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0358 | I Série - Número 10 | 13 De Outubro De 2000

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um ano morreu alguém que gostava de ser quem era. Alguém que «tinha alegria nos olhos» e «tinha sorrisos na boca». Alguém que «lavava no rio, lavava» e cantava o povo que lava no rio. Alguém que entrou na «vida a cantar» para cantar a «Casa Portuguesa».
Amália Rodrigues partiu há um ano julgando que não voltava. Despediu-se: «Adeus amigos que tive, vou embora já não venho.». E, ao partir, não sabia «por que voltas da lei» teria de continuar também junto à gente da sua terra.
Amália disse: «Faço acto de contrição/Senhor meu Deus perdoai-me/Dou-vos o meu coração (…)». Mas sabia que o Misericordioso não se opunha a que no «Portugal dos Portugueses» lhe fosse também reservada morada eterna. Hoje, porém, onde está já sabe «por que voltas da lei» ingressará no Panteão Nacional.
Amália tem sempre, sempre teve e sempre terá o voto e a aclamação de todos os portugueses. Amália é, sempre foi e sempre será, a eleita de todos e de todos a representante por excelência.
Não mercadejou o voto, não procurou o favor nem aceitou a benesse comprometedora. Não subiu aos altares da fama pela mão do subsídio sem norte. Amália foi sempre o que é a arte: independente, livre, sempre coração, sempre um enorme coração, sempre «um perfeito coração».
No fado, na poesia, no teatro ou no cinema, Amália conquistou um lugar de privilégio no panteão da cultura portuguesa.
Amália era a cultura em forma de voz. A nossa voz, a nossa cultura, cantada e espalhada por toda a parte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se há deliberação desta Casa que colha ao aplauso de todo o povo português, é essa de dar por morada a Amália o Panteão Nacional. Este será o seu fado, escrito por nós!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão em discussão dois projectos que visam alterar o regime legal das honras de Panteão e trasladar os restos mortais de Amália Rodrigues para o Panteão Nacional. Esta é, certamente, a oportunidade de, na sede de democracia portuguesa, evocarmos um dos maiores vultos da nossa cultura no Século XX.
Amália Rodrigues é, certamente, um dos nomes portugueses com dimensão mundial e uma das figuras que, quando discutimos honras do Panteão, ganhou perante a Nação o estatuto que noutra tradição cultural distingue, por exemplo, aqueles que em França são designados como «os imortais». É certo que um sentimento nacional é superior aos feitos ou ao talento dos que o interpretam num dado momento, mas não é menos verdade que a natureza de um povo ou a forma de estar e de ser portuguesas só são claramente reconhecíveis e imortalizáveis na expressão cultural dos seus maiores autores e intérpretes.
É o caso de Amália Rodrigues. O seu segredo, para além de uma voz única, inconfundível e inesquecível, terá sido o de, quase como ninguém, interpretar o sentimento e a alma nacional.
Qual o seu segredo? A rapariga pobre do bairro operário de Alcântara e a humilde e tímida vendedora de mercado tornou-se, fruto do seu talento e da sua personalidade, uma figura de renome mundial e uma diva admirada ou mesmo idolatrada em todo o mundo, convivendo com os maiores nomes do mundo das artes, da cultura ou mesmo da política. E é talvez esta combinação da artista de renome mundial - foi considerada uma das quatro vozes do século XX, a par de Sinatra, de Piaf e de Callas - com a personalidade de uma mulher humilde e do povo que fizeram de Amália Rodrigues um caso único. A altivez e a nobreza de atitudes, o porte aristocrático combinado com a humildade de quem sempre quis ser do povo talvez sejam parte importante do segredo de Amália e, certamente, também parte do segredo do que é ser português.
Talvez por isso mesmo os projectos que hoje discutimos tenham alguns aspectos susceptíveis de controvérsia. Contudo, ao subscrever e apoiar estes projectos, o CDS-PP quis participar num consenso e numa homenagem a Amália Rodrigues. Fazêmo-lo, no entanto, conscientes de que Amália foi sempre mais do povo e do seu público do que do Estado ou dos políticos.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Basílio Horta.

Fizemo-lo conscientes também de que esta não seria a única solução e que, a ser aprovada, será necessário garantir que o culto de admiração popular pela artista possa ter expressão.
E mais terá de ser feito. Não sei se realizando um monumento, se pela importância que conferirmos ao seu património - infelizmente também não isento de polémica quanto ao seu destino - ou se pela participação do Estado na realização de um museu destinado à sua figura. O que é certo é que a nossa responsabilidade maior é a de que a voz, o nome e a personalidade de Amália Rodrigues possam continuar próximos do povo e que, como um símbolo da nossa cultura, ela esteja acessível a todos os que nos visitam e que querem conhecer a sua obra.
É importante que o façamos por consenso e por acordo. Se perguntarmos qual foi o maior segredo de Amália, esse foi certamente o de sempre ter unido e nunca ter dividido. E o de ter dado a conhecer ao mundo o que Portugal tem de mais belo: a nossa poesia e os nossos poetas. Pela voz única de Amália, o mundo ouviu, entre outros, Camões, Pessoa, Pedro Homem de Melo, José Régio, Alexandre O´Neill, Ary dos Santos, Cecília Meireles, David Mourão Ferreira, ou, entre os presentes, Manuel Alegre. Levou a nossa poesia a todos sem distinção, de Moscovo a Nova Iorque, passando pelo Japão e pelos esmagadores triunfos de Paris.
Amália cantou e encantou - nunca fez política.
É curioso registar que precisamente num país tão distante geográfica e culturalmente como o Japão existem três escolas onde, graças à Amália, se ensina e se aprende o fado e, através do fado, se conhece a poesia portuguesa. Todos estes feitos explicam um pouco o segredo, o sucesso e o mistério de Amália Rodrigues. Mas não completamente. A própria Amália Rodrigues dizia não saber explicar o seu percurso único: «Eu não sei explicar a minha vida. Julgo até que não vivi a vida, foi a vida que me viveu.».
Depois de uma vida cheia de glórias e de triunfos e um ano após a sua morte, cabe ao poder político honrar,

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