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Terça-feira, 7 de Novembro de 2000 I Série - Número 20

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE NOVEMBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 326/VIII.
Iniciou-se a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 47/VIII - Grandes Opções do Plano Nacional para 2001 e 48/VIII - Orçamento do Estado para 2001. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres), os Srs. Deputados Durão Barroso (PSD), Carlos Carvalhas (PCP), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Francisco de Assis e Manuel dos Santos (PS), Octávio Teixeira (PCP), José Penedos (PS), Paulo Portas (CDS-PP), João Cravinho (PS) e Helena Neves (BE).
Entretanto, a Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de um Deputado do PSD e outro do CDS-PP.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Dinis Manuel Prata Costa
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco D'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António D'Orey Capucho

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António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Francisco Augusto Caimoto Amaral
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da França
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Daniel Rosas Campelo da Rocha
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 326/VIII - Elevação da povoação de Vila Nova da Rainha, no concelho de Azambuja, à categoria de vila (PS), que baixou à 4.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje é preenchida, como sabem, pela discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 47/VIII - Grandes Opções do Plano Nacional para 2001 e 48/VIII - Orçamento do Estado para 2001.
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate sobre o Orçamento do Estado e as Grande Opções do Plano é,

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seguramente, o mais iminentemente político em que participei até agora. É verdade que está em causa o conteúdo do Orçamento e é verdade que estão em causa as propostas do Orçamento, mas todos reconhecerão que hoje, acima de tudo, o que está em causa é o futuro da situação política, económica e social do País.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - E a posição do Governo a este respeito é muito clara: entendemos que este Orçamento deve ser aprovado, é necessário que seja aprovado a bem de Portugal e dos portugueses. Por isso, me dispus, desde a primeira hora, ao diálogo com todos no sentido de encontrar as formas de o aperfeiçoar que permitissem, simultaneamente, a sua viabilização nesta Câmara.
Assumimo-nos como um factor de estabilidade. Não queremos crises políticas, não queremos eleições antecipadas, queremos cumprir o nosso mandato até ao fim e só depois sermos julgados pelos portugueses em função da forma como soubermos cumprir esse mandato. Esse é o nosso desígnio.
O PS e o Governo são factores de normalidade democrática e assim se comportarão no Orçamento do Estado para 2001.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de chamar a atenção da Câmara, porque, se 2001 vier a não ter um Orçamento, tal não gerará uma crise política igual às outras. Se 2001 vier a não ter um Orçamento, teremos, para além de uma crise política, um ano de verdadeira paralisia no País, porque todos reconhecem que sem Orçamento não é possível governar e, atingida uma situação de impasse, a única saída está, obviamente, em eleições antecipadas.
Só que, por razões constitucionais, essas eleições antecipadas não poderão ser realizadas antes de Maio ou Junho do próximo ano. Por isso, na melhor das hipóteses, mesmo que se forme então uma maioria para aprovar um Orçamento, não teremos Orçamento antes de Outubro do próximo ano.
Votar contra este Orçamento do Estado para 2001 é, assim, não apenas aceitar partilhar a responsabilidade por abrir uma crise política, mas aceitar fazê-lo em condições que podem gerar um ano de paralisia na vida do País, com a realização de três eleições: presidenciais, legislativas e autárquicas. E, seguramente, todos compreendem os efeitos que essa instabilidade política produziria, quer na credibilidade externa do nosso país, quer na confiança das instituições, das pessoas e dos agentes económicos. Se isso acontecesse, teríamos, necessariamente, menos investimento, menos emprego, menos desenvolvimento e mais sacrifício para as pessoas, mais sacrifício para os nossos cidadãos.
Então, àqueles que hoje dizem que a situação económica está mal perguntamos: se ela está mal hoje, como ficaria depois desse ano de paralisação?

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - Àqueles que hoje dizem que a economia portuguesa cresce pouco, perguntamos: quanto cresceria depois desse ano de paralisação?
Isto, sem falar, como é natural, nas dificuldades práticas que governar com duodécimos, durante 10 meses, inevitavelmente trará, não ao Governo mas às pessoas, aos cidadãos e às empresas deste país.
Gostaria de vos dizer que, a esse respeito, o Governo não fez nem fará qualquer chantagem. E é bom esclarecer dois pontos: o primeiro tem a ver com os salários da função pública e o segundo com as pensões de reforma.
Em relação aos salários da função pública, o que dissemos é que não era possível iniciar uma negociação sobre os aspectos quantitativos do aumento da função pública sem ter uma ideia sobre o destino do Orçamento do Estado. Mas dizemos, também, que no dia 10, qualquer que seja o resultado da votação que aqui ocorrer, se iniciarão negociações em relação ao próprio valor dos aumentos da função pública.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Só que sejamos claros: essas negociações terão natureza diferente com um Orçamento em vias de ser viabilizado ou com um Orçamento inviabilizado. É que, com um Orçamento em vias de ser viabilizado, essa negociação conduz a um resultado e esse resultado leva a um aumento que começa a processar-se no vencimento das pessoas em Janeiro do próximo ano. Sem Orçamento, essa negociação pode, quanto muito, conduzir a um compromisso político, que será necessariamente honrado um dia, quando houver Orçamento, com retroactivos, embora com a precariedade que decorre de, pelo meio, poder haver eleições e de essas eleições poderem conduzir a um resultado político diverso daquele que conduziu a essas mesmas negociações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Deus o oiça!

O Orador: - Da mesma forma acontece em relação às pensões. Nós vamos, a partir do dia 1 de Dezembro, aplicar os aumentos das pensões de reforma, e fazemo-lo apesar de não ter cobertura, à luz da Lei de Bases da Segurança Social, para uma parte desses aumentos, graças à autonomia do orçamento da segurança social.
No entanto, sejamos claros: fazemo-lo porque as pessoas estão em primeiro lugar; fazemo-lo porque entendemos que as pessoas não podem, de facto, esperar! Mas sabemos que corremos um risco: o de, se não for aprovado o Orçamento, isso conduzir a uma descapitalização da segurança social. E espero que não venhamos a ser atacados por Deputados dos partidos da oposição, argumentando, então, que não cumprimos a lei de financiamento da segurança social!

Aplausos do PS.

Isto sem falar que, como é óbvio, um país que vive com duodécimos durante 10 meses dificilmente evitará rupturas em fornecimentos essenciais, nomeadamente no serviço de saúde, e trará um prejuízo indiscutível para todas as autarquias deste país, que deixarão de poder utilizar o aumento previsto - cerca de 50 milhões de contos -, que só ficará disponível lá para Novembro do ano que vem, ou seja, tarde demais, com consequências inevitavelmente negativas para o bem-estar de todos os portugueses.
Por isso, compreendemos a preocupação e a ansiedade de muitos autarcas em relação à aprovação do Orçamento e a recente posição da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos os líderes dos partidos de oposição anunciaram que votariam contra,

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na generalidade, este Orçamento do Estado. Todos assumem assim, conjuntamente, a responsabilidade de promover uma coligação negativa para derrubar o Orçamento e abrir o caminho a uma crise política, embora não façam, conjuntamente, a apresentação de uma qualquer alternativa política para o País.

Aplausos do PS.

É, de facto, mais fácil unir para destruir do que unir para construir!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto que é verdade ao nível do conjunto da Câmara é ainda mais verdade - curiosamente - ao nível dos grupos políticos que se situam, respectivamente, à esquerda e à direita do PS.

O Sr. António Capucho (PSD): - São todos!

Risos do CDS-PP.

O Orador: - É, de facto, possível fazer a pergunta: onde está o projecto comum do Bloco de Esquerda e do PCP? E onde está o projecto comum do PSD e do PP? Aliás, neste último caso, a situação é ainda mais complexa, uma vez que temos assistido a um jogo de «casa» e de «descasa», de aproxima e de afasta, jogo esse que já teve, por duas vezes, consequências nefastas: numa primeira vez, o PSD ficou refém do PP e votou contra a Lei de Bases da Segurança Social;…

O Sr. António Capucho (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - … agora, é o PP que fica refém do PSD e vai, ao que parece, votar contra a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2001!
Todos assumem, assim, a mesma responsabilidade. Mas é necessário reconhecer, com verdade, que nem todos têm as mesmas motivações.

O Sr. António Capucho (PSD): - E em relação ao Orçamento?!

O Orador: - Há forças políticas que vão votar contra numa perspectiva de «bota-abaixo», mas por razões que têm a ver com as suas próprias contradições internas. São as forças políticas que votam contra, desejando que alguém vote a favor;…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ora, aí é que está!

O Orador: - … são as forças políticas que contribuem para abrir uma crise na esperança de que alguém as salve dessa crise.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não deixa de ser curioso que essas forças políticas tenham tido, nos últimos tempos, uma enorme preocupação em atribuir ao Governo, ao PS e a mim próprio a responsabilidade por uma qualquer crise política originada pelo chumbo do Orçamento.
Aliás, não deixa de ser curioso ouvir as afirmações do líder do principal partido da oposição, quando diz: «Um Primeiro-Ministro que não consegue o apoio de um só Deputado para viabilizar o Orçamento do Estado é, necessariamente, responsável pela abertura de uma crise política em Portugal».

Aplausos do PS.

Devo dizer que esta tentativa de responsabilização faz lembrar uma frase da minha região, a de que «quem faz o mal, faz também a caramunha», ou seja, contribui-se através do voto contra para abrir uma crise e responsabilizam-se aqueles que votam a favor e querem viabilizar o Orçamento das culpas dessa mesma crise se ela for aberta!
Mas há outro tipo de motivações. Há aqueles que vão votar contra este Orçamento, porque querem eleições antecipadas, porque olham para as sondagem e parecem intuir delas que têm hipótese de aumentar alguma coisa, nem que seja 2% ou 3%, e querem contabilizar imediatamente esses 2% ou 3% em eleições antecipadas.
Dá vontade de perguntar: não se dão ambos conta de que esse é um jogo perigoso? Não se dão ambos conta de que é perigoso votar contra na perspectiva de que alguém esteja a fazer bluff e acabe por votar a favor? Não se dão conta de que não faz qualquer sentido, a prazo, tentar contabilizar agora 2% ou 3% numas eleições antecipadas, à custa da paralisia do País, do sacrifício indiscutível da sociedade e da economia portuguesas e da própria governabilidade da situação política em Portugal?

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados: Há mais de 20 anos que todos os Orçamentos do Estado são aprovados na generalidade por esta Câmara. Apetece perguntar: o que é que este Orçamento tem assim de tão singular que mereça ser reprovado?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mesmo os nossos adversários políticos reconhecem que este Orçamento, que consideram mau, é melhor que o Orçamento para 2000.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Menos mau!

O Orador: - Pergunto: como pode a mesma Assembleia, que viabilizou o Orçamento para 2000, chumbar agora o Orçamento para 2001.

Aplausos do PS.

Permitam-me mais algumas qualificações.
No debate do Orçamento para 2000, o Sr. Deputado Octávio Teixeira teve ocasião de dizer, com muita clareza, o seguinte: «A questão central deste Orçamento, nas perspectivas ideológica, política e social, é, definitivamente, quer o Sr. Primeiro Ministro goste ou não, a questão da política fiscal.» Apetece-me responder: a questão central deste Orçamento para 2001, nas perspectivas ideológica, política e social, é, definitivamente, quer o PCP goste ou não, a questão da política fiscal.

Aplausos do PS.

Ora, o que é totalmente incompreensível é que, estando este Orçamento do Estado intrinsecamente ligado à lei da

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reforma fiscal apresentada nesta Câmara, e tendo o PCP votado a favor dessa proposta de lei, vote hoje contra um Orçamento em que, quer o PCP goste quer não, a questão central, nas perspectivas ideológica, política e social, de acordo com o PCP, é, definitivamente, a questão da política fiscal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Orçamento para 2000 foi viabilizado pelo PP, em grande medida, no essencial, porque ele trouxe consigo um benefício muito representativo nas pensões de reforma de um sector importante: o sector dos trabalhadores rurais. Ora bem, o Orçamento para o ano 2001 é o primeiro que, finalmente, consegue consagrar as condições para um sistema global de pensões mínimas mais justo e mais equitativo, em que as mais baixas de todas as pensões têm um aumento muito significativo. Apetece perguntar: se se viabiliza o Orçamento para 2000, por que razão não se viabiliza, exactamente pelas mesmas razões, o Orçamento para 2001, que representa um passo em frente na mesma caminhada que foi considerada tão importante no ano passado?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Quanto ao PSD, sabemos que vota contra em nome de uma discordância fundamental sobre a política económica e financeira com o Governo.
Na ausência do plano de emergência - é verdade que ainda não caducou o seu prazo mas, seguramente, não teria tanta emergência como isso porque já lá vão 46 dias! -,…

Protestos do PSD.

… vamos procurando intuir essas diferenças naquilo que vai sendo dito por personalidades reconhecidamente relevantes do PSD. Ora, ouvindo aquela que mais tem falado em concreto, o Prof. Cavaco Silva, começo a perceber quais são as divergências fundamentais.

O Sr. António Capucho (PSD): - Mas falta assimilá-las!

O Orador: - Para o PSD é preciso aumentar os combustíveis o mais depressa possível. Até já deviam ter sido aumentados há bastante tempo!

Protestos do PSD.

Para o PSD é preciso aumentar já as portagens da Ponte 25 de Abril.

Protestos do PSD:

Para o PSD é preciso reduzir os benefícios dos pensionistas da função pública. Para o PSD é preciso acabar com o rendimento mínimo garantido.

Protestos do PSD.

Será em nome dessas divergências explicitadas pelo Prof. Cavaco Silva que o PSD vai votar contra este Orçamento do Estado para 2001?
Mas não há apenas razões de política geral para votar a favor deste Orçamento. Este Orçamento deve ser votado pelos seus méritos próprios, pelo que representa e pela importância que tem para o desenvolvimento do País. Ele é, seguramente, um Orçamento de consolidação e um Orçamento virado para a renovação e a modernidade. Todavia, ele tem valores essenciais em que assenta: a consciência social e a justiça e equidade, traduzidas com plena clareza, sobretudo, no plano fiscal.

O Sr. António Capucho (PSD): - Quando é que começamos a discutir o Orçamento?!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, a consciência social.
Ao contrário do que muitos esperavam, no Orçamento do Estado para 2001, a despesa social continua a crescer em percentagem do total da despesa pública, atingindo o seu maior valor de sempre. Quando cheguei ao governo, em 1995, a despesa social representava 45,6% da despesa pública; neste Orçamento, representa 56,8%. Àqueles que dizem que isto se deve a um truque de contabilidade por causa dos juros da dívida pública, sem juros de dívida pública representava 54,7%, em 1995, e representa, hoje, 63,9%.
Esta é uma mudança de fundo nas finanças públicas portuguesas; esta é uma mudança de fundo na atribuição das prioridades do Estado, erigindo como primeira prioridade a consciência social. Ora, tenho muito orgulho que esta mudança de fundo se tenha produzido, nos últimos cinco anos, com um governo do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

Não basta aumentar a despesa, é necessário garantir que ela seja eficaz e reprodutiva. Aos que têm uma visão tecnocrática gostaria de dizer: não há futuro sem aposta na educação e na formação, e isso custa dinheiro; não há futuro sem coesão porque a coesão é factor de competitividade, e isso também custa dinheiro. Temos orgulho nas nossas prioridades e na maneira como as exprimimos em sede orçamental.
Este Orçamento é particularmente relevante ao clarificar e dar, finalmente, coerência global ao sistema de pensões mínimas que defendemos para os idosos em Portugal. Articulando o Orçamento do Estado com a Lei de Bases da Segurança Social e com dois princípios fundamentais - dar mais a quem mais precisa e valorizar o trabalho, valorizando as pensões em função também das carreiras contributivas, daquilo que cada um deu numa vida inteira de trabalho à própria sociedade ao descontar para a segurança social - temos, a partir de hoje, um sistema de pensões mínimas coerente, justo e equitativo.
Em 1995, quando iniciei funções, havia três pensões mínimas em Portugal: a pensão social, com 17 500$; a pensão dos rurais, com 19 600$; e a pensão mínima do regime geral, com 27 600$.
Qual foi a nossa estratégia ao longo destes anos? Começámos por diferenciar os valores mínimos das pensões do regime geral, porque não é a mesma coisa tratar de uma pessoa que descontou durante 40 anos, uma vida inteira, e uma pessoa que descontou apenas dois ou três anos nesse mesmo regime geral. Por isso, a pensão mínima, em 2001, para quem tenha toda uma carreira contributiva é de 59 630$; para quem descontou 15 anos é de 38 760$; para quem descontou menos de 15 anos é de 36 000$, definindo já a Lei de Bases da Segurança Social que caminhará para, pelo menos, 40 000$, em 2003.

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As pensões para os rurais viram-se com dois aumentos extraordinários, o do ano passado e o de 2001, e com o aumento ordinário deste ano fixar-se, em 2001, em 32 300$.
Por outro lado, a pensão social, com o complemento de solidariedade introduzido e suportado este ano pela transferência do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social, vê-se majorada para 31 250$ para os maiores de 70 anos e para 28 750$ para os menores de 70 anos. Pergunto: é muito? Não! É pouco! Gostaria que fosse muito mais, mas todos têm de reconhecer que é um enorme esforço no sentido da justiça, e é um enorme esforço sem demagogia porque valoriza tanto o problema dos que não têm como valoriza também o valor e a dignidade do trabalho da sociedade portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem tiver dúvidas sobre a consciência social deste Orçamento que atente no aumento das despesas com a acção social. Chamo a atenção para o facto de não serem despesas para serem realizadas pelo Estado. São despesas para serem realizadas pela sociedade civil apoiada pelo Estado. É um aumento de 15,7% num ano de forte contenção orçamental.
Vamos ter, em 2001, uma expansão, sem precedentes, do pré-escolar e das vagas em creches, que duplicarão até 2006.

O Sr. António Capucho (PSD): - 2006?!

O Orador: - Vamos continuar numa lógica em que o apoio domiciliar aos idosos duplica duas vezes em duas legislaturas. 2001 é o ano da generalização e do aumento dos complementos de pensão com dependentes e, sobretudo, com grandes dependentes, que são hoje uma preocupação fundamental na sociedade portuguesa.

Risos do PSD.

Os Srs. Deputados riem-se. É pena que não compreendam a importância destas prestações!

Aplausos do PS.

Vamos continuar, em 2001, a campanha intensa de encerramento de lares privados onde os idosos são tratados em condições desumanas, como temos vindo a fazer nos anos anteriores, porque, felizmente, estamos a criar as condições para que se criem vagas indispensáveis para encontrar para eles um lugar que respeite a sua dignidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - 2001 será o ano em que todos os beneficiários do rendimento mínimo garantido verão oferecido um emprego ou uma oportunidade de formação. 2001 será o ano em que, finalmente, todos os desempregados verão oferecidos também um emprego ou uma oportunidade de formação antes de completarem um ano de desemprego. Em 2001, o orçamento da saúde aumenta 12,6%.
Numa matéria que é sensível a todos os Srs. Deputados e em que o texto original do Orçamento é ainda, em nosso entender, deficiente, quero reiterar a disponibilidade do Governo para, em diálogo com todos, encontrar uma melhor solução no que diz respeito às deduções que, em matéria fiscal, se aplicam às despesas com os empréstimos contraídos para aquisição de casa própria.
Para nós o debate sobre o Orçamento não está fechado, continuamos abertos ao diálogo para o aperfeiçoar com todos, independentemente da forma como votem o Orçamento na generalidade.

Aplausos do PS.

Consciência social mas também justiça e equidade, sobretudo no plano fiscal, são duas realidades interligadas.
Vimos como a aposta na consciência social está bem marcada na despesa pública em 2001, mas a pedra de toque dessa consciência social, em 2001, tem a ver com a reforma fiscal e com a sua interligação com o Orçamento do Estado. Uma reforma profunda e corajosa que, estou certo, surpreendeu todos aqueles que afirmavam que este Governo não tinha a vontade de realizar reformas na sociedade portuguesa.
O princípio fundamental é conhecido: obrigar a pagar quem não paga e deve pagar, para permitir que os que pagam possam ser desagravados. E estes são, sobretudo, os trabalhadores por conta de outrem, as classes médias e as empresas cumpridoras, os quais podem e merecem ver desagravada a sua situação fiscal.
Reconhecemos que, apesar de todos os progressos que já foram feitos, há ainda muitas coisas inaceitáveis no nosso sistema fiscal. Reconhecemos ser inaceitável que 75% do rendimento tributável em IRS seja proveniente do trabalho dependente e que só 8% provenha das profissões liberais e dos empresários em nome individual. Reconhecemos que isto está mal e que tem de ser corrigido. Reconhecemos que também não faz sentido que, em 250 000 empresas, 50 paguem metade do total do IRC.
Por isso, apresentámos já, em articulação com o Orçamento, um projecto de reforma fiscal relativo aos impostos sobre o rendimento, IRS e IRC, e ao combate à fraude e à evasão, indispensável para garantir o desagravamento fiscal que desejamos fazer, sobretudo para os trabalhadores por conta de outrem e para as classes médias.
Quais as medidas desse desagravamento? Elas estão no Orçamento do Estado. São as seguintes: o aumento do valor de todos os escalões, a criação de um novo escalão intermédio, a redução das taxas, beneficiando todos os contribuintes e, em matéria de protecção à família, e tal como os aumentos e reduções de que há pouco falei, uma alteração dos valores que, em termos reais, representa o maior desagravamento da história do IRS.
Assim, em matérias de deduções, as deduções para não casados aumentam 9,5%, para casados, 19,9%, para dependentes, 32,7%, para ascendentes, 10,6%, e há uma nova dedução particularmente significativa para o sector tão fragilizado das famílias monoparentais. As famílias com mais filhos são fortemente apoiadas. As despesas com educação nas famílias com mais de dois filhos têm um tecto de dedução que sobe 31% e, pela primeira vez, todas as famílias passam a beneficiar da dedução de despesas com creches, lactários e jardins de infância.
Tudo isto em conjunto traduz-se numa redução de cerca de 100 milhões de contos no IRS pago pelos portugueses. 100 milhões de contos que o Estado devolve às famílias,

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porque é justo fazê-lo à custa de obrigar a pagar aqueles que o não fazem e têm obrigação de pagar na sociedade portuguesa!

