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Sábado, 3 de Fevereiro de 2001 I Série - Número 45

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE FEVEREIRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. Narana Sinai Coissoró

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 361 e 362, 364 a 367, 369 e 370/VIII e do projecto de resolução n.º 104/VIII.
Os Decretos-Leis n.os 109/2000, de 30 de Junho (Altera o Decreto-lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, alterado pelas Leis n.º 7/95, de 29 de Março, e n.º 118/99, de 11 de Agosto, que contém o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho) [apreciação parlamentar n.º 28/VIII (PCP)] e 110/2000, de 30 de Julho (Estabelece as condições de acesso e de exercício das profissões de técnico superior de segurança e higiene do trabalho e de técnico de segurança e higiene do trabalho) [apreciação parlamentar n.º 29/VIII (PCP)] foram apreciados conjuntamente, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação (Paulo Pedroso), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Gonçalo Almeida Velho (PS), Arménio Santos (PSD), Telmo Correia (CDS-PP) e Francisco Louçã (BE).
Foi também apreciado o Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro (Altera o Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro, que regula a autorização de introdução no mercado, o fabrico, a comercialização e a comparticipação de medicamentos de uso humano) [apreciações parlamentares n.os 31/VIII (PSD) e 32/VIII (PCP)]. Usaram da palavra, a diverso título, além do Secretário de Estado da Saúde (José Miguel Boquinhas), os Srs. Deputados Joaquim Ponte (PSD), Bernardino Soares (PCP), João Pedro Correia (PS), Francisco Louçã (BE) e Pedro Mota Soares (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Parente Antunes

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Francisco Baptista Tavares
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres Viegas C. da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler o expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 361/VIII - Reorganização administrativa da freguesia de Agualva-Cacém, com a criação das freguesias de Agualva, Cacém, Mira Sintra e São Marcos (PS), que baixou à 4.ª Comissão, 362/VIII - Elevação da vila de Agualva-Cacém à categoria de cidade (PS), que baixou à 4.ª Comissão, 364/VIII - Cria o regime que regula a constituição das autarquias locais e respectiva eleição dos seus membros (CDS-PP), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões, 365/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que regula o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa (CDS-PP), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões, 366/VIII - Acumulação de pensões com rendimentos de trabalho (PCP), que baixou à 9.ª Comissão, 367/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 177/99, de 21 de Maio, que regula o regime de acesso e de exercício da actividade de prestador de serviços de audiotexto, o Decreto-Lei n.º 474/99, de 8 de Novembro, que aprova o regulamento de exploração do serviço fixo de telefone, e o Decreto-Lei n.º 175/99, de 21 de Maio, que regula a publicidade aos serviços de audiotexto (CDS-PP), que baixou à 6.ª Comissão, 369/VIII - Altera os artigos 169.º, 170.º, 176.º e 178.º do Código Penal (PCP), que baixou à 1.ª Comissão, e 370/VIII - Alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, em que se estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias (PS), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões; e projecto de resolução n.o 104/VIII - Recomenda ao Governo que proceda à regulamentação urgente do regime de execução das medidas de promoção e de protecção de crianças e jovens em risco previstas no n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (CDS-PP).
Em termos de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos passar à ordem do dia, dando início à apreciação conjunta dos Decretos-Leis n.os 109/2000, de 30 de Junho (Altera o Decreto-lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, alterado pelas Leis n.º 7/95, de 29 de Março, e n.º 118/99, de 11 de

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Agosto, que contém o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho) [apreciação parlamentar n.º 28/VIII (PCP)] e 110/2000, de 30 de Julho (Estabelece as condições de acesso e de exercício das profissões de técnico superior de segurança e higiene do trabalho e de técnico de segurança e higiene do trabalho) [apreciação parlamentar n.º 29/VIII (PCP)] .
A iniciar o debate, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, numa intervenção muito breve, gostaria de dizer que os dois diplomas ora em discussão têm de ser apreciados no seu conjunto, embora nós apenas apresentemos alterações ao Decreto-Lei n.º 110/2000, que cremos resolverem o problema que nos foi apresentado.
Concretamente, os pontos que suscitaram protestos da parte de alguns técnicos de segurança do trabalho foi a redacção do n.º 4 do artigo 18.º e do artigo 20.º.
A situação é a seguinte: por um diploma anterior, cujo artigo 30.º foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 109/2000, técnicos, alguns deles já há 40 anos nessa profissão, não tendo uma licenciatura ou um bacharelato - aliás, este diploma nem sequer exige que seja uma licenciatura em matéria de trabalho, podendo ser um curso de matemática, por exemplo -, verificam que os licenciados ou bacharelados com três ou cinco anos de exercício de actividade teriam direito a ser classificados como técnicos superiores de segurança e higiene do trabalho.
Ora, por causa destas normas constantes do artigo 18.º, algumas dessas pessoas, muitas delas com 40 anos de profissão, quer trabalhando em serviços internos quer trabalhando nos serviços externos de empresas, vêem vedada a possibilidade de requererem e verem conseguida a sua certificação. A não ser que seja efectivamente entendido pelos técnicos da inspecção do trabalho que eles possuem conhecimentos e habilitações práticas para conseguirem a categoria correspondente às funções que vêm exercendo há longuíssimos anos, caso em que é passada a referida certificação.
Como é evidente, entendemos que esta avaliação deve ser rigorosa. Aliás, tal como referimos ontem em declaração política sobre matéria de sinistralidade laboral e de prevenção, pensamos, efectivamente, que deve haver rigor na avaliação e que o Governo deve promover, de facto, cursos de formação complementar da prática que as pessoas têm para que elas apurem os seus conhecimentos.
Mas não consideramos que só pelo facto de as pessoas não terem uma licenciatura ou um bacharelato qualquer se deve concluir que já não podem aceder à categoria de técnicos superiores de segurança e higiene do trabalho. Aliás, creio que, neste país, há apenas um instituto, se não me engano, na Maia, que dá formação nesta matéria de segurança e higiene no trabalho, o que é, obviamente, muito pouco.
Ainda em relação às pessoas que não têm uma licenciatura ou um bacharelato - e algumas até se inscreveram nesse curso leccionado no instituto da Maia, mas ainda não o completaram, e só por isso também não podem ter a categoria de técnicos superiores de segurança e higiene do trabalho -, pensamos que, a nível do artigo 20.º, deve ser incluída também uma alteração, para que, desde que as pessoas provem que estão inscritas num curso a fim de tirarem uma licenciatura ou um bacharelato ou que reingressaram nesse curso até ao final do ano 2001, lhes seja passada, como aí está dito em relação às pessoas referidas no artigo 18.º, e que necessitem da formação complementar, uma autorização provisória para o exercício de funções como técnicos superiores de segurança e higiene do trabalho por um período máximo de quatro ou sete anos, consoante se trate de bacharelato ou de licenciatura.
A nível do artigo 18.º, n.º 4, a exclusão de pessoas que estão, algumas há 40 anos, a exercer as funções que agora se chamam de técnicos superiores de segurança e higiene do trabalho resulta, efectivamente, da exclusão da alínea c) da possibilidade de terem essa classificação de técnico superior.
Assim, como reflexão final, deixaria o seguinte: os saberes que as pessoas adquirem durante a sua prática e a sua experiência valem, efectivamente, muito e têm um capital acumulado.
O autodidatismo foi, durante muitos anos, de facto, uma menção honrosa em relação às pessoas consideradas autodidatas. Até temos experiências interessantes de autodidatismo através das universidades populares Bento de Jesus Caraça.
Creio que, tal como aqui está, embora, de qualquer forma, se tenha alguma contemplação em relação a estes trabalhadores neste segundo diploma, não há justiça na discriminação que se faz de alguns.
Assim, vou entregar a Mesa as propostas que anunciei nesta minha intervenção.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho.

O Sr. Gonçalo Almeida Velho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: As apreciações parlamentares hoje em debate permitem-nos abordar uma problemática já recorrente nesta Câmara e que assume importância fundamental para os trabalhadores portugueses, mas também para as empresas e para o próprio Estado, que é o papel da formação e certificação dos técnicos de higiene e segurança do trabalho.
A necessidade de conciliar o desenvolvimento tecnológico e o progresso económico com a promoção das condições de trabalho, nomeadamente no plano da protecção da saúde e segurança dos trabalhadores, constitui, na actualidade, um desafio e um imperativo das sociedades modernas.
Para o Partido Socialista, a promoção das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho constitui uma prioridade central da política laboral, enquanto factor estratégico para a redução da sinistralidade no trabalho, para o controlo e eliminação dos riscos profissionais e para o aumento da qualidade, competitividade e produtividade das empresas portuguesas.
Os objectivos estratégicos que nos propomos alcançar neste domínio, de resto partilhados pelos parceiros sociais, são bem claros: conciliar o desenvolvimento e a modernização empresarial com a adopção de medidas, visando a melhoria das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; promover e favorecer uma cultura de prevenção dos riscos profissionais, com partilha de

