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Sexta-feira, 15 de Dezembro de 2000 I Série - Número 30

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE DEZEMBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Procedeu-se ao debate de interesse político relevante sobre a constituição e funcionamento da Fundação para a Prevenção e Segurança, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres), os Srs. Deputados Paulo Portas (CDS-PP), Carlos Carvalhas (PCP), Durão Barroso (PSD), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Francisco de Assis (PS), Octávio Teixeira (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Osvaldo Castro (PS) e António Filipe (PCP).
Seguiu-se um debate de actualidade com o Primeiro-Ministro sobre a Cimeira de Nice, no qual intervieram, a diverso título, além daquele membro do Governo e do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Seixas da Costa), os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Basílio Horta (CDS-PP), Honório Novo (PCP), António Capucho (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), José Barros Moura (PS), Durão Barroso (PSD), Manuel dos Santos (PS), Paulo Portas (CDS-PP), Helena Neves (BE) e Mota Amaral (PSD).

Ordem do dia.- Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 54/VIII - Altera a Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, tendo, depois, sido aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o texto de substituição da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo àquela proposta de lei. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Mota Amaral (PSD), Cláudio Monteiro (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Basílio Horta (CDS-PP).
Foram também aprovados o projecto de resolução n.º 50/VIII - Recomenda ao Governo que reforce um programa específico sério de combate à tuberculose (PSD) e a proposta de alteração, apresentada pelo PS, dos pontos 1 a 3, 5, 7, 9 e 10 do referido projecto de resolução.
Foi, ainda, aprovado um requerimento, apresentado pelo PS, no sentido de o projecto de lei n.º 312/VIII - Estabelece medidas de protecção das edificações realizadas com o recurso à pedra (PS) baixar, antes da votação na generalidades, à Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente.
Na generalidade, foram rejeitados os projectos de lei n.os 277/VIII - Confere a natureza de crime público ao crime contra a integridade física, quando praticado contra agentes das forças e dos serviços de segurança (CDS-PP) e 335/VIII - Ofensa à integridade física no âmbito da intervenção policial: crime público (BE).
Por fim, foi aprovada, em votação global, a proposta de resolução n.º 49/VIII - Aprova, para assinatura, o Acordo entre o Governo da República Portuguesa e a Organização Europeia para a Investigação Astronómica no Hemisfério Sul (ESO), assinado em Garching, a 27 de Junho de 2000.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Dinis Manuel Prata Costa
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Lontrão Carola
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva

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António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando José da Costa
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António de Magalhães Pires de Lima
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Na sessão plenária de 6 de Dezembro de 2000: ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Santos e Bruno Vitorino; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Victor Moura; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Martins; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Francisco Amaral; aos Ministérios da Economia e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Hermínio Loureiro; ao Ministério da Juventude e do Desporto, formulado pelo Sr. Deputado Vieira de Castro; ao Ministério da Educação, formulados pelas

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Sr.as Deputadas Margarida Botelho e Natália Filipe; aos Ministérios da Saúde e do Equipamento Social, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Portas, e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Telmo Correia.
Na sessão plenária de 7 de Dezembro de 2000: ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelo Srs. Deputados Manuel Moreira e Castro Almeida; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e à Câmara Municipal de Faro, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Martins; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado António Abelha; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Honório Novo, e ao Instituto Nacional de Aviação Civil, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe.
Entretanto, o Governo respondeu, no dia 11 de Dezembro de 2000, aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Miguel Anacoreta Correia, na sessão de 7 de Junho; Maria Santos, na sessão de 3 de Outubro; Paulo Portas, na sessão de 4 de Outubro; Telmo Correia, na sessão de 6 de Novembro, e Lino de Carvalho, no dia 13 de Novembro.
Foram respondidos, no dia 11 de Dezembro de 2000, os requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro, e Mário Albuquerque, no dia 23 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares pôs-se de acordo, esta manhã, no sentido de que fosse criada uma grelha especial para o debate do problema que surgiu com um requerimento do CDS-PP, no sentido de se fazer hoje um debate de interesse político relevante sobre a constituição e funcionamento da Fundação para a Prevenção e Segurança. Assim, ficou acordado que o Sr. Primeiro-Ministro faria uma primeira intervenção, de 10 minutos e que, depois, haveria uma grelha de tempos para os vários grupos parlamentares que vai agora ser inscrita no painel.
Por isso, para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): - Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados: Começo por lembrar que também eu solicitei, ontem, ao Sr. Presidente a possibilidade de se fazer hoje aqui, na Câmara, no início dos trabalhos, uma declaração sobre esta matéria e de me submeter a debate com os Srs. Deputados. É que esta intervenção não é apenas o cumprimento de um dever perante a Câmara, é também o exercício de um direito fundamental: o exercício dos inocentes à verdade, exercício tanto mais importante quando senti, como ontem, o meu nome vilipendiado em tudo quanto é sítio e quando senti que tentavam pôr em causa o património mais preciosos que tenho, após 25 anos de vida pública, o património da minha honestidade, o património da minha seriedade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Está em causa, na interpelação que a Câmara me faz, saber como agiu o Primeiro-Ministro em relação à Fundação para a Prevenção e Segurança. É a verdade acerca disso que aqui vos trago.
Em primeiro lugar, para vos dizer que não tive conhecimento da sua constituição e que, não sendo a Fundação clandestina, não me dei conta da sua actividade, embora, porventura, pudesse ter reparado em alguns cartazes espalhados por estradas do nosso país ou noutro qualquer indício de actividade.
A primeira vez que ouvi falar da existência da Fundação foi quando o então Ministro da Administração Interna, Dr. Fernando Gomes, falou comigo, um dia, numa das audiências que frequentemente lhe concedia no meu gabinete, e me deu a entender que tinha preocupações quanto a eventuais problemas com uma Fundação que tinha sido criada por iniciativa do anterior Secretário de Estado da Administração Interna, Armando Vara, no seu relacionamento com o Ministério da Administração Interna.
A minha reacção a essa preocupação consta do comunicado que, ontem mesmo, foi distribuído pelo Gabinete do Primeiro-Ministro. O Sr. Ministro da Administração Interna encontrou-se, nessa altura, com o então Ministro da Presidência, Dr. Jorge Coelho, e comigo e a ambos exprimiu a mesma preocupação. E a minha resposta pode sintetizar-se em duas palavras: verdade e transparência. Aliás, felizmente que não foi apenas comigo que o Sr. Ministro da Administração Interna se encontrou; encontrou-se também com o Sr. Ministro da Presidência de então, que está aqui ao meu lado e que vos poderá, também ele, transmitir o que disse ao Sr. Ministro da Administração Interna sobre a necessidade de ser apurada toda a verdade acerca do caso, recorrendo, se necessário, às entidades independentes adaptadas ao efeito.
Mais do que isso, tive o cuidado, naturalmente, após esta informação, de interpelar o então Ministro Adjunto, Armando Vara, também aqui presente. E o Ministro Adjunto, por um lado, tranquilizou-me, dizendo-me que tinha a consciência tranquila e que considerava não haver qualquer problema na Fundação e no seu funcionamento. Mas fez mais: telefonou ao Sr. Ministro da Administração Interna - telefonema esse que, a seguir, me comunicou -, dizendo-lhe que ele devia investigar, até ao fim, tudo quanto existisse na Fundação, porque não podia aceitar que o seu bom nome fosse posto em causa. Está aqui também o agora Sr. Ministro da Juventude e do Desporto, Armando Vara, que pode testemunhar a verdade destas palavras - verdade e transparência.
Depois do testemunho de Armando Vara e depois daquilo que por ele foi dito ao Ministro, não tendo eu recebido, mais tarde, nenhuma outra informação por parte do Ministro, devo dizer-vos, com toda a sinceridade, que fiquei tranquilo. Fiquei tranquilo como qualquer um de vós ficava, face à tranquilidade de quem, conhecendo o dossier, pedia que ele fosse investigado até ao fim, não tendo qualquer receio de qualquer averiguação a esse respeito.

Aplausos do PS.

Não voltou o Ministro da Administração Interna a falar comigo sobre esta matéria.
Algum tempo depois da sua substituição, e no contexto que é conhecido, o actual Ministro da Administração Interna, também aqui presente, teve ocasião de falar comigo e, de novo, me transmitir as suas preocupações por causa de notícias vindas a lume a esse respeito. E, uma vez mais, a minha resposta foi a mesma: verdade e transparência, seja feito tudo quanto é necessário para esclarecer a verdade. E não precisava de dizê-lo ao Sr. Ministro

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da Administração Interna, porque esta era uma competência própria dele e não uma competência delegada do Primeiro-Ministro e era essa a vontade do Ministro Severiano Teixeira.

Aplausos do PS.

Assim, o Governo, que nada tem a esconder nesta matéria e quer que ela seja aprofundada até ao fim, através do Sr. Ministro da Administração Interna, pediu, por um lado, um parecer sobre a legalidade ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e, por outro, a intervenção da Inspecção-Geral do Ministério da Administração Interna. Além disso, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em articulação estreita com o Governo, entendeu solicitar ao Tribunal de Contas uma investigação acerca da forma como tinham sido utilizados os dinheiros públicos por esta Fundação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que é que isto quer dizer? Quer dizer uma coisa muito simples: nós não queremos que esta seja uma matéria para chicana política;…

Protestos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E o que é que está aqui a fazer?! Já está a começar! Não dê o exemplo!

O Orador: - … queremos que esta seja uma matéria para averiguar a verdade e, em função da verdade,…

Aplausos do PS.

… em função da verdade, dizia, averiguada por entidades independentes, tomarei, como Primeiro-Ministro, as atitudes que entender que são as mais adequadas à defesa do prestígio do Estado português.
Está em causa, naturalmente, averiguar a legalidade e a regularidade dos actos constitutivos da Fundação e do seu funcionamento.

Protestos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E a ética?!

O Orador: - Está em causa também saber se a utilização dada aos dinheiros públicos respeitou a lei e foi a mais adequada à prossecução do interesse público.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E a ética do Governo?!

O Orador: - É isso que queremos que seja esclarecido e é em função disso que actuaremos.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Mas a avaliação política por um Primeiro-Ministro da actividade dos membros do Governo em quem tem confiança não se confina às questões de legalidade e de regularidade, também tem uma componente ética.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem! Até que enfim!

O Orador: - E essa componente ética é uma componente que tem a ver com os valores que cada um de nós professa na sua vida.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não é cada um, é o Estado!

O Orador: - Se os Srs. Deputados tivessem passado por aquilo que eu passei ontem, não estariam a fazer o barulho que estão a fazer e teriam mais respeito nesta Câmara.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É por sua culpa!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que guardem a necessária serenidade e façam o exigível silêncio para o Sr. Primeiro-Ministro poder ser ouvido.

O Orador: - É que a ética é uma questão essencial do nosso comportamento - do nosso, de todos nós que estamos nesta Câmara.
Ora, devo dizer-vos, Srs. Deputados que, para mim, na avaliação que faço - e faço porque conheço as pessoas do Governo que estão em causa, que foram envolvidas nesta matéria - e na apreciação ética que tenho de fazer do seu comportamento, não esteve em causa qualquer consideração de natureza táctica, em matéria política, porque nada seria tacticamente mais conveniente ao Primeiro-Ministro do que demitir dois membros do Governo, com um acto que pudesse ser apresentado perante o País como a prova da tal autoridade que os senhores tantas vezes reclamam.

Aplausos do PS.

Se as minhas preocupações…

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, advirto-o de que chegou ao fim o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, trata-se de uma questão da maior importância. E, como fui interrompido, peço que me conceda mais 2 minutos para concluir.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É o discurso de Esposende ao contrário!

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, só posso fazê-lo com o consentimento dos grupos parlamentares.

Pausa.

Como parece que não há oposição, tem mais 2 minutos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, as bancadas também têm!

O Orador: - Se estivesse em causa a defesa da minha imagem, comportamento esse que seria antiético, porque

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desrespeitador das pessoas, seria isso que eu teria feito. Mas tenho respeito pelas pessoas e essa é uma componente essencial da ética.
Se eu estivesse convencido que tinha havido má fé por parte dos membros do Governo na utilização de instrumentos para obter finalidades contrárias ao interesse público ou se estivesse convencido que teria havido, por parte de membros do Governo ou até de membros da Fundação, utilização abusiva, para seu benefício, de dinheiros públicos e actos de corrupção, ou para benefício dos próprios membros da corrupção, não hesitaria em demiti-los imediatamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Acontece que a minha convicção é outra,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Abaixo o nepotismo!

O Orador: - … a minha convicção honesta é que pode ter havido erros,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!

O Orador: - … e se os erros se provarem, agirei como é meu dever político.
Mas estou seguro de que tanto Armando Vara como o Secretário de Estado Luís Patrão agiram de boa fé, com o sentimento de que estavam a defender o interesse público,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Também já disse o mesmo de Fernando Gomes, em Esposende!

O Orador: - … não tiveram qualquer benefício económico com aquilo que realizaram e, pelas informações que tenho, nenhum dos membros da Fundação sequer recebeu um ordenado pelo trabalho que lá desenvolveu.

Aplausos do PS.

Nessas condições, porque não está em causa compadrio, porque não está em causa favorecimento, porque não está em causa nepotismo - pode estar em causa erro na melhor maneira de conduzir uma política, mas não actos eticamente condenáveis -, entendi que seria eticamente condenável se fosse eu, para benefício da minha imagem,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É a imagem do Estado!

O Orador: - … a condená-los antes de terem o direito de defender-se.

Aplausos do PS.

Esta é, Srs. Deputados, a verdade que tenho para vos contar. É a verdade mais difícil de fazer entender, porque é a verdade de um inocente. E é, por isso, com mágoa, com indignação e - permitam-me que vos diga - com contida revolta que vos falei.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para uma primeira ronda de pedidos de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro, os Srs. Deputados Paulo Portas, Carlos Carvalhas, Durão Barroso, Luís Fazenda, Isabel Castro e Francisco de Assis e Octávio Teixeira.
Cada pedido de esclarecimento tem a duração de 2 minutos e o Sr. Primeiro-Ministro, por deliberação da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, deverá responder, neste caso, excepcionalmente, a cada pedido de esclarecimento em separado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, não está em causa a sua honorabilidade, está em causa a sua autoridade como Primeiro-Ministro! Não se queixe da oposição, queixe-se do seu partido e das pessoas que escolheu para o seu Governo!

Aplausos do CDS-PP.

Tentarei demonstrar, na minha intervenção, que V. Ex.ª, no quadro de uma ética da responsabilidade política, só tem uma saída para esta crise: demitir o Ministro Armando Vara, demitir o Secretário de Estado Luís Patrão e suspender ou revogar a nomeação do Embaixador de Portugal na OCDE, Dr. Fernando Gomes!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Começo, em todo o caso, por lhe fazer a seguinte descrição de factos: V. Ex.ª, nos últimos 10 dias, recebeu o ultimato de um Ministro, o Dr. António Costa; a demissão de um Secretário de Estado, o Dr. Ricardo Sá Fernandes; o estado de alma de um Ministro, que em off se queria demitir, Armando Vara; o lugar colocado à disposição de outro Secretário de Estado, que assume erros e irregularidades na Fundação de que foi um dos mentores, o Dr. Luís Patrão; a demissão de um governador civil, que veio confirmar a suspeita de muita gente, nesta Assembleia, a começar por nós, de que o vosso Governo promoveu o aliciamento político de Deputados da oposição; e colocou, e muito mal, o novo Ministro da Administração Interna, porque quando o convidou para o Governo, tanto quanto podemos perceber das palavras dele, não o avisou de um problema de que V. Ex.ª tinha sido avisado! Sabia que havia um problema com a Fundação para a Prevenção e Segurança, …

Aplausos do CDS-PP.

… não avisou o novo Ministro e colocou-o muitíssimo mal!
Em sétimo lugar, V. Ex.ª nomeou para embaixador na OCDE o Dr. Fernando Gomes, que, uma de duas, para V. Ex.ª estar a dizer a verdade, tem de estar a mentir!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Ele disse, ontem, que o tinha avisado e que V. Ex.ª ficou de tratar do assunto com o Ministro Armando Vara. V. Ex.ª diz, hoje, que foi avisado mas disse ao Dr. Fernando Gomes «trate do assunto, investigue e tire consequências»!

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Como costuma dizer o Sr. Presidente da Assembleia, alguém está aqui a faltar à verdade! Para que V. Ex.ª esteja a dizer a verdade - o que quero crer -, o Sr. Dr. Fernando Gomes está a mentir!
Já não falo da vingança mesquinha de que é acusado. Só lhe pergunto, ao seu sentido de Estado, como é que uma pessoa nessas circunstâncias pode representar o Estado português na organização para a cooperação e desenvolvimento europeu?!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não pode!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Tem toda a razão, não pode!

O Orador: - Como é que o Dr. Fernando Gomes, se está a mentir, pode continuar embaixador de Portugal e pode lidar com um Governo que o considera responsável por uma vingança mesquinha?!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, terminarei dentro de alguns segundos.
Sr. Primeiro-Ministro, quero fazer-lhe uma segunda pergunta muito rápida: se este assunto não fosse público, por via dos jornais, onde é que estava o pedido de parecer à Procuradoria-Geral da República, onde é que estava o pedido de parecer à Inspecção-Geral da Administração Interna?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP):- Muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro só agiu verdadeiramente quando a notícia foi pública, não agiu sobre a verdade do problema!

Aplausos do CDS-PP, de pé.

Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Dr. Paulo Portas, o próprio Dr. Fernando Gomes tirou todas as consequências do que se está a passar e não será Embaixador de Portugal na OCDE.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Foi desautorizado!

O Orador: - Gostaria de dizer-lhe, Sr. Dr. Paulo Portas, que a autoridade de um Primeiro-Ministro se mede pela coerência dos princípios com que actua!
Face a um Ministro da Justiça, que, no entender do Primeiro-Ministro, tinha institucionalmente razão, e a um Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que, no meu entender, institucionalmente a não tinha, não tive dúvidas em não aceitar o pedido de demissão de um e em aceitar o pedido de demissão do outro! Não me demiti das minhas responsabilidades, exerci-as no sentido dos princípios em que acredito.
Da mesma forma que não hesitei em solicitar a demissão de elementos da administração que tiveram comportamentos que considerei inaceitáveis, seja o Governador Civil de Bragança, seja o Presidente da Administração Regional de Saúde do Porto, e assim farei em relação a quaisquer outros que façam declarações inaceitáveis com o exercício de funções públicas!

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não é isso que está em causa!
Mas a autoridade não é bazofia. Se eu estivesse convencido da culpabilidade ou da má fé de Armando Vara e de Luís Patrão tê-los-ia demitido. Essa seria a melhor maneira de eu defender a minha imagem, em termos de autoridade!
A autoridade que é difícil é aquela que, contra as vozes de todos, contra todas as pressões, se recusa a passar por cima da dignidade dos homens, que se respeitam, enquanto não for provado que esses homens têm de assumir responsabilidades em função dos actos que praticaram!
É que a minha autoridade, Sr. Deputado, é a autoridade das convicções profundas, não é a autoridade que mais convém aos ventos da opinião pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E a resposta às perguntas que lhe coloquei, Sr. Primeiro Ministro?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em nome da minha bancada, quero aqui afirmar que não está em causa o património de seriedade do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - Do nosso ponto de vista, está em causa a responsabilidade política.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro não pode aceitar, desculpe que lhe diga, a forma como foram geridos os dinheiros públicos através do expediente da Fundação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro não pode dizer que há verdade e transparência quando há um Ministro que cancela o financiamento de uma fundação, suspende-o, e, depois, pela porta travessa, continua a financiar-se essa mesma fundação…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … através do Ministério da Administração Interna, até hoje.
O Sr. Primeiro-Ministro não pode dizer, aqui, que ignora esta situação!

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Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - É claro! É evidente!

Aplausos do PCP.

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro não pode falar em verdade e transparência. Não pode considerar normal que sejam os assessores do Sr. Ministro Armando Vara a constituir uma fundação privada, nem pode, do nosso ponto de vista, considerar que há verdade e transparência nos seguintes factos: Armando Vara autorizou o pagamento de 39 600 contos para um concerto dos Delfins e dos Ritual Tejo, em Proença-a-Nova, organizado pela Fundação, em nome da prevenção dos fogos florestais; em 13 de Dezembro de 1999, o Secretário de Estado Luís Patrão transferiu 70 000 contos para a Fundação; em 13 de Março procedeu a uma nova transferência de 60 00 contos, com base num parecer dado pela Dr.ª Carla Portela, sua adjunta e, ao mesmo tempo, uma das três pessoas com capacidade para movimentar dinheiro. Não pode considerar isto normal!

O Sr. Octávio Teixeira: - Muito bem!

O Orador: - A pergunta que lhe faço, Sr. Primeiro-Ministro, é esta, e muito clara, com toda a verdade e com toda a transparência: o que é que vai fazer? Vai manter esta Fundação? Vai manter a sua confiança em dois Ministros, em dois membros do Governo? Vai avalizar esta situação, vai-se co-responsabilizar ou vai tirar daí todas as consequências políticas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porque, Sr. Primeiro-Ministro, desculpe que lhe diga, não há verdade nem transparência! E quando não há verdade nem transparência, não estando em causa o seu património de seriedade (por isso mesmo deve manter-se), pensamos precisamente que, mantendo-se, a única atitude que tem a tomar é tirar daí todas as consequências políticas, e imediatamente, acerca de quem esteve na origem da constituição dessa Fundação!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, gostaria, em primeiro lugar, de dizer-lhe que, de acordo com uma informação que me foi prestada, e que foi agora confirmada pelo Sr. Ministro da Administração Interna, o último financiamento do Estado à Fundação data de 27 de Março deste ano.

Vozes do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE: - Não é verdade!

O Orador: - Os Sr. Deputados sabem mais do que eu, o que revela …

Vozes do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE: - É verdade!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que mantenham a serenidade, fazendo silêncio.

Orador: - Dizia eu que isso só revela a razão que tenho em exigir a uma entidade independente que apure a verdade.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE: - Não!

O Orador: - Gostaria ainda de dizer o seguinte: a parceira entre o Estado e fundações para a realização de determinadas finalidades de políticas públicas é comum em Portugal. Ela deve ser repensada, e, como sabe, há um grupo de trabalho, presidido pelo Professor Alarcão, que está, neste momento, a preparar uma proposta de nova lei-quadro para as fundações, em Portugal!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, mas não é possível continuarmos neste sistema.

O Orador: - Devo dizer-lhe que muitos dos factos que citou são, do meu ponto de vista, factos que devem ser claramente investigados para verificar se eles foram apenas situações de abuso sem consequências ou se tiveram consequências graves no desvio de dinheiros públicos, e essa é uma questão central que preciso de saber com segurança para poder julgar com justiça a situação política que refere.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, quero dar-lhe uma informação, corrigindo a informação que tem: a última transferência de dinheiro que o Governo fez para a dita Fundação foi autorizada por um despacho datado de 21 de Julho de 2000, do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Luís Patrão, e foi feita em 13 de Setembro. Esta é a informação que quero dar-lhe e que o seu Governo não deu ao Sr. Primeiro-Ministro. É uma transferência de 50 000 contos!