Aplausos do PS.

Agora que já é conhecido o salário mínimo nacional, permitam-me que vos dê, com rigor, três exemplos.
Um casal com dois filhos em que cada cônjuge ganha apenas 80 contos por mês pagava de IRS, em 2000, 47 contos, e nada pagará em 2001. Faz parte dos quase 700 000 contribuintes que pagavam IRS e vão deixar de o fazer.
A partir deste Orçamento, haverá em Portugal cerca de 1,5 milhões de contribuintes - os mais pobres - que não pagarão IRS, libertando, aliás, a fiscalização dos serviços tributários para os casos que importa efectivamente fiscalizar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Um casal com dois filhos em que cada cônjuge ganhe 128 contos por mês tem uma redução de 26%. Se cada cônjuge ganhar 257 contos por mês, a redução é de 8,4%.
É evidente que estas medidas são acompanhadas, na reforma fiscal, por medidas de fiscalização, de controlo, por novos mecanismos de combate à fraude, que, em certos casos, doem!
Uma das coisas que mais me custava ouvir na sociedade portuguesa, e que se ouve com frequência, é um contribuinte cumpridor que se pergunta como é possível aceitar que ao seu lado viva uma pessoa que praticamente não declara rendimentos, que quase não paga impostos e que compra um carro desportivo de luxo ou uma qualquer vivenda no Algarve por 100 000 contos. E sabemos que estes casos existem em Portugal! Um dos grandes objectivos da reforma fiscal é o de fazer com que estes casos deixem de poder acontecer no nosso país, em benefício da justiça e da equidade, que todos sublinhamos.
Há que reconhecer que se vai longe e com coragem ao fundo das questões ao abordar, por exemplo, o problema da atribuição dos custos e dos proveitos nas zonas francas ou nos off-shore ou ao procurar integrar no sistema, através do método de tributação simplificada, as dezenas ou centenas de milhar de empresas que hoje escapam completamente à via do cumprimento das suas obrigações fiscais.
Este Orçamento, articulado com a lei da reforma fiscal, é um salto em frente extremamente importante na justiça fiscal em Portugal. Votar contra este Orçamento do Estado é assumir a responsabilidade de prolongar um estado de coisas contra o qual se têm levantado unanimemente todas as vozes nesta Assembleia. É o momento da coerência, é o momento da acção, é o momento de as aprovar! Aprová-las é votar a favor do Orçamento do Estado para 2001!

Aplausos do PS.

Consciência social, justiça e equidade, mas também consolidação orçamental. De 2000 para 2001, o défice do sector público administrativo em contabilidade nacional passa de 1,5% para 1,1%, o valor mais baixo em 27 anos. No Orçamento para 2001, as receitas correntes são muito superiores às despesas correntes, garantindo assim aquela que é conhecida como a regra de ouro das finanças públicas.
Mais: o Orçamento corrente para 2001 aumenta, quer em relação ao Orçamento para 2000, quer em relação à previsão da execução orçamental. E, naquela que é a questão mais sensível, a questão em que este Orçamento é mais atacado, que é o crescimento da chamada «despesa corrente primária», ou seja, da despesa corrente sem juros, a verdade é que o seu crescimento desacelera fortemente no Orçamento para 2001 em relação ao Orçamento para 2000. E desacelera-se ainda, significativamente, no Orçamento para 2001 em relação à previsão da execução orçamental de 2000, apesar do enorme esforço de consolidação que essa execução orçamental representou.
Um Orçamento com consciência social, com justiça, com equidade, de consolidação, mas virado para renovar Portugal no sentido da modernidade!
Para nós, a modernidade tem as pessoas e a sua valorização como centro de preocupações. Por isso, talvez estranhem que comece por abordar a questão da modernidade chamando a atenção para a importância do orçamento da cultura. Ele tem não só um aumento muito significativo mas, mais do que isso, a despesa pública com a cultura em 2001 vai ser quase o dobro daquela que era em 1995, quando chegámos ao Governo.
É que para nós - e gostaria que isto ficasse claro - a cultura foi, é e continuará a ser a pedra de toque de uma sociedade moderna.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Daí também as nossas apostas continuadas na educação, na formação, na ciência e tecnologia e na sociedade de informação, em particular na iniciativa Internet, que tantos sorrisos condescendentes tem encontrado nas faces dos Srs. Deputados da oposição, como se estas questões da sociedade de informação e da Internet não tivessem a mínima importância numa sociedade moderna!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que continuem a fazer silêncio, como até aqui!
Faça favor de prosseguir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, verifico que, sempre que falo da sociedade de informação e da Internet, se cria a maior agitação desdenhosa nesta Câmara!

Protestos do PSD.

Lembrar-vos-ia as palavras de um antigo membro desta Câmara e antigo ministro da Indústria, o Deputado Mira Amaral, que dizia recentemente que as empresas que, nos próximos cinco anos, não compreenderem a profundidade desta revolução perderão definitivamente a sua hipótese de continuar no mercado.

Aplausos do PS.

Tenho receio de que os Srs. Deputados que não compreendam a profundidade desta revolução tenham também a maior dificuldade em continuar na política!

Aplausos do PS.

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Mas, se alguém tem dúvidas de que o Orçamento para 2001, naquilo que conta fundamentalmente, ou seja, a valorização das pessoas, é um Orçamento que aposta na modernidade, basta referir que são lançados 57 novos empreendimentos escolares. Basta referir que as verbas afectas ao Ministério da Ciência e da Tecnologia têm um crescimento de 19% e as afectas à formação profissional de 25%. Basta dizer-vos que 2001 será o ano em que ficarão completadas as redes informáticas da administração tributária e dos tribunais e que, em 2002, ficará completada a rede informática dos registos e notariado, criando, no Ministério da Justiça, a maior rede informática do País.
Poderão considerar que isto não tem a menor importância. Quero dizer-vos que tem uma importância decisiva para que a justiça funcione bem e para que o combate à fraude fiscal seja eficazmente conduzido.
Mas o mais importante de tudo é que esta é a prova de que estamos empenhados numa reforma de fundo da Administração Pública, suportada nas novas tecnologias. É que é pondo, em tempo útil, e esse é o nosso objectivo com a iniciativa Internet, a Administração Pública on-line que vamos criar as condições de um relacionamento totalmente diferente entre o Estado, a Administração, de um lado, e os cidadãos, as empresas e a sociedade, do outro, combatendo, de forma dramática e eficaz e de uma vez por todas, a burocracia, que é um dos grandes factores de paralisação do nosso país.
Quando falamos de Internet, quando falamos de sociedade de informação, falamos de coisas que vão mudar a vida das pessoas, tornando-a mais fácil, e que vão mudar a economia do País, tornando-a mais competitiva e mais produtiva.
Esta é, de facto, a grande revolução do nosso tempo. E é uma revolução de natureza qualitativa. É uma revolução em que apostamos fortemente no chamado «Portugal digital para todos», isto é, uma revolução em que queremos, a todo o preço, evitar as novas exclusões, as formas de pobreza e de exclusão que serão as mais relevantes no século XXI.
Mesmo nas questões da modernidade, a consciência social está no centro das nossas preocupações, e isso é espelhado no Orçamento do Estado para 2001. Já lá vai o tempo em que a modernidade se media apenas em quilómetros de auto-estrada!

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Agora, nem isso!

Risos do PSD.

O Orador: - Mas, já agora, também vos quero dizer que, mesmo nesse domínio, não temos complexos. Com uma política que faz apelo à participação do sector e do investimento privado, com uma política que mobiliza as energias nacionais, em 2000, são adjudicados ou concessionados 335 km de auto-estrada e, em 2001, 527 km. É um esforço que não tem precedentes na história do nosso país e na criação de infra-estruturas que são indispensáveis a todos!

Aplausos do PS.

O drama dos Srs. Deputados é o de já não perceberem a importância das auto-estradas e ainda não perceberem a importância da Internet e das auto-estradas da informação!

Aplausos do PS.

Este Orçamento assenta, acima de tudo, numa política para o País e num desígnio nacional. Tenho dito e repetido que se trata de um desígnio que não é quantitativo mas qualitativo, que não tem a ver com números mas com pessoas, com a sua valorização, com as suas capacidades, com a qualidade das organizações que criam e que desenvolvem.
Temos de vencer, repito, no prazo de uma geração, o atraso qualitativo e estrutural que ainda nos separa do resto da Europa.
É em nome dessa visão de quem vê Portugal pela positiva, de quem quer renovar o nosso país, que rejeitamos abrir crises artificiais, que rejeitamos «políticas de terra queimada», que rejeitamos jogos de interesse de grupo ou de facção.
A política é, para mim, um compromisso. Um compromisso de serviço público, em nome da dignidade de Portugal e dos portugueses. É a luta contra a exclusão e contra os privilégios, a defesa intransigente de uma sociedade de pessoas livres e iguais em direitos e em dignidade. É em nome dessa visão da política que convictamente aqui estou, perante vós, a apresentar-vos as propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 2001.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, informo que temos a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 125 alunos de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas de Lisboa, um grupo de 12 alunos da Escola Secundária Marquês de Pombal, de Lisboa, e também, na tribuna dos diplomatas, a Dr.ª Welch, responsável pela área da justiça da administração do território de Timor Leste, para além de um numeroso grupo de cidadãos.
Uma saudação muito carinhosa para todos.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, o grupo de 300 alunos da Escola Secundária Ferreira Dias, do Cacém, deve estar a chegar.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, os Srs. Deputados Durão Barroso, Carlos Carvalhas, Luís Fazenda, Isabel Castro e Francisco de Assis.
Tal como vem sendo hábito, e nada tendo sido decidido em contrário, para a primeira questão a colocar ao Sr. Primeiro-Ministro e para a resposta respectiva, cada perguntante e respondente tem direito a 5 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o seu discurso, que ouvi atentamente, teve duas partes: na primeira, confesso que julguei que me tinha enganado; julgava que estávamos aqui para ouvir o Primeiro-Ministro a falar do Orçamento e, sobretudo, da economia, e assisti à análise de um comentador político.

Vozes do CDS-PP: - Mau!

O Orador: - Cheguei até a pensar que, dada a actual situação de grande concorrência entre os canais televisivos, V. Ex.ª tinha sido contratado pelo Canal

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Parlamento para ser o analista político de serviço, hoje, na Assembleia.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a todos que mantenham o mesmo silêncio, ainda que relativo, com que foi ouvido o Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - Contudo, deixe-me dizer que, depois de o ter ouvido falar de bluff, de tácticas, de jogadas, de cenários e de crise, comparando o actual Primeiro-Ministro e líder do PS com o ex-líder do PSD que faz comentário político, o nosso é muito melhor.

Aplausos do PSD.

Na segunda parte da sua intervenção, V. Ex.ª falou de algumas matérias relacionadas com o Orçamento, mas verdadeiramente não abordou a questão central da economia do nosso país. A verdade é que V. Ex.ª e o Partido Socialista apresentaram-se às últimas eleições com um objectivo central, com uma promessa, com um programa, que era tudo fazer para colocar Portugal na média da União Europeia, para contribuir para que Portugal atingisse essa média no prazo de uma geração, isto é, no prazo de 20 anos. No entanto, actualmente, Portugal está a crescer menos do que a Espanha, menos do que a própria Grécia, muitíssimo menos do que a Irlanda. Se contarmos os últimos cinco anos e aquilo que a Comissão Europeia projecta para os próximos três, Portugal só atingirá a média da União Europeia num prazo de 70 anos. Este é, pois, o resultado da política económica que tem vindo a ser seguida!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exacto!

O Orador: - Por isso, esperava que o Primeiro-Ministro, hoje, viesse dizer se concordava ou não com estes resultados, se estava contente, esperava que reconhecesse o erro fundamental da política económica, que reconhecesse, como, aliás, o reconhecem praticamente todos os economistas de direita ou de esquerda, que o modelo está esgotado, que esta política económica deve mudar e, sobretudo, que dissesse, tendo em conta que o Orçamento do Estado é, hoje, o principal, quase exclusivo, instrumento da política económica (já que hoje a política económica na zona euro é essencialmente orçamental), o que é que vai fazer para mudar o rumo, para inverter o sentido de marcha da nossa economia. Mas nada disso disse ou apresentou o Primeiro-Ministro. Prometeu mais do mesmo, ou seja, prometeu mais da política que tem como resultado colocar Portugal cada vez mais distante da média da União Europeia, prometeu mais do mesmo que tem tido como resultado colocar Portugal com desequilíbrios externos históricos, prometeu mais do mesmo que tem tido como resultado o endividamento das famílias, prometeu mais do mesmo que tem agravado a incerteza das famílias, dos trabalhadores e das classes médias. Na segunda parte do seu discurso, Sr. Primeiro-Ministro, também não falou verdadeiramente da economia, seleccionou um ou outro ponto do Orçamento do Estado, mas não apresentou, com convicção, qualquer sentido, qualquer proposta para mudar ou inverter a política económica que tem dado os resultados que referi.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por isso, Sr. Primeiro-Ministro, que eu gostaria que me respondesse, em concreto, se verdadeiramente acredita no objectivo que apresenta no Orçamento do Estado, um quadro macro-económico de 3,3% para o ano, se verdadeiramente acredita no número da inflação, que mais uma vez apresenta e que provavelmente não corresponderá à realidade.
Já agora, em matéria de combustíveis, quanto e quando é que vai aumentar o preço dos combustíveis?

Protestos do PS.

A verdade é que os portugueses, que têm, neste momento, tantas incertezas em relação ao seu futuro, que estão desiludidos com o seu Governo, depois de ouvirem o que disse, não têm qualquer razão para mudar de opinião.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o quiser fazer desde já, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Durão Barroso, em primeiro lugar, vejo que a primeira parte da minha intervenção lhe «doeu». E compreendo que tenha «doído», porque ela não foi uma intervenção de análise política, foi uma intervenção de responsabilização, em particular da bancada do PSD, pelas consequências políticas que advirão para o País se este Orçamento for rejeitado…

Aplausos do PS.

… e, sobretudo, porque a atitude negativa do PSD não se baseia em qualquer alternativa política, construída a sós ou acompanhados, mas numa lógica de «bota-abaixo» que tem caracterizado o PSD, nomeadamente desde que o Sr. Deputado assumiu a liderança. E de tal forma se sentiu incomodado com o que eu disse que veio a fazer, através de mim, o elogio do Sr. ex-Deputado Marcelo Rebelo de Sousa e ex-líder do seu partido, o que revela, da sua parte, um enorme masoquismo, porque, nas análises políticas que ele faz, eu vou levando uma «pancadita» de vez em quando, mas o Sr. Deputado é verdadeiramente o alvo número um.

Aplausos do PS.

A questão central para que tenho vindo a chamar a atenção do Sr. Deputado desde há largos meses é muito simples: fizemos uma aposta determinada no crescimento económico quando a Europa não crescia, há três anos, e com isso conduzimos Portugal a uma situação de pleno emprego e de capacidade instalada, utilizada acima dos 80%. Isto faz com que o crescimento potencial da nossa economia, aliás, de acordo com todos os especialistas internacionais, esteja limitado, neste momento. Isto põe o acento tónico no conjunto de medidas de modernidade e de alteração qualitativa de que tenho vindo a falar, incluindo hoje. É que o que está em causa para que

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cresçamos mais não é a política macroeconómica - quem pensar isso engana-se rotundamente. O que está em causa é vencer um défice estrutural de qualificação e de produtividade e isso tem a ver, sobretudo, com a qualificação das pessoas, com a educação - tragédia dos seus tempos de governo! -, com a formação profissional - tragédia dos seus tempos de governo! -, com a ciência e tecnologia - tragédia dos seus tempos de governo! -, isso tem a ver com a necessidade de reforçar a inovação nas empresas e a qualidade dos bens públicos, o que exige uma reforma da administração baseada, sobretudo, nas novas tecnologias, que foi um dos aspectos centrais da minha intervenção, à qual o Sr. Deputado não ligou, porque sempre que falo nestas questões de modernidade começa a rir-se com os seus colegas de bancada.

Aplausos do PS.

Finalmente, quanto aos combustíveis, devo dizer que a política deste Governo é muito simples: poupar aos portugueses, na medida do possível, aumentos de combustíveis que, sabemos, têm um impacto profundamente negativo nas famílias. Ela é o contrário da política do PSD, que reclama aumentos da gasolina e do gasóleo insistentemente deste o início do ano e que me criticou formalmente por eu ter assumido o compromisso, que estou a cumprir, de não aumentar os combustíveis até ao fim do ano.
Também lhe quero dizer que muito gostaria eu que as cotações do petróleo e do dólar permitissem manter esta política, que só alterarei se e quando for obrigado, por circunstâncias que estejam inteiramente fora da minha capacidade de controlo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, dispondo de 5 minutos.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, pondo de lado esta questão «profundíssima» de saber quem é o melhor analista ou quem é o mais masoquista, a questão que quero colocar é outra.
Portugal está confrontado com uma substituição crescente da produção nacional pela estrangeira, com défices elevados da sua balança comercial, com um domínio crescente do capital estrangeiro sobre empresas básicas e estratégicas, com o aumento do trabalho precário e com a aceitação das desigualdades. Por isso, quer o Sr. Primeiro-Ministro goste ou não, a questão central é a de que Portugal precisava de um outro Orçamento que melhorasse a distribuição dos frutos do crescimento, o que passava por uma outra atitude em relação aos trabalhadores da Administração Pública, em relação aos salários, em relação às pensões e reformas e em relação à reforma fiscal - e esta está, como sabe, à margem deste Orçamento. Não estão garantidas as questões essenciais para uma reforma fiscal digna desse nome, como sejam os benefícios fiscais, a questão das mais-valias em relação às holding e, também, embora noutro plano, a questão do sigilo bancário. Sabe-se lá com quem é que o Sr. Primeiro-Ministro andou a negociar!?…
Quer o Sr. Primeiro-Ministro queira ou não, quer goste ou não, Portugal precisava de um Orçamento que promovesse o investimento produtivo e as actividade produtivas e não as especulativas, as parasitárias ou as sumptuárias. Portugal precisava de um Orçamento com mais rigor nas previsões e com mais transparência na despesa pública, coisa que não se passa, por exemplo, como sabe, com o orçamento as saúde. Portugal precisava de um Orçamento que preservasse as empresas públicas estratégicas e não de um Orçamento que abrisse, através de 400 milhões de contos, portas que serão escancaradas para que elas venham a ser do domínio do capital estrangeiro.
O Sr. Primeiro-Ministro não se pode esquecer do que aconteceu com a Galp, do que aconteceu com bancos e empresas importantes e, também, com o que aconteceu, recentemente, com a privatização da EDP, onde há recortes de duvidosa ética.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, devo dizer que este Orçamento é precisamente o contrário do que referi, mas tem razão quando disse que ele é muito semelhante aos dos anos anteriores. De facto, é! Por isso, certamente estava a contar com a sua viabilização por parte do PSD ou do PP!
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª não pode esquecer questões fundamentais como a situação dos reformados, a situação dos trabalhadores da função pública, o aumento do gás, o aumento das taxas de juro. Por isso, permita-me que lhe diga: não traga a esta Assembleia lembranças de má memória, como as «forças de bloqueio», com uma conotação negativa, ou o «nós ou o caos», pois faz-me lembrar a questão dos frigoríficos que um outro senhor aqui apresentou, quando disse: «ou o Orçamento é viabilizado ou não haverá frigoríficos para as famílias portuguesas». Ainda nos lembramos disto!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, mude de registo e fique com a ideia de que Portugal necessita de um outro Orçamento. Se V. Ex.ª tivesse estado atento às reivindicações e às propostas que lhe fizemos em 3 de Setembro, certamente que poderíamos ter hoje uma situação bem diferente.
O Orçamento pode ser viabilizado pelas reivindicações municipais de um Deputado, mas não responde aos problemas essenciais dos portugueses, não responde aos problemas essenciais da economia portuguesa, não responde aos problemas da ética com que, neste momento, estão confrontados quer o Governo quer, inclusivamente, a Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

Vozes do PS: - Ética?!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o PCP, neste debate orçamental, está numa posição muito difícil…

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Por acaso!

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O Orador: - … por uma razão muito simples: porque o PCP, no ano passado, marcou os termos das questões essenciais em debate em sede orçamental.
O Sr. Deputado, agora, pode falar de tudo o que quiser, aliás, nalgumas coisas falou com muito pouco rigor. Por exemplo, falou da distribuição dos rendimentos de trabalho, mas a verdade é que, desde 1996 até 1999, inclusive, subiram mais do dobro dos outros rendimentos, o que quer dizer que está a haver mais justiça e não mais injustiça, mais igualdade e não menos igualdade. Falou do aumento da precariedade, mas a verdade é que neste momento está a aumentar o próprio trabalho permanente e não apenas as formas de trabalho precário. Falou do desaparecimento do capital nacional, mas a verdade é que Portugal tem resistido muito melhor do que outros países à penetração do capital estrangeiro em sectores-chave… Porém, não é isso que está em causa. O que está em causa é que o PCP, de forma muito clara, repito, de forma muito clara, no ano passado, quando falávamos dos méritos da consciência social espelhados na despesa social, que se mantêm este ano, veio dizer-nos: «não nos falem disso!».

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é verdade! Não foi em resposta a isso!

