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Quinta-feira, 1 de Julho de 1999 I Série - Número 100

Diário da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE JUNHO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de ler n.º 692 e 693/VII, da apreciação parlamentar n.º 103/VII, dos projectos de resolução n.º 136 e 137/VII e do projecto de deliberação n.º 58/VII.
For aprovado o projecto de deliberação n.º 58/VII - Alteração do elenco das comissões especializadas permanentes (PAR).
A Câmara aprovou ainda um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando dois Deputados do PSD a prestarem depoimento como testemunhas em tribunal.
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, do projecto de lei n.º 679/VII - Privatização do notariado (CDS-PP) e das propostas de lei n.º 282/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Estatuto da Ordem dos Notários, 284/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Estatuto Disciplinar dos Notários enquanto oficiais públicos e 285/Vll - Aprova o Estatuto do Notariado. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Maria Eduarda Azevedo (PSD), António Brochado Pedras (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD), Nuno Baltazar Mendes (PS) e Odete Santos (PCP).
Em seguida, for apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 599/VII Actualiza o regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública (PCP), sobre o qual se pronunciaram os Srs. Deputadas António Filipe (PCP), Luís Queiró (CDS-PP), Fernando Serrasqueiro (PS) e Hugo Velosa (PSD).
For ainda debatido, na generalidade, o projecto de lei n.º 671/VII Compensação aos municípios que suportam corpos de bombeiros profissionais (PSD), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Manuel Moreira (PSD), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), José Junqueiro (PS) e Pimenta Dias (PCP).
A Câmara discutiu também, na generalidade, o projecto de lei n.º 676/VII Utilização de detectores de metais (PS). Intervieram os Srs. Deputados Fernando Pereira Marques (PS), Manuel Frexes (PSD), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP) e Luísa Mesquita (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Alvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.

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António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucilia Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira..
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Freires.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Aguiar. Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da, Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular(CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Bernardo Coelho de Pinho.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Luís Pimenta Dias.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.ºs 692/VII - Correcção da antiguidade e promoções dos oficiais milicianos que ingressaram no quadro permanente, antes do 25 de Abril de 1974, após a frequência da Academia Militar (PSD, PS, PCP e CDS-PP), que baixou às 1.º e 3 º Comissões, e 693/VII - Regulamentação e gestão dos programas operacionais regionais (PCP), que baixou à 4.º Comissão; apreciação parlamentar n.º 103/VII - Decreto-Lei n.º 207/99, de 9 de Junho, que cria a Unidade Local de Saúde de Matosinhos (PSD); projectos de resolução n.ºs 136/VII - Sobre empreitadas de obras públicas e as aquisições de bens e serviços (PAR) e 137/VII - Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 1998 (Comissão de Assuntos Europeus) e projecto de deliberação n.º 58/VII - Alteração do elenco das comissões especializadas permanentes (PAR).
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com o vosso assentimento, poderíamos votar desde já o projecto de deliberação n.º 58/VII, que pretende apenas fixar á composi-

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ção que se escolheu em sede de Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares para a nova Comissão de Ética, a fim de eu poder dar-lhes posse amanhã, ao fim da manhã. Se não houver objecções, faremos rápida e sumariamente esta votação para que amanhã possa dar-lhes posse e para que, nas férias, haja ética.
Devo dizer que isto é apenas a confirmação do que foi aprovado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Não se opõem a que votemos este projecto de deliberação?

Pausa.

Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do projecto de deliberação n.º 58/VII - Alteração do elenco das comissões especializadas permanentes (PAR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Barbosa de Melo e Manuel Frexes (PSD) a prestarem depoimento, por escrito, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, vamos, então, iniciar a discussão conjunta do projecto de lei n.º 6791 VII - Privatização do notariado (CDS-PP) e das propostas de lei n.ºs 282/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Estatuto da Ordem dos Notários, 284/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Estatuto Disciplinar dos Notários enquanto oficiais públicos e 285/VII - Aprova o Estatuto do Notariado.
Para introduzir o projecto de lei n.º 679/VII, em representação do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: No debate de hoje há que colocar uma questão prévia, de ordem não exclusivamente semântica. É que se criou a ideia que vamos discutir a privatização do notariado quando, afinal, se trata de algo completamente distinto. O nosso notariado não é público, no sentido de que emana da sociedade, mas, sim, administrativo, no sentido de que mais não representa do que um braço da Administração.
Nessa medida, aquilo que hoje aqui vamos discutir é a devolução à sociedade e aos cidadãos de uma função que historicamente sempre lhes pertenceu por delegação, o que não significa que fosse privada, que nunca o foi.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Os portugueses, sempre que têm de recorrer a um notário, questionam-se como é possível conviver com um dos serviços mais terceiro-mundistas que o Estado presta ao cidadão contribuinte. Marcar uma escritura é um dos maiores suplícios a que um cidadão pode ser obrigado. Reunir todos os documentos necessários para tal acto é um dos maiores obstáculos que todos temos de vencer alguma vez na vida. Entrar num cartório, esperar pela nossa vez e ir observando o que nos rodeia é uma das mais angustiantes experiências que podemos viver.
O notário deixou, há muito, de ser visto como um conselheiro para passar a ser visto quase como um inimigo. Deixou de ser visto como um auxiliar para passar a ser visto como um estorvo. Deixou de ser visto como fiel depositário da vontade das partes para passar a ser visto como uma extensão do Ministério da Finanças, do ministério da segurança social e de todos os demais tentáculos com que o Estado omnipresente tutela, vigia e condiciona a vida diária dos cidadãos.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Como é que é possível que a instituição notarial tenha conseguido passar incólume às múltiplas campanhas e programas de desburocratização, aos sucessivos dias nacionais da desburocratização e às investidas do secretariado para a modernização administrativa? Enfim, como é que é possível que tenha resistido ao avanço tecnológico e aos milhões dos fundos europeus e nacionais?
O notariado, hoje, constitui um estorvo e um custo para empresas e cidadãos e representa uma outra forma de imposto: o imposto «tempo». Numa época em que as acessibilidades são bandeira de campanha eleitoral, o notariado constitui uma nova forma de inacessibilidade - inacessibilidade à fluidez da economia e à simplificação da vida dos portugueses.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Só mesmo quem nunca recorreu a um notário é que não acredita que ainda exista em Portugal, à data de hoje, uma instituição que o Governo teima em manter tal como foi concebida há 54 anos.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - É um Governo conservador!

O Orador: - Só mesmo quem dedica algum do seu tempo a lidar com o notariado é que conhece a forma inacreditável e inconcebível como ainda funcionam os cartórios.
A actual instituição notarial é, certamente, a última das parcelas da pesada herança que o Estado Novo deixou, mas que o Estado Democrático ainda não foi capaz de reformar. Nos cartórios, a única diferença visível será, porventura, a ausência da fotografia oficial do Almirante Américo Tomás. É caso para dizer que, 25 anos após o 25 de Abril, os direitos e liberdades dos cidadãos ainda não encontraram expressão na actividade notarial, que, assim, mantém uma filosofia e uma estrutura que não se coadunam com o regime democrático.
O escasso número de cartórios, cuja abertura e localização não obedece a qualquer lógica conhecida, a involuntária falta de preparação de muitos dos seus funcionários, a ausência de informatização, a vergonhosa degra-

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dação das instalações e, sobretudo, a evidente falta de vontade do Estado (que não deste ou de outros governos, em especial) para investirem na alteração radical da presente situação, impõe a conclusão de que o actual modelo está esgotado e não tem emenda. O grau de exigência dos portugueses na satisfação das suas necessidades aumenta à medida que estas vão sendo satisfeitas, o que é, simultaneamente, natural e salutar.
Mas não será só por esta razão que as questões relacionadas com a justiça e com as actividades que lhe estão conexas entraram na ordem do dia das preocupações dos portugueses. É, sobretudo, em virtude da incapacidade deste Governo e de si, Sr. Ministro da Justiça, em empreender a reforma do sector que tutela. E à incapacidade de inovar de que padece o Ministro da Justiça, soma-se a falta de vontade do Primeiro-Ministro para reformar o que de reforma precisa.
O notariado é, assim, um exemplo da degradação a que chegaram os serviços que dependem do Ministério da Justiça. Por isso, este debate está atrasado, pelo menos, quatro anos. No entretanto, o Governo dedicou-se a nomear comissões e a fazer estudos, mas não fosse a iniciativa do Partido Popular e o tema nem sequer chegaria a ter honras de debate.
Mas se a reforma do sistema foi prometida pelo Partido Socialista, anunciada pelo Governo, pretendida pelos profissionais, exigida pelos utentes e imposta pelos tempos, por que razão tudo continua na mesma?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Boa pergunta!

O Orador: - Duas coisas são certas: a primeira é a de que esta actividade, que o Estado teima em guardar para si, rendeu-lhe, em 1996, 14 milhões de contos; a segunda é a de que, por mais milhões de investimentos que o Sr. Ministro goste de anunciar, tudo continua na mesma. O notariado, gerido sob o rigoroso princípio da economicidade, tem sido, assim, uma empresa pública de enorme rentabilidade para o seu accionista.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Para que nada continue na mesma, há que ter a coragem de reformar profundamente. Como vimos, a desburocratizarão e a simplificação dos procedimentos, apesar de presentes no discurso de sucessivos responsáveis políticos, ainda não chegou à função notarial. Ambos os objectivos são, porém, compatíveis com a tradição romanística do sistema jurídico português, que aconselha não tanto a uma menor intervenção do notário mas à sua maior responsabilização, como forma de impedir e prevenir conflitos.
Mas a referida desburocratização do notariado só se alcança com a desfuncionalização dos notários. Esta, por sua vez, só é viável com a assunção, clara e despreconceituada de um modelo liberal, embora sujeito a apertada fiscalização, sendo esta dotada de mecanismos que previnam, desincentivem e penalizem eficazmente o atropelo às suas próprias normas de funcionamento.
No projecto de lei do Partido Popular concebe-se, de forma assumidamente arrojada e inequívoca, o notário como um profissional liberal, dotado de competências próprias, salvaguardado pelos princípios da autonomia, da legalidade e da imparcialidade e balizado por um vasto conjunto de deveres e de incompatibilidades que visam acautelar tanto o interesse público subjacente à fé pública que lhe é atribuída como os interesses das partes intervenientes nos actos. Realça-se que o referido princípio da autonomia impõe que ao notário não sejam cometidas funções de fiscal que o Estado, as mais das vezes, não é capaz de exercer e que, por isso, delega.
No respeito pelo princípio da imparcialidade, impede-se a intervenção do notário em actos em que, directa ou indirectamente, seja parte e pune-se com a sanção maior os actos praticados em contravenção com aquela norma. Ainda em nome deste princípio, limita-se a prestação de assessoria ao aconselhamento de todos os intervenientes em cada acto notarial em concreto. Aos deveres e incompatibilidades previstos no projecto, acrescerão ainda as regras deontológicas a definir pelo respectivo organismo profissional. Porém,, no elenco das incompatibilidades não se incluíram as respeitantes ao desempenho de cargos electivos a qualquer nível, por tal contender com os direitos e liberdades individuais e por não se afigurar prejudicial aos princípios que devem enformar um modelo como o proposto.
Admite-se que a função notarial possa ser exercida em nome próprio ou em sociedade, porquanto esta última forma, além de permitir uma melhor qualidade dos serviços prestados, não choca com nenhum dos princípios que presidem a esta reforma.
Tendo ainda presentes as necessidades sociais e o objectivo de garantir formas de rápido e fácil acesso aos serviços do notariado, abre-se a possibilidade de determinadas entidades públicas e privadas poderem dispor de notários afectos à sua actividade, mas sempre no respeito pelos princípios e deveres previstos nesta iniciativa legislativa.
Para o acesso à profissão de notário exige-se a frequência de um estágio, a exemplo do que sucede, hoje em dia, com a maioria das actividades profissionais de cariz jurídico.
A fixação do montante dos honorários é livre, embora para os actos de maior complexidade e para a assessoria prestada se prevejam parâmetros para a sua fixação. A opção por preços fixos é absolutamente incompatível com a natureza liberal da actividade, já que traduzirá sempre uma reminiscência de um sistema que não deixa saudades e representa um equívoco sobre os critérios que ditarão, no futuro, a fixação livre de honorários. Na verdade, convençamo-nos de que não serão outros senão os da qualidade e da rapidez dos serviços prestados os critérios a determinar o montante dos honorários.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, exige-se que seja dada a devida publicidade aos honorários de montante fixo e aos critérios de cálculo dos honorários variáveis.
Em matéria de licenciamento, rejeita-se a adopção de numerus clausus. Desde logo porque a existência de semelhante princípio é um obstáculo aos objectivos que presidem a este projecto; depois, porque tal regra, só por si, não é garantia de nada e, por último, porque, afinal, esse é o sistema que vigora, na prática, há 50 anos, com os resultados que são conhecidos e de que todos nos queremos livrar.
Porém, ao contrário de outros projectos, o Partido Popular não inclui neste diploma a previsão de matérias que não têm dignidade para daqui constarem.
A liberalização do notariado e a fé pública com que os seus agentes estão dotados exige que se preveja um sistema de fiscalização eficaz, que desincentive o incum-

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primento da lei substantiva e das normas de funcionamento do instituto. Nesse sentido, propõe-se que, a par das acções de fiscalização de rotina, exista a figura do inquérito, accionável em virtude da ocorrência de uma denúncia. Em ambos os casos e atentos os interesses que poderão estar em causa e os- objectivos que se pretendem alcançar, institui-se a medida de suspensão da licença e encerramento provisório do cartório.
Em coerência com a filosofia que preside a este projecto, cria-se a ordem dos notários, organismo profissional de inscrição obrigatória, a quem se atribuem funções de formação, de fixação de regras deontológicas e de acção disciplinar, entre outras.
Por último, no estabelecimento do regime transitório, o Partido Popular não podia ser indiferente ao notável património de serviço público adquirido pelos actuais notários, atribuindo-lhes, assim, durante determinado prazo, a preferência na atribuição de licenças, como é de justiça.
Também os trabalhadores actualmente ao serviço do notariado são merecedores de regras especiais, quer na transição para o novo modelo, quer na sua transferência para outros serviços públicos, quer na aposentação antecipada, mas tendo sempre como balizas a sua própria vontade e o respeito pelas regalias adquiridas.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: O actual modelo de notariado é obsoleto e tem representado um sério entrave à normal fluidez da economia e do tráfico jurídico. Como disse, o tempo que hoje se despende sempre que é necessário recorrer a um notário configura um verdadeiro imposto sem isenções ou benefícios e que nem sequer é encapotado, pois todos o sentimos. A gravidade da actual situação não se compadece com paliativos, tão ao gosto deste Governo, e nem sequer com soluções híbridas. Ou existe vontade de reformar com profundidade ou de pouco adiantará entrarmos numa espécie de regime experimental.
Uma última questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados: o tempo que nos resta até ao final da presente legislatura não permite que se conclua esta reforma. Assim sendo e para que este nosso debate não seja a prática de uma inutilidade parlamentar e um logro para as expectativas de todos aqueles que têm de lidar com a realidade dos cartórios portugueses, desafio os restantes partidos a anuírem na constituição de um grupo de trabalho que, durante as férias parlamentares, prepare um documento de consenso que permita recolher o compromisso político de todos os partidos,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Todos menos o PCP!

O Orador: - ... no sentido da sua reapresentação no início da próxima legislatura.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para apresentar as propostas de lei em debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de entrar na apresentação das propostas do Governo, farei um breve comentário à intervenção do Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
Para além dos costumeiros ataques ao Ministério da Justiça, que não nos preocupam...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - São críticas da oposição legítima e democrática!

O Orador: - Obviamente!
O que me preocupa é V. Ex.ª e ter feito algumas afirmações que já não são totalmente verdadeiras. Hoje há dezenas e dezenas de cartórios notariais onde se trabalha bem, onde se trabalha com celeridade e onde se trabalha com instrumentos adequados à modernidade. Não é ainda a situação que quereríamos, mas tem-se verificado, nesta matéria, um grande avanço.
Naturalmente, é nos grandes centros, sobretudo em Lisboa e no Porto, que se nota ainda esse retrato demasiadamente negativo do notariado que V. Ex.ª deu.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Já temia essa resposta, Sr. Ministro!

O Orador: - Aproveito para referir que na profissão, os notários e todos aqueles que trabalham no notariado fazem diariamente um grande esforço para ir ao encontro das necessidades dos cidadãos e das empresas e também é justo que possamos aqui relevar o que V. Ex.ª não relevou.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Muito bem!