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responsabilidades entre os empregadores e os trabalhadores; e criar condições propícias à redução do número de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.
Nesse sentido, os governos do Partido Socialista têm vindo, desde a VII Legislatura, a adoptar medidas tendentes à promoção da segurança, higiene e saúde no trabalho, nomeadamente através de instrumentos jurídicos que julgamos indispensáveis e dotando os serviços da administração do trabalho e o IDICT dos meios adequados à prossecução dos seus fins.
O Acordo de Concertação Estratégica, o Livro Branco sobre os Serviços de Prevenção das Empresas, a aprovação dos Decretos-Leis n.os 109/2000 e 110/2000, de 30 de Junho, hoje em debate, passando pela constituição da comissão com incumbência de proceder à definição dos perfis profissionais dos técnicos da área da segurança e higiene, bem como pelo Manual de Certificação de Técnicos de Segurança e Higiene do Trabalho, são provas do empenhamento firme e sério do Governo na resolução dos problemas relativos à segurança, higiene e saúde no trabalho.
De sublinhar ainda que, em sede de concertação social, se encontra em fase de negociação um acordo sobre condições de trabalho, higiene e segurança no trabalho, bem como de combate à sinistralidade, que contempla um vasto conjunto de medidas de curto e médio prazo, cujo cumprimento, estamos convictos, contribuirá para a melhoria das condições de trabalho e para a prevenção dos riscos profissionais e combate aos acidentes de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é consabido, a qualificação profissional e os mecanismos de certificação dos técnicos de segurança e higiene do trabalho constituem um eixo fundamental da política de prevenção dos riscos profissionais e são factores determinantes para uma efectiva implementação nas empresas portuguesas das normas legais de segurança e higiene no trabalho.
Acresce que os padrões de qualidade exigidos a estes técnicos no exercício das suas funções, porque o que está em causa é a segurança e muitas vezes a própria vida dos trabalhadores, devem ser elevados, rigorosos e enquadrados à luz de um sistema de certificação apto a responder aos interesses em causa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Através dos Decretos-Leis n.os 109/200 e 110/2000, o Governo deu resposta a este importante imperativo, melhorando, por um lado, o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho e, por outro lado, criando as bases jurídicas de acesso e de exercício das profissões de técnico superior de higiene e segurança do trabalho.
Trata-se, pois, de diplomas legais que assumem importância fulcral para o desenvolvimento da política de prevenção de riscos profissionais, que consagram soluções normativas justas e equilibradas e que, por isso mesmo, merecem a concordância e o apoio de todos os parceiros sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Contrariamente ao que o PCP vem aqui hoje defender, na nossa perspectiva, a publicação dos citados diplomas legais não constituiu qualquer impedimento à obtenção da certificação por equiparação por parte dos trabalhadores que exercem, há largos anos, funções na área da segurança e higiene, sem as habilitações legalmente exigíveis. Pelo contrário, essa possibilidade não apenas foi mantida como foi mesmo ampliada, nos termos do Decreto-Lei n.º 110/2000, de 30 de Junho.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não ouviu a minha intervenção!

O Orador: - Em rigor, o artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, alterado pelas Leis n.os 7/95, de 29 de Março, e 118/99, de 11 de Agosto, cuja revogação foi operada através do Decreto-Lei n.º 109/2000, de 30 de Junho, e que deu origem a iniciativa do PCP, encontra-se, na sua essência, reproduzido no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 110/2000, de 30 de Junho.
Mas mais importante ainda, a possibilidade de certificação de trabalhadores em exercício, por equiparação, foi alargada, na justa medida em que o citado artigo 18.º expressamente estabelece que os certificados de aptidão profissional podem ser obtidos mediante avaliação curricular, por trabalhadores em exercício que, até à data da entrada em vigor do diploma, tenham requerido ao IDICT a certificação por equiparação.
Ou seja: na prática, dado que o diploma foi publicado em 19 de Junho de 2000 e a sua entrada em vigor ocorreu em 19 de Agosto desse ano, os trabalhadores, incluindo os que não o fizeram em 1994, ao abrigo do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, tiveram um prazo adicional de dois meses para solicitar ao IDICT a certificação por equiparação, pelo que os fundamentos invocados pelo Partido Comunista não colhem.
Com efeito, no que respeita aos trabalhadores em exercício na área da segurança e higiene no trabalho, o Decreto-Lei n.º 110/2000, de 30 de Junho, abre várias vias de certificação por equiparação.
Estes trabalhadores, têm, por um lado, a possibilidade de aceder à certificação por equiparação, desde que sejam titulares de licenciatura, bacharelato ou o 9.º ano de escolaridade…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O n.º 4 do artigo 18.º!

O Orador: - … e, cumulativamente, determinado período de exercício efectivo de funções técnicas na área de segurança e higiene no trabalho.
Por outro lado, quando não reúnam os requisitos de tempo exigidos ou a avaliação curricular seja considerada insuficiente ou quando se trate de trabalhadores que apenas possuam a escolaridade obrigatória e um mínimo de 10 anos de exercício efectivo de funções, a certificação por equiparação poderá ser obtida mediante a prestação de provas de avaliação.
Por último, mesmo àqueles trabalhadores que nas provas de avaliação não obtenham aproveitamento é-lhes garantido o acesso a formação complementar específica para obtenção das competências em falta a cujo certificado de aptidão profissional se candidatarem.
E, não menos importante, ainda que necessitem de formação complementar específica para a obtenção da certificação, poderão continuar a exercer funções técnicas por um período máximo de três anos, mediante autorização prévia, dispondo, deste modo, de um prazo razoável para a obtenção daquela formação.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados, o quadro legal em vigor, relativo às condições de acesso e exercício de funções técnicas de segurança e higiene no trabalho espelha soluções justas, adequadas e conformes ao duplo objectivo de promoção das condições de segurança e higiene nos locais de trabalho, bem como de reconhecimento e valorização dos trabalhadores que se dedicam a esta nobre função. Os interesses destes trabalhadores foram devidamente acautelados, podendo continuar a exercer as funções de técnicos de segurança e higiene, ainda que para tal tenham de se submeter a avaliação curricular, provas de avaliação ou a formação complementar específica. Certificar a aptidão profissional destes trabalhadores sem qualquer tipo de exigência ao nível das competências profissionais (que não está em causa nos actuais técnicos) seria uma atitude irresponsável que o Partido Socialista não assume. A complexidade técnica das funções que desempenham, aliada aos interesses em causa, ou seja, a salvaguarda da segurança e da vida dos trabalhadores, assim o exige.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nas sociedades modernas, as condições de trabalho assumem grande influência na vida dos trabalhadores, representam um factor importante para as empresas e aumentam a sua produtividade, pelo que a prevenção dos riscos profissionais e o combate à sinistralidade devem ser responsabilidades a valorizar por todos nós.
Para o PSD, a promoção da saúde e segurança no trabalho é uma questão da maior importância e actualidade. Ela deve traduzir-se numa intervenção global e integrada e envolver os trabalhadores, as várias dimensões das empresas, os técnicos especializados do sector e os próprios organismos públicos. Esta nossa visão do problema mais se justifica quando, em Portugal, as consequências da sinistralidade laboral atingem hoje proporções preocupantes, com o número de mortos e de deficientes por acidentes de trabalho a aumentar em flecha, apesar de o Governo procurar diminuir esta realidade e procurar fazer passar o contrário.
É neste quadro, Sr. Presidente, que, para nós, assume particular interesse a apreciação parlamentar destes dois diplomas, o Decreto-Lei n.º 109/2000 e o Decreto-Lei n.º 110/2000, que tratam da organização e do funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, e também das condições de acesso e de exercício das profissões de técnico e de técnico superior de segurança e higiene no trabalho. Começamos por registar que partilhamos do objectivo destes dois diplomas, que é regulamentar as carreiras do sector e melhorar o nível técnico dos especialistas em segurança e higiene no trabalho. Quanto a este ponto, estamos de acordo com o Governo.
Na verdade, se atentarmos nos altos níveis de sinistralidade laboral, verificados de um modo geral em todos os sectores de actividade, mas de forma muito especial nas áreas ligadas à construção civil e à metalomecânica, temos de reconhecer que era desejável o enquadramento legal que estes dois diplomas pretendem estabelecer. Mas, apesar desta realidade, importa frisar que nas empresas, particularmente nas grandes empresas, onde já existem serviços internos devidamente organizados, de prevenção de riscos profissionais, verificam-se indicadores de sinistralidade moderados e muito próximos dos registados pelas suas congéneres da União Europeia. Ou seja, as áreas onde maior número de acidentes ocorre são aquelas onde ocorre também um deficit de organização de serviços de higiene e segurança no trabalho. Serviços esses que, importa lembrar, na sua maior parte foram estruturados e são dirigidos por profissionais competentes, muitos deles sem habilitações académicas superiores, mas que possuem um enorme saber de experiência feito e que não é justo nem aceitável desprezar.
Acontece que o Decreto-Lei n.º 110/2000, ao definir as novas normas de acesso à certificação profissional e ao estabelecer as condições de homologação dos respectivos cursos de formação profissional relativamente ao técnico e ao técnico superior de segurança e higiene no trabalho, revogou o artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 26/94 e não integrou as disposições que este artigo previa para os trabalhadores, aos quais era reconhecido o seu estatuto profissional se exercessem há largos anos funções no domínio da segurança, saúde e higiene no trabalho, mesmo que não tivessem qualificações literárias superiores. Agora, para se ter acesso à profissão, a técnico superior, nomeadamente, o referido Decreto-Lei prevê um manual de instruções, de certificações, estabelece os perfis dos técnicos de grau V e de grau III, impõe reciclagens obrigatórias e outras coisas mais, com as quais estamos em parte de acordo, mas esquece (e aqui é que está a questão) e «corta as pernas» àqueles que, por mais capacidade técnico-profissional que possuam, não cumprem os requisitos académicos.
Parece-nos que estamos em presença de uma situação de injustiça que importa reparar. Senão, vejamos, a título meramente exemplificativo: um licenciado que exerça funções de técnico de segurança e higiene apenas durante um dia - apenas durante um dia! - é chamado pelo IDICT a prestar provas específicas e, mesmo que não perceba nada do ramo, mesmo que tenha zero, beneficia automaticamente de uma autorização provisória para exercer a profissão de técnico superior de grau V durante três anos, ao longo dos quais vai poder obter a formação necessária para poder ser certificado por equiparação. Mas a um profissional que tenha uma carreira de técnico de higiene e segurança há quinze anos ou mais, ainda que desenvolvida ao nível da direcção de serviços e com milhares de horas de formação específica, a este profissional, é-lhe recusado prestar provas para acesso a técnico superior e apenas se lhe atribui um certificado de grau III, se não tiver grau académico superior. É aqui que, do nosso ponto de vista, reside a questão. Esperamos que haja abertura e compreensão por parte do Governo e do PS para corrigir esta situação, que nos parece, de todo em todo, absurda.
Os autores do diploma parecem, assim, ter valorizado em demasia questões formais e não terão avaliado bem a experiência e a eficácia dos serviços, aspecto que é seguramente do maior interesse para as empresas e para os seus trabalhadores, que é do maior interesse para evitar a onda de acidentes no trabalho que, infelizmente, persiste no nosso País.
Por isso, Sr. Presidente, somos sensíveis à bondade das queixas dos profissionais sem grau académico superior, que

