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Sábado, 6 de Janeiro de 2001 I Série - Número 36

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE JANEIRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 38/VIII - Estabelece o regime fiscal do património cultural e 39/VIII - Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Cultura (José Sasportes), os Srs. Deputados Luísa Mesquita (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Luiz Fagundes Duarte (PS), Maria Celeste Cardona (CDS-PP), David Justino (PSD), Helena Neves (BE), Joel Hasse Ferreira (PS), Rosado Fernandes (CDS-PP) e Isabel Pires de Lima (PS).
A Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Ética não autorizando um Deputado do PS a depor em tribunal, autorizando o mesmo Deputado e um outro do PSD a deporem por escrito no âmbito de processos que correm em tribunal e, por fim, um parecer relativo à retoma de mandato de um Deputado do PS.
Foi apreciada a petição n.º 4/VIII (1.ª) - Apresentada pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (Serviço Vencer e Viver), solicitando que o dia 30 de Outubro seja institucionalizado como «Dia Nacional da Prevenção do Cancro da Mama», tendo proferido intervenções os Srs. Deputados Nuno Freitas (PSD), Fernanda Costa (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Helena Neves (BE).
Em interpelação à Mesa, a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita (PCP) informou a Câmara que a Associação Nacional de Municípios Portugueses não teve conhecimento da proposta de lei n.º 38/VIII, apesar de, no preâmbulo da mesma, se dizer que esta Associação tinha sido ouvida, tendo-se pronunciado, sobre este assunto, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães).
Por último, foi também apreciada a petição n.º 5/VIII (1.ª) - Apresentada pela Comissão de Utentes por uma extensão do Centro de Saúde da Freguesia de Olival de Basto, solicitanto a criação de uma extensão do Centro de Saúde na Freguesia de Olival de Basto. Usaram da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Vítor Peixoto (PS), Arménio Santos (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Helena Neves (BE) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Lontrão Carola
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins

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Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando José da Costa
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mario da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António de Magalhães Pires de Lima
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 38/VIII - Estabelece o regime fiscal do património cultural e 39/VIII - Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural.
Para apresentar as propostas de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura (José Sasportes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo vem hoje submeter à Assembleia da República uma proposta de lei visando estabelecer as bases da política e do regime de protecção do património cultural, numa perspectiva que tem em consideração as observações que aqui mesmo foram expandidas e que se julgou deverem ter acolhimento.
Nestas breves palavras de apresentação do texto legislativo, quereria, antes de mais, sublinhar que o fim político de que se está em presença - a preservação, o enriquecimento e a transmissão às gerações futuras dos testemunhos de civilização e de cultura - é, por certo, uma preocupação de que todos comungamos, um dever que a Constituição nos impõe, um objectivo que a sociedade exige que seja cumprido.
Certamente que esta tarefa prioritária do Estado está longe de se esgotar na adopção de um instrumento legislativo, mas, antes, requer um conjunto complexo de medidas e de acções - públicas e privadas - que integrem uma política coerente, activa e inovadora de salvaguarda e engrandecimento da herança cultural.
Mas também é certo que o alicerce primeiro de uma tal política é um adequado enquadramento jurídico, que contenha os princípios estruturantes da actuação em benefício do património, que preveja as suas principais formas de protecção e valorização, clarificando direitos e deveres, incentivando a colaboração entre os detentores e determinando a articulação desta com outras políticas que, por motivos óbvios. devem convergir para fins idênticos.

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Sem necessidade de maior aprofundamento, dir-se-á apenas que ganharão em intencionalidade e consistência as acções que se empreendam, em obediência a um corpo de directivas que enformem uma verdadeira estratégia jurídica do património cultural português.
A lei actualmente em vigor, aprovada por esta Câmara há mais de 15 anos com o consenso de todos os grupos políticos de então, teve sem dúvida os seus méritos.
Desde logo, o mais evidente terá sido o de ter sintetizado, num único diploma, princípios antes contidos em legislação avulsa. De igual modo, a Lei n.º 13/85 importou de convenções internacionais conceitos que viriam a revelar-se de valia, em particular no que respeita à protecção do património imóvel.
Mas para lá das lacunas e insuficiências que lhe têm vindo a ser apontadas - e que se revelaram quase consensuais, aquando da fase de audição pública a que foi submetido o relatório intercalar na origem da presente proposta de lei - será indiscutível o facto de, desde 1985 até ao presente, se terem registado evoluções significativas a respeito de como deve ser entendido o património, das suas funções de cariz económico e social que também desempenha, assim como evoluiu o modo como a Administração Pública há-de relacionar-se com os cidadãos.
O quadro jurídico de 1985 aparece assim desajustado da realidade actual, uma realidade também profundamente alterada pela evolução tecnológica e pelas potencialidades que esta oferece.
O esforço de desenvolver ou regulamentar um diploma consensualmente tido por ultrapassado a vários títulos revelar-se-ia um trabalho pouco frutuoso.
Em face deste panorama, impôs-se a apresentação de uma nova proposta, em torno da qual se pretende haja o maior consenso possível, justamente por serem comuns, como comecei por dizer, as preocupações e os objectivos que todos os partidos políticos têm a este respeito.
Enunciaria brevemente os aspectos mais relevantes desta proposta de lei: desde logo, o texto que agora se propõe assenta no pressuposto de que, muito embora a salvaguarda e valorização do património cultural devam competir, em primeira linha ao Estado, a Administração Pública não pode, nem porventura deve, desincumbir-se em exclusivo desta tarefa.
Inspirada, se assim quisermos dizer, num princípio de subsidariedade, a proposta consagra a contratualização com os detentores privados (e com outras entidades interessadas) de tarefas que visem a identificação, a conservação, a segurança ou o restauro de bens culturais, prevendo ainda a possibilidade de se institucionalizarem fórmulas de concertação permanente nestes domínios.
A par do princípio da contratualização, o texto consagra, como grandes linhas orientadoras da política patrimonial, o planeamento; a coordenação com políticas correlacionadas, como sejam as do ordenamento do território, ambiente, formação ou apoio à criação cultural; a equidade na repartição de encargos e ónus; ou a cooperação internacional, em particular no que respeita a bens que testemunhem capítulos da história comum partilhada, nomeadamente, com outros Estados lusófonos.
Por outro lado, a proposta que ora se submete à Assembleia da República tem presente ao longo de todo o seu articulado a preocupação de clarificar os direitos e os deveres, tanto do Estado, quanto dos particulares, com as finalidades primeiras de eliminar arbitrariedade na determinação da valia cultural de um bem e de responsabilizar os órgãos do Estado e os detentores privados no objectivo de preservar o património.
Pela primeira vez, o legislador enunciará um conjunto de critérios objectivos que deverão presidir à apreciação em concreto do nível de protecção que há-de conferir-se a cada bem, optando-se agora, na sequência das críticas à anterior versão da proposta, por consagrar-se a classificação como o principal regime de protecção.
Eliminado que foi o nível intermédio antes sugerido, o da qualificação, continua, porém, a prever-se, tal como a realidade do património no-lo impõe, distintos níveis de valia do património, a saber, o nacional, o regional, o de interesse público e o municipal.
Tida ainda em conta a crítica unânime desta Câmara à versão de 1999, a proposta hoje em discussão contempla o poder e a competência dos municípios para classificar, indo, de resto, ao encontro de recente solução legislativa aprovada por esta Assembleia.
Outro aspecto que merece ser sublinhado prende-se com a figura da inventariação, instrumento absolutamente indispensável ao conhecimento do património e, portanto, crucial para a sua protecção, criando-se a cargo do Estado especiais responsabilidades a tal propósito, concretamente a de manter e actualizar este levantamento tendencialmente exaustivo da herança nacional.
Tal como previsto para os bens de propriedade privada, e na medida em que a respectiva inclusão no património não gera restrições ao exercício de direitos dos proprietários mas, antes, dá causa à concessão de vantagens, espera-se que um tal regime possa contribuir para a alteração das relações entre administração e administrados, com evidentes vantagens recíprocas.
Referiria, ainda, a particularização de regimes, em função das especificidades próprias das diferentes formas de bens culturais, abrindo ainda o articulado a possibilidade de se instituírem novos regimes aplicáveis a outros testemunhos materiais, insusceptíveis de previsão no momento actual.
Se aprovada nesta fórmula, a lei portuguesa será a primeira da Europa a conter regras próprias para a protecção de acervos bibliográficos, fonográficos, audiovisuais ou fotográficos, fundadas nas particularidades que os distinguem das obras de arte tradicionais, como a pintura ou a escultura.
Finalmente, a par de uma tutela penal que nos pareceu adequada, há a referir o regime de benefícios e de incentivos, decorrente do princípio já citado da justa repartição de ónus e encargos.
Além das isenções de emolumentos registrais e notariais, bem como do apoio financeiro de que poderão beneficiar os proprietários de bens culturais, a proposta de lei em matéria fiscal - inteiramente complementar desta que acabei de descrever a traços largos - consagra um regime de benefícios em sede de IRC, IRS, contribuição autárquica e Sisa que se espera promovam a diligência dos detentores no que respeita a obras ou trabalhos de conservação ou restauro.
Termino esta breve apresentação do mesmo modo como a iniciei.
Creio que haverá poucos domínios tão consensuais neste Parlamento, como na sociedade em geral, como este de que estamos a falar. Defender, valorizar e engrandecer os vestígios do percurso civilizacional da nação portuguesa constituem tarefas incontestáveis e inadiáveis.

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Para tanto, o ordenamento português terá de ser dotado de um enquadramento jurídico adequado à realidade de hoje. O enquadramento sugerido pelo Governo resulta de um longo trabalho de ponderação da realidade, de diagnóstico e avaliação da actual situação legislativa, de reflexão e de comparação de regimes, levado a cabo por uma comissão presidida pelo Prof. Doutor Sérvulo Correia, a quem renovo, em nome do Governo, os agradecimentos pelo empenho dedicado a esta tarefa.
Não obstante serem as soluções contidas neste texto as que estamos convencidos serem as mais ajustadas, tanto do ponto de vista doutrinário, quanto do ponto de vista da sua aplicação prática, o Governo está naturalmente disponível para um diálogo que leve ao aperfeiçoamento da letra e do espírito destas propostas, pois se nos afigura claramente que a lei do património deveria poder beneficiar de um apoio consensual nesta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se as Sr.as Deputadas Luísa Mesquita e Heloísa Apolónia.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Cultura, antes das questões, apenas duas notas.
Primeira, estamos convictos de que teria sido possível e não teria sido difícil que esta proposta de lei, apresentada em Julho do ano 2000, nesta Assembleia, tivesse resultado de um lato consenso, quer das forças políticas em presença, quer de toda a comunidade que nesta área estará interessada na valorização do património nacional. Este não foi o entendimento do Governo, e é pena!
A outra nota prende-se com uma leitura comparada desta proposta de lei apresentada em Julho de 2000 e da outra proposta de lei rejeitada nesta Casa, com críticas oriundas de todas as bancadas e também daquela que, supostamente, deveria defender a proposta de lei, e a proposta que hoje temos para discussão.
Gostaríamos de dizer que, relativamente a essa leitura que fizemos cuidadosamente, as alterações são pouco significativas. Existem algumas melhorias que se posicionam fundamentalmente ao nível da forma e não da substância e, Sr. Ministro, são questões de substância que lhe vou colocar e relativamente às quais pretendia as suas respostas.
Como, naturalmente, o Sr. Ministro defenderá, e todos aqueles que defendem o património, processos como a inventariação e a classificação são hoje fundamentais e consensuais para se conhecer um património tão rico como o nosso e simultaneamente tão depauperado como o nosso.
Na área da inventariação, esta proposta de lei sabe a pouco. Continua a ter um regime que pode estar dependente da vontade e do consentimento do privado. Concretamente, se o privado não der consentimento, o bem pode não ser inventariado. Estamos perante um instrumento que não transporta qualquer prejuízo para o detentor do bem patrimonial. Não entendemos por que se avançou tão pouco e com tão pouca profundidade nesta proposta de lei que hoje temos em discussão. Era preciso, era necessário, era urgente ser mais eficaz e mais eficiente.
Segundo momento, igualmente importante, o da classificação. Inventariado o património, sabendo o que temos, é necessário classificar para que de algum modo possam ser consideradas prioridades. Também aqui, Sr. Ministro, esta proposta sabe a pouco.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou. Faça favor de concluir.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Concretamente, o poder local está impedido de classificar. É estranho que, estando o poder local impedido de classificar se o privado não estiver de acordo, seja a este mesmo poder local que o Governo vai buscar as fontes de financiamento em isenções de impostos para resolver os problemas da depauperação do património nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro, em primeiro lugar, gostava de referir que, na perspectiva do Grupo Parlamentar de Os Verdes, para preservação do património cultural português, é necessário um corpo normativo adequado.
Creio que temos legitimidade para recear que este corpo normativo possa resumir-se a um conjunto de princípios que constem da lei e que não passem daí. Isto porque este Governo já nos habituou a fazer de algumas leis de bases um conjunto de meros princípios estabelecidos na lei, sem a sua necessária regulamentação e, portanto, sem a sua necessária aplicação. Creio que este é um receio legítimo que gostava de expressar aqui, sendo certo que se esse corpo normativo não for regulamentado, como aconteceu com a anterior lei, então, de nada servirá.
Por outro lado, creio que, mais do que uma nova lei, em Portugal seria necessário uma nova prática política no que à cultura diz respeito. Também noutras áreas a classificação e as formas de classificação são quase uma prioridade, mas, depois, classifica-se e não se passa àquilo que é fundamental na própria classificação, que é a preservação, a conservação e a valorização do património. Daí que, na nossa perspectiva, a classificação pura e simples não sirva absolutamente nada. Uma prática política de preservação e de valorização é aquilo que tem faltado e que é necessário em Portugal. Não sei o que é que o Sr. Ministro nos traz em termos de novidades de uma nova prática política.
Para terminar, gostava de colocar uma questão concreta. Creio que o Sr. Ministro concordará comigo de que a noção de património cultural não pode ser entendida em sentido restritivo, deve abranger também outras áreas que não aquela que se entende comummente como cultura pura e simples. Os modos tradicionais de fazer, os modos tradicionais de produzir, enfim, a produção regional específica no nosso país é também uma forma de cultura.
Assim, e tendo também em conta uma nova prática política, pergunto: como é que a desertificação, o despovoamento do País e a concentração de dois terços da população no litoral do nosso país se compatibilizam com essa necessidade de valorização dos nossos bens regionais? Como é que a destruição da agricultura e da pesca