O Orador: - Quando, no ano passado, falei das questões ideológicas, políticas e sociais e as demonstrei com a despesa pública contida no Orçamento para 2000, o Sr. Deputado Octávio Teixeira respondeu: «A questão central deste Orçamento, nas perspectivas ideológica, política e social,…» - e citava-me - «… é, definitivamente, quer o Sr. Primeiro-Ministro goste ou não, a questão da política fiscal. É a principal questão ideológica (…)». E desenvolve: «(…) Mas a política fiscal é ainda a questão central do ponto de vista social, porque demonstradamente, a política social mais urgente para o País é a reforma fiscal (…)» - a mais urgente para o País! «(…) Também porque a reforma fiscal é essencial para que as restantes políticas sociais, da saúde à educação, da habitação à segurança social, possam ser prosseguidas e melhoradas de forma financeiramente sustentada.»

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Apoiado!

O Orador: - Ora, quando colocamos este Orçamento em articulação com a reforma fiscal, tendo como centro da discussão as questões fiscais e mudanças que, inclusivamente, mereceram o voto favorável do PCP, não estou a falar de uma reforma fiscal de classe, como a que era sublinhada por si no ano passado, que o PCP teria de rejeitar, estou a falar de uma reforma fiscal que o PCP aqui disse que valia a pena ser discutida e aprofundada, votando a favor dela na generalidade. Quando é isso que está no centro do debate político, o PCP pega no Orçamento e vota contra!

Aplausos do PS.

O Orador: - Porquê?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Está fora do Orçamento!

O Orador: - Por que é que, estando a questão central deste Orçamento, nas vossas palavras, em termos tais que merecem o vosso voto favorável em sede de lei de reforma, votam contra o Orçamento do Estado que com ela se articula? E, Sr. Deputado, se o problema é ela estar fora do Orçamento, faço-lhe já aqui um repto claro e aberto: incluamos no Orçamento todos os artigos da reforma fiscal, votemo-lo e os Srs. Deputados votam a favor das duas coisas!

Aplausos do PS.

Vozes do PS: - E agora?!

O Orador: - Aceito já essa proposta. Já! Incluamos no Orçamento todas as disposições da lei da reforma fiscal, todas, e nós aceitamos votá-las em conjunto, e teremos o voto do PCP!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com isto, ficará claro qual é a verdadeira posição política do PCP, isto é, se ela tem a ver com a substância dos problemas ou se tem a ver com a táctica política.

Aplausos do PS.

Quanto ao resto, Sr. Deputado, pode estar descansado, porque não será este Orçamento viabilizado pelo tratamento de questões municipais. Discutiremos com todos os Deputados nesta Câmara, sempre na perspectiva nacional que temos como Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há pouco, anunciei que esperávamos também a presença de 300 alunos da Escola Secundária Ferreira Dias, do Cacém. Acabaram de chegar e são tantos e tão jovens que não quero que se vão embora sem o vosso aplauso.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, devo cumprimentá-lo, porque respondeu da forma mais urgente que há memória neste Parlamento a um requerimento de um Deputado, concretamente ao requerimento do Deputado Daniel Campelo. Bateu um recorde de celeridade nas respostas do Governo!

Vozes do PS: - Não seja cínico!

O Orador: - Era costume, penso eu, começar o debate por clarificar qual é a situação política que estamos a debater.
O Sr. Primeiro-Ministro começou logo por dizer que iria falar da situação política, iria falar da estabilidade do País, iria falar da relação entre o Governo e o Parlamento, mas, até há pouco, parece que o debate é irreal, porque estamos aqui a falar de uma coisa e o País está a ver outra.
De facto, precisamos saber, independentemente da retórica que o Sr. Primeiro-Ministro possa fazer sobre a ética, sobre a responsabilidade, sobre as coligações negativas ou positivas, se há ou não uma «via limiana»

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para o Orçamento, porque é isso que o País está a ver, é isso que o País olha, e talvez aí possamos ter uma relação de maior modéstia de uns e de outros sobre aquilo que possa significar, ou não, a ética, o sentido da responsabilidade e aquilo que possamos ter como o apego à causa pública e ao progresso do nosso país.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, fiquei surpreendido com as suas afirmações acerca da responsabilidade do Estado, quando afinal de contas estamos aqui a presenciar, ou não, uma operação que, pelo menos, tem uma ética muito particular.
Sr. Primeiro-Ministro, gostava de lhe perguntar o seguinte: a vingar esta «perspectiva limiana» para o Orçamento, será que, podendo, aparente e efemeramente, acumular uma vitória política, o Sr. Primeiro-Ministro não sente que sai enfraquecido perante o País, perante o Parlamento e perante o seu próprio partido se for esse o objecto deste debate político? Será que o Sr. Primeiro-Ministro entende que, em anos futuros, terá grupos parlamentares capazes de discutir com o Governo qualquer outro Orçamento sabendo que, ao virar da esquina, há sempre um Deputado desconhecido, há sempre alguém ligado aos lacticínios para viabilizar um Orçamento?
Sr. Primeiro-Ministro, dou-lhe conta daquilo que nos parece eticamente reprovável. Legitimamente, aceitamos todas as outras opiniões, mas, sobretudo, o que não é aceitável é que politicamente tudo seja mistificado.
Sr. Primeiro-Ministro, entendemos que tem razão quando se queixa que os partidos da direita não viabilizam este Orçamento - realmente, ele vem na continuidade dos Orçamentos anteriores -, mas para nós, Bloco de Esquerda, isso não significa que possamos ser todos «metidos no mesmo saco». Entendemos que este Orçamento não presta e que o Governo não fez o suficiente para encontrar soluções que pudessem viabilizá-lo à esquerda e, pelo menos, pelo Bloco de Esquerda posso falar.
Mais: não apenas do ponto de vista dos salários, porque aquilo que verificamos na proposta orçamental é que os salários estão abaixo da inflação e da recuperação do poder de compra do ano passado, estão claramente abaixo dos 4% (e o Sr. Primeiro-Ministro não abriu as negociações com os sindicatos, porque teria de confessar abertamente que não visa repor o poder de compra dos trabalhadores da função pública e, por indução e arrastamento, dos trabalhadores dos sectores privados que têm pela frente a contratação colectiva), gostaria de ir mais longe naquilo que é a grande decepção que temos em relação a este Orçamento e ao trabalho, em paralelo, da reforma fiscal. Já não vou aqui frisar o que disse, e continua a dizer, o Prof. Sousa Franco e, até, o Prof. Silva Lopes de que a reforma fiscal é insuficiente e muitas das medidas propostas pelo Governo para atingir objectivos de combate à fraude e à evasão fiscal são pura cosmética.
Ora, é exactamente aí que ainda se situa o Bloco de Esquerda, num debate sobre uma reforma fiscal que o Sr. Primeiro-Ministro, de algum modo, já aqui indicia que a tem no bolso, mas ainda não verificámos o resultado final.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha. Faça favor de concluir.

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, vamos englobar todos os rendimentos no IRS? Vamos «desarmar» o sigilo bancário para poupar mais efectivos? Vamos terminar com os privilégios à banca?
É este o repto que lhe deixo!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, devo dizer que a sua intervenção é muito interessante, é, aliás, reveladora daquilo que há pouco eu disse acerca das diferentes motivações que existem nesta Câmara para votar contra o Orçamento.
Sou dos que pensa que quer o PSD quer o PCP gostariam, no fundo, que este Orçamento passasse e sou dos que pensa que quer o CDS-PP quer o Bloco de Esquerda gostariam, no fundo, que este Orçamento fosse chumbado para haver eleições antecipadas.
Aliás, para fazer isso, não preciso mais do que ler declarações de dirigentes vossos. Dizia o vosso dirigente Miguel Portas: «Se há forças que não têm medo de enfrentar eleições neste momento, são as que estão nos chamados 'extremos do espectro político', porque estão claramente a ganhar na sociedade portuguesa e são: de um lado, o PP e, do outro lado, o Bloco de Esquerda. Se houver eleições antecipadas, venham elas se o Governo quiser, porque o Bloco de Esquerda teria melhores resultados, porque tem estado acima das expectativas que criou.»
Por isso, é natural que surjam na boca do Bloco de Esquerda perguntas que tudo faria supor que viriam aparecer neste Hemiciclo na boca do CDS-PP.

Vozes do CDS-PP: - Querias!

O Orador: - Sobre isso, Sr. Deputado, gostaria de tranquilizá-lo.
Neste momento, não sei qual vai ser o resultado desta votação, mas vai depender daquilo que for ditado pela consciência de todos os Deputados aqui presentes. Por todos tenho respeito e em relação a todos tratarei da mesma forma. Porém, de uma coisa pode o Sr. Deputado estar certo: não aliciei, nem aliciarei, para votar a favor nenhum Deputado, nem farei negócios com qualquer Deputado individualmente considerado.
Quanto a isso pode estar certo! O resultado da votação será aquele que for ditado pela consciência dos Deputados.
Compreendo a sua preocupação, porque o Sr. Deputado gostaria de chegar aqui, a esta Assembleia, com a certeza que o Orçamento seria chumbado, que haveria crise e que teria de haver eleições, porque entendo que é isso que ao Bloco de Esquerda compete defender.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Isso é uma cassete!

O Orador: - Vai ter de ficar com a mesma incerteza com que estou neste momento! Não vai ter a certeza que o Orçamento é chumbado, não vai ter a certeza que há crise ou que haverá eleições, porque a única preocupação do Bloco de Esquerda é procurar contabilizar os tais 2% ou 3% de votos que julga que a opinião pública lhe daria e que, quero dizer-lho com toda a sinceridade, tenho as maiores dúvidas que venha a dar!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, não me vou referir à hipótese de um Deputado de um círculo eleitoral viabilizar este Orçamento. Aliás, julgo que este facto, a acontecer, só antecipa aquilo que vai ser o cenário da possibilidade de existirem círculos uninominais - pelo menos, é esse o entendimento de Os Verdes.
Gostaria de não me deter muito sobre o tom, a meu ver excessivamente autoritário, com que o Governo se dirigiu a esta Câmara, perante algumas críticas da oposição que entende não serem legítimas em relação a este Orçamento, e também não me detenho sobre a boa-fé, ou a falta dela, com que o Governo está quando apresenta este Orçamento. Se me detivesse sobre isso, poderia concluir que um Governo que apresenta desde já, nas Grandes Opções do Plano, uma solução técnica, antecipando resultados sobre a co-incineração que, manifestamente, ainda não estão concluídos, não está, seguramente, senão a ofender o Parlamento. Parece-me que isso é ofensivo para a Câmara, mas esse debate ficará para outro momento.
De qualquer modo, para nós, Os Verdes, há uma questão que é muito importante neste Orçamento, se é que ele se apresenta como um Orçamento de corte com uma determinada prática - e, para nós, não está provado que assim seja -, se tem veleidades de ser um exercício preocupado com o futuro. Julgo que o Sr. Primeiro-Ministro não negará (nenhum Primeiro-Ministro da Europa o faz e, provavelmente, nenhum Primeiro-Ministro do mundo o fará) que a questão energética é uma questão central das políticas para qualquer governo, já que ela tem implicações do ponto de vista ambiental, do ponto de vista da saúde pública e do ponto de vista da segurança. Se outras razões não existissem, a questão energética devia ser uma preocupação do Governo, já que tem implicações do ponto de vista económico.
Ora, Portugal tem um desperdício energético extremamente elevado, tem uma baixíssima eficiência energética e a intensidade energética no nosso país é alta, ao contrário da tendência dos outros países da União Europeia. A verdade é que gastamos 1 milhão de contos por dia com a importação de crude, não conservamos energia e organizámos um dia sem carros que, como exercício, foi simpático mas que não vale de nada se não existirem medidas concretas.
Como tal, a minha pergunta, que expressa a nossa preocupação, procura saber como é que é possível que as Grandes Opções do Plano para 2001 não tenham um capítulo específico sobre questões energéticas. Procurei-o com cuidado em todas as Grandes Opções que foram apresentadas e posso concluir que esse capítulo não existe de uma forma autónoma como uma questão politicamente relevante. É sobre essa questão politicamente relevante que pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro o que é fará de concreto para combater o desperdício energético, não num futuro próximo posterior a 2001, mas para 2001, para que as medidas possam, de facto, ter reflexos em tempo útil.
O que é que de concreto existe ou vai ser feito para a utilização de energias renováveis? O que é que vai ser feito em matéria de conservação de energia, particularmente no que toca aos edifícios? O que é que vai ser feito em termos de mobilidade e de transportes? Faço estas perguntas porque o Governo é suficientemente genérico para não se perceber quais são os investimentos e qual é a hierarquia de escolhas, designadamente em relação ao transporte ferroviário no próximo ano e não em relação a qualquer outro horizonte temporal.
Finalmente, gostaria de saber o que é que vai ser feito em matéria de preço de combustíveis, no sentido de, através destes, corrigir formas de viver, permitindo que haja aquilo que hoje não existe, ou seja, investimento verdadeiramente sério para a promoção do transporte público no nosso país.
São estas as questões a que, pensamos, nenhum governo orientado para o futuro pode fugir e são estas as questões que, lamentavelmente, não existem, não constam nem estão como prioridade neste Orçamento que nos é apresentado.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, devo dizer-lhe que não posso estar mais de acordo com os objectivos da sua intervenção. O que penso é que eles passam ao lado daquilo que é a prática do Governo no sentido de os concretizar. Dou-lhe um exemplo: a rapidíssima generalização do gás natural a todo o País, objectivo central que corrige, aliás, uma distorção do passado e que é um factor extremamente importante para adequar a política energética a considerações relevantes de natureza ambiental.
Um outro exemplo seriam as medidas que o Plano Operacional da Economia tem em matéria, quer de energias renováveis, quer de poupança e conservação de energia.
Finalmente, dar-lhe-ei um exemplo quanto a um assunto que referiu, relacionado com os transportes públicos. O investimento que, neste momento, está a ser feito em melhoria das redes suburbanas de transporte ferroviário e em metropolitanos não tem paralelo na nossa história. A sua interligação e a criação de verdadeiras condições para uma comunidade de transportes não têm, de facto, paralelo na nossa história ao nível da Área Metropolitana de Lisboa.
O volume de investimentos que está a ser feito na electrificação dos grandes eixos condutores de graneis e de carga e dos grandes eixos para o transporte de passageiros, como é o caso do Algarve ou da Beira Baixa, é a prova de que estamos com políticas energéticas, económicas e de transportes que correspondem exactamente às suas preocupações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr: Primeiro-Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, tal como o Sr. Deputado Durão Barroso, também entendo que V. Ex.ª optou por fazer aqui uma intervenção dividida em duas partes fundamentais. Uma primeira, em que fez uma análise no sentido da responsabilização da actual situação política, e uma outra, em que enunciou com clareza as linhas de orientação que subjazem à proposta de Orçamento que está hoje aqui em discussão.
Contrariamente ao Sr. Deputado Durão Barroso, entendo que o Sr. Primeiro-Ministro fez bem em ir por aí, e até penso mesmo que tinha a obrigação de proceder

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desta forma, porque não podemos, neste momento, deixar de fazer uma avaliação da situação actual do País. Ora, ao fazermos a avaliação do Orçamento temos, previamente, de promover um correcto enquadramento político do momento em que esta discussão está a ocorrer.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Então, por que é que não o fizeram?!

O Orador: - Num Parlamento democrático, quando não há uma maioria absoluta monopartidária, não é só o partido do poder que tem a obrigação de concorrer para a manutenção da estabilidade política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo e o partido do poder têm a obrigação de agir dessa forma, mas os partidos da oposição também têm obrigações e responsabilidades a assumir. Vejamos qual foi o comportamento do Governo e dos partidos da oposição.
O Governo, a meu ver, preencheu claramente dois requisitos fundamentais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - A seu ver!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mais um analista!

O Orador: - Em primeiro lugar, apresentou ao Parlamento uma proposta de Orçamento que traduz em absoluto os compromissos programáticos que atempadamente apresentou ao País e a este mesmo Parlamento. Em segundo lugar, depois de ter revelado coerência em relação às orientações programáticas que têm estado na base da sua acção, manifestou em vários momentos inteira disponibilidade para negociar seriamente com os demais grupos parlamentares um processo que conduzisse à aprovação do Orçamento do Estado.
O Governo não ignorou que não detinha uma maioria absoluta no Parlamento que sustentasse a sua acção governativa e, por isso, manifestou desde a primeira hora total disponibilidade e total abertura de espírito para discutir com todos os grupos parlamentares sem excepção, de forma a que se criasse uma plataforma política e parlamentar propiciadora da aprovação do Orçamento do Estado.
O Governo revelou aqui sentido da responsabilidade, compreendeu os dados fundamentais da situação política e agiu de forma profundamente responsável. Infelizmente, foram as oposições que, nalguns casos sem conhecerem ainda o teor da proposta de Orçamento do Estado, imediatamente disseram que não estavam dispostas a apoiar esta proposta e que não concebiam outra atitude que não fosse a de votar absolutamente contra a proposta de Orçamento do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Primeiro-Ministro enunciou com muita clareza aquelas que são as linhas orientadoras desta proposta de Orçamento e aquilo que, no fundo, era também algo que foi muito claramente afirmado pelo Governo como sendo o limite da negociação, a não descaracterização programática da proposta que aqui foi apresentada e que, no essencial, tem a ver com três vectores essenciais.
Primeiro, este é, claramente, o Orçamento da reforma fiscal, uma reforma fiscal tão insistentemente reclamada por todos os sectores da vida pública portuguesa e por todos os grupos parlamentares, que agora aqui têm já uma primeira grande manifestação prática na proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo.
Neste momento, há que realçar dois aspectos fundamentais dessa proposta de reforma fiscal. Por um lado, o reforço do combate à fuga e evasão fiscais, no sentido de superar aquilo que é e permanece como uma das iniquidades cívicas mais graves e escandalosas que ainda subsistem na sociedade portuguesa. Depois, é uma proposta clara com tradução prática, no sentido de promover o desagravamento fiscal dos rendimentos do trabalho e do investimento, num sentido que, estamos certos, facilmente suscitaria um amplo consenso nesta Câmara se outros partidos políticos e outros grupos parlamentares fossem capazes de ver mais longe do que a sua percepção imediata dos seus puros interesses partidários e, às vezes, nem sequer dos seus interesses partidários mas apenas dos interesses das lideranças que neste momento vão assegurando no interior dos respectivos partidos políticos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Primeiro-Ministro, há a preocupação em inverter uma tendência que, bem ou mal, se foi manifestando nos últimos 10 anos, no sentido do crescimento da despesa pública. O Governo compreendeu claramente que era necessário iniciar um novo processo e que o processo de consolidação orçamental passaria, agora, por um controlo acrescido do crescimento da despesa. Por isso, esta proposta de Orçamento aponta para um ritmo de crescimento da despesa pública substancialmente inferior àquele que caracterizou o exercício orçamental anterior.
Em terceiro lugar, um aspecto fundamental, a marca mais determinante da actuação do Governo do Partido Socialista: o ser capaz, ao mesmo tempo que denota esta preocupação de rigor financeiro e de controlo no processo de crescimento da despesa pública, de continuar a valorizar a despesa com as chamadas funções sociais.
Sr. Primeiro-Ministro, o Governo e o PS assumiram as suas responsabilidades no presente contexto político. Veremos como é que as oposições assumem as suas respectivas responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero apenas agradecer as palavras do Sr. Deputado Francisco de Assis e dizer-lhe duas coisas que, para mim, são muito importantes.
Em primeiro lugar, queria dizer-lhe que este Orçamento tem por base valores. Não é um exercício tecnocrático de contabilidade pública mas, sim, um Orçamento que assenta numa preocupação fundamental com valores de consciência social, de justiça e de equidade e que integra nesses valores as necessárias preocupações com as

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transformações estruturais do País e com a consolidação orçamental.
Em segundo lugar, gostava de afirmar que este Governo tem plena consciência do que representaria para o País uma crise política que se traduziria numa paralisia efectiva de cerca de um ano, com consequências dificilmente previsíveis em toda a sua extensão, ao nível do que seria o investimento, o emprego, o bem-estar das famílias e a credibilidade da nossa sociedade face ao exterior. Consideramos que seria uma total irresponsabilidade a de, como Governo, contribuirmos, por pouco que fosse, para facilitar uma crise política em Portugal.
O nosso objectivo de agir como factor de estabilidade, o nosso objectivo de agir em plena normalidade e de ser insensível às sondagens, mesmo quando, como aconteceu hoje, elas nos são favoráveis, é um objectivo a que nunca renunciaremos e é o objectivo da nossa coerência desde 1995 para com os portugueses.
Nós não fazemos jogo com a vida política mas assumimos as responsabilidades que os portugueses nos entregaram e procuramos ser dignos, cumprindo o mandato que eles nos estabeleceram.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, vamos passar às intervenções, a primeira das quais está a cargo do Sr. Deputado Durão Barroso, a quem dou a palavra.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A notícia que o Governo aqui hoje veio confirmar é a de que Portugal, na melhor das hipóteses, estará na média da União Europeia daqui a 70 anos.
De facto, continuando ao actual ritmo de crescimento, os portugueses vêem cada vez mais distante a possibilidade de atingirem os níveis médios de vida dos outros europeus.
Esperava que o Sr. Primeiro-Ministro viesse hoje, aqui, reconhecer que não cumpriu o seu principal compromisso, a sua primeira promessa eleitoral durante as últimas eleições: contribuir, com a sua governação, para fazer Portugal crescer, de modo a atingir a média da União Europeia no prazo de 20 anos.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porque aquilo que deveria estar hoje, verdadeiramente, em causa era a análise da política económica do Governo, aquela que conduziu a este Orçamento e a que este Orçamento anuncia para o futuro.
Este Orçamento é o espelho desse fracasso. É, ao fim e ao cabo, uma moção de censura que o Governo apresenta a si próprio e à política económica que tem vindo a conduzir ao longo dos últimos 5 anos, uma política que tem dado péssimos resultados, que conduziu Portugal para um beco de cada vez mais difícil saída, que tornou mais difícil a vida de quem trabalha, de quem poupa e de quem investe e que lançou mais incertezas sobre as famílias portuguesas, sobre os trabalhadores e sobre os contribuintes em geral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A política económica do Governo é a causa de estarmos onde hoje nos encontramos, isto é, cada vez mais longe dos nosso parceiros comunitários.
Portugal é, este ano - e, provavelmente, será no próximo -, o país que menos cresce na zona euro e um dos que menos crescerá em toda a União Europeia.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em 2000, Portugal cresceu menos do que a Espanha, cresceu menos do que Grécia e cresceu muitíssimo menos do que a Irlanda. Portugal cresceu, este ano, menos do que países como a Polónia, a República Checa, a Hungria ou a Eslovénia. Ou seja, já não é só o problema de Portugal vir a ser de novo ultrapassado pela Grécia, corremos também o risco de vir a ser ultrapassado pelos países da Europa central e oriental que são candidatos à União Europeia e que desfrutam, neste momento, de algumas vantagens competitivas relativamente ao nosso país.
Portugal está relativamente mais pobre, e o Primeiro-Ministro não foi capaz de dizer uma palavra sobre isto.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Normalmente desculpa-se com o dólar, com o preço do petróleo ou com as taxas de juro, mas todos os países da União Europeia ou da zona euro têm também de suportar o mesmo preço do dólar, o mesmo preço do petróleo e a mesma taxa de juro. Por isso, pergunto: onde é que está, então, a diferença? A diferença é simples: Portugal está a ser mal governado, está ser, mesmo, muitíssimo mal governado!