O Orador: - O sistema de notariado administrativo ou estatizado que vigora entre nós não se tem revelado compatível com as especificidades próprias da actividade notarial, nem proporciona as condições em que esta deve ser exercida, espartilhando-a num quadro institucional que não se coaduna com a sua natureza e que tende a asfixiá-la.
Não surpreende, pois, que este sistema tenha vindo a anquilosar a função notarial, tomando-a progressivamente menos capaz de responder tempestivamente às solicitações dos utentes em geral e dos agentes económicas em especial.
Na fase inicial da funcionalização, e durante as duas ou mesmo três décadas seguintes, foi possível disfarçar a inadequação do modelo estatizado, porquanto o atraso sócio-económico do País, nesse período, reflectia-se necessariamente no movimento dos cartórios que, mesmo nos grandes centros urbanos, era relativamente reduzido.
Tudo se viria a transformar, no entanto, em consequência do desenvolvimento social e do crescimento económico dos últimos anos, sobretudo depois da entrada no espaço comunitário, já que estas circunstâncias determinaram um fortíssimo aumento da contratação jurídica, mormente da atinente à aquisição de casa própria e ao respectivo financiamento, bem como do número de actos e de contratos de natureza societária, dando origem a uma maior, e sempre crescente, procura dos serviços notariais.
A partir daí não mais foi possível ignorar as deficiências e insuficiências, as mais das vezes congénitas, do sistema vigente.
Pode, por isso, considerar-se que é hoje amplamente consensual a ideia de que somente uma intervenção de fundo, que altere a actual estrutura da instituição notarial, reconduzindo-a ao notariado do tipo latino, é susceptível de pôr termo à sua degradação e de criar as condições que permitam, de uma vez por todas, eliminar ás causas da sua ineficiência.
E se é certo que a liberalização, como é conhecida, não pode ser encarada como o remédio milagroso, capaz de,

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sem mais, curar todos os males de que enferma o nosso notariado - e é esse muito o discurso que ouvimos não é menos verdade que só a institucionalização da figura do notário com estatuto jurídico-privado permite combater é erradicar, com êxito, todos os factores que fizeram dele um obstáculo ao normal fluir da contratação.
Consabidamente, a realização da segurança jurídica, que se pretende obter através da intervenção notarial e que, naturalmente, não pode ser dispensada nem esquecida, pressupõe a perfeição dos actos notariais que, por sua vez, obriga o documentados a proceder à cuidadosa indagação, interpretação e adequação da vontade das partes ao ordenamento jurídico, bem como a verificação de que não falta nem se mostra viciado algum dos elementos essenciais da estrutura ou do conteúdo do negócio. Mas isso não pode justificar os entraves com que presentemente se vê confrontado o cidadão que se dirige ao notário para deste obter o serviço público que lhe compete prestar.
Ao notário não basta saber fazer e fazer bem. Deve, ainda, prestar os seus serviços em tempo oportuno e em condições que não representem para os clientes um insuportável peso.
Estas as razões que levaram o Governo a inserir no seu Programa e a contemplar nas Grandes Opções do Plano a reforma do notariado, como um dos objectivos na área da justiça. A reforma desfuncionaliza, pois, a instituição notarial e consagra um sistema de notariado liberalizado, aprovando e pondo em vigor o estatuto profissional do notário profissional liberal, ainda que também oficial público, enquanto delegatário do poder de conferir fé pública.
O modelo adoptado na elaboração da reforma foi o do notariado latino, quer por ser este o que vigora na maioria dos Estados membros da União Europeia - sem embargo de se reconhecer que a profissão de notário se encontra organizada de maneira diferente nesses Estados quer por ter sido o que mereceu o acolhimento da generalidade dos notários portugueses.
Após essa longa discussão pública, foi elaborada a presente proposta que, no essencial, acolheu as críticas formuladas à versão inicial, aceitando-se muitas das sugestões feitas.
A reforma, como em ocasiões anteriores já se disse, determina que, pela primeira vez, em Portugal, uma profissão inteira mude completamente de estatuto, passando-se do actual notariado administrativo e estatizado, em que o órgão da função notarial é um funcionário público, para um regime de profissão liberal.
Não se estranhará, assim, que o diploma dispense especial atenção às normas que regulam a situação dos notários e dos oficiais que não optem pelo novo estatuto profissional. As soluções consagradas procuram evitar que a reforma atinja, de maneira inadmissível, mesmo intolerável, ou desproporcionadamente onerosa os direitos ou as expectativas legitimamente fundadas dos por ela abrangidos, em obediência ao princípio da confiança, insito no princípio do Estado de direito democrático.
Tratando-se de um processo complexo e inovador, gerador de inevitáveis perturbações no seio do sistema em vigor, impõe-se que o legislador se rodeie de acrescidas cautelas, garantindo que a reforma se não realize abruptamente mas, sim, através de um processo gradual. Estabeleceu-se, por isso, um período transitório de passagem do actual sistema do notariado, de natureza pública, para o sistema de exercício privado da profissão de notário, sem que haja lugar a rupturas que afectem estruturalmente o sistema.

A reforma vai concretizar-se, assim, de forma progressiva, durante um período de três anos, após a sua entrada em vigor. Durante o referido período transitório coexistirão dois sistemas distintos de notariado: o actualmente existente, em que o notário é funcionário público, e o novo, em que passa a ser, simultaneamente, profissional liberal e oficial público. Esta última vertente decorre da circunstância de o notário estar investido no poder de conferir fé pública, por o Estado nele o ter delegado, e determina que exerça as suas funções subordinado aos princípios da autonomia, da legalidade, da imparcialidade, da exclusividade e da livre escolha.
A dupla qualidade de profissional liberal e de oficial público, que o notário passa a assumir, condiciona a organização do novo modelo do notariado, na medida em que aquele fica agora subordinado à Ordem dos Notários, nos termos a definir no estatuto desta, e ao Ministro da Justiça e ao Director-Geral dos Registos e do Notariado, em tudo quanto respeite à fé pública notarial e à orientação e coordenação de todos os assuntos respeitantes ao notariado, nomeadamente no que concerne ao ingresso na função e atribuição do título de notário, licenciamento dos cartórios, fiscalização da actividade e jurisdição disciplinar, com excepção, naturalmente, das infracções resultantes da violação dos deveres para com a Ordem.
Após profunda reflexão, optou-se pelo princípio do numerus clausus, erigido à condição de uma das traves mestras do sistema. No novo sistema, o notário exercerá a sua função no quadro de uma profissão liberal, mas são-lhe atribuídas prerrogativas que o fazem participar da autoridade pública.
O Estado deve, por isso, controlar o exercício da actividade notarial, a fim de garantir a realização dos valores servidos pela fé pública, que ficariam necessariamente ameaçados, caso se consagrasse um sistema de livre estabelecimento do notário.
Não se trata, aliás, de solução inovadora, sabido como é que o mencionado princípio constitui uma pedra basilar do notariado latino e se mostra acolhido pelos ordenamentos dos países membros da União Europeia que gizaram os respectivos sistemas de notariado em torno deste modelo.
A reforma do notariado não deve ficar circunscrita ao presente estatuto, obviamente. De facto, este é condição necessária, mas não suficiente para a sua realização. É por isso que, em rigor, só pode falar-se em reforma do notariado se toda a estrutura jurídica que ela pressupõe estiver criada. Esta reforma constitui um processo original e muito complexo, que exige a regulamentação de um vasto e diversificado conjunto de matérias, envolvendo situações tantas vezes de difícil previsão, bem como um acompanhamento atento e constante.
Corporizam-na, por isso, um conjunto de diplomas, que serão constituídos por este estatuto, pelo Estatuto da Ordem dos Notários, pelo diploma que regula o licenciamento dos cartórios, pelo, Estatuto Disciplinar dos Notários, enquanto oficiais públicos, pela tabela dos emolumentos do notariado, e pelo Código do Notariado e diplomas avulsos, igualmente no pressuposto da privatização da função, para além do Regulamento do Fundo de Solidariedade Profissional.
Para além do que já se disse e prosseguindo na análise forçosamente resumida da proposta de lei, salientam-se, ainda, os seguintes aspectos.
Caracterizam-se tanto a natureza como as funções do notário, de acordo com a definição aprovada pela União do Notariado Latino (UINL).

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A intervenção do notário abrange a atestação de factos e de comportamentos juridicamente relevantes, que aquele devidamente comprove, não se confinando à acção conformadora e autenticadora no domínio dos negócios jurídicos.
Autoriza-se que o notário preste aconselhamento e apoio jurídico, contanto que directamente conexionados com os actos e negócios jurídicos que deva documentar, devendo, no entanto, conservar a equidistância relativamente a interesses particulares susceptíveis de conflituar e ficando-lhe vedado assessorar unicamente uma das partes do negócio jurídico, prevenindo-se, assim, a intrusão nos campos de actuação próprios de outras profissões jurídicas.
Regula-se o regime de substituição do notário por forma a garantir que este se processe com rigor e transparência, de modo a acautelar a dignidade do exercício da função, a evitar incertezas relativamente à responsabilidade do notário e dos seus colaboradores e, também, para protecção dos utentes.
Procede-se à enumeração, tão completa quanto possível, dos direitos e dos deveres do notário, decorrentes da vertente pública da função notarial.
Estabelece-se a organização do notariado, por um lado, consagrando-se que os notários, enquanto oficiais públicos, dependem hierarquicamente do Ministro da Justiça e do Director-Geral dos Registos e do Notariado e que, enquanto profissionais liberais, estão sujeitos à jurisdição da Ordem dos Notários.
Contempla-se, também, a organização dos cartórios notariais, relegando-se para diploma do Governo a matéria relativa ao licenciamento dos cartórios, no qual, além do mais, se consagram medidas tendentes a garantir a viabilidade económica dos mesmos, sobretudo dos situados em zonas de menor desenvolvimento social e económico, designadamente através da possibilidade de atribuição de mais de uma licença ao mesmo notário, sem prejuízo da intervenção do Fundo de Solidariedade Profissional, de acordo com o estabelecido no respectivo regulamento.
Regula-se o ingresso na função notarial, com a finalidade última de garantir que o referido título de notário seja atribuído somente a juristas que, além da formação de base facultada pela licenciatura, possuam os conhecimentos especializados necessários ao bom desempenho da função notarial.
Estabelece-se uma dupla jurisdição disciplinar, conferindo-se ao Ministro da Justiça e ao Director-Geral dos Registos e do Notariado a competência para instaurar procedimento disciplinar relativamente às infracções que resultem da quebra de alguns dos deveres a que o notário está sujeito enquanto oficial público.
De facto, o notário exerce, como já se disse, uma função pública, ainda que não seja funcionário ou agente da Administração Pública. Ora, os deveres decorrentes do exercício da referida função pública são-lhe impostos a fim de garantir a sua total dedicação à mesma, bem como 0 cumprimento dos deveres e o respeito pelos princípios por que deve pautar a sua actividade, isto é, visam proteger dos valores e interesses próprios daquela função, que o mesmo é dizer a protecção do interesse público.
Compreende-se, assim, que os notários, enquanto oficiais públicos, devam responder disciplinarmente em termos em tudo semelhantes aos estabelecidos para os funcionários e agentes da Administração Pública.
No que se refere aos ilícitos disciplinares, nascidos da violação dos deveres impostos somente para garantir a dignidade no exercício da profissão, já o foro competente para o seu conhecimento é, naturalmente, o da Ordem dos Notários.
Regula-se o regime transitório, durante o qual coexistirão os dois sistemas, editando-se as normas adequadas a uma transição sem sobressaltos, acautelando os direitos e expectativas legitimamente fundadas, quer dos actuais notários, quer dos oficias do notariado e estabelecendo-se as regras a que deve obedecer o processo de transformação dos cartórios existentes.
Manteve-se a permissão do exercício de funções notariais por órgãos especiais, por se ter entendido que, na actual conjuntura, a sua imediata extinção se revelaria prejudicial para o interesse público.
Esta é, de facto, uma reforma do notariado, visto que, aprovado o presente estatuto, pedra angular do novo sistema, vai ser possível iniciar, no curto prazo - e a vacatio legis será de três meses -, a transição para o novo modelo de exercício da profissão de notários, sem convulsões nem hiatos, por forma a que a actividade notarial continue a exercer-se normalmente, sem comprometer a realização da segurança jurídica, como exige o interesse público.
Não foi possível andar mais depressa, como se desejaria. A isso obstaram a necessidade de proceder a um rigoroso e completo levantamento da situação, ao estudo cuidadoso da realidade que se pretende transformar, à ponderação das consequências da reforma nos mais diversos domínios, à audição das entidades e dos organismos por ela afectados, directa ou indirectamente, e, finalmente, à extensa e variada produção legislativa, que uma reforma com a dimensão e as implicações de que esta se reveste vai exige.
Diga-se, contudo, que o tempo despendido para empreender uma reforma desta dimensão, responsavelmente e com sentido de Estado, não foi excessivo. Julgamos ter dado um passo decisivo para a modernização de uma actividade de grande impacto na vida contratual e que terá reflexos positivos na desburocratização da vida dos cidadãos e das empresas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maria Eduarda Azevedo, António Brochado Pedras e Guilherme Silva.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da. Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Justiça, como todos sabemos, é um profissional do foro com uma grande experiência. No entanto, nestes últimos quatro anos, e dadas as circunstâncias conhecidas, desabituou-se dessa prática e adquiriu o tique de todos os governantes, que é o de tomar a excepção pela regra.
O Sr. Ministro contrapôs à exposição que eu fiz a tal excepção, que parece que quer tomar como regra, de já haver largas dezenas de cartórios a funcionarem bem. Não digo que não, não contesto, mas, porventura, os que funcionam bem são os que, por força das circunstâncias, não têm trabalho ou têm menos movimento. Esses, sim, admito que funcionem bem ou, pelo menos, melhor.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso não é uma interpelação à Mesa, tendo passado à frente dos Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos e estão em primeiro lugar.
Tenha paciência, mas peço-lhe que conclua rapidamente!

O Orador: - De qualquer forma, Sr. Presidente, eu permitia-me aconselhar o Sr. Ministro, salvo o devido respeito, a dar uma volta pelos notários de Lisboa e do Porto, para ver em que condições é que funcionam, sob as regras, inadequadas e absurdas, de funcionamento que lhes são impostas pelo Ministério da Justiça, ou seja, a falta de condições que lhes são impostas pelo Ministério da Justiça.

O Sr. Presidente: - A figura da interpelação à Mesa é para ser exercida sobre o funcionamento dos trabalhos e não dos notários...

Risos.

Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, depois de o ouvir, com muita atenção, só tenho uma pergunta a fazer-lhe. Foi para fazer esta proposta de liberalização do notariado português que o Governo precisou de quase quatro anos, uma proposta que não responde às exigências de eficácia e eficiência que são requeridas pelos cidadãos, pelos agentes económicos, uma proposta que não serve o povo português, que concita a oposição dos notários?! Sr. Ministro, é obra!
Sr. Ministro, assuma a inoperância do trabalho que realizou, a sua falta de qualidade, mas, por amor de Deus, não responsabilize terceiros, porque a irresponsabilidade que há aqui é integralmente sua, é pessoal.
Já agora, Sr. Ministro, assuma também algo que não disse, mas que eu me permito, como todos nós, imaginar o que lhe ia na mente. O Sr. Ministro, propositadamente, ditou esta demora, porque ela é-lhe confortável. De facto, há uma coisa que o Sr. Ministro não queria, de maneira alguma: era estar por detrás da implementação desta reforma! O Sr. Ministro associa a cara e o nome ao show off, à apresentação da proposta, e, depois, outrem, que não o senhor, será o responsável pela sua implementação.
Mas fique descansado que o seu nome ficará na história do notariado português, o senhor e esta proposta. Sabe porquê? Porque a história do notariado português tinha até agora um momento negro mas, a partir de agora, com esta sua proposta e consigo, tem um segundo momento negro. O primeiro foi a nacionalização de Salazar; o segundo momento é a sua proposta, a proposta do Governo do Eng.º Guterres.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, havendo mais oradores inscritos, pretende responder de imediato ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro da Justiça: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, tenho duas questões a colocar a V. Ex.ª, sendo que a primeira se prende com a vontade política de o Governo levar por diante estas propostas de lei que apresentou à Assembleia, uma vez que tenho motivos sérios para duvidar que haja essa intenção por parte do Governo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A segunda prende-se com uma questão que julgo ser absolutamente contraditória na proposta de lei sobre o estatuto dos notários e que mina completamente a credibilidade da proposta.
Quanto à primeira, quero dizer-lhe que toda a gente sabe que a questão da liberalização dos notários é iminentemente política, não é tanto técnica, é sobretudo política e, como tal, envolve responsabilidade igualmente política.
O sistema administrativo que vigora em Portugal está em extinção em todo o lado, não se verifica em quase país nenhum algo semelhante ao que se passa aqui. Fazer do notário um funcionário público, sem independência, sem autonomia, é algo realmente aberrante.
Não se percebe, pois, como é que países do leste europeu que, com a queda do Muro de Berlim, em pouco tempo aboliram o sistema administrativo que tinham e implementaram uma liberalização dos notários, seguindo o modelo latino - lembro os casos da Albânia, da Croácia, da Eslováquia, das Repúblicas Checa, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Roménia e Rússia -, e, 25 anos passados sobre o 25 de Abril, ainda não se tenha ainda levado a cabo a liberalização dos notários! Como é que isto se explica?!
Este Governo também tem responsabilidade. O governo anterior, o XII, inscreveu no seu Programa a liberalização dos notários, em 1991, e apesar de tardiamente, em 1995, apresentou um pedido de autorização a esta Assembleia. A Assembleia concedeu-lha e, na sequência dessa autorização, elaborou um decreto-lei, que só não foi publicado porque o Sr. Presidente da República não o promulgou. Portanto, embora tardiamente, não se lhe pode assacar essa responsabilidade.
Este Governo inscreveu igualmente no seu Programa a liberalização dos notários e anunciou até a transição progressiva e gradual para o notariado latino como uma sua ambição. No entanto, só agora, no fim da Legislatura, é que a apresenta, e com uma diferença assinalável em relação ao governo anterior: é que isso foi feito numa época em que já não é possível discutir na especialidade o diploma. Não há vontade política em tratar desta questão e eu diria até que há muita hipocrisia, há falta de coragem.
V. Ex.ª vai ficar na história como o Ministro da Justiça que falhou na sua actuação, não apenas neste aspecto mas em tudo o resto, por uma falta enorme de coragem. Não fez as reformas que o País carecia.
Sr. Ministro da Justiça, o País precisa desta reforma, vive intranquilo, e não são apenas centenas de notários, são milhares de funcionários, são também aqueles candidatos que querem seguir a carreira de notário e que vêem apenas abrirem-se 60 vagas na Universidade de Coimbra, quando o País carece urgentemente de muitas vagas para notários. Aliás, quando o sistema for implementado, vão criar-se, certamente, muitas vagas pois, por outro lado, muitos notários vão aposentar-se.

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Sr. Ministro, esta intranquilidade não pode continuar e o seu Governo vai ficar na história como responsável pelo adiamento desta reforma que é inadiável.
Mas, para além disso, há uma outra questão fundamental que a proposta de lei do Governo também não conseguiu resolver: é que, para se liberalizarem os notários, é preciso acabar de vez com a subordinação hierárquica dos notários em relação ao Ministério de V. Ex.ª. E o que é que se preconiza na proposta de lei? Preconiza-se que os notários continuem a ser responsáveis hierarquicamente perante V. Ex.ª ou perante a Director-Geral dos Registos e Notariado. Ora, isto é inadmissível!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, porque esgotou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sem independência, sem autonomia, não há reforma liberal para os notários. Isto é algo que é um contra-senso! Isto é uma monstruosidade! Isto é aberrante! E é em nome disto que eu interrogo V. Ex.ª: está, de facto, convencido que vai liberalizar os notários, quando, no fundo, eles, para além de terem de arcar agora com os encargos económicos de sustentar o cartório, ainda vão ter de ficar sujeitos à disciplina do Ministério da Justiça? Que liberalização é esta, Sr. Ministro?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, ainda tem mais dois pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou responde no final?