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se consideram prejudicados e que reclamam uma solução realista, que passa por se sujeitarem a provas específicas de avaliação e que, perante nota positiva nas mesmas, lhes seja atribuída uma autorização provisória para exercerem funções técnicas de grau V durante três anos, período de tempo que podem aproveitar para tirar ou acabar os seus cursos académicos, nos termos agora definidos na lei. De facto, se a um licenciado, que está desinserido do sector, lhe são concedidos três anos para aquisição de conhecimentos adequados no ramo da saúde e segurança no trabalho, é legítimo que igual oportunidade seja proporcionada aos profissionais que dominam em absoluto estas áreas. É uma solução justa e que confere à lei um equilíbrio que manifestamente hoje, do nosso ponto de vista, não tem.
É nesse sentido, Sr. Presidente, que o PSD espera que haja abertura por parte do Governo às alterações que aqui preconizamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação, Sr.as e Srs. Deputados: Em relação a este pedido de apreciação parlamentar, proveniente do Grupo Parlamentar do PCP, relativamente ao Decreto-Lei n.º 109/2000, de 30 de Junho, que estabelece o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, a primeira coisa que gostaria de registar é que, depois de ter ouvido com interesse a Sr.ª Deputada Odete Santos e, a seguir, as intervenções dos Srs. Deputados Gonçalo Almeida Velho, do PS, e Arménio Santos, do PSD, fiquei desejoso de ouvir o Sr. Secretário de Estado pronunciar-se sobre esta mesma matéria. É que ouvi as críticas da Sr.ª Deputada Odete Santos, secundadas, depois, em alguma medida, pelo Sr. Deputado Arménio Santos, num registo diferente mas com a mesma linha de preocupações, e ouvi a bancada do PS fazer uma coisa que me pareceu extraordinária, que foi assumir, mais ou menos, aquela postura que o PS tem, em muitas ocasiões, não sei se social-cristã, mas certamente de inspiração divina, que é a de olharem para tudo o que fizeram e tudo o que fizeram é bom. Seja o que for, o que quer que seja, que tenham proposto e como quer que seja que tenham proposto, «fomos nós que fizemos, deve ser bom».

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - E descansam ao 7.º dia!

O Orador: - Não! Se descansassem ao 7.º dia não era mau! Descansam quase todos os dias sobre esta mesma matéria!

Risos do PCP.

Como acontece tantas vezes no nosso país com o sistema de ensino - e isso tem de ser dito -, com as dificuldades que o nosso próprio sistema de ensino e a formação têm, e com o atraso que o nosso próprio sistema de ensino tem tido ao longo dos anos em relação a determinadas actividades profissionais, sabemos que há muitas actividades profissionais no nosso país que só tardiamente puderam ter integração e realização em termos de formações, seja a que nível superior for.
E parece-me, pelo que pude observar deste problema, que esta é precisamente uma dessas situações. Com efeito, temos técnicos que exercem esta actividade há muitos anos e que, por a exercerem há muitos anos, não estão ainda integrados neste novo regime, neste regime de certificação agora existente. Pessoas que exercem esta actividade, que não tinha regulamentação anterior, há 40 anos, mas que têm aquilo que agora se gosta de chamar know-how - é a versão mais moderna -, que é, e estou de acordo com o Sr. Deputado do PSD, aquilo a que, em português, nós chamaríamos um saber de experiências feito, que têm uma vida nesta actividade - e uma actividade tão importante como esta que garante, quando todos os dias ouvimos falar de risco, a nível, designadamente de segurança, uma função fundamental para a sociedade.
De resto, no acompanhamento que fizemos desta matéria, e pegando no exemplo dado pela Sr.ª Deputada Odete Santos, quando falámos com alguns dos técnicos desta área - não sei se sabe, Sr.ª Deputada Odete Santos, e se me está a ouvir -,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Estou, estou!

O Orador: - … eles disseram-nos uma coisa extraordinária (não fui confirmá-lo, mas eles disseram-no): é possível que alguns dos manuais utlizados precisamente na Maia, na formação destes mesmos técnicos, sejam feitos por pessoas que não podem exercer a profissão, o que é uma coisa notável. Quer dizer, sabem o suficiente para ensinar a quem vai exercer a profissão, mas não sabem nem estão habilitados eles próprios para poder exercê-la.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso nem Deus! Ultrapassa o divino!

O Orador: - Exactamente! Está para além de qualquer consideração.
Por outro lado, há outra coisa que não faz aqui muito sentido, que é o seguinte: qualquer licenciado que faça formação, de qualquer área que ele provenha (como dizia a Sr.ª Deputada Odete Santos, da matemática, das artes, seja de onde for), tem um acesso que parece funcionar um bocado em detrimento daqueles que têm esta mesma experiência. Por isso, nesta matéria, quer em relação ao artigo 18.º e, designadamente, à sua conjugação com o seu n.º 4, quer em relação ao artigo 20.º, o nosso grupo parlamentar está inteiramente de acordo com a análise que é feita, nomeadamente pelo grupo parlamentar que pede esta mesma apreciação. E fica-nos a ideia de que, se instituíram qualquer regime de certificação, se instituíram esta exigência, pode ser uma boa ideia, mas isto não pode ser feito em detrimento e sem dar oportunidade àqueles que têm esta experiência de se integrarem nesse mesmo regime.
Portanto, a ideia de uma forma de moratória, que lhes permita terminar, completar, aceder a essas mesmas habilitações, não os «deitando fora» e, assim, não colocando em risco o próprio sistema de higiene e de segurança, parece-nos uma boa ideia, uma ideia fundamental.
É que, de contrário, pode haver - e isso acontece muitas vezes, no nosso país - quem se sirva da seguinte habilidade: estes técnicos não podem fazer determinado