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se compatibiliza também com essa valorização dos nossos produtos regionais? Como é que a destruição das áreas protegidas classificadas, mas pouco valorizadas e preservadas, se compatibiliza com essa necessidade de valorização da nossa produção regional?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Visto que este assunto toca muitas áreas, como é que esta proposta garante a necessária coordenação interministerial neste Governo?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente à questão do inventário, sabemos que, em diversas ocasiões, houve, ou terá havido, objecção de privados à inventariação dos seus bens por causa de alguns ónus que daí poderiam advir futuramente para o uso do seu bem.
Esta lei prevê uma facilitação e um convite muito mais explícito a que os privados façam a denúncia, no sentido positivo, desses bens, de modo a que haja uma perfeita integração e conhecimento deles no território.
Creio que não se podia ir mais longe sem interferir em direitos e garantias gerais dos cidadãos. Isto é, parece difícil ir lá a casa ver se eles têm o bem. O que a lei incita é que haja uma informação voluntária sobre o bem de que esse privado é proprietário.
Relativamente ao problema da classificação, creio que esta lei introduz exactamente a classificação municipal. Uma das novidades, solicitada, aliás, pelos próprios municípios e por esta Assembleia em determinado momento, foi incluída no processo de classificação. Não vejo, portanto, que os municípios tenham sido excluídos desta actividade. Antes pelo contrário, são chamados a elas.
No que respeita aos bens dos privados, a situação dos municípios é a mesma da da administração central, ou seja, a de não fazer uma interferência abusiva desses mesmos direitos, desejando, antes, que seja o cidadão a assumir plenamente as suas responsabilidades e convidando-o a isso através do articulado da lei de bases.
É evidente que uma lei de bases é essencial e que sem a sua regulamentação ela não poderá funcionar. Não só nesta lei se prevê essa necessidade, como seria óbvio, como se entende ainda que deverão existir, ao longo de todo este processo acompanhado por esta Assembleia, comissões interministeriais e grupos de trabalho para, regularmente, apresentarem a esta Câmara o estado dos trabalhos em relação aos diversos projectos em causa. Ou seja, nós não só apresentamos a lei de bases mas também prevemos a regulamentação e atendemos a fiscalização que a Assembleia possa fazer, bem como os contributos que, eventualmente, ela nos possa trazer para benefício de todos nós e da preservação do património.
Creio que a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia é um pouco injusta quando diz que nada se faz para preservar o património, que não há projectos, etc. Basta viajar pelo País inteiro para ver os castelos, os sítios arqueológicos, as igrejas, todo o trabalho de reconstrução que está em curso ou já foi feito e verificar que, através de contratualizações, se desenvolveram planos integrados para que um monumento recuperado não fique apenas como um monumento recuperado, isto é, sozinho, sem utilização, sem visita, sem visibilidade. Isso também tem a ver, em parte, com o problema da desertificação, embora o objectivo de uma lei do património não seja prioritariamente esse, porque não tem os instrumentos para isso. Todavia, a recuperação do património, nomeadamente do património imóvel, constitui uma forma de valorização de determinadas regiões e por essa mesma via, levando lá turistas, criando emprego nas zonas em que esses monumentos possam ser reintegrados, poderá, com certeza, facilitar a fixação das populações nessas áreas.
Em relação a outros patrimónios possíveis de integrar aqui, desde o património industrial ao património etnográfico, como disse, a lei abre a porta a futuras classificações nessa base. O articulado prevê que esses bens possam a vir beneficiar, também, de uma situação de protecção patrimonial.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Ex.mo Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A apresentação à Assembleia da República de uma proposta de lei de bases, oriunda do Governo, deverá ser sempre saudada como uma iniciativa fundamental para a definição de políticas sectoriais de Estado, e deverá sê-lo sobretudo quando, como acontece no caso vertente, essa proposta de lei de bases se aplica a um dos sectores da realidade nacional portuguesa que, tradicionalmente, tem sido mais esquecido pelo poder legislativo - estou, obviamente, a falar do património cultural.
Quero, por isso, saudar o Governo, através do Sr. Ministro da Cultura, por ter tomado a iniciativa desta proposta de lei de bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, bem como a equipa técnica que se dedicou à elaboração do respectivo articulado.
A presente proposta de lei vem substituir aquela que, na anterior legislatura, foi apresentada a esta Assembleia (a proposta de lei n.º 228/VII) e por esta Assembleia rejeitada, após discussão e votação na generalidade. Mas, como se poderá ver após uma leitura atenta do seu texto, esta nova proposta de lei não é uma mera versão da anterior, consistindo, antes, numa solução de compromisso entre os princípios básicos e a filosofia geral da proposta de 1999, que foi rejeitada, e uma boa parte das sugestões e das críticas construtivas a ela feitas pela generalidade dos intervenientes na discussão que levaria à sua rejeição por esta Assembleia.
Na prática, o Governo acabou por aceitar e integrar nesta nova proposta um conjunto de sugestões de alteração que, se a proposta de 1999 tivesse sido aprovada na generalidade, teriam acabado por ser aceites e integradas na especialidade e nós teríamos, hoje, uma lei de bases já com dois anos de funcionamento e, provavelmente, dotada de toda a necessária legislação de desenvolvimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, ao invés, o que temos é uma lei obsoleta - a Lei n.º 13/85, de 6 de Julho - que, apesar de ter sido aprovada por unanimidade nesta Assembleia,

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nunca conseguiu (e seria necessário saber porquê), até hoje, ser regulamentada por nenhum dos sucessivos governos, nem, por isso mesmo, evitar a dispersão legislativa que encarna o quadro legal do património cultural português.
Por outro lado, esta mesma Lei n.º 13/85 não se enquadra na actual Constituição da República Portuguesa, porquanto não considera o preceito constitucional que define o património cultural como matéria de interesse específico das regiões autónomas, pelo que temos uma lei que não se aplica à totalidade do território nacional.
Por outro lado ainda, a recente ratificação por esta Assembleia de diversos instrumentos do direito internacional e do direito comunitário, baseados em novas filosofias e em novos critérios e formas de protecção do património cultural, obriga a que se ultrapasse a inoperacionalidade da actual legislação sobre este tipo de património e se obtenha um consenso alargado nesta Assembleia com vista à aprovação de um instrumento fundamental para a preservação, o conhecimento e a valorização do nosso importante, mas muito frágil, património cultural.
A proposta de lei n.º 39/VIII reúne, no entender do Partido Socialista, todas as condições não só para ultrapassar a inoperacionalidade resultante de uma lei-quadro desajustada da realidade actual como para constituir as bases de uma verdadeira política para o sector do património cultural.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - E tudo começa pelo entendimento de «património cultural» como uma realidade global que toca, transversalmente, todos os sectores da vida nacional e que diz respeito aos cidadãos enquanto receptores, fruidores e transmissores de bens que, de algum modo, documentam e ajudam a definir uma identidade cultural nacional, e não de «património cultural» como uma colecção de objectos, mais ou menos vasta e dispersa pelo território nacional, que narram histórias individuais.
Assim, este diploma define os critérios para apreciação do valor cultural dos bens patrimoniais, bem como os conceitos operatórios necessários para se desfazerem quaisquer ambiguidades no entendimento do que sejam este tipo de bens, e explícita os direitos, as garantias e os deveres dos cidadãos face a estes bens. Além disso, este diploma enuncia os objectivos e as componentes específicas da política do património cultural, definindo o inventário como a forma básica de identificação e protecção dos bens culturais e fornecendo directrizes para o planeamento, a coordenação de intervenções, a inspecção, a prevenção e a informação, bem como para a afectação dos meios para tal necessários.
Considera ainda este diploma regimes especiais de protecção e de valorização para o património imaterial, bem como, tal como já foi salientado pelo Sr. Ministro, para o património arquivístico, audiovisual, bibliográfico, fonográfico e fotográfico, para além do arquitectónico, do artístico e do arqueológico, sendo de salientar, neste último caso, a introdução do conceito inovador e globalizante de «parque arqueológico».
Além disso, este diploma cria mecanismos que consagram e reforçam os direitos dos proprietários de bens culturais, contrariando assim a tendência tradicional do Estado para se sobrepor ao cidadão nesta matéria. Por outro lado, prevê um sistema nacional de informação do património cultural e toma posição sobre as bases aplicáveis à exportação, importação e comércio de bens culturais.
Este diploma define, ainda, as atribuições do Estado, das regiões autónomas e das autarquias na concretização da política de património cultural que é proposta e avança com bastante pormenor - que talvez possa ser considerado demasiado, tendo em atenção que se trata de uma lei de bases e não de uma regulamentação sectorial - em matéria de tutelas penais.
A aprovação na generalidade desta proposta de lei, que, sendo uma boa proposta, poderá, no entanto, beneficiar dos contributos dos diversos grupos parlamentares em sede de especialidade, é uma necessidade que me parece consensual e para a qual me permito chamar a atenção desta Assembleia.
O Partido Socialista disponibiliza-se para participar, numa perspectiva construtiva, na discussão de especialidade que esta Câmara não deixará de viabilizar, esperando dos seus parceiros igual disponibilidade para que possamos ter, a muito curto prazo, a lei de bases do património cultural que todos nós desejamos e que só será possível mediante o empenhamento de todos na sua discussão e na sua redacção final.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal e o seu património cultural já perderam demasiado tempo e, desgraçadamente, demasiados bens, por falta de um instrumento legislativo fundador e enformador de uma verdadeira política para o sector. Mais do que afirmar perspectivas ideológicas e partidárias em nome da diversidade democrática, o que agora se impõe e se espera, em nosso entender, é a convergência de todos na assunção da consciência de que pertencemos àquela que é, talvez, a última geração de portugueses que ainda pode contar a história da nossa identidade cultural através de objectos, materiais e imateriais, autênticos e ainda relativamente integrados nos seus contextos históricos. Mas, se não forem tomadas as necessárias providências, as quais, na sua maioria, já estão previstas nesta proposta de lei, é muito provável que aos nossos netos não reste muito mais do que a contingência de terem de narrar aos seus filhos a história de todos nós recorrendo a virtualidades ou a reconstituições.
É por isso que o Partido Socialista aprovará sem reservas esta proposta de lei e se disponibiliza para, com a colaboração de todos os grupos parlamentares e do Governo, fazer desta proposta de lei a verdadeira lei fundadora de uma nova, efectiva e honesta política para o nosso património cultural.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de rejeitada por esta Assembleia a proposta de lei do Governo do Partido Socialista relativa ao regime de protecção e valorização do património cultural em 1999, esperar-se-ia, pelo menos, que a actual proposta tivesse incorporado, no fundamental, as críticas, as observações formuladas, quer no interior,

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quer no exterior da Assembleia da República. Mas não é assim, de facto. O documento que hoje temos para análise é, no fundamental, igual ao texto duramente criticado nesta Casa e por todos os parceiros que a ele conseguiram ter acesso.
É assim que, mais uma vez, o Governo optou pela não discussão pública das suas propostas, inviabilizando que a pluralidade dos saberes adquiridos por associações, instituições, personalidades de mérito reconhecido na matéria e por cidadãos de uma forma geral lhe tivessem incutido, naturalmente, um valor acrescentado.
É exactamente também por esta razão que a proposta hoje em discussão não contempla modificações significativas relativamente ao texto rejeitado.
É importante recordar que esta proposta, ao ser viabilizada, revogará a Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, que suscitou o consenso de todas as forças políticas com assento parlamentar. Naturalmente que este consenso resultou de um maior diálogo que uma matéria tão importante como a tutela do património cultural português implicava e implica.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passemos ao articulado. Se o avaliarmos de forma global, verificaremos a insuficiência e a ineficácia das medidas políticas propostas de protecção e valorização do património. O conteúdo é vago, ambíguo, generalista e algumas vezes conceptualmente contraditório e desactualizado. Importantes matérias do regime jurídico do património cultural são devolvidas para o nível do decreto-lei, da portaria, do regulamento e outra legislação de desenvolvimento não identificada.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Atente-se, por exemplo, no mais importante instrumento de defesa dos bens culturais - a inventariação. Depois de, no texto preambular, se considerar imprescindível a sua realização, o artigo 19.º legitima que os bens culturais pertencentes a privados só serão objecto de inventariação com o consentimento dos proprietários. Como pode o inventário, então, reflectir o património cultural, quando se admite que alguém recuse um procedimento essencial à defesa do bem cultural e que não acarreta qualquer prejuízo para o seu detentor?
E depois, no artigo 63.º, afirma-se que a exportação e a expedição temporárias ou definitivas de bens que integrem o património cultural, ainda que não inscritos como classificados ou inventariados, podem concretizar-se desde que se comunique à administração com a antecedência de 30 dias.
Mas, se esta determinação não for cumprida, a punição só se concretizará, de acordo com o artigo 104.º, alínea d), se o agente retirar um benefício económico calculável superior a 20 000$00. Mais uma vez, o crime compensa.
Uma outra estratégia prioritária da política cultural, no âmbito do património, é a classificação. E também aqui nada se alterou. Mais uma vez, facilita-se a depauperação dos bens culturais ao afirmar-se que estes, quando pertença de particulares, só podem ser classificados como de interesse nacional «(…) quando a sua degradação ou o seu extravio constituam perda para o património cultural». E a situação piora quando os bens pertencentes a particulares «(…) são passíveis de classificação como de interesse público (…)». Neste caso, só se estiverem prestes a ser exportados definitivamente do território nacional e, mesmo assim, têm de ser de «(…) elevado apreço (…)» e «(…) constituir dano grave para o património cultural.»
Mas, se o Estado ainda possui esta diminuta área de intervenção, no que se refere às autarquias, ela desaparece. O artigo 18.º, no seu n.º 5, determina que «Só é possível a classificação de bens móveis de interesse municipal com o consentimento dos respectivos proprietários.»
Se a pouca vontade política de defesa e protecção do património cultural é visível na timidez das medidas de inventariação e classificação, não é menos visível o desrespeito com que se olha o autor dos bens culturais, particularmente se ainda está vivo, ao permitir-se que a classificação de interesse nacional ou regional de um bem cultural da sua autoria dependa «(…) do consentimento dos respectivos proprietários». É a sujeição do interesse cultural nacional aos interesses mercantilistas da cultura.
À guisa de análise comparada, a que não resiste este texto no seu conjunto, vale a pena referir o conteúdo do artigo 17.º, que determina como critério genérico de apreciação de um bem cultural móvel e imóvel para a classificação ou inventariação «O génio do respectivo criador;».
É evidente que o autor da proposta se esqueceu de acrescentar uma vírgula e depois «(…) se de autor morto» - será, com certeza, uma gralha!
Se particularizarmos a análise no que se refere a outros vectores do regime de protecção e valorização do património cultural, verificaremos que as medidas propostas se mantêm insuficientes, ineficazes e mesmo inexplicáveis, à luz das mais elementares regras do bom senso.
Por exemplo, os artigos 66.º, 67.º e 68.º, que remetem para a exportação, importação, admissão, comércio e restituição de bens culturais, podem sintetizar-se no seguinte: primeiro, o proprietário, se quiser, terá o seu bem inventariado; segundo, ao Estado será vedada a classificação do bem de interesse nacional ou regional nos 10 anos seguintes à importação ou admissão; terceiro, nas acções de restituição de bens culturais só têm legitimidade activa exclusivamente o «(…) Estado de onde o bem cultural tenha saído ilegalmente e desde que se trate de Estado-membro da União Europeia ou de Estado que seja parte em convenção internacional em vigor na ordem interna portuguesa que lhe confira tal direito.»
Concluindo, os agentes que transaccionem, ilegalmente, bens culturais ficarão agora com conhecimento dos países dos quais é possível importar bens culturais, sem risco e ao abrigo deste texto legal, se ele for aprovado!
Começámos por afirmar também que o conteúdo do articulado é conceptualmente desactualizado e não raras vezes ininteligível. Apesar de muitos outros exemplos, vejamos alguns.
O artigo 15.º, no seu n.º 3, pretende definir «Monumento Nacional» e «Tesouro Nacional». Que interpretação do bem cultural móvel e imóvel pressupõe esta distinção? Uma leitura mercantilista do bem cultural?
O artigo 82.º, relativo às formas de protecção do património arquivístico, identifica os arquivos que devem ser objecto de classificação como de interesse nacional, explicitando, nas alíneas a) e b), os arquivos públicos de âmbito nacional, conservados a título permanente na sequência de um processo de avaliação concluído nos termos da lei e os arquivos públicos com mais de 100 anos.
Sr. Ministro, a questão que se levanta é a seguinte: isto significa que existem alguns arquivos públicos de âmbito