O Sr. Ministro da Justiça: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva para pedir esclarecimentos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a sua presença neste encerrar de legislatura consubstancia-se na síntese do que tem sido o seu desempenho como Ministro, ou seja, um Ministro que não o foi, as soluções que não deu e as reformas que não fez.
O Sr. Ministro e os seus colegas de Governo, quando têm empenho e urgência numa solução no âmbito do Parlamento, conseguem, através do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o agendamento atempado das propostas de lei do Governo. Só que aqui V. Ex.ª atrasou o envio das propostas de lei do Governo nesta matéria. Como não quer a reforma, desta vez meteu uma «cunha» ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares para agendar as respectivas propostas o mais tarde possível, para não haver hipótese de discussão na especialidade, e ele cumpriu esse pedido, que, aliás, vem na sequência da posição socialista: os socialistas não querem a liberalização do notariado.
O que o Dr. Mário Soares fez ao vetar politicamente o decreto-lei do governo anterior, que tinha a verdadeira e a correcta reforma do notariado, a liberalização do notariado, e esta é a confirmação que os socialistas não querem a liberalização do notariado. V. Ex.ª está apenas a dar continuidade àquilo que é a identificação do seu partido nesta matéria.
Mas o que lhe quero perguntar, Sr. Ministro, é se V. Ex.ª vai sair daqui a dizer que a reforma do notariado não se fez por culpa do Parlamento ou se vai assumir que este Governo atrasou intencionalmente o envio destas propostas de lei, em termos de não viabilizar a sua discussão no Parlamento a tempo de ser aprovada não a sua versão mas outras. E, mais: vai assumir a responsabilidade de nos ter enganado a todos, em particular o Partido Social Democrata, que, há muito tempo, apresentou aqui um projecto de lei de liberalização do notariado, que jaz na 1.º Comissão, com a promessa constante dos seus companheiros de partido que ia vir uma reforma da autoria do Governo?
A reforma do Governo vem hoje, no penúltimo dia de trabalhos parlamentares, para não ser reforma, para deixar a marca de V. Ex.ª e do seu Ministério: é um não Ministro, uma não solução e uma não reforma.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro para responder, quero anunciar que tivemos a assistir à sessão um grupo de 50 pessoas do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado de Lisboa, a maior parte dos quais ainda se encontra presente, e um grupo de 14 alunos da Escola Profissional Bento Jesus Caraça do Barreiro, para os quais peço a vossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, é para, através de V. Ex.ª, informar os Srs. Deputados que não participam na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, designadamente o Sr. Deputado Guilherme Silva, que os agendamentos destas duas últimas semanas de trabalhos sofreram diversas vicissitudes, que V. Ex.ª tinha obrigação de conhecer bem, porque sucessivamente foram inviabilizados os trabalhos às terças-feiras devido aos sucessivos adiamentos de umas jornadas parlamentares de um dos grupos parlamentares, e V. Ex.ª não ignorará, com certeza, qual é o grupo parlamentar a que me estou a referir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estando as jornadas marcadas para a segunda e terça-feira da semana passada, não se puderam fazer agendamentos para então, tendo-se feito para ontem; depois, como foram mudadas as jornadas parlamentares, os agendamentos tiveram de «derrapar» e já não puderam ser antecipados para a semana anterior.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Isso é muito importante!

O Orador: - É apenas por essa razão que estamos a discutir estes diplomas hoje e não noutro dia.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas espero que se cinja também o mais possível à figura.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para registar que, no atraso de quatro anos, o Sr. Ministro confessa que apenas uma semana é por culpa do Parlamento.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não falei no Parlamento!

O Sr. Presidente: - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou responder primeiro à Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, porque, porventura, foi a intervenção mais interessante, sem menosprezo para os outros Deputados questionantes.
V. Ex.ª também ficou ligada à história do notariado! Vou dizer-lhe porquê. É que V. Ex.ª - constava na altura, mas desmentirá se assim não foi - foi para o Governo com a missão específica de fazer não só a reforma do notariado mas de todo o sistema de registos e notariado.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - Quando cheguei ao Ministério, pensei: «Isto está muito facilitado, porque esteve aqui uma Secretária de Estado, durante uns anos, só para este efeito e, portanto, isto há-de estar feito e acabado». Lembrava-me, entretanto, que nas últimas semanas da legislatura tinha aqui aparecido o Sr. Ministro Laborinho Lúcio, que tirou da gaveta à pressa, sem que tivéssemos conhecimento de quase nada, uma lei de autorização legislativa para fazer a dita reforma do notariado.
Mas, quando cheguei ao Ministério, sabe qual foi uma das primeiras preocupações que tive, Sr.ª Deputada? Foi mandar procurar e vasculhar as gavetas, os armários e tudo o que lá havia, para ver onde é que estava o resto da reforma do notariado, porque havia de lá estar, assim como tudo o que dizia respeito aos licenciamentos, ao estudo sobre o regime transitório, enfim, um conjunto de coisas altamente complexas. Fazer uma norma sobre o Estatuto do Notariado é simples; difícil é, depois, toda a problemática que se põe quanto aos regimes transitórios, licenciamento, honorários, ao fim e ao cabo, o desenvolvimento do Estatuto do Notariado. Quanto a isso, nada! Zero!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É conversa!

O Orador: - Não havia nada! As gavetas estavam vazias de reforma do notariado!

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Estava lá tudo, ficou com o seu Chefe de Gabinete, Sr. Ministro!

O Orador: - Mas não foi por isso que V. Ex.ª deixou o seu nome ligado ao notariado. É que V. Ex.ª fez uma grande reforma, o chamado notário pivot! Ainda hoje, quando se fala aos Srs. Notários do notário pivot, eles começam a rir-se e dizem: «Mas onde é que está o notário pivot? Não existe!» Mas V. Ex.ª andou anos a falar do notário pivot e da grande importância do notário pivot. Eu, pivot, só conhecia como mais natural o pivot dos dentistas e V. Ex.ª partiu os dentes com essa reforma do notariado pivot!
Efectivamente, essa reforma ficou no Ministério da Justiça como uma reforma hilariante, porque nunca existiu qualquer notário pivot e foi essa a grande reforma que V. Ex.ª levou a cabo.
V. Ex.ª dir-me-á que os papéis, para além do Estatuto do Notariado, estão lá no Ministério e, portanto, devíamos ter preparado a reforma. Então, convido V.Ex.ª a ir lá, porque, realmente, desapareceram na noite dos tempos.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Ficou lá tudo!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado António Brochado Pedras, devo dizer que já se tornou aqui habitual o seu tipo de intervenção, que não é muito agradável, não digo de ouvir, mas porque não diz nada.
V. Ex.ª questiona o modelo da reforma. O modelo da reforma é o modelo espanhol,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ultrapassadíssimo!

O Orador: - ... é o modelo alemão, são os modelos mais generalizados na Europa, porque não podemos ir para um notariado simplesmente privado, sobretudo sabendo e V. Ex.ª tinha obrigação de o saber - que as ordens, muitas vezes, não exercem a disciplina, por falta de meios e até por outras coisas...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É o modelo franquista!

O Orador: - Não! Não é o modelo franquista, Sr. Deputado! Não é modelo franquista, nem é modelo de Estado regional. Não é nem uma coisa nem outra!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Antes fosse! Era muito mais eficaz!

O Orador: - Também há aí uns modelos de Estados regionais para o notariado, mas este não é um modelo desses!
São duas concepções diferentes, Sr. Deputado, mas não merecem a violência que V. Ex.ª usa ultimamente nas suas intervenções. Não merecem! São duas concepções igualmente legítimas e justificadas.
Entendo que se justifica, sobretudo nos primeiros anos de uma reforma, alguma cautela. Não digo que ao fim de uns anos, já integrados, digamos, na sua ordem, já com a sua ordem a funcionar, já com uma certa tradição disciplinar, não possamos ir alargando o modelo liberal, mas eu, sinceramente, tenho medo do modelo liberal à partida. Sinceramente, tenho medo, porque o notário não é um profissional liberal pura e simplesmente, é um oficial público, pode não cumprir a lei, pode fazer muitas coisas em que o Ministério da Justiça e o Governo tem de ter uma intervenção.
São concepções diferentes, uma é a nossa e outra a vossa, mas não vale a pena é tirarmos daqui uma arma caçadeira para atirar não se sabe bem a quem!
No que diz respeito ao Sr. Deputado Guilherme Silva, não sei de agendamentos. Quem sabe de agendamentos, e já explicou, é o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Uma semana!...

O Orador: - Não estou a ouvir a intervenção do Sr. Deputado! Deve ser brilhantíssima, mas não a estou a ouvir!

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Está a dizer que 4 são mais do que 10 anos!

O Orador: - Ah, sim!... É que VV. Ex.ªs demoraram 10 e nós demorámos 4 anos para fazer qualquer coisa! Está bem!... Ah, VV. Ex.ªs fizeram o notário pivot, estava a esquecer-me disso! Essa foi a grande reforma que eu encontrei no Ministério a respeito do notariado.
O Sr. Deputado Guilherme Silva faz processos de intenção. Também já é usual! Aliás, a escola de V. Ex.ª está bem patente nas suas intervenções. Está bem patente... É a escola regional!
Sr. Deputado Guilherme Silva, a proposta está apresentada, estamos a discuti-la...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, esgotou o seu tempo, agradeço que termine.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Naturalmente, pode não haver tempo,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-P): - Fizemos aqui um desafio!

O Orador: - ... mas vou dizer-lhe uma coisa: ao contrário do seu governo, temos tudo preparado para, a partir de Outubro, pôr no terreno a reforma. E ainda vou procurar, com a ajuda da Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, tudo o resto que devia estar no Ministério e não está.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, porque o Sr. Ministro falou em dentista, deixe-me dizer-lhe: tenha cuidado, porque, com graças como esta, ainda lhe caem os dentes a si! Mas deixe-me também que lhe diga que V. Ex.ª chegou ao Ministério e esqueceu-se de ver onde estavam as coisas, ou seja, nos arquivos vivos e não no arquivo morto, e de perguntar a pessoas que tinham estado antes, nomeadamente ao seu Chefe de Gabinete, a quem entreguei em mão todos os trabalhos preliminares. Mas, Sr. Ministro, é tarde! Como diz o povo: «É tarde! Inês é morta!». Vamos ao assunto.
Hoje, finalmente, a Assembleia da República discute a versão do Governo sobre a liberalização do notariado português.
Este Governo, através do seu Ministro da Justiça, começou por criar uma «comissão de sábios», que incumbiu de criar o «esqueleto» do novo notariado português liberalizado. Nessa fase, afirmou apostar na competência e na isenção, mas foi «sol de pouca dura». Pouco depois, lá estava o mesmo Ministro da Justiça a substituir essa comissão por um grupo de trabalho de funcionários dos registos e do notariado, entregando, afinal, ao director-geral do sector o que negara aos seus Secretários de Estado: a competência para acompanhar mais esta reforma do século, procurando imprimir celeridade a tal tarefa e responsabilizando-se pela sua conclusão em tempo útil.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Também, já não era sem tempo!

A Oradora: - Com essa mudança de actores o Governo mais não fez do que lançar mão do seu tradicional expediente: fazer crer aos portugueses, cidadãos e empresas, que mantinha viva a chama da liberalização do notariado português.
No entanto, sem nunca ter erigido a reforma do notariado português como a «sua paixão», o Ministro da Justiça, certamente porque mais selectivo, encetou na prática todo este processo com o mero intuito de «cumprir campeonato» e, sobretudo, de ganhar tempo.
Daí que tenha sido concebida uma estratégia em que ganhar tempo se tornou o objectivo nuclear, a palavra de ordem, a preocupação suprema. Assim, com este lema e a perversão que lhe subjaz, o projecto de liberalização do notariado português não podia deixar de estar inevitavelmente condenado ao fracasso pelo seu esperado e desejado adiamento.
Mas ganhar tempo porquê? Porque o Governo hesitava entre o interesse nacional e o interesse de certos lobbies que não queria contrariar. Porque hesitava entre o modelo de notariado que interessa a Portugal e radica, aliás, nas suas tradições históricas, culturais, sociais e jurídicas, e o modelo que certos lobbies defendiam no seu específico interesse de classe.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Prisioneiro dessa proverbial hesitação a que este Governo nos habituou e elegendo uma vez mais a não decisão como fuga para a frente, o actual Ministro da Justiça - cumpre igualmente reconhecê-lo - nunca quis ser o implementador do projecto, bastava-lhe que todos o associassem ao projecto, bastava-lhe que todos o associassem, emprestando-lhe uma vontade e uma determinação que realmente nunca teve e não tem.
Por isso, a apresentação da «obra» do Governo só hoje, a três escassos meses do termo da Legislatura e após o Executivo ter desbaratado tempo, agindo com ineficácia e, sobretudo, sem uma vontade genuína, não é mero fruto do acaso. É que, após promessas de «está para breve», o Governo jogou dolosamente com o termo da Legislatura para imputar ao Parlamento e à oposição o ónus de uma não aprovação desta reforma em tempo útil e, assim, autodesculpabiliza a sua inoperância e não arca com as dificuldades nem gere as susceptibilidades que naturalmente emergem da implementação desta reforma.
Neste cenário, face aos tradicionais «vilões», lá estaria o Governo a vestir de novo a já surrada farpela da vítima inocente às mãos de uma oposição sem sentido de Estado e, com um ar entre o compungido e o justiceiro, a bradar que cada um deve assumir as suas responsabilidades, atacando para defender a sua própria inépcia e irresponsabilidade.
No fundo, com tal postura, o Governo socialista quer proteger-se, mas quer também proteger o Sr. Presidente da República, evitando-lhe a impopularidade de uma não promulgação. Previne que, com uma aprovação tão extemporânea, o actual Presidente da República, então sim, com efectiva propriedade ao invés do seu antecessor, ache ser seu dever «vir a terreiro» e se sinta obrigado a não promulgar o diploma para não condicionar o futuro Governo.
Neste contexto, está provado que o Governo não hesitou em lançar mão de um expediente matreiro e habilidoso, provavelmente próprio de uma «república das bana-

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nas». Mas, porque Portugal não é, de facto, uma «república das bananas», é dever do PSD esclarecer o povo português sobre este embuste.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Se porventura este projecto que o Governo nos apresenta fosse aprovado sem alterações fundamentais, certamente nem corporizaria ainda o momento do notariado português retomar o prestígio internacional de outrora nem criaria a possibilidade de nele introduzir as mutações estruturais de que carece, contribuindo assim para a sua credibilização e favorecendo a função social e jurídica da actividade notarial. Prestígio que, tendo sido seu apanágio no seio da grande família do notariado latino, graças ao excelente nível dos profissionais do sector, encontraria na liberalização uma consagração inequívoca e oficial. Mutações estruturais que todos os cidadãos e agentes económicos não cessam de requerer a bem do reforço da vitalidade da vida económica, contribuindo para a criação de um ambiente institucional favorável ao desenvolvimento empresarial e empreendedor e capaz de evitar que, pela crónica lentidão destes serviços, o investimento estrangeiro seja dissuadido de procurar o nosso país.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Com uma verdadeira liberalização do notariado criar-se-iam condições para assegurar um serviço melhorado, em qualidade, celeridade, eficácia e eficiência, susceptível de combater a burocracia inútil e de responder às necessidades dos cidadãos e das empresas.
Ora, a liberalização que este Governo nos oferece é uma pura mistificação. É que liberalizar colide com a sobrevivência de uma Direcção-Geral dos Registos e Notariado, dotada das velhas competências próprias de uma actividade notarial funcionarizada, desde a subordinação hierárquica à fiscalização, passando pela vertente disciplinar.
Assim, manter uma Direcção-Geral dos Registos e do Notariado no contexto da liberalização do notariado é, afinal, a verdadeira quadratura do círculo em que todos perdem; numa palavra, é não perceber a evolução da História e teimar em continuar a fazer de Portugal um exemplo quase pré-histórico, onde podem ainda encontrar-se reminiscências de um modelo notarial que os outros países, mesmo os do Centro e Leste Europeu, avisadamente já recusaram.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Já não é só em África!