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trabalho, mas certas empresas vão pedir-lhes que o façam e, depois, aparece outra pessoa qualquer, um licenciado, única e exclusivamente para assinar. Ora, isso não é desejável.
Fiquei algo preocupado com a ideia de que nada há a mexer e quero, sobretudo, ouvir a intervenção do Sr. Secretário de Estado, que é uma pessoa atenta a estas matérias e que vai certamente ser sensível ao pedido de apreciação feito pela bancada do PCP, o qual merece, como já referi, todo o nosso apoio.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação, Sr.as e Srs. Deputados: Quando os Decretos-Leis n.os 109 e 110/2000, de 30 de Junho, foram apresentados, eles foram acolhidos pela classe profissional e por quem acompanha esta matéria como um passo importante.
Tratava-se de clarificar funções e responsabilidades e, portanto, de definir regras, o que era, sem dúvida, vantajoso. Mas, como alertou, a seu tempo, a Associação Portuguesa de Técnicos de Prevenção e Segurança, no momento em que estes profissionais tiveram acesso ao manual de certificação, entenderam que havia uma diferença entre as promessas e aquilo que estava perante eles, sobretudo porque se abandonava um princípio, tão fundamental no exercício desta profissão, que é o do saber e da experiência acumulados, que permite a estes profissionais exercerem actividades, como o têm feito, de direcção e de responsabilidade, as quais, de repente, exceptuando cláusulas transitórias extremamente breves, nomeadamente a prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 110/2000, se esvairiam no tempo num período relativamente curto.
Daí a surpresa com o arquivamento da reclamação feita pela Provedoria da Justiça, porque justamente entendeu, como presumivelmente o Governo o terá feito na altura, que esta reclamação estava satisfeita. Naturalmente, o Governo terá a sua opinião sobre isto, mas uma verificação tanto da documentação, que são os princípios estabelecidos pelos dois decretos-lei em apreciação, como das reclamações destes profissionais e da sua associação comprova que assim não é e que, portanto, estas normas transitórias e a regulação que é dada nestes decretos-leis impõem que muitos destes profissionais fiquem numa situação em que o seu futuro profissional é terminado, a curto prazo, nas suas funções de responsabilidade.
Sobre isto, seguindo outros intervenientes, acentuaria que é preciso fazer um balanceamento prudente entre duas preocupações, sendo a primeira a da qualificação do trabalho e das funções de responsabilidade, como é natural. Compreendo que o Governo - e, certamente, o Parlamento seguirá também uma orientação nesse sentido - faça um esforço para que cursos profissionais adequados, as melhores qualificações profissionais, ao nível da responsabilidade que é exigida a cada trabalhador, sejam acessíveis e, portanto, garantam a progressão na carreira. Naturalmente, assim deve ser e essa é a grande transformação que se pretende que, num espaço tão breve - menos breve do que uma geração, se assim fosse possível -, permita que ao trabalho, em Portugal, seja garantida tal qualificação.
Desse ponto de vista, as qualificações académicas, as qualificações profissionais adquiridas por via de cursos, são, sem dúvida alguma, um marco de igualização no acesso a concursos e a funções de responsabilidade.
Mas existe uma outra consideração que deve ser tida aqui em conta, e o Sr. Secretário de Estado, que esteve envolvido na preparação da Cimeira de Lisboa sobre o emprego, terá tido essa noção e terá provavelmente participado em conferências e comunicações de alguns dos grandes economistas da actualidade, que foram convocados pelo Governo português para discutir a empregabilidade, a qualificação e o desenvolvimento do emprego. Assim, talvez se lembre das comunicações dos consultores principais da OCDE, os professores Luc Soete e Bengt Ake Lundvall, os quais insistiam na ideia de que conhecimento tácito é pelo menos tão importante como o conhecimento formal.
Por muito boas razões, o conhecimento formal tem a sua própria importância, porque permite a igualização dos níveis de acesso a um concurso, mas o conhecimento da experiência, acumulado no exercício de uma função profissional, é, hoje em dia, reconhecido como uma das fontes mais importantes de competência adquirida e até de inovação no processamento dessas qualificações técnicas.
Essas duas conferências, em particular, insistiram nisso, que aparece nas conclusões finais da Cimeira, e seria errado que, confrontados com um exemplo prático como este, abdicássemos dessa conclusão, que é inovadora e sensata em relação a esta articulação entre o saber formal e o saber essencial adquirido no exercício de uma profissão e na responsabilidade na condução da mesma.
Por isso, parece-me que têm todo o cabimento as duas propostas de alteração sobre os dois pontos concretos, porque elas introduzem uma norma de transição que permite manter funções de responsabilidade, que já existem, num contexto bem definido, do ponto de vista legislativo, que é contexto de inscrição ou do reingresso em cursos, que garante, no âmbito geral destes dois decretos-leis, o acesso a essas funções de chefia.
Portanto, deste ponto de vista, acompanho outras bancadas, bem como os proponentes, porque sensatamente introduzem regras de transição que defendem as melhores garantias para profissionais experimentados e comprovados no exercício das suas responsabilidades.
Na nossa opinião, o Governo também deve acolher estas propostas e torná-las viáveis por acção deste Parlamento.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação (Paulo Pedroso): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, dizer que estamos perante uma matéria que consideramos da maior importância e onde, como o conjunto dos Srs. Deputado aqui interveio salientou, se trata de fazer uma arbitragem entre o rigor dos princípios e o reconhecimento de que se arrastou por demasiado tempo uma situação intolerável, em particular para os profissionais do sector.
Gostaria de começar por sublinhar ou recordar aos Srs. Deputados que este não é um diploma que resulta da imaginação de uma «manhã de nevoeiro» do Governo, é um diploma que resulta de um trabalho continuado, sustentado, em conjunto com os parceiros sociais, que passou por vários níveis de concertação e por vários

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patamares de elaboração técnico-jurídica e de negociação antes de chegar à decisão política.
Foram ouvidos e ponderados múltiplos contributos, no quadro de uma discussão pública, que foi amplamente participada.
Gostava de recordar aos Srs. Deputados, para o caso de eventualmente já o saberem, ou de dizer-lhes, para o caso de não o saberem, que nessa discussão pública muitos parceiros sociais tiveram posições muito mais restritivas do que as estão consagradas neste diploma, isto é, houve uma arbitragem entre posições que eram mais restritivas do que aquelas que são finalmente consagradas depois da discussão pública. A simples comparação do projecto de diploma que saiu para discussão pública com este diploma permitirá constatar esse facto.
Julgo que é importante dizer aqui, dada a natureza desta apreciação parlamentar, que, por exemplo, o parecer enviado pela CGTP-IN Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical sobre esta matéria dizia que «a CGTP-IN concorda com as linhas gerais definidas no presente projecto de diploma para a certificação profissional dos técnicos superiores e técnicos de segurança e higiene do trabalho, salientando apenas» (e sublinho) «o estabelecimento de requisitos especialmente exigentes para a certificação, por equiparação, uma vez que estão em causa profissões com incidência na saúde e segurança das pessoas, nomeadamente dos trabalhadores».
Isto tudo para vos dizer, Srs. Deputados, que esta é uma matéria em que é fácil afirmar que há pessoas - e compreendo o drama dessas pessoas - que há muito tempo exercem esta actividade, mas também creio, como, aliás, o Sr. Deputado Francisco Louçã sublinhou, que é preciso ter consciência do que é que se está a consagrar, efectivamente, do ponto de vista do diploma.
Aquilo que hoje é proposto é que possa ser técnico superior alguém que não reúne os requisitos …

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é proposto nada disso!

O Orador: - … que estão consagrados para se ser técnico superior.
Deixem-me dizer-vos que na proposta dos parceiros sociais havia uma solução bastante mais restritiva - e passo à descrição, por equiparação - em dois planos, não apenas no plano das funções que se podem exercer como no dos prazos em que se podia requerer essa certificação.
O que fizemos foi colocar em pé de igualdade todos os candidatos que já tinham experiência, independentemente de terem requerido essa certificação antes ou depois de Setembro de 1995, o que, aliás, consideramos da mais elementar justiça, porque não nos parece que pudéssemos penalizá-los por algo que não era da sua responsabilidade.
Mas há alguns equívocos nas posições que hoje foram expressas, se bem as percebi. O primeiro deles é que haverá, agora, um agravamento, em relação ao que estava consagrado no artigo 30.º, após apreciação parlamentar do decreto-lei anterior.
Não é verdade que haja um agravamento, porque o artigo 30.º, tal qual saiu do Parlamento, dizia isto, Srs. Deputados: «Os trabalhadores que já exercem funções na área da segurança e higiene no trabalho sem a habilitação ou a formação previstas nos artigo 21.º e 22.º só podem exercer funções de direcção ou técnicas mediante certificação de equiparação ao nível de qualificação legalmente exigida.». De que estamos a falar, Srs. Deputados?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Secretário de Estado é que não sabe do que está a falar!

O Orador: - Esta equiparação de nível de qualificação legalmente exigida já era consagrada, talvez não tão claramente, mas, ao clarificarmos, apenas tornámos transparente aquilo que estava aqui consagrado! Não há qualquer agravamento neste diploma, nesta matéria, ao contrário do que aqui foi dito!
Mais: a solução que está consagrada parece-nos ser a mais equilibrada entre o rigor dos princípios e a flexibilidade necessária nesta matéria, por um lado, porque acautela os direitos e os interesses dos profissionais que têm uma larga experiência no sector.
Falou-se aqui da autorização provisória durar apenas três anos, mas relembro que, para os trabalhadores de mais de 45 anos, a autorização provisória pode ser prorrogada por mais três anos. E digo até à Câmara que estamos disponíveis para prolongar este prazo, porque compreendemos o drama das pessoas que estão há muito tempo no sector; só não o fizemos devido à dinâmica da negociação, porque alguns parceiros sociais, em particular os patronais, se opuseram a que autorização provisória fosse mais prolongada.
Da parte do Governo, não há qualquer problema em poder-se prorrogar a autorização provisória, para os trabalhadores de mais de 45 anos, por mais seis anos em vez de três, ou até ao fim da sua vida activa, atendendo a que estamos perante pessoas que estão na última metade da sua vida activa. Isto não é algo a que o Governo se oponha mas, sim, algo para que não obteve consenso na concertação social.
Com esta solução, julgamos também que asseguramos uma valorização adequada das competências adquiridas no contexto profissional e ao longo da vida. O que nos parece que não deve ser feito, Srs. Deputados, é desvalorizar a expressão técnicos superiores ao ponto de dizer que basta ter tido uma experiência de técnico, num contexto em que não havia reconhecimento legal, em que não havia certificação, em que - como já aqui foi dito - havia um desordenamento deste mercado, para se ser um técnico superior de nível 5, o qual, segundo o que está consagrado em termos comunitários, pressupõe um ciclo de formação de nível superior.
Não creio que os Srs. Deputados aceitassem que alguém que tivesse demonstrado que exerceu medicina toda a vida pudesse ser certificado, por equiparação, a médico, dispensando a licenciatura.
Outra coisa diferente, Sr. Deputado Francisco Louçã, é mudar o dispositivo das licenciaturas de maneira a que possa valorizar aquilo que as pessoas aprenderam ao longo da vida, como o Sr. Deputado recordou e com o que estamos inteiramente de acordo.
Srs. Deputados, julgo que o necessário ordenamento desta área exige muito rigor. Ora, quanto a este aspecto, partilho da preocupação genérica expressa pela CGTP: temos de ter especial rigor nesta matéria, sob pena de acontecer aquilo que o Sr. Deputado Arménio Santos condenava, ou seja, irmos criando diplomas que têm eficácia zero do ponto de vista da melhoria das condições de higiene e segurança do trabalho em Portugal.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Com os senhores, podem ter eficácia zero!

