais espaços de afrontamento político em democracia: o dos debates parlamentares e o dos debates de factos e de ideias dos mass media. Num e no outro se torna corrente, em Portugal, a crítica aos Governos pela sua incapacidade e inépcia para assegurar a paz dos cidadãos, a segurança nas ruas, o respeito pelas pessoas e pelos bens, como inversamente se torna constante a tentativa de legitimação das mais variadas formas de violência institucional, em nome da necessidade de se fazer a guerra ao crime e de maximizar o controlo e o conformismo sociais.»
Se recordo esta citação é para lembrar que não vamos por aqui e para lembrar que, noutra ocasião e noutros tempos, o Partido Socialista, enquanto oposição, ia por aqui. E, não indo por aqui, tenho, desde logo, de dizer que estamos, obviamente, de acordo e empenhados na aprovação desta proposta de lei do Governo.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, é interessante verificar que, sendo conhecidas as falhas do Governo na área da justiça no âmbito interno, se tenha dado este passo na vertente da cooperação judiciária internacional.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Não deve ter sido por iniciativa própria!

O Orador: - Mas o Governo deu este passo de uma forma interessante, já que esta proposta de lei é apresentada como algo de inovador e, ao analisá-la, chegamos a uma outra conclusão. Parece, a quem faz uma primeira leitura deste diploma, que não existia ainda em Portugal uma lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Pelo contrário! Aprovámo-la em 1991!

O Orador: - Mas tal não é verdade! Há, efectivamente, o Decreto-Lei n.º 43/91, de 21 de Janeiro,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Autorizado pela Assembleia da República!

O Orador: -... autorizado pela Assembleia da República, num debate que teve a intervenção distinta do Sr. Deputado José Magalhães, então um pouco discordante desta iniciativa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não!

O Orador: - É verdade! Leia o debate!
Verifica-se, como dizia, esta coisa espantosa: dos 166 artigos desta proposta de lei, 108 são a reprodução fiel do Decreto-Lei n.º 43/91. Os restantes 58 correspondem a pequenas alterações ou a aditamentos das disposições daquele Decreto-Lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, está de acordo com 108, pelo menos!

O Orador: - Não, o que constato é que o Governo, quando toma uma iniciativa sensata, vai «beber» desta forma alargada às fontes deixadas pelo anterior governo e faz esta reprodução, que é quase um plágio. Contudo, Sr. Secretário de Estado, queria felicitá-lo, porque é preferível que se proceda assim, aproveitando as boas leis existentes, do que dando passos de iniciativa própria que se revelem maus passos, como tem acontecido noutras ocasiões.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Mal agradecido!

O Orador: - Pena é que não se tenha assumido, desde logo, esta iniciativa como uma mera alteração do Decreto-Lei n.º 43/91, não propondo, como se faz no último artigo desta proposta de lei, a revogação integral desse diploma, sobretudo quando se reproduziram os tais 108 artigos deste diploma.
Esta é uma forma interessante e, aliás, nova de se fazer uma reapreciação parlamentar.

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma forma mais clara!

O Orador: - Trata-se de uma ratificação de um diploma, neste caso, do anterior governo. Estamos sempre a enriquecer o nosso debate constitucional e, portanto, também aqui há uma inovação deste Governo, ao servir-se desta forma

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elaborada e sofisticada, que consiste em trazer ao Plenário da Assembleia da República, por esta via, uma reapreciação parlamentar e uma ratificação de um diploma do anterior governo. É a primeira vez que me debato com esta situação, mas, repito, penso que este facto é extremamente positivo. Só lamento que não tenha havido uma assunção expressa de que isto é uma mera alteração pontual ao Decreto-Lei n.º 43/91.
As alterações em causa decorrem da revisão constitucional, do artigo 33.º da Constituição, que respeita à extradição, e são alterações decorrentes da aplicação desta cooperação aos ilícitos de contra-ordenação social e também à fase administrativa que precede, nalguns casos, os procedimentos criminais e, portanto, penso que esta evolução é positiva, apenas a criticando do ponto de vista da forma.
Há, no entanto, um ponto que me parece confirmar uma tendência que não sei se será, efectivamente, a mais salutar no âmbito da nossa estrutura, da nossa vida judicial e da intervenção do sector da justiça. O que se passa é que, mais uma vez, concentram-se poderes na Procuradoria-Geral da República. Decide-se e opta-se aqui por considerar a Procuradoria-Geral da República a autoridade nacional para efeitos de satisfação de pedidos de cooperação ou de iniciativa de cooperação. Sinceramente, creio que era possível e conveniente que se fizesse uma repartição de competências consoante o tipo de solicitação e a fase do processo em que isso ocorresse. Seriam perfeitamente identificados à partida os actos próprios do Ministério Público em fase de inquérito e a intervenção judicial noutras fases. Era perfeitamente possível criar esta situação, que, aliás, não é inédita, como o Sr. Secretário de Estado sabe, já que é esta a solução espanhola, que funciona perfeitamente. Parece-me, portanto, errada mais esta concentração de poderes na Procuradoria-Geral da República.
Compreendemos e aplaudimos, igualmente, o alargamento desta lei à cooperação a entidades judiciárias internacionais, como é o caso do tribunal penal relativo às questões da ex-Jugoslávia e do Ruanda. São fenómenos e aspectos que ocorrem de uma forma altamente negativa e aos quais Portugal, como Estado de direito democrático e defensor dos direitos dos cidadãos, não pode ser alheio. Consequentemente, salvaguardada a articulação que a ratificação destas convenções tem de ter com este diploma e com aquilo que resulta da revisão do artigo 33.º da Constituição, para o qual, aliás, o Sr. Presidente da Assembleia, no seu despacho de admissão, com a sua clarividência e com a sua atenção constantes, chama a atenção, temos de salvaguardar os casos da prisão perpétua e da pena de morte, que, como decorreu daquela revisão e decorre desta lei, não podem, efectivamente, deixar de ser assegurados pelos países ou pelas instituições que solicitam a intervenção de Portugal ou a extradição de portugueses.
Neste quadro, quero dizer que, reponderando na especialidade esta questão da autoridade nacional, em que me parece ser avisada uma repartição de competências entre o Conselho Superior de Magistratura e a Procuradoria, não vemos inconveniente em que o PSD reafirme o voto que deu, naturalmente, à autorização legislativa que conduziu à aprovação do Decreto-Lei n.º 43/91, que é agora totalmente revogado, mas que vê 108 dos seus artigos repostos em vigência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A criação pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda constituiu um facto político da maior relevância no quadro de um longo processo, no sentido de colmatar uma das mais flagrantes lacunas do sistema jurídico internacional.
Já no Tratado de Versalhes, após a I Guerra Mundial, se previa a criação de um tribunal especial para julgar o Imperador Guilherme II. Tal tribunal, no entanto, nunca veio a ser instalado. E só no final da II Guerra Mundial, com a criação dos tribunais de Nuremberga e Tóquio, se iniciaram, de facto, processos, julgamentos por crimes de guerra internacionais.
Estes tribunais foram, no entanto, muito diferentes daqueles que, recentemente, o Conselho de Segurança criou para perseguir os crimes cometidos nos conflitos da ex-Jugoslávia e do Ruanda, Os tribunais de 1945 e 1946 eram tribunais militares constituídos por países que acabavam de vencer uma guerra. Os acusados eram sempre os vencidos dessa mesma guerra, as circunstâncias de recolha de provas e testemunhos, de determinação de responsabilidades e de sucesso processual, eram claramente favoráveis. O que fica indelevelmente a marcar a existência de tais tribunais, destinados exclusivamente a julgar as agressões e atrocidades cometidas pela Alemanha e Japão na II Guerra Mundial, é o facto de significarem um envolvimento e uma determinação comuns no sentido de não mais tolerar tal tipo de crimes.
É verdade que se passaram 50 anos e que, a par das querelas jurídicas e das divisões no seio dos diversos Estados, muitas agressões armadas e muitos crimes contra a humanidade foram sendo cometidos com a mesma violência. Houve responsáveis de massacres de milhares ou milhões de vítimas inocentes que não foram, nunca, nem julgados nem punidos. Os conflitos internacionais e os inúmeros conflitos regionais e locais ou guerras civis chocaram, ano após ano, de forma tão violenta as consciências humanas que se tornou impossível continuar a aceitar a impunidade de que gozavam os autores de tais crimes, como o genocídio, os crimes contra a humanidade ou os crimes de guerra.
A impunidade é um obstáculo à reconciliação e priva as gerações presentes e futuras de testemunhos e ensinamentos imputáveis. A consciência humana e cívica não pode aceitar que a ordem jurídica internacional e a passividade, cumplicidade ou eventual conivência dos Estados ou instituições permitam que continue a ser mais fácil escapar depois de matar 100 000 pessoas do que depois de matar uma só.
Em 1991, um violento conflito étnico estalou na ex-Jugoslávia. O mundo inteiro assistiu a imagens e informações de grande número de violações, brutalidades e assassínios, em violação dos mais elementares princípios do di-

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reito humanitário internacional. Os testemunhos das atrocidades cometidas, o espanto e indignação da opinião pública mundial obrigaram o Conselho de Segurança a agir como guardião da paz, valor a que sempre tem de estar associada a justiça.