A Oradora: - E não se diga que tal coabitação é forçada pela fé pública e porque os notários dela são delegatários. Então, qual o significado, a importância e a credibilidade que o Governo atribui à proposta relativa à Ordem dos Notários?
Privada do exercício de poderes de auto-regulamentação e de fiscalização sobre a actividade notarial e disciplinares sobre os notários, a Ordem dos Notários é, para este Governo, um mero «verbo de encher». Governo que, com semelhante proposta, impediria, afinal, um relacionamento institucional saudável e frutuoso, alicerçado na solidariedade e cooperação com aquela que seria a instituição representativa dos notários portugueses.
Desconfiando desta Ordem, menorizando-a e humilhando-a, o Governo com esta proposta irresponsável habilitar-se-ia a ser não o campeão do diálogo, mas sim o campeão da cizânia, prejudicando o povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com esta proposta, temos uma coisa certa: compreendia-se que a liberalização do notariado não fosse uma paixão do Ministro da Justiça, mas o que já não se compreende, não é tolerável e não é suportável é que o Ministro da Justiça, que deu cobertura à degradação incontrolada do sector da Justiça, não tenha tido a sabedoria de acompanhar a saída e o exemplo do seu ex-colega Veiga Simão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Perante esta Câmara, deixe-me dizer-lhe que o senhor foi o Ministro da Justiça que nunca existiu.
Neste final de Legislatura e de mandato desejo-lhe as maiores felicidades noutras funções profissionais ou políticas, pois, como Ministro da Justiça, o senhor não deixa nem obra nem saudade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A reforma do notariado assume especial relevância no contexto actual da modernização da Administração Pública.
Entendeu o Governo, e bem, a nosso ver, agir com a máxima precaução, de forma a que a concretização desta reforma possa ser realizada com a máxima cautela e no respeito de todas as entidades envolvidas, nomeadamente dos notários e seus funcionários.
Na União Europeia, a actividade notarial é considerada como independente e com o estatuto de profissão liberal que abrange todas as actividades jurídico-privadas que não sejam de carácter contencioso. O modelo português constitui, pois, uma excepção, sendo certo que o notariado português foi nacionalizado por Salazar na década de 50, que o funcionalizou, esvaziando-o das características próprias que sempre tinha tido até aí. A independência e a filosofia próprias do notariado português foram assim postas em causa e alteradas pelo ditador, sendo que tal se deveu a motivações políticas, com vista a assegurar o seu controlo e dependência do poder político. O notário passou, assim, com o Estado Novo, a ser um funcionário público integrado pelo Estado, através de uma carreira própria e hierárquica, dependente do poder.
Não obstante - e há que dizê-lo -, mantiveram-se duas características do antigo estatuto do notariado como membro de uma profissão liberal: a livre escolha do notário pelas partes e a sua remuneração parcial com os emolumentos recebidos pelo Ministério da Justiça.
Pesem embora as limitações de tempo decorrentes do .terminus da actual Legislatura, há que garantir a criação das condições necessárias para a concretização desta importante reforma.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O actual sistema notarial é aberrante e mesmo desfasado da tradição portuguesa, a sua incompatibilidade com as exigências práticas dos cidadãos e das empresas é, hoje, incontornável.
Esta reforma é também política e não meramente técnica, por isso mesmo há que assumir, com frontalidade, as opções enunciadas pelo Governo. Assumimos desde sempre que a transição para o notariado latino privado deva ser progressiva, de modo a evitar quaisquer perturbações no actual sistema, o que implica a realização de um diálogo aprofundado com os notários e oficiais notariais que assegure esse mesmo processo gradual, com ganhos de eficácia, sem diminuição de garantias e integrada na via da desburocratização e simplificação da vida negociai dos cidadãos e das empresas. A observância deste procedimento é para nós fundamental e determinante, ainda que muitas vezes possa ser menos bem compreendido.
Como já referi, esta reforma só é viável se for também assumida pelos respectivos responsáveis e intervenientes. Discordamos em absoluto daqueles que se propõem fazer reformas através de meros anúncios de princípios gerais mas sem qualquer possibilidade de execução prática. São os mesmos que utilizaram o poder para impor soluções e conceitos, desadequados e desacertados, cujos efeitos acabaram por agravar situações já de si difíceis e delicadas. Reformas anunciadas por decreto, e ainda por cima por simples oportunidade política, e posterior regulamentação, é algo que não aceitaremos e não seguiremos em qualquer circunstância!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Querem regulamentar os diplomas da Assembleia?!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A complexidade da presente reforma tem diversas vertentes, a que não será alheio 0 facto de ser a primeira vez que, em Portugal, uma profissão muda completamente o seu estatuto, passando do funcionalismo público para um regime de profissão liberal.
A realização do mercado interior, e mais concretamente a aplicação das disposições do Tratado da União Europeia em áreas como as do livre estabelecimento e da livre prestação de serviços, tem provocado uma maior mobilidade dos sujeitos jurídicos e um aumento do intercâmbio de títulos, actos e contratos, o que tem determinado em todos os países da União um acréscimo da actividade notarial.
A profissão de notário, tal como está organizada no nosso país, é caracterizada, no fundamental, por uma série de elementos praticamente comuns a todos os países da União, de que se destacam a delegação parcial da soberania do Estado para assegurar o serviço público de autenticação; a consideração de que o notário exerce um cargo de natureza pública, em vista dos actos que pratica no quadro de uma profissão liberal, com excepção do caso português e de um dos Estados federais alemães, para além do caso particular do Reino Unido, mas sempre submetido ao controlo do Estado ou do órgão estatuário por aquele designado.
Aliás, é precisamente esta delegação parcial dos poderes do Estado, como elemento inerente ao exercício da profissão de notário, que impede a aplicação a estes das disposições comunitárias relativas ao livre estabelecimento e à livre prestação de serviços.
Em suma, na generalidade dos países europeus, a actividade notarial é caracterizada por uma actividade independente, exercida no quadro de uma profissão liberal, que abrange todas as actividades jurídico-privadas que não sejam de carácter contencioso, em particular as relativas à assessoria ou assistência a clientes ou à redacção de documentos privados.
Em qualquer caso, e independentemente dos caminhos e das opções tomadas no âmbito da presente reforma, o notário, tal como na generalidade dos países da União Europeia, exerce e exercerá funções de natureza pública, uma vez que o Estado o fez depositário da fé pública. O notário está, assim, submetido ao controlo do Estado em tudo aquilo que se refere ao cumprimento dos requisitos do acto notarial, do acesso à profissão e da organização desta, especialmente mediante a existência praticamente generalizada de um «numerus clausus», a que já aludimos, da fixação de tabelas de honorários, da exigência de especiais condições e requisitos para o exercício da profissão e de normas disciplinares estritas e mesmo mediante o estabelecimento de um quadro legal de responsabilidade civil e criminal.
E se agora salientamos estes aspectos e os situamos em relação aos diversos países da União Europeia, fazemo-lo para alertar, primeiro, e denunciar, depois, aqueles que, por meras razões de oportunismo político, avançam com pretensas soluções que apenas o são no papel e no discurso, com o único objectivo de se colocarem sempre à frente, mas sem outro objectivo que não esse. São os mesmos que, perante os problemas e os desafios que se colocam no âmbito desta reforma, remetem tudo para posterior regulamentação. É a política do «depois, logo se vê!»
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A liberalização do notariado português é desejável, porque absolutamente necessária.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ora essa!

O Orador: - Aliás, o caminho percorrido permite-nos concluir que tal objectivo é hoje perfeitamente consensual, nomeadamente no meio profissional, bem como no tecido social.
Na verdade, é fundamental no momento actual conciliar a tradição histórica nacional, interrompida de forma abrupta pela ditadura, com a funcionarização do notariado nos anos 50, com os demais países, nomeadamente os da União Europeia. Por certo que este objectivo pode ser servido por diversos modos.
Naturalmente, não ignoramos nem descuramos as diferentes opções quanto aos termos para implementar a liberalização notariado, como também não desconhecemos que, sejam quais forem opções tomadas, a complexidade desta tarefa será sempre um facto, não obstante o notariado liberal sempre ter existido no nosso país até ao final da década de 40.
Estão, pois, a nosso ver, criadas as condições para avançar de forma segura e tranquila com tão importante reforma, sem prejuízo, repetimos, da obtenção dos consensos necessários para a sua rápida implementação e concretização.
Importa também salientar que a reforma do notariado não pode, a qualquer título, e por qualquer razão ou motivação, pôr em causa os direitos ou as expectativas legitimamente fundadas dos funcionários por ela abrangidos,

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isto em obediência ao princípio da confiança inscrito no princípio do Estado de direito democrático, contemplado no artigo 2.º da Constituição.
Os direitos de tais trabalhadores, que, aqui e agora, reafirmamos, não podem, em circunstância alguma, ser postos em causa. Por isso mesmo nos congratulamos com as soluções propostas para a regulação da transferência e o regime remuneratório dos funcionários que não adiram ao novo sistema, bem como aqueles outros que possibilitam a aposentação antecipada de determinados funcionários.
Com certeza que o desenvolvimento deste processo vai permitir ainda consensualizar novas soluções e propostas que, decerto, irão permitir melhorar ainda mais aquelas agora avançadas. Contrariamente a outros que entendem que as deficiências e os problemas que caracterizam a actividade notarial são imputáveis aos respectivos notários e funcionários, é nosso entendimento - e queremos frisá-lo, de forma bem clara - que tal acusação é absolutamente gratuita e injusta. Não são os funcionários que devem ser mudados, é antes a funcionarização do notariado que, de alguma forma, está em crise, cuja manutenção não tem hoje justificação, sendo que, tal como já se deixou dito, esta não é, e nunca foi, a tradição portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, termino como comecei: a reforma do notariado só faz sentido no âmbito de uma reforma mais vasta, como é aquela que está a acontecer na Administração Pública. A Administração Pública não existe para se servir dos cidadãos, considerando-os como meros utentes apenas com deveres mas sem direitos. Pelo contrário, a Administração tem no serviço que presta aos cidadãos a sua razão de ser e de existir. Definimos os problemas, estudamos as diversas medidas e soluções, e decidimos, sem rupturas desnecessárias, mas com decisões firmes, porque devidamente consensualizadas.
É verdade que há ainda muito a fazer, e que muitos e graves problemas continuam a existir - não o negamos -, mas o que é um facto é que estamos a lutar, e com resultados, contra esse estado de coisas que muitos, até há algum tempo, consideravam irreversível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, uma primeira questão, porventura sobre matéria de intendência, mas nem por isso de somenos importância, por reveladora da atenção e do cuidado que este Ministro da Justiça dedica à função notarial e ao notariado português: sugeria-lhe que fizesse uma pequena ronda por alguns notários e constatasse, por exemplo, que o Sr. Ministro da Justiça distribui software pelos cartórios cujos computadores não têm capacidade para que neles seja instalado.
Um pequeno pormenor: sabia, por exemplo, que os telefones dos cartórios são pagos pelo próprio cartório, mas que é a Direcção-Geral que fixa o plafond mensal de chamadas que cada cartório pode fazer, que se esgota ao fim de 15 dias, e que os próprios funcionários, através dos seus telemóveis, fazem contactos para os cidadãos quando querem responder a uma marcação de escritura ou quando querem contactar um qualquer cidadão para efeitos de serviço?
Sabia, por exemplo, que há cartórios que estão à espera há três anos que o Ministério da Justiça lhes dê autorização para fazerem obras naqueles barracões decadentes onde estão instalados?
Sabia, por exemplo, que os concursos para escriturários nos cartórios estão a ficar desertos por causa da instabilidade que se instaurou no notariado? Sabe porquê?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso é por falarem na privatização!

O Orador: - Sr.ª Deputada, depois, quando intervier, se a sua intervenção merecer pedidos de esclarecimento meus, lá irei!...
Governo conseguiu o efeito notável, como o Sr. Deputado bem disse, de programar a transição progressiva para o notariado latino, sem lançar perturbações. Prometeu isto e obteve o efeito notável de não conseguir a transição mas conseguir as perturbações.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E bem!

O Orador: - Não conseguiu a transição, como sabemos, mas conseguiu as perturbações quanto à expectativa nas carreiras dos oficiais e dos notários e conseguiu também a perturbação na vida dos cidadãos e das empresas que todos os dias têm de recorrer aos notários. É uma obra «notável», um feito histórico, ou seja, não fazer uma reforma e conseguir lograr obter as desvantagens da não reforma.
Por último, Sr. Deputado, aquando da minha intervenção lancei um desafio aos restantes partidos - excepção feita ao Partido Comunista que se pôs de fora, e de fora ficará -, ..

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pôs-se de fora e bem!!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não seja parvo!

O Orador: - ... mas que não foi respondido por si ou pelo Partido Socialista. O que é importante que aqui fique dito, ou sim ou não, é se o Partido Socialista está disponível para aceitar que a Assembleia continue a trabalhar nestes projectos, na especialidade, aproveitando também o contributo do PSD, uma vez que já foi aprovado na generalidade, de forma a que, na próxima legislatura, haja um compromisso político de todos os partidos, excluindo o Partido Comunista, no sentido de que se reapresente um projecto de lei definitivo e objecto de um consenso alargado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O seu único lamento é terem tirado de lá a fotografia do Américo Thomaz!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, há um exercício que temos de fazer neste debate. Esse exercício parte do pressuposto de que temos de ser sérios; se queremos efectuar este debate e assumi-lo de uma forma séria e com consequências, temos de ter seriedade. Deixe-me dizer-lhe que, para mim, o propósito desta reforma não é «os bons e os maus»! Não há aqueles que são bons porque são a

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favor da reforma e outros que são maus porque são contra. Tenho muito respeito pelas questões e pela posição daqueles que se opõem à privatização de uma forma séria e com argumentos, que quero analisar, e analiso todos os dias. E quero dizer-lhe, com muita franqueza, que este não é um debate entre «os bons e os maus» - estamos a falar da situação de notários! Mas quem o ouve, dizendo que os notários funcionam mal, que os notários têm deficiências, fica com a ideia de que tudo isso começou em 1995 ! ...

Protestos do PSD.

Estes senhores já estão exaltados! 1á comecei a falar de alguma coisa que vai mais para trás no tempo, e os senhores exaltam-se logo!
Não podemos esquecer-nos de que o notariado, tal como nós o temos e com as estruturas tal como elas existem, já existe pelo menos desde os anos 50. O PSD esteve 10 anos - 10 anos! - no governo e não nos podemos esquecer disto! Quem o ouve aqui fica com a ideia de que o Sr. Ministro da Justiça, Dr. Vera Jardim, tomou posse em Novembro de 1995 e que, a partir daí, foi o caos! Sr. Deputado, temos de ter seriedade: não é assim! O senhor sabe, até por razões profissionais, que não é assim - já era assim!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Mas está pior! Agravou-se!

O Orador: - O Sr. Deputado sabe perfeitamente, pelo que não vou elencar aqui - até porque não faz sentido - todas as medidas pequenas, muitas, ou grandes que foram feitas pelo Governo para melhorar os resultados. Não vou dizer isso!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não se esforce porque não as encontra!

O Orador: - Vamos ser sérios! Vamos ser sérios! Nós temos uma proposta muito clara, que é a proposta do Governo que apoiamos. Separa-nos dos senhores logo a circunstância - que, para nós, é absolutamente vital e fundamental - de nós seguirmos uma orientação geral que existe ao nível da União Europeia e que é a da existência de numerus clausus ao nível da actividade notarial - os senhores são contra isso! Isso é, claramente, em nosso entender, uma posição que nos separa e da qual não estamos dispostos a abdicar porque entendemos que o modelo que vigora na generalidade dos países da União Europeia a este respeito é aquele que deve também existir em Portugal.
Portanto, respondendo à sua questão, a nossa vontade, a nossa seriedade, que queremos ter a propósito deste debate e desta reforma, é total e a nossa disponibilidade está assumida, está reafirmada e corresponde a uma proposta que tínhamos no nosso programa de governo e que queremos manter.
Há uma coisa que quero dizer-lhe, tal como disse do alto daquela tribuna: não estamos dispostos a fazer reformas por meros anúncios nem para cumprir pretensas promessas políticas. Uma reforma tão importante como esta tem de ser consensualizada e tem de ser absolutamente cuidadosa e no respeito integral pelos direitos dos trabalhadores.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Esses, de maneira nenhuma, queremos pôr em causa!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Já por várias vezes discutimos aqui a questão da privatização do notariado. É uma questão séria, que deve ser discutida com outros argumentos para além de uns que ouvi aí, quer em off quer mesmo em on, que são do género de «legislação franquista» e coisas afins, que me parecem argumentos de muito mau gosto, aliás, de duvidoso gosto e sem qualquer assento numa realidade histórica que tem sido mal interpretada. Tenho aqui ouvido o que era, antes do Estado Novo, o notário - talvez fosse melhor que os Srs. Deputados que enveredam por algumas classificações...

Protestos do Deputado do CDS-PP, Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Veja lá se se cala!

A Oradora: - Não! Está a fazer um aparte e tem esse direito! Eu acho que tem esse direito, não sou como ele, que é de «vidrinho» e fica com os nervos em franja quando se diz alguma coisa! Pode dizer o que quiser, Sr. Deputado!
Mas conviria lerem o parecer da Federação dos Sindicatos da Função Pública, onde está uma interessante análise histórica, bem fundamentada, sobre a evolução do notariado em Portugal. Ao ouvir essas afirmações, fiquei, subitamente, apreensiva - fiquei seriamente apreensiva! É que, desde o debate que foi aqui feito, em que era Secretária de Estado a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, onde só o Burkina Fasso era mencionado como sendo o país que tinha um modelo de notariado igual ao nosso, já progredimos: já ficámos a saber que, em certos cantões suíços e também na Alemanha, há notários do modelo que temos em Portugal; e também sabemos que a França e a Espanha estão interessadas em vir a adoptar o modelo português do notariado porque Portugal foi visitado por notários da Galiza, por exemplo, para estudarem o modelo de notariado português. E eu fiquei apreensiva: será que nestes países há uma súbita reviravolta para a ditadura?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - É sempre a questão «dos bons e dos maus»! Isso é maniqueísmo!