O Orador: - Sr. Deputado Arménio Santos, se este processo fosse fácil, com certeza que quando foi legislado, em 1994, teria sido levado à prática, mas não foi!
O que me parece particularmente importante é ter a consciência plena que, numa arbitragem sempre difícil e que causa sempre problemas a alguém, fizemos aquilo que está de acordo com o consenso da generalidade dos parceiros sociais, tomámos em conta os seus pareceres e procurámos encontrar uma solução justa. Aliás, esta é uma matéria que tem sido alvo de amplo consenso entre os parceiros sociais.
Sr. Deputado Gonçalo Velho, aproveito para informar a Câmara que já não estamos na fase de ultimação do acordo de higiene e segurança no trabalho, embora a sua informação esteja desactualizada apenas em algumas horas, pois completámos o acordo na noite passada. Foi atingido um acordo de princípio entre todos os parceiros sociais e o Governo para o estabelecimento de um acordo em matéria de higiene e segurança no trabalho,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - …que incidirá particularmente sobre a redução da sinistralidade em Portugal.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Continuamos na mesma!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de referir ainda um aspecto relacionado com a intervenção do Sr. Deputado Gonçalo Velho, que não ouviu o que eu disse ou, então, ouvindo, já tinha escrito o seu discurso em casa e, por isso, não soube alterá-lo na altura, de forma a adequar a sua intervenção ao que eu tinha dito.
Quero dizer que existe um manual, chamado Manual do Estaleiro, usado no instituto que dá formação na área da segurança no trabalho e no próprio IDICT, cujo autor, se ainda fosse técnico superior de segurança e higiene do trabalho (hoje já não exerce essas funções, mas já exerceu), ficaria no nível 3 de qualificação, embora tenha elaborado manuais que são utilizados oficialmente para ministrar formação.
Concordamos com estes diplomas em muitos outros aspectos, como, por exemplo, no rigor, mas o importante era que o Governo desse, de facto, formação profissional, que não dá, porque não tem cursos de formação profissional para estas áreas - ou, se tem algum, não é em número suficiente. Aliás, nem sequer existem inspecções de trabalho em quantidade suficiente para fiscalizarem o que se passa nas empresas.
Quanto à maior parte do diploma, estamos de acordo, mas ao invés de virem aqui dizer que o mesmo, em relação a esta matéria específica, promove a competência, vejam se entendem o exemplo que o Sr. Deputado Arménio Santos citou e que vem no artigo do tal senhor que hoje já não é técnico superior de segurança e higiene do trabalho mas que é autor do Manual do Estaleiro!
O que consta do diploma é o seguinte: se um formado ou bacharelado em direito quiser ser técnico superior de higiene e segurança do trabalho e não tem o tempo mínimo de exercício efectivo das funções, os tais três anos, ou, pior do que isso, se lhe fizeram uma avaliação curricular e consideraram que, de facto, não respeitava as condições, então, o que faz? Usando o famoso artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 110/2000, de 30 de Junho, de que temos estado a falar, e o n.º 3 do artigo 18.º - porque pode ter prestado provas de avaliação, segundo o n.º 2 do artigo 18.º, por não reunir os requisitos de tempo exigidos, os três anos de prática, e ter chumbado (não é uma avaliação curricular) -, pede uma autorização provisória para exercer a função de técnico superior de higiene e segurança do trabalho na empresa. E é-lhe dada autorização provisória!
É assim que se promove a competência em relação a uma pessoa que foi chumbada numa avaliação e que vai exercer as funções? Não é, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos dá-me a oportunidade de informar a Câmara quanto a mais um aspecto, relacionado com matéria de formação.
Tinha a Sr.ª Deputada razão ao longo dos anos mas, felizmente para nós todos, vai deixar de a ter.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Vou deixar de ter razão, o que quer dizer que ainda tenho!

O Orador: - A Sr.ª Deputada vai deixar de ter razão porque, nunca tendo havido essa formação, no próximo mês - estou a dar esta informação à Câmara em primeira mão, pelo respeito que me merece -, será instituído um programa nacional de formação para técnicos em segurança e higiene do trabalho, com dotação, para este ano, de 1 milhão de contos.
Era esta a informação que eu queria prestar à Câmara, Sr. Presidente.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas ainda tenho razão!
Relativamente ao que eu referi, de o técnico ser chumbado, não respondeu, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação: - Mas não reconhece o júri?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª procurou fazer passar a ideia que, da parte do Governo e dos parceiros sociais, há preocupações de rigor, introduzindo factores de seriedade e de competência na nova solução.
V. Ex.ª reconhecerá que o PSD partilha de iguais preocupações, porém, parece-nos que aquilo que defendemos e que consta das duas propostas avançadas

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pelo PCP é a reparação de uma situação de absoluta injustiça, tratando-se apenas de uma disposição transitória, com todas as cautelas de rigor e de exigência que o Sr. Secretário de Estado preconiza e que também defendemos.
Não nos parece razoável escudar-se nos pareceres dos parceiros sociais ou na sensibilidade desta ou daquela área política ou sindical para «fazer ouvidos de mercador» a uma situação que é realista, equilibrada e que visa reparar um desequilíbrio que pode ser corrigido com as propostas que aqui foram hoje apresentadas.
Sr. Secretário de Estado, é este apelo que o Partido Social Democrata lhe faz, bem como o de transmitir essa sensibilidade à bancada que suporta o Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, uso novamente da palavra apenas para que não fique qualquer dúvida sobre a nossa posição nesta matéria.
Sr. Deputado Arménio Santos, em relação às propostas apresentadas, entendemos, em primeiro lugar, que não houve, na legislação em apreciação, qualquer restrição ao que estava estipulado no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, e que não faz sentido alargar agora aquilo que nunca esteve consagrado.
No que se refere à outra proposta, para o caso de não ter conseguido expressar-me de modo suficientemente claro, pelo que me penitencio, se tiver acontecido, quero clarificar também um aspecto.
A Sr.ª Deputada Odete Santos coloca a questão dos trabalhadores que têm 40 anos de experiência. Ora, não é preciso este dispositivo porque os trabalhadores de idade igual ou superior a 45 anos já hoje, por este diploma, podem ter uma autorização provisória de seis anos. É o que consta do diploma! Mais: até estamos disponíveis para que esta autorização provisória possa ser mais longa para os trabalhadores com essa idade, portanto, não nos termos propostos mas, sim, alongando-a.
Como disse, foi ao nível dos parceiros sociais que não houve consenso nesse sentido, pois nós estamos disponíveis para esse alargamento.
Porém, a pretexto de que houve uma restrição no passado, que não houve, fazer-se um alargamento que julgamos indevido, consideramos que é incorrecto e não serve a causa de nós todos, que é a da dignificação da higiene e da segurança no trabalho.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Secretário de Estado não tem descanso, hoje!
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, praticamente, neste momento, poderia dispensar-me de pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, porque o que eu ia perguntar já o foi. Eu ia pedir ao Sr. Secretário de Estado que fosse mais claro, mas percebi que já o foi tanto quanto consegue ser, nesta matéria. Portanto, só vou tirar a conclusão.
O Sr. Secretário de Estado reconheceu, e bem, que, de facto, até hoje, os sucessivos governos pouco ou nada fizeram em termos de formação, nesta área. A formação e a qualificação profissional que existem resultam do trabalho concreto das pessoas que lidaram com esta matéria durante muitos anos, pelo que fazia todo o sentido clarificar este mesmo regime transitório.
Detecto, apesar de tudo, alguma confusão, Sr. Secretário de Estado, e também não aceito a desculpa ao dizer: «nós até fazíamos, mas os parceiros parece que não deixaram». Não me parece que isso seja argumento para nenhuma governo! Assim, tiro a conclusão de que o senhor até considera que pode haver alargamento - teoricamente é favorável ao alargamento -, mas não adopta esta norma, que era, de facto, clarificadora dessa mesma matéria, dos prazos e da possibilidade desse alargamento.
Sr. Secretário de Estado, já estamos esclarecidos, tanto quanto o podíamos estar, pelo que não vale a pena insistir nesta matéria. No entanto, é pena e é lamentável, porque, de facto, toda a oposição ia no sentido desse alargamento e, neste caso, penso que com razão.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Secretário de Estado quer ser um bocadinho mais claro?

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação: - Sr. Presidente, julgo que a questão não está em ser mais claro.
O Sr. Deputado Telmo Correia tentou extrair das minhas palavras o que elas não continham. O que eu disse, claramente, foi que, estando a trabalhar com o Parlamento, estamos disponíveis, em conjunto, para alargar o prazo de autorização provisória para os trabalhadores que tenham mais de 45 anos. Não se trata de descartar nenhuma responsabilidade, trata-se de dizer que temos esta solução, que nos parece equilibrada, mas estamos disponíveis para trabalhar convosco e para a alargar. Julgo que é uma disponibilidade que o Parlamento devia saudar e não, tal como o Sr. Deputado fez, tentar menorizá-la.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Tem é de nos dizer como!