Em Maio de 1993, através da Resolução n.º 827, o Conselho de Segurança criou o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, a quem encarregou de julgar as pessoas culpadas de violações graves do direito humanitário internacional cometidas naquele território desde 1991, tribunal que se mantém em exercício, não obstante as dificuldades que o seu exercício e funcionamento significam. Foi, indiscutivelmente, o maior passo dado no plano da aplicação prática do direito internacional no decorrer das dezenas de anos que levam de existência as Nações Unidas.
Mais tarde, o mundo conheceu a violência e o genocídio no conflito do Ruanda. Era ainda recente a criação do tribunal para a Jugoslávia e, a exemplo deste, o Conselho de Segurança veio igualmente a criar um Tribunal Penal Internacional para o Ruanda.
Foram assim criados, e funcionam ainda hoje, dois tribunais internacionais com competências para o julgamento de certos crimes cometidos sobre um território específico e durante um tempo limitado à duração daqueles conflitos, o que significou um notável progresso em favor do desenvolvimento da paz e do respeito pelo direito internacional. O mandato destes tribunais, fixado naquelas resoluções, confere-lhes o poder de perseguir e julgar as pessoas suspeitas de responsabilidade por graves violações do direito internacional humanitário, violação do direito ou costumes de guerra, genocídio e, em geral, crimes contra a humanidade.
Na aprovação do estatuto destes tribunais e nas resoluções já referidas, o Conselho de Segurança consignou o dever de cooperação e auxílio judiciário dos Estados com aqueles tribunais na investigação e julgamento das pessoas acusadas da violação do direito internacional. Na verdade, e ao contrário do que acontece com os tribunais nacionais dos Estados, estes tribunais não dispõem de meios para, por si só, garantir o cumprimento das suas diligências e decisões, dependendo sempre o seu funcionamento do recurso à colaboração das autoridades judiciárias e policiais dos diversos Estados. É, por isso, a cooperação entre os Estados imprescindível para o bom funcionamento e êxito destes tribunais.
Portugal não tem ainda essa legislação específica sobre cooperação com tribunais desta natureza, o que se pretende disciplinar com a proposta de lei n.º 243/VII. Tal cooperação basear-se-á no disposto nas Resoluções n.ºs 827 e 955 e nos respectivos estatutos, aplicando-se subsidiariamente a legislação sobre cooperação internacional e demais legislação penal e processual geral.
O aparecimento destas novas jurisdições penais internacionais, a que acresce o futuro Tribunal Penal Internacional Permanente para julgar crimes de genocídio, de guerra e contra a humanidade, aprovado no passado ano, tornou necessária uma maior cooperação judiciária não apenas interestadual mas também com entidades judiciárias internacionais. A cooperação judiciária internacional em matéria penal tem seguido impulsos e progressos diversos desde a adopção, em 1991, de legislação adequada por via do Decreto-Lei n.º 437/91. Inovações sobre extradição, transmissão de processos penais, protecção de testemunhas no âmbito da luta contra o crime organizado internacional, matérias decorrentes dos Acordos de Schengen e a luta contra a criminalidade internacional organizada são algumas das áreas que importa traduzir em texto legal no âmbito de uma necessária e maior cooperação internacional.
É o que pretende a proposta de lei do Governo n.º 251/VII, hoje aqui também em discussão. Proceder de forma atenta e permanente à actualização e reajustamento de instrumentos bilaterais ou multilaterais de cooperação judiciária internacional traduz-se no cumprimento de uma obrigação que a todos incumbe de dotar o País dos meios legais indispensáveis no seio da comunidade internacional.
A criação de uma autoridade central para encaminhamento dos pedidos de cooperação, a adaptação dos mecanismos de extradição à sua nova redacção constitucional, o alargamento da cooperação a entidades judiciárias internacionais ou a atribuição de competências próprias ao Ministro da Justiça, são algumas das inovações introduzidas pela proposta de lei que o Governo hoje nos apresenta.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A comunidade internacional enfrenta grandes desafios no sentido, que se afigura irreversível, de preencher flagrantes lacunas do sistema jurídico internacional, em busca da justiça nas relações entre os Estados e entre os povos. Aos progressos já conseguidos acrescentar-se-ão, inevitavelmente, outros. A Portugal impõe-se que cumpra o seu papel, como país livre e democrático, na primeira linha dos esforços internacionais no sentido do desenvolvimento da paz e da justiça e do respeito pelo direito internacional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estas propostas vão nesse caminho e merecem, por isso, a nossa aprovação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados, referir-me-ei, em primeiro lugar, à proposta de lei n.º 243/VII.
Quem, como o Partido Popular, advoga a instituição de um Tribunal Penal Internacional Permanente para perseguir pessoas responsáveis por crimes de genocídio e outros graves ilícitos criminais e violações brutais do direito internacional humanitário, onde quer que os mesmos ocorram, tem de apoiar energicamente, como apoia, as Resoluções n.ºs 808 e 827 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que criaram o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia e o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda.
Para que estes tribunais possam realizar cabalmente diligências e tomar decisões, têm de ter a colaboração das autoridades judiciárias e policiais dos diversos Estados, entre os quais estará, eventualmente, Portugal. Ora, não tendo Portugal legislação específica sobre cooperação com estes tribu-