Aplausos do PSD.

Queria também informá-lo, Sr. Primeiro-Ministro, que, fazendo aquilo que o Governo de V. Ex.ª não fez e que, em meu ver, deveria ter feito, que não era apenas colocar duas questões concretas sobre a legalidade ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República ou, então, mandar o Ministério da Administração Interna investigar a sua própria actividade, hoje mesmo escrevi uma carta ao Sr. Procurador-Geral da República, que divulgarei, na qual solicito que a Procuradoria-Geral da República leve a cabo, com a possível urgência, uma aprofundada investigação

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acerca deste processo, acerca do envolvimento directo de membros de gabinetes ministeriais em funções executivas privadas e da utilização de dinheiros do Estado à margem do regime de realização de despesas públicas.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Será a Procuradoria-Geral da República a fazer o competente inquérito, em toda a sua extensão, Sr. Primeiro-Ministro.
Mas, para além da questão de legalidade, há uma questão ética e de boa governação.
Considera o Sr. Primeiro-Ministro que é boa governação o Governo criar uma fundação privada, desviando dinheiro dos contribuintes para ser gasto por assessores e adjuntos do mesmo Governo, escapando às regras da Administração Pública, evitando os concursos públicos e assim desautorizando a própria Administração Pública?
A questão é esta: o Sr. Primeiro-Ministro considera que isto é boa governação? É que se o Sr. Primeiro-Ministro pensa que isto é boa governação, então, tenho de dizer-lhe que não reúne as condições para o exercício do cargo em que está investido!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Sr. Primeiro-Ministro, tenho de afirmar uma diferença: num governo do PSD, isto não aconteceria.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio para que o Sr. Deputado Durão Barroso seja ouvido em condições normais.

O Orador: - Comigo, isto não aconteceria, Sr. Primeiro-Ministro!

Protestos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Seria pior!

O Orador: - Em primeiro lugar, mal tivesse conhecimento de uma notícia deste tipo, os membros do governo seriam demitidos no próprio momento; depois, a fundação seria imediatamente dissolvida e, por último, mandaria repor o dinheiro dos contribuintes, que seria entregue ao Estado, como deveria ter sido feito pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Peço-lhe a mesma condescendência que teve com o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Presidente: - Quase nenhuma, Sr. Deputado!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, quanto às actividades da dita fundação, sabe V. Ex.ª que os cartões de boas-festas dos gabinetes do Governo, por exemplo, os do gabinete do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, do seu ex-chefe de gabinete, Luís Patrão, que, com certeza, recebeu no passado mês de Dezembro de 1999, são pagos por uma fundação privada, no montante de 234 contos?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Que vergonha!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro considera que isto é boa governação?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, isto não é boa, é péssima governação, e a responsabilidade é de V. Ex.ª!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Durão Barroso, a sua intervenção só torna mais óbvia a minha posição a este respeito: que se investiguem os factos, que se investiguem com verdade e por entidades independentes!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se o Sr. Deputado entende que também a Procuradoria-Geral da República deve investigar, digo-lhe, deste já, que o Governo não vê o mínimo obstáculo a que isso aconteça e que secunda inteiramente a sua proposta.

O Sr. António Capucho (PSD): - Então, por que não o fizeram?

O Orador: - Não temos rigorosamente nada a esconder e queremos que toda a verdade seja apurada. Por isso, aliás, o pedido de investigação ao Tribunal de Contas.

Vozes do CDS-PP: - Agora!

O Orador: - Como sabe, se se quisesse furtar a aplicação de dinheiros públicos ao controlo não se teria feito uma fundação mas, sim, uma associação, pois a fundação está obrigatoriamente sujeita, desde que receba dinheiros públicos, à fiscalização do Tribunal de Contas.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, como eu disse na minha primeira intervenção, pode ter havido erros de procedimento, porém, não houve má fé. Se tivesse havido má fé ter-se-ia seguido outro caminho que não o das fundações, de que há inúmeros exemplos, mas, sim, o caminho das associações, que permitira fazer a mesma coisa sem o controlo do Tribunal de Contas, o qual consideramos indispensável neste caso.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Agora!

O Orador: - Talvez seja essa a diferença de um Governo do Partido Socialista.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro António Guterres, não desafiamos a seriedade do cidadão e do Primeiro-Ministro, queremos dizê-lo com inteira e meridiana clareza.
Porém, devo comentar que fico alto atónito quando ouço a explicação do Sr. Primeiro-Ministro, pela contradição que a mesma comporta. Numa fase, pede ao Sr. Ministro da altura, o Dr. Fernando Gomes, para fazer uma investigação e, no passo subsequente, tranquiliza-se com a explicação do Ministro Armando Vara, ao tempo Secretário de Estado.
Há uma discrepância e uma desproporção entre a sugestão de uma investigação plena e, depois, a tranquilidade pela boa fé de uma explicação do actual Ministro Armando Vara. Ora, este facto não abona do ponto de vista da autoridade e da coesão do Governo, assim como não abonarão outros aspectos.
Quis entender, talvez de uma forma muito prematura, pela intervenção do Sr. Primeiro-Ministro neste debate, que há uma espécie de convite público a uma demissão de membros do Governo. É a ilação que posso tirar, não consigo ver de outra forma a sua intervenção, passado um pouco o brouhaha da intensidade dramática que o Sr. Primeiro-Ministro procurou colocar neste debate.
Admitindo como válido o facto referido pelo Sr. Primeiro-Ministro, e faço fé que sim, até porque trouxe aqui a respectiva convalidação pela situação testemunhada pelo Sr. Ministro Jorge Coelho, pelo que, desse ponto de vista, soube do processo da Fundação e daí retirou consequências, com as quais instruiu o ex-Ministro Fernando Gomes, hoje transformado no bode expiatório desta situação, gostaria de colocar-lhe uma questão.
O Sr. Primeiro-Ministro considera hipoteticamente que houve alguns erros mas, pelos vistos, não convalida a outra conclusão do Dr. Fernando Gomes, de que este processo de administração dos dinheiros públicos, esta forma de funcionamento do Estado, não pode conferir total controlo democrático quer à iniciativa, quer à fiscalização dos dinheiros públicos, o que é um eventual erro. A reforma do Estado que o PS preconiza é esta?
Devo notar o silêncio até agora, talvez o silêncio sábio,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Silêncio pesado!

O Orador: - … do Ministro que se ocupa desta área.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, o senhor confunde duas coisas: a primeira delas é a responsabilidade institucional que cada Ministro tem em relação às actividades que decorrem no âmbito do seu Ministério e que tem a ver com as suas competências próprias; a segunda tem a ver com a convicção política que um Primeiro-Ministro pode ter acerca da seriedade de um membro do seu governo. São duas coisas completamente diferentes!
Quero dizer-lhe que não tenho razões nenhumas, como não tinha nessa altura, para duvidar da seriedade do então Secretário de Estado, depois Ministro, Armando Vara.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O que tem a ver o pessoal com o institucional?

O Orador: - Sempre deu provas dessa seriedade e não tenho sobre isso qualquer dúvida!
Quando falei na possibilidade de se cometerem erros, o que eu disse foi algo muito simples: disse que acreditava que erros tivessem sido cometidos, mas que não acreditava que o tivessem sido de má fé.
A prova disto tem precisamente a ver com natureza da entidade escolhida, a fundação, porque se se pretendesse ter má fé e esconder à fiscalização do Tribunal de Contas, que, para nós, não é uma força de bloqueio…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!

O Orador: - Há quem considere o Tribunal de Contas uma força de bloqueio.
Como eu estava a dizer, se se pretendesse trabalhar de má fé, gastar dinheiros públicos e furtá-lo à fiscalização do Tribunal de Contas bastaria escolher a fórmula, muito menos exigente, de uma associação. Se se escolheu a fórmula de fundação para prosseguir um determinado objectivo foi porque não se quis furtar a essa fiscalização.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Foi para fugir aos impostos!

O Orador: - Houve erros na formação da Fundação. Espero o relatório das entidades independentes que vão investigar e, se esses erros tiverem gravidade que o justifique, saberei tirar as consequências políticas!
Não faço julgamentos populares, não faço julgamentos de praça pública,...

O Sr. José Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... não corro atrás de acusações, venham elas de onde vierem! Confio no Estado, nas magistraturas e nos seus órgãos, para que possam apurar a verdade nos casos em que a mesma tem de ser apresentada à opinião pública com credibilidade, não como instrumento de luta ou de batalha entre forças políticas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, começo por dizer, como, aliás, todos os partidos o disseram, que Os Verdes não o chamam ao Parlamento para avaliar a sua honorabilidade pessoal. O que compete ao Parlamento é fiscalizar politicamente actos do Governo e o Executivo do qual é o primeiro responsável.
Pode o Sr. Primeiro-Ministro entender que quer averiguar da legalidade, ou não, da Fundação, mas há factos já comprovados: esta Fundação foi criada sem ter os meios financeiros a que está obrigada perante a lei; esta Fundação integra e tem como outorgantes da sua constituição

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membros de um gabinete, o que é uma manifesta violação da lei, independentemente de esses cargos serem ou não pagos, como o Sr. Primeiro-Ministro sabe.
Em todo o caso, gostaria de sublinhar, perante a Câmara, um aspecto que me parece estranho. O Sr. Primeiro-Ministro diz que esta Fundação não é clandestina - porventura, não o será -, mas a verdade é que, em 14 de Fevereiro deste ano, fiz uma pergunta ao Governo sobre todas as fundações financiadas pelo Estado, sendo que, devo dizer-lhe, da resposta do Governo não consta esta.

Vozes do CDS-PP: - Ah!

A Oradora: - Portanto, se a Fundação não estava clandestina, há, pelo menos, um problema que deveria ser assinalado.
Sr. Primeiro-Ministro, há um aspecto sobre o qual gostaria que fosse mais claro, pois estamos numa discussão política. O Sr. Primeiro-Ministro teimou, e teima, em considerar - essa é uma opção sua, porque o problema não é o de saber se há corrupção ou gastos, trata-se de um problema de ética e de responsabilidade política, como acabou por ter de assumir - que os membros do seu Governo não agiram de má fé. Não terão agido, mas trata-se de uma avaliação subjectiva.
Em relação a dados objectivos colocados, designadamente, pelo ex-Deputado Fernando Gomes, o Sr. Primeiro-Ministro opta por fazer uma avaliação política, tomando a única decisão até agora conhecida, a sua não nomeação como embaixador na OCDE.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, o que gostaríamos de saber em concreto é se as razões já apuradas, que não têm a ver com desvios de fundos mas, sim, com a falta de respeito pelos procedimentos legais nesta Fundação, não são suficientes para uma outra decisão política, que hoje ainda não anunciou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, o que eu disse há pouco foi que o Dr. Fernando Gomes tinha tirado todas as consequências do que se passou e não que o Governo o tinha demitido das suas funções, o que são duas coisas completamente diferentes.

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - Em segundo lugar, entendamo-nos sobre os conceitos. Não sou investigador nem estou a fazer investigação alguma, sou Primeiro-Ministro. Se há factos a carrear para uma investigação, que sejam canalizados para as respectivas entidades e, uma vez obtido o relatório dessas entidades, analisá-lo-ei e tirarei as consequências políticas devidas.
Neste momento, a única observação que posso ter em relação ao comportamento ético das pessoas é a que decorre do meu conhecimento e das intenções que, à luz da minha própria apreciação, elas tiveram. Neste momento, a minha apreciação ética é a de que agiram de boa fé. Se cometeram erros, irregularidades, ilegalidades, que estas sejam apuradas até ao fim.
Não se venha com 234 contos para demitir um Ministro ou um Secretário de Estado!

Vozes do PSD: - São 400 000 contos!

O Orador: - Analise-se o conjunto das coisas até ao fim, verifique-se a gravidade dos acontecimentos e, em função disso, não da lógica da pressão de um julgamento popular, onde quer que ele seja feito, agirei no sentido da defesa dos interesses do Estado português.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, há momentos na vida pública em que os princípios éticos têm de sobrepor-se, em absoluto, aos cálculos políticos.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este é um deles!
Quero justamente saudar o comportamento absolutamente correcto assumido aqui pelo Sr. Primeiro-Ministro. Manifestou uma postura ética inatacável no plano pessoal; manifestou um posicionamento ético absolutamente acima de qualquer crítica no plano da fidelidade aos valores da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vou referir-me ao plano pessoal, em primeiro lugar.
Srs. Deputados, há pretensos exercícios de autoridade que não são mais do que a forma mais cobarde de agir.

Aplausos do PS.

Demitir seja quem for através de um processo de linchamento político por via de um julgamento popular é uma forma absolutamente cobarde de demonstrar a sua autoridade.

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O julgamento da Assembleia é um julgamento popular?!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro revelou uma postura eticamente inatacável no relacionamento com os membros do Governo. Pudessem outros gabar-se do mesmo!
Em segundo lugar, fidelidade absoluta aos valores fundadores da República, valorização da transparência, desejo de que tudo seja investigado. O Governo solicitou à Procuradoria-Geral da República e à Inspecção-Geral da Administração Interna que desenvolvessem as suas próprias investigações para que a verdade fosse apurada. Este mesmo Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai, ainda hoje, desenvolver uma iniciativa no sentido de o Tribunal de Contas exercer uma fiscalização sobre as contas da Fundação de que temos estado a falar.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - De todas as fundações!

O Orador: - Há aqui uma preocupação absoluta em alcançar a verdade e isso é que me parece fundamental.
De resto, Srs. Deputados, isso tem caracterizado, desde o primeiro dia, o comportamento do Eng.º António Guterres enquanto Primeiro-Ministro deste país e isso ficou, uma vez mais, aqui salientado. E é isso o que me parece ser de realçar. Não apenas os princípios fundadores da República estão acautelados, mas também um elevado padrão de exigência em matéria de comportamento pessoal, um correcto exercício da autoridade, porque a verdadeira autoridade é aquela que se exerce em função de convicções, em função de valores e não em função da satisfação momentânea de interesses ligados à pura salvaguarda da sua própria imagem.
O Sr. Primeiro-Ministro disse - e muito bem - que, provavelmente, muitos dos que hoje o criticam estariam a enaltecê-lo se, porventura, ele tivesse demitido na praça pública, através de um processo de linchamento político sumário, alguns membros do Governo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Já o fez com o Fernando Gomes!

O Orador: - Às vezes, o exercício da autoridade pressupõe arrostar com alguma incompreensão, mas só quem age desta forma está em condições éticas de ser Primeiro-Ministro do nosso país.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Queria só uma tolerância de meio minuto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Meio minuto é muito, Sr. Deputado.

O Orador: - Então, de 20 segundos.

O Sr. Presidente: - Termine então, Sr. Deputado.

O Orador: - Quero também, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, dizer que tenho absoluta confiança, do ponto de vista ético e da fidelidade ao interesse público, na acção prosseguida pelo Sr. Ministro Armando Vara e pelo Sr. Secretário de Estado, Luís Patrão.

Aplausos do PS.

Conheço-os o suficiente e conheço - conhecemos todos - os percursos cívico e político que fazem desde há muitos anos, para ter a noção de que …

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado. Já lá vão 45 segundos.

O Orador: - … agiram sempre em consonância com o que pensaram ser a salvaguarda do interesse público.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Capucho pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Capucho (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - A questão é a seguinte: o Sr. Presidente viu, como todos nós, o Dr. Francisco Assis falar voltado para a nossa bancada e acusar-nos de estarmos a promover um linchamento com um julgamento popular.

Protestos do PS.

Ora, em condições análogas, há bem pouco tempo, vi, da parte de V. Ex.ª, a reprovação clara desta insinuação, quando o que estava em causa não era, manifestamente, nem um julgamento nem um linchamento, era, sim, a nossa total e absoluta legitimidade para proceder a uma inquirição parlamentar…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço, se é uma interpelação, que faça o favor de dizer qual é a matéria da ordem de trabalhos.

O Orador: - É muito simples, Sr. Presidente, a matéria é esta: V. Ex.ª, exactamente a propósito de uma acusação similar, ou seja, de que estava em causa um linchamento popular, chamou a atenção para o facto de ser perfeitamente legítimo aos grupos parlamentares e aos Deputados promoverem inquirições parlamentares, inquirições políticas, sempre que tivessem dúvidas sobre a legitimidade dos actos do Governo.

O Sr. José Penedos (PS): - Não foi nada disso!…

O Sr. Presidente: - Isso não está em causa, Sr. Deputado. É evidente que esse direito existe e nem era preciso eu afirmá-lo. Ele está nos textos!
Agora, não me parece que a afirmação do Sr. Deputado lhe tenha ofendido a honra, porque o Sr. Deputado não alegou o direito de defesa da honra. De maneira que, parece-me, a Mesa não pode fazer mais nada, para além de ter dado ao Sr. Deputado a palavra.
Se o Sr. Primeiro-Ministro quiser usar da palavra para responder ao Sr. Deputado Francisco de Assis, faça o favor.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, quero apenas agradecer a manifestação de confiança do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e do seu líder e dizer que há momentos na vida em que sabe bem ouvir palavras que sentimos que nos fazem justiça.
Muito obrigado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, quero colocar duas questões prévias.
Primeiro ponto prévio: começando por aquilo que já referiu o meu camarada Carlos Carvalhas, o problema que está aqui colocado não é o do património de seriedade de

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uma vida inteira do Eng.º António Guterres. Mas também gostaria de dizer que não nos preocupa se os últimos acontecimentos estão inseridos em qualquer processo de vinganças mesquinhas ou não mesquinhas! Também isso está arredado daqui.
Segundo ponto prévio: o Sr. Primeiro-Ministro pode estar profundamente indignado (eu acredito que esteja, não pomos isso em causa), o Sr. Primeiro-Ministro pode dizer que nos fala aqui com uma revolta contida (certamente di-lo com toda a seriedade e honestidade), mas terá de concordar connosco que essa indignação e essa revolta não podem ser para com quem suscita as questões políticas que estão por trás de todo este processo.

Aplausos do PCP.

Sr. Primeiro-Ministro, como já foi referenciado pela nossa bancada, o que se coloca aqui é um problema de responsabilidade política e institucional do Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro não pode ficar à espera de investigações para investigar coisas que não têm de se investigadas, porque estão demonstradas e comprovadas!
Sr. Primeiro-Ministro, o senhor não precisa que se faça uma investigação para saber que há uma fundação, esta de que estamos a tratar, que foi criada sem ter património,…

Vozes do PSD: - É ilegal!

O Orador: - … porque só posteriormente lhe foi carreado um património que saiu dos dinheiros públicos!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Recebeu o «cacau»!

O Orador: - V. Ex.ª não precisa de investigar para saber, porque isso é verdade, está comprovado e está reafirmado, que esta Fundação foi criada como um instrumento para subverter as regras de funcionamento do Estado, para se furtar ao processo de controlo da despesa pública!
O Sr. Primeiro-Ministro não precisa mandar fazer qualquer investigação para saber que a Fundação foi criada num processo de privatização de funções que competem ao Ministério da Administração Interna!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro referiu aqui há pouco: «Pelos vistos, os Srs. Deputados sabem mais do que eu». Essa é uma questão que não precisa de ser investigada, Sr. Primeiro-Ministro! Há pouco V. Ex.ª comprovou-o aqui!
Aliás, entre outras questões que já aqui foram suscitadas, do ponto de vista da responsabilidade política e da acção política que o Primeiro-Ministro, enquanto tal, com a responsabilidade ministerial que tem, deve assumir ou não, no mínimo V. Ex.ª sabe, por tudo aquilo que já apareceu, que lhe tem estado a ser sonegada informação por membros do seu governo anterior e por membros deste Governo!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - Aliás, aos Ministros da Administração Interna, Fernando Gomes e Nuno Severiano Teixeira, foi sonegada informação sobre a existência desta Fundação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é óbvio!

O Orador: - Ao actual Secretário de Estado foi sonegada informação, quando assumiu o cargo, sobre a existência desta Fundação. Isto não tem nada a ver com investigações, Sr. Primeiro-Ministro! Como é que V. Ex.ª pode permitir…

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente.
Dizia eu, como é que V. Ex.ª pode permitir que haja membros do seu Governo que soneguem informação, a si e aos ministros e secretários de Estado que foram substituí-los?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente e Sr. Deputado Octávio Teixeira, há duas questões completamente diferentes e uma delas é de filosofia geral de actuação do Estado, que, em muitos domínios, pode e deve actuar em parceria com entidades privadas e nomeadamente com fundações. Cito, por exemplo, a Prevenção Rodoviária Portuguesa, que tem 30 anos e que há 30 anos actua em parceria com o Estado, sem que nunca alguém tivessem levantado qualquer espécie de dificuldade em relação a isso.

O Sr. António Filipe (PCP): - Mas não há lá assessores do Secretário do Estado!

O Orador: - E aí há uma questão de filosofia essencial: ou admitimos ou não admitimos que pode haver o exercício de um conjunto de funções que pertencem ao Estado e que este delega em entidades privadas, nomeadamente em fundações, por razões de eficácia. Ora, eu sou defensor desse princípio e da sua racionalização e por isso o Governo vai apresentar legislação nessa matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A outra questão tem a ver com factos que o Sr. Deputado aqui lançou, uns atrás dos outros. Em relação a isso, quero dizer-lhe que não pretendo sequer que os membros do meu Governo me mandem informação sobre detalhes deste processo. Neste momento, o que pretendo é que eles mandem todas as informações sobre todos os detalhes deste processo às entidades independentes, cujo juízo quero conhecer para, sobre esse juízo, emitir o meu juízo político fundamentado.
É isso o que, para mim, está em causa e é evidente que se dessa investigação decorrer a tese de que houve quem sonegasse informação propositadamente, com o objectivo de distorcer a verdade e prejudicar os interesses do Estado, é óbvio que esse é um tipo de acção que merecerá não só reprovação da minha parte como dele se tirarão todas as consequências políticas. Venham da parte das

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entidades independentes as provas desse facto e eu cá estarei para agir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, uma pergunta, de forma muito directa e muito breve: por que é que, sabendo o Sr. Primeiro-Ministro desta história há, pelo menos, sete meses, dela não avisou sequer o Sr. Ministro da Administração quando o convidou para fazer parte do Governo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado, por uma razão muito simples: eu não sabia desta história, como o Sr. Deputado diz.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não sabe de nada!

O Orador: - Foi-me dito, pelo Sr. Ministro Fernando Gomes, num dado momento, que tinha um conjunto de preocupações em relação a uma determinada fundação e foi-me testemunhado, com ênfase, pelo então Sr. Secretário de Estado Adjunto, Armando Vara, que podia estar sossegado porque ele tinha a consciência tranquila. E, mais: que podiam ser feitas todas as investigações que ele não tinha qualquer receio acerca delas.
Devo dizer-lhe que fiquei tranquilo quanto ao assunto, nunca mais, sequer, pensei nele e foi com surpresa que vi o Sr. Ministro da Administração Interna colocar-me de novo o problema, na sequência de notícias surgidas nos jornais. Foi com surpresa, pois, devo dizer-lhe, não pensava que o problema existisse de facto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao período das intervenções.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro quer formular mais um pedido de esclarecimento em relação à intervenção inicial?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, não me parece que seja possível dois pedidos feitos pelo mesmo Deputado. Ficou entendido que cada grupo parlamentar podia inscrever-se para mais do que um pedido de esclarecimento, mas o mesmo Deputado parece-me que não.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado pela sua compreensão, Sr.ª Deputada.
Passando às intervenções, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate correu-lhe mal, Sr. Eng.º António Guterres.