O Orador: - Porém, aquilo para que não estamos disponíveis de todo é para fazer um alargamento inaceitável, dizendo que é técnico superior - o que pressupõe, em toda a linguagem da qualificação, uma formação de nível superior - alguém que não tem essa qualificação. Para isso, não temos disponibilidade!
Espero, Sr. Deputado, que tenha ficado completamente esclarecido; se não ficou, agora já não é, de certeza, um problema de clareza.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Os licenciados são mesmo superiores! Olham de «pala»! Olham de cima para baixo! A prática e a experiência não contam!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada Odete Santos, vamos fazer o comício noutro lado. Aqui é o Parlamento!

Risos.

Srs. Deputados, a apreciação parlamentar n.º 28/VIII, relativa ao Decreto-Lei n.º 109/2000, de 30 de Junho, vai

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ser arquivada, por falta de propostas de alteração, e a apreciação parlamentar n.º 29/VIII, referente ao Decreto-Lei n. 110/2000, de 30 de Junho, baixa à 9.ª Comissão.
Vamos agora apreciar o Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, que altera o Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro, que regula a autorização de introdução no mercado, o fabrico, a comercialização e a comparticipação de medicamentos de uso humano, [apreciações parlamentares n.os 31/VIII (PSD) e 32/VIII (PCP)].
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Social Democrata entende que a Assembleia da República deve recusar a ratificação do Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, por várias ordens de razões, como passarei a expor.
O referido diploma surge imediatamente após esta Assembleia ter aprovado a Lei n.º 14/2000, de 8 de Agosto. Este diploma foi objecto de ampla discussão com o Governo e - lembramo-lo - foi aprovado com o apoio do Partido Socialista, do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda. O PSD votou contra pelas razões que, então, foram enunciadas.
Logo após a aprovação da Lei n.º 14/2000, pela Assembleia da República, o Governo, que tinha participado na sua discussão, fez aprovar, em Conselho de Ministros, o Decreto-Lei n.º 242/2000 sobre matéria parcialmente coincidente - prescrição e dispensa de medicamentos - com a contemplada no diploma da Assembleia. E fê-lo sem dar qualquer explicação ao Parlamento sobre as eventuais razões ponderosas que determinariam tal procedimento, diferentemente do que o Parlamento havia feito em relação ao Governo, com o qual discutiu amplamente as soluções que foram consagradas na Lei n.º 14/2000, de 8 de Agosto.
Fica aqui, portanto, a primeira observação crítica da atitude do Governo, no plano do relacionamento institucional com esta Assembleia.
Mas o problema é mais grave do que o simples incumprimento de elementares deveres de um normal relacionamento institucional entre os dois órgãos de soberania.
Com efeito, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Governo quis aprovar ostensivamente soluções diferentes das aprovadas por esta Assembleia, numa atitude de afrontamento institucional.
Só assim se compreende que o Governo tenha revogado o regime jurídico do abastecimento de medicamentos ao público em situações de urgência pelas farmácias hospitalares (artigo 1.º da Lei n.º 14/2000, de 8 de Agosto), transpondo para um diploma da sua autoria (o Decreto-Lei n.º 206/2000, de 1 de Setembro) exactamente a mesma disciplina prevista no diploma da Assembleia.
Nenhuma razão de interesse público se vislumbra em tal atitude, pelo que somos assim forçados a interpretar como um desafio gratuito à soberania desta Assembleia, da qual o Governo depende.
Mas há um aspecto mais importante que revela a mesma atitude do Governo. Referimo-nos ao regime de dispensa de medicamentos genéricos.
Com efeito, depois de ampla discussão com o Governo, esta Assembleia aprovou um regime nos termos do qual, quando o médico prescrever pelo princípio activo, sem indicação da marca ou do titular da autorização de introdução no mercado, o doente tem o direito de optar por um dos medicamentos genéricos existentes no mercado.
O Governo, porém, poucos dias depois, decidiu aprovar, «à socapa» da Assembleia, um diploma sobre genéricos que obriga o farmacêutico a dispensar e o doente a adquirir sempre o genérico de menor preço, retirando assim a este o direito de participação nas decisões que o afectam quanto à sua saúde, consagrado pela primeira vez no diploma aprovado pela Assembleia.
O Governo tinha o estrito dever democrático de acolher o veredicto do Parlamento.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Todavia, numa atitude inesperada, fez publicar um diploma contrário à solução que a Comissão Parlamentar de Saúde e o Plenário tinham aprovado.
No mínimo, este procedimento do Governo traduz falta de respeito pela Comissão Parlamentar de Saúde e pela soberania desta Assembleia.
Acresce a tudo que a solução prevista no diploma do Governo, isto é, no Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro - a dispensa e aquisição obrigatórias do genérico de menor preço -, não tem o menor fundamento e por isso mesmo nenhum país a adoptou. É que ela impede a concorrência no mercado de genéricos, a única forma de fomentar esse mercado. É, portanto, prejudicial aos interesses dos doentes e do Estado.
Igualmente prejudicial ao interesse dos doentes e do Estado é o desnorte crescente com que o Governo trata a saúde em Portugal e, nela, o sector dos medicamentos, em particular.
Para ilustrar o que afirmo quero-vos dar conta de uma situação verdadeiramente insólita com que no outro dia me vi confrontado. Este Governo aprovou o preço e a comparticipação para dois medicamentos de um mesmo laboratório em que a dosagem infantil e adulta custam exactamente o mesmo. Ou seja, um medicamento com determinado princípio activo custa o mesmo que outro que tem esse mesmo princípio activo na sua dosagem terapêutica máxima. Apetece perguntar: quem está a ser enganado neste caso, os utentes e os contribuintes ou a indústria farmacêutica? Com o rigor deste Governo, certamente que é a indústria farmacêutica que está a arcar com um enorme prejuízo de que ainda não se deu conta.
Não tem, de resto, a menor justificação que o Governo imponha a obrigação de dispensar e adquirir sempre o genérico de menor preço, quer se trate de medicamento comparticipado ou não comparticipado. Só faz sentido que o Governo crie condições limitativas à dispensa no domínio dos medicamentos comparticipados.
Por outro lado, se o Governo entende que a obrigatoriedade de dispensar e adquirir o genérico de menor preço é boa para os doentes, por que razão não aplica o mesmo princípio aos medicamentos de marca?
A situação criada pelo Governo, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, contribuiu, ainda e mais uma vez, para o descrédito das instituições democráticas.
Pelas razões expostas, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata defende a não ratificação do diploma do Governo.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares para uma intervenção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, devo assinalar que, na última reunião que tivemos na Comissão de Saúde e Toxicodependência, a Sr.ª Ministra prometeu-nos que viria a este debate, mas, infelizmente, não está cá hoje - não quero tirar daí qualquer conclusão!
Penso que é muito importante definirmos, neste debate, que objectivos deve ter uma política do medicamento. Ora, em primeiro lugar, a mesma deve ter o objectivo de assegurar aos utentes o acesso a cuidados tão importantes hoje em dia como são os cuidados medicamentosos.
De há algum tempo para cá, como houve uma «inundação» da despesa com medicamentos no orçamento para a saúde, fundamentalmente devido a terem aumentado as margens de lucro dos interesses económicos existentes neste sector e não por terem aumentado, pelo menos em paralelo com os aumentos de despesa, as vantagens para os utentes, também é preciso encontrar algumas medidas para diminuir os gastos desnecessários com medicamentos.
Portanto, é preciso enfrentar os interesses instalados, limitar as respectivas margens de lucro quando embolsam, por exemplo, os juros da dívida em atraso cujo montante continuamos a ignorar. Aliás, como a Sr.ª Ministra disse que nos daria essa informação, embora não esteja presente, tenho a certeza de que o Sr. Secretário de Estado vai dizer-nos quanto é que, no último ano, o Ministério da Saúde pagou de juros pela dívida na área do medicamento.
É preciso promover medidas que o Governo continua a não querer promover, como, por exemplo, a dispensa gratuita nos hospitais, na consulta externa e na urgência de, pelo menos, os medicamentos que, aí prescritos, possam ficar mais baratos para o Estado. É que se os medicamentos forem comprados em grande quantidade para serem distribuídos gratuitamente naqueles serviços, acabam por ficar mais baratos do que se o Estado tiver de arcar com a comparticipação que lhe cabe no caso de os medicamentos serem comprados mais tarde, em farmácia privada. Trata-se, pois, de uma medida absolutamente racional mas que o Ministério continua a não querer aplicar.
É preciso implementar medidas que permitam controlar os gastos e atacar o controlo que a indústria farmacêutica continua a exercer no domínio da prescrição de medicamentos. Aliás, facilmente se verifica a existência desse controlo perante o aumento exponencial da despesa com medicamentos nos hospitais, causado, evidentemente, por uma reorientação da estratégia da indústria que procurou recuperar as suas margens de lucro na área do consumo hospitalar de medicamentos, já que, durante alguns meses, tinha sido suspensa a aprovação de novos medicamentos, com tudo o que tal significou em matéria de lucros cessantes para a indústria que, portanto, teve de recuperá-los num outro domínio.
Ainda relativamente ao ataque que há que exercer sobre o controlo da indústria farmacêutica nesta matéria, é preciso atalhar e regulamentar melhor a questão dos ensaios clínicos. É que, hoje, sabe-se que muitos não são verdadeiros ensaios clínicos, são mecanismos utilizados para fomentar o consumo de determinados medicamentos, quer pela habituação do prescritor, o médico, quer, também, pela dependência em que acabam por ficar os doentes sujeitos a tratamentos deste tipo.
Por outro lado, é necessário tomar medidas ao nível da pressão da informação médica sobre os prescritores. Era fundamental que houvesse informação sobre os medicamentos que não fosse exclusivamente da responsabilidade de quem os produz. Ou seja, seria fundamental que houvesse uma intervenção do Ministério da Saúde, por forma a proporcionar a quem prescreve os medicamentos informação idónea e eficaz e a possibilidade de prescrição por princípio activo, não os deixando tão dependentes da pressão da informação da indústria.
Era, ainda, necessário que, finalmente, entrasse em funcionamento o laboratório do INFARMED, que tem vindo a ser adiado de seis em seis meses. Agora, segundo disse a Sr.ª Ministra na última reunião havida em sede de comissão, parece que esse laboratório entrará em funções no fim do ano, mas nada nos garante que assim seja, pois, como referi, trata-se de uma promessa que já foi feita repetidas vezes.
De igual modo, no que diz respeito à compra de medicamentos por parte dos hospitais, era preciso que o Governo esclarecesse por que razão a mesma é muitas vezes efectuada por ajuste directo e não através de um concurso público, verificando-se, assim, uma enorme disparidade entre os valores pagos por um hospital e um outro e, ainda, que esclarecesse qual o prejuízo que tal acarretou para o Serviço Nacional de Saúde.
Portanto, era preciso ter uma política mais corajosa no sentido de enfrentar todos estes interesses que continuam a manietar a implementação de uma verdadeira política de racionalização dos gastos com medicamentos.
Quanto à questão dos genéricos, é preciso dizer, em primeiro lugar, que, mesmo que aplicada em toda a sua profundidade, a sua introdução tem um efeito circunscrito. Digo isto porque parece-me que, por vezes, houve quem utilizasse uma estratégia que é a de sobrevalorizar o efeito de tal introdução para esconder a sua não vontade em aplicar outras medidas mais profundas, como, por exemplo, a da prescrição por princípio activo. Ora, a verdade é que a introdução de medidas que beneficiem a prescrição dos genéricos não pode constituir um alibi para a não tomada de outras medidas porventura mais importantes e mais decisivas nesta matéria.
Acresce que continuamos a ter essa invenção absolutamente extraordinária do Governo português que é a dos «genéricos de marca»! Ou seja, trata-se de medicamentos que, supostamente, se enquadram numa categoria em que são designados pelo nome genérico ou por denominação comum a nível internacional, mas que têm uma marca. É uma invenção extraordinária e que demonstra bem a capacidade inventiva nesta área do Governo do Partido Socialista.
Uma outra ideia, ainda em relação à introdução dos genéricos é a de que a mesma, ao contrário de outras medidas, não constituirá ganho profundo se não estiver associada ao princípio da prescrição por princípio activo. Esta é uma questão decisiva e o Governo continua a não querer trabalhar neste sentido e a não avançar nesta matéria.
Esta regulamentação que o Governo nos apresenta tem diversas curiosidades.
Em primeiro lugar, vai contra disposições de uma lei aprovada nesta Assembleia da República que resultou em boa parte, e quanto a essas disposições em concreto, de propostas apresentadas pelo Partido Socialista em sede de discussão na especialidade, na qual, aliás, teve um papel