Aplausos do PSD.

A política económica do Governo é também responsável pelo desequilíbrio das nossas contas externas, o que é, hoje, o principal sintoma de uma economia «doente».
Entre 1996 e 1999, as importações aumentaram 40%, enquanto que as exportações só cresceram 23%. Portugal tem, pois, vindo a perder, sucessivamente, quotas de mercado. O défice da balança corrente pode atingir cerca de 11% do produto interno bruto, este ano, ficando muito próximo dos seus máximos históricos. Nenhum outro membro da União Europeia chega a 1/3 deste valor.
Este desequilíbrio manifesta-se também no aumento exponencial do endividamento das famílias, que, em 1999, atingiu cerca de 80% do rendimento disponível das mesmas, e traduz-se ainda no significativo decréscimo da poupança, que durante a década de 90 baixou 9%. E o resultado está à vista: um País endividado que, mais tarde ou mais cedo, tem mesmo de pagar as dívidas.
Saliento, também, que estamos a assistir à progressiva transferência de propriedade para o estrangeiro e à progressiva venda dos principais centros de decisão de Portugal ao exterior.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto confirma aquilo que tem vindo a ser afirmado pela maioria dos analistas.
A política económica do Governo já não merece, sequer, o benefício da dúvida e as associações empresariais e as

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confederações sindicais são unânimes na oposição às opções governativas. Querendo agradar a todos, o Governo acaba por não agradar, realmente, a ninguém.
O consenso geral, hoje, é o da crítica, fala-se mesmo num consenso dos economistas: o actual modelo está esgotado!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O problema central da economia portuguesa, a falta de produtividade, e a consequente perca da nossa competitividade externa, não foi sequer enfrentado e, praticamente, não foi referido pelo Sr. Primeiro-Ministro na intervenção que acabou de fazer.

Aplausos do PSD.

Não foram aproveitados os anos mais favoráveis, quando havia maior confiança, para proceder às reformas estruturais de que o País absolutamente carece, se não quiser «perder o pé» na competição internacional.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Já perdeu!

O Orador: - E não é apenas o conjunto dos economistas que tece estas críticas. As pessoas sentem, hoje, que as coisas não estão bem. Os indicadores de confiança dos consumidores e dos empresários estão num dos seus níveis mais baixos.
Com a excepção do Governo e do partido que o apoia, existe hoje, em Portugal, um consenso: o de que esta política económica não pode continuar!

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que é que se passou perante o inegável fracasso desta política económica? Perante a situação em que o País vive, esperava-se, talvez, que o Primeiro-Ministro viesse aqui anunciar uma «inversão de marcha», esperava-se que o Primeiro-Ministro viesse dizer como é que vai utilizar esse instrumento fundamental que é o Orçamento do Estado para inverter o sentido dessa marcha. Mas a verdade é que, «guinando» à direita ou à esquerda, o Primeiro-Ministro anuncia que «vai manter a rota de colisão» com aquilo que são os principais objectivos da política económica e com aquilo que seriam os principiais objectivos e princípios de uma sã política orçamental.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que este Orçamento é inaceitável!
É-o, desde logo, porque se apoia em dados macro-económicos que estão falseados. Este Orçamento do Estado prevê, para 2001, um crescimento de 3,3%, o qual, mesmo assim, ficaria abaixo da média da União Europeia.
Mas como pode ser credível essa previsão quando sabemos que, ainda recentemente, o próprio Instituto Nacional de Estatística anunciou que durante o primeiro semestre de 2000 o nosso crescimento foi de 2,8%, tendo também sido anunciado que no terceiro trimestre se assistiria a um abrandamento da nossa economia?!

O Sr. António Capucho (PSD): - Mistérios!…

O Orador: - Na melhor das hipóteses, o crescimento económico, em 2000, ficará à volta dos 2,75%, ou seja, 0,75% abaixo da média da União Europeia.
Na realidade, ninguém acredita neste valor que o Governo agora apresenta para o crescimento. Não acredita a Comissão Europeia, que, de acordo com as nossas informações, se prepara para apresentar um valor substancialmente abaixo daquele que o Governo agora apresenta, tal como não acredita, também, o Banco de Portugal. Estou seguro, aliás, de que o próprio Primeiro-Ministro não acredita naquilo que apresenta como objectivo para o crescimento económico deste ano.

Aplausos do PSD.

Quanto à inflação, todos sabemos, já, qual é a regra de ouro deste Governo: o Governo engana-se, sempre, em matéria de previsões da inflação. É um engano repetido, mas é também um engano conveniente, porque lhe permite enganar também os trabalhadores da função pública nas negociações salariais do início do ano.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este ano, o Governo fixa como objectivo 2,7% a 2,9%. São números também falseados, porque, desde logo, não contam com o já anunciado aumento dos combustíveis.
Realisticamente, se incorporássemos o aumento previsível dos combustíveis, mais os efeitos de arrastamento que os combustíveis vão trazer,…

Vozes do PS: - Quanto é que é?

O Orador: - … mais a anunciada compensação que o Governo prometeu aos trabalhadores da função pública - que no ano passado tiveram um aumento inferior ao da inflação -, poderíamos, talvez, contar com uma inflação à volta dos 3,5% para o próximo ano.
Mas quando o Governo pede, mais uma vez, aos partidos da oposição que viabilizem o Orçamento do Estado, não é capaz de dizer quanto e quando aumentam os combustíveis, não é capaz, sequer, de dar um número em que possamos acreditar quanto à inflação. Porque, mais uma vez, a base macro-económica desta proposta de Orçamento está falseada.

Aplausos do PSD.

Mas, além disso, esta proposta orçamental continua a agravar o desequilíbrio das contas públicas. É bom ver o que se passa pela Europa, onde é hoje corrente os países apresentarem orçamentos equilibrados, ou até com algum excedente.
A nossa vizinha Espanha, por exemplo, tem previsto para o ano 2001 um orçamento com um défice de zero, ou seja, um orçamento equilibrado. A própria Grécia, que sistematicamente era apresentada como o «mau aluno» da União Europeia, vai apresentar para o ano de 2001 um orçamento com um ligeiro excedente. O nosso Governo apresenta um défice de 1,1%, valor que, todos sabemos, não tem a mínima correspondência com a realidade, dadas as práticas de desorçamentação em que este Governo se especializou e dada a contabilidade criativa, que é talvez a principal contribuição deste Governo para o estado actual das finanças públicas no nosso País.

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Aplausos do PSD.

O Orador: - Como parte de bases falseadas, é óbvio que esta proposta de lei do Orçamento do Estado tem de recorrer às piores soluções, nomeadamente à sobrevalorização da receita e à suborçamentação da despesa.
Esta proposta de lei do Orçamento do Estado para 2001, pura e simplesmente, não é credível!
Podemos verificá-lo, por exemplo, com o sector da saúde. Basta ver o despudor propagandístico com que o Ministério da Saúde se propõe reduzir a zero, em 2001, o seu défice corrente, que, segundo as estimativas oficiais, atinge 180 milhões de contos.
Nos últimos anos, nem uma só medida séria foi tomada para conter este défice. E agora, o Ministério da Saúde - o tal que, como provou na análise em sede de Comissão, nem sequer sabe fazer contas de somar - quer-nos fazer acreditar que vai fazer num ano tudo aquilo que não foi capaz de fazer ao longo dos últimos anos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Que credibilidade pode ter este cenário quando é apresentado por um Ministério que deixou a dívida do Serviço Nacional de Saúde aos principais fornecedores subir para cerca de 300 milhões de contos, com os prazos de pagamento a atingir, em muitos casos, um ano ou mais?
O Sr. Primeiro-Ministro sabe que a ADSE tem vindo a acumular pagamentos atrasados aos hospitais, que já registam, em muitos casos, um ano de atraso?
Sabe que, depois, os próprios hospitais fazem repercutir esse atraso nas dívidas que têm aos seus fornecedores, laboratórios, farmácias e serviços de bombeiros, pondo-os também à espera, em muitos casos, por mais de ano?
Tudo isto acontece depois de o Orçamento do Estado para 1999 ter dotado o Sistema Nacional de Saúde com mais 82 milhões de contos para fazer face ao crescimento do défice corrente de 1999, e com mais 118 milhões de contos para transformar directamente em dívida pública meras despesas de funcionamento que estavam escondidas pela desorçamentação.
Este é, pois, Srs. Deputados, um mau Orçamento. Porque incorre naquele que é o pecado original dos socialistas, o despesismo, dando, aliás, sequência à tendência verificada nos orçamentos anteriores.

Protestos do PS.

A verdade é que chegamos ao final de Setembro com a despesa corrente a crescer mais de 11%, em relação ao ano anterior.
Isto, não nos esqueçamos, depois das proclamadas intenções de reduzir a despesa pública. Nesta matéria, as contradições entre o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças, como aliás as contradições do Governo, são, de facto, estimulantes.
Não nos esqueçamos de que foi em Março que, neste Plenário, o Sr. Primeiro-Ministro, respondendo às perguntas da oposição - concretamente as formuladas pela bancada do PSD, quando lhe dizíamos que se devia reduzir a despesa pública -, afirmou que o Orçamento era de rigor, que não podia «cortar» em lado algum, e que qualquer «corte» seria absolutamente anti-social, porque toda a despesa que podia ser «cortada» era despesa social.
Isto foi em Março. Mas em Maio, dois meses depois, quando surgiram as primeiras dificuldades, o Sr. Ministro das Finanças começou a anunciar a sua intenção de «cortar» 100 milhões de contos primeiro, 200 milhões de contos a seguir, e 70 milhões de contos depois. Ou seja, aquilo que era para o Sr. Primeiro-Ministro uma absoluta impossibilidade transformou-se, algumas semanas depois, para o Ministro das Finanças numa absoluta prioridade!

Protestos do PS.

Assim vai o estado das finanças públicas e da coerência em Portugal, com o Governo que temos!

Aplausos do PSD.

Muitos outros aspectos mereceriam crítica. Mas há um que, pelo seu relevo especial e por aquilo que tem a dizer a tantos milhares de funcionários públicos, não posso deixar passar em claro. No corrente ano, para uma tabela salarial que aumentou 2,5%, houve um aumento da massa salarial de 9%. Como pode, então, o Governo explicar que, na proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, para o ano 2001, a massa salarial só venha a crescer 5,7%, como nela consta? Quem é que está o Governo a enganar? Está a enganar esta Assembleia e os Deputados? Está a enganar os trabalhadores da função pública? Ou está, provavelmente, a tentar enganar todos ao mesmo tempo?

Aplausos do PSD.

O Governo, aliás, apresenta esta proposta de Orçamento articulando-a com uma pretensa reforma fiscal, que inclui uma ou outra medida positiva, que já apoiámos, mas toda ela se baseia numa orientação que merece a nossa mais viva reprovação.
A proposta fiscal do Governo, como aqui ouvimos, agora mesmo, o Sr. Primeiro-Ministro, apoia-se essencialmente na ideia, que eu pensava que não era uma ideia de política, mas que, para o Sr. Primeiro-Ministro, é uma ideia fundamental de política, de que as pessoas devem cumprir a lei. Pergunto: só ao fim de 5 anos de Governo é que o Sr. Primeiro-Ministro elegeu como prioridade o combate à evasão fiscal? O que é que esteve a fazer nos outros 5 anos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa é a principal medida desta proposta?
Nas palavras que agora ouvimos do Primeiro-Ministro nem uma só referência existiu em relação à necessidade de utilizar a chamada reforma fiscal para promover a competitividade da nossa economia. O Governo refugia-se num discurso justicialista de esquerda, procurando lançar uma campanha de pretenso moralismo, procurando lançar, outra vez, a exploração do ressentimento, procurando fazer aquilo que é, ao fim e ao cabo, abrir uma porta aberta, mas não nos disse uma só palavra quanto ao modo como a tal reforma fiscal vai contribuir para atrair mais investimento para Portugal ou como vai contribuir para evitar que algum investimento dos grupos económicos portugueses saia de Portugal ou que, como já aconteceu há dias, um dos principais grupos económicos portugueses diga que, com estas medidas, vai repensar se não será melhor relocalizar a sua actividade noutro país, que não o nosso.

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É, pois, uma reforma fiscal ou pretensa reforma fiscal que ignora em absoluto a necessidade estratégica de ser utilizado este instrumento para reganhar competitividade! É, pois, mais uma vez, uma oportunidade perdida para o desenvolvimento da nossa economia!

Aplausos do PSD.

Sr.as e Srs. Deputados: O que é grave neste Orçamento do Estado é que nele não se vislumbra um propósito, uma linha de rumo, não lhe subjaz uma orientação de fundo para recuperar a economia portuguesa. A proposta de Orçamento do Estado parte de uma lógica adaptativa, meramente reactiva, procurando, quando muito, incorporar as reivindicações deste ou daquele sector. Desde logo, esquece em absoluto uma promessa feita aqui pelo Primeiro-Ministro, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2000: apresentar um Orçamento do Estado de base zero.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O habitual!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Sr. Deputado Durão Barroso é que apresenta uma intervenção de base zero!

O Orador: - Mas, enfim, é só mais uma promessa que foi esquecida!
O grave é que este Orçamento do Estado é mais do mesmo: mais despesismo, mais desorçamentação, mais dívida oculta. É um Orçamento que consegue ser tão ou mais enganoso que os anteriores: mente sobre o cenário macro-económico; oculta a despesa corrente e a dívida acumulada; é irrealista nos objectivos de execução; é inconsistente nos dados e incoerente nos propósitos; e, mais grave, não se integra num plano de contenção da despesa pública, não é factor de correcção dos desequilíbrios persistentes da nossa economia, nem faz nada para começar a retoma do caminho de convergência com a União Europeia. É, ao fim e ao cabo, uma proposta de Orçamento que em nada contribui para enfrentar o principal problema da nossa economia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O primeiro problema da nossa economia é a sua baixa produtividade. A nossa competitividade externa encontra-se seriamente ameaçada e, por isso, o Orçamento do Estado para o ano 2001 não pode continuar a incorrer no mesmo erro, que é o de tratar o Estado como se fosse o de um país escandinavo rico, quando Portugal continua com níveis de produtividade bem próximos do de alguns países da América Latina.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A questão central está, pois, na despesa pública. O Estado em Portugal continua a gastar demais! Cada vez mais os recursos são desviados do sector produtivo para o Estado, onde são gastos de modo ineficiente!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo vangloria-se disto! Ainda agora aqui ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro.
Quando interrogamos o Governo acerca do que sentem as pessoas com a saúde e quando lhe perguntamos o que é que tem sido feito nesta área, porque há milhares e milhares de pessoas em listas de espera, durante meses e anos, por causa de uma consulta ou de uma intervenção cirúrgica, ele responde que aumentou o orçamento da saúde.
Quando interrogamos o Governo acerca do estado de desânimo e de descrença que se vive hoje no sistema de ensino, com milhares de professores à espera de serem colocados, com os professores desmoralizados, com os alunos descrentes do próprio sistema, o que é que responde o Governo? Que aumentou as dotações para o sistema educativo.
O Governo vangloria-se de mais despesa em muitos sistemas públicos. Sr. Primeiro-Ministro, mais despesa sem alterações estruturais não assegura melhor desempenho desses sistemas públicos. Pelo contrário, na generalidade dos casos, aumenta a ineficiência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que vemos as suas referências à Internet sem qualquer convicção. Quando o Sr. Primeiro-Ministro se refere ao sorriso da minha bancada quando V. Ex.ª fala da Internet, não é por causa do desenvolvimento da economia da sociedade de informação, é porque todos nos lembramos do Sr. Primeiro-Ministro na televisão que nem sequer conhecia o símbolo @, que é o símbolo mais comum na Internet.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

É por isso, Sr. Primeiro-Ministro, que não levamos a sério a maior parte das suas propostas. Ao fim de quatro anos de Governo - porque já é o segundo Governo - o Sr. Primeiro-Ministro descobriu a Internet e agora fala com entusiasmo e com a militância e o proselitismo dos recém-convertidos, mas não nos impressiona.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É porque, de facto, falta uma linha estratégica a este Orçamento; é porque não está subjacente a este Orçamento qualquer orientação para corrigir o que está mal na nossa economia; é porque não tem uma perspectiva para o desenvolvimento futuro da nossa economia que o PSD, em coerência e em consciência, votará contra esta proposta de Orçamento do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Queixa-se o Sr. Primeiro-Ministro deste nosso voto, admira-se a bancada socialista com o voto do maior partido da oposição. Estranha admiração essa! Quando é que aconteceu o Partido Socialista, sendo partido da oposição, apoiar ou, sequer, viabilizar um único Orçamento do Estado apresentado pelos Governos do Partido Social Democrata?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo quando o Partido Social Democrata estava em situação de minoria nesta Assembleia, como aconteceu em 1987, o Partido Socialista votou contra o Orçamento do Estado apresentado pelo nosso Governo.

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Por isso, votamos hoje contra, em coerência com a posição crítica que sempre assumimos quanto à política económica e financeira deste Governo, que foi, aliás, o principal tema da moção de censura que apresentámos e aqui, recentemente, discutimos, …

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … e em coerência também com o voto contra o Orçamento do Estado para 2000 e com o voto contra do Orçamento Suplementar para 1999.
Em consciência não podíamos votar de outro modo! Votar de outro modo significaria ficarmos associados a uma política económica de que fundamentalmente discordamos. O PSD não é, nem será, cúmplice dos erros e dos desgovernos do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O PSD não é, nem será, cúmplice da actual situação e muito menos daquela, bem pior, que este Orçamento do Estado já anuncia. Porque é preciso não termos ilusões: é que, apesar de ser um Orçamento despesista, ele vai impor mais sacrifícios aos portugueses, especialmente aos trabalhadores por conta de outrem e aos mais desfavorecidos. Mas o mais grave é que serão sacrifícios inúteis, porque não se integram em qualquer plano de recuperação da nossa economia.
Por isso, em coerência e em consciência, o PSD votará contra este Orçamento do Estado, porque entende que é sua obrigação opor-se frontalmente a este Governo, a esta política económica e a este Orçamento, porque sabemos que, quando os portugueses assim o entenderem, temos para lhes oferecer um outro orçamento, uma outra política económica e um outro governo.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O presente momento político, para além da «espuma» da conjuntura e de uma ou outra peripécia, tem, pelo menos, um aspecto positivo: hoje está claro que existem duas propostas, duas propostas bem distintas para a economia e para a sociedade portuguesas.
Uma proposta é isto, é o que está, é este Orçamento do Estado, é manter esta orientação,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Desorientação!

O Orador: - … é pensar ou dizer que, mais coisa menos coisa, as coisas até nem estão assim tão mal e, com uma ou outra adaptação, até pode ser mantida a actual trajectória. É aceitar que Portugal é mesmo assim, que está na nossa natureza talvez continuarmos a ser os últimos da Europa. É uma proposta possível, Sr. Primeiro-Ministro! É uma proposta possível, mas não é a nossa proposta!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A nossa proposta é não nos conformarmos com este estado de coisas. É, desde logo, falar verdade, reconhecer que não estamos bem, que a nossa economia vai mal, que existe em Portugal um problema sério e grave de falta de produtividade e de perda de competitividade externa e que há também, porque não dizê-lo, em Portugal um problema chamado Estado, e este problema tem de ser enfrentado e resolvido. Mas não é afogando os problemas em dinheiro que se consegue resolvê-los, é, pelo contrário, aceitando que existem distorções estruturais que devem ser corrigidas, sob pena de Portugal ver bloqueada a perspectiva do seu desenvolvimento.
A nossa proposta não é, pois, a de mudar pontualmente de política, nem nunca será a de negociar qualquer vantagem para um ou outro sector específico e também não é apenas a de lutar para mudarmos de Governo. A nossa proposta é mudar de modelo de governação e aceitar que esta política económica tem de ser substituída por outra completamente diferente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que propomos aos portugueses, para além de a esta Assembleia, um compromisso de mudança, um compromisso pelo qual se pedirá aos portugueses alguns sacrifícios no imediato,…

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - … mas com a certeza e a garantia de que só assim é que se poderá dar aos portugueses e a Portugal um crescimento sério e sustentado que nos ponha ao abrigo dos habituais ciclos de alguma prosperidade artificial logo ultrapassada por um período de depressão e até de descrença nas próprias capacidades nacionais;…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … um compromisso de mudança, pelo qual se promova a redução do peso do Estado na economia e se faça também, definitivamente, um alívio da carga fiscal; um compromisso de mudança, que passe, desde logo, pela adopção de um programa de emergência para a economia portuguesa, que permita iniciar a correcção dos desequilíbrios na nossa economia e que permita também a retoma da convergência de Portugal com a média da União Europeia. Isto só pode ser conseguido, estou certo, e tem de ser assumido, através de um programa plurianual de redução da despesa pública.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Despedindo funcionários públicos?!