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nais internacionais, era preciso criá-la, por forma a garantir o bom funcionamento e êxito destes tribunais. Foi isso que o Governo fez através da proposta que agora estamos discutindo e, assim sendo, é óbvio que não podia deixar de ter o nosso apoio.
Tal, porém, não significa que não acompanhemos a sugestão formulada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, relativamente à apontada necessidade de, porventura, se densificarem as normas dos artigos 8.º, 9.º e 10.º, dada a similitude ou a proximidade da figura da transferência e entrega de pessoa detida ao tribunal internacional, com a figura da extradição. Esta questão terá, no entanto, a sua sede própria na discussão na especialidade.
Relativamente à proposta de lei n.º 251/VII, que aprova a lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, gostaria de dizer que há o propósito e a necessidade de regulamentar e de actualizar o regime das diferentes formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, adaptando o direito interno, por um lado, à revisão constitucional de 1997 e, por outro lado, à evolução do direito internacional, nomeadamente em matéria de extradição e auxílio judiciário, de modo a agilizar os contactos e os meios de transmissão dos pedidos de cooperação judiciária, sempre com o intuito da simplificação e da aceleração de todos estes procedimentos.
Todavia, julgamos que não é de deixar passar uma referência que o Sr. Deputado Guilherme Silve já teve aqui ocasião de fazer. Isto porque nos parece que esta proposta que o Governo nos traz, de facto, não é nova. Há um diploma anterior, o Decreto-Lei n.º 43/91, que, de uma forma exaustiva e muito bem explicitada, previa já esta matéria. É evidente que temos de registar que houve algumas alterações ao nível do Direito internacional. Portugal assinou determinadas convenções, entretanto houve a alteração constitucional de 1997, o que determinaria a necessidade de mexer nesta lei, de lhe introduzir alterações, de a rectificar.
Ora, nós entendemos que, dado que não se boliram nos princípios fundamentais, que a filosofia se mantém a mesma e que um simples cotejo da exposição de motivos de um e de outro diploma logo aponta que não há divergências de fundo, julgo que era de toda a conveniência que não houvesse o propósito de tentar apresentar-se como novo algo que, de facto, não é. Aliás, quero registar aqui esta tendência, que não é nova. Recordo-me que, aquando da apresentação da proposta da lei de bases do património cultural, aconteceu exactamente a mesma coisa. Também havia uma lei que já era boa, que carecia, porventura, de acertos e, sobretudo, de ser regulamentada, e o Governo utilizou o mesmo estratagema. Julgo que o Governo, nesta matéria, tem de «arrepiar caminho». As coisas são como são, e se realmente há leis anteriores que, de uma maneira franca e extensiva, tratam destas matérias, devemos, então, chamá-las à colação e introduzir-lhes as alterações que entendermos.
Feito este reparo, gostaria de dizer que, quanto às alterações que agora são propostas, há duas que têm a ver com as entidades intervenientes a nível central. E, a este respeito, não vamos fazer qualquer reparo. Entendemos que a entrega ao Sr. Ministro da Justiça de competências próprias que, anteriormente, lhe eram simplesmente delegadas pelo Governo para decisão sobre pedidos de cooperação formulados a Portugal, assim como a designação da Procuradoria-Geral da República como autoridade central para o encaminhamento de pedidos não nos merecem reparos.
Ouvi aqui o PSD dizer, pela voz do Sr. Dr. Guilherme Silva, que, porventura, seria excessivo concentrar na Procuradoria-Geral da República mais um poder. Sr. Dr. Guilherme Silva, creio que, salvo o devido respeito, sendo este papel o de mera intermediação entre autoridades de diferente natureza, quando aqui podem estar envolvidos, para além de questões judiciárias também questões de contravenções ou contra-ordenações, muitas das quais não passam sequer pelos tribunais, na minha modesta opinião, julgo que não haverá esse perigo de concentração excessiva. Portanto, não fazemos reparo a estas matérias.
Relativamente a outras alterações, entre as quais saliento a extensão dos princípios de regras da cooperação judiciária interestadual em matéria penal à cooperação com entidades judiciárias internacionais e previsão da sua aplicação subsidiária no âmbito do ilícito de mera contra-ordenação social, designadamente nas contravenções ou infracções rodoviárias - e saliento este aspecto -, julgo que é muito importante que tenhamos uma palavra em relação a pessoas que, noutros países, comentem infracções muitas vezes graves ou até gravíssimas ao Código da Estrada e beneficiem aqui de uma total impunidade e criem, nas estradas portuguesas, perigos a que o Estado português tem obrigação de pôr cobro.
Quero também felicitar o Governo por esta inovação, que me parece oportuna, muito embora isto já venha também explicitado em convenções internacionais.
Dou também apoio ao regime aprovado no quadro da União Europeia em matéria de extradição, nomeadamente quanto à possibilidade do afastamento em certos termos do beneficio concedido pela regra da especialidade e da proibição de reextradição sem prévio consentimento do Estado da primeira extradição.
Por outro lado, estou também inteiramente concordante com a uniformização em respeito pelo disposto no Código de Processo Penal quanto ao prazo de um máximo de 48 horas de apresentação em juízo.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Não fazia sentido que no Direito Processual Penal português fosse fixado um prazo e que, depois, quando as pessoas são detidas relativamente a processos de extradição, o prazo fosse diferente.
Portanto, acolho também esta nova regra e a clara diferenciação entre a natureza da intervenção do Ministro da Justiça, que é de teor político-administrativa, e a autoridade judiciária competente para se pronunciar sobre a necessidade da diligência de um ponto de vista das finalidades de investigação ou de processo.
Dito isto, extrai-se das minhas palavras que estamos concordantes com a proposta de lei que está em discussão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Vou fazer uma breve intervenção, não sobre a proposta de lei sobre a cooperação judiciária internacional em matéria penal, dado nada termos a dizer de relevante a esse respeito, sendo certo que, aquando da última revisão constitucional, discordámos da nova disposição sobre extradição, uma vez que, do nosso ponto de vista, alarga excessivamente a possibilidade de extradição de cidadãos do território português, designadamente quando é alargada a possibilidade de extradição de cidadãos nacionais. Não é, porém, este o problema que estamos a discutir. Essa questão foi resolvida em sede de revisão constitucional, portanto está constitucionalmente fixada nos seus termos.
A nota dissonante que quero dar diz respeito à proposta de lei relativa à cooperação entre Portugal e os tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda. Não porque não entendamos que os criminosos de guerra devam ser julgados e severamente punidos em todas as situações, e evidentemente também nestas, mas a questão é outra.
Há um problema muito relevante colocado no despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, na medida em que a transferência de detidos para julgamento nestes tribunais configura, de facto, uma extradição. Portanto, devem ser observadas as regras constitucionais relativas à extradição, sob pena de, através da criação artificial de uma outra figura, podermos estar a pôr em causa direitos fundamentais - já foi, inclusivamente, reconhecido pelo Sr. Secretário de Estado que é necessário corrigir. Mas há aqui um outro aspecto, que é o da renúncia pelos tribunais portugueses do julgamento de processos nos quais são competentes.
Creio que este aspecto devia suscitar alguma reflexão. É que, apesar de todo o respeito e confiança que possam merecer estes tribunais internacionais, os tribunais portugueses não merecem menos respeito e confiança. Daí que nos parece, no mínimo, indiscutível que haja esta renúncia prévia por parte dos tribunais portugueses ao julgamento de casos em que eles sejam competentes. Não há aqui um problema de impunidade. É evidente que havendo uma situação em que se pudesse colocar um problema de impunidade pela presença em Portugal destes cidadãos, dever-se-ia, através de mecanismos de cooperação judiciária, resolver esse problema, transferindo essas pessoas para onde elas devessem ser julgadas, seja perante os tribunais de outros países, seja inclusivamente perante tribunais desta natureza - e aí seria um problema de cooperação judiciária. O que está aqui colocado não é um problema de cooperação judiciária, é um problema de renúncia dos tribunais portugueses a uma competência que a Constituição e a lei portuguesa lhes atribuem.
Não se trata aqui de um problema de impunidade. Portugal não é uma «República das bananas», como tem sido dito ultimamente, mas se algum criminoso de guerra estiver em Portugal, os tribunais portugueses não deixarão de julgar esses casos, se eles estiverem na sua competência, e/ou o sistema judiciário português não deixará de transferir estas pessoas para onde elas devam ser julgadas.
Este problema não se nos coloca, portanto deveria ser salvaguardada a competência própria dos tribunais portugueses. Estamos num Estado democrático, logo não há qualquer razão para darmos este sinal de desconfiança relativamente ao funcionamento da justiça e dos tribunais portugueses em casos tão graves como o da eventual presença, em território nacional, de pessoas procuradas por crimes de guerra.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero congratular-me, com uma palavra de reconhecimento, pelo consenso que se formou nesta Assembleia em torno das propostas apresentadas. Em segundo lugar, quero apenas referir dois aspectos suscitados pela intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva.
Sr. Deputado Guilherme Silva, é evidente que o Decreto-Lei n.º 43/91 é uma lei boa. Isso está fora de questão. O Sr. Deputado disse que reproduzimos 108 artigos, mas, se verificar, mexemos em cerca de 2/3 dos artigos.
É claro que se põe aqui uma opção: ou iríamos fazer uma alteração e enxertar estes artigos no meio dos outros e ficávamos com vários a, b e e - era uma opção - ou, então, aproveitávamos para fazer alterações de redacção de um conjunto de preceitos.
As alterações que fizemos são formais mas, tecnicamente, os preceitos ficam, do nosso ponto de vista, melhor. Aliás, devo dizer-lhe que essa questão foi-me posta pelas pessoas que fizeram o Decreto-Lei n.º 43/91. Quem fez esta proposta de lei foram, basicamente, as mesmas pessoas, com a minha humilde participação, agora de uma forma mais activa.
Portanto, quanto a esse aspecto, trata-se de uma questão formal. Pareceu-nos que devíamos ter um diploma «limpinho», com a numeração seguida, de ponta a ponta, por uma questão de mais fácil manuseamento e apresentação formal. No entanto, não nos opomos a que isto seja republicado em anexo a uma lei com remuneração dos artigos. Poderíamos ter adoptado por uma posição dessas, isto é, alterar e depois republicado em anexo, sendo renumerados os artigos. O resultado era exactamente o mesmo. Mas é evidente que está fora de questão, porque, como o Sr. Deputado reparará, 2/3 dos artigos são alterados.
Quanto à questão da Procuradoria Geral da República e à repartição de competências, não se trata de dar algum poder à Procuradoria Geral da República, porque o que a Procuradoria irá fazer é aquilo que ela já faz hoje em dia, e o que faz é apenas um trabalho de encaminhamento e gestão administrativa dos papéis, nada mais. A competência para decidir do pedido de cooperação é do Governo, é do Ministro, e essa mantém-se inalterada é não pode ser entregue nem ao Procurador Geral da República nem ao Conselho Superior da Magistratura. Portanto penso que o Sr. Deputado quer introduzir aqui o facto de irracionalidade, que não se justificaria.
Por outro lado, o Código de Processo Penal diz que quem tem o impulso processual para cumprimento das cartas