Vozes do PS: - Olhe que não!

O Orador: - E disso são possíveis três provas muito simples: V. Ex.ª, na sua intervenção inicial, não informou a Câmara - só o fez quando solicitado por uma pergunta minha - que o Dr. Fernando Gomes já não seria embaixador na OCDE.
O Sr. Primeiro-Ministro tem uma enorme dificuldade em dizer «não» e tenta sempre evitar o conflito até ao fim. Podia ter então dito:…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Isso queriam vocês!…

O Orador: - … «Fernando Gomes já não vai ser embaixador na OCDE». Mas teve de ser a oposição a perguntar-lhe para V. Ex.ª informar a Câmara.
Segundo elemento para comprovar esta minha tese: V. Ex.ª ainda hoje está longe de saber tudo sobre a Fundação para Prevenção e Segurança, como aqui ficou demonstrado quanto ao último financiamento público que recebeu.
Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, num momento muito infeliz, V. Ex.ª disse esta coisa extraordinária: «Não peçam demissões de um ministro ou de um secretário de Estado por 234 contos.» Como se houvesse, para a responsabilidade política, uma tabela de contos de réis para uma pessoa ficar ou ir embora, Sr. Primeiro-Ministro!

Aplausos do CDS-PP.

Ou se tem uma ética de responsabilidade política ou não se tem, e isso é indiferente com um escudo, um milhão de escudos ou um bilião de contos.
Sr. Primeiro-Ministro, creio que vai daqui para uma audiência com o Sr. Presidente da República. Daqui interpelo-o, em nome do nosso eleitorado e do nosso entendimento do que é a dignidade do Estado e das suas instituições, para que diga ao Chefe do Estado para fazer aquilo que o senhor se recusa a fazer. A única saída eticamente credível para esta crise é demitir o Ministro Armando Vara e o Secretário de Estado Luís Patrão e, em nosso entendimento, ter a coragem de trazer a esta Câmara uma moção de confiança, como passarei a demonstrar.

Aplausos do CDS-PP.

Há, Sr. Primeiro-Ministro, sete razões para demitir o Ministro Armando Vara.
Primeiro: é certo e sabido que autorizou a constituição de uma fundação privada com dinheiros exclusivamente públicos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É verdade!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É certo e sabido algo de mais grave: que a transferência de recursos públicos para essa Fundação foi feita quando ela legalmente ainda não existia.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - Isso é eticamente reprovável, politicamente inaceitável!

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - E juridicamente ilegal!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Ministro Armando Vara autorizou, conscientemente, uma Fundação que escapa ao controlo prévio da contabilidade pública e, até - porque, como hoje já se sabe, não remete os respectivos relatórios -, ao controlo prévio ou sucessivo do Tribunal de Contas.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Isto está demonstrado e isto é ilegal, Sr. Primeiro-Ministro! Não precisa de mais nenhuma demonstração.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, o Sr. Ministro Armando Vara permitiu que uma Fundação, que, aparentemente, não parece ter sido mais do que uma «caixa postal», gastasse centenas de milhares de contos do erário público, pagos pelo contribuinte, para um tipo de actividade que, como é evidente, podia e devia ser feito por instituições reconhecidas do respectivo Ministério e do seu Governo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Primeiro-Ministro, fê-lo ainda com a gravidade de não recorrer a concursos públicos.
O Sr. Primeiro-Ministro tem um discurso sobre as transparência, pelo que não pode ser conivente com uma fundação privada que usa dinheiros públicos para escapar às regras dos concursos públicos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, é sabido que, tendo o Ministro Armando Vara dito no Parlamento que não sabia exactamente a origem do financiamento à Fundação, foi o Sr. Ministro Armando Vara que, em 25 ou 26 de Maio de 1999, autorizou, por despacho dele próprio, a transferência desses fundos, através de verbas destinadas aos fogos florestais. Mas não se lembrava quando veio aqui depor...
Depois, Sr. Primeiro-Ministro, é certo e seguro que o gabinete do Ministro Armando Vara tem vários membros em situação de absoluta e radical incompatibilidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E não é só ele!

O Orador: - Não é preciso nenhum parecer para lho demonstrar. A lei diz que os titulares dos gabinetes dos membros do Governo não podem ter funções executivas em pessoas colectivas que celebrem contratos com o Estado, Sr. Primeiro-Ministro, e estão três membros do gabinete do Ministro Armando Vara a administrar uma fundação que recebe financiamentos do Estado. A isto chama-se incompatibilidade, Sr. Primeiro-Ministro!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Em sexto lugar, Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro Armando Vara sabe que um membro do seu gabinete está em manifesto conflito de interesses, porque foi a pessoa que veio a autorizar e a favorecer, no sentido de dizer juridicamente «está bem», uma proposta de concessão de um financiamento de dezenas de milhares de contos à Fundação, sendo, ao mesmo tempo, administradora da Fundação e movimentando a conta da Fundação.
Sr. Primeiro-Ministro, a isto chama-se conflito de interesses! Não é preciso nenhum parecer para o demonstrar e ou o senhor considera isto grave, do ponto de vista da responsabilidade política, ou não considera grave, Sr. Primeiro-Ministro.
Finalmente, em sétimo lugar, o hoje Ministro Armando Vara não terá dito ao seu anterior Ministro, à pessoa que tinha a tutela do Ministério, o que se passava com a Fundação para a Prevenção e Segurança, porque, de acordo com o acervo de declarações que têm vindo a ser feitas, o Dr. Jorge Coelho não sabia - diz ele, hoje - o que se estava a passar. Se não sabia foi porque o Sr. Secretário de Estado Armando Vara não lho disse!
Há sempre este problema neste seu Governo: é o Secretário de Estado que não diz ao Ministro, é o Ministro que não diz ao Primeiro-Ministro, é o Primeiro-Ministro que não diz ao Ministro… Sr. Primeiro-Ministro, por amor de Deus, entendam-se quanto a graus de responsabilidade política!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Secretário de Estado Luís Patrão, em primeiro lugar, foi ele quem autorizou o conflito de interesses de uma pessoa da administração do Governo, que, por um lado, autoriza, por outro, recebe e, por outro ainda, movimenta a conta. Isso é conflito de interesses em qualquer parte do mundo. O Sr. Secretário de Estado Luís Patrão sabe-o e, se tivesse responsabilidade política, não punha o lugar à disposição, saía.
Em segundo lugar, o Sr. Secretário de Estado Luís Patrão não avisou o Ministro Severiano Teixeira. Não foi só o Sr. Primeiro-Ministro que não avisou, foi o Secretário de Estado Luís Patrão que também não avisou, e não pode invocar desconhecimento.
Em terceiro lugar - e isso foi descoberto ontem na Comissão -, Sr. Primeiro-Ministro, como é que é possível manter-se no Governo um Secretário de Estado que diz que recebeu uma ordem do Ministro Fernando Gomes para não mais financiar a Fundação e é conivente com um processo indirecto de financiamento à Fundação, meses depois, através da Prevenção Rodoviária Portuguesa? Sr. Primeiro-Ministro, como é que é possível manter-se no Governo uma pessoa que recebe uma ordem do Ministro para suspender pagamentos e, depois, sem o Ministro saber, arranja uma maneira indirecta de financiar a Fundação? Sr. Primeiro-Ministro, isto não pode ser,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - São umas atrás das outras!

O Orador: - ... tenha sido ou não seu chefe de gabinete, seja ou não seu amigo pessoal! A questão não é pessoal, é do Estado, é de ética do Estado, é de ética da responsabilidade política, Sr. Primeiro-Ministro!
Termino, dizendo-lhe por que é que considero que o Sr. Primeiro-Ministro deve apresentar a esta Câmara uma moção de confiança e deve demitir o Ministro Armando Vara: porque isto é mais do que suficiente.

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E deixe-me dizer-lhe o seguinte: não venha, com um ar de vítima - como se fosse vítima da oposição, em vez de ser vítima do seu partido, que é aquilo que é -,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … dizer «eu não ofereço a cabeça quando me pedem». Já disse o mesmo em Esposende: «eu não dou a cabeça do Sr. Ministro numa bandeja». Um mês depois, lá estava a bandeja e a cabeça do Sr. Ministro!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, estas demissões ao ralenti significam que o senhor acaba sempre obrigado a fazer aquilo que o País exige,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … não por sua vontade, mas por pressão! Esse é que é o erro e daqui a um mês, se calhar, está aqui a dizer que tinha de demitir o Ministro Vara e o Secretário de Estado Luís Patrão. Faça-o por sua vontade, faça-o por um conceito de responsabilidade política, não o faça por pressão da opinião pública!

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, lembro-lhe aquele acordo simpático, na conferência de líderes, de que me concediam 2 minutos.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado Paulo Portas. Na verdade, houve um acordo implícito do Grupo Parlamentar do Partido Socialista em transferir 2 minutos para o seu grupo parlamentar.
Suponho que esse acordo está de pé, ou não?

Vozes do PS: - Não, não está!

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado Paulo Portas, a Mesa dá-lhe esses 2 minutos. Faça favor.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem, Sr. Presidente!

O Orador: - Muito obrigado pelo cumprimento da sua palavra, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-Ministro, o senhor, nesta matéria, teve, pelo menos, um comportamento negligente, porque não se interessou o suficiente nem mandou investigar a tempo, e teve um comportamento irresponsável, porque não avisou o novo Ministro daquilo que o anterior Ministro o tinha avisado.
O Sr. Primeiro-Ministro tem, como lhe demonstrei há pouco por esta sucessão de factos dos últimos 10 dias, um Governo a decompor-se, onde ninguém se entende com ninguém, onde há querelas e ódios. Fala-se em vinganças, ultimatos públicos…
Sr. Primeiro-Ministro, só lhe faço uma pergunta: o senhor considera que o País aguenta três anos nisto? O senhor quer ir de crise em crise, de desconfiança em desconfiança, de problema em problema, até ter uma saída menos digna para a história? Tenha a coragem de pôr aqui uma moção de confiança, de saber se tem a confiança da Câmara e, não a tendo, porque o seu partido tem problemas, então saia, Sr. Primeiro-Ministro!

Aplausos do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Francisco de Assis lembrou-me, e com razão, que não chegou a haver acordo para concessão dos 2 minutos pelo grupo parlamentar, de modo que a minha intenção ficou cumprida através de 2 minutos que a Mesa concedeu ao Sr. Deputado Paulo Portas.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Pela segunda vez, tenho de dar ao Sr. Primeiro-Ministro uma informação e corrigir o que ele disse há pouco, primeiro em relação aos financiamentos e, agora, em relação a uma lei de que ele próprio é o autor, visto que é uma lei do seu Governo.
O Sr. Primeiro-Ministro já hoje disse, por duas vezes, que, se o Governo estivesse de má fé, não teria usado as fundações, mas as associações, porque aí não há controlo do Tribunal de Contas. O Sr. Primeiro-Ministro não conhece a lei de que é autor.
É a Lei n.º 98/97, de 27 de Agosto, Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, que, no artigo 2.º, depois de referir as fundações no seu n.º 2, diz no n.º 3: «estão também sujeitas ao controlo do Tribunal de Contas as entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos ou sejam beneficiárias, a qualquer título, de dinheiros ou outros valores públicos, na medida necessária à fiscalização da legalidade, regularidade e correcção económica e financeira da aplicação dos mesmos dinheiros e valores públicos».
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, embora V. Ex.ª não seja jurista, era suposto ter juristas no Governo que lhe dessem informação acerca das próprias leis que V. Ex.ª assinou.

Aplausos do PSD.

Sr. Primeiro-Ministro, vamos, agora, aos factos.
Um membro do seu Governo teve a brilhante ideia de ultrapassar essa maçada que são as regras de transparência e equidade na gestão dos dinheiros públicos e pôs-se a imaginar qual a melhor forma de tornear a lei. Agarrou nos adjuntos e assessores do seu gabinete e com eles criou uma fundação de natureza privada, para a qual determinou que todos os serviços do seu Ministério transferissem verbas do Orçamento do Estado. Ao que se sabe, 400 000 contos, até à data. Não são apenas 234 contos, mas ainda que fossem 234 contos, o problema punha-se, de qualquer forma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como não havia nenhum património próprio nem nenhum deles era benemérito da causa pública, foram os próprios serviços de Estado que avançaram as verbas com que os fundadores fundaram a Fundação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Coisa gira!

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O Orador: - A fundação não se destinava a outra coisa que não à realização de tarefas que cabem aos serviços do Estado, só que sem a tal maçada de concursos e de prestação de contas. Decidiam os tais assessores e adjuntos o que era preciso gastar, pediam-no a si próprios, agora, na qualidade de membros dos gabinetes, escolhiam, a seu critério, as empresas melhor posicionadas para serem contratadas e avançavam com os seus programas. Fartar vilanagem é a regra deste Governo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Programas que iam desde campanhas contra a sinistralidade nas estradas portuguesas até à realização de concertos rock, com verba para distribuição de t-shirts e bonés, 40 000 contos, e também ao pagamento de cartões de Boas Festas para o gabinete do Secretário de Estado, apenas, como diz o Sr. Primeiro-Ministro, 234 contos.
Houve um momento em que o senhor, como chefe do Governo, soube desta Fundação e de eventuais irregularidades. Não me interessa, Sr. Primeiro-Ministro, se foi há nove meses, há nove dias ou há nove horas. O que pergunto é como é que o senhor não pôs fim a esta promiscuidade política no próprio momento e não demitiu de imediato os membros do Governo envolvidos.

Aplausos do PSD.

A verdade é que hoje - se é que não teve antes -, depois desta sessão, o Sr. Primeiro-Ministro tem a informação mais do que suficiente para actuar, mas não actua. Escuda-se no apuramento de pretensas confirmações de violação da lei para não assumir, sem subterfúgios, a responsabilidade política por esses actos do Governo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, mais uma vez tenho de lhe explicar qual é a função do Primeiro-Ministro?

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - O Primeiro-Ministro não é um árbitro, o Primeiro-Ministro não é um juiz da legalidade da administração, é, sim, o responsável político pelas orientações e pelos actos - todos os actos - do Governo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E a questão que aqui se coloca, Sr. Primeiro-Ministro, é a sua incapacidade para assumir, na plenitude, a responsabilidade política que os portugueses lhe confiaram.

Aplausos do PSD.

Os actos e as orientações podem não ter sido seus, Sr. Primeiro-Ministro, mas se o senhor não os faz cessar de imediato, o senhor assume também a responsabilidade pela sua prática. E não vale a pena vir aqui, mais uma vez, como é estratégia recorrente, vestir a pele do ofendido, do indignado, da vítima.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Do triste!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, o senhor está indignado, mas indignados devem estar os contribuintes com o destino que os senhores estão a dar ao dinheiro deles!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Indignados estamos nós, pela forma como o Sr. Primeiro-Ministro está a governar, ou a desgovernar, Portugal!

Aplausos do PSD.

O senhor só é vítima deste caso na exacta medida em que, conhecendo o caso e devendo actuar, se abstém, adia uma decisão e tenta passar para outras entidades a responsabilidade de lhe pôr termo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, não podem haver razões de amizade ou de solidariedade política ou partidária que se entreponham entre um chefe de Governo e a intransigente defesa da legalidade, da transparência e da equidade na utilização dos dinheiros dos contribuintes. Demitindo-se de ser o primeiro guardião desta exigência é demitir-se de da plenitude das funções de Primeiro-Ministro.
Temos, hoje, em Portugal, um Primeiro-Ministro que não sabe o que se passa no seu Governo; um Primeiro-Ministro que não conhece as leis que ele próprio assinou; um Primeiro-Ministro que não assume a responsabilidade política plena nas funções em que está investido.
Temos, pois, um problema que, para além das questões de legalidade, é um problema de ética e de responsabilidade política. Temos, pois, aqui em causa, directamente, Sr. Primeiro-Ministro, a sua responsabilidade política.
Não pode V. Ex.ª, nem o partido que o apoia, procurar condicionar o que é um direito legítimo da oposição, que é o de chamá-lo à responsabilidade.
A este propósito, também chamo à responsabilidade o Sr. Presidente da República. Não acredito que, a partir de hoje à noite, o Sr. Ministro Armando Vara continue membro do Governo de V. Ex.ª…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - Essa situação é intolerável de um ponto de vista democrático!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Creio que, depois de se ter ouvido a voz e a palavra honrada do Primeiro-Ministro, que já foi eleito duas vezes, seria bom reduzir esta questão, passá-la de barganha política para as proporções que deve ter.
Creio, aliás, Srs. Deputados, que estamos a um passo de comprometer um importante movimento que, de facto, carece de alterações, como foi dito pelo Sr. Primeiro-Ministro, que é o movimento fundacional.
Há centenas de fundações no nosso país e muitas delas com aspectos extremamente relevantes…

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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Todas integrando membros do Governo?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - E assessores?

O Orador: - Algumas, também!

Risos do PSD.

O Orador: - A verdade é que as fundações de direito privado, como esta Fundação para a Prevenção e Segurança, segundo os Srs. Deputados sabem e já foi exaustivamente discutido na 1.ª Comissão, durante horas e horas, são, pelo efeito da Lei n.º 98/97, controladas pelo Tribunal de Contas. Isto é, não há nenhuma fuga às responsabilidades, porque, embora nós próprios possamos requerê-lo, o Tribunal de Contas, ex oficio, controla, de facto, as fundações privadas.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não controlou!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não apresentaram contas!

O Orador: - Não é verdade! Está na lei e posso lê-lo, Sr. Deputado!
É verdade que, noutras situações e em relação a associações tipicamente privadas, como é, por exemplo, o caso da Prevenção Rodoviária Portuguesa… Mas eu não queria entrar por aí… Os Srs. Deputados da 1.ª Comissão sabem que, até hoje, eu não enveredei por essa linha!
No entanto, quando aqui se vem dizer «é fartar vilanagem!», quando se vem pôr a questão de 234 contos…

Vozes do PSD: - São 400 000 contos!

O Orador: - Oiçam, Srs. Deputados do PSD! Trata-se de cartões de boas festas da Prevenção Rodoviária Portuguesa, cuja temática é a prevenção rodoviária, e o Gabinete do Sr. Secretário de Estado fez muito bem em também ter esses cartões para poder enviá-los! É temática sobre prevenção rodoviária! Não confundam as coisas!

Protestos do PSD.

O Sr. Deputado Durão Barroso também tripudia sobre a verdade, pisoteia a honra das pessoas quando ignora ou, pelo menos, procura dizer que o protocolo no valor de 50 000 contos, celebrado em Setembro, entre a Prevenção Rodoviária Portuguesa, associação privada, e a Fundação para a Prevenção e Segurança, fundação privada - trata-se de duas entidades privadas! -,…

O Sr. António Filipe (PCP): - São dinheiros públicos!

O Orador: - … teve alguma intervenção do Secretário de Estado. Não teve!

Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.

Não teve!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não entrem em diálogo directo! Peço-vos um pouco mais de comedimento nas vossas expansões!

O Orador: - Como ontem foi dito por um homem sério, que é o Sr. General Tomé Falcão, a verdade é que esse dinheiro veio da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Ah!

O Orador: - Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, é melhor ouvir com atenção!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tinha-vos pedido o favor de deixarem ouvir quem está no uso da palavra, para que possam beneficiar do mesmo privilégio! Os Srs. Deputados não estão a fazer caso do que vos digo, pelo que só há uma maneira de resolver a questão, que é interromper a sessão para «pôr alguma água na fervura»! Os senhores estão muito excitados! Há aqui uma excitação quase colérica! Serenemos os ânimos!
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Espero que estas interrupções não sejam levadas em conta na contagem do meu tempo.
Eu compreendo que isto é duro…

Risos do PSD.

Nunca tinha usado o que vou dizer, mas sou obrigado a fazê-lo agora.
Em 1994, foi feita uma auditoria, pelo Tribunal de Contas, à Direcção-Geral de Viação sobre a Prevenção Rodoviária Portuguesa, cujo relatório tenho comigo e que vou entregar na Mesa…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E então?!

O Orador: - Nas conclusões deste relatório, diz-se que «(…) parece mais que estamos perante um expediente que visa, fundamentalmente, afastar a aplicação, à Direcção-Geral de Viação, do regime das despesas da contratação pública relativamente a bens e serviços que são adquiridos directamente por aquela direcção-geral e não poderiam eximir-se ao regime do Decreto-Lei n.º 55/95 (…)». Isto a propósito da transferência de verbas para a Prevenção Rodoviária Portuguesa!

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - E então?!

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, relativamente a estas matérias, e a título de mero exemplo, gostava de perguntar-vos quem é que quis transformar o Teatro Nacional de S. Carlos numa fundação privada,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas por decreto-lei!

O Orador: - … extinguindo a anterior empresa pública.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E então?!

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O Orador: - Sr.ª Deputada,…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não é possível continuarem nesse quase desespero colérico!

O Orador: - Sr.ª Deputada, para falar com franqueza, nunca a tinha visto tão enervada!
Olhe, Sr.ª Deputada, também posso dizer-lhe que o mesmo sucedeu em relação à Companhia Nacional de Bailado,…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Exactamente! E então?!

O Orador: - … que os senhores pretenderam integrar numa associação privada que dominaria o Instituto Português do Bailado e da Dança. Isto só para lhe dar dois exemplos escolhidos a eito, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E então?! Continue, continue!

O Orador: - A situação é a seguinte: há, de facto, na Administração Pública, ineficiências que, por vezes, implicam a necessidade de encontrar critérios de eficácia. Foi essa boa intenção que presidiu, de facto, aos desígnios do actual Ministro Armando Vara e que, na realidade, resolveu muitos problemas.
A verdade é que, até hoje, Srs. Deputados, mesmo em sede de comissão e esmiuçando tudo, ninguém conseguiu dizer que haja algum administrador que tenha recebido vencimentos, que haja algum gasto indevido, que haja qualquer locupletamento de dinheiros públicos. Não! O que há é prevenção rodoviária nas estradas! Há pancartas, há campanhas, há um fim público!
Se me perguntarem: «poderá ter havido alguma irregularidade?» Pode, mas não as que os senhores dizem!

Risos do PSD.

A Fundação…

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais uma vez, peço serenidade!

O Orador: - A Fundação foi regularmente constituída, é uma fundação de direito privado, com dotação antes do reconhecimento notarial. De facto, adquire personalidade jurídica em Julho, mas já antes existia. Isso é verdade, completamente verdade. É irregular? Ninguém tem dúvidas quanto a isso e, seguramente, vamos ser comprovados pelos pareceres da Procuradoria-Geral da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém tenha dúvidas quanto a isso!
E mesmo em relação aos assessores, quero dizer a VV.Ex.as que, aí, pode haver uma hipotética irregularidade,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Hipotética?!