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nacional, conservados a título permanente, que devam ser desclassificados? Se não existem, como se justifica o conteúdo das duas alíneas?
O artigo 89.º, relativo ao património fotográfico, inicia-se com um conjunto de incorrecções técnico-discursivas inexplicáveis numa proposta de lei. Mas inexplicáveis são também as diversas datas (1865, 1866, 1881) que determinam o antes e o depois do regime geral e específico de classificação do património fotográfico sem que se explicite a razão destas datas e não de outras, consideradas marcos importantes na descoberta e evolução da fotografia.
O artigo 54.º, dos diversos critérios que enuncia para a caracterização dos bens culturais móveis, propõe que o bem constitua obra de autor português ou seja atribuída a autor português e que se encontre em território português há mais de 50 anos.
Sr. Ministro, a questão que coloco é a seguinte: é possível determinar a autoria dos ainda e por enquanto inúmeros bens culturais móveis existentes no nosso país? Esta impossibilidade determina a inexistência do bem? E porquê 50 anos? O Governo considera ainda insuficiente todo o tempo perdido e, com ele, muito do património cultural móvel?
Há ainda outras matérias, cuja avaliação, na nossa opinião, é deficiente, como, por exemplo, as zonas de protecção dos imóveis classificados, os regimes jurídicos de protecção dos bens culturais, cuja fragmentação fragiliza uma desejável tutela unitária do património cultural, e a articulação entre o património cultural e os instrumentos de planeamento e gestão territorial, que quase desapareceram da actual proposta de lei.
Finalmente, no que se refere à proposta de lei n.º 38/VIII, que estabelece o regime fiscal do património cultural, justificam-se duas observações, uma de natureza formal e outra de substância, até porque o Sr. Ministro não respondeu à questão que lhe coloquei.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, já esgotou o seu tempo, pelo que tem de concluir.

A Oradora: - Sr. Presidente, vou já terminar.
O texto precisa de se adequar quer ao articulado do Orçamento do Estado, quer aos diplomas relativos à reforma fiscal. No que se refere à substância da proposta, ela resume-se à concessão de incentivos e de isenções. O poder local constitui, nesta matéria, a fonte de financiamento escolhido pelo Governo, concretamente com isenções do imposto municipal de sisa e da contribuição autárquica.
Estão isentas de imposto municipal de sisa e de contribuição autárquica as aquisições de bens imóveis classificados, nomeadamente como de interesse nacional. Esta penalização feita aos cofres dos municípios não poderá ter a nossa concordância.
Sr. Presidente, penso que posso contar com mais 2 minutos que me foram concedidos por Os Verdes.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura e restantes Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A política cultural que o PCP defende assenta na concepção de que a democracia cultural é indissociável das dimensões política, económica e social da democracia, que constituem as condições materiais para a sua realização.
O PCP entende a cultura como factor de transformação da vida, como espaço de sensibilização e de defesa das identidades e aspirações do povo português, como vector de desenvolvimento multilateral dos indivíduos e não como espaço de instrumentalização.
E é neste contexto que entendemos o estudo, a salvaguarda e a reabilitação do nosso património histórico-cultural, arqueológico e artístico. É por isso que defendemos que, nesta área, urgem medidas concretas e eficazes pouco visíveis nesta proposta de lei.
E é por isso que, para nós, o princípio da gestão integrada de monumentos, edifícios e bens de forma consolidada no seio do Ministério da Cultura é indispensável. É por isso que um pacto patrimonial entre o Estado e as entidades que detêm bens patrimoniais, com o objectivo do reforço da salvaguarda e da classificação do património é indispensável. É por isso que o inventário de bens patrimoniais nacionais é também indispensável. É por isso que um poder decisório do Estado em matéria executiva é indispensável, mas não está presente nesta proposta de lei.
É também por isso que é indispensável a regulamentação, em bases legislativas, da prática antiquária, de forma a estancar a sangria do nosso património móvel. Também é por isso que é necessário o reforço do poder de intervenção a nível do património inorgânico, que está ausente nesta proposta de lei. E é igualmente por isso que é necessário, e também está ausente desta proposta de lei, a formação de mais quadros técnicos na área da conservação preventiva e do restauro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de referir que a minha intervenção se vai cingir à proposta de lei n.º 38/VIII, salientando, em primeiro lugar, dois aspectos positivos, sendo o primeiro o de que, volvidos 15 anos, temos a reforma fiscal do património cultural - como se usa dizer, tardou mas vamos ver se vai arrecadar - e o segundo é que considero que a utilização do sistema fiscal para uma política cultural é de aplaudir, sendo razoável que assim seja.
Feitas estas primeiras duas observações de índole genérica, gostaria também de referir um ou dois aspectos que, no contexto deste diploma, me parecem pertinentes.
O primeiro, de um ponto de vista formal, já foi sublinhado e por isso vou apenas acentuar que é necessário, porque se trata, em alguns casos, de transposição de normas dos códigos fiscais para esta legislação, fazer a devida adequação quer ao Orçamento quer às recentes alterações em matéria fiscal aprovadas na Assembleia da República.
Por outro lado, do ponto de vista substancial, também não quero deixar de fazer uma ou duas referências.
Por exemplo, não entendo por que é que há limitações quantitativas no que diz respeito à consideração dos custos ou perdas do exercício que antes eram inexistentes.

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Mas mais importante ainda, e se me é permitida a referência, devo dizer que, nos termos dos artigos 4.º e 5.º da actual proposta, a alienação ou oneração por qualquer título de bens imóveis ou móveis classificados antes de decorridos seis anos, contados do início da usufruição do benefício, implica a sua caducidade. Parece-nos um regime altamente excessivo, do ponto de vista da detenção e do início da contagem da concessão da isenção, e procurarei explicar melhor. Nesta lei, como os Srs. Deputados sabem, não está definido um momento a partir do qual deve vigorar a isenção concedida. Porquê? Porque todas as pessoas sabem qual é o processo burocrático que implica a qualificação. Julgo que se passa por 18 etapas, no âmbito de um processo burocrático, para que se venha a obter esta classificação. Ora, sabendo isso, a lei não estipula o momento a partir do qual a isenção, o benefício, o incentivo é concedido.
Ora bem, não estando tal facto delimitado nos termos legais, não faz sentido fazer caducar uma isenção volvidos seis anos sobre a alienação, dado que não está determinado o momento da isenção. E, mais: é bom ter em atenção que, muitas vezes, porventura, a alienação ou a oneração podem ser um passo significativo para a própria conservação dos imóveis. Devo acrescentar ainda que há entidades oficiais e organismos que tutelam, que limitam, que fiscalizam as formas de alienação e de oneração de bens classificados.
Por outro lado, gostaria de salientar um outro aspecto que, para nós, é extremamente importante, que tem a ver com algo que não vimos neste projecto e que é a possibilidade de a isenção dos incentivos ou dos benefícios ser aplicada a imóveis de interesse municipal. Esta regra constava do Código da Contribuição Autárquica mas não consta deste diploma e julgo que deveria constar - se não, a nosso ver, não faz muito sentido.
Para finalizar, gostaria de dizer, muito sumariamente, que sem o apuramento destes tópicos que acabei de mencionar, e de outros que virão a surgir da discussão e da análise mais aprofundada deste diploma, é muito difícil tentar perceber a que é que o diploma se vai aplicar. Se há um projecto que pretende regular incentivos e benefícios desta natureza, seria bom que soubéssemos em que termos, quando, a partir de que momento é que ele vai ser aplicado, sob pena de estarmos mais 15 anos à espera que a lei venha a ser aplicada, na prática.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Entre o primitivismo manipulado do Big Brother e as marcas omnipresentes da globalização, que lugar está destinado, entre nós, às políticas da cultura ou, para ser mais enfático, à política das culturas?
Colocamos o problema desta forma para que não nos iludamos sobre a verdadeira dimensão e alcance do debate que iniciámos.
Habituados que estamos a discutir verbas e orçamentos, sucessos e insucessos culturais, grandes projectos e não menos grandes capitais, esquecemos que tão mudado está este mundo e que aos novos desafios que ele nos coloca não soubemos sempre contrapor novas soluções.
Será grande a tentação de resistir ao rolo compressor da globalização cultural, incentivando, fomentando ou apoiando a chamada «produção nacional». Esse tem sido um dos desígnios das tímidas e recentes tentativas de instituir o que poderemos designar por «Estado cultural». Intrinsecamente nacionalista e irresistivelmente proteccionista, é o modelo do Estado dos subsídios, disfarçado de mecenas, das obras emblemáticas, do educador do gosto e do monolitismo estético. Mas é também o Estado da capital da cultura, que mais parece um campo de escavações arqueológicas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É o Estado do evanescente teatro nacional que se arrisca a ser teatro sem autores nem actores.
É o Estado da Branca de Neve, a preto e branco. Para ser mais rigoroso, bem mais preto que branco. Sabendo nós quem é o branco, não restam dúvidas sobre quem faz o papel de preto.
No extremo oposto, o Big Brother. Um misto de teatro de marionetes e de slot machine, com direito a destaque editorial e a debate final com um toque «chique» do intelectual de serviço ou, com um pouco de esforço, a un peu de je ne sais quoi!
Por isso, perguntamos: entre a cultura da Branca de Neve e a do Big Brother, qual o lugar para uma política cultural que se afirme pelos valores da liberdade, da democracia e do humanismo?
Quais as competências e responsabilidades a que o Estado se obrigará perante os cidadãos para que essa política não seja asfixiada por esta dicotomia tão caricata e ao mesmo tempo tão perversa?
Perdoem-me o anglicismo: back to basics! Regressemos ao essencial da cultura e a essa trilogia simples que a define: educação, ciência e património, entendido este como legado e memória, identificadores de uma comunidade, dos sítios e municípios, às regiões e à nação. Esta é a base indispensável para a redefinição e viabilização de uma nova política cultural.
Por isso, daremos uma especial atenção e importância à discussão desta proposta de lei, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural. Fazemo-lo, porém, conscientes de que só uma vontade política inequívoca poderá concretizar as ideias, as propostas e as grande linhas de orientação política que esta lei possa vir a encerrar.
O historial recente das leis do património não tem sido o mais exemplar. À falta de regulamentação, mantida durante 15 anos, responde-se com uma nova proposta de lei-quadro. Faço votos para que o estado de menoridade a que a lei em vigor foi sujeita não afecte, como um síndroma, a futura, que hoje debatemos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É essa mesma vontade política a que eu apelo para que alguns dos obstáculos que tradicionalmente bloqueiam uma adequada implementação de novos regimes sejam superados. Refiro-me, em particular, às tutelas múltiplas sobre o património cultural. Ora, a forma como esta proposta nos chega não constitui bom prenúncio.
A versão primitiva e a actual tiveram o patrocínio do ex-ministro da cultura e actual Deputado Manuel Maria Carrilho. Foi aprovada em Conselho de Ministros, segun