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rogatórias é o Ministério Público. Como é que isto se conjugava com uma atribuição de competência ao Conselho Superior da Magistratura para encaminhamento e gestão administrativa dos papéis? Sr. Deputado, francamente, não entendemos!
Julgamos que se trata apenas de pôr na lei aquilo que a lei já permite. Hoje, a Procuradoria Geral da República exerce esta competência por delegação do Ministro da Justiça - está na lei de 1991. Portanto, não inventamos nada, apenas dizemos que é a autoridade central, simplificando os circuitos, e podemos dizer, perante instâncias internacionais, que a alta autoridade é a Procuradoria Geral da República, enquanto que hoje teríamos de dizer que é o Ministro da Justiça, mas que o Ministro da Justiça pode delegar.
Temos de introduzir clarificação e racionalidade no meio disto tudo e, aliás, a única preocupação foi esta; de resto, nada mais está aqui em causa.
Agradeço também as restantes intervenções dos Srs. Deputados.
O Sr. Deputado António Filipe pôs a questão da renúncia de competência. Trata-se de um problema que poderemos discutir, mas há uma questão, que é esta: trata-se de um direito supralegal, constitucional, que vigora directamente na ordem interna. É uma instância supranacional e não sei até que ponto é que poderiamos alterar uma resolução das Nações Unidas, nesta matéria. No entanto, poderemos discuti-lo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, terminámos o debate sobre esta proposta de lei. Vamos entrar na discussão da proposta de lei n.º 276/VII, que altera a Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com a presente proposta de lei visa-se a alteração da Lei n.º 21/85, de 30 Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Como se justifica na respectiva exposição de motivos, «as alterações contidas no que ora se propõe radicam, em primeira linha, na necessidade de adequação do Estatuto à nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro. Com efeito, e a título exemplificativo, sublinha-se a eliminação de uma das três categorias de comarcas ou lugares na 1.ª instância, agora reduzidos ao primeiro acesso e ao acesso final, bem como a conveniência de consagrar normas estatutárias que apenas se inseriram, como disposições finais e transitórias, na Lei Orgânica, para se evitarem situações de vazio legislativo.».
Por outro lado, soluções adoptadas para a magistratura do Ministério Público pelo seu recente Estatuto são aqui também vazadas, reclamando, naturalmente, a salvaguarda do paralelismo.
Além disso, acolhe-se reiterada e unânime instância do Conselho Superior da Magistratura, no sentido de, sem quebra de garantias, se imprimir maior celeridade ao procedimento disciplinar. A lei vigente permite, no seu hábil aproveitamento pelos arguidos, um excessivo protelamento da execução das penas, com grave prejuízo para a eminente dignidade do exercício das funções dos juízes.
Refira-se, quanto ao que se propõe, nomeadamente: o encurtamento dos prazos para interposição dos recursos; a regra, sem excepções, de atribuição do efeito meramente devolutivo aos recursos das deliberações do Conselho; o encurtamento do prazo para julgamento dos recursos e a regra de que a suspensão da eficácia do acto recorrido que venha a ser decretada não abrange a suspensão do exercício de funções.
Em área conexa, a suspensão do exercício de funções passa a coincidir com o dia em que for notificada aos magistrados judiciais a deliberação que lhes atribua a classificação de «Medíocre», caso em que, como já se dispõe, deve instaurar-se inquérito com fundamento em inaptidão. Entretanto, e pela importância da deliberação neste domínio, a classificação referida é retirada, em 1.ª instância, ao conselho permanente, transitando para a competência directa do plenário do Conselho Superior da Magistratura.
Ante o acrescido universo de juízes, criam-se condições para uma mais ágil funcionamento do Conselho, quer pela delegação tácita no seu conselho permanente de competências do plenário, quer pela ampliação da delegação de competência no vice-presidente, com a possibilidade de subdelegação nos vogais que exerçam funções em tempo integral. E neste domínio, face à complexidade crescente de tarefas do Conselho, este passa a ser coadjuvado por um corpo de assessores, a recrutar de entre juízes de direito especialmente qualificados.
Entre as diversas alterações estatutárias, permito-me sublinhar a introdução, nos critérios de classificação dos juízes, da avaliação da capacidade de gestão do serviço a seu cargo e de simplificação dos actos processuais (n.º 1 do artigo 34.º), com o que se procura incentivar o aproveitamento de formas de desburocratização de actos processuais já previstas na lei e de que nem sempre se têm extraído todas as virtualidades.
Assim se compreende que, inovatoriamente, se condicione a transferência, a pedido, dos juízes da Relação, sem sujeição ao prazo geral, nos casos de atrasos no serviço que lhes sejam imputáveis.
Ainda como preceito novo (artigo 37.º-A), permite-se que, a requerimento dos interessados, seja efectuada inspecção ao serviço dos juízes das Relações que sejam, previsivelmente, concorrentes necessários ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo da sua inspecção por iniciativa do Conselho Superior da Magistratura. Na verdade, sendo elemento de relevo a considerar na graduação as anteriores classificações de serviço, é perfeitamente legítimo que se conceda ao candidato o ensejo de uma apreciação actualizada do seu mérito.
Disciplina-se o regime das comissões ordinárias de serviço, que só podem, salvo circunstâncias excepcionais, ser renovadas por uma vez, do mesmo modo que se estabelece um limite máximo para as renovações das comissões eventuais. Em ambos os casos, os juízes que tenham exercido funções em comissão de serviço durante seis anos consecutivos não poderão ser nomeados em comissão de serviço antes do decurso de três anos sobre a cessação do último período.

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Insere-se, como preceito novo, o artigo 149 º-A, disposição que obriga o Conselho Superior da Magistratura ao envio anual à Assembleia da República? relatório da sua actividade respeitante ao ano anterior relatório a publicar no Diário da Assembleia da República, Considera-se a medida do maior relevo, inspirada em sugestão de Gomes Canotilho.
Este autor depois de referir, em estudo sobre esta temática, a duvidosa constitucionalidade da figura de perguntas e interpelações dirigidas pelos Deputados aos Conselhos Superiores das Magistraturas e aludindo a uni certo ilogismo entre a responsabilidade política do Governo e o funcionamento dos tribunais e o autogoverno da magistratura judicial, alvitra «Com alguma operacionalidade prática poder-se-á avançar com a obrigatoriedade de elaboração anual de um livro branco sobre a administração da justiça a enviar pelos conselhos ao Parlamento» Aqui se da num inovador artigo, o primeiro passo nesse sentido
Sr Presidente Sr.ªs e Srs Deputados As limitações de tempo levam-me a remeter para a exposição de motivos e para o articulado as demais alterações propostas, consensuais na generalidade para as entidades ouvidas, com um ou outro ponto de discordância.
O Governo, como sempre, esta ao dispor da Assembleia para, em sede de especialidade, se introduzirem na proposta de lei, sem a descaracterizar, aperfeiçoamentos compatíveis com a importância das matérias versadas no cerne do Estado de direito democrático

Aplausos do PS

O Sr Presidente - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Antonino Antunes.