O Orador: - … mas apenas por um lapso! É que se o Secretário de Estado tivesse feito um despacho de autorização, ninguém tenha dúvidas que não haveria problema!
Ora, voltemos ao caso da Prevenção Rodoviária, em 1994, aos assessores e adjuntos do então Secretário de Estado, Carlos Loureiro, que, aliás, negociou directamente com a Edinfor, empresa a cujos quadros pertencia e pertence… Isso, sim, são coisas graves!
Termino, dizendo apenas que, tal como considerámos até hoje, na comissão, pensamos que o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro da Administração Interna fizeram muito bem em ter ordenado que se apurasse a verdade até às últimas consequências.
No entanto, enquanto não nos demonstrarem que há irregularidades ou erros graves, que ninguém condene, que ninguém abdique da presunção de inocência de homens honrados, como o Ministro Armando Vara e o Secretário de Estado Luís Patrão.
Assim, Sr. Primeiro-Ministro, reiterando o que já disse o presidente do meu grupo parlamentar, queremos manifestar-lhe a máxima solidariedade política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de continuarmos, anuncio à Câmara que se encontram a assistir aos nossos trabalhos 50 alunos da Escola Básica 2+3 da Quinta do Lombo, do Barreiro, um grupo de 70 alunos da Escola Secundária n.º 3 dos Olivais, de Lisboa, um grupo de 32 pescadores e armadores do concelho de Lagos, bem como alguns cidadãos.
Saudêmo-los a todos, carinhosamente.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta intervenção, vou limitar-me a referir factos. Não são imputações, não são juízos de intenções sobre ninguém, são factos. E desafio seja quem for - os Srs. Deputados do Partido Socialista ou seja quem for! - a desmentir os factos que vou referir.
Em primeiro lugar, a Fundação para a Prevenção e Segurança foi criada por escritura pública em 5 de Maio de 1999, tendo como outorgantes pessoas da confiança pessoal e política do então Secretário de Estado da Administração Interna, Armando Vara,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - … concretamente, o Sr. Major-General Tomé Falcão, o Dr. João Alberto Borges e a Dr.ª Carla Portela, todos assessores do Gabinete do Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - Da escritura, de 5 de Maio, consta a existência de uma dotação inicial de 10 000 contos…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não consta da escritura!

O Orador: - Sr. Deputado, está na escritura!

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade!

O Orador: - … que, hoje, sabemos que não existiam nessa altura…

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agora, é o contrário: pedi para o senhor ser ouvido, portanto, agora, tenha paciência, deixe ouvir quem está no uso da palavra!

O Orador: - Só em 26 de Maio, 20 dias depois, é que o então Secretário de Estado Armando Vara autorizou a celebração de um protocolo entre a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais e a Fundação, permitindo a transferência daquela verba de 10 000 contos, que chegaram à Fundação em 29 de Junho, através de um cheque emitido pelo Serviço Nacional de Bombeiros.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Aliás, a cópia do protocolo foi enviada à Assembleia, mas nem sequer tem data.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - A Fundação foi reconhecida, em 1 de Julho de 1999, por portaria do Secretário de Estado Luís Parreirão, que tinha essa competência delegada.
Esse reconhecimento foi feito com base num parecer dos serviços que ignora em absoluto o facto de a Fundação não dispor de património próprio, o que é um pressuposto essencial para a constituição e o reconhecimento de uma fundação.

Vozes do PSD: - É verdade!

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

O Orador: - Fica, assim, claro que a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais transferiu dinheiro para a Fundação antes mesmo de esta última ter adquirido personalidade jurídica através do reconhecimento.
Aliás, ainda antes desse reconhecimento, o então Secretário de Estado Armando Vara homologou um conjunto de protocolos entre vários serviços do MAI (Ministério da Administração Interna) e a Fundação, através dos quais aquela entidade procedeu à transferência de avultados recursos públicos, em dinheiro e em património, para esta última, que, por sua vez, celebrou os mais diversos contratos com diversas empresas, sem querer saber de concursos ou de quaisquer regras de contabilidade pública.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Em 14 de Junho de 1999, o então Secretário de Estado homologou um protocolo mediante o qual a Direcção-Geral de Viação se comprometeu a financiar acções levadas a efeito pela Fundação, a programar e a aprovar posteriormente, e sem referência a montantes. Mas, nesse mesmo dia, o Secretário de Estado determinou a transferência de 8000 contos para a Fundação.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Em 24 de Junho, 10 dias depois, foi o Serviço Nacional de Protecção Civil que fez um protocolo mediante o qual transmitiu 3000 contos à Fundação, comprometendo-se a efectuar eventuais reforços e, no dia seguinte, há um protocolo adicional mediante o qual o mesmo serviço disponibiliza à Fundação uma viatura com motorista, protocolo este que, aliás, é renovado em Março de 2000, por mais 1 ano, e renovação esta que, portanto, está em vigor.
Em 28 de Junho, o Secretário de Estado Armando Vara autorizou a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais a pagar cerca de 40 000 contos para um concerto dos Delfins e dos Ritual Tejo, em Proença-a-Nova, organizado pela Fundação em nome da prevenção dos fogos florestais, e determinou, por despacho, que a Fundação passasse a receber 12% das transferência efectuadas pelo MAI com base nas receitas do Fundo de Garantia Automóvel.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Em 24 de Setembro, a GNR cedeu à Fundação as instalações do Forte de S. João da Cadaveira, para instalar o Centro de Documentação para a Prevenção e Segurança e comprometeu-se a realizar as obras. Em 22 de Outubro, já após as eleições legislativas, foi o ainda Secretário de Estado Armando Vara que homologou a cedência da Quinta de Santo António à Fundação, na Pontinha, pelo Governador Civil de Lisboa.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A título precário!

O Orador: - Em Dezembro de 1999, o já então Secretário de Estado Luís Patrão transferiu 70 000 contos do orçamento da Direcção-Geral de Viação para a Fundação e, a 13 de Março deste ano, procedeu a uma nova transferência de 60 000 contos com base num parecer dado pela Dr.ª Carla Portela, sua adjunta, que era uma das três pessoas com capacidade para movimentar os dinheiros da Fundação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também é verdade!

O Orador: - Aliás, incorrendo numa situação que, à face da lei, é rigorosamente incompatível.
Espantosamente, só em Abril ou Maio de 2000 é que o então Ministro Fernando Gomes teve conhecimento da existência da Fundação pela comunicação social. E, ao ter conhecimento, segundo nos informou, solicitou ao seu gabinete uma informação sobre as transferências efectuadas em Março último e sobre o protocolo relativo ao Forte de S. João da Cadaveira. Segundo disse também, tinha discordâncias sobre a forma de gestão pública adoptada, que considerou contrária à ética e à lei e, devido à falta de transparência provocada pelo facto de a decisão ter sido tomada com base num parecer de uma adjunta que pertencia à Fundação, decidiu suspender os financiamentos do MAI à Fundação para a Prevenção e Segurança.
O Sr. Primeiro-Ministro jura toda a transparência deste processo e, de facto, é caso para dizer que a Fundação era tão transparente, tão transparente, que nem os Ministros da Administração Interna deram por ela e só souberam que essa Fundação existia pelos jornais ou em despacho com a Direcção-Geral de Viação.

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Aplausos do PCP.

O então Sr. Ministro Fernando Gomes informou o Primeiro-Ministro e o Ministro Jorge Coelho da sua decisão, mas a Fundação continuou a funcionar imperturbavelmente. Se o Sr. Primeiro-Ministro não sabia antes de chegar a esta sessão, é bom que fique a saber que, em 21 de Julho desde ano, muito depois da decisão do Ministro Fernando Gomes em suspender os financiamentos à Fundação, o Secretário de Estado Luís Patrão determinou que as transferências do Fundo de Garantia Automóvel passassem a reverter para um Programa de Acções Comuns da Direcção-Geral de Viação e da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Para gerir esse Programa foi criada uma comissão presidida pelo Director-Geral de Viação. A Prevenção Rodoviária Portuguesa ficou como beneficiária dos fundos por decisão do Secretário de Estado - temos aqui o despacho publicado em Diário da República -, só que, posteriormente, foi a Prevenção Rodoviária Portuguesa que celebrou um protocolo com a Fundação, sendo esta a desenvolver as acções e a receber o dinheiro.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Deu a volta!

O Orador: - E assim, por portas travessas, a decisão do Ministro Fernando Gomes de suspender os financiamentos à Fundação foi contornada pelo Secretário de Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, com recurso a pessoas da sua confiança pessoal e política, é absolutamente claro que um membro do Governo forjou um expediente para permitir a gestão de recursos públicos por uma entidade privada, furtando-se ao cumprimento das regras que o Governo estabeleceu para si. Isto é absolutamente inequívoco.
Que mais é que o Sr. Primeiro Ministro precisa de saber para tirar as conclusões políticas que este escândalo impõe?

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Precisa de saber mais alguma coisa?
Perante os dados que são conhecidos e que estão documentalmente provados, o Sr. Primeiro Ministro não pode deixar de assumir as suas responsabilidades.
O Sr. Primeiro Ministro afirmou há tempos que Portugal não é uma «república das bananas». Tem agora a oportunidade de o demonstrar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de retomar uma questão subjacente neste debate político. Trata-se, efectivamente, de um debate político porque tem a ver com a responsabilidade política do Governo em fiscalizar e assegurar, com transparência, a forma como são gastos os dinheiros públicos, ou, dito de outro modo, os dinheiros dos contribuintes portugueses.
Foram aqui referidos factos cuja gravidade nos parece suficiente para que a sua leitura política seja feita. Há o financiamento ilegal de uma Fundação constituída sem o cumprimento dos requisitos legais, sem verba inicial e que é integrada por membros de um gabinete do Ministério. Há actividades que não são controladas. Ora, a pergunta que não posso deixar de fazer ao Sr. Primeiro-Ministro - já a fiz e, lamentavelmente, não obtive resposta - é se é tudo tão claro, se é tudo tão transparente, se é tudo tão bem intencionado, por que é que fiz um requerimento ao Governo sobre todas as fundações financiadas e precisamente esta é a única que não consta da resposta.

O Sr. António Capucho (PSD): - Essa é grave!

A Oradora: - A transparência tem um significado e a ausência desta Fundação, em nosso entendimento, não pode deixar de o ter também.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, resulta claro deste debate que o Sr. Primeiro-Ministro afastou a responsabilidade directa pelo desenvolvimento do caso da Fundação para a Prevenção e Segurança. No entanto, enfraqueceu politicamente o seu Governo.
Em primeiro lugar, deixa dois membros do Governo, o Sr. Ministro Armando Vara e o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Luís Patrão, a «arder em lume brando».

Risos.

Em segundo lugar, deixou aqui, neste debate, a imagem de que, numa série de questões que podem afectar a identidade, a coesão e a transparência dos actos do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro é o último a saber.
Deixa-nos também aqui uma indicação estranha: por um lado, admite que possam ter existido erros (espera investigações de identidades independentes) e, por outro, tenta, de algum modo, salvar a filosofia originária dos processos que estiveram na origem dos financiamentos a esta Fundação. Ou seja, diz-nos que vê com bons olhos parcerias com fundações para delegação de competências do Estado num conjunto de áreas e de actividades. É até interessante que seja exactamente neste debate e nesta circunstância que nos diz aqui que, brevemente, o Governo trará legislação sobre este tipo de procedimentos e de iniciativas.
Sr. Primeiro-Ministro, creio que enfraqueceu politicamente o seu Governo, e sobre aquilo que se passará, seguidamente, no Partido Socialista não é objecto de comentário neste debate. Talvez o mais importante seja daqui inferir que, neste momento, aos olhos do país, há uma descredibilização da prática do Governo do Partido Socialista.
De facto, a Fundação - e isso ficou bem provado - é um escândalo que contém irregularidades. Não é uma prá

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tica de boa gestão, e é isso que o País vê e começa a interrogar-se acerca deste caso e desta situação concreta.
O Sr. Primeiro-Ministro bem pode dizer que uma associação evitaria tudo isto. Sr. Primeiro-Ministro, «é pior a emenda que o soneto»! É exactamente o contrário do que as pessoas pensarão, isto é, querem obter a transparência e não uma explicação em que se evitaria aquilo a que, na gíria política, se chama o granel, mas que, na realidade, não evita aquilo que é a ética e a responsabilidade política de Estado.
Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de lhe dizer o seguinte: muitos portugueses esperaram que o Partido Socialista não repetisse práticas do tempo do governo do PSD, do chamado «Estado laranja», práticas que demonstraram utilização abusiva do aparelho de Estado. O Sr. Primeiro-Ministro teve a confiança maioritária dos portugueses exactamente porque muitos deles entendiam que era tempo de ultrapassar as práticas do consulado do governo de Cavaco Silva nesta matéria. Sr. Primeiro-Ministro, por este andar, cada vez mais, aos olhos da opinião pública, o Governo do PS está mais parecido com o antigo governo do PSD.

O Sr. António Capucho (PSD): - Se fosse assim, estava melhor!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, no final deste debate gostaria de sublinhar alguns pontos que me parecem decisivos.
Registo que ninguém quer pôr em causa a honorabilidade do Primeiro-Ministro ou, sequer, de qualquer membro do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Registo que hoje, aqui, ninguém fez qualquer acusação de corrupção ou de desvio de fundos para efeitos de benefício pessoal em relação a todo este processo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Registo, inclusivamente, que ninguém fez hoje, aqui, de forma global, coerente e sistemática, qualquer acusação de que os fundos utilizados o foram em detrimento do interesse público e não para um conjunto de acções que importava levar a efeito.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Isso não sabemos!

O Orador: - Mas se alguma coisa esta sessão parlamentar revela é a justeza dos pontos de vista do Governo.

Vozes do PSD: - Oh!

O Orador: - Por várias razões. Porque os partidos da oposição tiveram uma dupla lógica: a lógica de se apresentarem aqui com uma acusação de um tribunal, muitas vezes invocando como factos coisas que, minutos depois, era provado não serem correctas. O que demonstra que não é por acaso que há separação de poderes em Portugal, não é por acaso que a Assembleia da República é o órgão de fiscalização política do Governo e não é por acaso que é às magistraturas que compete investigar e julgar.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD, do PCP e de Os Verdes.

E se alguma iniciativa positiva teve hoje, aqui, a oposição - e houve uma que quero sublinhar, porque o Governo vai ter uma idêntica - foi no sentido de solicitar à Procuradoria-Geral da República uma investigação completa sobre os actos da Fundação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nesse aspecto estamos todos de acordo: «o seu a seu dono». Cada um faça o que deve fazer, porque a Assembleia faz mal quando pretende fazer o que não está na sua vocação, como hoje aqui foi provado. Até quando o Sr. Deputado Durão Barroso tenta, num momento de «aprendiz de feiticeiro», demonstrar que eu não sabia a legislação. É que há uma diferença fundamental: de acordo com a Lei n.º 14/96, de 20 de Abril, a Assembleia da República só tem o direito de exigir a fiscalização ao Tribunal de Contas se houver uma fundação; se houver uma associação, não tem esse direito. Essa é uma diferença essencial.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não é verdade! Está aqui a lei!

O Orador: - O segundo aspecto que este debate revela é que o objectivo central das oposições, à direita do PS neste caso, foi um objectivo político. Em primeiro lugar, de campanha presidencial. Um objectivo político de campanha presidencial óbvio!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Já foi o que foi o que se disse acerca do Primeiro-Ministro. Hoje, tentou alargar-se o espectro e tentou colocar-se no centro deste debate o próprio Presidente da República! O que quer dizer que os senhores estão tão atrapalhados com as eleições presidenciais que procuram envolver, no que manifestamente não é da sua responsabilidade nem da sua competência, o Sr. Presidente da República, de uma forma que não posso deixar de considerar uma acção extremamente negativa no relacionamento de grupos parlamentares da oposição com o Presidente da República de Portugal.

Aplausos do PS.

Depois, ficou tão óbvio, na intervenção do Sr. Deputado Paulo Portas, que este debate era, para ele, a continuação do que aspirava no debate do Orçamento! No fundo, o que o Sr. Deputado Paulo Portas quer é derrubar o Governo! No fundo, o que o Sr. Deputado Paulo Portas quer é que o Governo caia!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Vocês é que se derrubam!

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O Orador: - No fundo, o que o Sr. Deputado Paulo Portas quer é uma crise política! No fundo, para o Sr. Deputado Paulo Portas pouco importam as questões que têm a ver com a boa gestão dos dinheiros públicos, visto que essas queremos nós investigar até ao fim. O que quer é aproveitá-las para efeito político com o objectivo de derrubar o Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É a sua bancada, é o Dr. Fernando Gomes! Não sou eu!

O Orador: - Srs. Deputados, há uma coisa que vos quero dizer: perante as contradições entre factos de um lado e de outro, factos que num momento eram factos e a seguir passavam a ser simples erros de apreciação,…

O Sr. António Capucho (PSD): - Quais factos?!

O Sr. António Filipe (PCP): - Isso é mentira!

O Orador: - … perante o risco que representam, com essa forma de acção, julgamentos de natureza sumária que são intoleráveis num Estado democrático, mais se confirma em mim a justeza do procedimento que decidi adoptar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pela minha parte, não tomarei, em relação aos membros do Governo que aqui foram sucessivamente atacados, qualquer iniciativa que não decorra do apuramento, por entidades independentes, de factos que confirmem existirem razões políticas, de responsabilidade política minha, que me levem a ter de exercer as acções que, como Primeiro-Ministro, tenho o direito de exercer, à face da Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não andarei a reboque dos partidos da oposição nesta matéria! Agirei de acordo com a minha consciência e com aquela que me parece ser a única forma ética de relacionamento entre as pessoas!
Hoje, estivemos aqui numa sessão de debate político, que os senhores tentaram transformar num tribunal.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Nestas condições, não se condena ninguém! Evitando o debate político para o transformar num tribunal, perdem o debate político e, com isso, prestam um mau serviço ao Parlamento!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Também quero fazer alguns registos e retirar algumas conclusões do debate. A verdade é que o Sr. Primeiro-Ministro acaba de reconhecer, implicitamente, algumas contradições.
Começou por dizer que ninguém pôs em causa a sua honorabilidade nem a dos membros do Governo e depois acusou a Assembleia de se estar a portar como um tribunal e de estar a fazer um julgamento da questão moral ou do comportamento pessoal!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tal corresponde, mais uma vez, à estratégia de vitimização para procurar evitar o julgamento político que esta Assembleia tem o direito e o dever de fazer sobre a falta de responsabilidade política do Governo e do Primeiro-Ministro, que lhe preside!

Aplausos do PSD.

Registo que o Sr. Primeiro-Ministro não sabia muito do que se passava, mas registo também, no fim da discussão, que ele não sabia nem quer saber!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Registo igualmente que ele não é capaz de assumir a responsabilidade política!
Registo ainda que o Sr. Primeiro-Ministro não entende ser justo o apelo feito pelos partidos da oposição à atenção do Sr. Presidente da República. Mas também está em causa o regular funcionamento das instituições democráticas! Quando o Governo cria uma Fundação com esta natureza, está a desmoralizar por completo a Administração Pública, pois tem vindo a criar uma administração paralela.
A melhor forma de desautorizar a Administração Pública é dizer aos milhares e milhares de funcionários públicos portugueses que não vale a pena investirem no seu trabalho, que não é pelo trabalho ou pelo mérito que poderão subir na sua carreira, porque o Governo cria paralelamente uma Fundação para colocar a sua clientela política e que, em vez do esforço e do trabalho, em vez do caminho árduo da disciplina e do rigor, mais vale ir pelo atalho do favoritismo partidário, do nepotismo e do compadrio! Disso nós acusamos o Governo! Compadrio, nepotismo, falta de sensibilidade na forma de lidar com a Administração Pública!

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, no final deste debate, temos, pois, de registar que o Sr. Primeiro-Ministro não retirou as conclusões que se impunham após a discussão que aqui teve lugar.
Por isso, renovo o meu apelo ao Presidente da República no sentido de que ele diga aos portugueses que não estamos entregues por completo aos desmandos de um poder socialista que não está à altura das aspirações dos portugueses!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há momentos em que é preciso dizer as coisas com gravidade, e é isso que vou fazer de seguida.

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O Sr. Deputado Durão Barroso, tendo falhado os seus objectivos políticos, fez uma intervenção final in extremis acusando-me de favoritismo, de compadrio e de criação de fundações para clientela política.
Sejamos claros, Sr. Deputado Durão Barroso, as fundações que os senhores criavam tinham conselhos de administração com ordenados chorudos,…

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - … e, nesta Fundação, conforme o demonstra o relatório e contas, ninguém recebeu um tostão de ordenado!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Podem acusar membros do Governo de não terem cumprido regras de contabilidade pública, de não terem cumprido normas legais, mas não podem acusar-nos de compadrio, de desvio de fundos para pessoas privadas, de corrupção, de clientelismo ou de favoritismo,…

O Sr. António Capucho (PSD): - Isso é hipocrisia!

O Orador: - … porque se este debate provou alguma coisa foi que, de facto, não estava em causa, como foi dito por si e por mim, a honorabilidade das pessoas.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Está a sua!

O Orador: - Estavam em causa acusações que tinham apenas a ver com regras processuais, legais e administrativas.
Fica, por isso, demonstrado algo essencial: não estando em causa a honorabilidade das pessoas nem a seriedade dos propósitos dos membros deste Governo, este debate político confirma não existir o problema moral que aqui se procurou levantar, no que de essencial de moral existe no relacionamento entre o Estado e a opinião pública!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, dispondo de 1 minuto cedido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro pode dizer que quer saber mais, que só depois de saber mais é que actuará, mas nós consideramos isso errado. O que aqui lhe foi demonstrado devia levá-lo a tomar medidas imediatamente, mas não pode dizer que, no plano ético, está tudo bem, tudo transparente!
Sr. Primeiro-Ministro, desculpe que lhe diga, mas faltou à verdade à Assembleia da República! E faltou à verdade porque lhe deram uma informação falsa. Disse inclusivamente que, depois de terem sido suspensos os financiamentos, a Fundação não teve mais qualquer financiamento. Mas teve, pelas portas traseiras! Faltou à verdade sem querer! Alguém o enganou! E, do ponto de vista ético, isso não é aceitável!

Aplausos do PCP, do PSD, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero só dizer ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas que não estou aqui como juiz. É evidente que a informação que hoje me deu vai ser por nós analisada. Mas também foram hoje aqui dadas muitas informações que se verificou não serem verdadeiras. É por isso que queremos uma investigação feita por entidades independentes.

Vozes do PSD, do PCP e do CDS-PP: - Quais? Quais?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dei a palavra apenas ao Sr. Primeiro-Ministro! Tenham paciência, mas os senhores são os principais beneficiários do pedido de silêncio que vos faço. Também procedo de igual modo em relação a outros azimutes políticos, quando muda o vento, como sabem!
Faça favor de prosseguir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente, o que aqui disse, e insisto, é que quero assentar o meu julgamento político no que me for comunicado por entidades independentes. E a valorização dessas entidades foi, aliás, reconhecida neste Parlamento, quando o próprio grupo parlamentar do maior partido da oposição recorreu à Procuradoria-Geral da República!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, chegámos ao fim deste debate.
Vamos, de seguida, passar ao debate de actualidade com o Sr. Primeiro-Ministro sobre a Cimeira de Nice.
Srs. Deputados, dado o Governo ter solicitado um intervalo, vamos interromper os nossos trabalhos por alguns minutos.