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decisivo um seu colega do Governo, o Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde. Portanto, é estranhíssimo que a Assembleia aprove uma lei que contou com uma participação muito grande do Partido Socialista, que votou a favor, e que, depois, o Governo venha legislar em sentido contrário quando se trata da regulamentação.
Nesta regulamentação, o Governo inverteu a filosofia da dispensa dos medicamentos, presente na lei para todos os medicamentos, incluindo os genéricos.
Na verdade, enquanto a lei confere o poder ao utente, obrigando o farmacêutico a informá-lo de todos os medicamentos existentes, incluindo os mais baratos, o Governo, na regulamentação que faz, retira a decisão ao utente e obriga a que o farmacêutico lhe forneça o genérico mais barato. Mas qual é este medicamento mais barato? É o mais barato disponível na farmácia? E quem controla a distribuição dos medicamentos? E se forem alguns dos produtores a controlar, em simultâneo, a distribuição e a dispensa? Que efeito terá isto, depois, quanto aos medicamentos que são efectivamente dispensados ou não? E se houver um medicamento não genérico, uma cópia barata, de que há muitos exemplos no nosso país, de menor preço do que o próprio genérico? Qual é, então, vantagem de retirar ao utente o poder de decisão que a lei lhe tinha atribuído?
Por outro lado, o Governo propõe algo espantoso: possibilitar a alteração da classificação de medicamentos já existentes no mercado para a de medicamentos genéricos. Como é que é possível esta alteração de classificação? Será que tais medicamentos passam a ter apenas a designação genérica e a marca? Passam a ser equiparados a genéricos, mas mantêm a marca com que eram comercializados? Como é? Por que é que o Governo faz uma proposta destas e como é que garante que vão diminuir os custos para o utente e para o Estado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedro Correia.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As apreciações parlamentares n.os 31 e 32/VIII, do PSD e do PCP respectivamente, que incidem sobre o Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro (Altera o Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro, que regula a autorização de introdução no mercado, o fabrico, a comercialização e a comparticipação de medicamentos de uso humano), fazem regressar a esta Câmara um tema que assume importância fundamental para os cidadãos portugueses: a política do medicamento, em geral, e a política dos medicamentos genéricos, em particular.
As apreciações parlamentares em análise são coincidentes quer quanto ao seu objecto quer quanto ao «argumentário» invocado pelos seus proponentes.
Para o PSD e para o PCP, o que está em causa é a disposição constante do Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, que estabelece que «No acto de dispensa do medicamento, quando este apenas é indicado pela denominação comum internacional da substância activa ou pelo nome genérico, o farmacêutico deverá fornecer ao utente o medicamento genérico de menor preço».

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - De menor preço na farmácia?!

O Sr. António Capucho (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - E alegam que esta disposição legal contraria o disposto na Lei n.º 14/2000, de 8 de Agosto, põe em crise o direito de opção do utente e inviabiliza a existência de um verdadeiro mercado dos genéricos. E o PCP vai mesmo mais longe, dizendo que com a mesma se continua a alimentar interesses económicos que intervêm na área do medicamento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E diz muito bem!

O Orador: - Não é verdade! O Decreto-Lei n.º 242/2000 não contraria a Lei n.º 14/2000, não prejudica o utente no que são os seus direitos, não inviabiliza o mercado de genéricos e não alimenta quaisquer interesses económicos privados.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 242/2000, clarifica a política dos medicamentos genéricos e defende os direitos e interesses do utente e o Serviço Nacional de Saúde, direccionando, cada vez mais, a política do medicamento para a melhor relação custo/eficácia, valorizando o mercado do medicamento genérico.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso não quer dizer nada!

O Orador: - A política do Governo e do Partido Socialista sobre esta matéria está definida no seu Programa, quando refere que «a política do medicamento tem de adaptar-se, de modo a gerir a contradição entre o papel inestimável dos medicamentos em qualquer política de saúde e a prevenção ou eliminação de desequilíbrios financeiros decorrentes das despesas com medicamentos. Neste quadro importa por isso assegurar que as inevitáveis medidas de contenção das despesas do SNS neste domínio não se repercutem negativamente no direito de acesso de todos os cidadãos às formas mais adequadas de terapêutica medicamentosa (...). As dificuldades que duram, há muitos anos, no sector impõem uma actuação determinada na promoção de uma maior eficiência, controlando o binómio custo/eficácia, servindo melhor os cidadãos (...)», considerando como medidas prioritárias na área dos medicamentos a promoção da prescrição pela denominação comum internacional das substâncias activas e a promoção do medicamento genérico.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Serviço Nacional de Saúde comparticipa, anualmente, com cerca de 200 milhões de contos na aquisição de medicamentos, valor este reconhecidamente elevado para o serviço que presta ao utente, daí todos reconhecermos que a relação custo de comparticipação/eficácia pode e deve de ser melhorado.
Nesta Legislatura, sobre a política do medicamento, deram entrada para discussão cinco projectos de lei: três do CDS-PP, um do PCP e um do BE. Até ao dia de hoje, subiram a Plenário dois do CDS-PP, o do PCP e o do BE, tendo sido rejeitados os do CDS-PP e aprovados o do PCP e do BE. O Governo, por seu lado, de entre um conjunto de diplomas sobre esta matéria, publicou o que está hoje em apreciação nesta Câmara.

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Se trazemos ao debate o enumerar e a contabilidade dos projectos de lei é em razão da importância que todas as bancadas dão à saúde, Serviço Nacional de Saúde e, em particular, à política do medicamento, provando que todos assumimos a saúde como uma das prioridades para o País e para os cidadãos. Mas este reconhecimento dá-nos uma responsabilidade acrescida, promovendo a discussão e os consensos da maior abrangência parlamentar possível, como é exemplo a aprovação da Lei n.º 14/2000.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Tem de dizer isso ao Governo!