O Sr Antonino Antunes (PSD): - Sr Presidente, Sr Ministros da Justiça e dos Assuntos Parlamentares, Sr Secretario de Estado, Srs Deputados Aqui estamos hoje, depois de longas semanas de campanha eleitoral, na primeira reunião plenária apôs as eleições que marcaram a agenda política do dia de hoje, a discutir apressadamente o Estatuto dos Magistrados Judiciais, como se este fosse um assunto político de menor relevância.
E o Ministério da Justiça, que, a seu tempo, chegou a ouvir sobre a matéria várias entidades, nem sequer enviou a Assembleia da República uma resenha, ainda que breve, das posições que por essa via lhe foram transmitidas no decurso dessa primeira fase dos trabalhos preparatórios desde processo legislativo.
É, aliás, comportamento reincidente todos nos sabemos como o Sr Ministro da Justiça vem procedendo nessa matéria, levando ao exagero e ao requinte o comportamento que censurava - e de que maneira - ao anterior governo

O Sr Guilherme Silva (PSD): - E verdade!

O Orador - Temos para nós que o Sr Ministro da Justiça estava interessado numa discussão aligeirada e apagada da apagada proposta de alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais que apresentou neste Final de Legislatura, com os minutos em contagem decrescente, numa Assembleia com agenda tão sobrecarregada que não foi possível dispensar-lhe uma grelha de tempos mais generosa do que esta que temos.
O Sr Ministro e o seu ministério portaram-se nesta matéria como aqueles estudantes que passam o ano em serenatas e só se dispuseram a trabalhar depois da «Queima das Fitas».
E que esta proposta de alteração do Estatuto dos magistrados Judiciais e, por isso. Sr Ministro e Sr Secretario de Estado, minimalista e pobre É produto de trabalho aligeirado e sem profundidade, porque feito tarde e a más horas
Mas, não obstante estarmos no final de uma Legislatura de quatro anos em que o Ministério da Justiça fez como sabemos e temos dito, muito pouco e muito mal, não deixaremos que esta lei seja aprovada, sem que, na especialidade, se proceda às audições que reputamos de imprescindíveis.

O Sr Guilherme Silva (PSD) - Obviamente!

O Orador: - Porque não menosprezamos, Sr Ministro, as achegas técnicas e especialízadas de quantos estão em posição de contribuir para uma mais esclarecida opção política e para a adopção de medidas práticas que serão tanto mais eficazes e acertadas quanto forem realistas.
É que a competência legislativa e a deliberação política são desta Câmara, mas nós tudo continuaremos a fazer para que este Parlamento não siga o exemplo do actual Governo que, enquanto se dizia dialogante, não decidiu e quer agora, em final de mandato, decidir sem dialogar.
Não foi por nós, Sr Ministro, que os funcionários judiciais ontem estiveram em greve e depois de amanhã irão estar de novo em greve É que eles também se queixam da falta de dialogo e de eficiência do eu Ministério E nós também sabemos que em muita coisa ou em alguma coisa, pelo menos, eles têm consabida razão.

O Sr Guilherme Silva (PSD): - É verdade!

O Orador: - A proposta de lei não merece, obviamente, o nosso repúdio nem a nossa censura generalizada, nomeadamente quando cuida de adequar o Estatuto dos Magistrados Judiciais à nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ou quando se preocupa com a adopção de soluções que visam a salvaguarda do paralelismo com a Lei Orgânica do Ministério Publico.
Merece também o nosso apoio na parte em que visa acelerar e imprimir eficácia ao procedimento disciplinar, onde não raro deparamos com excessivo garantismo. Com efeito, não se pode aceitar, sem atropelo de princípios e valores que são muito caros a um Estado de Direito, que um juiz sancionado, em processo disciplinar, com pena das mais graves da escala, continue, por via de regra, a julgar (ou a não julgar, mas em exercício de funções, o que não é menos grave) tantas vezes por anos e anos, servindo-se de meros expedientes dilatórios, que, no dia a dia, se censuram e que ele próprio, com certeza, muitas vezes censurou às partes e que a lei já restringiu para o comum dos cidadãos

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Por idênticas razões, se não compreende nem aceita que um juiz classificado de «Medíocre» não suspenda as funções no próprio dia em que for notificado da classificação. Até aí estamos de acordo!
As nossas reservas são antes ditadas por dúvidas sobre a bondade de algumas e a suficiência de outras das alterações propostas.
É que a história recente demonstrou que o Governo não tem sabido gerir, com ponderação e acerto, o equilíbrio de poderes entre as Magistraturas Judicial e do Ministério Público e outros «operadores judiciários», o que contribuiu marcadamente para a acentuada degradação do estado da Justiça em Portugal.
Por isso, todas as cautelas são poucas.
A nossa postura, sendo, pois, de reserva e de prudência, não deixa nem nunca deixará de ser colaborante. E a nossa colaboração começa pela afirmação de princípio de que bem andaríamos, Sr. Ministro, se começássemos por dizer, logo no artigo 2.º, que «a Magistratura Judicial é constituída por Juízes Conselheiros no Supremo Tribunal de Justiça, Juízes Desembargadores nos Tribunais da Relação e Juízes de Direito na 1.ª instância».
Trata-se de voltar a acolher uma terminologia com raízes históricas profundas, que nunca deixou de ser usada, que está carregada de simbologia e de tradição, a justificar que continue a ser formalmente consagrada como um legado da cultura jurídica portuguesa que temos.
Passa também pela necessidade de reformulação ou de eliminação do n.º 2 do artigo 4.º, que, tal como está, se afirma como tributário de um legalismo e de um positivismo jurídico cada vez mais questionados, por redutores e atentatórios da liberdade dos juízes, como intérpretes em presença do constante surgir de «novos direitos».
Defendemos que deve ser ponderada a concessão de dispensa de serviço ou coadjuvação de juiz auxiliar aos juízes que exerçam funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial, na medida em que isso, por um lado, decorre da Constituição e porque temos de reconhecer que hoje já se não trata mais de organismos representativos de 300 mas, sim, de 1500 juízes.
Entendemos que, onde se escreve que, em caso de detenção ou prisão, o magistrado judicial é imediatamente «apresentado à autoridade judiciária competente», se deve escrever claramente que será «apresentado ao juiz competente».
Defendemos para os juízes um regime de acesso às publicações oficiais e às bases de dados em tudo idêntico ao estatuído para o Ministério Público, e não é isso que está, Sr. Ministro.
Não temos por justa a alteração que o Governo quer introduzir à responsabilidade dos juízes com fundamento em culpa. Que o seja com fundamento em dolo, como agora está, isso sim! Mas que o juiz que não actuou com dolo responda perante o Estado com base numa situação de culpa, parece-nos ir longe de mais.
No fundo e na prática, isso seria responsabilizar o juiz por faltas que são mais do próprio Estado. Se o juiz foi mal seleccionado; se não foi inspeccionado a tempo nem classificado a rigor; se foi colocado onde não devia ser; se não tinha competência nem condições para o exercício do cargo, isso constitui, antes de mais, responsabilidade do Estado, que não deve ser escamoteada nem sacudida.
Que, no caso de culpa grave do juiz, o Estado respondas perante os cidadãos lesados, está bem! Mas direito de regresso do Estado sobre esses juízes, nesses casos, sem dolo, está mal! Seria, além do mais, desculpabilizante para o Estado e gerador de uma indesejável perturbação entre os juízes.
Também não concordamos, Sr. Ministro e Srs. Deputados, que se retire aos magistrados o direito ao reembolso das despesas de deslocação e transporte de bagagem num grande número de casos em que mudam de comarca.
Ainda faria algum sentido que a atribuição desse reembolso fosse revista e, porventura, até retirada, no quadro de uma revisão do Estatuto Remuneratório dos Juízes. Mas a revisão do Estatuto Remuneratório dos Juízes, sendo inevitável a curto prazo, é assunto que exige coragem e determinação. E coragem e determinação são coisas que este Governo não tem. Que, ao menos, tenha o bom senso de não piorar o que está mal! E menos mau, por agora, é deixar aí as coisas como estão.
Por último: em conversa que hoje tivemos com um representante da Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, apercebemo-nos de que alguém os convencera de que, nesta proposta de alteração, se incluía a atribuição de um dia de ajudas de custo aos Juízes do Supremo em dia de sessão e que, disso convencidos, até já só estavam a reclamar agora a extensão de idêntico pagamento aos Juízes das Relações.
Até hoje, os juízes estiveram enganados e não fomos nós, Sr. Ministro, quem os enganou. Nós esclarecemo-los hoje e não vamos enganá-los se lhes dissermos, como dizemos aqui, que, na especialidade, vamos propor a atribuição de um dia - não propriamente de três - de ajudas de custo aos Juízes do Supremo e da Relação, coincidente com o dia das sessões.
Porque não faz sentido que um Juiz Desembargador passe a ganhar mais de 20 000$ por mês quando deixa de ser Juiz de Círculo e passe a gastar, só em deslocações ao Tribunal da Relação, o dobro ou o triplo do aumento que teve.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça e Srs. Deputados: Em sede de especialidade, e não obstante o pouco tempo de que se dispõe, o PSD está, mais uma vez, na firme disposição de, em nome da Justiça e dos superiores interesses dos portugueses, contribuir para que nesta proposta de lei ainda sejam introduzidas algumas possíveis benfeitorias.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavrão Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Aprovadas nesta Assembleia, e por iniciativa do actual Governo, a Lei Orgânica do Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) e o Estatuto dos Magistrados do Ministério Público (Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto), impunha-se a reforma do Estatuto dos Magistra-