Eram 17 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, agradeço que façam um apelo aos vossos colegas de partido para reocuparem os seus lugares.

Pausa.

Sr. Primeiro-Ministro, parece que estão reunidas, não as condições ideais, mas as condições mínimas para V. Ex.ª usar da palavra
Srs. Deputados, vamos então dar início ao debate de actualidade sobre a Cimeira de Nice.
Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que será bom que este debate sobre a Cimeira de Nice seja feito com um espírito mais familiar, decorrente da composição do Hemiciclo, porque nos

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permite, porventura, uma análise mais aprofundada e uma discussão mais aberta, mais serena, mais franca e, seguramente, mais interessante.
Passo, então, àquilo que vos quero dizer, deixando agora de fora o conjunto de temas, embora relevantes, que foram tratados em Nice, como sejam os avanços nas questões económicas e sociais que se seguiram à Cimeira de Lisboa, a proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Agenda Social Europeia, os problemas do emprego e da sociedade da informação, bem como os progressos registados no domínio do estabelecimento de uma política comum de segurança e de defesa.
Também não vou referir tópicos extremamente importantes, em especial para Portugal, como o facto de termos conseguido que não haja penalização para o nosso país, em matéria de quotas leiteiras, durante quatro anos, retroactivos a 1999, descontando à produção nacional o autoconsumo dos Açores, ou o igualmente importante tema das medidas tomadas em relação aos pescadores, no caso de continuar o impasse nas negociações com Marrocos até ao fim do ano
Pondo tudo isto de parte, penso que vale a pena concentrarmos o essencial do nosso debate sobre a Conferência Intergovernamental e, através dela, sobre o que se perspectiva em relação ao futuro da Europa.
Quero falar-vos aqui com toda a abertura. Devo dizer-vos que encarei com a maior preocupação esta Cimeira de Nice e que não tenho dúvidas de que a negociação da Conferência Intergovernamental foi a mais difícil e complexa em que Portugal se envolveu, nos últimos anos, no âmbito europeu.
A primeira preocupação é a de que todos nós vimos sentindo, desde o final da «guerra fria», uma tendência para o recrudescimento dos egoísmos nacionais. Esta tendência é algo que nos compete combater, com a maior energia.
Numa União em que há países de dimensão variável e em que Portugal tem a dimensão e o peso económico que tem, uma lógica de afirmação dos egoísmos nacionais é sempre contrária aos interesses de Portugal no seio da União Europeia.
Por isso, a primeira preocupação fundamental da nossa estratégia, para Nice e pós-Nice, é a de combater a tendência de afirmação de egoísmos nacionais e, dentro de cada país, as lógicas de populismo nacionalista, de xenofobia, de racismo e de outras tendências irracionais que tendem a afirmar-se de novo nas sociedades ocidentais.
Mas, neste pano de fundo, o que estava em jogo nesta Conferência Intergovernamental era uma de duas possibilidades. A primeira possibilidade correspondia a uma perversão do que é hoje o funcionamento da União Europeia. Uma mudança qualitativa real no funcionamento da União Europeia seguramente não se traduziria por mais Europa, mas, necessariamente, por menos Portugal, dentro da Europa. E essa mudança, que foi esboçada, apresentada, defendida por muitos no quadro europeu, durante muito tempo, tinha três pilares essenciais.
Por um lado, um enfraquecimento da Comissão, dando mais poderes ao Conselho Europeu e reduzindo ao máximo o papel da Comissão para, no limite, a transformar numa espécie de secretariado do Conselho, sendo a Comissão, como sabemos, com o seu poder específico de iniciativa, a garante dos Tratados e um órgão essencial da coesão da União e do carácter europeu da mesma. O segundo aspecto era a redução da Comissão a uma dimensão tal que muitos países poderiam ficar, desde já, sem representação na mesma. O terceiro aspecto era uma reponderação de votos a favor dos países de maior dimensão, que tornava a capacidade de intervenção de países como Portugal no processo decisório praticamente inexistente.
Era a lógica da intergovernamentalização da União Europeia numa perspectiva de directório das grandes potências. E foi esta lógica que Portugal procurou afrontar desde o primeiro momento, desde o tempo em que, com a presidência da União Europeia, preparámos grande parte do debate da Conferência Intergovernamental, balizando, no sentido de limitar o caminho àqueles que procuravam encaminhar a União nessa direcção e, depois, em todo o processo negocial que se seguiu.
Quero dizer que é para mim, como Primeiro-Ministro, particularmente gratificante ter verificado que o Parlamento português esteve atento a este risco, tomou posições, e que os partidos da oposição tiveram um papel útil no sentido de criar uma dinâmica que nos ajudasse a inverter esta lógica na preparação das decisões que conduziram ao Tratado de Nice. Para nós, era essencial que de Nice saísse «mais Europa e mais Portugal dentro da Europa» e não, eventualmente até, «menos Europa e menos Portugal dentro da Europa», como se chegava a esboçar no projecto de muitos.
Temos de ser realistas na análise do que foi conseguido. Em Nice, não se alcançou muito mais Europa. Em Nice, não se avançou muito no aprofundamento da União Europeia. Avançou-se, no entanto, alguma coisa de importante.
Sou dos que defendem que, numa União Europeia que vai alargar-se, que vai ter 27 membros, ou talvez mais, com carácter muito heterogéneo, é vital, para Portugal, que possa haver um núcleo duro de aprofundamento da União Europeia, desde que Portugal o integre permanentemente e em todas as suas direcções e valências. Por isso, batemo-nos, durante a nossa presidência, por incluir, dentro da agenda da Conferência Intergovernamental, as cooperações reforçadas. Congratulamo-nos, pois, pelo facto de elas terem sido aprovadas, e nos termos em que o foram: no respeito dos tratados, do papel da Comissão, com a garantia de não discriminação e com todas as possibilidades para que Portugal possa estar presente em todas elas, no futuro, como é, em meu entender, essencial para a defesa dos interesses vitais do nosso País.
Em segundo lugar, há um pouco mais Europa, embora bastante menos do que muitos desejariam, naquilo que tem a ver com as decisões tomadas por maioria qualificada no Conselho. De facto, é limitado o progresso feito nesse domínio e, porventura, nalguns aspectos, alguns poderão considerar que isso até é bom para Portugal.
Houve uma área em que tivemos uma preocupação fundamental: a coesão. Nessa área, a passagem à maioria qualificada só será feita depois de aprovadas as perspectivas financeiras a partir de 2007, ou seja, só terá efeitos, na prática, a partir de 2013/2014.
Fizeram-se alguns progressos, mas não houve, nesta matéria, uma alteração qualitativa no funcionamento da União.
Por isso, as questões que decisivamente marcaram a Cimeira de Nice tiveram a ver com a estrutura de poder dentro da União. Nesta matéria, quero dizer-vos que a primeira forma de marcar uma presença de mais Portugal na Europa foi através do protagonismo que procurámos imprimir, no sentido de liderar a garantia da defesa de inte

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resses e de direitos vitais de países com a dimensão de Portugal no contexto da União Europeia, de impedir uma lógica de intergovernamentalização e de directório de grandes potências, com total subordinação dos interesses de Portugal. E, nesse domínio, devo dizer, com toda a sinceridade, que se não podemos dizer que conseguimos muito mais Europa em Nice, podemos dizer, com a consciência inteiramente tranquila, que os interesses de Portugal ficaram inteiramente salvaguardados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, e desde logo, ao nível da Comissão, porque ficou reconhecido que se mantém o princípio de um membro da Comissão por cada um dos Estados que compõem a União, até que esta tenha 27 membros. Só depois haverá uma redução e, mesmo nessa redução, e pela primeira vem num órgão da União Europeia - Comissão, Conselho ou Parlamento -, fica consagrado o princípio da igualdade entre os Estados. Até hoje, como sabem, havia dois comissários pelos cinco Estados de maior dimensão e um pelos Estados de menor dimensão. A partir de 2005, a Comissão passa a ser um órgão inteiramente paritário, em que cada Estado tem rigorosamente a mesma influência. Esta pareceu-nos ser, porventura, a mais emblemática e a mais significativa vitória das posições portuguesas nesta conferência intergovernamental.
Mas, em termos de futuro da Europa, o que me parece mais decisivo, naquilo que foi a nossa estratégia antes de Nice e em Nice, foi a garantia de que não se alterava o carácter equilibrado da ponderação de votos em Conselho, a garantia de que não se criavam as condições para um directório de grandes Estados. Sejamos claros: a proposta inicialmente apresentada pela presidência, que, depois da compensação aos Estados que perdiam um comissário, dava 33 votos ao maior dos Estados e apenas 3 ao menor, alterava radicalmente a natureza da União. Esta era uma questão decisiva, e era uma questão decisiva para Portugal, que deixava de contar no processo de decisão do Conselho Europeu, sendo o papel do Conselho Europeu do maior relevo.
Face a isto, foi necessário concertar uma estratégia de intervenção permanente desde a nossa presidência para evitar esta lógica de directório e o resultado a que chegámos é profundamente equilibrado. É um resultado em que os países de maior dimensão têm 29 votos e Portugal tem 12, quando a proposta inicial em Nice, já depois de algum abatimento em relação àquilo a que a presidência aderia na proposta italiana, era de 30 votos para os países de maior dimensão e apenas de 10 para Portugal.
O mais importante não é o facto de Portugal ter passado de 10 para 12 votos. O mais importante é que, com este aumento, registaram aumentos todos os países de média e pequena dimensão na Europa. Consideremos (sendo esta questão da maior importância) os cinco Estados que, na Europa alargada, têm a dimensão de Portugal - Portugal, Bélgica, Grécia, República Checa e Hungria: à entrada para Nice, estes cinco Estados tinham um número de votos inferior a dois grandes Estados europeus, tendo, hoje, um número de votos superior a dois grandes Estados europeus. Têm, portanto, um poder de intervenção, nas questões institucionais em que naturalmente estarão ligados, da maior importância, que aliás se multiplica, tendo em conta o conjunto dos outros Estados de pequena e média dimensão.
É evidente que não podia deixar de haver uma compensação, tendo em conta interesses de um país como a Alemanha, a quem foi negada, na ponderação, a possibilidade, de ter mais alguns votos. Daí o surgimento de um limiar de população de 62% nas decisões. Mas, nesta matéria, batemo-nos denodadamente, não apenas por uma nova ponderação mas, sobretudo, pela afirmação de um conceito, que consiste no facto de esta ser uma Europa que é, simultaneamente, de cidadãos e de Estados- membros. E, pela primeira vez, fica consagrado que, para se tomar uma decisão em Conselho de Ministros da União, é necessário que haja uma maioria dos Estados-membros da União, ao contrário da rejeição inicial desta ideia e depois da proposta da presidência, que chegou a aparecer em cima da Mesa, em que este conceito aparecia pela negativa e as abstenções contavam do lado que não nos convinha.
Isto tem a maior importância, na medida em que confere, objectivamente, a cerca de 10% da população europeia, quando o alargamento se processar, uma efectiva minoria de bloqueio e compensa, de facto, o aumento de poder que os grandes Estados, em particular a Alemanha, tiveram, pelo outro sistema de ponderação em função da população, que se adiciona, com este, ao conjunto que decorre da ponderação dos votos, tal como definida no Conselho.
Com isto, não tenho dúvidas em dizer-vos que a solução de Nice coloca Portugal melhor do que na proposta de síntese que, como presidência (e é evidente que, como presidência, deveríamos ter uma proposta equilibrada), apresentámos em Santa Maria da Feira, como termo de referência.
Finalmente, não deixa de ser significativo que Portugal veja reforçado o seu peso no Parlamento Europeu, em circunstâncias que são também importantes, na medida em que, com 22 Deputados no número total de Deputados que, neste momento, existe, teremos mais em percentagem do que os que teríamos no contexto da Europa alargada se não se tivesse verificado a regressão linear para pouco mais de 700 Deputados. Isto para dizer que Portugal pode olhar para as instituições europeias no futuro com a consciência de manter nelas uma posição relevante. E, por isso, a questão da nossa estratégia na Europa continua a ser uma questão fundamental de política interna, porque mantivemos, ou mesmo, nalguma medida, acrescemos, o nosso peso e o nosso papel. Sobretudo, mantivemo-lo e acrescemo-lo, porque, para além daquilo que os números revelam, o poder negocial de Portugal e a capacidade de mobilização de apoios que Portugal revelou no Conselho deram-nos um peso efectivo nos trabalhos deste órgão muito superior ao da simples ponderação de votos.
Termino, repetindo que o contributo deste Parlamento foi importante, tendo o Governo registado, com o maior apreço, o contributo dos partidos da oposição, sendo esta uma matéria em relação à qual é importante continuar a trabalhar em conjunto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Fazenda, Basílio Horta, Honório Novo, António Capucho, Isabel Castro e José Barros Moura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputa

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dos, o Bloco de Esquerda tem uma visão mais distanciada deste processo de construção europeia e entende que desta Cimeira de Nice saiu menos cidadania europeia e que o processo de construção europeia está, hoje, mais perturbado e, porventura, mais «doente» do que há alguns anos.
Pensamos que a Carta dos Direitos Fundamentais tinha sido uma boa esperança, mas foi frustrada, em primeiro lugar, pela sua tendência minimalista e, em segundo lugar, pela incapacidade de lhe dar força vinculativa, força jurídica integrada no Tratado.
Por outro lado, outro facto, não tão divulgado, não tão controvertido, não tão em evidência, prende-se com o seguinte: sob a presidência francesa, deram-se passos no âmbito da política de defesa e, à margem desta Cimeira, mas de alguma forma convalidada por ela, a criação da força de reacção rápida é algo que também nos constrange. Continuamos a assistir a uma corrida armamentista, diminuiu o controlo democrático e não temos capacidade de saber para que objectivos e para que missões, e sobretudo, até, com que institucionalização, vai funcionar essa força de reacção rápida. Mal a Cimeira tinha acabado, já o Presidente Chirac e o Primeiro-Ministro Tony Blair se travavam de razões acerca das relações entre essas força e o comando da Aliança Atlântica. Para nós, tudo isso é uma névoa, uma sombra neste processo.
Também nos parece que, apesar da filosofia do «menos mau», olhando globalmente para o equilíbrio a que se chegou do ponto de vista da determinação do poder e da composição das instituições da União Europeia, o poder dos maiores reforçou-se em detrimento do poder dos mais pequenos e, além disso, encontrou-se um sistema mais concentrado, mais fechado, de pior percepção por parte do cidadão, seja de que país for originário, sendo um sistema mais antidemocrático e mais longínquo do cidadão.
Mas, tendo nós esta opinião crítica - e, dizemo-lo com toda a frontalidade, já a tínhamos antes, inclusivamente, do esforço que foi feito na Cimeira de Nice, porque temos uma outra visão -, não nos parece eivada de qualquer tendência racional, que é desejar um outro contrato europeu e, portanto, entendemos que há um vício de constituição desde o início, e não pensamos, sequer, que isso seja uma utopia. Mas, seja como for, Sr. Primeiro-Ministro, a questão que eu quero colocar-lhe é muito simplesmente uma:…

O Sr. Presidente: - Agradeço que o faça rapidamente, Sr. Deputado.

O Orador: - … será que o Governo admite a possibilidade de se vir a referendar as alterações ao Tratado Amesterdão? Em devido tempo, houve abertura neste sentido, depois, esse processo «morreu» por gavetas e acórdãos do Tribunal Constitucional. Politicamente, é ou não relevante um debate nacional e a possibilidade de se fazer um referendo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, é necessário ter em relação às coisas o sentido da medida.
Devo dizer-lhe que eu próprio não estou satisfeito com a Carta dos Direitos Fundamentais, gostaria que ela fosse mais longe, que ela tivesse um carácter vinculativo - bati-me por isso. Apesar de tudo, a Carta dos Direitos Fundamentais é um progresso, e nesse progresso há um dado qualitativo, a que o Bloco de Esquerda, penso eu, deveria dar uma grande importância: pela primeira vez, num documento internacional desta natureza, os direitos económicos e sociais estão colocados ao mesmo nível dos direitos fundamentais. E esta é uma questão muito importante para a afirmação dos direitos dos trabalhadores - para usar uma linguagem que lhe é seguramente mais querida.
Quanto à segunda questão que me colocou, à força de reacção rápida, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que há uma escolha fundamental que tem de ser feita: ou se é a favor de uma total hegemonia dos Estados Unidos da América no mundo de hoje ou se é a favor da construção de uma efectiva capacidade de defesa europeia. E esta opção é, do meu ponto de vista, inescapável; isto é, não me parece que seja possível ser-se contrário a todos os movimentos de progresso em relação à construção de uma capacidade de defesa europeia e, ao mesmo tempo, procurar-se combater aquilo que é hoje uma perigosa tendência de hegemonia do mundo por uma única hiperpotência em todos os domínios estratégicos, seja o militar, seja o económico, seja o político, seja o mediático e, até, o linguístico.
Ora bem, aquilo que foi aprovado deveria, aliás, merecer o vosso apoio, porque é menos do que eu desejaria, eu desejaria que se fosse mais longe na construção do pilar europeu da aliança; o que foi aprovado tem apenas a ver com as missões de Petersberg, ou seja, com missões de manutenção de paz, que correspondem a mandatos das Nações Unidas, que tiveram a aprovação activa e o empenhamento activo, juntamente com o aspecto de gestão civil de crises, de países que não são membros da Aliança Atlântica. Tomara eu que tivéssemos podido ir mais longe!
Penso que não é justa a análise de que os poderes dos maiores saem reforçados. Há um equilíbrio global que, como tal, tendo tudo em conta, acaba por ser um equilíbrio global que me parece muito favorável.
Finalmente, do meu ponto de vista, não vejo qualquer justificação para que este Tratado, com o seu conteúdo e a sua dimensão, venha a justificar um referendo em Portugal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Basílio Horta para pedir esclarecimentos, coloco uma questão à Câmara.
Srs. Deputados, estão agendadas votações para as 18 horas. Porém, dada a natureza deste debate e se houver consenso, penso que poderíamos transferir as votações para o fim do debate, para devolvermos o Governo às tarefas executivas o mais depressa possível.

Pausa.

Como não há objecções, assim faremos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, começo por lamentar que o partido do Sr. Primeiro-Ministro não tenha concordado em fazer este debate numa sessão exclusivamente ou, pelo menos, em grande parte dedicada a este tema,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - … porque não nos parece muito correcto estar a misturar Vara com Schröeder ou Patrão com Chirac.

Risos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

Creio que são misturas um pouco indigestas e este tema estruturante e estrutural merecia eventualmente outro tratamento. E, portanto, lamentamos que isso não tenha sido feito.
Em relação aos resultados da Cimeira de Nice, o presidente do meu partido e eu próprio, uma e outra vez, tivemos ocasião de nos pronunciarmos, da maneira que o Sr. Primeiro-Ministro sabe, sobre a forma como o Governo actuou na defesa dos interesses nacionais, quer o Sr. Primeiro-Ministro, quer o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, quer o Sr. Secretário de Estado - tivemos ocasião de o frisar, como era de justiça que o fizéssemos.
No entanto, há algumas questões que gostaríamos que o Sr. Primeiro-Ministro, em nome do Governo, nos pudesse esclarecer. É certo que houve um esforço grande para que Portugal não perdesse o seu peso no seio da União, mas a verdade é que, mesmo assim, perdemos influência no Parlamento Europeu. Poderíamos ter perdido mais, é certo, mas perdemos alguma influência: passamos de 25 para 22 Deputados.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Também outros perderam!

O Orador: - A Alemanha, por exemplo, não perde nenhum Deputado, ao que me é dado saber.
Claro que tínhamos que perder alguns Deputados, uma vez que o Parlamento aumenta, em volume, pelas adesões. Não é esta a questão, pois sabíamos que teríamos de perder alguns Deputados.
No entanto, a questão que se coloca concretamente é esta: como é que o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo entendem colmatar ou, pelo menos, minorar os efeitos da perda de representatividade de Portugal no Parlamento Europeu?

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, será que essa perda de representatividade - como digo, não é uma crítica mas, sim, uma constatação - poderá ser colmatada, por exemplo, com a criação de uma segunda câmara? O Sr. Primeiro-Ministro concorda com a criação de um senado das nações? Em caso afirmativo, como é que o vê constituído? Em sua opinião, esse senado das nações deverá ter composição partidária, como, por exemplo, temos vindo a defender? Como é que vê que, amanhã, um tratado básico da União faça a composição desse órgão e qual é, em sua opinião, a competência que pode ser atribuída a esse senado? Poderá ser o fórum, por exemplo, de representação dos parlamentos nacionais junto do Parlamento Europeu? Poderá ser o fórum de fiscalização dos próprios actos da Comissão Europeia face aos Tratados? Enfim, qual o modelo e o estatuto que o Sr. Primeiro-Ministro vê para esse senado?
O segundo aspecto tem, ainda, a ver com perda de influência de Portugal, agora já não no Parlamento mas ao nível da Comissão. Temos de concordar que Portugal, neste momento, não tem um único director-geral dentro da Comissão, e mesmo em termos de A1, que é a categoria mais aproximada de director-geral, temos um em 55.
É pena que a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo não possa, hoje, ser directora-geral, pela sua competência, que eu gostaria aqui de realçar,…

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Muito obrigado!

O Orador: - … mas a verdade é que não temos qualquer director-geral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, tem de terminar.

O Orador: - Termino imediatamente, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-Ministro, como é que o vai fazer essa composição?
Finalmente, quanto à fiscalização dos actos comunitários, sabemos que a Grécia, a Dinamarca, a Suécia, têm mecanismos de fiscalização.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, deixe-me só terminar.

O Sr. Presidente: - Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como é que o Sr. Primeiro-Ministro vê essa fiscalização em sede nacional, nomeadamente as directivas? Vão elas ser objecto de um debate parlamentar, sim ou não?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, em primeiro lugar e em relação ao Parlamento Europeu, se considerarmos o Parlamento a 15, Portugal não perde influência; ganha influência!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Em termos absolutos, perde!

O Orador: - Passa de 4% para 4,1%, a 15! Agora, seria praticamente impossível aumentarmos a percentagem quando aumenta o número de países! Conseguimos que, quando, por exemplo, países, como a Espanha, passam de 10,2% para 9,3%, a 15, nós passemos de 4% para 4,1%. Ou seja, somos um dos muito poucos países que reforçamos ligeiramente o nosso peso.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E a Alemanha como é que fica?

O Orador: - A Alemanha tem um reforço importante, que é, no entanto, a compensação para o facto de ser um país com 25 milhões de habitantes a mais do que a França, a Itália e a Inglaterra: ter exactamente o mesmo número de votos, e tudo, como se sabe, acaba por conduzir a uma negociação.

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O Sr. Honório Novo (PCP): - É uma capacidade de bloqueio!

O Orador: - É importante sublinhar que os lugares da Alemanha no Parlamento Europeu não foram feitos à custa dos de Portugal, como no princípio pareciam ser. E isto é uma mudança significativa.
Sr. Deputado, não sei se isto representa, por parte do CDS-PP, uma adesão ao modelo federal da Europa,…

Vozes do CDS-PP: - Não!