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do consta, a 25 de Maio do ano passado, quando ainda era ministro. Porém não é a sua assinatura que consta na versão proposta, é a do Ministro Jorge Coelho, também ele com tutela sobre o património cultural. Só que, para que não restassem dúvidas, o Ministro Jorge Coelho fez questão de assinar duas vezes, a primeira como Ministro da Presidência e a segunda como Ministro do Equipamento Social. Se a carga simbólica que encerra qualquer assinatura permite ser interpretada, estamos perante um claro e ridículo exercício da autoridade interna e um manifesto silenciamento da paternidade. Não quero acreditar que este seja mais um episódio do público processo de «caça às Bruxas» e desse neo-estalinismo que ultimamente tem afectado o Partido Socialista.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - Por isso, estranho a ausência do Ministro Jorge Coelho neste Plenário, não deixando de saudar a do Sr. Ministro da Cultura, que, pelos vistos, não tem nada a ver com isto e que, de forma responsável, se predispôs a «adoptar a criança» para que não fosse marcada pelo síndroma da paternidade ilegítima. Este é um mau prenúncio para o que se me afigura ser também uma pequena guerra de tutelas que em nada beneficiará a regulamentação e a aplicação da lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É conhecido e reconhecido que não pode haver uma boa lei do património cultural se nela não forem consagrados os institutos da inventariação e da classificação. Porém, impõe a seriedade de procedimentos que não se esqueça que estes dois pilares de pouco valerão se não for desenvolvido um vasto plano de investigação científica sobre o legado patrimonial português. A produção de conhecimento é, neste particular domínio, um requisito indispensável que desejamos ver consagrado na lei de forma bem mais explícita e objectiva do que aquela que está patente na proposta.
Como foi possível que tão importante legado como é o conjunto das gravuras do Côa tenha ficado ignorado durante tanto tempo e que só a possibilidade de construção de uma barragem tenha despertado o interesse da comunidade científica?
A continuarmos nesta situação, fica o Estado e os cidadãos à mercê do fundamentalismo ignorante que tudo quer preservar ao primeiro sinal de pátina ou à mais indelével camada de verdete!
O segundo princípio que julgamos dever ser consagrado é o de que o Estado, ao nível da defesa e valorização do património cultural, tem de dar o exemplo. E, nesse sentido, o que poderemos designar como o risco da mercantilização pública da cultura encontra exemplos que desejaríamos ver dissecados, nomeadamente quando falamos do património do Estado. Cito exemplos como o Paço Real de Caxias (para citar apenas este e um outro, bem perto do local onde nos encontramos), apresentando uma clara degradação do seu edifício, dos seus interiores e das obras de arte que ele contém; ou, se quiserem, o complexo patrimonial pertencente à Estação Agronómica Nacional, de Oeiras, conhecido como Casa da Pesca, que está em risco de se perder; ou, se quiserem ainda, a autêntica coutada que é o Forte de São Julião da Barra.
O Estado tem de dar o exemplo, não necessariamente através da lei mas pela efectiva acção de conservação do património cultural.
O mesmo se poderá dizer de um local, bem mítico e com uma carga simbólica acentuada, como é a Fortaleza de Sagres, que talvez seja o segundo ou terceiro local mais visitado no País e que gera receitas para o instituto que o gere. Porém, à sua volta, os monumentos megalíticos não estão inventariados nem classificados e estão sujeitos à destruição sistemática a que, hoje em dia, no concelho de Vila do Bispo, todos assistimos.
Ora, é neste sentido que o Estado tem de dar o exemplo, e, acima de tudo, tem de dar o exemplo perante a sua responsabilidade face aos particulares, mas entre os particulares permitam-me que destaque, face ao riquíssimo e inigualável património de que é detentora, a Igreja Católica.
Nessa perspectiva, julgo que o quadro aqui proposto não é suficientemente claro para permitir dar garantias relativamente à responsabilidade do Estado na inventariação, classificação e preservação desse mesmo património.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nesta perspectiva, é importante um programa especial de apoio para que, de forma sistemática, se possa fazer esta inventariação e classificação e, acima de tudo e volto a lembrar, é fundamental um plano de investigação científica sobre todo este acervo, não só relativamente ao património dos particulares, ao património da Igreja Católica, mas também quanto ao papel, já consagrado mas carecendo desenvolvimento, das autarquias na preservação do património.
Não creio que a responsabilidade das autarquias possa dispensar os planos de salvaguarda do património, tal como estão aqui previstos, e, acima de tudo, uma clara articulação desses planos de salvaguarda com os planos directores municipais.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O futuro da defesa não só do património edificado como do património móvel ou do próprio património intangível não será possível sem a colaboração dessas autarquias, mas para isso torna-se necessário que, por parte do Estado central, exista a vontade e o apoio material para as autarquias poderem desenvolver, num curto espaço de tempo, um conjunto de planos de salvaguarda do património em estreita articulação, precisamente, com as políticas e os instrumentos de ordenamento do território.
O Partido Social Democrata dispõe-se, com o maior empenho, a viabilizar uma discussão mais aprofundada, em sede da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. Queiram o Governo e o Partido Socialista superar e rever a já tradicional e repetida atitude de reprovar a quase totalidade das iniciativas vindas da oposição, independentemente da sua valia política. Mostram-se agora mais abertos e mais receptivos aos contributos da oposição, quando a prática dos últimos anos se tem revelado de autismo e de arrogância de poder.

O Sr. António Braga (PS): - Olhe que não! É um exagero!

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O Orador: - Também aqui é a cultura da Branca de Neve, a preto e branco,…

O Sr. António Capucho (PSD): - 98%!

O Orador: - … mas sempre mais preto do que branco.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado David Justino, permito-me esclarecer V. Ex.ª e a Câmara que a proposta de lei que está pendente de apreciação do Parlamento contém ainda, no verso da folha das assinaturas, as dos Ministros da Defesa, do Ministro Adjunto, do Ministro das Finanças, do Ministro da Economia, do Ministro da Justiça, do Ministro do Ambiente e Ordenamento do Território e, finalmente, do Ministro da Cultura.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Presidente, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, do exemplar que me foi fornecido, não consta.

Protestos do PS.

Não retiro uma palavra da minha intervenção!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Julgo que sim mas, de facto, o verso da folha, no texto de autógrafos de que dispõe a Mesa, contém essas assinaturas.
Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves, para uma intervenção.

A Sr. Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as. Deputadas, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta de lei n.º 39/VIII, em debate, levanta-nos várias questões. Enunciaremos apenas as centrais.
Uma questão de fundo: o conceito e âmbito de património cultural é manifestamente tradicionalista, centrando-se mais em bens imóveis do que móveis e mesmo estes entendidos restritamente. Isto radica em concepções passadistas sobre a memória e a identidade nacionais. A identidade é perspectivada como algo adquirido, construído, e não como processo aberto, pluralista, múltiplo; a memória é encarada imobilisticamente.
Se é indubitável a exigência de preservar o património, do qual resulta, em parte fundamental, o presente e o que estamos sendo, não é menos verdade que a actualidade coloca, deve colocar, sobre o passado um olhar reinterpretativo, condição, aliás, essencial de revivificação do património.
A história do gosto, moldado em contextos históricos, políticos e ideológicos específicos, explica que, em determinadas épocas, se tenham negligenciado coisas que merecem o interesse de gerações posteriores, porque o presente lhes dá um outro alcance, mesmo um outro estatuto, em termos científicos, históricos e simbólicos. Basta pensarmos como a «Nova História» alarga o âmbito do objecto e espaço históricos e os novos métodos de crítica histórica. Um simples exemplo: no dicionário cronológico de autores portugueses, trabalho meritório realizado pelo Instituto Português do Livro e da Leitura, foram introduzidos, do século XIII até 1940, mais de 4000 nomes de escritores, à época marginalizados porque eram judeus, goeses, ou por outras identidades ou posturas não gratas.
O presente faz, assim, constantemente, uma revisitação ao património, revisitação que constitui uma forma de legitimação do próprio património. O que é herdado cruza-se com o produzido culturalmente hoje, uma produção cada vez mais plural, e actualiza-se. Ora, é o compromisso inerente a uma concepção vivificada do património entre as exigências da tradição e as necessidades de futuro que a proposta ignora.
Como escreve Walter Benjamin, «a história e o património que nos foram legados são os dos vencedores». Falta, pois, recolher, investigar o património dos vencidos: a arte popular, os folhetins, as folhas volantes, a literatura de cordel, em suma, as práticas sociais do quotidiano que fazem cultura com direitos próprios de cidadania.
Acresce que esta concepção de património alheia a parte significativa da produção contemporânea mais original, por exemplo, no âmbito da dança e das artes cénicas, cujo carácter de «efemeridade» exigiria outra atenção ao legislador.
Esta concepção parcial de património cultural faz sobressair em todo o texto a preocupação de conservar, classificar, etc., mas pouco a de gerir e quase nada a de comunicar. Impõe-se uma preocupação clara pela gestão do património, de modo a que o mesmo possa ser fluído, disponibilizado. O objecto patrimonial e em particular o arquivo, menos acessível por natureza, não pode ser pensado apenas como testemunho, como memória, mas também como objecto de debate público. Neste plano, o articulado referente ao acesso à documentação, embora não se possam ignorar questões melindrosas a acautelar, relativamente a dossiers judiciais, estatais e de vida privada, mantém prazos extremamente latos - 100 anos após a produção dos documentos -, o que é obsoleto face à aceleração do tempo histórico presente e fere a produção da história do tempo recente.
Quanto ao registo de imagens e de outros dados, questão mais complexa face às novas tecnologias, o articulado é claramente simplista. A colecta de dados para stock por suporte informático necessita de meios humanos, financeiros e técnicos sem comparação com os requeridos com o documento em papel, e esses meios são ainda raros. Por outro lado, não são expressas formas de prevenir e tratar a perecibilidade e a vulnerabilidade destas fontes, muito mais facilmente sujeitas a manipulação do que o papel.
Relativamente à tutela penal, podemos dizer que as penas previstas são de tal modo irrisórias que o crime compensará. Ou seja, uma qualquer empresa de construção não hesitará em demolir um edifício histórico para erguer um qualquer Centro Colombo.
Uma política de património tem de enquadrar-se numa política de descentralização cultural, condição essencial de democratização cultural. Não nos parece suficientemente sublinhado o protagonismo da administração local e não se entendem tais limitações porque, na realidade, as autar

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quias locais têm intervindo, cada vez mais, na classificação e preservação do património, pelo que, aliás, a própria noção de património se vem ampliando a nível local. A descentralização cultural exige uma autonomia relativa de gestão que a proposta limita à contratualização e sublinhamos que, citando os Professores Leite Viegas e Firmino da Costa, «autonomia quer dizer especificidade e não insularidade.».
Há ainda uma lacuna que nos deixa perplexos: que espaço para a investigação em termos patrimoniais? Em síntese, para além das intenções, a proposta revela algum desamor pelo património, através do qual também vamos sendo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estamos hoje a analisar o regime de protecção e valorização do património cultural e o estabelecimento do regime fiscal do património cultural e, como é óbvio, é sobre o segundo ponto que vou tecer algumas considerações.
Começo por relembrar à minha ilustre colega e amiga Maria Celeste Cardona que, desses 15 anos que mencionou, 10 são do PSD e que na anterior legislatura foi aqui apresentado, pelo Sr. Ministro Manuel Maria Carrilho, a quem quiseram perder a assinatura, apesar de ela lá estar, uma proposta de lei neste sentido.
Por outro lado, estou convencido que, com o espírito de diálogo e com a capacidade existente neste Parlamento, tanto na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, como na Comissão de Economia, Finanças e Plano, à qual julgo que também deveria baixar este diploma, haverá condições para, não em 15 anos nem em 15 dias mas, eventualmente em três vezes 15 dias, resolver este problema.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Em 15 dias foi feita a reforma fiscal!

O Orador: - E foi bem feita, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Olhe que não!

O Orador: - O que pretendemos aqui é, portanto, que exista uma orientação coerente na área fiscal. Ao Governo deparavam-se, certamente, duas hipóteses: ou, à medida que aqui são aprovados novos textos, ia reformulando os diplomas, ou deixava o diploma ser aqui discutido e confiava na capacidade parlamentar para, tendo em conta os novos textos do Código do IRC, do Código do IRS, as disposições do Orçamento que mexem nestes aspectos e o novo texto do diploma sobre a reforma fiscal, votado na última reunião Plenária de Dezembro, fazermos o acerto em comissão, o que julgo ser possível.
No entanto, é claro que para isto ser possível é necessário que VV. Ex.as, ilustres colegas, viabilizem esta proposta de lei e a façam baixar às comissões, …

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E valerá a pena?!

O Orador: - … porque, se não o fizerem, o espectro dos tais 15 anos de que fala a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona poderá acontecer.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, não lhe vou responder com a citação do Pessoa, dizendo que tudo vale a pena quando a alma não é pequena, mas, de facto, o esforço que os Deputados fizeram para conseguir ter uma boa lei da reforma dos impostos sobre o rendimento num tempo não muito longo, faz certamente com que este aperfeiçoamento destas disposições e esta coerência global que queremos para a área fiscal seja possível.
A estrutura e a linha geral destas medidas são correctíssimas e positivas e que há que fazer, como disse, esta compatibilização total e específica com o texto final da lei da reforma dos impostos sobre o rendimento, até porque houve o cuidado de manter este texto final em coerência com as disposições do Orçamento do Estado para 2001. Esse trabalho de compatibilização pode ser feito em especialidade, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, enquanto a Comissão de Educação, Ciência e Cultura trabalhará sobre a outra proposta.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em suma, julgo que é importante dispormos de novos instrumentos para a valorização e a protecção do património cultural. É importante que esses novos instrumentos sejam coerentes entre si e com os textos que foram já aprovados e queremos, portanto, que a fiscalidade seja um instrumento ao serviço da cultura e da defesa do património.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Falou bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, devo dizer que uma das coisas que me assustou na sua intervenção foi o facto de ter dito que nós somos o primeiro país na Europa a tomar uma iniciativa desta qualidade. Isto dá-me um azar tremendo, porque sou supersticioso e, em geral, quando dizemos que somos os primeiros, sabe Deus, depois, como vamos continuar.
De facto, o património tem sido sempre um problema discutido, na medida em que, sendo privado, é sempre alvo da cobiça do Estado. Por isso, discordo da minha colega Luísa Mesquita quando diz que a inventariação só pode ser feita com a vontade do proprietário, porque, na verdade, os proprietários, em Portugal, nunca viram respeitado o direito da propriedade e a cobiça de rapina do Estado português tem sido, desde tempos imemoriais, conhecida.
Lembro ao Deputado Carrilho o Parque de Fontelo, em Viseu, a sua cidade, e por quantas mãos o Fontelo já passou. Ele não está a ouvir, mas, de facto, o Fontelo, que até já foi objecto de um poema em latim, passou por várias mãos. Como tal, quando o próprio Estado roubou à Igreja, quando o próprio Estado se apossou de vários bens, o património torna-se sempre em algo delicado de inventariar.