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dos Judiciais, que o diploma hoje em debate consubstancia, enquadrando-se, aliás, nas linhas gerais da reforma da justiça, bem como nas Grandes Opções do Plano de 1999. e que se segue à elaboração e discussão pública da lei de protecção de testemunhas e da lei de detenção domiciliária comcontro-lo electrónico, medidas necessárias para fazer face. por um lado. a dificuldades existentes nos processos de criminalidade organizada e. por outro, à necessidade de instrumentos legais que contribuam para diminuir a taxa de prisão preventiva.
O diploma em apreço comporta algumas alterações que primam pelo bom senso, sem pretensões maximalistas, fundamentalmente destinadas a uma adequação à nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e ao reequilibro estatuário com o Estatuto do Ministério Público, mas nem assim deixam de ter um significado relevante para o funcionamento dos tribunais.
Não é por acaso que o Estatuto dos Magistrados Judiciais é uma matéria que constitui objecto da competência exclusiva da Assembleia e que o mesmo encerra em si o retrato da essência da sociedade que pretendemos protagonizar e na qual os tribunais deverão ser o melhor suporte dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A divisão tripartida dos poderes do Estado, que é uma herança cultural do Espirito das Leis de Montesquieu. obra datada de 1748. que baliza o nosso Estado de direito, o qual. na sua Lei Fundamental preconiza a independência dos tribunais independência consagrada no seu artigo 203.°. Tal independência não resulta apenas da separação de poderes, mas igualmente da independência dos juizes, os quais devem exclusivamente obediência à lei. constituindo a sua irresponsabilidade e inanunibilidade garantias constitucionais dessa mesma independência.
As presentes alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais inserem-se nessa filosofia, sendo de destacar a preocupação de aceleração dos procedimentos disciplinares contra juizes, com encurtamento dos prazos, vertidos para os artigos 71.°. alinead). 169.°. 170.° e 176.°.
Não se põem em causa as garantias de defesa, nomeadamente quando está em apreço a regra geral da não suspensão da eficácia do acto recorrido, a qual soçobra sempre «se a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação».
No âmbito das garantias da não responsabilidade dos juizes pelas suas decisões, é de salientar, por alteração ao artigo 5.°. o direito de regresso do Estado pelo pagamento de indemnização a terceiros contra o magistrado judicial, apenas com fundamento em «dolo ou culpa grave».
E. no quadro das garantias de imparcialidade, a que o novo legislador chama «impedimento», é de aplaudir os aperfeiçoamentos deste diploma, ao ampliar para 5 anos a incompatibilidade prevista na alínea b) do artigo 7.°. sendo igualmente pertinentes as inovações constantes nas alíneas a) e c) do mesmo artigo, ao consignarem a união de facto como impedimento, na esteira do que já consagra a Lei n.° 60/98 para o Ministério Público, e o exercício de funções em Tribunais de l.a Instância, quando qualquer das pessoas referidas na alínea a) tenha escritório de advocacia.
Face á mediatização da justiça na sociedade contemporânea, o artigo 12.° do presente diploma procura encontrar o equilíbrio entre o dever de reserva e o dever de informar.
Ainda dentro da dignificação das funções do juiz. destaque-se o aperfeiçoamento apresentado pela presente proposta de lei no artigo 34.°. no sentido de valorizar nas inspecções de serviço critérios de eficácia e de produtividade, como o volume de serviço, capacidade de simplificação de actos processuais, modo de gestão do serviço.
Não é de somenos importância a garantia do direito de defesa, por parte do juiz. consagrada no n.° 5 do artigo 8.°. permitindo ao magistrado que tenha acesso ao relatório do inspector judicial.
No âmbito da credibilizaçâo das funções do magistrado judicial, registe-se a inovação do artigo 49.°. ao impedir o pedido de transferência, a pedido, dos juizes da Relação no caso de atrasos nos serviços que lhes sejam imputáveis e o agravamento do limite máximo de multa para o triplo do actual. previsto no artigo 87.°. bem como a imposição de formas de controlo do serviço dos juízes desembargadores, a requerimento dos interessados ou por iniciativa do Conselho Superior de Magistratura, de modo a evitarem-se situações de laxismo por parte dos magistrados ou do Conselho Superior da Magistratura.
Há. pois. razões para reconhecermos nesta proposta de lei um contributo positivo para a dignificação de função judicial, numa sociedade em que se requer dos juizes uma cada vez mais profunda competência profissional. Os problemas da justiça radicam em grande parte no aumento ciclópico dos processos e para os quais são sempre escassos os meios logísticos, humanos e financeiros investidos, meios a que aliás, o actual Governo não se tem furtado em implementar.
Mas tais problemas nunca podem ser superados sem uma magistratura judicial de elevada estatura moral e competência técnica..capaz de perceber, com sentido de equidade, o pulsar colectivo da sociedade.
E só assim é possível reforçar a imagem da independência dos juizes, independência que é parte integrante duma cultu-ra democrática, com raízes ainda pouco consolidadas na nossa sociedade.
A discussão da justiça ultrapassa, pois cada vez mais as fronteiras dos juristas, impondo-se que a encaremos como uma questão de Estado. É a segurança e a liberdade dos cidadãos que assim o exige.
O poder judicial e a justiça não se controlam, nem se domesticam. E aqueles que nela (justiça) vêem uma força de bloqueio, estão a construir consciente ou inconscientemente um universo kafkiano de um mundo despojado de vinculação á ideia de justiça ou de um mundo em que os juizes estão em toda a parte e a justiça em parte alguma.
Queremos juizes ao tempo da justiça, na afirmação de Eduardo Lourenço, e que reflictam a subida de nível de consciência dos direitos, quer individuais, quer sociais do mundo contemporâneo.
Nós, socialistas, pugnamos e trabalhamos por esse desiderato.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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O Sr. Odete Santos (PCP):—Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste ponto do debate — debate, aliás, sonolento —, começo a não saber se estou num mundo kafkiano, porque me parece aqui ouvir correr umas «setas» de um lado para o outro, uns arremessos de juizes para cá e de juizes para lá, umas lições sobre o que são os juizes e o que não devem ser, umas lições sobre o que é um juiz numa cultura democrática, etc., etc. Isto diz muito pouco aos cidadãos portugueses.
Os cidadãos portugueses querem é saber que justiça têm. E este é que é o nó górdio da questão! De facto, percebo que uma parte desta proposta de lei tenha de vir à Assembleia com alguma celeridade porque houve disposições da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais que foram alteradas e agora o Estatuto dos Magistrados Judiciais tem de ser alterado em conformidade com o que está na Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.
Há, depois, outras disposições que aqui vêm alteradas, ou cuja alteração se propõe, que tendem a acelerar procedimentos disciplinares, e ainda outras... Parece-me relevante a proposta sobre o envio do relatório do Conselho Superior da Magistratura à Assembleia da República. Parece-me também que um reforço da autonomia do Conselho Superior da Magistratura se justifica.
Não se mexe nos juizes como corpo único—estou a lembrar-me de uma grande discussão que, há uns anos, o Estatuto dos Magistrados Judiciais levantou em relação a um artigo que foi declarado inconstitucional.
Portanto, a proposta de lei não suscita ao PCP reservas especiais, a não ser, efectivamente, alguns pormenores que pensamos que na especialidade devem ser discutidos.
Também conheço o parecer da Associação Sindical dos Juizes e há algumas questões que eles levantam que penso que devemos, em sede de especialidade, debater com a profundidade que este fim de Legislatura permite, no meio de tantas propostas e projectos de lei para acabar, como se tivéssemos no fim de um prazo para propor uma acção ou para contestar uma outra.
Portanto, a nossa posição é, efectivamente, de estar de acordo, na generalidade, com as propostas apresentadas.
Agora, a questão é esta: isto, sim senhor, muito bem. Os juizes portugueses têm mantido, até aqui, um estatuto de independência, não me parece que, efectivamente, essa independência tenha sido beliscada ao longo das alterações sucessivas do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Houve, de facto, algumas tentativas de alterar disposições legais que contendiam com esta independência, mas tudo isso foi ultrapassado.
Mas o que é que dizem os cidadãos hoje, no mês dê Junho de 1999, sobre a justiça portuguesa? O que é que se alterou em relação, por exemplo, a 1986? Desde 1986 ou de 1985, quando foi aprovado o Estatuto dos Magistrados Judiciais, que passos se deram no sentido de melhorar a máquina da justiça e de a pôr, de facto, ao serviço do povo, porque, nos termos da Constituição, os juizes administram a justiça em nome do povo? De facto, desde 1985, data da primeira versão deste refundido Estatuto dos Magistrados Judiciais, a crise da justiça tem vindo a agravar-se, continuando a faltar medidas de fundo para que os juizes tenham possibilidades de gerir os processos. Está muito certo dizer
que a maneira como um juiz gere o processo entra na classificação. Mas eu penso que teria uma péssima classificação se me sentasse atrás de uma secretária e não conseguisse ver quem estava à minha frente, porque estava escondida pelo volume de processos. .