O Orador: - … mas, aquilo que disse acerca do Parlamento Europeu é visto, por mim, com uma grande simpatia numa perspectiva: penso que não faz sentido aumentar muito fortemente os poderes do Parlamento Europeu com a sua actual composição,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sim!

O Orador: - … porque o problema do défice democrático da Europa não se resolve reforçando os poderes do Parlamento Europeu. Até porque não existe um espaço público europeu e sabemos que, por muito que prezemos o Parlamento Europeu, isso não é em si solução para o problema político e sociológico de fundo que está em causa. Mas, por isso mesmo, defendemos que deveria haver separação entre maioria qualificada e co-decisão, e na coesão ficou maioria classificada, mas não ficou co-decisão, por proposta feita por Portugal.

Vozes do CDS-PP: - E bem!

O Orador: - Mas, dito isto, Sr. Deputado, devo dizer-lhe ainda que eu veria com muito agrado um substancial reforço dos poderes do Parlamento Europeu, numa lógica que, obviamente, aproximaria a Europa de um modelo muito mais federativo se tivéssemos duas câmaras no Parlamento Europeu,…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - … uma dos cidadãos e outra das nações ou dos países, e se a segunda câmara tivesse uma representação paritária, e, a meu ver, a forma mais lógica de o conseguir essa representação paritária seria a dos parlamentos nacionais.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso nada tem a ver com o federalismo!

O Orador: - Escrevi isto num artigo há mais de 15 anos e continuo a defender esta solução. No entanto, para ser inteiramente honesto,…

O Sr. António Capucho (PSD): - E o Conselho?

O Orador: - … devo dizer-lhe que esta é a lógica do desenvolvimento da concepção inicial da União Europeia e aquela que é necessária para transformar o Conselho na segunda câmara do Parlamento Europeu, mas não é a lógica que nos convém, em minha opinião. Em meu entender, a lógica que nos convém é aquela que, simultaneamente, mantém o Conselho e até, em certos aspectos, reforça o seu papel e aumenta os poderes do Parlamento Europeu, transformando-o num Parlamento bicamaral. Mas iríamos muito longe nesta reflexão e nesta análise.
Quanto à discussão no Parlamento nacional, temos toda a abertura para discutir, em concreto, qual a forma de reforçar as formas de intervenção.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E a influência da Comissão?!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E os directores-gerais?!

O Orador: - Não discutamos «alhos com bugalhos»! No Tratado não estão os directores-gerais. Contudo, devo dizer que uma das coisas que foi decisiva para o nosso poder negocial foi o brandir a forma injusta e inaceitável como Portugal tem sido tratado em matéria de directores-gerais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quando foi iniciada esta Conferência Intergovernamental, havia, basicamente, um argumento político para o seu lançamento. Perspectivava-se um alargamento substancial, logo, era necessário conferir mais eficácia à instituição União Europeia. Os resultados que saem de Nice, parece ser consensual, apontam no sentido inverso, isto é, não é criada mais eficácia, o alargamento, enfim, está prejudicado nesta matéria.
Mas há uma questão iniludível, é que por trás dos argumentos políticos havia um argumento substancial, o do reforço do poder dos países mais fortes. E este objectivo claramente foi conseguido, este objectivo está cumprido, exista ou não um alargamento, seja ele de que natureza venha a ser.
Durante o fim-de-semana, Sr. Primeiro-Ministro, fez-nos o favor, e nós registamos o facto, de nos ter colocado ao corrente da evolução das negociações. Ao intervalo, tomámos conhecimento de que Portugal estaria a perder por «5-0»; e, no início da segunda parte, com o apoio, que também foi dado por nós, de defesa dos interesses nacionais e através de uma jogada de resistência, que registamos, conseguimos marcar um «golo de honra». A derrota não foi tão pesada, porque, em vez de «5-0», fomos apenas «goleados por 5-1». De facto, não havendo vitórias morais, a derrota é pesada e regista-se.
Fala-se, agora, Sr. Primeiro-Ministro, no acordo possível, é a tónica, embora a generalidade dos observadores fale de um mal menor. E estamos numa situação política curiosa: em Amsterdão, foi o acordo possível, outros disseram que foi um mal menor; em Nice, fizemos o acordo possível, outros dizem, a generalidade, que é um mal menor. Vamos de mal menor em mal menor, onde Portugal vai parar nesta União Europeia, Sr. Primeiro-Ministro?
Queremos e desejamos mais Portugal e mais Europa. De Nice sai, porventura, mais Europa para alguns e menos Europa para todos. Pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, não será este o momento adequado para fazer parar este «rolo compressor», para reflectir colectivamente sobre o futuro necessário para esta União Europeia?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

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O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, por vontade do PCP, nunca nada se teria movido!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Isso é verdade!

O Orador: - No entanto, ela move-se.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Só que na direcção errada, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Em primeiro lugar, Sr. Deputado Honório Novo, sem este Tratado, não poderia haver alargamento. O Tratado é, por isso, um elemento fundamental para que o alargamento seja possível e convém realçar que o alargamento é, independentemente de tudo o resto, um reencontro da Europa consigo própria, com a sua história e com a sua unidade.
É verdade que os mecanismos de decisão não serão aqueles que conduzem a uma maior eficácia. Maior eficácia seria, por exemplo, uma ponderação de votos com uma maioria simples de Estados-membros e de população. No entanto, os mecanismos actuais, não conduzindo porventura a uma maior eficácia, protegem melhor os interesses de Portugal. Aliás, quando fala de países grandes e de países pequenos, não se esqueça que os países grandes perdem 50% da sua representação na Comissão. Se quiser usar uma imagem futebolística, em vez dos «5-1» lembrar-lhe-ia, já que gosta do número 5, o jogo entre Inglaterra e Portugal, em que começámos a perder por 2-0 e acabámos por ganhar 3-2!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Presunção e água-benta…!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Esse é um jogo que só o Sr. Primeiro-Ministro viu!

O Orador: - Agora, em relação ao «mal menor», devo dizer que quando digo que o Tratado de Nice é, em muitos aspectos, um mal menor é num sentido que o PCP deveria considerar um bem maior. Ou seja, é um mal menor porque a Europa não avançou tanto quanto eu desejaria!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Graças a Deus!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Felizmente!

O Orador: - É um mal menor, porque, em matéria de maioria qualificada, eu quereria ir mais longe e não se foi! Isto deveria ser saudado pelo PCP como um bem maior. Ou seja, o PCP, de alguma forma, acaba por considerar mau aquilo que defendia como bom. Por outras palavras, para o PCP, haja o que houver, mesmo que seja cumprida a sua vontade, tudo o que é europeu é mau!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, vamos começar a movimentar-nos para o lado certo e não para o lado errado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o que esteve em causa em Nice, infelizmente para mim, foi menos o debate sobre a Europa, a estratégia, a política e a comunidade-destino, que estava subjacente ao projecto europeu inicial, e mais a distribuição do poder. Achei mesmo extraordinário que os cinco grandes Estados tivessem protestado contra a perda de um comissário, passando de dois para um, para ganharem terreno nas outras instituições, quando, para mim, pela minha experiência europeia, o que é fundamental é, de facto, a Comissão e o processo de decisão. E, nesse processo de decisão, o que acontece é que Portugal mantém o seu comissário (e ainda bem, já que era impensável não o manter), mas não tem qualquer director-geral e vai perder todos os A1 que ainda tinha - perdeu-os no Parlamento, vai perder na Comissão e vai perder no Conselho. No entanto, os outros Estados-membros que dizem que perdem um Comissário têm cinco, seis e sete directores-gerais e, nas direcções-gerais onde não têm director-geral, têm n directores de serviço; ou seja, controlam totalmente o processo de decisão. Ainda por cima, têm o lobby bem organizado!
Como tal, pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: o que é feito do nosso director-geral? O que é que podemos esperar do reforço da nossa posição em sede de Comissão?
Em segundo lugar, o Sr. Primeiro-Ministro acaba de confessar que a solução encontrada em Nice é melhor do que aquela que apresentou no Conselho Europeu da Feira. Esta é uma confissão que revela, do meu ponto de vista, alguma falta de ambição ou, se quiser, não exagerando, alguma ingenuidade. Por quê? Porque, se o presidente francês não teve qualquer pejo em apresentar uma proposta inacreditavelmente maximalista à partida, parece-me que V. Ex.ª foi excessivamente prudente, para não dizer ingénuo, quando na Feira apresentou uma proposta que, agora, reconhece ser menos boa do que a apresentada em Nice.
Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, a propósito da representação da Espanha no Parlamento, devo dizer que não me preocupa muito a correlação de forças. O que me preocupa é que, no Conselho, tínhamos cinco votos e passamos a ter oito, enquanto que os espanhóis passaram de 12 para 27 votos. A desproporção do crescimento é gritante.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Mas os espanhóis perderam um comissário!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Capucho, a sua observação no que toca aos directores-gerais faz-me lembrar uma equipa que vai jogar futebol, que perde nessa modalidade e diz: «Bom, mas no râguebi ganhámos!» ou ganharam no futebol e no râguebi perderam. Quero com isto dizer que não eram os directores-gerais que estavam em discussão em Nice mas, sim, o comissário e a ponderação de votos. Quanto aos directores-gerais, vamos continuar a nossa luta no sentido de garantir essa maior presença nos órgãos da União.
Há, no entanto, uma observação sua que é verdadeira:…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Há várias!

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O Orador: - … o que estava em jogo era mais do que uma visão da Europa ou um jogo de poderes. Sucede, por acaso, que no jogo de poderes estava implícita uma visão da Europa. Isto é, se tivesse triunfado uma certa lógica de poder, a visão da Europa mudaria radicalmente, porque a Europa do directório não é a União Europeia a que estamos habituados, e isso foi possível evitar.
Quanto à questão da ponderação de votos de Espanha, é necessário dizer que Espanha, por um lado, perdeu um comissário e, por outro, perdeu significativamente presença no Parlamento Europeu.

O Sr. António Capucho (PSD): - E quantos directores-gerais é que tem?!

O Orador: - Estamos a falar do Tratado, Sr. Deputado, não voltemos à história do râguebi! Eu também posso dizer que, em outros aspectos, temos coisas magníficas que outros não têm! Mas não é isto que está em causa, o que está em causa é o Tratado, porque era isso que estava a ser negociado! Também posso dizer que resolvemos a questão das nossas quotas leiteiras, coisa que a Espanha não fez!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mas resolveu a da frota pesqueira!

O Orador: - Mas agora não vale a pena discutir isso! Vamos discutir o que está em causa, que é muito simples. Se considerarmos a compensação do comissário e o que decorre do desaparecimento do chamado Compromisso de Ioannina e da versão que o Tratado de Amsterdão lhe deu, no sentido da consideração especial da posição espanhola, verificamos que, mesmo sem contar com a perda no Parlamento Europeu, isso valeu apenas 1,8 votos no Conselho. Ou seja, de facto, o reforço da posição espanhola final (não o inicial) é muito menor em relação a Portugal do que aquele que pode parecer.
No entanto, devo dizer que Portugal não se bateu para reduzir a influência de Espanha. Pelo contrário, consideramos que a influência espanhola é útil, porque em muitos aspectos a Espanha tem interesses coincidentes com os nossos, nomeadamente em tudo o que tem a ver com a política de coesão e com os aspectos de política mediterrânica, coisa que tem, para nós, a maior importância.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Bem dito!

O Orador: - Finalmente, quero dizer-lhe que vamos ter de discutir as questões essenciais sobre o futuro na próxima Conferência Intergovernamental de 2004.

O Sr. António Capucho (PSD): - Já vamos ser nós a discuti-las, portanto!

O Orador: - Refiro-me a questões que estão relacionadas com a subsidiaridade, com a reorganização dos tratados e com todo um conjunto de outros problemas que são também essenciais ao futuro da União Europeia. Ou seja, o processo de discussão e de aprofundamento na União não pára, o processo de debate entre nós também não deve parar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, poderia retomar aquilo que, de algum modo, foi atribuído a declarações suas, referindo-me ao «o melhor possível» ou a «um mal menor». No entanto, essa não me parece tanto uma atitude de resignação mas de realismo e de quem, verdadeiramente, esperava muito pouco e admitia que o insucesso dos resultados desta Cimeira pudessem ser mais delicados para Portugal.
Há, naturalmente, aspectos que não valorizamos negativamente, como acontece com a perda de três Deputados no Parlamento Europeu, o que não nos parece particularmente grave, porque, embora esse órgão seja a única instância que é directamente eleita pelos cidadãos, a verdade é que o fosso entre os cidadãos e o Parlamento Europeu é tão grande que a abstenção é significativa. Não me detenho na questão dos directores-gerais, procurando saber quantos é que Portugal tem, porque não me parece que esta seja a questão essencial.
Há, no entanto, duas questões que eu gostaria de sublinhar, sendo uma delas, aliás, uma enorme preocupação de Os Verdes, e refiro-me ao caminhar para a militarização da Europa. Sobre este ponto, não fazemos a mesma leitura que faz o Sr. Primeiro-Ministro, dizendo que é preciso que a Europa fuja à hegemonia dos Estados Unidos da América, já que, para nós, é muito claro que a militarização da Europa caminha sob a égide dos Estados Unidos e da NATO, de onde não há uma perspectiva diferente. Isto porque, independentemente de já não haver um mundo bipolar, há, de novo e sempre, a consideração de que a força das armas é uma forma de garantir a paz entre os povos, opinião de que, manifestamente, não partilhamos, julgando mesmo que esta tendência tenderá a agravar-se, particularmente em consequência dos resultados das eleições ocorridas nos Estados Unidos. A corrida ao armamento é, para nós, um aspecto preocupante, pelo que não partilhamos a atitude do Governo, que, aliás, como o Sr. Primeiro-Ministro disse, gostaria de ter visto a Europa ir um pouco mais além, dando mais passos neste sentido.
Há ainda um outro aspecto, Sr. Primeiro-Ministro, em relação ao qual eu gostaria de ouvir o seu comentário. Portugal conseguiu o possível e julgo que aquilo que está claro neste momento não é tanto a forma simplista como os maiores países conseguem impor decisões mas, sim, o mecanismo de bloqueio de que passaram a dispor. Pergunto: não lhe parece que este é, de facto, o maior ganho para os grandes países em consequência desta Conferência?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, em primeiro lugar, se conseguir o possível é mau, então, bom só seria conseguir o impossível, o que, por definição, me parece relativamente difícil de conseguir!
Devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que a questão da força das armas para garantir a paz é uma questão em que não se pode querer ao mesmo tempo «sol na eira e chuva no nabal». Há, neste momento, 700 soldados portugueses e vão ser em breve 900, já que vamos reforçar com mais uma companhia o nosso dispositivo em Timor-Leste,…

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Mas isso nada tem a ver com a pergunta que fiz!

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O Orador: - … para, com a força das armas, garantir a paz. Esta é, portanto, uma questão decisiva, porque se prende com o facto de saber se a Europa tem ou não a capacidade para - porque, neste momento, são missões deste tipo que estão em causa no Tratado da União Europeia, e não outras -, pela força das armas, garantir a paz nos diversos «Timor-Leste» que podem acontecer, nomeadamente no quadro europeu.
Em segundo lugar, em matéria de mecanismo de bloqueio, Portugal vê a sua posição reforçada e não diminuída.
Finalmente, aproveito para responder a uma pergunta colocada pelo Sr. Deputado António Capucho, já que há pouco não me lembrei de o fazer. Sr. Deputado, a proposta que fizemos enquanto exercemos a presidência foi extremamente importante e credibilizadora e permitiu ter uma alternativa à visão maximalista. E foi mesmo tão eficaz que acabou por servir de base à construção da solução que veio a ser aprovada e, se me permite, com algum jeito negocial da nossa parte, ainda veio a ser melhorada.

O Sr. António Capucho (PSD): - Bem-haja!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, começo por saudar o Sr. Primeiro-Ministro e os seus colaboradores pelo grande sucesso que esta negociação representou. Todos conhecemos o ponto de partida e as dificuldades que existiam e todos podemos avaliar os resultados, os quais, se me permitem, podem ser resumidos da seguinte forma: a Europa não recuou! Não terá avançado como eu próprio e muitos de nós desejaríamos, mas não recuou, porque o espectro do directório intergovernamental foi travado.
Conseguiu manter-se o peso relativo dos pequenos e médios Estados, por um lado, e dos grandes Estados, por outro, e penso que é possível afirmar hoje que a Comissão deverá respeitar, no futuro, o princípio da igualdade entre os Estados-membros. Creio também, Sr. Primeiro-Ministro, que a partir daqui temos de conseguir fazer valer o princípio da igualdade e da independência da Comissão no seu funcionamento diário.
Em segundo lugar, Sr. Primeiro-Ministro, quero congratular-me, em nome da minha bancada, com a circunstância de se ter verificado, antes e depois desta negociação, um tão largo e aprofundado consenso em matéria europeia sobre questões de interesse nacional para o nosso País. Julgo que isso reforçou o peso negocial de Portugal, o que me permite afirmar, reconhecer e agradecer que, da parte dos partidos da oposição, existiu sentido de responsabilidade nacional, sentido de Estado. E também reconhecimento da capacidade de condução e de liderança do Primeiro-Ministro António Guterres nas questões de interesse fundamental para o País, que se diferenciam claramente das questões de pequena política que, há algumas horas, aqui nos dividiram!
Porém, eu gostaria de colocar ao Sr. Primeiro-Ministro uma questão. A Europa sai da Cimeira de Nice nas circunstâncias institucionais que conhecemos e haverá, quando se concretizarem as negociações, um alargamento. Ora, Sr. Primeiro-Ministro, de facto, a União Europeia não está dotada dos mecanismos de governo económico que acompanham o governo monetário assumido pelo Banco Central Europeu, nem dos meios orçamentais para fazer face ao alargamento. Penso que este é um problema central e gostaria de ouvir a sua opinião, tendo em conta que no após-Nice já prevê um conjunto de debates que, eventualmente, poderão conduzir a uma nova Conferência Intergovernamental.
Em suma, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de ouvir a sua opinião sobre o futuro da União Europeia que resulta da Cimeira de Nice, tendo em conta o enorme desafio do alargamento.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Barros Moura, depois dos árduos resultados que foram possíveis alcançar, gostaria também de dizer uma palavra de apreço pela forma como a presidência francesa soube conduzir o final dos trabalhos, no sentido de encontrar uma solução equilibrada entre todos. Penso que foi um contributo importante para que se registasse o êxito da Cimeira de Nice, o que não deve ser por nós esquecido.
Agora, como é evidente, o Sr. Deputado coloca duas questões muito importantes.
Em relação à primeira, ao governo económico, devo dizer que está a dar-se uma revolução tranquila no funcionamento da Europa com aquilo a que se chama «o seguimento de Lisboa», isto é, com a criação de um conjunto de mecanismos que nas várias políticas económicas e sociais garantem o aprofundamento da coordenação a nível Europeu com o papel da Comissão e com uma maior cooperação entre os Estados-membros. Não é o governo económico da Europa mas são passos muito significativos que ultrapassam uma visão simplesmente monetarista, que tendeu a prevalecer no passado.
Em segundo lugar, quanto às perspectivas financeiras, vamos ter a sua discussão a partir de 2006, mas há desde já uma coisa que é óbvia: com a previsão de calendário que foi introduzida nas perspectivas financeiras actuais em relação ao calendário que hoje se prevê para o alargamento, penso que, no quadro do actual período, até 2006, não haverá problemas financeiros com o alargamento.
Por isso, temos tempo para os discutir na perspectivação 2004/2005, como teremos em 2004, espero, uma conferência intergovernamental que dê resposta a algumas das questões de fundo que colocou em relação ao futuro da Europa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O Conselho Europeu de Nice não foi seguramente a vitória histórica que alguns apresentam, nem o fracasso dramático que outros apregoam.
O processo de integração na Europa é de tal forma complexo que qualquer responsável político deveria evitar a tendência para o apresentar em termos simplistas.
Na minha breve análise procurarei, por isso, evitar as considerações imputáveis à lógica da dialéctica governo/oposição. A questão é suficientemente séria para justificar que façamos o esforço de colocar entre parêntesis as divergências político-partidárias e olharmos atentamente, isso sim, para o sentido da evolução da Europa e do nosso papel nessa mesma Europa.

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O Conselho Europeu de Nice teve como principal objectivo a conclusão da CIG e a questão da reforma institucional.
Face ao que dele resulta, somos forçados a concluir que os líderes europeus, em vez de se preocuparem em apresentar o alargamento como um desígnio histórico e geoestratégico, reduziram a Conferência Intergovernamental a um exercício de ponderação do peso relativo dos Estados. E que um dos objectivos mais proclamados - o de introduzir maior eficácia no funcionamento da União - não foi verdadeiramente alcançado.
A presidência francesa e alguns Estados de maior dimensão utilizaram o alargamento como pretexto para a alteração de certos equilíbrios que vigoraram ao longo de todos estes anos e estiveram na base de um período sem precedentes de paz, de estabilidade e de prosperidade na Europa.
Foi, pois, um erro - e um erro muito grave - que se tivesse mexido na relação institucional entre os Estados, na medida em que isso debilitou ainda mais o espírito e o método comunitários.
A opinião pública europeia, que acompanha estas questões quase sempre com grande distanciamento e muitas vezes com perplexidade, não viu em Nice políticos verdadeiramente comprometidos com o espírito europeu mas puras estratégias de poder, as quais só podem contribuir para enfraquecer o projecto de uma Europa mais afirmativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ora esta deriva ocorre, em larga medida, por não haver neste momento na Europa capacidade de liderança política.