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Compreendo, portanto, a delicadeza com que Sérvulo Correia viu o assunto, porque, de facto, a inventariação pode ser uma invasão da propriedade, tanto mais que o Estado tem a possibilidade de arrolar, quando assim pensa, e também tem a possibilidade de exercer o direito de opção, quando se trata de certos bens patrimoniais que são vendidos.
A verdade é que esta proposta de lei não traz grandes novidades, mas alarga a noção de património, uma vez que, em geral, em Portugal, ele é sempre considerado o património de pedra. Isto num País que tem uma paixão imensa pela matéria cinzenta, sobretudo pela matéria cinzenta de betão e pelos grandes construtores civis, paixão que vem de há muitos anos e que não é só de agora, pelo que não se inventou nada de novo!...
De facto, isto não se resume ao Big Brother mas, sim, à paixão pelo diabo da matéria cinzenta/betão e não pela matéria cinzenta que temos dentro da cabeça, que, naturalmente, é um património que não é arrolável nem inventariável mas é um património que sentimos, por exemplo, na falta de vontade de regulamentar as leis. Toda a gente sabe que o Governo legifera e que o povo vocifera, mas, de resto, mais nada se passa!
É o que se passa aqui, todos os dias, entre nós e a verdade é que quando a minha colega de Os Verdes, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, diz que há outros patrimónios, vemo-nos forçados a perguntar onde é que estão os safões dos alentejanos. A verdade é que já nem safões usam porque têm vergonha! Nós temos vergonha do nosso património porque somos do Big Brother! É verdade! O grande problema aqui é um problema de cultura geral, começando pela classe dirigente, que, em grande parte, não a tem, porque não teve ocasião de ler, de ver e, sobretudo, de se abrir àquilo que é cultura. Se lessem um pouco mais, não perdiam nada, mas, de qualquer maneira, ler custa muito tempo e não há dúvida alguma de que ir à internet é muitíssimo mais fácil, sendo ainda mais fácil digitalizar!
Como somos pragmáticos, preferimos uma lei que não seja suficiente a não ter lei alguma e, portanto, julgo que se devia começar a tentar alargar a noção de património. A minha colega bloquista, a Sr. Deputada Helena Neves, que agora aqui não está, disse também que há outros patrimónios e eu lembro, por exemplo, os pergaminhos. Já vi tratar os Códice Alcobacenses da Biblioteca Nacional quase a pontapé, e são únicos! E já vi tratar documentos absolutamente fantásticos, em pergaminho, não digo a pontapé, mas sendo atirados para cima da mesa. Isto em várias partes do País.
Depois, há as rinhas pessoais dos sobas locais. Por exemplo, neste momento, a Torre do Tombo quer tomar posse da Biblioteca Municipal de Évora. Porquê?! Estão lá 400 incunábulos, o que é de apreciar, mas, entretanto, não se faz uma lista do que lá está, numa das bibliotecas mais ricas de Portugal.
Por outro lado, também há outras coisas, como as telas, os quadros, a forma como os quadros se encontram, muitas vezes, tratados, e ainda o facto de não haver uma escola de restauração que, de facto, dê possibilidades de restaurar os quadros atempadamente. O velho Instituto José de Figueiredo tem pouca gente neste momento e precisava de ter mais, no entanto, já há algumas empresas privadas que fazem restauro.
De qualquer maneira, o que penso que é importante é que se regulamente, desde já, aquilo que se pretende fazer e se delimite qual o sector a inventariar. Contudo, entendo que pode fazer-se esse inventário sem que haja invasão da propriedade privada. Julgo que é importante que tenhamos um levantamento geral de tudo o que existe em Portugal, sem que isso, depois, corresponda a uma «intenção de rapina» através da qual se penetra na propriedade privada para dela retirar aquilo que ainda tem valor, que é uma velha tradição portuguesa que convinha acabar. A civilização do Partido Socialista e do Sr. Ministro da Cultura certamente obviarão a que haja excessos condenáveis nesse domínio.
Esperemos, pois, que assim seja e julgamos ser de melhorar este diploma, em sede de especialidade, uma vez que é uma iniciativa que me parece aproveitável.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima.

A Sr.ª Isabel Pires de Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O teor das intervenções hoje aqui desenvolvidas - apesar da atitude algo derrotista da Deputada Luísa Mesquita e também pontualmente pessimista do Deputado David Justino - remete para a necessidade, digamos até para a urgência, de legislarmos com eficácia sobre algo que constitui o que de essencial faz de um povo uma nação: o seu património cultural.
Contudo, há que constatar que o fazemos com décadas de atraso, se atentarmos no imperativo constitucional disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 78.º da Constituição da República Portuguesa, que atribui ao Estado o dever de promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador de identidade cultural comum.
Com efeito, a memória colectiva, quer se manifeste sob a forma de um monumento, de uma paisagem protegida, de um livro, uma fotografia, uma peça arquivística, um sítio arqueológico ou, simplesmente, de uma casa ou de um saber imaterial, constitui o elemento fundador e estruturante da consciência identitária.
Numa época em que a globalização esbate diferenças, importa mais do que nunca reclamar diversidades, afirmar singularidades e proclamar identidades. Proteger e valorizar o património cultural é, então, atentar naquilo que nos faz originais entre os povos. É cuidar da casa comum, isto é, da Pátria. No fundo, é disso que se trata quando se fala em património cultural: materialização ou materializações da Pátria.
Esta nova lei visa introduzir alguma ordem na casa, isto é, visa pôr termo à dispersão legislativa e aos vazios de regulamentação que imperam neste domínio, ultrapassando o desajustamento da lei vigente face às realidades actuais, designadamente face ao direito comunitário internacional.
Trata-se, com efeito, de uma verdadeira lei de bases da política e do regime de protecção e valorização do patrimó

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nio cultural que se preocupa em proceder, desde logo, a uma clara e inovadora definição do conceito de património cultural concretizado através do conceito técnico-jurídico de bens culturais, por ser exactamente junto dos bens móveis e imóveis que se colocam especiais exigências de protecção ao nível do regime geral.
Não é, porém, só ao nível da definição de pressupostos teóricos que esta lei se revela inovadora. Mostra-se a nova lei inovadora ao nível da definição de critérios genéricos de apreciação do interesse cultural, assim como ao contemplar regimes especiais de protecção e valorização, com destaque para o património arquivístico, audiovisual, bibliográfico, fonográfico e fotográfico e com reforço para o património arqueológico.
Mostra-se também a lei inovadora ao acolher o conceito de inventário como forma básica de identificação e protecção dos bens culturais, figura que, de resto, aparece rodeada de benefícios especiais que favorecem a sua receptividade, mesmo pelos privados.
O inventário afigura-se um precioso instrumento conducente à elaboração de uma base de dados intercomunicáveis que incorporará o registo próprio e um título para cada peça, no sentido de identificar cada bem cultural, permitindo apreender, momento a momento, a composição do património cultual português. Composição que, pela natureza mesma do conceito de património, nunca, felizmente, estará terminada. Ao mesmo tempo, uma base de dados deste tipo reforça a protecção aos proprietários em caso de roubo.
Mostra-se, ainda, inovadora a lei na consagração do principio da contratualização, que permite tornar mais aberta e mais moderna a lei do património, estabelecendo a concertação entre os vários agentes responsáveis pelo património, do Estado aos privados, e em particular à Igreja, e propicia menos estatização num domínio onde são conhecidas as reservas e suspeições dos detentores de património face à Administração.
Por todas estas razões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista saúda esta iniciativa do Governo. Mas tem consciência de que a complexidade desta proposta de lei exige um trabalho de apuramento em sede da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, onde serão bem-vindos todos os contributos que não desvirtuem o essencial do seu conteúdo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - De resto, esta atitude vem no seguimento da própria atitude deste Governo ao incorporar na proposta sugestões nascidas das críticas da oposição feitas à proposta de lei n.º 228/VII, apresentada ao Parlamento pelo anterior governo no âmbito da sua consistente política no campo da cultura. Designadamente, a supressão da forma intermédia de protecção, a qualificação, a devolução aos municípios do poder classificar e a satisfação de diversas sugestões vindas dos governos regionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Parecem estar, enfim, reunidas condições para podermos vir a cumprir a Constituição, que no n.º 1 do artigo já citado diz peremptoriamente que todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural. Nós, legisladores, também.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como sabem, estou pouco habituado a certas flores de retórica parlamentar, as quais constituirão, elas também, uma parte do património.
No entanto, não quero deixar de me surpreender com certas afirmações que se reportam a um menosprezo da população, dos seus representantes, dos políticos e dos agentes sobre o terreno que trabalham pela cultura. É no âmbito do menosprezo pelas pessoas que crescem as culturas de intolerância e de desrespeito pelo património, sendo um facto que o primeiro património, as pessoas, deve ser respeitado, ou seja, todas as pessoas, quer vejam o Big Brother ou estejam às escuras diante de uma qualquer Branca de Neve.
Por outro lado, esse mesmo menosprezo parece-me significar uma menor frequência por essas mesmas pessoas de actividades culturais, a que se referenciam e criticam, como se Portugal fosse um deserto, como se nada nele estivesse a acontecer e como se, para além da acção que o Parlamento e os governos proporcionam e estimulam, não estivessem, no terreno, dezenas e dezenas, mesmo milhares, de portugueses a trabalhar para a preservação do património, para a elevação do nosso nível cultural e para o progresso geral do País.
Por exemplo, no que se refere à afirmação de que é como se as pessoas que trabalham no terreno ignorassem tudo e só alguns fossem sábios, eu aconselharia, por exemplo, a ida à Torre do Tombo, onde, neste momento, está uma exposição sobre a sua história. Aí se verificará, em relação aos diversos objectos em exposição, que interpretação se faz sobre ópticas de História antiga e de nova História - porque a nova História é ela própria, como se disse também, uma moda, e mudará -, como a História se interpreta, se revaloriza, e como tanto os objectos mais displicentes como os manuscritos são tratados, conservados e propostos à consideração da população, num trabalho de restauro e de conservação.
Aconselharia o Sr. Deputado Rosado Fernandes a visitar, por exemplo, os laboratórios da Torre do Tombo ou da Biblioteca Nacional para ver o trabalho que aí se está a realizar por profissionais competentes e empenhados, o mesmo acontecendo noutros sítios, como o Instituto Português do Restauro.
A tentativa de a Torre do Tombo se apropriar da Biblioteca Pública de Évora é, seguramente, um equívoco, na medida em que a Biblioteca Pública de Évora pertence, desde há várias dezenas de anos, à Torre do Tombo. A tutela da Biblioteca Pública de Évora pela Torre do Tombo é, de facto, desde há muitos anos, uma situação anómala, que, aliás, iremos tentar corrigir. Portanto, não existe qualquer «mão baixa» sobre essa situação ou, melhor, «mão alta», porque a qualidade o justificaria.

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Este problema de «mãos altas» e de «mãos baixas» leva-nos também à situação da relação do Estado com os privados. O Estado não deve considerar, à partida, os privados como prevaricadores, deve tratar todos os cidadãos com respeito, e os privados são exactamente esses cidadãos, não são apenas os políticos.
Já na primeira versão desta proposta de lei que aqui foi apresentada havia uma grande oscilação no sentido de que a lei ou era demasiado estatizada ou demasiado protectora dos direitos privados. Possivelmente, isso quer dizer que ela nem é uma coisa nem outra e que, com o auxílio dos Srs. Deputados, em sede de especialidade, se poderá consensualizar este equilíbrio entre os interesses do Estado e os interesses dos cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, falou-se aqui da Igreja, como se houvesse também da parte do Estado e deste Governo qualquer intenção de agredir o seu património. Mais uma vez, parece haver uma certa ignorância do que se passa no terreno. As relações do Ministério da Cultura com a Igreja são as melhores, temos contribuído em várias dioceses para a realização dos inventários, e devo dizer, nomeadamente aos Srs. Deputados que visitam exposições, que houve uma exposição no Panteão, que é o resultado do inventário na Biblioteca de Beja.
Existe, neste momento, um relacionamento entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Igreja para, com o auxílio do Estado, se fazer e integrar nos programas da sociedade de informação essa inventariação.
Portanto, trata-se de uma situação de conflito que não existe e que se quer apenas pôr em evidência por razões, justas, com certeza, de flores de retórica política.
No que respeita aos aspectos fiscais desta proposta de lei, quero chamar a atenção para o facto de ter sido, entretanto, aprovado um novo regime fiscal genérico e de que esta proposta de lei deverá ter algumas adaptações a esse regime. Espera-se que os Srs. Deputados o venham a fazer na discussão na especialidade, porque me parece que, apesar das críticas, que é legítimo, seguramente, fazer a esta lei, tal como a todas as outras que o Governo propõe, há um consenso que resulta exactamente desta necessidade, que é comum e é sentida por todos, de defender o património.
E se foram integradas alterações nesta proposta de lei em relação à anterior, isso deve-se sobretudo à distância que vai entre a presente proposta e a lei que está actualmente em vigor, a Lei n.º 3/85, e à necessidade de avançarmos para uma modificação consensual do quadro geral do património em Portugal para que, com a colaboração do Governo, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que o apoia, e de todos os outros Srs. Deputados aqui presentes, se chegue a um consenso, porque a não aprovação desta proposta de lei contribuirá ainda mais para o estado de degradação que aqui foi denunciado e que, regularmente, está a tentar ser combatido no terreno pelos diversos agentes que a isto se dedicam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A intervenção do Sr. Ministro suscitou inscrições para pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Helena Neves, David Justino e Rosado Fernandes. Peço-lhes que respeitem rigorosamente os tempos de que dispõem ou o tempo regimental que vos é atribuído.
Para pedir esclarecimentos, tem, pois, a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, é evidente que a nova História é, dirá o Sr. Ministro, uma moda, eu direi um paradigma. E a epistemologia é isso mesmo: mudança de paradigmas. E ainda bem que se vai esgotar ou, então, não haveria ciência.
A questão que lhe coloco é esta: não há dúvida de que esta proposta de lei contém elementos positivos e que urge, realmente, que no terreno haja algum enquadramento que escasseia. Porém, há uma questão de fundo, que tem a ver com a noção de património evidenciada aqui quer pelo Sr. Ministro quer pela intervenção da Sr.ª Deputada do PS, que afasta a possibilidade de ser encarada e enquadrada como património parte significativa e extremamente original da produção cultural moderna, que, de facto, é efémera. Isto já está a ser considerado em alguns países, como, por exemplo, em França, e nós continuamos com uma concepção de património fundamentalmente ligada ao calhau - desculpem-me a expressão, mas é isso.
O próprio conceito de arte popular que aqui está evidenciado é ferido por esta mesma concepção de património. Os senhores vêem a arte popular como uma culturalização patrimonialista do povo. Ora bem, a arte popular hoje é, de facto, diversidade, expressividade e faz-se através de hibridizações que pressupõem outra noção de património.
O que pergunto muito concretamente é isto: está o Governo, e o Partido Socialista, disposto a, na especialidade, considerar que o património é muito mais do que esta noção tradicionalista? Está disposto a aderir a isto ou não.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, não queria retomar as flores de retórica política, mas permita-me, Sr. Ministro, que, relativamente ao problema do relacionamento do Estado com a Igreja, pergunte se tem consciência de que, eventualmente, os resultados e sucessos por parte dos funcionários e serviços do Ministério da Cultura possam ser destacados - e, quando isso acontece, também o reconheço.
Devemos ter a consciência de que, por parte da hierarquia da Igreja, existe um trauma, que é um trauma de séculos, relativamente ao relacionamento do Estado com a própria hierarquia da Igreja

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - De séculos?!

O Orador: - Sim, de séculos!
Desde o problema das leis de amortização, do princípio do século passado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Um século!