O Sr. Guilherme Silva (PSD). — Não ver nada..., nem sequer o inspector!

A Oradora: — Nem sequer o inspector, sim! Bom, mas isso é outra questão.
Portanto, como estava a dizer, eu seria uma péssima gestora.
Sei que haverá situações de excepção, mas há outras em que se trabalha com grande sacrifício e com grande esforço.
É preciso medidas de fundo que aliviem os tribunais judiciais de bagatelas, mesmo de bagatelas penais; é preciso dar condições aos funcionários judiciais, aos magistrados judiciais, aos magistrados do Ministério Público, que estão igualmente interessados em resolver os problemas da máquina da justiça, e aos cidadãos para acederem à Justiça. Quanto a isso, parece-me que continuam a faltar as medidas que verdadeiramente atinjam ou, melhor, que curem as feridas que são já bastante grandes. É tempo de uma intervenção cirúrgica rápida, célere e certeira.

O Sr. José Magalhães (PS): —Assim será!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Será quando? Já passaram quatro anos!... E olhe que fui muito «doce»!

O Sr. Presidente:—Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP):—Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados, gostaria de acrescentar duas brevíssimas palavras, até porque, tendo sido eu o autor do relatório, já tive ocasião de dar algum contributo para esta discussão.
Julgo que, sendo embora o Estatuto dos Magistrados Judiciais um diploma com alguma importância, tal qual acon-tece com a Lei Orgânica dos Tribunais, é evidente que não posso deixar de comungar com as ideias da Sr.ª Deputada Odete Santos, porque me parece que o que interessava aqui discutir com acuidade eram as grandes questões da justiça.
No meu entender, não eram a Lei Orgânica dos Tribunais nem o Estatuto dos Magistrados Judiciais que interessava estarmos a discutir, embora deva confessar que me agrada particularmente discutir estas questões da justiça, designadamente esta. Devo dizer que muito mais me agradaria estar aqui para ajudar e contribuir para a resolução dos grandes problemas da justiça, em Portugal.
Em todo o caso, gostava também de dizer que foi alterada a Lei Orgânica dos Tribunais.
Como já disse, tenho a impressão de que a ideia de mudar os tribunais de círculo foi uma das ideias que presidiu, julgo eu, na opinião do Governo ao alterar a Lei Orgânica dos Tribunais. E entendo—porque tenho alguma prática forense, já

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são 25 anos... —, que, quando havia tribunais de circulo a funcionar muitíssimo bem, VV Ex.ª, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, entenderam por bem que não havia necessidade de ter estes tribunais a funcionar,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD):—E ainda aqui vamos!

O Orador: —... mas, dando isso de barato e considerando que o Governo fez muita questão em acabar com esses tribunais de círculo, alterando-se Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, havia, naturalmente, que alterar o Estatuto dos Magistrados Judiciais. Nessa circunstância, não se nos oferecem grandes dúvidas a propósito desta proposta que temos aqui para discutir.
Há normas que eram transitórias na Lei Orgânica dos Tribunais e agora era necessário sedimentá-las e dar-lhes estabilidade. Foi isso que o Governo fez, designadamente no que diz respeito à equiparação a juiz de círculo dos juizes dos tribunais de família e menores, tribunais de comércio, marítimos, etç. Apoiámos isto evidentemente.
Por outro lado, o Governo introduziu alterações em alguns aspectos que já aqui foram referenciados por outros Srs. Deputados, e gostava apenas de dar ênfase a um aspecto que me parece importante: impôs-se ao Conselho Superior da Magistratura a obrigação do envio anual do relatório da sua actividade à Assembleia da República, com publicação no Diário da Assembleia da República.
Diz-se, e é verdade, que o Conselho Superior da Magistratura funciona muitas vezes com um sentido demasiado corporativo e que é necessário haver uma fiscalização democrática e política por parte de todos os órgãos, até para haver um equilíbrio que todos desejamos e que a própria Constituição reivindica.
Pois muito bem, quero apoiar o Governo neste particular, porque me parece que é de interesse prever-se esta norma, de modo que, quanto a ela, julgo que haverá que extrair, no futuro, as suas virtualidades e quando chegar o relatório poderemos discutir, aqui, na Assembleia da República, tudo aquilo que se passa a nível do Conselho Superior da Magistratura.
Dito isto, resta-me acrescentar que, quer o Conselho Superior da Magistratura quer a Associação Sindical dos Juizes Portugueses fizeram reparos a esta proposta.
Julgo que a sede própria, para termos em conta estes reparos, é a discussão na especialidade.
No entanto, não deixava de colocar ao Sr. Ministro e ao Sr. Secretário de Estado algumas questões que, por exemplo, o Conselho Superior da Magistratura levanta relativamente à possibilidade de eliminar a classificação de juizes que estão em comissões eventuais de serviço — não em comissões ordinárias de serviço, não em comissões que estejam coligadas ao exercício de funções judiciais ou parajudiciais, mas a outro tipo de funções, nomeadamente funções políticas.
Reconheço, realmente, que há alguma dificuldade por parte do Conselho Superior da Magistratura em avaliar e classificar estes magistrados em comissões eventuais de serviço.
Por outro lado, lembra também o Conselho Superior da Magistratura que era bom facultar aos juizes
inspeccionandos a possibilidade de requerer as diligências que entendessem por convenientes, e não apenas dar-se-lhes a possibilidade de fornecer elementos — isso parece, realmente, pouco.
Entretanto, lembram ainda os magistrados do Conselho Superior da Magistratura o regime vigente para os juizes de círculo, na parte em que se exige que tenham uma classificação de Bom com distinção, deveria exigir-se também não apenas no princípio do exercício de funções e como condição para o exercício dessas funções mas também para manutenção no lugar. Não faz sentido que depois de ser nomeado para juiz de círculo, ou para juiz do tribunal de família, ou de menores, ou para qualquer um dos tribunais equiparados, se o magistrado viesse a ter uma classificação inferior àquela que era obrigado a ter para ser nomeado, não sofresse consequências para bem dos serviços à frente dos quais está.
Portanto, parece-me também conveniente que, em sede de especialidade, se dê acolhimento a estes reparos do Conselho Superior da Magistratura.
Também não queria deixar de lembrar que a Associação Sindical dos Juizes Portugueses foca alguns aspectos que, na minha modesta opinião, terão alguma razoabilidade. Pugnam, por exemplo, pela eliminação do n.° 2 do artigo 4.°
O artigo 4.° consigna o dever de obediência á lei por parte dos magistrados judiciais. Nós sabemos que o positivismo/ legalismo está em crise e, hoje, deve dar-se aos juizes a possibilidade de, embora seguindo a lei, serem eles próprios criadores do direito, tendo em conta aquilo que o próprio legislador aponta.
Julgo não ser despiciendo, nesta grande tese que é imensamente actual, poder, pelo menos, discutir-se em sede de especialidade.
Isto significa que, embora o Partido Popular dê o seu acolhimento a que o diploma passe na generalidade, iremos ter o cuidado de não apenas fazermos eco destas críticas ou sugestões feitas por algumas entidades ligadas à justiça como também de podermos subscrever outras que hoje não foquei mas que poderão servir para melhorar de alguma maneira o diploma agora em apreciação.