O Orador: - Este é o caminho mais difícil, mas é o caminho que nós seriamente temos a propor ao País. É o caminho necessário e, para mim, a política é a arte de transformar em possível aquilo que é necessário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este não é o caminho que as sondagens apontam - se nos guiássemos pelas sondagens, faríamos com que tudo continuasse mais ou menos na mesma e não chamaríamos a atenção do País para o caminho negativo que o País leva. Mal vai o País cujo Primeiro-Ministro se deixa guiar por sondagens, por impressões ou pela preocupação com a sua própria imagem! Pela nossa parte, aquilo que interessa são os objectivos para o País, são as nossas convicções e não a imagem mas o projecto e a ideia que temos para Portugal.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É a chamada ideia virtual!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, no momento em que aqui deixo um voto negativo relativamente a esta proposta orçamental, quero terminar também com um voto positivo - um voto positivo em relação à política, um voto positivo em relação a quem acredita que a política pode fazer a diferença e que não é indiferente o governo que está no poder, e que não é indiferente a governação que temos. Quero terminar com um voto de confiança na capacidade dos portugueses, com uma profissão de fé na democracia, com um voto de confiança nos portugueses que saberão distinguir entre promessas fáceis e demagogia e aquilo de que Portugal precisa - um caminho de esforço e de coragem. É o caminho mais difícil, com certeza, Srs. Deputados, mas é o único caminho que vale a pena.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados Francisco de Assis e Manuel dos Santos, que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Durão Barroso, o Sr. Secretário da Mesa vai ler um relatório e parecer da Comissão de Ética que se reveste de natureza urgente, por dever produzir efeitos desde já.

O Sr. Secretário da Mesa (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de Ética é do seguinte teor:
«Em reunião da Comissão de Ética realizada no dia 6 de Novembro de 2000, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes reTomás de mandato de Deputados:
Grupo parlamentar do PSD - Fernando José da Costa (Círculo Eleitoral de Leiria), cessando Ana Maria Martins Narciso, em 7 de Novembro corrente, inclusive;
Grupo parlamentar do CDS-PP - Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró (Círculo Eleitoral do Porto), cessando Álvaro António Magalhães Ferrão Castello Branco, em 4 de Novembro corrente, inclusive.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.»
O parecer é no sentido de que as reTomás de mandato em causa são de admitir uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Dado que não há pedidos de palavra, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para formular o seu pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Durão Barroso, deixe-me começar por lhe dizer que, se o despesismo fosse o pecado original do socialismo, há muito tempo que V. Ex.ª já se teria reencontrado com as suas próprias origens, porque fez parte dos governos mais despesistas que existiram em Portugal nos últimos dez anos!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado Durão Barroso, um líder do maior partido da oposição e, por essa via, candidato normal a Primeiro-Ministro de Portugal, não se pode limitar a vir aqui ao Parlamento, de três em três meses, dizer que o País precisa com urgência absoluta de um plano de emergência para a economia, sem nunca cuidar de apresentar o conteúdo mínimo desse mesmo plano de emergência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De resto, Sr. Deputado Durão Barroso, é sempre mais do mesmo: sempre a maledicência, sempre a avaliação catastrofista da situação do País, sempre a previsão mais negativa de tudo quanto nos pode acontecer-nos. Num ou noutro aspecto, num ou noutro dado, o Sr. Deputado até poderá, eventualmente, ter razão, porque quem, como nós, nunca aderiu à «teoria do oásis», não tem nenhum motivo, agora, para não admitir que, num ou noutro assunto, as coisas não tenham corrido tão bem.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado Durão Barroso, usemos de rigor na avaliação das questões: quando acusa este Governo de despesista, devia, em nome do rigor, salientar que este orçamento aponta, de facto, no sentido da diminuição da taxa de crescimento da despesa pública em Portugal, introduzindo uma inversão do maior significado e sem paralelo em relação aos governos que o Sr. Deputado integrou.

Protestos do PSD.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Quando o Sr. Deputado diz que este modelo de crescimento económico está posto em causa, em nome do rigor da verdade e da transparência que retoricamente tanto alardeia, deveria reconhecer que o Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro das Finanças já várias vezes chamaram a atenção, justamente, para alterar o padrão de crescimento da nossa economia que, doravante, não deverá assentar tanto no crescimento do consumo privado…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Então, é no do consumo público?!

O Orador: - … mas mais no crescimento do investimento e das exportações.
Mas, Sr. Deputado Durão Barroso, o momento mais entusiasmante e também mais clarificador da sua intervenção foi quando quis identificar as propostas sérias de combate à fraude e à evasão fiscais como manifestações de um justicialismo de esquerda. O País está agora em condições de perceber quem é que quer combater a fraude a evasão fiscais e quem é que não quer combatê-las.

Aplausos do PS.

Quem é que está disposto a recorrer aos instrumentos adequados para travar com sucesso essa batalha e quem,

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pelo contrário, a reclama sempre em abstracto mas, quando ela surge de facto, no concreto, imediatamente procura identificá-la com manifestações de justicialismo de esquerda.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Faça o favor de concluir.

O Orador: - Por último, Sr. Deputado Durão Barroso, V. Ex.ª teima em dizer que tem um caminho mas nunca o apresentou. Limita-se a anunciar o céu mas nunca disse ao País como é que lá poderemos chegar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, julgava que o Sr. Deputado, que é normalmente a pessoa a quem é atribuída a tarefa da marcação homem a homem…

Risos.

… tinha lido com maior atenção as minhas intervenções. Eu disse claramente, na minha última intervenção aquando da moção de censura, que o programa de emergência para a economia portuguesa seria apresentado até ao final da discussão do Orçamento do Estado. Não seja, pois, demasiado ansioso! Vai ser apresentado! Mas há algo que eu queria que ficasse claro aqui: por vezes, os Srs. Deputados socialistas fazem-me lembrar aqueles alunos que gostam de fazer sempre trabalhos em grupo porque querem que sejam os outros a fazer o trabalho por eles - isso nós não fazemos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, quem está no Governo, são VV. Ex.as; e quem apresenta o Orçamento, é o governo do PS - não antecipem já o nosso orçamento e o nosso projecto para o País! É verdade que, se chegasse aqui alguém de fora e lhe dissessem que havia aqui um debate sobre o orçamento, vendo a vossa postura e vendo o nosso discurso, que é o discurso do rigor e da responsabilidade, muita gente pensaria que esta é que é a bancada do partido do Governo e que os senhores, ao fim e ao cabo, continuam a ser a bancada da oposição!

Aplausos do PSD.

Quanto à evasão fiscal, Sr. Deputado, estamos ao lado do Governo em tudo o que for luta contra a evasão fiscal. Estranho é o Governo ter demorado 5 anos a descobrir essa prioridade!

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Não! Não é verdade!

O Orador: - A questão é esta: nós discordamos essencialmente do modo como é apresentada a vossa pretensa reforma fiscal; para nós, o primeiro objectivo de uma reforma fiscal deve ser simples - reduzir a carga fiscal! Este é que devia ser o acento tónico da vossa proposta. Portugal é hoje, dos países da coesão, o que tem a carga fiscal mais elevada. Na vossa proposta de reforma fiscal não há minimamente a preocupação estratégica de dotar Portugal de condições de competitividade fiscal. É por isso que contesto o modo demagógico, o modo justicialista, o modo populista, o modo primário como VV. Ex.as continuam a apresentar a pretensa reforma fiscal!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Durão Barroso, não me leve a mal que não possa colocar-lhe todas as questões que gostaria, mas, de cada vez que o senhor fala, vou-me lembrando de mais questões para lhe colocar.

Vozes do PSD: - Isso é bom sinal!

O Orador: - Assim, vou fazer uma selecção rápida dessas questões e começarei pela sociedade de informação. V. Ex.ª sabe que uma arroba são 15 Kg - na nossa terra, até são 20!

Risos do PS.

Não sei se o senhor sabe exactamente o que é que significa arroba. Se não souber, posso explicar-lhe lá fora.

Vozes do PSD: - Explique lá isso ao Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - A propósito de sociedade de informação, o Sr. Deputado, que cita tantas vezes estatísticas lidas nos jornais, não deve ter lido que Portugal está acima da Espanha, acima da França, acima da Itália e muito acima da Grécia, colado à Áustria e à Irlanda. Portanto, também convinha que lesse essas partes dos jornais!
As questões essenciais que o Sr. Deputado colocou, e que mais me preocuparam, têm a ver com a reforma fiscal. O Sr. Deputado, quer na intervenção que fez quer, depois, na resposta que deu ao meu camarada Francisco de Assis, insistiu na questão da reforma fiscal e disse que só agora é que o PS se lembrou de lutar contra a evasão e fraude fiscais. Bem, eu podia pegar nesse argumento meramente instrumentalista e dizer que, se nós demorámos 5 anos, os senhores demoraram 10, mas nem isso é verdade, Sr. Deputado!
Nos últimos 5 anos, entraram no sistema 300 000 novos contribuintes e isso é, exactamente, lutar contra a evasão e fraude fiscais! Não lhe explicaram isso? Nos últimos anos, houve um aumento significativo, para o dobro, das contribuições de IRC, apesar de a taxa de contribuição do IRC ter baixado 4%, enquanto que o senhores só conseguiram baixar 0,5% em 10 anos! Portanto, como vê, para lá das críticas que o meu colega Francisco de Assis já lhe fez, a sua observação não tem nenhum sentido.
Também referiu que houve contradição entre o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Primeiro-Ministro a propósito do corte em despesas. Sr. Deputado, seguramente que alguém poderá explicar-lhe que o que foi cortado foi a cláusula de reserva, que existia exactamente para esse tipo de situações, e as cativações que estavam inscritas na lei orçamental. Agora, o que dói ao PSD é que

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não tenha sido concretizada, na prática, a visão catastrofista que tinha, no sentido de que não havia execução orçamental que suportasse o irrealismo das previsões do Governo, porque a execução orçamental está boa e recomenda-se!
Efectivamente, não houve nenhuma ruptura ao nível das finanças públicas, não foi preciso orçamento rectificativo e isso é que foi preocupante para o Sr. Deputado e para o PSD.
Uma última questão, telegráfica, porque não tenho mais tempo: o ex-líder do PSD, falando no despesismo, na baixa de 6 pontos percentuais (e podíamos falar também um pouco sobre isso, mas já não disponho de tempo) na despesa corrente sem juros, acaba por depois, quando é «entalado» quanto às soluções, por responder …

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Entalado?!

O Orador: - … embora não directamente, confesso, que estaria disponível para despedir 50 a 60 000 funcionários da Administração Pública. Pergunto: o senhor está de acordo com esta afirmação?

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Funcionários políticos, sim!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, em relação à questão da sociedade de informação, não vamos entrar aqui em contra-argumentação. Remeto-o para um artigo do ex-Ministro Manuel Maria Carrilho no último Diário de Notícias.

Risos e aplausos do PSD.

Em relação às outras preocupações que V. Ex.ª coloca, tenho de lhe dizer que, mais uma vez, cita questões parcelares - como essa estatística que referiu - e ignora a questão essencial, que eu coloquei aqui e que, até agora, não mereceu da vossa parte nem da parte do Sr. Primeiro-Ministro qualquer atenção.
É uma questão séria que me preocupa e que já tenho colocado várias vezes nesta Assembleia. Portugal está a crescer menos que a média da União Europeia,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sobre isso, «zero»!

O Orador: - … estamos a ficar relativamente mais pobres.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E nos anos anteriores?!

O Orador: - Assim, se continuarmos na média destes 5 últimos anos mais aquilo que se projecta para os próximos três, só daqui a 70 anos é que atingiremos a média da União Europeia. Mas se continuarmos na média deste ano e do próximo, nunca mais atingiremos, porque estamos, neste momento, em divergência.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Olhe se fosse a média de 1995!

O Orador: - Por isso, a questão que coloquei naquela tribuna e que devia ser respondida por VV. Ex.as é o que é que vão fazer com os instrumentos que estão à vossa disposição, a começar pelo Orçamento, para dotar Portugal da capacidade de reganhar algo em matéria de produtividade - o gap de produtividade com outros países, que está a agravar-se - e também em termos da sua competitividade externa, nomeadamente na questão fiscal. Ora, essa questão não é respondida por VV. Ex.as. Fazem, mais uma vez, a retórica, «atiram para o lado», mas a questão de fundo,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Nem uma palavra!

O Orador: - … que é a de saber se temos um Orçamento capaz de inverter a actual política económica e de pôr Portugal de novo a crescer, essa questão que preocupa todos aqueles - e estou seguro de que há muitos em todas as bancadas - que estão na política porque não querem que Portugal fique para sempre na periferia e um país atrasado na Europa e que estão aqui a lutar para que Portugal recupere a sua dignidade na Europa, essa questão de fundo não foi ainda respondida e, até agora, este Orçamento só mostrou que em nada vai contribuir para que Portugal reganhe essa batalha, pelo contrário. A razão pela qual estou na política e, provavelmente, VV. Ex.as também, que é a de fazer de Portugal um país tão digno e tão desenvolvido como os outros, está cada vez mais distante.

Protestos do Deputado do PS Manuel dos Santos.

Ao fim destes anos, Sr. Primeiro-Ministro - e isto é uma questão de responsabilidade -, peço-lhe uma coisa: pense menos na próxima eleição, pense menos no resultado do Partido Socialista, pois mais vale perder algo em popularidade e deixar o País como deve estar, bem encaminhado. Este é o meu apelo e interpelo, assim, a sua própria responsabilidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em entrevistas e declarações recentes, o Sr. Ministro das Finanças sustentou que o Orçamento do Estado para 2001 merecia ser aprovado por duas razões fundamentais: por uma lado, «porque este Orçamento mantém as características identificadoras de outros apresentados por António Guterres» e, por outro, porque, mantendo essas características, «responde pela positiva a algumas críticas que foram feitas» e, consequentemente, apresenta «uma redução significativa da taxa de crescimento da despesa pública».
Isto é, o Governo do Eng.º Guterres reconhece que nos apresentou um Orçamento do Estado que, na sua matriz caracterizadora, prossegue as linhas de orientação política dos seus cinco orçamentos anteriores, os quais, por isso mesmo, foram viabilizados ora pelo PSD, ora pelo PP, ora pelo PSD e pelo PP. E reconhece, igualmente, que acolheu e deu resposta positiva às críticas lançadas pelo novo Frankenstein, o inventor da figura do «monstro» orçamental.

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Aplausos do PCP.

Mais: em Março passado, quando Cavaco Silva lançou o «monstro» para a praça pública, o Primeiro-Ministro acaloradamente enfatizou aqui, neste Plenário, que a tese do «monstro» era a questão ideológica central do debate orçamental, diferenciadora da esquerda e da direita políticas.
Hoje, pela voz do seu Ministro das Finanças, o Primeiro-Ministro vem confessar que o Orçamento do Estado para 2001 deve ser aprovado, porque, desse alegado debate ideológico, o Governo acolheu e deu provimento às teses da direita, às teses de Cavaco Silva!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Em suma, as razões fundamentais que o próprio Governo sublinha como identificadoras da bondade do Orçamento e justificativas da sua viabilização pela Assembleia da República não deixam margem para dúvidas de que o Governo preparou um Orçamento que queria fosse apoiado pela direita parlamentar.
Essa foi uma opção voluntariamente assumida pelo Governo, uma opção política que o PCP critica e condena,…

Aplausos do PCP.

… mas um opção legítima do Governo. O Governo e o PS são livres de escolher os apoios e parceiros políticos que desejam.
O que não é legítimo, o que é politicamente intolerável, é que o Governo apresente um Orçamento para satisfazer e atrair os apoios da direita e, quando estes lhe faltam (por razões outras), se vire para a esquerda a «exigir» que esta apoie um Orçamento confessadamente marcado, na sua matriz caracterizadora, por orientações queridas pela direita.
O Governo fez a sua opção entre aprovar um Orçamento à direita ou à esquerda; por sua vontade própria, que não por ausência de alternativa.
O PCP já demonstrou nesta Assembleia da República, por múltiplas vezes, que não se orienta pela política do «bota-abaixo», que não vota sistematicamente contra as propostas do Governo só porque este é do PS. O Sr. Primeiro-Ministro sabe-o muito bem, tem exemplos recentes ou em curso que o comprovam, pelo que não lhe fica bem, não é uma atitude politicamente ética, que desvirtue e falseie esta verdade indesmentível.

Aplausos do PCP.

Também em relação ao Orçamento do Estado para 2001, o PCP, atempadamente, em 3 de Setembro e pela voz do seu Secretário-Geral, tornou públicas as condições, no quadro de uma viragem política à esquerda, em que esse diploma central para a governação poderia acolher o nosso voto viabilizador.
Nessa altura, e para além das relativas ao abandono do projecto do Governo e do PS de alteração do sistema eleitoral, numa via de grave retrocesso para a democracia portuguesa, e à alteração da política quanto à integração europeia, no sentido da defesa dos interesses nacionais, de oposição a evoluções federalistas e da afirmação dos direitos sociais contra os interesses da finança e do grande capital, o PCP apresentou cinco reclamações com incidência directa no Orçamento a apresentar pelo Governo.
À reclamação da promoção de políticas salariais que melhorem o nível de vida dos trabalhadores em termos reais e repartam o rendimento nacional de forma mais favorável ao mundo do trabalho, bem como de políticas que combatam a inaceitável precarização, insegurança e perda de direitos que hoje ataca o mundo do trabalho, que respondeu o Governo?
O Orçamento inscreve uma dotação orçamental que consagra a vontade do Governo de impor um efectivo congelamento real dos salários e de não compensar o acréscimo de 0,8% da inflação registada no ano corrente face à previsão que serviu de base à negociação salarial, decretando ainda uma actualização do salário mínimo nacional que nem sequer incorpora os ganhos de produtividade médios que o Governo prevê no cenário macro-económico para o próximo ano.
À reclamação da concretização de uma reforma fiscal que, no seu conteúdo real, alivie a carga fiscal sobre os trabalhadores, combata a evasão e a fraude fiscais e tribute devidamente a especulação financeira, o grande capital e os grandes patrimónios e fortunas, o Governo viu-se obrigado a dar-lhe uma resposta globalmente aceitável, embora insuficiente, mas, desde logo, a feriu, ao querer ligá-la e subordiná-la à aprovação do Orçamento.
E, sobre esta questão, quero acrescentar o seguinte: é verdade que no debate orçamental anterior fiz a afirmação que o Sr. Primeiro-Ministro há pouco leu - e mantenho-a. Mas o Sr. Primeiro-Ministro não pode esconder duas coisas: primeiro, fiz aquela afirmação em resposta à sua, de que a questão central do debate ideológico e político era o «monstro» da despesa, nessa mesma manhã, inventado e dado a conhecer através de um órgão de comunicação social por Cavaco Silva; segundo, a de que, neste Orçamento - e esta é a questão central -, a questão da reforma fiscal não está directamente colocada. Trata-se de um outro processo legislativo em curso nesta Assembleia. Eu sei, e V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, sabe-o ainda melhor, que o Governo pretendia que essa reforma fosse incorporada no Orçamento de Estado, o que nós não lhe permitimos, ao fazer o agendamento potestativo que fizemos, precisamente para impedir o que V. Ex.ª há pouco clarificou, isto é, colocar a reforma fiscal como moeda de troca da viabilização do Orçamento de Estado.

Aplausos do PCP.

Onde o PCP reclamava o fim do processo de privatizações, que tem eliminado muitos postos de trabalho e se tem traduzido num enriquecimento ilícito e imoral de grupos económicos e numa via rápida para o controlo por estrangeiros de sectores-chave da economia nacional, o Governo respondeu inscrevendo no Orçamento uma previsão de mais 400 milhões de contos de venda de património público em sectores estratégicos para a economia portuguesa, designadamente nos cimentos e nas celuloses e papel, em que nem o pretexto da necessidade de uma parceria estratégica pode ser invocado.
Aliás, o que se passou, no início do ano, com a forma como foi vendida a GALP à ENI e o mais recente acontecimento em torno da 4ª fase de privatização da EDP, a ser verdade aquilo que foi noticiado por um órgão da comunicação social, em que uma entidade, dita reguladora, interfere directamente no processo e serve como base para uma «golpaça» especulativa de um banco estrangeiro, são

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razões mais do que suficientes para que ao Governo se coloque a exigência de suspender, de imediato, todo o processo de privatizações!

Aplausos do PCP.

Quando o PCP colocava a necessidade de pôr termo à crescente tutela e subordinação da política do Ministério da Saúde pelos grandes interesses económicos, reorganizar, modernizar e humanizar o Serviço Nacional de Saúde, enfrentar eficazmente o escândalo das listas de espera e reduzir os gastos do Estado e dos cidadãos com os medicamentos, nomeadamente pela generalização dos genéricos, o Governo respondeu com um orçamento completamente falho de credibilidade e de rigor, deixando ainda a claro os retrocessos registados nas orientações políticas visando a melhoria na eficiência, na prestação de cuidados de saúde e na independência do SNS face aos interesses económicos da indústria e do comércio farmacêuticos, tudo mostrando que, objectivamente, o Governo está a trilhar um caminho de degradação do SNS a todos os níveis, tendente a criar as condições subjectivas para justificar a sua privatização.

Aplausos do PCP.