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O Orador: - Que eu saiba, já passou mais de um século.
Para todos os efeitos, chamo a atenção para o facto de que o património que ainda hoje é desconhecido por parte não só da população mas também dos serviços ligados ao património cultural que está na posse, por exemplo, de confrarias e irmandades relacionadas e ligadas às paróquias é de uma extensão e valor que será relativamente incalculável.
E o que é mais grave é que estes valores estão em condições de segurança que considero lastimáveis. É óbvio que o primeiro responsável por esta segurança será o próprio proprietário, mas também é óbvio que o esforço que é necessário fazer de inventariação, classificação e salvaguarda desses bens é de tal ordem que, durante muitos anos, este tipo de debate e de denúncia vai continuar a fazer-se, se não houver em oposição um esforço por parte do Estado, por forma a viabilizar esse mesmo esforço por parte dos particulares e, neste caso, da própria Igreja Católica.
Trata-se, portanto, de um problema de suspeição, de um problema de tradicional recato relativamente à intervenção do Estado e de alguma desconfiança, que é necessário progressivamente eliminar. E ainda bem que foram dados passos nesse sentido. Mas tenhamos consciência de que a tarefa que temos pela frente, no que diz respeito ao património religioso, é uma tarefa que diria não necessariamente colossal mas que precisa de planeamento, de alguma intervenção e, acima de tudo, de muita colaboração.
Por último, relativamente ao problema do património intangível, aqui também levantado, de uma forma geral, pela Sr.ª Deputada Helena Neves, a lei utiliza o termo tradicional de património material, que está minimamente consagrado…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado, porque esgotou seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, não posso continuar usando a figura regimental da intervenção, uma vez que tenho disponibilidade de tempo?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro. Dar-lhe-ei a palavra depois para uma intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, nesse caso, terminarei posteriormente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Ministro, dentro de pouco tempo irei enviar-lhe um manual de retórica que tive o prazer de publicar, para que saiba que não houve aqui «flores de retórica» - houve algumas «setas de dialéctica»!

Risos.

Mas não há aqui retórica nenhuma! E, para acabarmos com a retórica, diga-me o seguinte: quanto tempo pensa que poderá demorar a fazer o levantamento do património, seja tangível ou quase intangível, seja de pedra, de calhau, ou de pergaminhos ou papel, ou de tela, em Portugal? Para quando o regulamento? Está disposto a fazer o regulamento de todas estas leis? É que, em geral, estas leis ficam sempre sem regulamentos!
Era só isto que queria pedir-lhe: com muito pouca retórica, diga, preto no branco, quanto tempo demora!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, começando pelo fim, a inventariação do património é interminável - por definição, sabe isso melhor do que eu. E é tanto mais interminável quanto, como se disse agora aqui, há milhares de bens que não foram mostrados em inventário. Portanto, quanto a esse aspecto, quanto mais rapidamente forem postos à disposição para inventariarmos determinado número de bens, mais rapidamente se concluirá este inventário.
Em relação à regulamentação, neste momento a lei prevê que ela deve estar concluída no prazo de um ano e deve ser global; isto é, poderíamos fazer regulamentações parcelares mas a intenção, exactamente para responder ao carácter global da lei, é de que a regulamentação surja também com um aspecto global. Portanto, o prazo que o Governo se dá ao propor a lei é de um ano - parece-nos um prazo razoável (mas a Assembleia pode modificá-lo se achar que deve alargá-lo ou abreviá-lo) para um conjunto de regulamentação que vai abarcar uma tão vasta matéria.
Mais uma vez, em relação aos inventários dos bens da Igreja, um inventário é também condição de segurança. Um bem que não se sabe que existe é um bem que mais facilmente se fará desaparecer. Como disse, o Estado, em várias ocasiões, tem posto à disposição da Igreja os seus meios para o fazer e, neste momento, há uma operação que me parece que vai ser levada a bom porto e de maior intensidade, com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia bem como o do Ministério da Cultura, no âmbito da sociedade da informação. Foram as próprias instituições religiosas que solicitaram aceder a esse programa - que, como sabe, é co-financiado pela União Europeia - com essa finalidade. Ao nível das nossas capacidades, estaremos completamente à disposição para colaborar nesse inventário, que nos parece indispensável, mesmo que seja aos bens de menor valia, porque há uns que têm apenas significado simbólico, mas esse significado é respeitável e traduz, no fundo, o que é a essência do património. Nós estaremos o mais disponíveis possível, como sempre temos manifestado, para que esta colaboração continue a desenvolver-se.
Relativamente à cultura do efémero e às suas diversas vertentes, o registo e a conservação dos elementos dessa cultura estão, em vários sectores do Estado, mais uma vez, já previstos. A própria Cinemateca, por exemplo, tem um arquivo de registo da imagem animada que é algo de precioso. Aproveitaria para convidar a Sr.ª Deputada a visitá-lo - terei muito gosto em acompanhá-la quando quiser.

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Por outro lado, o Museu do Teatro, que contém um acervo sobre a história do teatro em Portugal extremamente importante e que, curiosamente, é sentido bastante bem pelos interessados, não só pela frequência do próprio Museu mas pelas dádivas constantes que são feitas a esse Museu e que conservam parte dessa cultura do efémero. Existe, no Ministério da Cultura, através do Centro Cultural de Belém, o projecto de criar um centro de documentação das artes do espectáculo também nesse sector. Portanto, a esse nível, há um esforço feito em várias dimensões para registar quanto de material e imaterial se vai fazendo.
No entanto, é preciso dizer também que uma lei do património pode, como diria Benjamin, alargar-se ou restringir-se, conforme os vencedores e os vencidos. Porém, tal como se dizia da História, ela é sempre feita pelos vencidos e a obrigação do historiador, da História oficial, digamos assim, é a de investigar para além disso. Portanto, todos estes elementos de cultura efémera, porque desprezados no passado, são hoje, evidentemente, da maior importância. E os diversos institutos e o pessoal científico que se ocupa dessas instituições no âmbito do Ministério da Cultura têm disso perfeita consciência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Dado que o Sr. Deputado David Justino desistiu de voltar a intervir, declaro encerrado o debate das propostas de lei n.os 38/VIII e 39/VIII, referentes ao património cultural e ao seu regime fiscal. A votação, na generalidade, destes diplomas será feita, nos termos regimentais, em futura reunião plenária.
Antes de passarmos ao ponto seguinte da ordem do dia, apraz-me assinalar a presença, a acompanhar os nossos trabalhos, de um grupo de alunos da Escola Superior de Hotelaria e Turismo, do Estoril, e de um grupo de alunos da Escola do Ensino Básico, n.º 4, da Amora. Conforme a tradição, peço para eles uma saudação amiga.

Aplausos gerais, de pé.

A acompanhar os alunos da Escola do Ensino Básico da Amora, encontram-se também algumas das suas professoras, a quem cumprimento.
Para proceder à leitura de relatórios e pareceres da Comissão de Ética, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Mota Torres a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, em processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, dado não haver pedidos de palavra, vamos proceder à votação do respectivo parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do BE.

O Sr. Secretário (José Reis): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, 4.º Juízo, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Basto Mota Torres a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, em processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Vamos proceder à votação do parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do BE.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial de Tondela, 1.º Juízo, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Carlos Marta a prestar depoimento, por escrito, querendo, como testemunha, em processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do respectivo parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do BE.

O Sr. Secretário (José Reis): - Finalmente, Srs. Deputados, passo a ler o seguinte relatório e parecer da Comissão de Ética:

Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 5 de Janeiro de 2001, pelas 10 horas, foi observada a seguinte retoma de mandato:
Grupo Parlamentar do PS - António Galamba (círculo eleitoral de Lisboa), cessando Vítor Manuel Lontrão Carola, com início em 22 de Dezembro passado, inclusive.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
O parecer é no sentido de que a retoma de mandato é de admitir uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do BE.

O ponto seguinte da ordem de trabalhos consta da apreciação da petição n.º 4/VIII (1.ª) - Apresentada pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (Serviço Vencer e Viver), solicitando que o dia 30 de Outubro seja institucionalizado como «Dia Nacional da Prevenção do Cancro da Mama».
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Freitas.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O efeito duplo da presente petição ganha, neste breve debate no Plenário da Assembleia, os contor

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nos positivos e definitivos que, muito provavelmente, seriam os desejos mais sentidos dos peticionantes.
Em primeiro lugar, a Câmara acolhe, realiza e faz eco dos dados flagelantes associados à patologia oncológica da mama, em Portugal. Cerca de 3000 novos casos por ano, 60 novos casos por 100 000 habitantes, a primeira causa de mortalidade feminina, em certos escalões etários e a certeza da crescente prevalência e incidência, desde logo, pela inversão da pirâmide etária e pelo incremento da esperança de vida - sempre maior nas mulheres do que nos homens -, tudo isto e o mais nos envolve solidariamente, tornando esta petição uma interpelação de saúde pública nacional e consensual.
Permitir que o «Dia Nacional de Prevenção do Cancro da Mama», em cada 30 de Outubro, suscite a reflexão, o interesse e a maior informação dos profissionais, dos doentes, das mulheres e homens sãos não poderá oferecer, neste contexto, qualquer objecção partidária ou política.
Em segundo lugar, a Câmara não deve ignorar essoutra interpelação contida nesta petição: teremos, em Portugal, equilibrada e suficiente cobertura nacional para prevenção e tratamento das doenças oncológicas e, desde logo, do cancro da mama? Quais os resultados e assimetrias do Plano Oncológico Nacional? Como estamos a cumprir metas internacionais nos últimos anos? Será que, como diz o Presidente da Associação Oncológica do Algarve, há mulheres forçadas à remoção cirúrgica da mama por falta de meios, designadamente de radioterapia, no Algarve? E, já agora, as associações de doentes têm sido devidamente apoiadas e solicitadas à parceria?
Enfim, estoutra interpelação, inclusa na petição, pede à política avaliação e medidas quanto ao rastreio, à investigação, ao tratamento, até ao apoio psicológico, e também quanto à equidade e universalidade dos cuidados de saúde, nomeadamente oncológicos, em Portugal.
Por todos estes motivos, o PSD apoia totalmente a presente petição, na expectativa de que o próximo dia 30 de Outubro seja já um melhor dia para os doentes oncológicos portugueses e um melhor dia, no fundo, para todos nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Costa.

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a discussão da petição n.º 4/VIII, da iniciativa do Movimento Vencer e Viver da Liga Portuguesa Contra o Cancro e da Socosmet, permite-nos abordar uma problemática que assume uma importância crescente no quadro da saúde: o cancro da mama, o seu impacto na vida das mulheres atingidas por este flagelo e as formas de o prevenir e de o combater.
O cancro da mama, que atinge no nosso país um número crescente de mulheres, comporta efeitos nefastos quando tardiamente diagnosticado e tratado, sendo responsável por um elevado número de incapacidades e mortes e com consequências dramáticas, do ponto de vista psicológico, para as mulheres e suas famílias.
De acordo com os dados disponíveis, morrem anualmente, em Portugal, devido ao cancro da mama, mais de 1500 mulheres. Contudo, este é um tipo de mortalidade que pode ser evitado e combatido, se forem adoptadas medidas adequadas de prevenção.
De facto, o cancro da mama é uma doença que pode ser evitada, se diagnosticada atempadamente e tratada precocemente. Para isso, afigura-se fundamental que toda a população em geral e as mulheres em particular estejam informadas e sensibilizadas sobre as causas e efeitos deste tipo de tumor e, sobretudo, as formas como evitá-lo.
É neste contexto que entendemos como extremamente positiva e meritória a pretensão apresentada pelos autores da petição n.º 4/VIII, sobre a instituição do dia 30 de Outubro como o «Dia Nacional de Prevenção do Cancro da Mama», que o Governo prontamente acolheu através do Despacho n.º 23 682/2000, de 30 de Outubro, da Sr.ª Ministra da Saúde.
E, por isso, felicitamos os autores da petição em discussão, mas também congratulamos o Governo, na pessoa da Sr.ª Ministra da Saúde, por ter sabido interpretar uma justa e legítima aspiração do Movimento Vencer e Viver da Liga Portuguesa Contra o Cancro, através da concretização de uma medida que terá grande importância no quadro da prevenção do cancro da mama.
Neste domínio como noutros, o Ministério da Saúde tem seguido uma actuação coerente e cuidada e tem traçados objectivos muito claros, no que concerne à política de prevenção do cancro da mama. Espera-se, assim, até 2002, aumentar em 15% a detecção, por rastreio, do cancro da mama e aumentar em 35% o número de rastreios nas mulheres com idades entre os 45 e 70 anos, reduzindo em cerca de 10%, até 2007, a mortalidade devido ao cancro da mama. Para atingir tais objectivos, o Governo apostará na educação para a saúde, no auto-exame e rastreio sistemático.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o dia 30 de Outubro, como o «Dia Nacional de Prevenção do Cancro da Mama», instituído através do Despacho n.º 23 682/2000, contribuirá seguramente, é nossa profunda convicção, para propiciar aos agentes de saúde e aos cidadãos mais informação, sensibilização e reflexão sobre as causas e efeitos de um flagelo que afecta especialmente as mulheres, castrando-lhe a saúde, a vida e a esperança. Constitui, por isso, uma medida que merece da nossa bancada todo o apoio e reconhecimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que, antes de mais, cumpre apreciar e realçar a importância do assunto que esta petição versa e o esforço que os peticionantes fizeram para trazer esta petição à Assembleia da República. Outra coisa que me parece muito importante é a concordância que parece «atravessar» todas as bancadas desta Câmara sobre este assunto.
O cancro da mama, que atinge directamente tantas mulheres - e os números são conhecidos por todos nós - em Portugal, e que é uma das maiores causas de