O Sr. António Capucho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Parece óbvio que tal liderança terá sempre de partir ou, pelo menos, de contar com a vontade e o empenho de alguns dos países de maior dimensão e da própria Comissão.
Mas, quanto a este ponto, o que vemos nós? Uma Comissão cada vez mais debilitada, perdendo o papel de relativa independência, indispensável na arquitectura europeia.
Em relação aos Estados de maior dimensão, o que constatamos quanto à sua vontade e à sua capacidade de liderança na actual fase do processo de integração? Vou ser sincero e pouco diplomático - tenho, neste aspecto, a vantagem de não estar no Governo e de poder dizer aquilo que talvez o Sr. Primeiro-Ministro pense, mas não pode dizer. A questão é séria e merece uma análise sem subterfúgios. Hoje, na Europa, temos uma Alemanha que pode, mas não quer; uma França que quer, mas não sabe; uma Inglaterra que sabe, mas não pode.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De facto, o actual chanceler alemão e boa parte da elite daquele país acusa ainda os efeitos dos custos da reunificação alemã, muito superiores ao esperado. Talvez por isso, a Alemanha aparece hoje menos comprometida com o projecto europeu do que em lideranças anteriores.
Reconheça-se, contudo, que a República Federal da Alemanha foi em Nice o único país de maior dimensão que compreendeu que na Europa a forma de liderar não passa pela constante exibição do poder nacional mas pelo exemplo de concessões que favoreçam o projecto europeu.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A França de Chirac e Jospin veio, infelizmente, mostrar o peso que ainda tem um certo nacionalismo gaulista na formulação da sua política externa e também como permanecem tantos complexos relativamente ao seu vizinho alemão. A presidência francesa, Sr. Primeiro-Ministro, é a primeira responsável pelo facto de em Nice se ter alterado o peso relativo dos Estados e se ter feito imperar a lógica casuística das medidas de força e da contabilidade do peso nacional. Os líderes franceses podem ter ficado muito satisfeitos pelo facto de garantirem, ao nível do Conselho, a paridade com a Alemanha. Mas o que de facto conseguiram foi diminuir a sua credibilidade perante a maioria dos Estados, debilitando assim o vínculo de confiança necessário ao desempenho de um papel liderante no processo europeu.
O Reino Unido goza da inteligência diplomática que falta a outros, mas tem contra si a posição objectivamente marginal e periférica. E o Sr. Tony Blair, que tanto fala em colocar a Inglaterra no centro da Europa, continua, na prática, submetido à opinião dominante do país, que se mantém relutante face à evolução da União. O máximo que a Inglaterra tem conseguido é exercer a sua influência mais pela oposição do que pela mobilização para uma causa comum.
A Espanha, cuja cotação no concerto europeu cresceu indubitavelmente, ultrapassando mesmo em muitos aspectos uma Itália infelizmente ausente nos grandes momentos, conseguiu marcar pontos. Mas fê-lo, ainda e sempre, numa óptica puramente nacional - uma espécie de França mais pequena -, o que serve naturalmente o interesse de Madrid no imediato, mas dificulta a mais longo prazo a sua capacidade de efectiva influência na definição dos rumos da Europa.
Neste contexto, fica bem patente o défice de liderança estratégica na união europeia.
De facto, quando estão em causa projectos transnacionais, a inteligência estratégica não se mede pela contabilidade de mesquinhos ganhos e perdas no estrito ponto de vista nacional. Se este tipo de raciocínio tivesse vingado após a II Guerra Mundial, não teria ocorrido a reconciliação franco-alemã, nem se teria iniciado o processo de integração europeia. Se esta lógica tivesse imperado, os Estados Unidos da América - verdadeiros predecessores da integração europeia por via do Plano Marshall - teriam deixado a Europa entregue a si própria, não gastando aí qualquer dólar.
Esta seria, porventura, uma atitude imediatista de pretenso interesse nacional, mas uma total ausência de sentido estratégico, que felizmente para o ocidente não ocorreu.
A verdadeira inteligência estratégica reside em pôr de lado os eventuais ganhos imediatos, investindo em vez disso num projecto comum e, nesse plano, colher benefícios mais sólidos e duradouros. É isto que em absoluto falta à medíocre Europa política que hoje temos.
Por isso, depois de Nice, apetece-me, sobretudo, dizer: que saudades de Helmut kohl, de François Miterrand, de Jacques Delors! Mas também que saudades de Helmut Schmidt ou de Valéry Giscard d'Estaing! Que saudades de

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Adenauer, de De Gasperi, Schuman ou Jean Monnet! Que saudades de uma Europa liderada pela vontade política, mobilizada por causas e entusiasmada por ideais!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não podemos contudo iludir-nos. A Europa vai mesmo fazer-se, na medida em que a dinâmica própria da integração vai impor, queiram ou não os líderes políticos, a adopção de novos mecanismos de cooperação.
Um país como Portugal nada tem a ganhar com uma pura lógica intergovernamental, que só contribui para reforçar o peso dos Estados de maior dimensão, como, aliás, Nice demonstrou.
De qualquer modo, devemos reconhecer que, face às propostas iniciais, Portugal e outros países, nomeadamente a Bélgica, reagiram e tudo procuraram fazer para limitar os estragos de uma linha de orientação que só poderia conduzir a resultados negativos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Assim, como já tive ocasião de dizer, no contexto negativo vigente, os resultados obtidos pelo Governo podem considerar-se moderadamente positivos.
Esta é, quanto a mim, a visão séria e equilibrada.
Como líder do maior partido da oposição ser-me-ia fácil capitalizar descontentamentos e explorar eventuais sentimentos de dignidade nacional ferida. Não vou por aí. Detesto a demagogia, por isso, não vou por aí!
Sabendo como sei que a tendência de longo prazo vai no sentido do reforço da integração europeia, apesar de encruzilhadas como Nice ou das dores de crescimento que o futuro continuará a registar, interessa-me, isso sim, ver como é que Portugal pode afirmar-se na Europa e apoiar o processo europeu.
Compete-me, por isso, como primeiro responsável do PSD - partido que desde Francisco Sá Carneiro se empenhou a sério no projecto europeu - reafirmar a nossa convicção no futuro da Europa, e nesta linha, apesar das críticas que fazemos ao Conselho Europeu de Nice, manifestar o nosso apoio a um Tratado que nos deixa certamente insatisfeitos, mas que, a não ser aprovado, conduziria a Europa para uma situação ainda mais difícil.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - A ética da responsabilidade impõe ao PSD, hoje principal força de oposição, este voto crítico, mas construtivo, mas também o apelo a que a sociedade portuguesa se mobilize para debater em profundidade a questão europeia, de modo a garantir que o nosso país seja cada vez menos um destinatário e cada vez mais um agente activo e presente no primeiro plano da construção europeia.
Estarmos fora desta construção não é uma alternativa. A opção que se coloca é antes a de saber se, no quadro deste processo, somos ou não membros de corpo inteiro e com capacidade de afirmação.
Por isso, apesar de todas as dificuldades, apesar de Portugal viver, em termos de Governo, actualmente, uma triste situação, isso não deve impedir-nos de continuarmos a lutar, para além da conjuntura, por aquilo em que acreditamos. E nós acreditamos num Portugal mais forte e numa Europa mais unida. Desta linha não abdicaremos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Cimeira de Nice, que culminou politicamente o semestre da presidência francesa da União Europeia, seria, necessariamente e como todos o reconheceram à partida, um exercício de complexo equilíbrio e de difícil sucesso.
À gestão normal da evolução da União a atravessar claramente um período de dinamização em consequência da bem sucedida presidência portuguesa, acrescia a decisão final sobre a Conferência Intergovernamental lançada com o objectivo de proceder à alteração dos Tratados de forma a preparar a União para um funcionamento mais saudável e consistente e também para criar condições para a aceitação do maior e mais difícil alargamento a que a Europa se comprometera.
Esta parte da Cimeira de Nice, ou seja, o acordo sobre a revisão dos Tratados, viria, aliás, a fixar o essencial do noticiário informativo e da atenção das opiniões públicas, subalternizando de algum modo todo o trabalho realizado noutras áreas.
Não compete ao Parlamento português fazer uma análise valorativa da presidência francesa - fê-lo, bem e justamente, a propósito do êxito da presidência portuguesa -, mas compete-nos, com o máximo de imparcialidade e sem juízos indelicados, apontar algumas características desta presidência.
Foi assim que tivemos oportunidade de constatar, e disso demos todos, Deputados portugueses, o nosso testemunho nos diversos fóruns onde interviemos, que a presidência francesa se orientou muitas vezes, aparentemente pelo menos, na defesa do seu interesse nacional, ainda que tal significasse ou pudesse significar menos consideração pelo interesse comunitário, e se desenvolveu numa linha de relativa fractura, aceitando a inevitabilidade de uma oposição entre grandes e pequenos países e tomando naturalmente partido pelo chamado grupo dos grandes países.
Esta filosofia e orientação foram particularmente evidentes no que toca às matérias tratadas no âmbito da Conferência Intergovernamental.
Ora, não há, muito visivelmente, no balanço final da Cimeira um sinal claramente distintivo desta presidência, nenhum marco verdadeiramente exemplar e sobretudo duradouro e estruturante para a história da construção europeia pode ser, a meu ver, identificado.
A simples proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais, a óbvia reafirmação do compromisso e do significado histórico do alargamento ou o convite para que a União Europeia prossiga e desenvolva trabalhos o mais urgente possível para a dinamização da Política Europeia Comum de Segurança e Defesa, são excelentes exemplos do que acabo de afirmar.
Deve, contudo, relevar-se o conjunto das decisões sobre a Europa Social e a Europa da Inovação e do Conhecimento, bem como as medidas relativas à coordenação das políticas económicas como elementos altamente positivos, embora também decorrentes do impulso introduzido nes

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tes domínios pela presidência portuguesa, que ocorreu durante o 1.º semestre do corrente ano.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso se torna relevante e apropriado recuperar aqui muitas das conclusões do Conselho Europeu da Feira, nomeadamente a Cimeira Extraordinária sobre o Emprego e Desenvolvimento realizada em Março deste ano na cidade de Lisboa, como testemunho da afirmação que, então, aqui fizemos sobre a importância que estas decisões teriam na presidência seguinte.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Temas como a Agenda Social Europeia, a estratégia europeia de emprego, a estratégia europeia contra a exclusão social e todas as formas de discriminação, a modernização da protecção social e esforço europeu de investigação e inovação, passaram a ser, com carácter duradouro e estruturante, temas indispensáveis à própria União Europeia, ao crescimento das diversas sociedades que integram a Europa e ao desenvolvimento progressivo e acelerado dos cidadãos que são destinatários finais de todas as políticas e opções.
A solução para os chamados «restos de Amsterdão», ou seja, o conjunto dos problemas que o Tratado, que assumiu o nome daquela cidade, deixou em aberto foi sempre entendida como indispensável para que a Europa pudesse proceder facilmente ao alargamento aos países do leste europeu.
Tornou-se, no entanto, rapidamente muito claro que, independentemente deste objectivo, a reforma dos Tratados iria transformar-se num terreno propício à definição de novas regras de funcionamento e eficácia (o que seria salutar e desejável), mas também a uma diferente articulação dos equilíbrios de poder.
A composição da Comissão, a ponderação de votos, o sistema de votação, a agilização do processo de apuramento da vontade comunitária, as representações no Parlamento Europeu e no Conselho Económico e Social, enfim, as novas e inovadoras formas de fazer progredir a União no seu quadro institucional, sem marginalizações definitivas para os mais frágeis (as conhecidas cooperações reforçadas), rapidamente se transformaram em elementos de algum confronto que podiam ter comprometido, em definitivo, o êxito da Cimeira de Nice.
O sucesso da aprovação de um texto sobre a reforma institucional acabou por ser também o verdadeiro êxito da presidência francesa.
Durante este longo processo, que começou, aliás, durante a presidência portuguesa, pairou muitas vezes o perigo de que a Europa evoluísse para uma estrutura de directório, onde os países mais poderosos decidissem, praticamente sem limites, o futuro da União.
Defrontavam-se, aliás, duas concepções da Europa: a de uma Europa com o poder exclusivamente associado à dimensão populacional e económica, assente em princípios de democracia formal, que verdadeiramente só interessava aos grandes; e a de uma Europa de Povos e Nações, que, respeitando a dimensão de cada um dos países, olha complementarmente para todos como entidades com voz e poder próprio, suficientes para determinar e condicionar o ritmo e a natureza dos processo de evolução futura.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Felizmente que o resultado de Nice se aproxima bastante mais deste segundo modelo, mas sobretudo se caracteriza por aceitar fórmulas e patamares de intervenção securitária que são por isso, na necessária e inultrapassável evolução futura, elementos essenciais à sua preservação.
Parece-me necessário que se sublinhe o papel do Governo português e nomeadamente o do Primeiro-Ministro para a obtenção deste resultado.
No debate da semana passada, tive também oportunidade de saudar o papel responsável que, neste domínio, desenvolveu e desempenhou o principal partido da oposição.
Circunstâncias especiais e conhecidas deram-me a feliz oportunidade de acompanhar ao longo deste ano todo o processo da Conferência Intergovernamental, muitas vezes no país e algumas vezes no estrangeiro. Participei em inúmeros debates, conferências e sobretudo nas COSAC de Lisboa e Versalhes, onde os temas da reforma institucional estiveram sempre predominantemente na discussão, e foram-no, quase sempre, por iniciativa dos Deputados portugueses, de todos os Deputados portugueses!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A convergência para a defesa do essencial no interesse do País esteve sempre presente na nossa intervenção. Por isso, afirmei aqui que, com este quadro de entendimento e confiança, depositava, no comportamento do Governo e especialmente na acção do Primeiro-Ministro, muito do optimismo moderado que revelei em relação às decisões da Cimeira de Nice.
Ficou claro para os portugueses, mas também para a Europa, que o Primeiro-Ministro de Portugal, europeísta convicto, concilia bem o seu compromisso com o ideal europeu, com a responsabilidade da defesa intransigente do interesse nacional…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … e, sobretudo, que é respeitado e ouvido na negociação internacional.
Estão, pois, o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo de parabéns e o PS não poderia deixar de o registar, na sequência, aliás, do reconhecimento justo que também foi feito pelos líderes do PSD e do PP.
Em Nice, a Europa não se ganhou em definitivo, mas seguramente também não foi em Nice que a Europa se perdeu.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Há um longo e difícil caminho a percorrer até 2007. Acolheremos os primeiros países do novo alargamento, experimentaremos os novos equilíbrios de poder e as novas modalidades de decisão e consolidação, definiremos as perspectivas financeiras para a continuação do desenvolvimento dos países da coesão, determinaremos, enfim, com a nova Conferência Intergovernamental já convocada para 2004, uma nova arquitectura política e jurídica da Europa do 3.º milénio. E tudo será feito com a participação activa de Portugal - sabemo-lo agora, depois da Cimeira de Nice -, na medida da sua dimensão, mas, so

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bretudo, no respeito pela nossa cultura, pela nossa história e pelo nosso papel na comunidade internacional.
Depois de Nice, não há apenas grandes e pequenos países, há sobretudo países com dimensão histórica, dimensão colectiva e cultural suficientes, para não aceitarem papéis secundários na construção da Europa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Portugal está agora, e por acção do Primeiro-Ministro, inequivocamente neste grupo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Fiz há pouco, creio, um discurso muito severo, crítico e duro contra aquilo que considero ser a irresponsabilidade política do Sr. Primeiro-Ministro em questões domésticas. Com esta legitimidade, quero dizer, com toda a clareza, que, a meu ver, na negociação do Tratado de Nice o Sr. Primeiro-Ministro fez uma boa negociação em nome de Portugal, dado o enquadramento negativo da evolução das questões de poder na União Europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sou inteiramente capaz de dizer bem quando entendo que as coisas são bem feitas, e direi sempre muito mal quando, a meu ver, as coisas são muito mal feitas. E, lamento dizer-lhe, acho que o senhor é mais competente em questões externas do que em questões internas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Quero também estender esta minha posição ao Sr. Ministro Jaime Gama e ao Sr. Secretário de Estado Francisco Seixas da Costa.

Vozes do PS: - Fica-lhe bem!

O Orador: - Como o Sr. Primeiro-Ministro sabe, no CDS, elaborámos e entregámos-lhe um conjunto de objectivos, que designamos por «lista de mínimos», e que configurava uma negociação satisfatória para Portugal em Nice.
O primeiro objectivo era a manutenção do princípio de que cada Estado deve ter um comissário. E eu diria que, por prazo razoável este princípio foi mantido e que, de sexta-feira para domingo, houve uma considerável melhoria na proposta da presidência, porquanto caiu a obsessiva ideia de alguns na União Europeia, a de limitar a Comissão a um número pré-definido de membros, que, no caso, era de 20. A versão final é melhor.
Em segundo lugar, do ponto de vista dos votos no Conselho, a verdade é que os grandes Estados começaram com 30 votos e terminaram com 29 e países como Portugal começaram com 10 e terminaram com 12. É indiscutível que houve quem crescesse mais, como é o caso da Espanha que multiplicou por 3,4 o peso dos seus votos no Conselho, tendo, contudo, havido sempre o cuidado, certamente germânico, de a Espanha nunca chegar para fazer maioria no bloco dos grandes com um pequeno país - e não chega por décimas em todos os cenários possíveis e, portanto, também aqui é preciso rectificar algum triunfalismo -, mas também é verdade que houve quem multiplicasse por menos do que nós o seu peso no Conselho, como é o caso da Irlanda, modelo que estimamos muito.
Portanto, achamos este resultado inteiramente razoável e pensamos que a sua firmeza foi muito necessária a este resultado, que é satisfatório, dentro das condições que foram possíveis.
Quanto às maiorias qualificadas - terceiro ponto a que nos referíamos -, considerámos, desde sempre, que havia duas matérias, entre muitas outras, que não poderiam passar para a maioria qualificada nem, em certo sentido, pelo menos numa delas, para o primado comunitário. A primeira delas diz respeito à coesão e aos fundos comunitários, e creio que é partilhada por todas as forças políticas nesta Câmara; a segunda tem a ver com uma questão, que é decisiva para nós, mas que admito que seja doutrinária e com a qual outros não estejam de acordo, que é uma excessiva comunitarização da política fiscal, que não aceitamos no actual quadro de desenvolvimento de Portugal.
Já não mandamos na moeda, já não mandamos nos juros, já não mandamos na dívida e já não mandamos no défice - só o maquilhamos -, mas a política fiscal é uma política soberana e Portugal precisa dela para crescer mais, mais depressa e mais rapidamente; precisa de ter liberdade na política fiscal para poder crescer a sério do ponto de vista da recuperação do seu atraso económico. Por isso mesmo, largar o primado do nacional ou ceder alguma coisa em matéria de fiscalidade era para nós um erro.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sei que esta não era uma questão a que Portugal fosse muito sensível, mas, graças a Deus, houve outras nações sensíveis a esta matéria que evitaram essa comunitarização.
Depois, em quarto lugar, a questão das cooperações reforçadas. Ainda me lembro - todos evoluem, não sou só eu que evoluo - da urticária que causava a ideia das cooperações reforçadas por altura da discussão de Amsterdão. Ora, como se lembrarão, a flexibilidade contra a rigidez federal foi o nosso principal argumento para votar o Tratado de Amsterdão, e aquilo que salientámos então foi a institucionalização, de jure, porque de facto já existia, das cooperações reforçadas.
Considero que cooperações reforçadas, com regras que não signifiquem a exclusão institucionalizada de quem quer que seja, são mais cómodas para uma Europa em alargamento. Acho impossível colocar 27 países de acordo sobre tudo. Portanto, acho natural que alguns queiram andar mais depressa, não impondo esse ritmo a quem não quer, e que aqueles que querem ficar de fora desse ritmo também não paralisem nem obstruam o desenvolvimento da União Europeia. E, portanto, como sempre fui a favor das cooperações reforçadas, só posso, nesta matéria, verificar que outros, hoje, as aceitam de melhor grado.
Quanto ao Parlamento Europeu, é evidente que sofremos alguma redução. Podia ter sido pior, porque o núme

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ro de Deputados portugueses esteve para descer para 19, depois esteve para descer para 20.
Há muitas maneiras de apresentar os números e as estatísticas, e, portanto, não vou discutir isso, a minha posição é de patriotismo, sem falhas nessa matéria. A verdade é que também se pode dizer que o número de Deputados do Parlamento Europeu aumenta, sem se explicar que aumenta porque vem aí um alargamento e, no quadro do aumento, Portugal retrocede. Mas isto também não é inteiramente verdade! Acho que há, do ponto de vista da representação de um Estado médio, como Portugal, um problema com a representação democrática directa, que é a que tem origem no Parlamento Europeu e, portanto, chamaria a atenção para a ideia que temos vindo a solidificar e a desenvolver de, a prazo, sem que isso constitua, senão formalmente, uma referência federal, bem pelo contrário, se fazer o caminho de um senado das nações.

O Sr. José Barros de Moura (PS): - Bom esforço, Sr. Deputado Paulo Portas!

O Orador: - Sr. Deputado José Barros de Moura, não é necessariamente federal um senado paritário de representação dos Estados! E ainda mais se tiver como vocação integrar a representação dos parlamentos nacionais!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Agora, há uma coisa que podemos fazer por nós próprios, e aí, Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe que reflicta sobre isso, porque a tendência e o quadro geral não é positivo. Acho que Portugal deve rever a sua lei de acompanhamento dos actos comunitários. Todos nós temos de fazer um esforço maior de fiscalização dos actos comunitários e precisamos de adequar uma lei que tem o sistema mais exíguo de controlo democrático que existe, pelo menos nos parlamentos cujo regime de controlo de actos comunitários eu conheço, a uma realidade que já é muito diferente. A França está, neste campo, muito mais adiantada do que nós, o mesmo acontece com a Inglaterra e com os países escandinavos, porque temos um regime minimalista. E eu acho que alguma coisa podemos fazer por nós próprios, em vez de estarmos sempre à espera de o conseguirmos fazer em conjunto com os outros, e uma delas é reforçar o controlo dos actos comunitários.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada do Partido Ecologista «Os Verdes» cedeu ao CDS-PP 1 minuto.

O Sr. Presidente: - Já foi somado ao tempo que restava ao CDS-PP, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Presidente, o que foi somado foi o que me foi cedido pelo Governo!

O Sr. Presidente: - Então, se Os Verdes, pela voz da Sr.ª Deputada Isabel Castro, cedem 1 minuto, faça favor de continuar.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto para dizer que consideramos que nem têm razão os demasiados cépticos, como é, por exemplo, o pensamento do Bloco de Esquerda ou do Dr. Pacheco Pereira, agora em revisionismo, e dão-nos razão aqueles que dizem que Nice não é um grande passo. Pequenos passos só provam a nossa moderação e o nosso realismo.
Quanto à ratificação, gostava de dizer à Câmara que proporemos aos órgãos do partido o voto favorável a este Tratado, tal como votámos o de Amsterdão. Agora, no que toca ao método de aprovação, devo dizer que o referendo deveria ter sido sobre a moeda única e que se, um dia, existir um projecto de constituição, um projecto de exército ou um projecto de imposto europeu se deve fazer imediatamente um referendo; porém, sobre questões de poder, partindo de um Estado exíguo, como aquele que nós verdadeiramente somos, acho irrealista.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Nice confirmou o essencial do que tínhamos afirmado neste Hemiciclo há uma semana; Nice confirmou que o alargamento da União Europeia foi apenas um mero pretexto utilizado para esconder as ambições dos países mais poderosos para alterar em seu proveito o actual quadro institucional.
Apesar das noitadas, da duração da Cimeira e dos esforços bem intencionados e empenhados de alguns, o resultado final, frio e incontornável, é politicamente desfavorável para Portugal e para os pequenos países; é politicamente prejudicial para Portugal e para a União Europeia; favorece apenas e em exclusivo a já grande capacidade de influência e de condicionamento do processo decisório por parte dos países mais poderosos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Nice ficou - e bem! - reconhecido o princípio da manutenção de um membro de cada país na Comissão Europeia, mas o preço pago pelo reconhecimento de um mero princípio, que deveria ser elementar e incontornável, foi, na nossa opinião, demasiado elevado, tanto mais que o princípio agora aceite pode vir a ser, a prazo, revisto e radicalmente alterado, isto é, pode mesmo deixar de ser princípio.
Enquanto Portugal vê os seus votos no Conselho multiplicados por 2,4, os votos dos quatro maiores países são multiplicados por 2,9, os da Holanda por 2,6, os da Suécia e da Áustria por 2,5 e os da Espanha dão um salto mais do que triplicando.
Neste quadro, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, são oito os Estados-membros que aumentam os seus votos numa proporção superior ao acréscimo garantido a Portugal. Por aqui se vê que quem mais votos ganhou, a quem Nice acrescentou o poder que foi retirado a Portugal, não foram apenas e somente os países que perderam comissários, como se pretende fazer crer.
Sr. Presidente, Caros colegas: É cada vez mais crescente a influência dos países mais poderosos no processo decisório da União Europeia. A reponderação de votos foi um passo central, mas não foi o único dado em Nice.
As decisões a adoptar por maioria qualificada, tal como as minorias necessárias para bloquear decisões, dependerão ainda mais do acordo de três,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E mais um!