Exigindo o PCP que, na sequência da aprovação da Lei de Bases da Segurança Social, fosse feita uma verdadeira reforma democrática desta área e mobilizados recursos para uma acentuada melhoria das pensões e reformas, o que o Governo concretizou foi a persistência numa política miserabilista de actualização de valores, que estão muito longe de permitirem uma vida minimamente condigna à grande maioria dos pensionistas e reformados.
Com estas respostas negativas às nossas propostas, o Governo sabia de antemão que, do PCP, só poderia obter uma claro e inequívoco «não» à proposta orçamental. É que, numa perspectiva de esquerda, é um mau Orçamento, assente em critérios e orientações caros a quem se posiciona à direita.
Mas o Governo não se ficou por aqui, Sr. Primeiro-Ministro. O Primeiro-Ministro e o Governo enveredaram pelo caminho da chantagem política para tentarem impor a aprovação do seu Orçamento, um caminho que igualmente sabiam ser inaceitável para um partido de esquerda, como o PCP, que se orienta por princípios, convicções e valores e sempre com frontalidade.
Subtraindo à reforma fiscal a matéria relativa à tabela dos escalões e taxas do IRS, recusando-se a iniciar o processo negocial com os sindicatos da função pública antes da votação do Orçamento na generalidade, recusando a entrega atempada do PIDDAC Regionalizado à Assembleia da República, mas, partidariamente, distribuindo-o aos Deputados do PS; ameaçando os trabalhadores, os agentes da PSP, os utentes do SNS, os professores e os alunos, de não desagravar impostos, de não aumentar salários, de não pagar subsídios, de não haver investimentos na saúde e na educação se o Orçamento não for viabilizado... Só lhes faltou, como já aqui foi recordado, ressuscitar os «frigoríficos» de Cavaco Silva…

Aplausos do PCP.

Neste campo, o despudor é total, a demagogia campeia infrene.
É que o Governo sabe perfeitamente que, não sendo a situação ideal, não há qualquer drama que, durante alguns meses, a vida financeira do Estado seja gerida com o chamado regime de duodécimos. Ainda por cima, quando a execução orçamental do ano corrente, no âmbito das despesas, ficou 200 milhões de contos abaixo do orçamentado!
O Governo sabe que o desagravamento fiscal dos trabalhadores pode ser feito, se a reforma fiscal for aprovada a tempo de poder entrar em vigor em 1 de Janeiro.
Tal como sabe que nada impede que os salários da função pública sejam negociados e pagos a partir do início do ano, tal como o Governo já o demonstrou com as pensões de reforma.
Tudo depende, apenas, e mais uma vez, da vontade política do Governo.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É um facto incontroverso que, ao elaborar este Orçamento, o Governo não teve em conta as condições básicas publicamente colocadas pelo PCP há dois meses atrás.
Mas não nos restam dúvidas de que a persistência do Governo na apresentação de orçamentos com a intenção de poderem ser aprovados pela direita significa somar erros políticos sobre erros políticos, com os quais são prejudicados o presente e o futuro do País, os trabalhadores, os reformados, a generalidade dos cidadãos portugueses.
Temos para nós que, com o quadro político que se gerou à volta deste Orçamento, o Governo ainda está a tempo de reflectir e recuar, de aceitar, sem dramas nem cenários de crises artificiais, a rejeição deste e a apresentação de um novo Orçamento, agora clara e decididamente orientado à esquerda.
O Governo ainda está a tempo de resistir à tentação do mais fácil: o de obter a viabilização deste mau Orçamento, através da pesca à linha de um qualquer voto isolado.
O Orçamento do Estado é um instrumento central da governação do País, que não pode estar na dependência da negociação conjuntural de interesses ou reivindicações individuais ou locais. Portugal não é nem pode ser transformado numa qualquer república das bananas! O que está em causa é a própria credibilidade do regime democrático.
Esperamos que o Primeiro-Ministro, o Governo e o PS saibam discernir que os fins não justificam todos os meios. E que, em consequência, apresentem à Assembleia da República um novo e melhor Orçamento do Estado para 2001.

Aplausos do PCP, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Penedos.

O Sr. José Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª, na sua intervenção, não deu resposta ao desafio que foi lançado pelo Sr. Primeiro-Ministro, porque não é dizendo-lhe que fez um agendamento potestativo sobre a reforma fiscal há um mês atrás que lhe responde. A resposta que se espera que o PCP dê não é dizer que o agendamento potestativo foi para evitar que a reforma fiscal servisse de arma de arremesso ou de instrumento negocial para a aprovação do Orçamento. O que se pretendia era saber se havia

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disponibilidade do PCP para, em torno da reforma fiscal, construir uma viabilização deste Orçamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E o que o Primeiro-Ministro hoje apresenta aqui ao PCP não é um negócio de ante-câmara, não é um negócio de suite, é uma proposta clara de debate na especialidade, de modo a que o PCP venha ao encontro da proposta de reforma fiscal do Governo e de forma a que possa sair daqui um Orçamento viabilizado, sem negócio. Foi perante a Câmara que o Primeiro-Ministro fez a proposta, foi perante a Câmara que o Primeiro-Ministro fez o negócio com o PCP - o negócio com o PCP está a ser feito perante a Câmara!
Portanto, como as acusações sobre negócios «andam no ar»,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O negócio já está feito!

O Orador: - … o Deputado Octávio Teixeira deveria ser capaz de responder, em nome do PCP, se há disponibilidade para uma negociação séria de uma reforma fiscal séria, de que o País necessita, e, com isso, viabilizar o Orçamento às claras, perante a Câmara.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Isso era o que nós queríamos!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O sol não brilha para todos!

O Orador: - A segunda questão tem a ver com o fim das privatizações.
Sr. Deputado, as privatizações revelaram ser um instrumento de modernização da economia portuguesa! O PCP, no entanto, ainda não resolveu a querela ideológica no seu seio sobre as privatizações. Não venha citar a privatização da Galp como um mau exemplo de privatização, porque o Governo está a tempo de criar os instrumentos que garantam a autonomia do Estado em relação ao sector do gás e do petróleo. Portanto, não vale a pena o Sr. Deputado Octávio Teixeira invocar o «caso Galp» como um caso de espécie para condenar as privatizações. As privatizações são necessárias à economia portuguesa e constituem um elemento fundamental de modernização da economia. Pergunto-lhe, então, se V. Ex.ª reconhece que elas têm de continuar o seu caminho ou se, porventura, pura e simplesmente, temos de prescindir de privatizar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Penedos, vamos começar pelo seguinte: por uma questão de princípios - não é de princípio, mas de princípios -, não gosto de falar em negócios. Não gosto, nunca gostei de negócios.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Isso é que é mau!

A Sr.ª Manuela Ferreira (PSD): - Então, tem dificuldade em falar com eles!

O Orador: - Por conseguinte, vamos esquecer essa palavra e vamos responder directamente à sua questão. Mas trata-se de uma questão de princípios - não de uma questão de princípio -, de convicções e de valores.
Ó Sr. Deputado, tenho a impressão de que não percebeu a resposta que dei ao Sr. Primeiro-Ministro. É que, em relação a este problema da reforma fiscal, que é necessária, independentemente de qualquer Orçamento - isso é declarado por todos, designadamente pelo Governo e pelo Partido Socialista -, todos sabem que o Governo pretendia que a reforma fiscal fosse feita em sede de Orçamento do Estado…

O Sr. José Penedos (PS): - Não!

O Orador: - … para tentar amarrar partidos, que estão, ou podem estar, de acordo com a reforma fiscal, ao Orçamento. E foi isso que procurámos e conseguimos impedir, através do agendamento autónomo da reforma fiscal em relação ao do Orçamento do Estado.
Agora, não é por acaso que, estando o processo de reforma fiscal ao lado - está, neste momento, em discussão na comissão -, o presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista gaste uma boa parte do seu pedido de esclarecimento, assim como V. Ex.ª, com a questão da reforma fiscal, que não está aqui!

Vozes do PS: - Está!

O Orador: - Isto é, em relação ao Orçamento do Estado, a única coisa de bom que os senhores têm para dizer é: «aquela reforma, que não está no Orçamento, mas está ali na comissão, é boa; aprovem o Orçamento, porque aquela é boa, é aquela não é este!». E essa é uma questão central.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à segunda questão, sobre as privatizações, Sr. Deputado Francisco Assis, no ano passado, as alterações fiscais constavam do Orçamento e não de qualquer processo de reforma fiscal ao lado! Não estavam na comissão!

Protestos do PS.

Agora não! Agora trata-se apenas da questão da tabela que está aqui!
O outro processo, como há pouco foi referido, já foi votado na generalidade! O Orçamento ainda não foi! Vejam lá se conseguem entender isto!
Passando à última pergunta, relativa às empresas públicas, como o tempo está a acabar, vou só referir-me, muito sinteticamente, à questão da Galp.
Ainda há pouco eu disse: «acabe-se com as privatizações!». E disse mais: «suspendam-se imediatamente os casos concretos que sucederam ultimamente para ver o que se está a passar!»
Mas, em relação à Galp, devo dizer o seguinte: Sr. Deputado José Penedos, acredito em tudo o que queira dizer, ou em tudo o que Governo ou V. Ex.ª digam, depois de ver o chamado «preto no branco», porque, neste momento, o que está «preto no branco» é que a Eni vai ficar com a maioria do capital da Galp!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - É isto pura e simplesmente, mais nada!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, para o relembrar que nós pedimos, e V. Ex.ª concordou, que o Sr. Deputado Paulo Portas falasse antes do Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, suponho que houve acordo do PS nesse sentido, mas o problema é que esse acordo foi alterado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, as coisas têm de ser feitas de forma transparente: a bancada do CDS-PP pediu ao PS que trocasse a ordem das intervenções, isto é, que o Sr. Deputado João Cravinho trocasse com o Sr. Deputado Paulo Portas, e nós concordámos. Só que a seguir percebermos que o Sr. Deputado Paulo Portas, quando terminasse a sua intervenção, queria fazer uma interrupção dos trabalhos, …

Vozes do CDS-PP: - Não!

O Orador: - … com a qual vamos concordar!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, o Sr. Deputado Paulo Portas desistiu de fazer a interrupção dos trabalhos, por isso pergunto-lhe se aquilo que foi acordado inicialmente se mantém.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Com certeza que sim, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Os acordos têm de ser respeitados.
Então, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Impende sobre o Governo e esta Assembleia, e, em geral, a nosso ver, sobre a credibilidade do regime democrático, uma questão prévia, anterior a qualquer discussão sobre o conteúdo do Orçamento.
É curioso que o Sr. Primeiro-Ministro, na intervenção que proferiu, se tenha escusado até ao fim de abordar uma questão de princípio que está na mente de todos nós e que está sobretudo na mente do País.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É preciso, portanto, recordar, com parcimónia e sem sectarismo, qual é essa questão prévia.
Passo a fazer uma citação: «Não fiquei satisfeito nem quero acreditar que se chegue a consumar essa história de que o Orçamento poderia passar porque um Deputado que quer o queijo Limiano se vai oferecer ao Governo para votar a seu favor.
Não quero acreditar que se possa fazer um negócio desse tipo, …

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - … seria um mau precedente para a vida política portuguesa.»

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Estas palavras não são minhas. Estas palavras, para vossa surpresa, são do Dr. Mário Soares, …

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - … fundador do Partido Socialista, antigo Primeiro-Ministro e antigo Presidente da República.

Aplausos do CDS-PP.

E é por isso que, para nós, esta questão não é ridícula, é grave; não é de partido, é de regime; não é local, é nacional.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Com a dureza do que é extremamente simples, a questão prévia põe-se com muita simplicidade: pode ou deve um Orçamento do Estado ser aprovado mediante o aliciamento político de um Deputado da oposição…

Protestos do PS.

… e com base em meros e estritos interesses locais?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Poder, pode! Dever não deve, com certeza!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Aritmeticamente, este Orçamento do Estado pode até ser aprovado. Politicamente, este Orçamento do Estado entra, e, a meu ver, ficará para sempre, chumbado, porque corresponde à mera soma ocasional e incoerente do interesse do Governo e do interesse eventual de um Deputado, e não a uma maioria estável, coerente, duradoura e consistente para governar Portugal!

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

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A nosso ver, o processo que conduziu ao início deste debate nestes termos está, evidentemente, manchado por um facto que é inédito em 25 anos de democracia,…

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - … qual seja o aliciamento político de um Deputado da oposição para favorecer, numa votação, o Governo!
Este debate está ferido! Ferido, porque o promotor do Orçamento do Estado é o Governo da nação, e este, ao promover ou aceitar este comportamento, está, evidentemente, a entrar naquilo a que, de forma popular, poderíamos chamar «o vale tudo», e em democracia não pode valer tudo!

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

Aprendemos todos que os fins não justificam os meios!

Protestos do PS.

Neste caso, o pior dos meios está a ser utilizado em benefício do mais duvidoso dos fins!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas este debate está ele próprio fragilizado pela circunstância de, tendo o Primeiro-Ministro renunciado ao sentido de Estado e optado pela solução mais fácil, mais imediata, mais confortável, mas, evidentemente, menos ética e menos responsável, ser evidente que a partir de agora entrou no sistema democrático um vírus a que podemos chamar «localismo»...

Protestos do PS.

… com o qual o sistema fica doente. Fica doente, e esse facto atingirá este e outros governos. Essa doença chama-se ingovernabilidade e …

Protestos do PS.

Srs. Deputados do Partido Socialista, podem expressar a vossa discordância da forma como entenderem. Nós respeitámos as vossas intervenções, tenham respeito pela nossa intervenção!

Aplausos do CDS-PP.

Vou, agora, dizer algumas breves palavras sobre a forma como se chegou até aqui.
Recordo que o Governo aprovou, em Junho, por orientação própria, a Lei de Bases da Segurança Social com o Partido Comunista; e que fez a reforma fiscal muito mais a pensar no partido que lhe pudesse viabilizar o Orçamento do que na própria reforma fiscal, no que, aliás, prova ter pouco rumo, porque, evidentemente, conforme o partido viabilizador, teríamos uma reforma fiscal completamente diferente!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Depois, recordo que o Sr. Primeiro-Ministro fez, em Esposende, um discurso claro: apelou ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda para lhe aprovarem o Orçamento. Isto significou, da parte do Governo, uma opção com a qual não concordo, mas que devo respeitar: a opção de governar à sua esquerda.
Daqui podia nascer, como era racional, natural e lógico que nascesse, um acordo parlamentar estável à sua esquerda para garantir a tranquilidade da vida institucional do País. Mas, em vez disso, o Governo preferiu seguir uma táctica de «pulverização» relativamente ao Orçamento, fazendo crer que negociava, à segunda-feira, com o Bloco de Esquerda; à terça-feira, com os renovadores do PCP; à quarta-feira, com os ortodoxos do PCP; à quinta-feira, com o PSD da Madeira; à sexta-feira, com o Deputado de Viana do Castelo, dizendo sempre, ao fim-de-semana: «cuidado, se vierem aí eleições antecipadas nós cá estamos preparados para elas»!
Concluo, agora, que o Governo, que legitimamente virou à esquerda, não tem qualquer autoridade para criticar os partidos à sua direita pela inviabilização do Orçamento! Quem quer governar à esquerda deve viabilizar o seu Orçamento à esquerda!

Aplausos do CDS-PP.

Mas concluo mais: o Governo não quis negociar verdadeiramente com ninguém, com nenhuma instituição e com nenhum partido! Esteve interessado, até ao fim, neste negócio que acaba por se consumar e em mais nenhum outro!
Vou lendo nos jornais as reflexões que os membros do Governo fazem sobre o teor do que aconteceu. Dizem uns que negociar individualmente com um Deputado é barato e dá milhões. Digo eu: é caríssimo do ponto de vista dos princípios e não dá milhões de contos a quem quer que seja, retira, sim, milhões de fé no sistema democrático e na credibilidade do Estado de direito democrático em que queremos todos viver!

Aplausos do CDS-PP.

Dizem outros: «não tem mal, daqui a 15 dias já ninguém se lembra!». E é essa sensação de impunidade, de que nada é relevante, de que todas as fronteiras se podem ultrapassar, que é mais grave em todos estes acontecimentos, porque, do ponto de vista da governabilidade do País, é mais provável que daqui a 15 anos ainda estejamos a pagar este precedente do que daqui a 15 dias já ninguém se lembre dele!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às consequências que esta forma de actuar tem sobre o País, elas parecem-nos evidentes.
O Governo, por oferta ou por consentimento, por promoção ou aceitação, decidiu negociar a viabilização do Orçamento do Estado com um Deputado da oposição, tendo tentado vários, e em nome de meros interesses locais! Em termos objectivos, é esta a questão! E ela coloca, a nosso ver, cinco problemas de princípio: primeiro, sobre o sentido comum de nação; segundo, sobre o espírito do regime; terceiro, sobre o conceito de Orçamento; quarto, sobre a credibilidade das instituições; quinto, sobre o sistema de partidos! E é no plano dos princípios que quero dizer o que pensamos.

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Sobre o sentido comum de nação, é certo e sabido que, se este acordo se consumar, o Governo obtém a viabilização do Orçamento em troca de benefícios para uma terra! E quando digo terra, pode ser uma vila, um distrito ou uma região! Ora, Portugal é uma nação com oito séculos, não é uma federação de concelhos feita há oito dias! Ora, Portugal resistiu, há pouco mais de um ano, à sua repartição em oito regiões, e se resistiu é porque uma ideia comum de nação prevalece sobre o interesse local ou o interesse regional!

Aplausos do CDS-PP.

Teremos então, agora, a desforra parlamentar do resultado desse referendo, porque se este acordo for consumado prevalece o interesse local sobre o interesse nacional!

Vozes do PS: - Isso não é verdade!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Que exagerado!

O Orador: - Mas perpassam mais dúvidas no sentido de nação, que, graças a Deus, existe no País.
Desde logo, o que se promete ao distrito ou ao concelho em causa já lá devia estar há décadas ou há anos, há legislaturas ou há governos, e fica mal a qualquer executivo utilizar uma situação de desfavor, de pobreza ou de atraso e necessidade de uma determinada terra, para obter vantagem política parlamentar nesta Câmara!

Aplausos do CDS-PP.

Depois, porque, com todo o respeito, além do Vale do Lima há todo um outro Portugal que tem o mesmo sofrimento, o mesmo atraso, o mesmo desfavor!
Porquê fazer depender a aprovação do Orçamento do Estado de um Deputado que queira, legitimamente, beneficiar o Vale do Lima?! E o Alentejo, onde não nasce uma empresa?! E as Beiras, onde os agricultores têm as dificuldades que têm?! E o Porto?! E Lisboa?! E a margem sul, onde a criminalidade e a dificuldade no primeiro emprego são o que são?! E Trás-os-Montes, onde ainda é tão difícil chegar, com uma estrada?! E o Algarve, que ainda está à espera?! E os Açores?! E a Madeira?!

Protestos do PS.

Porquê uma região e não todas?!

Aplausos do CDS-PP.

Sobretudo, porquê um Orçamento especialmente favorável para alguns, quando o mesmo é pago por todos os portugueses?!

Aplausos do CDS-PP.

Porém, também há uma questão política de fundo que tem de ser colocada. Em meu entender, este é um mau Orçamento. Por isso, não pode ser bom para nenhum concelho em particular de Portugal; ou é bom para todos os concelhos porque é bom para a pátria portuguesa, ou é mau para todos os concelhos porque é mau para o Portugal em que vivemos!

Aplausos do CDS-PP.

Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, está em causa, a nosso ver - e esta Assembleia tem toda a vantagem em discutir este ponto -, o espírito do regime tal qual é conformado pelos princípios constitucionais.
A nossa democracia assenta sobre o conceito de nação, o qual se traduz, em termos constitucionais, no artigo 152.º, que diz, com clareza - pode concordar-se ou discordar-se dele, mas diz isto e é para respeitar -, que os Deputados representam a nação e não o círculo que os elegeu.

Protestos do PS.

Sr. Presidente, não tenho condições para continuar a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais uma vez chamo a vossa atenção lembrando-lhes que têm o dever de ouvir em silêncio quem está no uso da palavra.
Faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
A rigidez deste princípio tem sido amenizada por uma tentativa equilibrada de, a um tempo, obter a representação local e, a outro tempo, garantir a representação nacional.
Há aqui muito bons Deputados de círculo, isto é, não há nenhum Deputado nesta Câmara que defenda melhor que outrem a sua terra, mas, até hoje, o limite definido para esse equilíbrio foi o de, entre o interesse nacional e o interesse local, prevalecer sempre o interesse nacional. Ora, é esse princípio que agora é derrogado!

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

Por outro lado, é também claro que o nosso regime político assenta sobre um determinado sistema de partidos. Os partidos não são, como noutros lugares, meras agremiações eleitorais, mas, sim, conjuntos de mulheres e homens livres que, por livre vontade, comungam uma doutrina e lutam e combatem pelo sucesso dessa doutrina.
Ora, ao subordinar um documento fundamental do Estado como o Orçamento, não a uma negociação partido a partido, mas sim a uma negociação Governo a Deputado; não à realização de interesses gerais, que são discutíveis mas que são gerais, mas, sim, à realização ou satisfação de interesses locais, o Governo sabe perfeitamente que fica além da Constituição e aquém da vontade popular. É isso o que, para nós, é mais degradante e lamentável em todo este processo político. É isso, aliás, que distingue todas as anteriores viabilizações de Orçamentos da que se prepara para acontecer.
Tanto quanto me lembro, no «consulado socialista» o PSD viabilizou três Orçamentos do Estado em nome do euro. Podemos discuti-lo, mas o PSD viabilizou esses Orçamentos por entender que o euro era uma prioridade nacional!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - A prioridade nacional hoje é ter Orçamento!

O Orador: - O CDS-PP viabilizou dois Orçamentos do Estado em nome de políticas gerais. São políticas

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discutíveis, com as quais se pode concordar ou não, no entanto, são políticas para todos os portugueses, seja o sistema de pensões a pagar àqueles que já trabalharam, financiado por quem agora trabalha, seja o sistema de impostos aplicável, universalmente, a qualquer português.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - São viabilizações de Orçamentos com sentido de responsabilidade, nada têm a ver com a subordinação de uma negociação a um Deputado individual nem com a subordinação do interesse nacional a interesses municipais ou locais, por mais legítimos que sejam!

Aplausos do CDS-PP.