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mortalidade, em certas idades, das mulheres, em Portugal, de facto, só pode ser combatido com uma aposta fortíssima na prevenção e na informação e, depois, como é óbvio, nos meios de tratamento.
Todos sabemos bem as consequências tão nefastas que este assunto tem na vida das mulheres e também na vida das suas famílias, o esforço e o sofrimento que causa a tanta e tanta gente em Portugal.
É importante também realçarmos, porque penso que é de inteira justiça, a luta que os peticionantes têm travado sobre este tema e, felizmente, também, como dizia há pouco, os frutos que já saíram do esforço que estes mesmos peticionantes fizeram.
No entanto, cumpre também lembrarmos e alertarmos para algo que me parece fundamental: se a prevenção e a informação são, sem dúvida, a chaves mais importantes para combater este problema, não podemos esquecer, como é óbvio, todo o diagnóstico e os meios de tratamento, que, infelizmente, não são ainda aqueles que este grupo parlamentar - e penso que todos os outros, assim como o Governo - gostaria que fossem.
Acima de tudo, quero realçar um facto muito importante: estou certo de que o próximo dia 30 de Outubro de 2001 vai ser uma dia diferente e muito significativo nesta luta, mas ela não pode limitar-se a um só dia de um só ano. De facto, esta luta, a informação e o tratamento, tem de ser um combate diário do Governo e penso que de todos os grupos políticos desta Câmara.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero dizer que nos associamos, com agrado, à iniciativa e à proposta da existência de um dia específico para a questão da prevenção do cancro da mama, com a gravidade que ele tem e com os números que continua a atingir no nosso país.
É certo que este dia, em nossa opinião, tem de ser um dia que contribua para a prevenção do cancro da mama e não pode ser um dia que contribua para o esquecimento desta prevenção nos restantes dias do ano. De facto, há aqui uma incoerência entre o despacho feito pela Sr.ª Ministra para instituir este dia como o dia da prevenção do cancro da mama e, depois, toda uma política que não aposta na prevenção de facto, que é o que vai prevenir o cancro da mama e não a existência do dia. A existência do dia tem um simbolismo muito importante, ao centrar uma atenção especial sobre esta matéria, mas não pode prejudicar a atenção que ela merece em todos os outros dias do ano e a atenção que ela tem de merecer na política de saúde.
É que prevenir o cancro da mama é investir mais nos cuidados primários de saúde e sensibilizar todas as estruturas de saúde, designadamente os centros de saúde, no sentido de, junto dos utentes que os frequentam, designadamente as mulheres, fazerem a sensibilização para essa prevenção e poderem fazer eles próprios essa prevenção.
E se não tivermos cuidados de saúde em condições de ter e de exercer esta função, não vamos ter, independentemente dos dias, uma prevenção capaz e séria do cancro da mama.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, a primeira afirmação que gostaria de fazer relativamente à petição aqui em discussão é esta: se as acções de prevenção, em Portugal, fossem sérias e eficazes, então, não haveria necessidade de os peticionantes terem pedido concretamente a instituição de um dia nacional de prevenção do cancro da mama, com o especial objectivo da promoção de acções de sensibilização e de prevenção dirigidas às mulheres portuguesas, neste dia especial.
Creio, pois, que a ilação que podemos tirar da apresentação desta petição à Assembleia da República é, de facto, a consciência de que não existem acções eficazes e sérias de prevenção do cancro da mama em concreto. E, incompreensivelmente, não existem essas acções de prevenção - e, no fundo, de precaução -, quando o número de mulheres atingidas é extremamente significativo, quando o número de mortes por diagnóstico tardio desta doença é extremamente elevado e, no fundo, quando a possibilidade de tratamento é real e existe se o diagnóstico for feito a tempo.
Daí, dadas estas características e estes factos, ser ainda mais incompreensível a inércia do Ministério da Saúde, no desenvolvimento de acções concretas de prevenção, dirigidas às mulheres portuguesas, do cancro da mama.
O objectivo desta petição, como já foi referido, está, neste momento, cumprido pela instituição, porque este dia já foi instituído no dia 30 de Outubro, por despacho do Ministério da Saúde.
Alguns colegas dos outros grupos parlamentares já o referiram, mas eu também gostava de realçar que as acções de prevenção que se farão neste dia não podem resumir-se ao dia 30 de Outubro.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - De facto, espero que estas acções de prevenção, hoje ineficazes, venham a ter eficácia também nos restantes dias do ano, porque as mulheres portuguesas são extremamente atingidas por este flagelo. É importante, porque é possível, fazer o tratamento atempado e prevenir um número de mortos e de mulheres atingidas, que é bastante significativo!
Portanto, é importante que estas acções de prevenção se façam durante todos os dias do ano com a eficácia necessária.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção vai no sentido das intervenções que já foram produzidas.

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Quero salientar que a prevenção passa por campanhas de informação e que, à semelhança de outros países, seria interessante e urgente que essas campanhas de informação implicassem o envio de circulares ao domicílio, com uma propaganda efectivamente atractiva e mobilizadora, através do levantamento, nas respectivas áreas, da população feminina em idade de risco.
Quero ainda salientar que a questão fundamental é realmente a da eficácia dos cuidados primários de saúde.
Chamo a atenção para o facto de marcação de uma ecografia num centro de saúde ser calendarizada para meses e meses após o dia da marcação, para as calendas do nunca mais, o que obriga, em situações de urgência, muitas mulheres a recorrerem ao serviço privado, onde uma ecografia custa cerca de duas dezenas de contos e por vezes mais.
Portanto, sem dúvida que este dia, até pelo carácter simbólico que assume, é importante, mas é apenas um elemento numa política de saúde que realmente se tem notabilizado pelas suas carências.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, visto não haver mais oradores inscritos, dou por terminada a apreciação da petição n.º 4/VIII (1.ª).
Porém, antes de passarmos ao ponto seguinte, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, fiz questão de a interpelação ser feita exactamente no intervalo da apreciação das duas interpelações, porque ela não se prende com as petições em discussão mas com a matéria que acabámos de discutir relativamente ao património cultural.
Acabámos de ser informados do que vou informar a Câmara e só por esta razão o não fizemos há pouco e estamos a fazê-lo neste momento.
O preâmbulo da proposta de lei n.º 38/VIII diz, com toda a clareza, na sua primeira página, que foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses relativamente à matéria fiscal que acabámos de discutir. Ora, fomos informados pela Associação Nacional de Municípios Portugueses que o Governo não fez chegar a esta Associação a proposta fiscal, pelo que a mesma o desconhece na sua totalidade.
Aquilo que peço ao Sr. Presidente é que envide todos os esforços no sentido de confirmar esta informação que nos chegou da Associação Nacional de Municípios Portugueses, junto do Governo, para que possamos saber exactamente em que termos é que fizemos a discussão anterior.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, peço a palavra para prestar esclarecimentos à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, devo dizer que esta intervenção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita é estranha, a vários títulos, porque basta abrir o Regimento para saber que as obrigações de consulta são cumpridas pela Assembleia da República quando as propostas dão entrada e quando a Assembleia assim entende.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Por que é que a outra foi para a Associação Nacional de Municípios Portugueses?

O Orador: - A Sr. Deputada está a referir-se à proposta de lei relativa aos benefícios fiscais?

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Estou a referir-me à do regime fiscal!

O Orador: - Essa proposta segue exactamente o mesmo regime da outra, certamente. Mas a consulta faz-se ao abrigo do artigo 150.º do Regimento, se não estou equivocado. Neste sentido, se isso não ocorreu, a responsabilidade do Governo é nula nesta matéria.
A tramitação faz-se na Assembleia da República. É através da Mesa que essa sequência de diligências ocorre e, salvo equívoco da minha parte no entendimento das palavras que a Sr.ª Deputada proferiu, estamos a tempo de o Sr. Presidente da Assembleia da República determinar todas as consultas possíveis e imaginárias e a respectiva Comissão está inteiramente, porque é a ela que cabe comandar esse processo nos termos do artigo 150.º do Regimento, a tempo de determinar o que se oferecer, até porque a votação só terá lugar no próximo dia 18, como os Srs. Deputados sabem.
Portanto, julgo que estamos perfeitamente a tempo de fazer tudo.
A responsabilidade do Governo nesta matéria é nula e gostaria de o deixar para a Acta para todos os efeitos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Quem é que fez o preâmbulo?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Secretário de Estado, permita-me que lhe chame a atenção para o seguinte: o problema deriva, sem prejuízo da exactidão das suas informações, do facto de o texto autógrafo desta proposta de lei, de que dispõe a Mesa (possivelmente os grupos parlamentares dispõem um fotocópia do texto), mencionar expressamente no final da exposição de motivos que foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Talvez tenha sido por causa disto que o Sr. Presidente da Assembleia da República não ordenou esta audição.
De qualquer modo, vou chamar a atenção para que este assunto seja considerado, acrescentando até que julgo ser de todo o rigor proceder-se à audição das regiões autónomas, já que se trata de dispor sobre receitas que lhes estão constitucional e estatutariamente atribuídas, e, por outro lado, a matéria de património cultural, desde a 1.ª revisão constitucional, é de interesse específico das regiões autónomas.
Aliás, tendo isto em consideração, ambas as regiões autónomas foram ouvidas sobre a lei de bases relativamente a esta matéria, já se pronunciaram, e os seus pareceres

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constam do processo que está na posse da Mesa. Certamente, esses pareceres são do conhecimento da Comissão competente.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - O Sr. Presidente fez uma intervenção muito ágil e, aliás, inteligente, como é peculiar, porque reparou in itinere que a consulta às regiões autónomas já foi feita. O Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura informou a Câmara do facto, e ainda bem que a consulta foi feita.
Portanto, a minha interpelação é sobre a primeira questão.
Sr. Presidente, não há qualquer problema e há um equívoco, manifestamente. É um equívoco de redacção ou de percepção, ou as duas coisas ao mesmo tempo.
As consultas prévias foram todas feitas e incidiram sobre todo o terreno, como era apropriado. Não nos apeguemos…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O que é isso de «todo o terreno»?

O Orador: - «Todo o terreno» é o terreno geral da lei de bases do património e as diversas implicações nos outros terrenos conexos, designadamente o fiscal.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - A Associação Nacional de Municípios Portugueses não foi ouvida!

O Orador: - Em todo o caso, insisto no ponto que o Sr. Presidente, aliás, reconheceu e sublinhou: cabe à Assembleia da República desencadear, através da Comissão de Educação, Ciência e Cultura (artigo 150.º do Regimento), todas as consultas em todos os terrenos. E, portanto, neste momento, está inteiramente nas mãos da Câmara fazer tudo o que é preciso fazer até ao dia 18. E os meus votos são de que a Câmara o faça, e tenho a certeza que o fará uma vez que o animus de impulsionar essa consulta é muito forte em todas as bancadas e no Governo, naturalmente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Só para responder à observação do Sr. Secretário de Estado, quero assinalar-lhe que o parecer das regiões autónomas se refere expressamente à proposta de lei n.º 39/VIII e não à proposta de lei n.º 38/VIII. Era precisamente sobre esta que eu queria chamar a atenção.

Vozes do PCP: - Outra!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isto está tudo ao contrário!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos passar imediatamente à apreciação da petição n.º 5/VIII (1.ª) - Apresentada pela Comissão de Utentes por uma extensão do Centro de Saúde da Freguesia de Olival de Basto, solicitando a criação de uma extensão do centro de saúde a freguesia de Olival de Basto.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Peixoto.

O Sr. Vítor Peixoto (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A apreciação desta petição colectiva, subscrita por 4606 cidadãos, apresentada pela Comissão de Utentes da Freguesia de Olival de Basto, resulta da necessidade de construção de uma nova unidade da saúde familiar para a freguesia de Olival de Basto.
Neste sentido e tendo em conta o desenvolvimento de diversas iniciativas promovidas pela comissão de utentes, foram informados os peticionários pelo Ministério da Saúde sobre todo o processo respeitante à construção desta unidade de saúde.
Cabe ainda esclarecer que a Comissão Instaladora do Município de Odivelas, após a formalização da cedência da parcela do terreno por parte da Câmara Municipal de Loures ao recém-criado município de Odivelas, deliberou considerar como prioritária a construção de uma unidade de saúde familiar para a freguesia de Olival de Basto e ponderar o redimensionamento dos centros de saúde de Odivelas e da Póvoa de Santo de Adrião.
Este órgão deliberou ainda disponibilizar os terrenos já aceites pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e diligenciar no sentido da realização das respectivas escrituras.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O direito à protecção da saúde, bem como a defesa e a promoção deste direito constitucionalmente tutelado, é um eixo fundamental da política de saúde deste Governo e do Partido Socialista, desde sempre.
Tendo presente que incumbe prioritariamente ao Estado assegurar a protecção do direito à saúde, conferindo garantias e acesso para todos os cidadãos aos cuidados da medicina curativa, preventiva e de reabilitação, e ainda implementar uma cobertura racional e eficiente, em todo o País, em recursos humanos e cuidados de saúde, na qualidade de Deputado e como autarca deste concelho, tenho de associar-me às legitimas aspirações da população desta freguesia.
Com efeito, a qualidade de vida no concelho tem sido uma preocupação nuclear dos autarcas socialistas e da comissão instaladora do novo município de Odivelas. Ora, o bem-estar da população do concelho de Odivelas passa necessariamente pela criação e redimensionamento das estruturas de saúde existentes, que começam a revelar-se escassas para as necessidades crescentes de um município jovem e em constante crescimento e desenvolvimento.
Assim, estamos certos que a aspiração constante da presente petição se encontra em concretização, uma vez que está a decorrer o lançamento do concurso para o projecto desta unidade de saúde, existindo no orçamento da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo as verbas necessárias para a execução da obra.
Devemos garantir a cada ser humano uma cidadania de parte inteira, uma igualdade construída na diversidade não por decreto ou por retórica mas, sim, assente num conjunto de direitos, obrigações e garantias universais, efectivamente construído e exercido. A população do novo con