O Orador: - … quando muito de quatro, dos Estados mais fortes; os processos de decisão por maioria qualifi

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cada tornar-se-ão mais dependentes dos mais poderosos, com especial destaque para a dependência em relação à Alemanha, que passa a ser, cada vez mais, o verdadeiro dono dos destinos desta União.
Para quem defendia que esta Conferência Intergovernamental tinha de tornar mais operacional e eficaz o processo decisório para permitir o alargamento - e recordo, Sr. Primeiro-Ministro, que não é esta a tese do PCP, para quem tiver dúvidas -, as decisões de Nice são profundamente contraditórias, mas confirmam o essencial, ou seja, que a questão central em discussão era apenas a do reforço do poder interno dos mais fortes.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Nice decidiu que mais 40 temas deveriam passar a ser objecto de decisão por maioria qualificada. Ficam apenas de fora questões que certos países, novamente os mais fortes, consideraram de seu interesse específico e nacional manter no âmbito das decisões por unanimidade. Portugal continuará a beneficiar parcialmente deste facto por mero arrastamento e não por ter definido previamente, como seria desejável e corresponderia ao interesse português, um vasto e alargado leque de temas em que poderia e deveria ser mantido o direito de veto.
Apesar de tudo, políticas importantes para Portugal, como a relativa aos fundos estruturais ou a que diz respeito a acordos comerciais, passarão, num prazo muito curto, a ser, eventualmente, aprovadas contra a opinião, o voto e os interesses do País.
Por fim, Nice dá luz verde às chamadas cooperações reforçadas, designação eufemística utilizada para gerar pequenos directórios de grandes interesses. Nice permite o reforço da militarização da União Europeia, o avanço para a criação de um corpo de exército que muscule os interesses de alguns.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nice institucionaliza a Europa a várias velocidades, liquidando de forma definitiva o espírito de coesão estabelecido no Tratado de Roma.
Alguns virão, amanhã, de forma hipócrita, lamentar o agravamento de problemas económicos e sociais no País, que pode resultar da perda de poder de Portugal decidida em Nice. Fizeram isso no passado, voltarão a tentar fazer isso no futuro próximo, por exemplo no próximo acto eleitoral.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Vai agora iniciar-se o processo de ratificação do acordo subscrito em Nice. Espera o PCP que, a partir de agora, e ainda que tardiamente, o Governo assuma as suas responsabilidades e promova um grande debate nacional sobre as implicações profundas das decisões de Nice.
Espera também o PCP que todos os responsáveis políticos e partidários, eleitos nesta Assembleia ou noutras instâncias parlamentares, participem nesse debate, procurem mostrar a todos os portugueses as razões pelas quais é que «os grandes é que saíram vencedores de Nice», expliquem os motivos pelos quais consideram que os seus «resultados são em todos os aspectos muito negativos» ou, então, que sejam coerentes com as debilidades e com os erros graves hoje aqui, neste debate, já enunciados por alguns.
Pela nossa parte, o PCP assumirá as suas responsabilidades e o seu papel nesse debate. E, como consideramos que o Acordo de Nice prejudica Portugal e a União Europeia, ficamos à espera de que os votos desses críticos se juntem aos do PCP.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Sr. Orador: - É que o Acordo de Nice, Sr. Primeiro-Ministro, não é uma fatalidade, não é um dado adquirido, pode ser recusado por Portugal e pode e deve ser rejeitado, no futuro, por esta Assembleia!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo está mais ou menos satisfeito com os resultados da Cimeira de Nice e o PS, o PSD e o PP idem, aspas, aspas.
É certo que o Governo português conseguiu evitar o pior. Paladino dos mais pequenos, conseguiu umas benesses. Para os que aderem à filosofia Poliana, de antes mal do que pior, é o bastante.
Na discussão sobre a nova arquitectura institucional para o alargamento, o que esteve em causa foi, de facto, o equilíbrio ou, se quiserem, o desequilíbrio de poderes. A Europa das cidadãs e dos cidadãos esteve sempre fora da Cimeira. A Carta dos Direitos Fundamentais, que restringia direitos consagrados e alargava o âmbito dessa restrição, nem sequer passou. Tony Blair, da terceira via tão liberal, nem isso quis.
Os acordos de Nice concedem um espaçozinho conveniente aos pequenos Estados; institucionalizam um sistema de decisão tão complexo que a metáfora adequada é a do caranguejo; asseguram o domínio dos grandes, de modo a que três grandes Estados podem decidir por todos os outros e contra todos os outros; e a Alemanha reforça a sua presença no Parlamento e na tomada de decisão do Conselho. O alargamento salda-se em termos contabilísticos e puramente economicistas. A União Europeia afirma-se como um grande mercado e como projecto de grande exército simulacro da NATO. A moeda e as armas valem mais do que as cidadãs e os cidadãos da União Europeia e valem contra as cidadãs e os cidadãos da Europa.
Mais envolvida na mimesis do modelo americano, mais esvaziada de conteúdo democrático, renunciando-se como projecto social e como identidade plural, a Europa de Nice constitui-se como um tabuleiro onde o jogo nem sequer tem emoção, porque ganhadores e perdedores conhecem-se à partida.
Mas a Europa das cidadãs e dos cidadãos, a que esteve cá fora, a Europa expressa nas movimentações dos movimentos sociais e que foi tratada com gás lacrimogéneo em Nice, essa permanece, exigindo uma Europa democrática, participada, de cooperação económica e monetária, de justiça social e de paz.
Esta Europa não espera que qualquer reponderação de votos lhe dê a palavra. Podem os Srs. Governantes recusar-lhe o referendo e recusar-lhe que se pronunciem sobre a Europa como projecto a refundar democraticamente. A Europa das cidadãs e dos cidadãos confronta-os, e permanece, a perturbar, cada vez mais, a auto-satisfação complacente de vários senhores.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral. Dispõe, para o efeito, de 2 minutos, tempo que lhe foi cedido pelo Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, quero agradecer ao Partido Socialista o ter-me cedido tempo para esta brevíssima intervenção, e nela quero salientar o significado e a importância da resolução, no Conselho Europeu de Nice, do penoso problema das multas aos lavradores açorianos, em virtude de terem excedido a quota leiteira que lhes estava atribuída na campanha de 1999/2000.
O empenho do Governo foi extremamente importante e o empenho pessoal do Primeiro-Ministro foi verdadeiramente decisivo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta palavra deve aqui ser dita por uma questão de elementar justiça.
Devo, porém, advertir o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro, que já sobre essa matéria se referiu posteriormente, que o problema, estando no imediato solucionado, não resolve a questão de fundo, que é o patamar das quotas estabelecidas e atribuídas aos Açores, que, manifestamente se revela, hoje em dia, insuficiente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Deixo aqui um desafio para que a pugnacidade do Sr. Primeiro-Ministro obtenha a solução efectiva e real desse problema, porque recomendar paciência e diversificação aos lavradores açoreanos é muito bonito, mas não é suficiente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero, por isso, Sr. Primeiro-Ministro, salientando o seu desempenho pessoal, deixar-lhe aqui uma palavra especial: diz-se que, em política, não há gratidão e que o Governo faz o seu dever e cumpre as suas obrigações, tudo isso é verdade. Estas coisas não se devem, portanto, agradecer, mas… devem agradecer-se. Em nome do povo açoreano, expressão que o Sr. Primeiro-Ministro aqui alguma vez abençoou, muito obrigado.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Seixas da Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao encerrar, em nome do Governo, este debate, após o termo da Cimeira de Nice, quero sublinhar que Portugal esteve na negociação deste novo Tratado com aquela que tem sido sempre a sua postura na União Europeia desde 1995, com firmeza e objectividade nas suas propostas, com transparência e justeza nas posições, mas sempre - e repito, sempre - com o espírito de compromisso, aliando a visão portuguesa das coisas a um interesse europeu, que também é o nosso interesse.
Poderíamos, nesta negociação, ter cedido à tentação obstrucionista, à mera repetição obsessiva de posições de partida, sem flexibilidade e sem margem de manobra, e teríamos acabado encurralados numa negociação que nem sequer acabaria por o ser, perderíamos credibilidade e a nossa capacidade de afirmação futura na Europa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Outra atitude seria, ainda, a do concessionismo total, fosse para evitar fazer ondas, fosse para nos colocarmos no «politicamente correcto» da moda europeísta, como se estivéssemos protegidos por aquilo que os outros acabassem por decidir por nós. Teríamos, nesse caso, afectado a defesa do interesse português na preservação da capacidade de intervenção futura no quadro comunitário, funcionando como ingénuos num jogo político que está longe de ser inocente.
Optámos pela via mais lógica e mais operativa, que combinava a defesa do interesse nacional com uma perspectiva claramente europeia.
A atitude serena e afirmativa nas questões europeias que Portugal tem assumido e que a nossa presidência da União Europeia confirmou e é por todos reconhecida ajudou-nos a impor as soluções que ficaram consagradas em Nice no que a Portugal respeita.
Desmontámos, então, várias ameaças que contra nós se apontavam: a primeira era tentar garantir a nossa irrelevância no processo decisório, através de uma reponderação brutal de alguns Estados nos votos no âmbito do Conselho - falharam; a segunda era procurar que a Comissão tivesse um número muito baixo de comissários, dando-lhe um carácter de estrutura tecnocrática, impulsionada por um batalhão de funcionários onde o peso dos grandes Estados é reconhecidamente esmagador - também aqui falharam; a terceira era produzir um efeito de recuo na nossa representação no Parlamento Europeu, magnificando indirectamente desta forma os efeitos da co-decisão em termos de novo critério de reponderação - voltaram a falhar (e aqui faço notar ao Sr. Deputado Paulo Portas que 10 países baixaram percentualmente a sua representação no Parlamento Europeu e, a nível dos Quinze, Portugal foi um dos cinco países que subiu; a quarta era a tentativa de utilizar as cooperações reforçadas na política externa e de segurança comum para autorizar a que um núcleo restrito de Estados viesse a utilizar o nome da União Europeia para levar a cabo a sua afirmação diplomática própria - esta tentativa também fracassou; finalmente, o que não era menos penalizante politicamente, tentou deixar-se a ideia de que um bloqueio desta negociação configurava uma obstrução ao alargamento, da qual seríamos os responsáveis - também aqui o «tiro» saiu manifestamente pela culatra. Portugal acabou por assegurar, com a sua atitude firme, precisamente a possibilidade de dar um espaço de maior afirmação no futuro aos próprios países candidatos, no quadro do processo decisório da União Europeia.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo registou com muito agrado o sentido de Estado demonstrado pelas oposições que com ele conjugaram posições no caminho para Nice, bem como no próprio decorrer da Cimeira.

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Sem prejuízo das divergências de natureza pontual que todos mantemos na leitura dos factos e que este debate deixou naturalmente evidente, cremos que serve sempre o interesse do País podermos contar com uma conjugação de esforços quando estão em causa negociações desta magnitude.
Só podemos, assim, esperar que este trabalho conjunto continue a ser a regra do futuro e que todos possamos trazer esse mesmo entendimento maioritário a esta Câmara, quando o Tratado de Nice aqui vier para aprovação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, chegados ao fim do debate sobre a Cimeira de Nice e do período de antes da ordem do dia, despedimo-nos dos membros do Governo.

Eram 19 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos começar por proceder às votações, momento solene da vida de um Parlamento.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, gostava de chamar a atenção da Mesa para o facto de também haver toda a conveniência em ser votado hoje o diploma que temos agendado relativo ao Tribunal de Contas. É um assunto para o qual o Governo pediu a máxima urgência e se, porventura, as votações pudessem ser adiada por mais dez minutos, estou convencido de que faríamos o debate desse diploma.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é apenas para manifestar concordância com a ideia que agora foi aventada.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, nós também damos o nosso acordo.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, vamos passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 54/VIII - Altera a Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Quero congratular-me com o facto de, em boa hora, o Plenário ter decidido, aquando do debate da Lei do Orçamento do Estado, transpor este assunto para a sua sede própria.
Como se lembram, havia, na Lei do Orçamento, um artigo sobre esta matéria, mas não há dúvida de que a reflexão feita no seio da 1.ª Comissão sobre este assunto foi extremamente útil, porque permitiu não só apurar o problema e traçar contornos mais ajustados mas também uma troca de impressões utilíssima com o Presidente do Tribunal de Contas, que aqui esteve connosco, e tudo isso se fez com a máxima rapidez, atendendo ao facto de o Governo ter também pedido urgência para que o assunto viesse a ser rapidamente apreciado pelo Plenário.
Eu próprio tive o prazer de, por encargo da Comissão, relatar este assunto na 1.ª Comissão e consensualizámos um texto que é apresentado como uma proposta de substituição da integralidade da proposta de lei do Governo, que contempla as sugestões apresentadas pelo Governo e que retoma, até, uma questão que, em tempos, eu tinha aqui levantado sobre a qual a Comissão e o próprio Presidente do Tribunal de Contas se pronunciam favoravelmente, relativamente aos juízes da secções regionais do Tribunal de Contas.
Assim, o Partido Social Democrata está em condições de dar total apoio ao texto de substituição que a 1.ª Comissão apresenta, esperando que o consenso unânime estabelecido no seio da 1.ª Comissão sobre esta matéria seja susceptível de se reproduzir em Plenário e, assim, este diploma, quanto antes, siga os seus trâmites e seja publicado em Diário da República, transformado em lei.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, uso da palavra tão-só para, em nome do Governo, praticar um acto imprescindível: é que os Srs. Deputados da 1.ª Comissão desenvolveram, nesta matéria, um trabalho de reflexão, que eu gostaria de saudar e que, de resto, é timbre da Comissão. Não se limitaram a aprovar a proposta, produziram um texto de substituição, que, no fundo, funde a proposta de lei n.º 54/VIII, da responsabilidade do Governo, com um projecto de lei, o n.º 268/VIII, da responsabilidade do Sr. Deputado Mota Amaral e outros.
Deixo este segundo aspecto de lado, sobre o qual não me pronuncio, e congratulo-me com o primeiro aspecto, isto é, com o facto de a proposta de lei ter dado entrada e ter sido apreciada com tramitação ultracélere.
Abreviando esta minha intervenção, gostaria de declarar, em nome do Governo, que prescindimos de submissão a votação na generalidade da proposta governamental, dando primazia ao texto elaborado pela 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, também muito brevemente, gostaria de dar conta do consenso que o PS deu na Comissão ao texto de substituição que agora vai ser presente à Câmara para votação e congratular-me com o facto de, independentemente da sede em que a questão é resolvida, se é no Orçamento, se é por via de uma lei autónoma, como é agora feito, ser resolvido um problema e que tal seja feito nos mesmos termos, aliás, em

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que ele já estava resolvido para o Supremo Tribunal de Justiça, permitindo, dessa forma, garantir a operacionalidade do Tribunal de Contas e evitar alguns atrasos e algumas perdas de eficiência que estas questões burocráticas sempre acarretam.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Parece-nos importante, acerca desta discussão, antes de mais, ressalvarmos um primeiro ponto, que é formal.
Todos nos lembramos que, aquando da discussão do Orçamento do Estado, estas medidas apareceram inscritas no texto do Orçamento e, na altura, levantámos duas questões que nos pareciam muito importantes: a primeira era a de que a matéria que estamos, hoje, a discutir não era matéria orçamental e, por isso mesmo, devia e merecia ter um tratamento diferenciado, passando, obviamente, pela 1.ª Comissão, onde estas matérias têm que ser discutidas, e a segunda era a de que poderia haver alguma ponta de inconstitucionalidade, nomeadamente porque não teriam sido ouvidos os representantes das organizações representativas dos trabalhadores do Tribunal de Contas. Na altura, fizemos esta ressalva e, pelos vistos, provou-se que tínhamos razão.
Assim, este texto de substituição, com as alterações que foram introduzidas pelo Sr. Presidente do Tribunal de Contas e que nos merecem total apoio, faz todo o sentido e, por isso mesmo, ainda bem que esta matéria não foi votada no Orçamento do Estado mas, sim, depois de alguma reformulação na Comissão.
Há, no entanto, uma pequena ressalva que queria deixar expressamente vincada, porque me parece muito importante. Quando, no artigo 18.º, se diz que «Devem prioritariamente ser colocados nas secções regionais juízes oriundos das magistraturas», eventualmente, podemos estar a lesar quem já esteja nas secções regionais e, por isso mesmo, seja candidato. Trata-se, portanto, de uma questão de direitos adquiridos…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … e, por isso, o Grupo Parlamentar do CDS-Partido Popular queria que ficasse registado em acta.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Esta questão é quase sideral nesta discussão, não condiciona as alterações aos outros artigos, em relação às quais estamos totalmente disponíveis para aprovar, porque as consideramos muito boas, mas queria deixar expressamente esta nota.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para esclarecer a questão que foi suscitada pelo Sr. Deputado Pedro Mota Soares, dizendo-lhe que este assunto foi estudado com todo o pormenor e não há qualquer problema de direitos adquiridos.
Desde logo, porque, nas duas secções regionais, se encontram providos magistrados de carreira - juízes togados com percursos, aliás, brilhantes, nas suas respectivas carreiras anteriormente à sua nomeação para as secções regionais do Tribunal de Contas nos Açores e na Madeira. Qualquer dos dois ocupa o seu lugar até ao termo da sua carreira, portanto, até à sua aposentação, sem que seja posto minimamente em causa o seu posto na chefia das secções regionais.
Por outro lado, quando, porventura, surgir vaga, essa vaga deve ser preenchida por uma magistrado de carreira. Devo, até, acrescentar que, na troca de impressões que tivemos com o Presidente do Tribunal de Contas, ele afirmou-nos ser este o seu entendimento da lei, porque às secções regionais incumbe o exercício de funções jurisdicionais, que, por isso mesmo, melhor se adaptarão a magistrados de carreira. E entendia que, mesmo sem haver lei, seria este o critério que iria aplicar no futuro, quando vier a surgir vaga para o Tribunal de Contas nas secções regionais, o que, presentemente, não se antolha como breve.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mota Amaral, pergunto-lhe o seguinte: por que é que o mesmo critério não é escolhido em Portugal continental para o próprio Tribunal de Contas, em que os conselheiros não vêm, obrigatória nem prioritariamente, de juízes de carreira, mas da sociedade civil?
É esta a pergunta que lhe formulo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, respondo citando o que dispõe o próprio artigo 15.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, que determina prioridade aos magistrados de carreira para a designação para a 3.ª secção do Tribunal de Contas, na sede, que é aquela que exactamente trata das questões jurisdicionais.

Risos do CDS-PP.

Portanto, o Sr. Deputado Basílio Horta, neste domínio, é «apanhado com um pé no ar», porque o meu projecto de iniciativa transpõe apenas um preceito que já está aplicável, exactamente para o exercício destas competências, que quero aqui salientar.

O Sr. Presidente: - Como é que o Sr. Deputado conseguiu ver o pé do Sr. Deputado Basílio Horta é que não percebo. Mas, enfim…
Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 54/VIII - Altera a Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
Vamos, agora, passar às votações.
Srs. Deputados, começamos por votar a proposta, apresentada pelo PS, que altera os pontos 1 a 3, 5, 7, 9 e 10

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do projecto de resolução n.º 50/VIII - Recomenda ao Governo que reforce um programa específico sério de combate à tuberculose (PSD).

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

1 - Adequação dos recursos humanos e meios técnicos nas estruturas de saúde responsáveis pelo combate à tuberculose pulmonar (TP), com atenção particular às zonas de maior incidência do País;
2 - Alargamento e melhoria do funcionamento das estruturas de prevenção e acompanhamento junto de populações de risco, designadamente imigrantes, imunodeprimidos pelo HIV, toxicodependentes e reclusos;
3 - Reforço dos cuidados domiciliários e, quando apropriado, da quimioprofilaxia e dos esquemas de toma observada directamente em áreas-problema e/ou em programas focais de erradicação da tuberculose, e de outras patologias;
4 - ...............................................................................;
5 - Reforço das unidades hospitalares com condições para internamento de doentes com tuberculose, tendo em conta a realidade geográfica do fenómeno e a rede hospitalar do Serviço Nacional de Saúde;
6 - ...............................................................................;
7 - Manutenção e execução da política de vacinação universal, no quadro do Plano Nacional de Vacinação;
8 - ...............................................................................;
9 - Avaliação e divulgação anual da execução regional do Programa de Luta contra a Tuberculose por parte das Administrações Regionais de Saúde;
10 - Divulgação das estatísticas nacionais referentes à tuberculose, pela Direcção-Geral de Saúde.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que a proposta do PS foi aprovada, vamos votar os pontos 4, 6 e 8 do projecto de resolução n.º 50/VIII - Recomenda ao Governo que reforce um programa específico sério de combate à tuberculose (PSD).

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, gostaria de clarificar, para ajudar na condução dos trabalhos, que o que foi aprovado inicialmente foram alterações ao projecto de resolução e, agora, o próprio projecto de resolução.

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos agora votar um requerimento, apresentado pelo PS, no sentido de o projecto de lei n.º 312/VIII - Estabelece medidas de protecção das edificações realizadas com o recurso à pedra (PS) baixar à Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente, antes da sua votação na generalidade.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Assim sendo, o projecto de lei n.º 312/VIII baixa à 4.ª Comissão, antes de ser votado na generalidade.
Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 277/VIII - Confere a natureza de crime público ao crime contra a integridade física, quando praticado contra agentes das forças e dos serviços de segurança (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 335/VIII - Ofensa à integridade física no âmbito da intervenção policial: crime público (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 49/VIII - Aprova, para assinatura, o Acordo entre o Governo da República Portuguesa e a Organização Europeia para a Investigação Astronómica no Hemisfério Sul (ESO), assinado em Garching, a 27 de Junho de 2000.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o texto de substituição da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 54/VIII - Altera a Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar, na especialidade, o mesmo texto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do mesmo texto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, na sequência da votação que acabámos de fazer e atendendo à urgência que foi solicitada pelo Governo, gostaria de saber se não há objecção por parte dos restantes grupos parlamentares a que seja dispensada a redacção final deste diploma.

O Sr. Presidente: - Se não houver objecção…

Pausa.

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Não há objecção, pelo que fica dispensada a redacção final deste diploma.
Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, a partir das 10 horas, tendo como período da ordem do dia a apreciação dos Decretos-Leis n.os 148/2000, de 19 de Julho, 166/2000, de 5 de Agosto, e 209/2000, de 2 de Setembro [apreciações parlamentares n.os 22/VIII (PSD), 23/VIII (PCP) e 26/VIII (PSD), respectivamente].
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Manuel de Matos Correia

Partido Popular (CDS-PP):
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
João Cardona Gomes Cravinho
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Maria Isabel da Silva Pires de Lima

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Pedro Manuel Cruz Roseta

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