A Oradora: - Srs. Deputados, falemos sério: o que está em causa é o cidadão. E o cidadão não beneficia do modelo de privatização ou de liberalização, como quiserem, do notariado porque o notariado do modelo português - e não digo que ele funcione bem - é um notariado que não está dependente de interesses privados; o que não acontecerá com o notário privado que, esse sim, está dependente nos seus vencimentos de atender grandes empresários, grandes negociantes e não estará interessado em realizar as necessidades e os direitos do cidadão que, seguramente, ficará no passeio à espera que as grandes

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empresas sejam atendidas e façam as suas escrituras para, depois, se houver tempo para ele, ir em último lugar. Este é o modelo que os senhores defendem, e percebe-se que, quando se trata de privatizações, os debates aqui empolgam! Empolgam e nota-se uma estranha e santa aliança da parte de quem defende a privatização, que não foi nem é a posição da totalidade dos Deputados do PS. Na anterior legislatura, ouvimos aqui um ataque, uma crítica cerradíssima à proposta do então Ministro Laborinho Lúcio por parte de alguns Deputados do PS, nomeadamente pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, pessoa com experiência nessa matéria, largamente experiente, que sabe o que está em jogo com estas questões. De facto, se alguma coisa funciona mal no notariado de modelo português - e isso é verdade - há muitas medidas que deviam e podiam ter sido tomadas.
Pergunta-se: mas, se não foi só com este Governo, por que motivo não se tem insistido na modernização necessária dos cartórios? Por que motivo não se fez a informatização devida dos cartórios notariais? Por que motivo não se formaram funcionários nas técnicas de informática? Por que motivo alguns cartórios continuam a funcionar em instalações degradadas sem o mínimo de condições de trabalho? E, se são precisos mais notários - se é que o são, se é que, com a modernização, os que existem, não poderiam desenvolver mais trabalho? Por que motivo não se criaram mais cartórios notariais? São perguntas que se fazem porque não é argumento vir dizer: «funciona mal, logo privatiza-se!» Além disso é estranho, muito estranho, que venha dizer-se que, com a privatização do notariado, se terminará com a burocracia; mas, então, se há burocracia, alterem-se as leis para que o notário não seja obrigado a tantas burocracias, a tantos cumprimentos, quantas vezes exagerados, de disposições legais. Está nas mãos do poder político desburocratizar e não se pode acusar o modelo do notariado que temos pela burocracia, que são as leis que lhe impõem.
Há uma questão muito importante e que alguns dos projectos de lei não salvaguardam, que é a questão da fé pública - essa é que é a grande questão porque, hoje, o cidadão tem uma fé desmedida na escritura do notário. Eu já disse isto aqui, e é um facto que acontece repetidamente nos tribunais: mesmo depois de se fazer uma partilha num inventário judicial, as pessoas perguntam «e agora, quando fazemos a escritura?»É porque, como sabem, com uma escritura na mão, as pessoas estão convencidas de que está tudo garantido. E em Portugal não se conhecem, com o modelo que temos de notariado, casos como houve em França, com um modelo de notariado diferente, que levaram notários à barra dos tribunais por causa desta questão da fé pública. E o modelo que temos garante a fé pública dos instrumentos notariais como não o garantirá a privatização do notariado.
Depois, há uma outra grande questão: é que, de facto, as receitas dos cartórios notariais até já são muito mais do que os 14 milhões de contos aqui referidos no Plenário, porque, depois da actualização das tabelas notariais, que aumentaram substancialmente aquilo que os cidadãos têm de pagar (substancialmente - e essa já é uma preparação para a privatização, para que, depois, as pessoas não se queixem dos notários privados), os lucros hoje são muito superiores. E servem para pagar muita coisa algumas coisas que até nem têm a ver com o funcionamento dos cartórios! É ver o Orçamento do Estado e, inclusivamente, as remunerações de membros dos gabinetes do Governo - está lá, no Orçamento do Estado!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Bem lembrado!

A Oradora: - Servem para, num espírito de solidariedade, garantir nas regiões desertas do interior a existência de um notário, para pagar os ordenados aos notários colocados em sítios onde não há grande actividade notarial. Servem para garantir, até mesmo em relação aos funcionários judiciais, o pagamento de despesas médicas! E sobra este dinheiro! Então, e sobrando isto, havendo a possibilidade de modernizar, de formar, de informatizar, de melhorar os serviços com os lucros, por que é que se privatiza? Qual é o grande argumento para a privatização? Efectivamente, não há nenhum!
O PCP faz estas críticas, discordando em absoluto da filosofia da privatização, mas, analisando os diplomas, reconhece que, da parte do Governo, há propostas com alguma cautela para dar resposta a alguns problemas que se põem, nomeadamente na área dos funcionários dos cartórios notariais. Pois agora não concorrem, não senhor!, pois eles sabem que vão ser privatizados e que, depois, ficam numa situação de instabilidade! Quem é que há-de querer concorrer quando de lá já estão a sair funcionários para as conservatórias para arranjarem um lugar estável?

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
No entanto, continuamos a perfilhar a opinião expressa no Boletim do Sindicato dos Registos e Notariado, de Março de 1998, onde se dizia o seguinte: «Recusamos que o actual notariado português seja um notariado inferiorizado, anémico e espartilhado, incapaz de responder às exigências da sua vocação. Porque queremos um notariado independente da tirania do público, entendemos que um notário privatizado não pode defender com eficácia esses valores».
Isto diziam os notários nesse boletim. Nós acrescentamos: os cidadãos sabem que o sistema existente defende e realiza os interesses da fé pública. Modernizem-se os cartórios notariais e esse será o caminho correcto para uma reforma do século.
Chegar a Maio de 1999 e, só nessa altura, apresentar uma iniciativa legislativa que ainda será objecto de estudo por parte de um grupo de trabalho a constituir depois de os trabalhos parlamentares chegarem ao fim, francamente, é de mau gosto! É de falta de ética!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante este debate foram feitas observações e intervenções acaloradas. Penso que é da época - o calor também sobe à cabeça, reflectindo-se nas intervenções dos Srs. Deputados -, mas nada ganhamos com críticas que apenas pretendem o ataque pelo ataque. Mais ganharíamos em, com calma e ponderação, analisar uma reforma, que é importante para o País, para a desburocratização, para os cidadãos e para a vida das empresas.
Já expliquei, mas quero fazê-lo novamente, que a opção do Governo por um modelo misto, de profissão liberal e de oficial público, é uma opção cautelosa. Mas é uma

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opção cautelosa pensada. Aliás, para quem defende, como o PSD, que este modelo deve ser implantado em três anos, bastava pensar um pouco, nem era preciso muito, que a Ordem dos Notários, no início de funções, não teria sequer capacidade para cumprir as suas funções, visto que este modelo vai iniciar-se, vai permitir a passagem para o modelo privado de, inicialmente, algumas dezenas de notários, três, quatro ou cinco dezenas, e o resto vai-se fazendo paulatinamente ao longo dos três anos.
Ora, não nos parece que a Ordem, como tal, para além de tudo aquilo que sabemos, que é a dificuldade da acção disciplinar das Ordens - e não por culpa das Ordens, mas de um conjunto de factores que todos conhecemos -,uma Ordem que vai ter 300 e tal elementos, uma Ordem praticamente familiar - isto, obviamente, na nossa perspectiva do numerus clausus -, seria muito difícil a esta Ordem... E penso que estes argumentos convenceram os senhores notários nas últimas conversas que mantive com eles, de que deveríamos cautelosamente avançar para um modelo que guardasse ainda uma boa parte da acção reguladora e disciplinadora do Estado, de que, aliás, fala o líder do PSD, ao dizer que é necessário o Estado manter a sua acção fiscalizadora em vários pontos de actividade - di-lo, e bem, mas não é seguido pelos seus apoiantes mais directos. Penso que esta é uma boa opção.
E será que daqui a 10 ou 20 anos ainda teríamos de continuar com esta acção do Governo? Penso que não. Penso que a tradição, os hábitos e o fortalecimento de um organismo profissional como a Ordem dos Notários vai permitir, mais tarde, que o Estado, a pouco e pouco, vá abdicando das suas funções de fiscalização.
Evidentemente, como referi na minha intervenção inicial, a reforma do notariado não é apenas esta, porque, se se trata apenas de liberalizar e de deixar tudo o resto na mesma, então, tenderemos a ficar com tudo na mesma. É que não é o facto de o notário ser liberal ou funcionário público que mais burocratiza. O que burocratiza é um Código do Notariado burocratizado, é um conjunto de obrigações que o notário tem que burocratiza o seu munus. Devemos estar atentos a isso e é por isso que o Governo tem preparado para, imediatamente após a entrada em vigor desta reforma do notariado, entrar em vigor uma grande reforma do Código do Notariado.
Naturalmente, como referiu a Sr.ª Deputada Odete Santos, faltam notários; faltam, no País, cerca de 70 a 80 notários, sobretudo nas grandes áreas metropolitanas. A este propósito, devo anunciar - aliás, em resposta a uma intervenção de um Sr. Deputado, suponho, do CDS-PP que é intenção do Governo, já de imediato e a seguir, tendo em vista a preparação da entrada em vigor da reforma, criar os lugares de notário que pensa serem necessários, num futuro próximo, ao País.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Criar no papel, não é?!

O Orador: - Digo-lhe uma coisa, Sr. Deputado: nós herdámos no papel a criação de muita coisa - de comarcas, por exemplo, que foram criadas no papel e, ainda hoje, não têm um mínimo de condições para começar a funcionar. Pela minha parte, prefiro criar quando tenha as condições.
Está a acabar um curso para notários e o próximo não terá 60 mas 150 auditores, que é o número que julgamos adequado para fazer face à reforma e à necessidade de entrada no sistema de mais, repito, 70 ou 80 notários. Inclusivamente, aquando da preparação da reforma, fizemos um inquérito aos notários - pedimos à associação dos notários que o fizesse -, perguntando quais seriam os que optariam pela privatização. Portanto, temos a ideia do número dos que vão optar pela privatização, daqueles que, na maior parte dos casos, até pela sua idade, preferem reformar-se, e de outros, que, pelas mais diversas razões, mas também por algum receio de uma profissão liberal a que não estão habituados, pretendem optar por outro sistema público.
O mesmo se passa, aliás, com as tabelas de honorários. Pensamos que, no futuro, esta actividade deve ser uma actividade liberal, no sentido exacto da palavra, e que deve abdicar-se da maior parte das tabelas. Mas pensamos - e aí vamos também um pouco ao encontro daquilo que por várias vezes nos foi dito pelos senhores notários - que, numa fase inicial, em que os notários não têm qualquer experiência disso...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, terminou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Nas outras profissões liberais, há uma longa tradição e nós sabemos quantas vezes um advogado tem imensa dificuldade em fixar os seus honorários. Pareceu-nos, portanto, melhor que, no início, houvesse tabelas. Essas tabelas, passados alguns anos, serão desnecessárias porque já se criou, digamos, no notariado uma prática e uma cultura de profissão liberal.
Olhemos, portanto, serenamente esta reforma. Penso que é uma boa reforma. Aceito até algumas das críticas de que a apresentação foi tardia, mas houve, naturalmente, que ouvir muitas pessoas e que discutir muito. Hesitámos num ou noutro ponto, em alguns pontos difíceis, como, por exemplo, nas tabelas e noutros, mas não tivemos a ajuda do antigo governo,...

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD) - Eu falei do seu primeiro chefe de gabinete.

O Orador: - ... que, repito, lá nada nos deixou inclusive, o meu chefe de gabinete, que, aliás, estava na antiga equipa, disse-me que, infelizmente, não havia lá nada.
Enfim, pela minha parte, estou inteiramente aberto, na medida em que o julgarem útil...

Protestos do Deputado do PSD, Luís Marques Guedes.

Sr. Deputado, não ouvi bem o que disse, mas pareceu-me que estava a comentar a minha referência ao chefe de gabinete... Referi que o meu primeiro chefe de gabinete tinha sido chefe de gabinete de um anterior secretário de Estado. É que, como vê, não recorro a boys, de maneira alguma; quanto muito, eventualmente, ainda trabalho com alguns boys que eram do tempo do anterior governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Ministro.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

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Como dizia, estou inteiramente aberto a que continuemos os estudos desta reforma, para que seja possível, em clima consensual - porque, tratando-se de uma reforma difícil, bem precisa dele -, fazê-la logo no primeiro trimestre a seguir ao tenninus da legislatura.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Considero de todo surrealista e politicamente menos honesto esta forma que o Sr. Ministro arranjou para fazer o encerramento deste debate por parte do Governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Também é seu direito!

O Orador: - Esperava que o Sr. Ministro, pura e simplesmente, assumisse aqui que os termos em que apresentou esta proposta inviabilizariam, à partida, a sua apreciação e ainda mais a sua aprovação pelo Parlamento e que não se atrevesse a posicionar-se como Ministro da Justiça do futuro governo.
Julgo que isto é desagradável em termos democráticos, quer face aos demais partidos concorrentes às eleições quer mesmo para o interior do seu partido. V. Ex.ª está, neste momento, a coagir o Sr. Primeiro-Ministro ou quem o suceda, a nomeá-lo Ministro da Justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - Por favor! Isto não é o governo do Funchal!

O Orador: - Não pode ser! V. Ex.ª devia ter assumido aqui, com humildade, que veio tarde e mal e que haveria outras oportunidades, por parte de quem assumisse responsabilidades políticas, quer no Governo quer no Parlamento, para fazê-lo, com base eventualmente neste e noutros contributos - este era o seu contributo; tardio, mas era o seu. Agora, não nestes termos de «cá estou, para ser o continuador desta reforma»! É uma forma que não me parece democraticamente aceitável.
Por outro lado, também registei a sua afirmação de que preferia ir fazendo menos coisas do que fazê-las só no papel - criar tribunais, comarcas... Porém, V. Ex.ª criou no papel, já há quase quatro anos, o tribunal administrativo de círculo do Funchal e o tribunal tributário de 1.º instância do Funchal e no papel continua!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão conjunta do projecto de lei n.º 679/VII Privatização do notariado (CDS-PP) e das propostas de lei n.ºs 282/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Estatuto da Ordem dos Notários, 284/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Estatuto Disciplinar dos Notários enquanto oficiais públicos e 285/VII - Aprova o Estatuto do Notariado.
Vamos passar à discussão do projecto de lei n.º 599/VII - Actualiza o regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública (PCP).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 7 de Novembro de 1977, foi publicado o Decreto-Lei n.º 460/77, que aprovou o estatuto das pessoas colectivas de utilidade pública. Este diploma foi elaborado na sequência da criação, pelo I Governo Constitucional, de um grupo de trabalho destinado a estudar e propor as condições para a obtenção do estatuto de utilidade pública e as regalias a conceder às colectividades a integrar no seu âmbito, dando cumprimento ao programa desse mesmo Governo, que reconhecia «a importância de auxiliar as colectividades de cultura, desporto e recreio, de fins não lucrativos, que prestam relevantes serviços à comunidade».
O Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, estabeleceu, assim, as condições gerais para o reconhecimento de pessoas colectivas como de utilidade pública e o respectivo processo. A declaração de utilidade pública é concedida pelo Governo, mediante requerimento a apresentar pelas associações, desde que se encontrem reunidos determinados requisitos exigidos por lei.
O mesmo decreto-lei atribuiu às pessoas colectivas de utilidade pública um conjunto de regalias - como a isenção de taxas de televisão e de rádio, a sujeição à tarifa aplicável aos consumos domésticos de energia eléctrica, o escalão especial no consumo de água, a tarifa de grupo nos transportes públicos, a isenção de taxas previstas na legislação sobre espectáculos e divertimentos públicos e a publicação gratuita no Diário da República das alterações dos estatutos -,tendo remetido para legislação futura as isenções fiscais, que viriam a ser definidas na Lei n.º 2/78, de 17 de Janeiro.
Foi nesse diploma que se estabeleceu que as pessoas colectivas de utilidade pública poderiam beneficiar das seguintes isenções: imposto do selo; imposto sobre as sucessões e doações e de sisa pela aquisição de edifícios necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos seus fins estatutários; contribuição predial pelo rendimento colectável de prédios urbanos onde se encontrem instalados a sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários; impostos alfandegários sobre material indispensável aos seus fins e não produzido no país e ainda isenção de custas judiciais. Estas isenções, que poderiam ser totais ou parciais, ficavam dependentes de despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e da tutela respectiva, após parecer favorável da câmara municipal do concelho da sede da pessoa colectiva interessada.
Em 1981, a Lei n.º 2/78, de 17 de Janeiro, viria a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, que regulou o estatuto de utilidade pública de forma um tanto diversa. A partir daí, as isenções fiscais passaram a depender apenas de despacho do Ministro das Finanças e alterou-se a tramitação necessária para o requerimento das isenções, que passaram a ser as seguintes: imposto do selo; sisa e imposto sobre as sucessões e doações; contribuição predial; direitos de importação sobre mercadorias indispensáveis às consecução dos seus fins, de que não exista produção no País; imposto sobre a venda de veículos automóveis sobre as ambulâncias (entretanto, revogada pelo Decreto-Lei n.º 27/93).
Passados que foram mais de 20 anos sobre a Lei n.º 2/78 e 18 sobre o Decreto-Lei n.º 260-D/81, é hoje manifesta a sua desactualização, não apenas porque os impostos sobre que incidiam as isenções foram sendo substituídos por outros sem que as isenções acompanhassem tais