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celho de Odivelas necessita que se concretizem esses direitos para que os seus cidadãos o sejam em plenitude.
É fundamental ainda, nestas matérias, ter o sentido da relatividade das coisas e do possível para não exigir dos governos o absoluto, que nunca nos poderão dar. Os equipamentos em questão são passíveis de concretização num futuro próximo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD apoia inteiramente as pretensões da petição n.º 5/VIII (1.ª), subscrita por 4606 cidadãos da freguesia de Olival de Basto, situada às portas de Lisboa e no novo município de Odivelas.
O que a Comissão de Utentes por uma extensão do Centro de Saúde da Freguesia de Olival de Basto e aqueles milhares de peticionantes pretendem é, simplesmente, que lhes seja proporcionado um equipamento de saúde próximo de suas casas, onde os idosos, as crianças e as famílias tenham acesso à assistência médica quando dela precisarem. Para usufruírem desse direito fundamental, pedem que seja instalada uma extensão de centro de saúde, para a qual há terreno disponível, oferecido, em primeiro lugar, pela Câmara Municipal de Loures e, agora, pela Comissão Instaladora do Município de Odivelas.
Ora, até hoje, os doentes de Olival de Basto têm de recorrer aos serviços de saúde de Odivelas ou da Póvoa de Santo Adrião, mas o espaço limitado desses mesmos serviços e o número crescente de novos utentes congestionam o seu funcionamento e tornam impossível a marcação de mais consultas. E aqueles que residem mais longe são, normalmente, os mais sacrificados por essa situação.
Acresce que Olival de Basto tem uma população cada vez mais envelhecida e, naturalmente, mais carenciada de apoio médico e de cuidados de saúde.
Olival de Basto insere-se também numa zona - Loures e Odivelas - onde as estruturas de saúde são uma necessidade premente e um dos principais problemas para as populações de ambos os concelhos.
Por todas estas razões, a aspiração das populações de Olival de Basto é justa e deve ser respeitada e concretizada no mais curto espaço de tempo. Registamos com agrado que, no PIDDAC para este ano, já foram inscritas as primeiras verbas destinadas à construção do equipamento de saúde desejado.
O PSD espera que esses trabalhos arranquem e com celeridade, para que os habitantes e as famílias de Olival de Basto tenham, finalmente, a sua vida mais facilitada quando precisarem de recorrer à assistência médica.
O PSD, em coerência com o empenhamento que sempre revelou na defesa e construção desta unidade de saúde, reafirma às populações desta freguesia o seu apoio e inteira solidariedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição que estamos hoje a discutir afigura-se-me como um certo paradoxo, porque por todos é reconhecida a necessidade deste tipo de equipamentos na freguesia de Olival de Basto. Todos os grupos parlamentares já receberam estes peticionantes por mais do que uma vez; aliás, continuámos a recebê-los depois de terem entregue esta petição. Logo, todos nós temos informações muito actualizadas sobre esta situação. De facto, todos nós reconhecemos a necessidade de existir um centro de saúde na freguesia de Olival de Basto, todos nós sabemos a longa espera e o longo caminho que estes peticionantes têm de fazer, quer para irem à Póvoa de Santo Adrião, quer para irem a Odivelas, quando, se calhar, muitas vezes, o mais fácil seria virem a Lisboa, uma vez que estão às portas desta cidade, mas sabemos que isso não é possível.
Esta petição é ainda um paradoxo porque há um terreno disponibilizado para se construir estes centros de saúde, há verbas inscritas em PIDDAC já no Orçamento do Estado do ano passado, há toda esta vontade, mas parece que a única coisa que não há, paradoxalmente, é o centro de saúde.
O que estes peticionantes muitas vezes sentem sobre esta necessidade, que é básica e fundamental para eles, é que há um certo jogo do empurra de responsabilidades: vão ao Ministério da Saúde, dizem-lhes que reconhecem a justiça desta petição, mas que estão a estudar o caso; vêem verbas inscritas em PIDDAC, mas nada acontece no terreno; vão falar com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e são empurrados para outro lado! Há, de facto, uma confusão tão grande à volta deste assunto que não se justifica e não se percebe.
Como eu dizia, parece incrível que, às portas de Lisboa, aqui tão perto, conhecendo-se as dificuldades que existem para estas populações, as dificuldades que passam, muitas vezes, até para terem acesso a uma farmácia a certas horas, nada aconteça e que esta petição chegue ao Parlamento faltando tanto para fazer, quando se reconhece a justiça que este assunto encerra.
Por isso mesmo, por parte da minha bancada, que tem feito um grande esforço para dar atenção a estas pessoas, visitando o local para perceber estas dificuldades, esta petição merece o nosso inteiro apoio e toda a justiça que podermos dar, porque, de facto, parece-nos fundamental que, de uma forma o mais célere possível e de proximidade junto das pessoas, se possa resolver, de uma vez por todas, este problema.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que a presente petição tem toda a justificação, justifica-se plenamente a existência de uma unidade de saúde na freguesia de Olival de Basto, cuja população tem significado e cujas característi

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cas dificultam o acesso a outras unidades de saúde, designadamente em Odivelas e em Póvoa de Santo Adrião, como aqui já foi dito.
Esta população sofre também, como, aliás, a de todo o concelho de Odivelas, com a falta de uma unidade concreta de saúde naquela freguesia e com uma centralização de todas as unidades de saúde no Centro de Saúde de Odivelas, que é manifestamente desadequada para as características daquele território, daquela população e, quanto mais não seja, para uma nova realidade, que é a existência de um novo município naquele território.
É evidente que esta questão tem tido diversos desenvolvimentos, embora não tão favoráveis como a população desejaria. Houve muitas promessas sobre esta matéria; depois, houve uma fase em que surgiram dúvidas técnicas sobre o terreno disponibilizado inicialmente pela Câmara Municipal de Loures, as quais, felizmente, já foram resolvidas; depois houve propostas, inclusive do PS, que deslocou um grupo de Deputados para visitar aquele terreno e aquela situação, tendo estes garantido que iriam defender esta proposta no Orçamento do Estado. Aliás, tivemos até uma proposta curiosa de inscrição, no Orçamento do Estado para 2000, de 2500 contos para a unidade de saúde em Olival de Basto, defendida pela bancada do PS, relativamente à qual a Sr.ª Ministra da Saúde dizia: «Não, não tirem esses 2500 contos do Centro de Saúde de Odivelas porque preciso deles!». Então, tiraram essa quantia de outro sítio qualquer! Mas a verdade é que não serviu para nada, porque essa verba não foi gasta.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Essa mesma dúvida tem de colocar-se em relação à verba inscrita para este ano. Noto que o Sr. Deputado Vítor Peixoto não se referiu à verba inscrita no Orçamento do Estado mas, sim, à verba inscrita no orçamento da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, que não conhecemos, mas que, provavelmente, o Sr. Deputado conhece.
No meio de tudo isto, houve diversas e sucessivas propostas do PCP no sentido de inscrever verbas de facto significativas no Orçamento do Estado e no PIDDAC para a construção desta unidade de saúde, as quais foram sucessivamente rejeitadas pelo PS, o que é preciso assinalar.
Portanto, temos de deixar aqui o voto para que, finalmente, este projecto avance rapidamente, para que não seja protelado nas suas diversas fases, de concurso, de adjudicação e de construção por muitos anos, como tem acontecido com as promessas até aqui prolongadas.
Neste momento, temos também a garantia de que, no ano em que vivemos, no ano de 2001, iremos ter muitas iniciativas, designadamente, de Deputados do PS, talvez até do Sr. Deputado Vítor Peixoto, e de autarcas do PS, porventura, até de algum membro do Governo, a deslocarem-se a Olival de Basto e a prometerem, mais uma vez, esta unidade de saúde. Do que precisamos não é da repetição das promessas mas, sim, da concretização das mesmas e da defesa da construção desta unidade de saúde rapidamente, porque é muito necessária para a população de Olival de Basto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente petição, assinada por mais de 4000 cidadãs e cidadãos, está a ser apreciada exactamente um ano após ter sido apresentada na Assembleia da República.
Em Outubro do ano passado, o Bloco de Esquerda dirigiu um requerimento ao Governo pedindo informação sobre a concretização da primeira fase do projecto relativo à construção do edifício para instalação do centro de saúde da Freguesia de Olival de Basto, inscrito em PIDDAC em Abril do ano 2000.
O Bloco de Esquerda inquiria o Ministério da Saúde sobre quais as medidas tomadas para o prosseguimento do projecto no quadro do Orçamento do Estado. Ora, se se esperava que a morosidade do processo desmobilizasse as populações, isso não aconteceu.
Chamo a atenção para que, na frase «as medidas serão tomadas num futuro próximo», a expressão «num futuro próximo» é demasiadamente lata no que toca aos problemas concretos e aos direitos da população da freguesia de Olival de Basto. Urge, pois, solucionar rapidamente o problema.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer, de forma muito breve, que, como já foi referido, esta questão não é nova, sobre a qual os diferentes grupos parlamentares já tiveram oportunidade de ouvir os cidadãos peticionantes - neste caso, mais de 4600 pessoas -, que, em nome dos 12 000 habitantes da freguesia de Olival de Basto, fazem eco de uma preocupação, que é a de ter acesso a um equipamento de saúde de que há muito estão carenciados.
Se é verdade que essa carência que hoje os empurra a deslocar-se, de uma forma penosa, a outras zonas para terem acesso a cuidados de saúde e o reconhecimento dessa necessidade é assumido pelo Governo, também é verdade que o Governo se tem refugiado em questões de forma para adiar a construção de um centro de saúde, para o qual, recordo, não só, inicialmente, o município de Loures disponibilizou terrenos como, posteriormente, o fez o recém-criado município de Odivelas. E o problema reside na construção desse equipamento, porque há um o jogo do «empurra» com o Ministério da Saúde, já que há entendimentos diferentes quanto ao processo de formalização da cedência do terreno. Este jogo do «empurra» em termos de forma tem de acabar, porque o acesso à saúde é um direito dos cidadãos.
Aproveito para dizer, uma vez que o Governo está aqui e pode ser o eco desta preocupação, que é lamentável - e é bom sublinhá-lo - que, tendo eu, em Outubro do ano passado, por requerimento, perguntado ao Governo qual era a calendarização prevista para a construção deste equipamento, que diligências tinham sido feitas pelo Ministério da Saúde com vista à formalização dos terrenos e em

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que fase se encontrava a construção deste equipamento, esse requerimento continue por responder. A informação é um direito constitucional dos Deputados e era bom que o Governo o cumprisse.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições…

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares pretende usar da palavra?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não estava inscrito, mas dou-lhe a palavra com muito gosto.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, de facto eu não estava inscrito, porque a explicação sobre o estado deste projecto foi dada e consta da acta - e foi dada em condições objectivas e capazes e eu não teria nada a acrescentar à informação que foi prestada pela bancada do Partido Socialista, neste caso, mas não desmentida, em bom rigor, por ninguém -, mas houve uma menção na intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Castro que me merece um reparo.
Há da parte do Governo um especial empenhamento em gerar uma metamorfose na tramitação do sistema de requerimentos. Isto não originará, como os Srs. Deputados se apercebem, um milagre instantâneo, mas espero que gere uma genuína e séria mudança. Aliás, penso que os Srs. Deputados terão reparado, e certamente registado, algumas alterações positivas, certamente não negativas, na tramitação, tanto na destrinça entre os requerimentos em função da sua natureza, sendo alguns de manifesta urgência foi criada uma espécie de «via verde» para a sua tramitação, gerando respostas praticamente instantâneas ou no dia seguinte, o que, suponho, não é qualquer coisa que desagrade a quem quer que seja na Câmara, tanto no Governo como nas bancadas dos diversos partidos, como também na destrinça dos requerimentos em função da sua própria natureza, segundo outros critérios. Por exemplo, os requerimentos que solicitam publicações têm hoje uma tramitação completamente aligeirada e nunca abandonam, aliás, as instalações da Assembleia da República, as démarches são feitas de maneira informal e a publicação obtida é entregue aos Srs. Deputados.
Em relação aos diversos departamentos, registam-se graus de resposta diferentes e eu colocarei em breve, julgo mesmo que hoje, no site da Internet da Secretaria de Estado, um relatório sobre a evolução do último trimestre do ano 2000. Analisando esse relatório os Srs. Deputados verificarão uma elevada taxa de resposta e repararão também que há pendentes em áreas bem delimitadas. Eu vou identificar com rigor cada uma das áreas e vou identificar nominativamente cada um dos requerimentos, o que o Regimento não obriga mas que julgamos desejável.
Em relação ao requerimento que a Sr.ª Deputada referiu, tomarei esta tarde, pessoalmente, as medidas necessárias para garantir que a resposta lhe seja entregue num prazo ultra curto, não porque a Sr.ª Deputada tenha um qualquer estatuto privilegiado mas porque, evidentemente, tem direito a ver respondida a pergunta que fez ao abrigo das disposições regimentais.
Era esta a explicação, Sr. Presidente, que queria dar, pois ficaria muito mal comigo próprio caso não a desse neste momento à Câmara e que, julgo, retrata objectivamente um esforço que não precisa de elogios, basta que seja eficaz nos seus objectivos.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que registo que o requerimento apresentado por Os Verdes vai ter «via verde», independentemente do atraso de alguns meses, mas gostaria de chamar a atenção do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares - e, porventura, de outros colegas de outras bancadas terão sentido o mesmo - para o facto de a celeridade não dever ser sinónimo de falta de informação. Algumas das respostas a requerimentos são de tal forma genéricas e vagas que, sabendo-se que os requerimentos não são feitos como um exercício de forma mas, sim, para obter informação, é, manifestamente, escassa a forma como o Governo está a responder.
Portanto, registo e acho positivo a celeridade, mas gostaria que ela não fosse atingida em detrimento do conteúdo dos requerimentos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, deseja usar da palavra como um direito de resposta?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não é bem para um direito de resposta mas, sim, a continuação de um diálogo sobre uma questão que interessa a todos, e aproveitando o facto de o podermos fazer confortavelmente.
A Sr.ª Deputada coloca uma questão muito importante, que me preocupa e preocupa todos nós. Penso que nunca atingiremos um grau de densidade, de minúcia e de pertinência 100% satisfatório. Sei bem como é importante perguntar e sei bem como a exigência «perguntatória» é eminentemente subjectiva. Portanto, pode haver divergência no grau de minúcia, de densidade e até de pertinência, dado que por vezes se pergunta dirigido a norte e a resposta vem a sul, por isso ser politicamente relevante para a entidade que responde.
Agora, posso garantir-vos uma coisa, que, para mim, é uma questão de princípio: os requerimentos que têm um objecto absolutamente inquestionável e óbvio - exemplo máximo, os que requerem publicações - têm de ter uma tramitação ultra simplificada e, de resto, nem assente essencialmente no papel. E quanto a estes, Srs. Deputados, julgo que posso dar a garantia de que será sempre feito o

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esforço da entrega o mais rápido que seja imaginável. Em alguns momentos já o conseguimos e espero que o consigamos sempre.
Em relação a outros requerimentos, verifico que alguns são de insistência. Quanto a estes, que são um direito dos Deputados, lembro que ainda hoje tramitei para a Mesa uma resposta do Sr. Deputado João Amaral sobre ajustes directos feitos pelas Forças Armadas, em que houve uma duplicação do requerimento e foi feita a resposta simultaneamente quando a duplicação ocorreu. Este é um critério correcto.
Em relação a outros requerimentos, cada vez que os Srs. Deputados se sintam insatisfeitos com uma resposta, eu solicito, requeiro, peço, que façam de imediato um requerimento complementar. Esse requerimento será respondido e em algum momento há-de parar esta cadeia, mas a regra do Regimento é que esta cadeia não tem de parar cedo, até pode vir ao Plenário, até pode redundar em perguntas, até pode redundar em intervenções do PAOD.
Portanto, eu creio, Srs. Deputados, que estaremos muito atentos às críticas e observações. Peço, aliás, que elas sejam dirigidas directamente aqui também, no Plenário, e julgo que é um domínio em que temos de conseguir resultados melhores, mais eficazes e mutuamente satisfatórios.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Os esclarecimentos produzidos pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares satisfazem, com certeza, toda a Câmara, porque evidenciam um compromisso - não se tratasse de um parlamentar bem rodado - de melhoria no relacionamento entre o Parlamento e o Governo.
Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária ocorrerá depois das eleições presidenciais, não havendo ainda ordem de trabalhos. Ela será fixada em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e todos serão informados atempadamente.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 45 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Manuel do Carmo Saleiro
Dinis Manuel Prata Costa
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
José Carlos da Cruz Lavrador
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Rui Manuel Leal Marqueiro
Vítor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
Domingos Duarte Lima
Fernando Santos Pereira
Henrique José Monteiro Chaves
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Manuel Castro de Almeida
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Mário Patinha Antão
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Comunista Português (PCP):
Cândido Capela Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP):
António Manuel Alves Pereira
Paulo Sacadura Cabral Portas
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

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