O que resulta de tudo isto é a substituição progressiva de uma democracia representativa por uma democracia corporativa, sendo mais expressa a corporação dos autarcas, a qual, no entanto, não pode substituir nem um regime de partidos nem um regime que, tal como a Constituição determina, assenta sobre o conceito de Nação, que ainda não desapareceu.
Em terceiro lugar, é o próprio conceito de Orçamento do Estado que fica em causa, porquanto qualquer professor de Finanças Públicas poderá explicar que o Orçamento é uma previsão geral das despesas do Estado e das receitas a cobrar para poder financiá-las. Ora, é meu entendimento que o Orçamento, se for viabilizado desta forma, passa a ser, não o plano financeiro da nação mas, sim, ocasionalmente - desta vez com um Deputado, amanhã com outro qualquer -, um sistema de possibilidades parlamentares da sua aprovação, que nada têm a ver com os interesses nacionais que recomendam a sua reprovação ou a sua aprovação.

Protestos do PS.

Sendo assim, creio que está a chegar-se, mesmo em termos técnicos, a um verdadeiro paradoxo. No fundo, em vez de estarmos a discutir, primeiro, o plano financeiro da nação, estamos a discutir o plano de investimentos. É como se tudo começasse ao contrário do que é regra e costume nesta Assembleia: em vez de estarmos a discutir opções gerais, sobre as quais temos discordâncias de fundo, começamos por discutir a satisfação de interesses a colocar no PIDDAC, que é, evidentemente, uma discussão posterior.
Antes de passar ao último ponto, quero dizer que, de facto, temos diferenças profundas relativamente às opções gerais deste Orçamento, mas disso falarei amanhã, porque agora é urgente abordar a questão prévia que enunciei. Sobre o que pensamos do conteúdo deste Orçamento falarei, em termos de política económica e social, amanhã; hoje, quero discutir o processo político que condiciona este debate.
O que sei é que também a credibilidade das instituições fica seriamente afectada. Aliás, não é por acaso que há um mal-estar geral relativamente a esta questão, que vai da esquerda à direita, atravessa comentadores e reflecte a opinião do cidadão sobre tudo isto.
Fica profundamente afectada a credibilidade das instituições por razões muito simples. Desde logo, porque se cria um precedente gravíssimo. Para dar alguns exemplos farei apenas algumas perguntas.
O Governo diz que há uma relação provável e necessária entre os seus projectos de reforma fiscal e a aprovação do Orçamento do Estado. Quem vai viabilizar a reforma fiscal? O Deputado que viabiliza o Orçamento do Estado?
O Governo já anunciou várias vezes que trará à Assembleia uma proposta de Lei de Bases da Saúde. Aberto este precedente, quem vai viabilizar este diploma? Uma negociação partidária e institucional séria e limpa ou uma oferta de um qualquer Deputado, que troque a Lei de Bases da Saúde por uma fábrica ou por um fontanário na sua terra?

Aplausos do CDS-PP.

Vai chegar a esta Câmara o Tratado de Nice, importante para a configuração da construção europeia. Se não houver maioria para o aprovar nesta Câmara, se, porventura, o consenso europeu falhar, o que sucede? Dirigem-se a um Deputado, seja ele qual for, para, em nome de benefícios locais, aprovar um tratado de dimensão europeia, se vos faltar esse Deputado para a maioria?
Srs. Deputados, e o próximo Orçamento, que será apresentado a três meses das eleições autárquicas? Aberto este precedente, em que o interesse local se torna superior ao interesse nacional, em que à negociação partidária se sobrepõe a negociação individual, o que será do próximo Orçamento?
O próximo Orçamento vai ou não transformar-se no programa de candidatura de todos os candidatos a autarcas, de Deputados que queiram ser autarcas ou de autarcas que sejam Deputados e que, porventura, queiram fazer um mailing para a sua terra a dizer «Eu já consegui pôr a nossa terra no Orçamento do Estado, votem em mim daqui a três meses»?!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Têm a noção do precedente que estão a abrir?!

Aplausos do CDS-PP.

Este precedente, Srs. Deputados, recai hoje, com muita mágoa, sobre o meu partido, mas pode recair amanhã sobre o vosso, com uma enorme diferença: eu mantenho-me fiel a um princípio!

Protestos do PS.

No dia em que o Sr. Primeiro-Ministro quiser impor disciplina à bancada do PS não tem qualquer autoridade moral para o fazer!

Aplausos do CDS-PP.

Finalmente, Srs. Deputados, é a própria essência do sistema de partidos que, como todos sabem, está a ser colocada em causa. A adesão a um partido é um acto livre e não de constrangimento. Aderir a um partido significa aceitar as suas regras e, dentro das regras fundamentais, há, evidentemente, um conjunto de matérias acima das outras.
Eu sempre disse que o Programa do Governo, a moção de censura, a moção de confiança e o Orçamento do Estado são documentos de tal gravidade e importância para

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o País que estão sujeitos a disciplina de voto. Aliás, não vejo partido nesta Câmara que possa autorizar coisa diferente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ora, o que hoje acontece, caso este precedente seja aberto, é uma irracionalidade completa, pois entramos numa espécie de leilão do Estado, de Orçamento a pataco, sem qualquer obediência a necessidades ou prioridades, sejam elas políticas, económicas ou sociais, baseando-se no mero acaso, na mera roleta, na mera sorte ou azar de haver ou não um Deputado que se disponibilize ou ofereça.

Vozes do PS: - Não exagere!

O Orador: - Por fim, o menos importante disso tudo é que o ataque tenha sido dirigido ao CDS-PP. Decerto vos incomodamos, para tanto nos atacarem!

Aplausos do CDS-PP.

Apelamos à reserva moral da nação, ao conjunto de portugueses, da esquerda ou da direita, que não estão de acordo com esta forma de fazer política, que querem prestigiar as instituições e um Estado credível e que se preocupam com o facto de isto já ser possível no nosso País e na nossa democracia.
Lembro um poeta cujo nome não preciso de citar: «Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não».

Aplausos do CDS-PP.

Risos do PS.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Chegou muito tarde a esse poeta!

O Orador: - O nosso papel, neste debate, é resistir ao que eticamente é inaceitável! É dizer «não» a um acordo sem qualquer sentido nacional, que desprestigia a política, as instituições e dá cabo da credibilidade de todos nós, que andamos no serviço público para fazer o melhor que sabemos e podemos à política portuguesa!

Aplausos do CDS-PP.

E mais, Srs. Deputados: para nós, o que é eticamente reprovável é politicamente inaceitável. É por isso que, em nome de uma questão de princípio, dizemos «não», e temos razão para o fazer!

Aplausos do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - O Sr. Primeiro-Ministro inscreveu-se para uma segunda intervenção, passando de imediato a usar da palavra com a concordância dos Srs. Deputados João Cravinho e Helena Neves, que posteciparam a sua inscrição.
Faça favor, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Paulo Portas não tem razão!

Vozes do CDS-PP: - Tem toda a razão!

O Orador: - Não tem razão porque tem uma concepção errada do que é um Parlamento e porque invoca razões de princípio onde vou demonstra-lhe que não as há, existindo apenas razões de simples oportunidade política.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - De oportunismo!

O Orador: - Compreendo que o Sr. Deputado Paulo Portas tenha como objectivo político empurrar o País para eleições antecipadas.

Vozes do PS: - Tem, sim!

Vozes do CDS-PP: - É falso!

O Orador: - Compreendo que o Sr. Deputado Paulo Portas tenha como objectivo político abrir uma crise que mantenha o País paralisado durante um ano.
Compreendo tudo isso - aliás, não sei mesmo se não será esse o resultado da votação deste Orçamento -, porém, o facto de temer que isso não aconteça não lhe permite invocar questões de princípio onde elas não existem, como vou demonstrar-lhe.
Em primeiro lugar, o que é este Parlamento? Este Parlamento não é o conjunto de seis caudilhos donos de 230 Deputados!

Aplausos do PS.

Vozes do CDS-PP: - Caudilhos?!

O Orador: - Duas questões diversas se colocam. Em primeiro lugar, de acordo com o artigo 155.º, n.º 1, da Constituição, um Deputado exerce livremente o seu mandato. Esta é a nossa regra constitucional sobre como um Deputado exerce o seu mandato.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É completamente verdade!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Está a confirmar o negócio!

O Orador: - Somos, naturalmente, um País onde o sistema democrático se estrutura por partidos. Mas essas são duas questões diferentes.
E permito-me citar o Sr. Deputado Marques Guedes, do PSD, quando foi discutido, em 1996, o artigo 155.º, n.º 1, para que fique clara a distinção entre duas coisas: «Com efeito, o PSD não confunde minimamente as formas de um grupo parlamentar se auto-regulamentar no seu funcionamento interno, que correspondem a preocupações que têm a ver, fundamentalmente, com a necessidade de eficácia na expressão e na actuação política desse grupo, por forma a melhor defender o programa eleitoral do partido que o suporta, isto é, através do qual foi eleito, com aquilo que é a liberdade própria do Deputado no exercício da sua função.»

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E muito bem!

O Orador: - E é evidente que quando existe neste Parlamento um caso em que um Deputado vota de forma

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diferente do seu partido ou do seu grupo parlamentar isso é um problema. Mas não é um problema da democracia, é um problema desse partido ou desse grupo parlamentar, como já foi do meu próprio partido!

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Está muito enganado!

O Orador: - Quando recentemente se discutiu, neste Parlamento, a co-incineração,…

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem lembrado!

O Orador: - … houve Deputados, entre os quais o citado pelo Sr. Deputado Paulo Portas, que votaram contrariamente às posições do Governo e que são membros do meu partido. Não me viu acusar os outros partidos de os terem aliciado. Não me viu dizer que estava em causa o sistema político.

Aplausos do PS.

Houve, naturalmente, um problema e um problema politicamente complexo no meu partido, em relação ao qual sou responsável e perante o qual tenho de responder perante o País.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Co-incineração em Coimbra é um problema nacional!

O Orador: - E sejamos claros: se o problema é de invocação de precedente e se para si o precedente só conta em questões que têm a ver com Orçamentos do Estado, moções de censura ou equivalentes, então quero dizer-lhe que este caso que agora cita não é nenhum precedente. Porque, em 1996, o Orçamento do Estado não foi apenas viabilizado pelos votos do CDS-PP, foi também viabilizado pelos votos de um conjunto de Deputados do PSD de dois círculos eleitorais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Têm autonomia política!

O Orador: - Tenho aqui a declaração de voto de um deles. E, no exercício daquilo que é o seu legítimo direito, independentemente de ele representar toda a nação, todos os argumentos que ele invocou, em 1996, foram argumentos que diziam respeito a interesses específicos dos Açores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora, sejamos claros: porque é que, nessa altura, não houve indignação? Porque é que, nessa altura, não se levantaram gritando o que hoje está a ser gritado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está a defender o indefensável!

O Orador: - Por um razão simples: porque esses votos não eram decisivos. E por isso é que a questão não é uma questão de princípio, é uma questão de oportunidade política!

Aplausos do PS, com alguns Deputados de pé.

Finalmente, quero dizer-lhe, Sr. Deputado Paulo Portas, que não ando a aliciar nenhuns Deputados da oposição. Mais: se andasse, até saberia por onde ir, e não vou por aí.

Risos do PS.

Não ando a aliciar Deputados da oposição....

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Concretize o que está a dizer! É o mínimo que pode fazer!

O Orador: - ..., nem faço concessões que beneficiem regiões do País em prejuízo de outras regiões do País.
Agora, há uma coisa que lhe quero dizer: tenho respeito por todos os Deputados desta Câmara e respondo às suas interpelações com sentido de responsabilidade política, que também tenho. Com um cuidado: quando respondi a um requerimento que me foi dirigido, com resposta hoje tornada pública, não fiz nenhuma concessão de natureza localista e as medidas inovadoras que anunciei são de alcance nacional aplicadas às mais diversas regiões do País, nomeadamente nos sistemas de incentivos do plano operacional de economia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não temos uma visão localista, temos uma visão nacional. Parece-nos legítimo que um Deputado combine o sentido nacional do seu mandato com a defesa do seu próprio círculo. Como, aliás, dizia o Sr. Deputado Paulo Portas (diz quando lhe convém): «Critiquem-me se não defender Aveiro, quando for eleito.»

Aplausos do PS, com alguns Deputados de pé.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ora nem mais!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado Paulo Portas, tenho a consciência tranquila de ter agido no sentido da defesa do interesse nacional. Tenho o maior interesse e o maior empenhamento em defender o sistema político definido na Constituição. Mas na nossa Constituição real, em nenhuma Constituição imaginária. E a nossa Constituição real tem, como não podia deixar de ter, o primado atribuído à cidadania. E essa é uma questão central.
Acima de tudo, estamos aqui, nesta Câmara, do lado das bancadas parlamentares, 230 cidadãos, do lado do Governo, um número mais reduzido de cidadãos. Cidadãos que têm de ser respeitados, enquanto cidadãos, em todos os momentos. E estou particularmente à vontade para o dizer, porque, em relação ao cidadão e ao Deputado Daniel Campelo, num momento particularmente difícil para este Governo, tive o cuidado de o respeitar inteiramente na sua cidadania.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

Protestos do PS.

Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.

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Por uma razão formal, agradeço que comece por identificar a matéria ofensiva.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, parece-me evidente que, depois da intervenção do Sr. Primeiro-Ministro,…

O Sr. Presidente: - Mesmo em caso de evidência, Sr. Deputado, a regra não contempla excepções.
Tem a palavra.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito obrigado por me ter dado a palavra.
Sr. Primeiro-Ministro, se há questão que vos incomoda seriamente é esta, como se viu pela atrapalhação da sua resposta.

Aplausos do CDS-PP.

Risos do PS.

E a questão incomoda-vos seriamente, desde logo, Sr. Primeiro-Ministro, porque o força a dizer uma coisa de absolutamente inaceitável para qualquer democrata nesta Câmara. Não há aqui seis caudilhos, há aqui seis líderes parlamentares democraticamente eleitos.

Aplausos do CDS-PP.

Depois, porque o leva a fazer uma confusão inominável sobre o que é o esforço de cada um de nós para ser Deputado de círculo e a capacidade de o conciliar com a representação nacional.
Mas jamais, na minha vida, pus o interesse do distrito de Aveiro à frente daquele que penso ser o interesse de Portugal, Sr. Primeiro-Ministro!
Dê-me uma prova do contrário!

Aplausos do CDS-PP.

E com muito gosto faço o meu trabalho de Deputado de círculo, mesmo na condição de presidente do partido!

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

Em terceiro lugar, não confunda leis normais e ordinárias, como aquela que projectava a co-incineração, com programa de governo, moção de censura, moção de confiança e Orçamento do Estado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Devo, aliás, perguntar-lhe uma coisa muito simples: os acordos que o Partido Socialista tem estabelecido com grupos de independentes ou Deputados independentes prevêem, ou não, a necessidade de eles votarem os Orçamentos, os programas de governo, as moções de confiança e não votarem a censura?!

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

Diga a verdade, Sr. Primeiro-Ministro!
Em quarto lugar, Sr. Primeiro-Ministro, exactamente porque sempre me opus a negociações com o PSD da Madeira ou com o PSD dos Açores que legitimamente me oponho, mesmo não havendo autonomia constitucional, a negociações individuais com um Deputado do continente. Já estava contra umas negociações, por maioria de razão estou contra estas negociações de agora.

Aplausos do CDS-PP.

Ainda por cima, não têm autonomia constitucional por detrás delas, para as defenderem.
Sr. Primeiro-Ministro, se bem se lembra, a propósito de respeito, a negociação que está a fazer ou a consentir com um Deputado da minha bancada é feita com quem? Esse Deputado fez uma greve de fome, com a qual, justa ou injusta, fui solidário,…

Risos do PS.

… porque considerava que os senhores não tinham palavra e lhe tinham mentido. Não vejo nenhuma razão para agora acreditar em vocês.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Basta ler o discurso que aqui foi feito à época.
Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, o que nos distingue, relativamente ao precedente, é muito simples: o senhor abre um precedente no País que é desprestigiante para o Estado e para as instituições. Eu não deixarei abrir esse precedente no meu partido, mesmo que isso me custe um amigo, um militante ou uma câmara municipal!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, para dar explicações, querendo.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, admito que não estivesse à espera de uma resposta tão clara e tão firme.

Risos do CDS-PP.

E a prova disso é que não percebeu exactamente o sentido do que eu disse.
Este não é um Parlamento com seis caudilhos,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Pois não!

O Orador: - … mas para ser um Parlamento com seis líderes políticos democráticos têm de perceber o que é o sentido do exercício do mandato do Deputado.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Agora vem dar lições!?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quando muda o vento do som, mudam as reacções. Agradeço que todos respeitem quem está no uso da palavra.

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O Orador: - Em segundo lugar, não há nenhuma incompatibilidade entre defender, como disse, interesses regionais e interesses nacionais. Acontece que é minha convicção profunda que é do interesse nacional votar este Orçamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, o precedente que referi relaciona-se com a votação de um Orçamento, pelo que o seu esclarecimento não procede, não tem qualquer razão de ser.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ainda é mais grave!

O Orador: - Se há precedente, esse precedente já existe.
Finalmente, nem nessa vez nem hoje esteve em causa uma negociação. Nessa vez e hoje está em causa o reconhecimento dos efeitos de uma política…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Negociata!

O Orador: - … a nível nacional e a nível regional.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de começar a minha intervenção, gostaria de saudar o Sr. Presidente e, na sua pessoa, todos os colegas que compõem esta Assembleia, visto que é a primeira vez que tenho a oportunidade de me dirigir ao Plenário nesta sessão legislativa.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - O debate sobre o Orçamento e as Grandes Opções do Plano é o momento parlamentar privilegiado para que o Governo e cada uma das forças políticas aqui representadas tornem claro, perante o País, os objectivos nacionais em que se empenham e o modo como devem ser levantados, aplicados e controlados os recursos necessários e suficientes para a realização destes objectivos.
Consequentemente, pela ética da responsabilidade política, cada grupo parlamentar deve ao País explicações claras sobre o Orçamento que preconiza. Esta obrigação impende igualmente sobre quem apoia o Governo e sobre quem se opõe ao Governo: quem apoia deve explicitar porque o faz; quem se opõe deve explicar que alternativa propõe. Esta é a regra de ouro da democracia.

A Sr.ª Natalina de Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em conformidade com esta regra, abordarei três ordens de questões: primeiro, a proposta orçamental aponta ou não na boa direcção? É melhor ou pior que a proposta anterior?
Segundo, a proposta orçamental abre ou não a possibilidade de inovar profundamente o próprio processo orçamental, de modo a garantir, no futuro, a realização de ambiciosos objectivos nacionais nos planos da justiça fiscal, da sustentabilidade orçamental, da reforma da Administração Pública e da competitividade nacional micro e macroeconómica?
Em terceiro lugar, a proposta orçamental pode ou não ser aperfeiçoada em debate de especialidade? Os que se opõem à proposta orçamental apresentam uma alternativa ou limitam-se a dizer não porque não? Que sinal dará a Assembleia da República ao País?
É fácil responder positivamente ao primeiro grupo de questões: a presente proposta orçamental aponta na boa direcção e é melhor que a proposta anterior.
Aponta na boa direcção porque a política fiscal nela consubstanciada, em aplicação da reforma fiscal em curso, visa uma maior equidade e justiça fiscal, aliviando os impostos sobre os rendimentos do trabalho por conta de outrem, rebalanceando a imposição sobre rendimentos não salariais, combatendo a evasão e a fraude fiscais, incentivando a competitividade empresarial.
A proposta orçamental aponta na boa direcção porque prossegue a consolidação das finanças públicas. Diminui o défice, reduz fortemente o endividamento líquido, trava o crescimento do consumo público, melhora significativamente o saldo corrente primário.
A proposta orçamental aponta na boa direcção porque confirma a prioridade à função social do Estado. O gasto da função social é reforçado no Orçamento do Estado para 2001, passando para 56,8%. Recorde-se que, em 1995, estava apenas em 45,6%.
A diferença entre os governos PS e PSD representa, hoje, mais de 2 pontos percentuais do PIB. Isto é, tivessem os governos PS deixado a despesa social ao nível da norma usada pelo PSD e já hoje teríamos superado largamente o défice das contas públicas.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade! Bem observado!

O Orador: - O peso da função social está ainda bem visível na melhoria das pensões, muito em especial das pensões mínimas. De acordo com a proposta orçamental, reforçar-se-á a diferenciação positiva a favor dos mais pobres e consolidar-se-á o respeito pelo esforço contributivo dos pensionistas.
Destaco, em particular, a introdução neste Orçamento do complemento extraordinário de solidariedade, destinado aos beneficiários da pensão social entre 65 e 70 anos (2500$) e com mais de 70 anos (5000$), iniciativa do Grupo Parlamentar do PS que o Governo quis fazer vigorar já em 2001.
A proposta orçamental aponta na boa direcção, estipulando um forte crescimento das verbas para investimento público, criando assim condições necessárias à rápida absorção dos fundos comunitários. A abolição da cláusula de reserva juntar-se-á ao acréscimo em inscrição para significar um aumento efectivo do PIDDAC de quase 16%.
Por todas estas razões, a presente proposta melhora significativamente em relação ao actual Orçamento em vigor, opinião incontroversa que não teve desmentido seja de quem for.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Quanto ao segundo grupo de questões, a proposta orçamental abre ou não a possibilidade de inovações fundamentais para o futuro?