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substituições mas também porque o quadro legal não acompanhou a realidade associativa.
Assim, o que hoje se verifica é que a concessão do estatuto de utilidade pública a uma associação, sendo uma honra e representando um reconhecimento público do mérito da sua acção social, tem um efeito meramente simbólico, não representando, em termos práticos, qualquer benefício real para a associação em causa - e é sabido que nem sempre foi assim e que, há alguns anos atrás, o estatuto de utilidade pública tinha, de facto, um efeito real na vida das associações.
Estando, assim, desvirtuado o sentido que inicialmente foi dado à declaração de utilidade pública, que fazia corresponder a esse reconhecimento um conjunto de regalias, importa revalorizar de alguma forma esse estatuto, actualizando a legislação que lhe é aplicável. É precisamente esse o objectivo do presente projecto de lei do PCP.
Como tal, não se propõe qualquer alteração no regime de reconhecimento do estatuto de utilidade pública nem no regime de concessão de isenções, propondo-se, porém, o seguinte: a actualização das isenções fiscais de acordo com os impostos actualmente existentes, ou seja, o imposto do selo, o imposto municipal de sisa pela aquisição de imóveis, o imposto sobre as sucessões e doações relativo à transmissão de imóveis e a contribuição autárquica pelo rendimento colectável de prédios urbanos, desde que em todos os casos sejam destinados à realização dos fins estatutários das associações; a equiparação das pessoas colectivas de utilidade pública às IP5S para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas; a isenção de Imposto sobre o Valor Acrescentado, relativo à transmissão e locação de bens, à prestação de serviços, bem como à aquisição de bens e serviços relacionados com as actividades sociais e com a construção ou conservação de imóveis destinados à realização dos fins estatutários das associações; a isenção de imposto sobre veículos, imposto de circulação e imposto automóvel, bem como a isenção de custas e preparos judiciais.
O presente projecto de lei pretende ser um contributo para pôr termo a uma situação de flagrante injustiça. As pessoas colectivas a quem o Estado português reconhece o estatuto de utilidade pública pelos serviços que prestam à comunidade subsistem, na esmagadora maioria dos casos, com enormes dificuldades, exclusivamente à custa do esforço dos seus dirigentes e associados, sem beneficiarem de um estatuto legal - e, concretamente, de um estatuto fiscal - que atenue um pouco essas dificuldades. Pelo contrário, agravam-nas. É esta situação absurda que importa inverter, através da revalorização do estatuto da utilidade pública.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A discussão deste projecto de lei é também mais uma oportunidade para que os grupos parlamentares se definam, quanto ao apoio que querem ou não assegurar ao movimento associativo. Em todas as iniciativas que são promovidas por colectividades de cultura e recreio, pelas suas estruturas federativas ou pelo movimento associativo em geral, não faltam representantes de todos os grupos parlamentares a anunciar a sua firme vontade de apoiar a actividade associativa, a reconhecer os seus méritos e a alimentar expectativas quanto à alteração do quadro legal, por forma a contemplar reivindicações justíssimas das associações.
No entanto, quando chega a hora da verdade, isto é, quando o PCP apresenta, nesta Assembleia, projectos concretos de apoio ao movimento associativo, todas essas promessas ficam no tinteiro.
O PS, o PSD e o CDS-PP dizem uma coisa quando falam perante os dirigentes associativos, mas fazem outra completamente diferente nesta Assembleia. Foi assim quanto ao projecto de lei-quadro do apoio ao associativismo, foi assim perante o estatuto do dirigente associativo voluntário. Resta esperar que não seja assim a propósito da justa actualização, que agora propomos, do estatuto de utilidade pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, ouvimos com muito interesse a sua intervenção, e agora gostaria de lhe colocar algumas questões, produto de uma reflexão que fui fazendo depois da leitura atenta do diploma que apresentou e da sua intervenção sobre ele.
Em primeiro lugar, queria dizer que o projecto de lei que o Partido Comunista apresenta corresponde a uma ideia louvável, que é a ideia de corrigir a desactualização que, entretanto, se manifestou pelo desaparecimento de alguns impostos e pela criação de outros, isto é, pela clara desadequação existente na lei, hoje, relativamente às isenções, aos incentivos de diversa natureza e, neste caso, aos benefícios de natureza fiscal de que podem beneficiar as pessoas colectivas de utilidade pública.
Sobre este ponto parece não haver dúvida alguma. De facto, há impostos que, entretanto, foram extintos e há outros que foram criados, pelo que a lei, hoje, por virtude dessa desadequação, está desactualizada e, por isso mesmo, inoperativa relativamente a algum do espírito que presidiu à criação destes benefícios fiscais.
Em todo o caso, Sr. Deputado António Filipe, as questões que lhe queria colocar têm a ver com dois pontos em concreto. A primeira questão tem a ver com o facto de os senhores, no vosso projecto, procederem a uma assimilação das pessoas colectivas de mera utilidade pública e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, sabendo todos nós que a concepção do direito português que rege estas associações, que, embora de direito privado, prosseguem fins de utilidade púbica, faz a divisão, quer na doutrina e também com expressão na lei, por exemplo, no Código do IRC, que os senhores agora alteram, entre as pessoas colectivas de mera utilidade pública e aquelas que são de utilidade pública administrativa. A diferença, como sabe, é de grau, o que depois se reflecte também no regime da fiscalização por parte do Estado que sobre elas incide, etc.
Pergunto-lhe se esta revisão do regime jurídico a que os senhores procedem por via de um diploma que, relativamente a esse aspecto, é lateral devia ser feito - neste âmbito ou se, na verdade, se devia apostar, antes, numa revisão, que é complexa, com certeza absoluta - não digo que não -, do próprio regime geral em que o nosso direito se estrutura na área das pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa e também das IP5S (Instituições Privadas de Solidariedade Social), como sabem.

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A outra questão tem a ver com o artigo 4.º do vosso projecto de lei, que remete para diploma regulamentar a emitir pelo Governo a definição das regras de concessão e a tramitação do processo de concessão das isenções para as pessoas colectivas de utilidade pública que o venham a requerer ao Governo.
Quanto a este ponto tenho de perguntar ao Sr. Deputado António Filipe se acha que desta forma está definitivamente salvaguardado o princípio da legalidade, que está ligado, concretamente, ao artigo 103.º da Constituição, ou se esta matéria, que, a meu ver, tem natureza claramente garantística, não devia estar, antes, prevista expressamente neste diploma, com o controlo que lhe é dado pelo facto de ser aprovado pela Assembleia da República ou em sede de autorização de legislativa, se fosse esse o caso, em vez de ser definida, como consta do vosso projecto de lei, por via de diploma regulamentar.
O próprio Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, que agora os senhores se propõem revogar, previa a consagração expressa deste mecanismo da concessão, do reconhecimento e da fiscalização das isenções em diploma próprio da Assembleia da República. Assim, pergunto ao Sr. Deputado o que é que faz às regras que, nos respectivos códigos, já tratam muitas destas isenções, designadamente as dos Códigos do IRC, do IVA e de outros.
Portanto, questiono-me se, nesta matéria, não se devia propor, antes, a alteração dos próprios códigos onde estão previstas essas isenções e, depois, também, da tramitação do seu reconhecimento ou, pelo menos, prevê-la expressamente em lei aprovada pela Assembleia da República, assim se salvaguardando o princípio da legalidade que, directa ou indirectamente, dimana da legislação que aqui aprovamos sobre estas questões.
Eram estas as matérias sobre as quais gostaria que V. Ex.ª me elucidasse. A primeira questão, como eu disse, é relativamente à própria concepção do regime jurídico deste tipo de associações de direito privado que exercem funções de utilidade pública.
A segunda questão diz respeito ao facto de as regras relativamente ao reconhecimento e à concessão das isenções deverem estar previstas em diploma próprio da Assembleia da República, em vez de se delegar essa competência no Governo, o que me parece ofender o princípio da legalidade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, muito obrigado pelas questões que colocou, que revelam a atenção que dedicou à apreciação deste nosso projecto de lei. São questões que têm, de facto, pertinência.
Relativamente à primeira questão que colocou, queria dizer-lhe que esse foi um problema que estudámos na elaboração deste projecto de lei, na medida em que a legislação vigente, embora manifestamente desactualizada, como o Sr. Deputado reconheceu, refere as pessoas colectivas de utilidade pública e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
Embora sendo realidades tratadas assim em termos legais, tivemos a oportunidade de consultar a doutrina administrativista e de concluir que ela se inclina maioritariamente no sentido de que as pessoas colectivas de utilidade pública incluem como uma das suas subespécies as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
Foi no pressuposto, e apenas neste, de não excluir as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa mas, sim, de considerar que as mesmas estão incluídas numa formulação mais genérica de pessoas colectivas de utilidade pública que utilizámos apenas esta expressão.
Portanto, a resposta que dou à sua questão é que não foi nossa intenção excluir as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, cujo exemplo mais típico creio ser o das associações de bombeiros, mas, sim, inclui-las dentro de uma formulação mais genérica, que é a de pessoas colectivas de utilidade pública.
Relativamente à segunda questão que colocou, quero dizer-lhe que houve uma opção da nossa parte de deixar os aspectos administrativos, mais burocráticos ou de tramitação, se quiser, relativos à concessão em concreto dos benefícios consagrados para sede regulamentar e para o Governo, para que não se dissesse, como já aconteceu a propósito de outros diplomas que propusemos, que se pretendia alargar de uma forma desmesurada o âmbito de aplicação daquilo que se propõe em concreto, o que já foi invocado por outros partidos, por exemplo a propósito do estatuto do dirigente associativo.
O que queremos deixar claro, pela forma como apresentamos esta proposta, é que o âmbito de aplicação e de concessão do estatuto de utilidade pública está já consagrado como um acto administrativo: é requerido ao Governo e é este que o defere no exercício da sua competência administrativa.
Cremos que os aspectos burocráticos, de tramitação, também podem ficar dependentes do Governo, pelo que entendemos que deveríamos actualizar o quadro de benefícios e deixar para sede de regulamentação aquilo que nos parece que pode e deve ser regulamentado.
Foi esta a nossa opção, mas admitimos uma solução diferente, não temos qualquer problema em aceitar qualquer proposta que seja feita no sentido de alguns aspectos, que, materialmente, tenham a ver com alguma regulamentação, poderem ser directamente consagrados.
O que pretendemos é que não nos venham acusar de querer regulamentar excessivamente e de estar a invadir uma área que possa ser considerada como própria do Executivo. Foi por isso que deixámos para sede de regulamentação a tramitação, sem nos opormos, naturalmente, a propostas que possam densificar um pouco mais o conteúdo da iniciativa legislativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção , tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 599/VII tem, em nosso entender, um mérito, que reconhecemos, mas também um erro de concepção, que criticamos.
Tem o mérito de pretender actualizar o Decreto-Lei n.º 260D/81, de 2 de Setembro, cuja aplicação é actualmente dificultada pelas reformas fiscais que se registaram, nos últimos 18 anos, em Portugal.
Cai, ao arrepio da prática e das preocupações recentes, no erro de, implicitamente, voltar a disseminar normas e regras dos impostos por diplomas avulsos, quer em ter

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mos de produção legislativa quer de coerência do sistema e até de aplicação dos diplomas no dia-a-dia.
É hoje consensualmente defendido que deverá ser no código de cada imposto ou em legislação que abranja todo o sistema fiscal, como, por exemplo, a lei geral tributária, que devem estar contidas as regras e as excepções, as incidências e as isenções.
Por outro lado, se algumas das medidas avançadas no projecto de lei n.º 599/VII podem ser apreciadas em termos políticos globais ou enquadradas na actual conjuntura, outras há que devem ser afastadas, pelas seguintes razões: por violarem directivas comunitárias (alínea f) do artigo 1.º); por terem sido matéria de legislação recente (por exemplo, o artigo 3.º); por nada trazerem de novo e terem um efeito inverso ao esperado (por exemplo, o artigo 4.º).
Mas analisemos mais em pormenor os aspectos apreciados neste projecto de lei.
O artigo 1.º diz respeito às isenções fiscais que podem ser concedidas às pessoas colectivas públicas, mas, em nosso entender, é pouco inovador. A sua alínea a), sobre o imposto do selo, repete o actualmente previsto na Verba III do capítulo «Outras isenções», anexo à Tabela Geral do imposto do selo.
A alínea b), sobre o imposto municipal de sisa, repete o actualmente previsto no n.º 16. do artigo 11.º do Código do Imposto Municipal de Sisa.
O n.º 11 do artigo 12.º do Código do Imposto sobre Sucessões e Doações é mais abrangente do que o agora proposto pelo PCP na alínea c), ao pretender limitar a isenção apenas à transmissão de imóveis destinados à realização dos fins estatutários das pessoas colectivas de utilidade pública.
De igual modo a alínea e) do artigo 50.º dos Estatuto dos Benefícios Fiscais é mais abrangente do que o agora proposto pelo PCP na alínea d), que pretende limitar a isenção apenas aos prédios urbanos. A formulação apresentada pelo PCP é, para além do mais, tecnicamente incorrecta, porque a contribuição autárquica incide sobre os prédios e não sobre o seu eventual rendimento.
Quanto à alínea e), sobre o IRC, o artigo 9.º desse Código já contempla a isenção das pessoas colectivas de utilidade pública em sede de imposto de rendimentos.
No referente ao IVA, que é um imposto comunitário, qualquer isenção terá que ser analisada ao abrigo da 6.º Directiva que, por sua vez, não dá qualquer abertura a que se atribua um estatuto especial às pessoas colectivas de utilidade pública, como se prevê na alínea f), podendo, no entanto, vir a beneficiar de isenção se desenvolverem determinadas actividades.
A alínea g), relativamente ao imposto municipal sobre veículos, incide sobre o que já está contemplado na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do regulamento do imposto municipal sobre veículos. Relativamente ao imposto automóvel, releve-se que o Decreto-Lei n.º 27/93, de 12 de Fevereiro, já define os termos em que as pessoas colectivas de utilidade pública usufruem de isenção.
A alínea h), sobre custas e preparos judiciais, repete o actualmente previsto na alínea j) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro. Em termos formais, em nosso entender, deveria retirar-se o termo «preparos».
A alteração introduzida no artigo 9.º do Código do IRC vem equiparar as pessoas colectivas de mera utilidade pública às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa para efeitos de reconhecimento da isenção de 1RC.
Ora, em nossa opinião, deve manter-se a restrição feita na alínea a) do n.º 1 do preceito em questão, no sentido de isentar só as pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, predominantemente, alguns dos fins nele enumerados. Caso contrário, estar-se-á a conceder indiscriminadamente isenção de IRC às pessoas colectivas de mera utilidade pública ainda que os interesses extra fiscais em questão não justifiquem o afastamento da tributação.
Do ponto de vista formal, o artigo 2.º do projecto deve ser corrigido, visto que o artigo 9.º que se pretende alterar é do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro.
O novo Estatuto do Mecenato procedeu à reformulação integrada dos vários tipos de donativos efectuados ao abrigo do mecenato e harmonizou o regime do mecenato em sede de impostos sobre o rendimento.
No artigo 2.º do respectivo diploma estabelece-se que «são considerados custos ou perdas do exercício os donativos atribuídos a pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública que prossigam fins de caridade, assistência, beneficência e solidariedade social». Por força do artigo 5 º do mesmo diploma estes donativos são parcialmente dedutíveis à colecta em sede de IRS.
O artigo 4º faz depender a concessão de isenção de duas condições: de regras a definir pelo Governo através de diploma regulamentar e de despacho casuístico do Ministro das Finanças.
A exigência de despacho ministerial para o reconhecimento das isenções irá acarretar aumento de burocracia. Pense-se, especialmente, no imposto do selo, em que os actos sujeitos a imposto são realizados perante entidades bancárias, notários, seguradoras, etc.

O Sr. António Filipe (PCP): - Esse é o regime actual!

O Orador: - Quantos despachos ministeriais se tornará necessário emitir ao longo do ano?
Por outro lado, as regras para a concessão de isenções já se encontram previstas nos diversos códigos.
Em matéria de contribuição autárquica, o regime proposto é mais burocrático que o vigente, uma vez que se prevê que o despacho de concessão pertença ao Ministro das Finanças e o Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelece que a isenção é reconhecida oficiosamente, logo, é da competência do Chefe da Repartição de Finanças, o que permite maior celeridade no procedimento.
Quanto à questão de fiscalização, também esta já tem acolhimento na lei fiscal, veja-se o artigo 6.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ou, de uma forma mais geral, o Regulamento da Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro.
No referente à norma revogatória, artigo 5.º, deve fazer-se menção da parte do Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, que vai revogar, uma vez que as alterações aí constantes correspondentes ao Código da Contribuição Predial e imposto sobre a indústria agrícola já foram revogadas, nessa parte, pelo artigo 3.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do IRS.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Face ao exposto, podemos alcançar várias conclusões.
Primeira, as pessoas colectivas de utilidade pública gozam plenamente, sem restrições, de isenção de imposto so-

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bre as sucessões e doações, de imposto do selo, de imposto municipal sobre veículos e de impostos de circulação e camionagem.
Segunda, as mesmas entidades usufruem, ainda, embora condicionada à realização directa e imediata dos seus fins, de isenção de imposto municipal de sisa.
Terceira, as pessoas colectivas de utilidade pública, desde a entrada em vigor da contribuição autárquica, sempre beneficiaram de isenções deste tributo em termos mais abrangentes do que os propostos, uma vez que permite o reconhecimento de isenção para todos os tipos de prédios.
Quarta, tais benefícios encontram-se devidamente regulados nos respectivos códigos, regulamentos e Estatuto dos Benefícios Fiscais, pelo que não faz sentido criar uma regulamentação autónoma, sobretudo se a regulamentação a criar for mais burocratizante do que a que já existe, como parece ser o caso.
Quinta, as isenções previstas em sede de IVA são contrárias às regras estabelecidas no Código do IVA e sua legislação complementar e violam directamente as regras definidas na 6.ª Directiva.
Sexta, em sede de IRC deve manter-se a restrição feita na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC no sentido de isentar só as pessoas colectivas que prossigam, predominantemente, alguns dos fins nele enumerados.
Sétima, o Estatuto do Mecenato prevê que os donativos concedidos a pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública que prossigam fins de caridade, assistência, beneficência e solidariedade social são dedutíveis à colecta.
Oitava, a norma revogatória deverá fazer menção da parte do Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, que pretende revogar.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No fim da sua intervenção, o Sr. Deputado António Filipe, que apresentou ao Plenário este projecto de lei, disse que os grupos parlamentares, normalmente, inviabilizam todos os projectos e todos os diplomas que visem dar melhor consistência e melhorar o sistema de apoios, no aspecto legislativo, às associações e às pessoas colectivas. Disse também que, normalmente, os grupos parlamentares que o faziam eram os do PS, do PSD e do CDS-PP.
Queria dizer-lhe, desde já, Sr. Deputado António Filipe, em relação àquilo que referiu, que pode estar descansado porque, neste momento, só o Grupo Parlamentar do Partido Socialista é que quis dar-lhe razão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Veio aqui levantar uma série de questões formais de vírgulas, «contravírgulas», pontos e vírgulas e de directivas que, em meu entender, nada têm a ver com os objectivos do projecto apresentado pelo PCP.
Aliás, o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro vem dizer algo que, em matéria fiscal, tem correspondido sempre à postura do Partido Socialista e do Governo relativamente a todas as questões fiscais que têm sido suscitadas nesta Assembleia.
Na verdade, segundo o vosso entendimento, há sempre um diploma onde tem de meter-se tudo e não pode haver legislação dispersa sobre nada, o que equivale a dizer que, em todas as matérias, como é assim, não se faz nada.
Aliás, embora não esteja agora em causa, recordo que, na semana passada, foi aqui discutido o novo Código do Imposto do selo e a respectiva tabela, diploma que creio ser o único que o Governo apresentou nesta legislatura e que corresponde a uma reforma global de um código legislativo. No entanto, toda a gente ouvia dizer que o imposto do selo ia ser extinto ou que, pelo menos, ia ser reduzida a sua importância mas, pelo contrário, a proposta de lei contendo o novo código constitui a grande reforma fiscal feita por este Governo. Como tal, vem dar razão ao que disse o Sr. Deputado, segundo o qual, nesta matéria das isenções, é, preciso «meter tudo» no estatuto dos benefícios fiscais de onde nada pode retirar-se.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que grande confusão!

