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0359 | I Série - Número 10 | 13 De Outubro De 2000

dignificar e preservar uma figura tão ímpar e tão identificada com Portugal. A nossa responsabilidade é a de fazer com que o povo possa continuar a viver com Amália, de fazer com que as novas gerações de portugueses tenham acesso à sua obra e de fazer com que esta seja dada a conhecer ao mundo. Para que os nossos filhos ou, se quiserem, para que um jovem aluno da escola de fado de Tóquio possa, ao chegar a Portugal, saber que está no país de Amália e que o seu nome e a sua memória são aqui sentidamente acarinhados e preservados. Não é tarefa menor, no momento em que lamentavelmente - porque também temos sempre as nossas misérias mediáticas - se procuram levantar algumas polémicas tristes e pequenas sobre a sua vida ou mesmo sobre a sua morte, em vez de fazer o que deve ser feito: honrar o seu nome e divulgar a sua obra. Dar a conhecê-la é fazer com que os nossos jovens gostem de Amália. Nas palavras da grande artista «... Porque se alguém gosta de mim, algo de mim sobrevive».
Que a obra de Amália sobreviva é a tarefa mais importante e que se sobrepõe a tudo. Mesmo à explicação desse destino ímpar, pois esse, mais que todos os louvores e discursos, terá uma razão: a de uma vida que a própria dizia não saber explicar: «Julgo que não vivi a vida, foi a vida que me viveu». Um percurso único e 50 fabulosos anos de carreira. Os louvores, a admiração, tudo, certamente, foi por vontade de Deus.

Aplausos do CDS-PP, do PS, do PSD, do PCP e de os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Há um ano, Lisboa despedia-se de Amália, transportando de S. Bento à Estrela e aos Prazeres, quer pelo silêncio, quer pelo poema cantado, a emoção, o afecto e naturalmente a dor de quem perdia, por morte não anunciada, parte de um todo que a todos pertencia.
Homens e mulheres de um povo que, anónimo, se identificava, ria e chorava, lembrando acordes de guitarra que à «dor inúmeras vezes mataram a sede».
Amália «gostava de ser quem era».
Filha de uma família pobre e numerosa que um dia parte para Lisboa à procura de melhores dias. Mas as expectativas não se concretizam, e ei-los que partem e Amália fica.
Aprende a língua portuguesa a cantar para o «povo que lava(s) no rio», para as vizinhas que lavam a roupa na selha e os aplausos ecoam pelas ruas apertadas do bairro lisboeta, quando não tinha, sequer, meia dúzia de anos. Não conhece brinquedos, mas sabe algumas cantigas. No bairro, pedem-lhe que cante e, em troca, enchem-lhe as algibeiras do bibe com rebuçados e moedas.
Não longe desta casa, na Escola Primária da Tapada da Ajuda, menina ainda, ela ouve, pela primeira vez, as palmas de um público mais vasto que a escuta, adivinhando a prazo talento e sucesso.
Mas a escolaridade acabou cedo. Foi necessário aumentar os parcos recursos da família com o seu próprio labor. Parece fado de gente pobre. Grandes e pequenos garantem o sustento da casa.
E ela parte para o cais da Rocha, em Alcântara, vendendo fruta e cantando alegrias e tristezas de um povo que, então, parcas razões tinha para cantar o presente, porque distante estava ainda a madrugada da liberdade.
«Estranha forma de vida», não por ser desconhecida, mas diferente, diria o poeta de Bárbara Escrava, a Negra Cativa, e talvez, em rodapé, acrescentasse «igual a tantas outras».
António José Saraiva diz que o fado é a expressão mais popular desse «gosto de ser triste: é um lamento entrecortado de soluços».
Amália interpretou este sentir, apreendeu este ser e estar português, cantou e recriou o fado.
Ela explica o seu engenho e arte com uma simples e natural metáfora: «Nem sei como hei-de explicar isto. Talvez eu não seja criadora, mas quando canto estou a inventar. E, para inventar, preciso de música. O fado, quando comecei, era amarrado como se tivesse só uma divisão e a minha maneira de cantar deu-lhe mais duas casas.»
No teatro de revista, nas operetas, no cinema, nas casas de fado a sua voz sofrida ecoa, e talvez por isso ela confesse: «Quando canto, escuto-me, e quando me escuto acabo a chorar.»
O País é então já insuficiente para a cantadeira, e o mundo abre as suas portas a uma voz que expressa e sente o sofrimento sem precisar de fingir que é dor a dor que deveras sente.
Europa, África, América e Ásia rendem-se ao seu fascínio.
O mundo conhece e reconhece em Amália Portugal e os Portugueses.
A língua portuguesa ri e chora com ela, ao som da guitarra.
Poetas anónimos, trovadores medievais, Camões, Ary dos Santos, David Mourão Ferreira, Natália Correia, Vinícius de Morais são apenas, e só, alguns dos textos fadados pela arte de uma voz prenhe de emoção sensual e musical que «é património vivo da nossa cultura, do nosso país e do nosso povo».
Há um século, a cantiga, o fado irrompia nos bairros operários de Lisboa; depois cresceu, invadiu o urbano e o rural, e hoje «anda ainda na minha rua e o sol também».
Amália canta, e o País entrega-lhe hoje, aqui, as honras de Panteão Nacional

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, sublinhamos em Amália a excelência da arte, o cruzamento da expressão popular e da melhor poesia, um timbre único, a alegria do trauteio, mas também a voz mais afinada que ecoou nas sete partidas.
Sublinhamos em Amália a sua origem que, constantemente, foi também a sua devoção: a dos bairros populares de Lisboa, de onde se lobriga o Tejo, de onde se vêem as chaminés, as docas, os bairros antigos e onde há profusão de culturas. Também Amália foi multicultural na expressão do fado.
Sublinhamos em Amália a alegria de vida, sublinhamos em Amália a vontade de viver mais, de viver mais além.
A República inclina as suas bandeiras perante Amália. Amália merece esta homenagem da República.

Aplausos gerais.

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