O Sr. Presidente:—Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, é uma intervenção muito breve, mas não queria deixar passar esta minha vinda aqui, à Assembleia, sem acentuar algo que se vai tornando um pouco repetitivo aqui. Trata-se do seguinte: traz-se aqui uma proposta, das dezenas que já aqui vieram... — a proposta, por si, não resolve o problema da justiça, como é óbvio!
Já aqui pedi, várias vezes, e agora imploro a alguns dos Srs. Deputados, que essa tal «reforma da justiça», esse «papel» que aí anda...

Vozes do PSD: — Os senhores é que são Governo!

O Orador: — Certamente, mas VV. Ex.ª não estão destituídos nem de inteligência, nem de iniciativa, nem de imaginação — embora saiba que estão a preparar um programa para

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apresentar em Setembro (é sabido)... Em todo o caso, penso que devem ter tido alguma ideia durante esta Legislatura para além daquela que aqui apareceu pela mão do Sr. Deputado Antonino Antunes, a chamada «aceleração da justiça». Devem ter tido alguma outra ideia!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): — Tivemos várias, mas não somos Governo
O Orador:—Agora, o que é curioso é dizerem: a lei é boa, temos aqui uma «coisinhas», e tal..., mas isto não resolve o problema da justiça!
Ó Srs. Deputados, nós apresentámos aqui dezenas de projectos e de propostas de lei que os senhores ou, melhor, que a Câmara aprovou.
Vozes do PSD: — E não resolveram nada!
O Orador:—Ficamo-nos por aqui. Porque houve alguns dos senhores que votaram sistematicamente contra, portanto daí não quinhoam — não quinhoam do mal, mas também não quinhoarão do bem!
Depois, é sempre esta conversa: mas falta não sei o quê... — que eu não sei o que é que falta!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD):—Isso já nós sabemos que não sabe!

O Orador:—Eu não sei o que é que falta, mas os senhores, então, desconhecem por completo!
Depois, não lêem bem o que aqui aparece. O Sr. Deputado Antonino Antunes não leu bem o que aqui aparece, mas isso é da vida... O Verão também se aproxima, outros afazeres não deixam muito tempo para estas coisas, tudo bem!
Mas, na discussão na especialidade, teremos ocasião de corrigir, na medida do possível.
Sr. Deputado António Brochado Pedras, não estou em condições de lhe responder agora — naturalmente, nem era isso que o senhor pretendia ao colocar-me um conjunto de questões.
Eu já lhe respondi porque disse que estaríamos como sempre — ao menos os senhores, que falam tanto em falta de justiça, façam essa justiça! — na perspectiva de trabalhar o texto na especialidade.
Agora, Srs. Deputados, também há uma coisa que eu queria dizer: a Assembleia da República e o Governo é que legislam. Portanto, quando me vêm dizer: mas a associação sindical, mas o não sei quê...
Pois, com certeza que têm todo o seu direito de ter outras posições, mas não é necessário nem é necessariamente a melhor solução ir atrás dessas posições.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Isso é discurso novo!

O Orador: — Não! É que há muitas pessoas que trazem aqui, como críticas, as «conversas de corredor» que vão tendo. Diz-se: a associação sindical... Mas a associação sindical, como outra qualquer associação sindical, está longe de ter a verdade única e definitiva sobre determinadas matérias. E parece que há aqui um certo
ambiente, sobretudo de certa bancada — que nem sequer é a sua—...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Qual será a bancada?!

O Orador:—...para fazer das suas, como armas de arremesso, quando calha — quando não calha, não!

Sr. Deputado, eu não o interrompi — ouvi com toda a atenção...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Mas eu também não o interrompi! Só estava a questionar-me qual seria a bancada!

O Orador: — Sr. Deputado, mas eu esclareço-o de imediato! É a sua! De imediato: é a sua! Se o Sr. Deputado estava com essa dúvida, por amor de Deus, já podíamos ter resolvido esse problema há muito tempo! Veja V Ex.ª a angústia em que V. Ex.ª estava...! Podia ter-me perguntado e eu resolvia-lhe logo a dúvida: é a sua! É a sua! Os senhores habituaram-se a trazer para aqui a ressonância—não estou a chamar-vos caixa de ressonância, estou a referir apenas a ressonância— de algumas coisas que se dizem nos corredores. Bem, é uma maneira de fazer política, de que VV Ex.ª, aliás, com alguma razão, apontam o dedo ao PS de antigamente—com alguma razão...

O Sr. Guilherme Silva (PSD):—Está a ver? Eu sabia que o Sr. Ministro ia assumir o estatuto de «arrependido»!...

O Orador:—Sr. Deputado, V Ex.ª é que nunca o adquirirá! Sabe porquê?

O Sr. Guilherme Silva (PSD):—É porque não preciso!

O Orador: — Não! É porque VV Ex.ªs nunca aprendem! Nunca aprendem — estão há quatro anos para aprender e nunca aprendem! Ainda há dois dias nós assistimos á esse espectáculo lamentável de que nunca aprendem! Nunca! Portanto, V Ex.ª, nesta matéria, nunca terá o estatuto de arrependido.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): — Ainda tem mais quatro anos para aprender!

O Orador:—Tem, mas não aprenderá! Nem com 20 anos aprenderão! Nem com 20 anos!
Srs. Deputados, era só isto que eu queria dizer: ! centralizemo-nos sobre aquilo que temos para analisar e não digamos «mas o que interessa não é isto» porque isso — usando uma linguagem futebolística, se me permitem —.é «chutar para canto» — efectivamente, há clubes, entre os quais se encontra o meu, que «chutam muito para canto» e por isso é que não ganham!...

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos a discussão desta proposta de lei. Aproxima reunião plenária realizar--se-á amanhã, pelas 15 horas, sendo a ordem do dia constituída pela interpelação n.° 22/VII, sobre a questão da «parati-

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17 DE JUNHO DE 1999 3405

sia» das obras públicas, de iniciativa do PSD, com votações regimentais pelas 18 horas.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Henrique José de Sousa Neto.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

João Bosco Soares Mota Amaral.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social — Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.

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