O Orador: - Portanto, pode o Sr. Deputado António Filipe ficar descansado pois o Grupo Parlamentar do PSD vê com bons olhos a iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP.
É verdade que poderão levantar-se algumas questões técnicas, nomeadamente algumas que já aqui foram suscitadas pelo Deputado Luís Queiró, do PP. De facto, há algumas questões técnicas que terão de ser objecto de estudo e de alteração em sede de especialidade, na eventualidade da aprovação na generalidade deste projecto de lei mas, no essencial, o Grupo Parlamentar do PSD está de acordo com esta iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP.
A este propósito, faço um parêntesis para recordar que, em 1978, altura em que foi aprovada a lei que estabeleceu as isenções de que poderiam beneficiar as pessoas colectivas de utilidade pública, o Partido Socialista foi quem mais apoiou tal legislação. Ora, passaram 21 anos, mas talvez fosse de esperar que continuasse a haver esse apoio por parte do PS.
Posto isto, devo dizer que o Grupo Parlamentar do PSD está de acordo em que, em matéria de legislação neste domínio, não só por verificar-se alguma dispersão, fazia sentido que houvesse um diploma - e porque não este projecto de lei ser a base de tal diploma? - em que seria actualizada esta matéria das isenções fiscais, não ficando dispersa pelos vários códigos, como acontece actualmente.
Repito que o Grupo Parlamentar do PSD vê com bons olhos esta iniciativa legislativa. Aliás, não estamos muito de acordo em que, neste momento, as isenções que existem não tenham qualquer efeito prático devido à grande dispersão legislativa existente, ao facto de haver impostos que já foram extintos enquanto outros novos foram lançados.
Em suma, o Grupo Parlamentar do PSD dá o seu acordo, na generalidade, ao projecto de lei em apreço, porque também entendemos que as pessoas colectivas de utilidade pública prestam um serviço fundamental à comunidade pelo que não deverão ver coarctados os respectivos direitos só porque a legislação que lhes diz respeito não é actualizada. Entendemos, pois, que. este projecto de lei

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seria bem aceite e melhoraria a situação dessas mesmas entidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate do projecto de lei n.º 599/VII, apresentado pelo PCP, o qual será objecto de votação, na generalidade, na sessão de amanhã, durante o período regimental de votações.
Vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 671/VII - Compensação aos municípios que suportam corpos de bombeiros profissionais (PSD).
Verifico que não está presente na Sala o Sr. Deputado do PSD que vai fazer a intervenção inicial em nome do seu partido, pelo que vamos aguardar um pouco.

Pausa.

O Sr. Deputado Manuel Moreira já chegou, pelo que dou-lhe a palavra, para uma intervenção.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Social Democrata decidiu apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 671lVII, com o objecto de compensação aos municípios que suportam corpos de bombeiros profissionais, dando, assim, resposta positiva a uma justa e legítima aspiração de alguns municípios portugueses.
O que motivou o PSD a apresentar este projecto de lei é o facto de alguns municípios exercerem importantes competências na área da protecção civil, o que envolve, em certos casos, elevados encargos financeiros sem que se verifique, na prática, a transferência compensatória para essas autarquias.
As autarquias têm a responsabilidade de criação de serviços de protecção civil e só alguns municípios possuem corpos de bombeiros profissionais ou sapadores nos casos em que a lei prevê, conforme dispõe o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 293/92, de 30 de Dezembro, que refere que «Os corpos de bombeiros profissionais devem ser instituídos e mantidos nos Municípios onde não existam associações ou outras organizações de bombeiros voluntários ou nos quais estas, só por si, não preencham em toda a área da autarquia as funções a que se destinam».
A Lei das Finanças Locais (Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto) não prevê qualquer forma de compensação financeira destinada aos municípios que possuem aquelas estruturas de bombeiros profissionais, o que redunda em discriminação injustificada relativamente à esmagadora maioria dos restantes municípios.
Há que fazer notar que os gastos com investimentos e funcionamento dos corpos de bombeiros profissionais representam anualmente para os municípios em causa uma importante percentagem das receitas a que têm direito no contexto do Fundo Geral Municipal, atingindo, nalguns casos, cerca de 15% daquele montante.
Assim, importa, com urgência, corrigir tal situação sob pena de aqueles municípios se verem obrigados, no futuro, a demitir-se da boa prossecução das atribuições que a muito custo têm mantido no domínio da protecção civil.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É óbvio que o projecto de lei do PSD, com um articulado simples de apenas três artigos, estava e está aberto a todos .os contributos úteis para o seu aperfeiçoamento e - porque não? - para a ampliação da sua abrangência, de modo a poder, também, contemplar comparticipações financeiras aos municípios que têm corpos de bombeiros voluntários, que são a grande maioria e que, igualmente, bem precisam desse justo apoio.
São seis os municípios que dispõem de corpos de bombeiros sapadores e 21 os municípios que dispõem de bombeiros profissionais ou municipais, existindo mais de 400 associações de bombeiros voluntários no País.
Por isso, o PSD, perante esta situação e tendo em consideração o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses sobre o nosso projecto de lei, em que são feitas algumas sugestões pertinentes, está disponível para consensualizar com os outros partidos com assento nesta Câmara as alterações necessárias, designadamente contemplar igualmente nesta iniciativa legislativa os corpos de bombeiros voluntários. Daí que avancemos desde já com as alterações que passo a expor.
Desde logo, na epígrafe do projecto de lei n.º 671/VII, passamos a referir genericamente «Compensação aos Municípios que suportam Corpos de Bombeiros».
O artigo 1.º passará a ter a seguinte redacção: «A presente lei destina-se a compensar financeiramente os municípios que devam instituir ou manter, nos termos legais, corpos de bombeiros profissionais ou corpos de bombeiros sapadores e a consignar a todos os municípios do Continente 50% das receitas geradas pelo imposto para o Serviço Nacional de Bombeiros, para o apoio financeiro aos corpos de bombeiros voluntários».
O artigo 2º passará a ter a seguinte redacção: «1 Os municípios que devam instituir ou manter, nos termos legais, corpos de bombeiros profissionais ou corpos de bombeiros sapadores têm direito a uma receita extraordinária equivalente a 5% da receita decorrente do Fundo Geral Municipal, para fazer face aos gastos com despesas de investimento e funcionamento respeitantes à instituição ou manutenção dos respectivos corpos de bombeiros profissionais ou corpos de bombeiros sapadores.
2 - As verbas previstas no número anterior são inscritas anualmente no Orçamento do Estado a favor de cada um dos municípios cujos gastos estejam devidamente comprovados no último Relatório e Contas.
3 - A instituição de novos corpos de bombeiros profissionais ou de corpos de bombeiros sapadores pelos Municípios depende de ratificação por resolução do Conselho de Ministros, ouvido o Serviço Nacional de Bombeiros».
Com esta alteração, damos resposta positiva a sugestões feitas pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e aprofunda-se a democratização e participação dos municípios portugueses na institucionalização dos novos corpos de bombeiros profissionais ou sapadores.
É introduzido um novo artigo 3.º no projecto de lei, decorrente da ampliação do mesmo aos corpos de bombeiros voluntários, com a seguinte redacção: «1 - Para apoio financeiro aos corpos de bombeiros voluntários, revertem para os respectivos Municípios 50% das receitas provenientes do imposto para o Serviço Nacional de Bombeiros que incide sobre o valor dos prémios dos seguros contra fogo, cujos sujeitos ,passivos residam ou tenham sede naquelas autarquias do Continente.
2 - O processo de transferência destas receitas, do Instituto de Seguros de Portugal para os Municípios, é objecto de regulamentação do Governo».
Por último, introduz-se um novo artigo 4.º, com a mesma redacção do artigo 3.º do projecto de lei em dis-

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cussão, o qual prevê que a presente lei só produz efeitos financeiros com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano 2000.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A concluir, direi que esta iniciativa legislativa, com as alterações agora propostas, é justa e equilibrada e responde às preocupações do País e do poder local de termos cada vez mais uma protecção civil mais eficiente e eficaz ao serviço das comunidades locais e dos portugueses em geral.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Mas o Sr. Deputado Manuel Moreira não tem tempo para responder, pois, conforme está agendado, cada grupo parlamentar apenas dispõe de 5 minutos para intervir. A menos que o CDS-PP lhe ceda algum do seu próprio tempo...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Cedo com certeza, Sr. Presidente, e explicarei porquê durante o meu pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra, para formular o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, vou utilizar a figura regimental do pedido de esclarecimento em substituição da figura da intervenção sobre esta matéria porque as questões que se me colocam carecem de uma resposta da sua parte, pelo que apenas sob a figura regimental da resposta ao meu pedido de esclarecimento é que poderei obter essa clarificação e, depois, ceder-lhe-ei o tempo que me sobejar para poder responder-me.
Como disse, colocam-se-me duas dúvidas em relação a esta matéria que está em apreciação.
A primeira é a de saber quais os montantes envolvidos quando fala em termos de 5% do Fundo Geral Municipal e de 50% das receitas geradas pelo imposto cobrado para o Serviço Nacional de Bombeiros.
A segunda questão tem a ver com a dúvida quanto ao possível efeito perverso deste projecto de lei, efeito esse que se for corrigido, poderá melhorar o diploma.
É que estou convencido que, com este mecanismo de ratificação governamental para a instituição de novos corpos de bombeiros a qual fica dependente de parecer favorável do Serviço Nacional de Bombeiros, o que acontecerá é que não serão criados mais serviços municipais de bombeiros porque o Governo fica a saber que cada novo corpo de bombeiros cuja instituição ratificar acarreta mais uma despesa. Portanto, isto funcionará como «lei-travão» à criação de novos corpos de bombeiros.
Assim, talvez fosse bom que o Sr. Deputado e o PSD apresentassem alterações por forma a evitar este efeito perverso.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira, que disporá de tempo que lhe foi cedido pelo CDS-PP.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, relativamente às questões que me colocou, começo por dizer que, segundo o que está consignado para este ano da receita decorrente do Fundo Geral Municipal e atendendo a que, no País, existem seis corporações de bombeiros sapadores mais 21 de bombeiros profissionais ou municipais, após feitas as contas para saber a quanto corresponde 5% do Fundo Geral Municipal, verifica-se que o montante seria 2 262 467 contos.
Quanto às alterações que propomos no nosso projecto de lei destinadas a contemplar, e justamente, as associações de bombeiros voluntários, devo dizer que não dispomos dos números detalhados pois não estão inscritos no Orçamento do Estado de forma clara, constando apenas os montantes globais destinados ao Serviço Nacional de Bombeiros. Ora, só hoje de manhã é que pedi ao Serviço Nacional de Bombeiros bem como ao Instituto Nacional de Seguros informações objectivas sobre o valor exacto em questão. Foi-me respondido que a informação ser-me-ia dada durante a tarde de hoje, mas, infelizmente, até agora, ainda não a recebi. No entanto, estou certo que até à votação deste projecto de lei, que terá lugar na sessão de amanhã, disporemos de tal informação oficial a qual transmitirei de imediato ao Sr. Deputado. Por isso, não vale a pena estar agora a especular sobre números pois, de facto, queria dispor dos valores exactos.
Passo à última questão que colocou sobre a necessidade de ratificação do Governo, ouvido o Serviço Nacional de Bombeiros, para a instituição de novos corpos de bombeiros profissionais ou sapadores.
Penso que é normal que assim se proceda. O importante é o facto de se respeitar a vontade e a autonomia do poder local e dos municípios que são quem deve tomar a iniciativa de instituir esses corpos de bombeiros de acordo com as necessidades da respectiva área de jurisdição. Não obstante, entendemos que deve haver uma ratificação por paste do Governo, ouvido o Serviço Nacional de Bombeiros.
Quero crer que o Governo, este ou qualquer outro que se lhe siga, não obstaculizará à criação de novos corpos de bombeiros se for demonstrado que é uma necessidade das comunidades municipais. Faço fé nisso, mas, evidentemente, há sempre o risco de suceder o que o Sr. Deputado referiu. Apesar de tudo, repito que acredito que os governos não irão obstaculizar a criação dos corpos de bombeiros sempre que as necessidades vierem a justificá-lo.
Além disso, esta proposta de alteração vai também no sentido daquilo que a Associação Nacional de Municípios Portugueses nos recomendou e por isso estamos aqui a dar resposta a uma das suas preocupações e que nos transmitiu de que efectivamente seria bom que esta criação tivesse também a ratificação do Governo ouvido o Serviço Nacional de Bombeiros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que o Sr. Deputado Manuel Moreira aqui apresentou é, relativamente ao que foi dis-

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cutido em Comissão, um projecto de lei novo e, portanto, não foi sujeito à reflexão que, relativamente ao inicial, teve lugar. Mas não deixa de ser curioso que ele seja apresentado neste momento, em final de legislatura, e sem que, sobre esta matéria, que é complexa e importante, tenha existido uma reflexão fundamentada.
É um problema que sempre existiu e que tinha os seus reflexos, como disse o Sr. Deputado Manuel Moreira, na própria Lei das Finanças Locais, e a verdade é que, durante muito tempo, trabalhámos, aqui, na Assembleia da República, uma nova lei das finanças locais e, nessa altura, esse problema não se pôs com a acuidade e a emergência que agora se lhe pretende atribuir.
Pensamos, por isso, que se trata de uma medida pontual. E quando se fala em atribuir 5% do Fundo Geral Municipal como compensação extraordinária, revertendo directamente do Orçamento do Estado, perguntamos: mas porquê 5%? Os bombeiros em Lisboa, os Sapadores, a Câmara têm, eventualmente, um encargo de vários milhões de contos nesta matéria e digamos que aqui a compensação extraordinária atingiria cerca de 500 000 contos. Então, pergunto: porquê 5%? Com base em que critério? Será, de facto, um critério uniforme para diferenças e responsabilidades enormes existentes em todo o País?
Depois também se fala, e agora já neste novo projecto - que eu assim qualifico - em 50% das receitas geradas pelo imposto do Serviço Nacional de Bombeiros. E então as receitas próprias do Serviço Nacional de Bombeiros? Como é que o próprio iria ser ressarcido destes 50% subtraídos desta forma e pela legislação?
Por outro lado, este seria sempre um tratamento desigual para as outras câmaras que não têm bombeiros municipais, porque nós também sabemos que, nesta matéria, o poder local dá uma contribuição significativa, por exemplo, para os bombeiros voluntários, ajudando-os na sua actividade cívica do dia-a-dia. E esta matéria também não está aqui contemplada.
Aliás, não se conhece o impacto orçamental de tal medida, não se faz uma ideia do porquê, nem tão pouco foram definidos critérios para a atribuição destes montantes, e a verdade é que há uma reforma em curso que pretende, inclusivamente, uniformizar a prestação desse serviço e eliminar a distinção que hoje existe entre o próprio conceito de bombeiros municipais e o conceito de sapadores que, em termos remuneratórios, como se sabe, é diferente. De tal maneira que podemos ter pessoas a sair do serviço activo com 350 contos, enquanto outros, que estão neste mesmo serviço, não recebem praticamente coisíssima nenhuma.
Por isto, parece-me importante também referir que na própria lei-quadro, que aqui está em estudo e que estamos a aprovar, de transferência de atribuições e competências para os municípios está consignada a criação de corpos de bombeiros municipais; a construção e manutenção de quartéis de bombeiros voluntários e municipais no âmbito da tipificação em vigor; o apoio à aquisição de equipamentos para os bombeiros voluntários, também no âmbito da tipificação em vigor, etc. Isto é, estão várias atribuições previstas em matéria de lei, que pensamos aprovar nos próximos dias, e a verdade é que tudo isto se fará por diploma próprio acompanhado da transferência financeira indispensável para que estas atribuições tenham sentido e para que o exercício das competências se possa fazer sem prejuízo dos municípios.
Por isto, e porque este projecto de lei é restritivo para o poder local, para os bombeiros municipais e para os outros corpos de bombeiros, para os bombeiros voluntários, é por este conjunto de razões que entendemos que outra será a ocasião para formular e apresentar um projecto de lei já de acordo com a própria lei-quadro, com o nosso conceito, que aqui referimos, e de acordo com a reforma que está em vigor.
Penso, pois, que o momento para se fazer esta intervenção é exactamente aquele em que tiver lugar a reforma de fundo que, como sabemos, está em curso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira, dispondo de tempo cedido pelo Partido Ecologista Os Verdes.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por agradecer ao Partido Ecologista Os Verdes pelo tempo que me cedeu para interpelar o Sr. Deputado José Junqueiro.
Sr. Deputado José Junqueiro, quero, muito brevemente, dizer-lhe que a maior preocupação do PSD ao apresentar esta iniciativa legislativa foi a de procurar que o Estado pudesse comparticipar nos custos que os corpos de bombeiros sapadores ou profissionais têm, até porque sabemos que os 27 corpos de bombeiros sapadores e profissionais que existem no País operam muitas vezes em muitos outros concelhos da sua região, mas só cada uma das câmaras municipais que os detém é que assumem sozinhos os custos pelo seu funcionamento, e isso não é justo.
E, em face disso, pareceu-nos que podíamos comparticipar, evidentemente que não na totalidade, mas segundo a nossa proposta feita com moderação e equilíbrio, pois nós até gostaríamos que, em vez de 5%, pudesse ser 10% do Fundo Geral Municipal. Isto é, gostaríamos de ir muito mais além, mas a verdade é que esta é uma forma de o Estado começar a fazer esta comparticipação no sentido de os municípios serem aligeirados dessa responsabilidade, em parte, até para poderem disponibilizar algumas verbas para fazer face também ao financiamento que têm de fazer muitas vezes aos corpos dos bombeiros voluntários que têm nos seus próprios concelhos. O nosso projecto de lei foi neste sentido.
Entretanto, tivemos em consideração as opiniões de alguns colegas de outros partidos que fomos ouvindo ao longo deste tempo nesta Assembleia da República e também tivemos em consideração o parecer que nos chegou na semana passada da Associação Nacional de Municípios Portugueses que concorda. genericamente com o projecto, mas que nos faz a recomendação no sentido de fazermos algumas alterações pontuais na especialidade e dizem-nos que também seria bom contemplarmos os bombeiros voluntários.
Foi por isso que fizemos estas alterações que ampliam o objecto desta iniciativa legislativa no sentido de contemplar, por um lado, os bombeiros profissionais e sapadores e, por outro, os bombeiros voluntários. Mas reconhecemos que, se calhar, é apenas um contributo, é apenas um passo de outros passos que são necessários dar no futuro e, evidentemente, a próxima legislatura estará com certeza disponível e aberta a que isso possa ocorrer.
Porém, com toda a franqueza, não entendo como é que neste momento, havendo esta iniciativa legislativa... Penso que até agora não foram colocadas questões de fundo

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a rejeitar objectivamente a filosofia geral da iniciativa, pois os senhores têm apenas dúvidas pontuais e considero que seria bom que se pudesse caminhar, desde já, dando este passo vindo ao encontro...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Faça favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E, por isso, no fundo, nós estamos aqui a dar uma resposta positiva aos municípios que têm este conjunto de corpos de bombeiros e também à Associação Nacional de Municípios Portugueses, porque, por um lado, os senhores acham que a Associação Nacional de Municípios Portugueses tem legitimidade, tem razão e devemos corresponder e, por outro, ignoramos a sua vontade. Aqui, o PSD vai exactamente ao encontro da vontade da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Por que é que o PS não está também disponível para considerar essa vontade? É apenas esta a questão que gostava de colocar ao Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro. Para o efeito, a Mesa concede-lhe dois minutos.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, começo por lhe agradecer a questão que me colocou e dizer-lhe que, em matéria de Associação Nacional de Municípios Portugueses, se há algum partido que nunca a ignorou, foi o Partido Socialista, como se sabe. Tanto assim é que, quando chegou ao momento de assumir responsabilidades governativas, legislou sobre todas as matérias que são do conhecimento deste Parlamento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Viu-se na Lei das Finanças Locais!