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No relatório que acompanha a proposta de lei, o Governo compromete-se inequivocamente com uma nova orientação do processo orçamental, introduzindo inovações de fundo de base plurianual. Estas inovações assentam na elaboração do «orçamento por actividades, associando despesas a objectivos, permitindo avaliar a produtividade da despesa pública e o seu mérito».
Como o Governo explicitamente refere, esta nova orientação implica a realização de reformas profundas na saúde, na educação, na justiça, na administração fiscal, na realidade em toda a Administração Pública.
Ao adoptar o Orçamento por actividades, o Governo coloca no centro do debate político nacional o problema chave da relação entre os objectivos estratégicos nacionais e a escassez, sempre presente, dos meios humanos e materiais que uma fiscalidade razoável permite mobilizar. Para mais, e por definição, essa relação tem de ser vista ao longo do tempo numa trajectória desejável e sustentável a médio e longo prazo.
Trata-se de uma inovação de grande porte a que a Assembleia da República tem de responder com propostas próprias de igual relevância.
De facto, aproximamo-nos do limite da carga fiscal desejável.
A orientação da reforma fiscal deve ir no sentido de tornar a fiscalidade mais justa, mais eficiente e mais simples, redistribuindo a sua carga, combatendo decisivamente a fraude e a evasão e modernizando a Administração Tributária. Os ganhos que esse esforço vier a permitir devem ser reinvestidos na baixa criteriosa do esforço fiscal dos contribuintes cumpridores, em primeiro lugar dos mais pobres.
Penso estar fora de causa o aumento da carga fiscal para financiar eventuais aumentos do peso da despesa pública. O objectivo é mesmo o inverso: melhorar o nível e a qualidade da carga fiscal, conseguindo ao mesmo tempo melhores serviços públicos e ambiente mais favorável à competitividade macro e microeconómica, sem prejuízo da diminuição do peso da despesa pública.
O desenvolvimento favorável da nossa fiscalidade neste quadro dependerá de três factores: primeiro, da nova lei fiscal; segundo, da qualidade da sua aplicação; terceiro, da eficácia do controlo e reorientação da despesa pública.
Limito-me a falar aqui dos dois últimos aspectos, visto que, quanto ao primeiro, ele está já pendente na Assembleia da República, iniciando-se a votação da reforma fiscal com este Orçamento.
Lembro que a Comissão presidida por Silva Lopes e os esforços do Prof. Sousa Franco conseguiram trabalhos notáveis de preparação da reforma da Administração Tributária.
Importa também que a Assembleia da República tenha uma palavra a dizer sobre a reforma da Administração Tributária. Visando este efeito, penso que a Assembleia da República deverá determinar a apresentação, por parte do Governo, no primeiro semestre de 2001, de um plano de reforma da administração tributária sob a forma de orientação e de compromissos vinculativos, a realizar até ao fim da Legislatura, em 2003.
Por maioria de razões, é imprescindível que a Assembleia da República se envolva ainda mais na reorientação da despesa pública.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No Portugal democrático, a primeira grande reacção à subida descontrolada do peso da despesa verificou-se em 1983, ano em o peso da despesa ultrapassou os 44% do PIB. Em 1978, estávamos em 33,7%. O eleitoralismo da AD, na ânsia de ganhar as eleições de 1979, está na origem de um descalabro que fez subir de 11 pontos o peso da despesa em cinco anos, terminando com a intervenção do FMI.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como o Sr. Deputado Durão Barroso muito bem sabe, em 1979, por exemplo, só o consumo público subiu 25%.
Seguiu-se o conhecido aperto do Bloco Central com uma descida de 4 pontos percentuais, em 2 anos, continuada até 1989, pela fase virtuosa das finanças públicas dos dois primeiros governos de Cavaco Silva.
Nesse ano de 1989, a despesa valia 37,6% do PIB. A partir de então - como também o Sr. Deputado Durão Barroso sabe, porque era membro do governo -, novo descalabro com vista à campanha eleitoral de 1991,…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Ah, aumentar a despesa pública é descalabro!

O Orador: - … culminando com a subida de quase 8 pontos percentuais em 4 anos, até 45,3%, em 1993, para ficar em 44,5%, em 1995. A Irlanda - como alguém sabe, não o Sr. Deputado Durão Barroso - fez o caminho inverso dos últimos governos de Cavaco Silva.
A Irlanda estava, em 1985, 7.7 pontos percentuais acima de Portugal, e terminou, em 1995, 8 pontos percentuais abaixo de Portugal.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Está a ver?!

O Orador: - Isto é, numa comparação com Portugal sob os governos de Cavaco Silva,…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Os governos de Cavaco Silva é o que mais vos incomoda.

O Orador: - … a Irlanda ganhou-nos quase 16 pontos percentuais em 10 anos. Foi obra!
Lendo o Expresso do último Sábado, apetece dizer: «Que bem prega Frei Tomás!»

Aplausos do PS.

Mas, Srs. Deputados, há uma diferença fundamental entre a Irlanda e Portugal: é que a Irlanda nunca teve governos do PSD.

Risos e aplausos do PS.

Depois de 1995, foi necessário dar consciência social ao Orçamento, respondendo aos mais legítimos direitos sociais que os Governos do PSD ignoraram nos seus 10 anos de exercício.
Fora do correspondente incremento da função social do Estado, não houve aumento assinalável do peso da despesa pública. Agora, que já estamos próximos do necessário rebalanceamento social do Orçamento, chegou a hora de fazer diminuir a percentagem da despesa pública global no PIB, para valores abaixo da média da União Europeia.

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A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Abaixo dos 50%!

O Orador: - Mas a verdade é que estamos um ponto percentual acima da média da União Europeia.
As responsabilidades das subidas são repartidas, cabendo a «parte de leão» aos governos da AD e do PSD,…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Qual é a diferença entre a despesa e a despesa corrente?

O Orador: - … ficando a parte da coragem e do sacrifício ao governo de Mário Soares e restando para a actual fase de governação moderadíssimos acréscimos explicáveis essencialmente pelo reforço da função social do Estado.
No Orçamento para 2001 já estamos em presença de uma proposta que corresponde, na prática, ao início da inversão de marcha do processo ascensional no peso da despesa pública. Nesta matéria, não há inversões instantâneas. Só pode haver forças correctoras com uma acção contínua no tempo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é para garantir a eficácia dessa dinâmica correctora que a Assembleia da República se deve mobilizar em torno de novas iniciativas parlamentares.
Como já se disse, o Governo iniciou um novo ciclo de gestão das finanças públicas. A metodologia proposta deve ter um enquadramento plurianual rolante em que se fixem, por um lado, objectivos de produção de bens e serviços de interesse público por actividade e, por outro, limites de despesa de modo a baixar significativamente o peso global da despesa pública.
Para estes efeitos, será necessário combinar a reforma do processo orçamental com a reforma administrativa, em consonância com os objectivos estratégicos proclamados nas Grandes Opções do Plano.
Neste contexto, os futuros Orçamentos desempenharão um papel totalmente distinto daquele que lhe cabe actualmente, articulando-se muito mais estritamente com as GOP e tornando-se num poderoso instrumento de realização de grande reforma estrutural que é a reforma administrativa.

O Sr. José Penedos (PS): - Diz muito bem!

O Orador: - E agora cabe perguntar se a Assembleia da República poderá ficar indiferente a toda essa inovação. Não o creio.
Por isso, proponho que a Assembleia da República se abra às inovações propostas pelo Governo, adoptando inovações processuais e substantivas próprias, traduzidas em duas propostas: em primeiro lugar, a realização, no primeiro semestre de cada ano, com início já em 2001, de um debate de orientação do controlo da despesa pública para apreciação em profundidade dos planos que o Governo está a preparar.
Debates desta natureza realizam-se regularmente em outros países, nomeadamente França, Inglaterra e Estados Unidos. É fundamental que o nosso Governo e o nosso Parlamento saibam acolher as boas práticas de outros governos e de outros parlamentos.
Em segundo lugar, e numa matéria que é da pura competência da Assembleia da República, proponho a criação da comissão de controlo orçamental na Assembleia da República.
A realidade é que o nosso Parlamento se interessa pela votação do Orçamento, mas é excessivamente ausente, para dizer o mínimo, no que toca ao acompanhamento da sua execução.
A experiência de outros países mostra que é no controlo da execução ornamental que está a chave do controlo da despesa pública.
Por isso, quase todos os Parlamentos na Europa têm uma comissão de controlo orçamental. É tempo de a Assembleia da República reconhecer honestamente que, para desempenhar adequadamente as suas responsabilidades, precisa de trabalhar de modo muito diferente.
Um outro problema que deve suscitar urgente atenção é a perda de competitividade da economia portuguesa. E, Sr. Deputado Durão Barroso, é fácil constatar a perda de competitividade da economia portuguesa. É-lhe mais doloroso, é-lhe impossível verificar que essa perda, documentada estatisticamente, começou precisamente num governo PSD, no início da década de 90.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós já sabíamos!

O Orador: - «Já sabíamos»?! Então, vamos aos números!
No período de 1991/1995, período em que certamente, como se terão recordado, governou Cavaco Silva e o Sr. Deputado Durão Barroso, bem como outros Deputados aqui presentes foram membros do Governo. As exportações portuguesas, nesse período, cresceram apenas cerca de 25% face aos 53% registado pelas exportações de Espanha. No período seguinte - o nosso, o deste Governo -, de 1996/2000, melhorou-se muito, observando-se um crescimento de 40%, mas ainda abaixo dos cerca de 56% que a Espanha soube granjear.
Outros indicadores vão no mesmo sentido. Não os vou dar agora em pormenor.
Direi, apenas, que a solução, como muito bem explicou o parecer do Conselho Económico e Social, no seu excelente parecer sobre as GOP, não será possível à base de salários baixos, não será desse modo que se restaurará a nossa posição competitiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Já estivemos melhor e descemos!

O Orador: - O Governo tem em marcha um vasto programa para relançar a competitividade da economia portuguesa, na base do conhecimento e da inovação. A Assembleia da República deve ao País o acompanhamento desse esforço, apoiando-o, criticando-o também, quando for caso disso.
O Governo está particularmente empenhado em fazer o seu trabalho executivo. Importa que a Assembleia da República exerça, nesse domínio, com igual empenho construtivo, as suas competências legislativas e fiscalizadoras.
Sugiro que a Assembleia da República solicite ao Conselho Económico e Social a elaboração de um relatório sobre o nosso problema de competitividade. Na base desse relatório poderemos ter, certamente, um proveitoso debate.

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A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em suma, faço quatro propostas para reforçar a credibilidade e a eficácia das nossas instituições democráticas. Primeiro, discussão no primeiro semestre de 2001 do plano de reforma da Administração Tributária, a executar até 2003; segundo, consagração de um debate anual de orientação do controlo da despesa pública e correspondente reforma da Administração Pública; terceiro, criação, na Assembleia da República, da comissão de controlo orçamental; quarto, solicitação ao Conselho Económico e Social de um relatório sobre a competitividade da nossa economia e seu debate na Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Abordo, finalmente, o terceiro grupo de questões, relativas ao sinal que a Assembleia da República dará ao País através da votação do Orçamento.
A regra de ouro da democracia exige que quem vota contra explique as alternativas que propõe. Enquanto se entender válido o actual mandato eleitoral, que não dá às oposições a possibilidade de governar, a definição da matriz orçamental compete ao Governo, que, para esse efeito, recebeu mandato popular, confirmado pela passagem do seu programa de Governo nesta Assembleia. Foi esse o entendimento do PS em 1986, quando se absteve na votação do Orçamento de Estado do governo minoritário de Cavaco Silva.
E, a menos que se queira exprimir a necessidade de novo mandato eleitoral, isto é, de novas eleições... - o que é legítimo!, o que não é legítimo é encapotar-se, na esperança de que uma série de acidentes, em que a culpa é sempre dos outros, venha a obter, afinal de contas, esse resultado fragoso. É de facto a salvação nacional deles! Não do País, esse não conta! Esse pagará as custas da elevação de meia dúzia de Deputados aqui e ali.
Mas, como dizia, a menos que se queira exprimir a necessidade de novo mandato eleitoral, isto é, de novas eleições, não será contra a regra de ouro da democracia «chumbar» liminarmente o Orçamento, sem querer discutir, sequer, alterações e aperfeiçoamentos?!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se as oposições não estão a pedir, desse modo, novas eleições, como dizem, então o objectivo das oposições será, pura e simplesmente, não deixar governar! O que seria democraticamente absurdo! Ou não?!
Mas, se for absurdo, por absurdo se chega à conclusão de que as oposições, não querendo novas eleições, terão de deixar o Governo governar com o seu Orçamento, alterado na especialidade, se for caso disso, e como for conveniente. Mas sempre o seu Orçamento!
É óbvio que o Governo não pode governar simultaneamente com os vários e distintos orçamentos de cada uma das oposições, que, aliás, nem os próprios sabem qual é.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Durão Barroso, ainda se está à espera de saber qual é o plano de emergência que propõe a esta Assembleia neste debate orçamental.

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

É uma questão de dislexia no tempo!

Aplausos do PS.

Será também essa a forma de governar do PSD?!
O eleitorado não quer eleições! O eleitorado quer que o País tenha um Orçamento nos prazos normais, enriquecido pelos contributos válidos dos grupos parlamentares das oposições. Mas sem desvirtuamento.
O Grupo Parlamentar do PS não pode deixar de sublinhar que o «chumbo» liminar do Orçamento só tem sentido para as forças políticas que assim desejem exprimir a sua vontade de provocar uma crise política,…

O Sr. José Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - … independentemente dos seus custos para a população. É a política do «quanto pior, melhor»!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - Como se disse, esta proposta orçamental aponta na boa direcção e é, sem dúvida, uma melhoria substancial em relação ao Orçamento em vigor.
Se foi possível encontrar acordos e soluções que viabilizaram o actual Orçamento, como justificar a recusa liminar de uma proposta que acrescenta significativas melhorias?

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - Esta proposta orçamental inova, cria novos processos orçamentais. Poderá esta Assembleia liquidar de raiz essa tentativa séria para dar aos portugueses melhores serviços públicos sem acréscimo de custo para os contribuintes?
Esta proposta orçamental desagrava os impostos a pagar pelos mais pobres e retira benefícios fiscais sem razão social, na ordem de muitas dezenas de milhões de contos. A melhor maneira de proteger a continuação dessas injustiças, pagas sobretudo pelos que vivem do seu trabalho, não será «chumbar» o Orçamento? Não será essa a verdadeira razão da campanha pelo «chumbo» do Orçamento? Não estarão o PCP e o BE a apoiar, sem querer, a manutenção das injustiças e privilégios que, em teoria, procuram combater?

Risos do PCP e do BE.

O eleitorado compreende muito mais do que alguns julgam. O eleitorado compreende que a governação do País não pode ficar à mercê de caprichos, de vedetismos, de malabarismos de ocasião para abafar lutas partidárias pelo poder.

O Sr. José Penedos (PS): - Exactamente!

O Orador: - O cidadão comum espera dos partidos responsabilidade e clareza da proposta.
A democracia não dispensa o contributo de nenhum partido presente nesta Assembleia.

O Sr. José Penedos (PS): - Muito bem!

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O Orador: - E esse contributo expressa-se pela proposta e pelo voto, em sentido concordante ou alternativo.
Por isso, o simples «não, porque não», sem vislumbre de proposta, não é um voto responsável. É uma irresponsabilidade que mina a confiança do cidadão comum na democracia parlamentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por isso, confiamos até ao fim na passagem desta proposta à discussão na especialidade, onde participaremos, também até ao fim, abertos a propostas de bom senso de todos os quadrantes políticos. Em nome da defesa do futuro dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr..as e Srs. Deputados: O Orçamento que hoje discutimos está envolvido num dramatismo sem precedentes. A intervenção do Sr. Primeiro-Ministro é bem exemplo disso; é uma intervenção que tem, em si mesma, um efeito de boomerang, uma vez que, Sr. Primeiro-Ministro, a responsabilidade total de uma eventual crise cabe, só e exclusivamente, às opções políticas do Governo, opções que têm sido «aconchegadas» pela direita. Mas a direita é voraz e tirou-lhe o tapete!
Neste debate, também não faltam motivações anedóticas e vagamente latino-americanas que lançam suspeitas densas sobre a democracia. Mas o Bloco de Esquerda prefere discutir o essencial e nada mais do que o essencial: a crise de confiança no Governo, a crise do sistema político, a falta de transparência e de credibilidade das opções que agora foram apresentadas e as alternativas praticáveis e concretizáveis que apresentámos e apresentamos.
Estamos neste debate com a autoridade de quem fez propostas que foram recusadas pelo Governo, como a opinião pública bem sabe e não o fizemos para manobrar eleições, Sr. Primeiro-Ministro, mas porque não aceitamos esta política inconsistente do seu Governo; fizemo-lo em nome dos que querem uma política clara, dos que estão fartos de que tudo fique na mesma, dos que estão fartos de um Governo com medo da sua própria sombra.
Sr. Primeiro-Ministro, o seu Governo corrige a injustiça do imposto automóvel aplicado aos jeep - e faz bem! -, mas vem logo diminuir o imposto dos Ferrari; o seu Governo diminui o IRS, o que é positivo, mas, como quem se desculpabiliza, vem logo garantir que os capitais do offshore da Madeira não pagarão impostos em caso algum;…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Essa agora!

A Oradora: - … o seu Governo promete preocupação com os pobres, mas garante logo aos ricos que continuam isentos de imposto sobre as suas fortunas; o seu Governo promete políticas sociais, mas deixa a saúde num caos!
Por isso, falamos claro. Recusamos esta proposta de Orçamento por razões essenciais, exactamente no exercício daquilo a que o Sr. Deputado João Cravinho chama a regra de ouro da democracia»; recusamos este Orçamento, porque lhe falta transparência; recusamos este Orçamento porque tem uma base errada: o cenário macroeconómico em que se baseia não é fiável.
A inflação não será de 2,7% ou de 2,9% no próximo ano - aliás, o Governo já se enganou em 2000, quando previu uma inflação de 2% e ela chegou aos 3%. Porém, este ano a inflação será superior, pelo efeito da queda do euro, pela subida da taxa de juros, pelo conflito no Médio Oriente e pela subida do preço do petróleo. E é por isto que se torna tão grave a política de «aumentos zero» para a função pública que alguns Deputados socialistas têm vindo a defender abertamente. Assim sendo, a aceitação deste referencial significaria de novo, em 2001, mais perda salarial, situação que o Bloco de Esquerda não aceita.
As privatizações são parte importante da estratégia governamental, como nos anos anteriores em que o Governo negociou e votou com a direita. E a manutenção desta estratégia agrava a política tíbia, a política mole do Governo, que prefere receitas de curto prazo à independência estratégica a longo prazo, alienando-se a capacidade de regular a economia para objectivos sociais.
Esta é, Sr. Primeiro-Ministro, uma gigantesca divergência entre o Bloco de Esquerda e o Governo: o Governo acredita no mercado em tudo e para tudo; nós sabemos que o mercado é incompetente para escolher os objectivos sociais fundamentais e que só a democracia o pode fazer. Só os ricos é que querem um Estado pobre, enquanto que os pobres e os trabalhadores precisam de um Estado com políticas sociais.
Veja-se o exemplo da venda da 4.ª fase da EDP. O Governo desmentiu a sua promessa de manter os 51% das acções e, colocando-as à venda, receberá à volta de 350 milhões de contos pela venda, mas nos últimos cinco anos a empresas deu 480 milhões de contos de lucro líquido e pagou 335 milhões de contos de IRC.
Por outras palavras, se a EDP fosse uma empresa pública, o negócio para o Estado era mais vantajoso. Ou seja, em quatro anos, o Estado receberia, em lucros, mais do que agora vai receber com a venda da «galinha dos ovos de ouro». Será isto a «modernização» da política, de que fala o Sr. Deputado José Penedos?! É, sem dúvida, uma modernização autofágica!
Para responder a estes erros, o Bloco de Esquerda apresentou propostas concretas para este Orçamento.
Defendemos uma reforma fiscal global e não o simulacro de reforma fiscal de que fala o Governo; apresentámos propostas sobre salários e pensões, que o Governo recusou, mas as nossas propostas eram consistentes. Poder-se-ia ter trabalhado, desde há muito tempo, na preparação da reforma fiscal em vez de se fazer cinco anos de acordos com a direita. Se assim tivesse sido, agora estaríamos em condições de começar a corrigir as injustiças que ficaram incólumes no IRC, no offshore da Madeira, no imobiliário, na sisa, no sucessório, etc.
Estas propostas eram, e continuam a ser, indispensáveis para viabilizar um esforço social para o aumento das pensões e dos salários - e é por isto que as retomamos no debate da especialidade. Propomos a contribuição de solidariedade de 1% sobre as fortunas de mais de 1 milhão de contos; propomos a quebra do sigilo bancário para efeitos de determinação da verdade dos impostos; propomos o aumento mínimo dos 6 contos para

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a função pública; propomos o englobamento para termos, finalmente, um imposto único sobre os rendimentos; e propomos uma política de defesa dos direitos das mulheres, em particular na área da família e dos direitos reprodutivos e contra a violência sexista e sexual.
Sei que alguns Deputados, e o próprio Sr. Primeiro-Ministro, criticaram, há dias, o facto de se apresentar propostas, na especialidade, a um Orçamento que recusamos na generalidade. Como a memória é curta, Sr. Eng.º António Guterres! Enquanto Deputado e presidente do Grupo Parlamentar do PS, o senhor votou sucessivamente contra Orçamentos e depois, no debate na especialidade, apresentou propostas de alteração aos mesmos.
Porém, agora finge estranhar para efeitos de audiências dóceis e sem memória!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora - A apresentação de propostas na especialidade é um direito que temos, mas é, sobretudo, uma obrigação das oposições, e o Bloco de Esquerda cumpre a sua obrigação em coerência com o que é o seu percurso. Queremos um Orçamento corrigido, transformado; queremos um novo ciclo político que o Governo, com o seu medo, com as suas cedências, com a sua política, tem impedido. Contra este medo, contra estas cedências, contra esta política, prosseguiremos as nossas propostas de clarificação!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Neves excedeu em 4 minutos e 12 segundos o tempo que o Grupo Parlamentar do BE dispunha para hoje, pelo que este tempo será descontado no que lhe é atribuído para a sessão de amanhã.
Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos por hoje.
Amanhã, às 10 horas, cá estaremos para prosseguir a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 47/VIII - Grandes Opções do Plano Nacional para 2001 e 48/VIII - Orçamento do Estado para 2001.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
José Manuel Macedo Abrantes

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José David Gomes Justino
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Manuel Cruz Roseta

Partido Popular (CDS-PP):
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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