O Orador: - Na Lei das Finanças Locais toda a gente ficou convencida de que não tínhamos que pagar os calotes do PSD!

Protestos do PSD.

Sr. Deputado, quanto ao Estatuto dos Bombeiros Municipais, o senhor, não se referiu a ele e por isso é que eu disse que, neste momento, se tratava de uma medida meramente pontual. O senhor não se referiu a isso nem à grande diferença que existe com o Estatuto dos Sapadores, nem em relação à questão dos bombeiros voluntários, nem em relação àquela questão, que também considero essencial, que são os critérios. Em que critérios é que o Sr. Deputado se baseou para falar em 5%? Podiam ter sido 6%, podia ter sido 1%, podiam ter sido 10%. Afinal, não foi coisíssima nenhuma e, em mais de 5 milhões de contos gastos, aparece uma verba de cerca de 500 000 contos.
Daí que, Sr. Deputado, penso que deve ser levada em consideração esta sua preocupação e que, numa próxima legislatura, como muito bem disse - aliás, penso que foi a parte da sua intervenção com que eu mais concordei -, estaremos todos em condições de fazer esta reforma de fundo que, como sabe, é objecto neste momento de preparação pela parte governamental.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é a velha técnica de adiar do PS! Tudo promete e tudo adia!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na «Exposição de motivos», os autores da presente iniciativa legislativa justificam-na com os elevados encargos financeiros suportados pelos municípios, decorrentes do exercício de competências na área da protecção civil e bombeiros, destacando aqueles que possuem corpos de bombeiros profissionais ou sapadores.
Supostamente, para corrigir tal situação, propõem que os municípios que devam instituir ou manter corpos de bombeiros profissionais sejam compensados financeiramente, num montante equivalente a 5% do valor que recebem do Fundo Geral Municipal.
Ao limitar aos municípios, pelo menos no projecto inicial, que suportam corpos de bombeiros profissionais a compensação financeira referida - medida que apenas contempla o financiamento indirecto de 27 corpos de bombeiros -, esta proposta do PSD discrimina todos os municípios responsáveis por parte significativa do financiamento de 428 associações de bombeiros voluntários que, no seu conjunto, envolvem numa actividade altruísta e imprescindível para as populações, cerca de 40 000 homens e mulheres, o que, do nosso ponto de vista, é inaceitável. Seguramente não são remendos agora propostos que dão resposta a esta realidade.
Por outro lado, é estranho que o PSD proponha uma compensação financeira de 5%, quando admite que os municípios que têm corpos de bombeiros profissionais gastam com eles cerca de 15% do Fundo Geral Municipal.
Todos sabemos que as verbas disponibilizadas no Orçamento do Estado para a área da protecção civil e bombeiros, além de escassas, servem, sobretudo, para financiar a actividade directa do Serviço Nacional de Bombeiros e o combate a fogos florestais, nomeadamente com o aluguer de aeronaves.
Neste contexto, os corpos de bombeiros voluntários recorrem, cada vez mais, ao financiamento das câmaras municipais para a aquisição de equipamentos e desenvolvimento das actividades normais, situação que onera substancialmente os respectivos orçamentos municipais, tal como é reconhecido pelos autores deste projecto de lei. Não faz, por isso, qualquer sentido que os municípios que financiam as associações de bombeiros voluntários sejam tratados de modo diverso dos municípios que suportam corpos de bombeiros profissionais.
Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, também é preciso afirmar, sem ambiguidades, que esta iniciativa legislativa está desfasada da realidade.
De facto, estando para breve a discussão, nesta Câmara, e eventual aprovação final de um novo quadro de atribuições e competências para as autarquias locais, onde, por acordo do PSD, do PS e do CDS-PP, está prevista a transferência para os municípios de novas e alargadas competências na área da protecção civil e bombeiros, que, de resto, já foram aqui referidas, o que é exigível e faz todo o sentido é que rapidamente seja definido um novo regime de financiamento das autarquias locais que disponibilize a estas os meios financeiros necessários para

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a efectiva concretização das atribuições e competências que vão ser compelidas a aceitar.
Como se torna evidente, se não for rapidamente alterado o regime de financiamento da administração local, as novas atribuições e competências vão, necessariamente, provocar o estrangulamento financeiro das autarquias e, no caso vertente, das associações e corpos de bombeiros.
A presente iniciativa legislativa é, por isso, uma medida avulsa que não se compagina com o financiamento do novo quadro de atribuições e competências dos municípios na área da protecção civil e bombeiros e também por isso não tem o apoio do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
O Partido Comunista Português está disponível, isso sim, para viabilizar, rapidamente, qualquer iniciativa parlamentar que, alterando o actual quadro de financiamento das autarquias locais, permita que estas possam executar com maior qualidade e menos custos as competências que vai receber da administração central.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 671/VII.
Vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 676/VII - Utilização de detectores de metais (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A imprensa, mas sobretudo arqueólogos e outros investigadores, têm-se feito eco, nos últimos tempos, da utilização abusiva, de forma cada vez mais significativa - sobretudo em certas zonas do País -, de detectores de metais em buscas de objectos e artefactos, podendo interessar à pré-história, à história, à arte, à numismática ou à arqueologia, por vezes mesmo em monumentos e sítios classificados ou em vias de classificação.
Trata-se de uma prática conduzida numa óptica de mera «caça ao tesouro» ou com fins estritamente comerciais, que não é acompanhada cientificamente, por isso prejudica investigações e escavações em curso, destrói a estratigrafia, lesando o património cultural nacional e, nomeadamente, o património arqueológico.
A Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, não contempla esta questão, que era devidamente considerada e regulamentada, tanto pela lei do património que o anterior governo elaborara e que não foi avante com o fim da VI Legislatura, como pela nova lei do património apresentada pelo actual Governo a esta Câmara e que não mereceu o acolhimento da maioria dos grupos parlamentares que a constituem.
Assim, justifica-se esta iniciativa pontual para suprir o vazio legislativo que permanece.
Facto tanto mais necessário quanto a Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico, ratificada por esta Assembleia, refere expressamente a necessidade de submeter a autorização prévia específica, sempre que previsto pelo direito interno dos Estados, o uso de detectores de metais e de qualquer outro equipamento de detecção ou processo mecânico destinado à investigação arqueológica.
Acresce que com a publicação do Decreto-Lei n.º 164/97, de 27 de Junho, já se encontra devidamente regulamentado o uso de detectores de metais em meio subaquático, pelo que importa colmatar a lacuna no que se refere à utilização desses instrumentos em meio terrestre.
Temos a consciência de que esta medida não resolverá, por milagre, todas as práticas abusivas com as características aqui consideradas, mas constituirá um importante factor de dissuasão e fornecerá o enquadramento legal adequado à intervenção das autoridades competentes, sem prejuízo de uma indispensável acção de sensibilização e de formação para os deveres que devem ser colectivamente assumidos pelos cidadãos, de defesa, salvaguarda e preservação do património cultural nacional.
Na sequência da reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura realizada esta manhã, julgo que é consensual entre os diversos grupos parlamentares, caso o Sr. Presidente entenda que há condições para isso, que se proceda, desde já, à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 676/VII, porque amanhã terá lugar uma outra reunião da mesma comissão para se chegar a um consenso em sede de especialidade, para o qual, pelo que foi possível perceber esta manhã, todos os grupos parlamentares estão abertos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pretende que o projecto de lei agora em discussão seja votado, na generalidade, ainda hoje?

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Entende que há condições para isso?

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Pelo menos entre os grupos parlamentares havia..., mas dependerá da boa vontade do Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Com boa vontade tudo se faz!
Vamos continuar a debater o projecto de lei e depois se verá se há ou não condições para o votar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: De facto, o uso indiscriminado de detectores de metais pode traduzir-se num prejuízo para a actividade arqueológica e para a preservação dos valores e dos bens culturais. Daí que estejamos, na generalidade, de acordo com a iniciativa do Partido Socialista, cuja matéria, aliás, está inscrita em vários documentos internacionais que há muito recomendam essa solução, para além de constar dos vários diplomas sobre a preservação do património e da própria Lei de Base do Património, quer a apresentada em 1995, quer a apresentada em 1999. Este aspecto já aqui foi explicado, por isso não vou perder mais tempo com ele.
No entanto, existe um conjunto de alterações, na especialidade, que reputamos essenciais, propostas essas que já foram discutidas em sede de comissão ou, pelo menos, são conhecidas dos Deputados que fazem parte da comissão. Entendemos que este diploma pode ser substancialmente melhorado com a introdução dessas alterações e também julgo que existem todas as condições para se chegar a um consenso no sentido de introduzir essas mesmas alterações.

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Assim, seja ou não votado, na generalidade, o diploma ainda hoje, penso que está cumprido o requisito regimental da discussão na generalidade, podendo o mesmo baixar à comissão competente que está em condições de introduzir essas alterações.
Segundo o Regimento, e pelo que entendi da discussão que teve lugar esta manhã em comissão, a partir do momento em que está feita a discussão na generalidade do diploma, desde que ele baixe à comissão competente, essa é a altura própria para o mesmo ser discutido em sede de especialidade, de forma a serem introduzidas as respectivas alterações. Neste sentido, a objecção colocada pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques pode ser perfeitamente ultrapassada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência das intervenções anteriores dos meus colegas, o Partido Popular também participa do consenso para que hoje possa ser votado, na generalidade, este diploma, a fim de amanhã, em comissão, podermos fazer o debate na especialidade, sem embargo de nesta sede existirem algumas divergências e podermos apresentar propostas de alteração ao teor do texto do projecto de lei do Partido Socialista.
Como esta é uma matéria de grande importância, temos a noção de que é preciso que existam regras e normas claras que disciplinem e enquadrem este problema. O carácter arqueológico, histórico e artístico de muitos dos nossos tesouros e patrimónios não pode continuar como está hoje, sem enquadramento legal, e por isso votaremos favoravelmente, na generalidade, este diploma
Queremos, no entanto, que na reunião de amanhã da Comissão de Educação, Ciência e Cultura presida um espírito de elaboração de um texto de consenso, porque há um efectivo consenso, como já tivemos oportunidade de constatar em reuniões anteriores da comissão, apesar de existirem algumas divergências. E se essas divergências não forem limadas, a votação, na generalidade, deste diploma poderia induzir em sentido diverso daquele que é o que preside a uma votação «de última hora», ou dos últimos dias da sessão legislativa, que é o de apenas possibilitar a elaboração de um texto de consenso na comissão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos oportuno este projecto de lei e concordamos, na generalidade, com o seu conteúdo fundamentalmente pelo facto de não haver, neste momento, qualquer instrumento legislativo que possa, de algum modo, enquadrar o funcionamento dos «detectoristas», que têm assumido, como sabemos, nos últimos anos, graves proporções quer participando quer ajudando, de algum modo, na destruição de estratigrafia e retirando do contexto onde eles se encontram objectos que são valiosos para o nosso património histórico e que, de algum modo, reflectem, como elemento contextualizado, a sua própria existência nesse mesmo local.
Outros países da União Europeia têm instrumentos legislativos sobre a mesma matéria, embora nem todos com o carácter punitivo e proibitivo do projecto de lei que o Partido Socialista nos traz hoje para discussão. Há países onde esta questão já não se põe exclusivamente ao nível da proibição e da punição, mas, no fundamental, ao nível da colaboração. Portanto, os «detectoristas» trabalham com detectores de metais, participando em associações de defesa do património e colaborando nessa mesma defesa.
No entanto, o facto de a nossa consciência patrimonial ter, de algum modo, «acordado» muito recentemente e de, em termos pedagógicos, ter ainda um percurso relativamente recente, leva-nos a considerar que este conteúdo mais punitivo e proibitivo do projecto de lei do PS não é, de modo algum, desvantajoso, antes pelo contrário. Consideramos, por isso, que este primeiro patamar de actuação poderá passar por um instrumento legislativo com este carácter punitivo e proibitivo, mas que, em momento posterior, poderá ter uma leitura sobejamente diferente. Ou seja, mais tarde, poderemos apostar numa actuação de carácter mais participativo, de colaboração e de interajuda com as associações de defesa do património.
Também entendemos que seria vantajoso que, simultaneamente com este projecto de lei, no caso de ele ser aprovado e melhorado - estamos convictos de que é o que vai acontecer -, pudesse ser feita alguma sensibilização no sentido de enquadrar os «detectoristas» em associações de defesa do património, informando-os e activando a sua participação em termos pedagógicos para que eles não possam entender este instrumento legislativo meramente como um condutor de proibição e de punição posterior.
Como há pouco referi, nesta matéria, Portugal «acordou» tardiamente e muito temos de aprender com outros países que estão muito mais adiantados do que nós neste domínio.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado Manuel Frexes e ao facto de ter falado de um eventual consenso da Comissão. de Educação, Ciência e Cultura para que se procedesse, ainda hoje, à discussão e votação na generalidade e na especialidade deste projecto de lei, devo dizer que isso não corresponde exactamente à posição de conjunto da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. Já fizemos questão de o explicitar hoje, durante a manhã, e portanto não damos, de modo algum, o nosso consenso para que a discussão e votação na especialidade possa ocorrer hoje.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Exactamente. Foi o que eu disse!

A Oradora: - Fiquei com a impressão - e peço imensa desculpa se não foi assim - de que o Sr. Deputado fez questão em manter as duas opções como ainda viáveis, durante a intervenção que fez!
Se, por acaso, não foi assim, melhor, porque está já prevista uma reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura para amanhã, durante a tarde, que poderá permitir à comissão avançar no sentido de melhorar o texto apresentado pelo Partido Socialista e, de algum modo, enquadrar as alterações que foram sugeridas pelo PSD, para além de outras propostas que possam surgir da parte de outros grupos parlamentares. Isto porque - falando já um pouco sobre o articulado do projecto de lei -, na nossa perspectiva, há algumas melhorias a introduzir e uma opção

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de fundo a tomar: ou estamos perante um projecto de lei muito na vertente daquele que o Partido Socialista apresentou, um projecto suficientemente abrangente, lato e que não tem a ver apenas com a área da arqueologia, ou estamos perante um projecto de lei que, sendo alterado de harmonia com as propostas do PSD, pode correr o risco de afastar a sua leitura e a sua actuação de uma área tão abrangente como aquela que está prevista para passar a regular uma área muito mais restritiva, a área da arqueologia.
Esta é uiva questão que deve merecer a nossa maior atenção e nós consideramos que o texto do projecto de lei, tendo em conta a sua latitude inicial e a sua abrangência inicial, é muito mais vantajoso para a defesa do património do que uma eventual alteração que lhe atribua um carácter restritivo. Ou, então, consideramos que, neste país, não há mais nada a defender a não ser os objectos encontrados dentro do espaço da arqueologia e, portanto, não tem lógica o conteúdo do artigo 1.º, que remete para a numismática e para outras áreas, que não a arqueologia.
Temos de encontrar um texto razoável, mas não pode ser um texto que esteja dividido ao meio, que, em determinada fase do articulado, aposte na aérea da arqueologia e, na outra metade, aposte numa aérea muito mais lata, que passe pela história, pela arte, pela numismática, etc.
Temos de encontrar um texto razoável e dai que o avançar rapidamente, hoje, para a discussão e votação na especialidade do projecto de lei pudesse, de algum modo, pôr em causa um aperfeiçoamento e uma melhoria do próprio diploma.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece que podemos chegar à seguinte conclusão: o projecto de lei votar-se-ia amanhã, na generalidade, e, se já houver um texto final, na especialidade e em votação final global. Se não houver, temos ainda depois de amanhã para fazer a votação.

Pausa.

Estamos todos de acordo sobre esta questão e estamos também de acordo no sentido de desejarmos uns aos outros uma boa noite e um bom jantar.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se, amanhã, quinta-feira, dia 2 de Julho, a partir das 15 horas, e terá como ordem do dia a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 253/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre a alteração ao Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, e 277/VII - Autoriza o Governo a rever o Regime Jurídico dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 422-A/93, de 30 de Dezembro, a discussão, também na generalidade, da proposta de lei n.º 257/VII - Autoriza o Governo a aprovar os estatutos dos despachantes oficiais e revogar artigos do Decreto-Lei n.º 46 311, de 27 de Abril de 1965, e o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 513F1/79, de 27 de Dezembro, que aprova a reforma aduaneira, a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 273/VII - Autoriza o Governo a aprovar o estatuto profissional do pessoal dos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a discussão conjunta, ainda na generalidade, dos projectos de lei n.º5 658/VII - Apoio á aquisição de instrumentos de música por bandas filarmónicas e outras formações musicais (PS) e 674/VII - Apoio ao associativismo cultural popular (PSD). Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

António Joaquim Correia Vairinhos.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Calvão da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular(CDS-PP):

Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.

altaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
António José Martins Seguro.
Jorge Lacão Costa.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Maria Teixeira Dias.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Mário Manuel Videira Lopes.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Luís Carlos David Nobre.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular(CDS-PP):

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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Diário Assembleia da República

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