O Orador: - Perante este quadro parlamentar, analisemos então as dúvidas que se colocam, começando por afirmar que o decreto-lei em apreço em nada diminui a lei da Assembleia da República, nem contém preceitos contraditórios que desrespeitam os direitos dos utentes, como VV. Ex.as dão a entender.
Acontece, porém, que o mercado é regulado pelo Estado, cabendo ao Governo e à Assembleia da República legislar da melhor forma as condições de introdução e comercialização dos medicamento genéricos. E admitamos, antes de mais, que o Governo é parte interessada na matéria, tendo toda a legitimidade e oportunidade para sobre a mesma legislar numa perspectiva de quem gere e quer gerir bem, numa óptica de valorização dos recursos públicos e da defesa dos interesses dos utentes.
As contradições mencionadas são falsas! As contradições mencionadas são uma falsa questão no que se referem ao objecto de princípio: estabelecer um mercado de genéricos, enquanto principal, na directa relação do que é o direito do utente e a defesa do Serviço Nacional de Saúde.
Ora, o que nos diz o Decreto-Lei n.º 242/2000 é que, perante a prescrição do medicamento por denominação comum internacional da substância activa, sem indicação de laboratório e existindo na classe de substancia activa medicamentos genéricos, no acto da dispensa, o profissional de farmácia fornece o de preço mais baixo que no momento tem em prateleira, diga-se em boa verdade!

Vozes do PCP: - Ah!…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Esse é que é o problema!

O Orador: - Convém desde já referir que, com o Decreto-Lei n.º 242/2000, estamos somente a falar de dispensa de medicamentos genéricos, como, aliás, resulta expressamente da epígrafe do artigo 21.º, o que em nada contraria a Lei n.º 14/2000, que se refere (nos n.os 1 e 2 do seu artigo 3.º) a todos os medicamentos similares, ou seja, aos genéricos e aos de marca similares,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Incluindo os genéricos!

O Orador: - … devendo por isso ter uma abordagem diferente na medida em que a obrigatoriedade de aquisição de preço mais baixo só se verifica quando a opção do utente recai sobre uma referência de genéricos.
Neste sentido, não estamos a alimentar quaisquer interesses económicos, porque o mercado irá funcionar com base no direito de escolha e opção do utente para o universo das referências medicamentosas existentes.

Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

É verdade! Mas, mais importante ainda, não estamos a restringir os direitos dos utentes, porque da sua opção pelo genérico resultam dois benefícios evidentes: o utente adquire o medicamento de menor custo, pagando menos, e o custo de comparticipação do SNS é igualmente menor.
Penso que concorda, Sr. Deputado Bernardino Soares.
Se o genérico tem a mesma bioequivalência e a mesma biodisponibilidade a sua eficácia é garantidamente a mesma. Aliás, é este o princípio dos produtos desta natureza, os genéricos.
Ao propor a aquisição do genérico ao preço mais baixo, salvaguardamos o custo para o utente e para o Estado; logo, estamos a respeitar o princípio custo/eficácia,…

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - … princípio este por todos reconhecido como o verdadeiro objectivo de uma política racional e eficaz do medicamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Termino, dizendo que o Decreto-Lei n.º 242/2000 tem como finalidade clarificar e melhorar a política dos medicamentos genéricos e promove os direitos do utente e o Serviço Nacional de Saúde, direccionando cada vez mais a política do medicamento para a melhor relação custo/eficácia, valorizando o medicamento genérico.
O Partido Socialista contribuiu, efectivamente, como VV. Ex.as referiram,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas a outro nível!

O Orador: - Exactamente, e com muito prazer! Mas, como eu estava a dizer, o Partido Socialista contribuiu de forma decisiva para os trabalhos, em especialidade, da Lei n.º 14/2000 e para a sua aprovação nesta Assembleia. Compreendemos que VV. Ex.as se esforcem para encontrar contradições na política do Governo e nas opções legislativas do Partido Socialista, mas, como podem agora constatar, terão de esforçar-se um pouco mais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pedro Correia, compreendo e enalteço o esforço que V. Ex.ª aqui fez para tentar justificar a não contradição entre o diploma do Governo e aquele que foi aprovado por esta Assembleia. De resto, noto que é o Sr. Deputado a fazer essa tentativa e não o seu colega de bancada, o Deputado João Sobral, já na impossibilidade de o poder fazer o ex-Deputado Nelson Baltazar, porque foram eles quem participaram activamente na elaboração deste diploma e, certamente, não se sentiriam muito bem a fazer a defesa que o Sr. Deputado acabou de fazer.

Vozes do PSD: - Bem recordado!

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O Orador: - De qualquer maneira, vou colocar-lhe algumas questões.
Em relação ao diploma aprovado pela Assembleia da República, foi consensualmente aceite, em sede de comissão - tal como já referido pelo Sr. Deputado Bernardino Soares -, que um dos princípios básicos para a dinamização do mercado de genéricos tem a ver com a prescrição dos medicamentos pela denominação comum internacional. Ora, foi isto mesmo que ficou consagrado no diploma aprovado nesta Câmara.
Acontece, Sr. Deputado, que o diploma do Governo já não diz isto; o diploma do Governo diz que pode ser indicada a referência ao produtor do medicamento ou ao laboratório produtor. Explique-me, Sr. Deputado, como é que não há contradição entre aquilo que foi aprovado pela Assembleia da República e o que consta do diploma do Governo?
No diploma que aprovámos, Sr. Deputado, diz-se que «A opção cabe ao utente, devendo ser mencionada na receita, que será assinada pelo farmacêutico (…)» - a opção pelo genérico ou pelos vários genéricos que o farmacêutico disponibilizar. Porém, o que o Governo vem dizer é que «No acto da dispensa do medicamento, quando este apenas é indicado pela denominação comum internacional da substância activa ou pelo nome genérico, o farmacêutico deverá fornecer o medicamento genérico de menor preço» - aqui, Sr. Deputado, não há a opção do utente mas, sim, a obrigatoriedade de fornecer o medicamento de menor preço!
Pergunto: numa e noutra circunstâncias, como é que o Sr. Deputado diz que não há contradição? Como é que o Sr. Deputado diz que o espírito da lei que esta Assembleia aprovou não foi subvertida substancialmente no diploma que o Governo veio a aprovar depois, com estes dois exemplos que acabei de dar - a prescrição pela DCI que passa a fazer referência à marca e ao laboratório produtor dos medicamentos e a obrigatoriedade do farmacêutico dispensar o medicamento genérico de menor preço, ainda por cima, sem que saibamos qual é o medicamento genérico de menor preço? É aquele que existe no mercado? É aquele que existe na farmácia? E se houver um similar mais barato do que o genérico de menor preço, como é que se faz?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedro Correia.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Ponte, em primeiro lugar, gostava de referir que o genérico, seja ele medicamento ou não, um produto desta natureza, tem em si uma qualidade intrínseca, que é o preço e vale pelo preço que tem, porque a outra qualidade intrínseca é igual ao produto de marca, ou seja, é exactamente igual; não é similar, é essencialmente similar. É exactamente igual.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E acontece assim para todos os produtos desta natureza.
Por isso de duas uma: ou valorizamos a sua componente essencial, que é o preço; ou, então, estar a falar de genéricos é, eventualmente, falar de uma outra cópia ou de um produto de segunda, terceira ou quarta marca. É esta a lógica de funcionamento de mercado em relação a produtos desta natureza.
Por isso é importante canalizarmos a situação para o preço, porque senão não funciona efectivamente o mercado e funciona este princípio. Estamos a dar essa opção ao utente, porque é efectivamente a melhor em relação ao seu princípio. O Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, refere-se a medicamentos genéricos, e se um medicamento genérico é essencialmente similar, ou seja, essencialmente igual, significa que é bom para o utente - e a defesa dos seus direitos é essa -, para o bolso do utente e para o bolso do Estado, que seja o mais barato.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Mas qual é o mais barato?!

O Orador: - Acredito que, se calhar, não seja bom para os canais de distribuição ou para o factor de produção, mas é isso que acontece.
O farmacêutico tem o dever, como é natural, e também há inspecções neste campo, de ter as referências existentes no mercado em prateleira. Sobre isto também não há qualquer dúvida. Ou os senhores estão a dizer que os farmacêuticos podem utilizar um esquema de stock para não terem o preço mais baixo na prateleira? Creio que não! Creio que os farmacêuticos não têm este tipo de postura e que não é isto que vai aumentar-lhes o volume de vendas.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, peço-lhe que encurte as suas razões, pois já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - Em relação às marcas, é muito simples, pois é mais uma questão científica,…

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Ah! Isso não! É uma questão económica e não científica!

O Orador: - Mas, aquando da prescrição, é necessário que também haja da parte do médico, face à terapêutica, um encaminhamento para uma marca que entenda mais adequada para o que está em questão.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Se são similares…!

O Orador: - Há excepções, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (José Miguel Boquinhas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, devo dizer que é com muito gosto que o Governo vem à Assembleia dar conta e explicar os motivos do Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, e que isto tem de ser encarado do ponto de vista de uma reforma mais ampla da política do medicamento que está em curso em Portugal. É nesta perspectiva que tem de ser enquadrado o Decreto-Lei n.º 242/2000.
Como é sabido, a grande reforma da política do medicamento em curso tem várias vertentes, como sejam as do redimensionamento das embalagens, da

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implementação de mais 180 farmácias em todo o País, da revisão do sistema de comparticipações, da dispensa de medicamentos nas urgências e, também, de uma forma muito clara e inequívoca, da promoção do uso dos genéricos.
Quanto a isso, também estão a ser lançadas uma série de iniciativas que passam por vários tipos e que são, basicamente, dirigidas ao prescritor e ao doente. Como é sabido, o Governo começou por discriminar positivamente em mais 10%, no escalão respectivo, caso o médico prescreva um genérico. Trata-se, portanto, de uma medida que promove o uso dos genéricos. Mas também está para ser aprovada legislação que irá afixar o preço dos genéricos.
Ora, conjugando estas duas situações, a majoração do escalão juntamente com fixação de novos preços dos genéricos, a grande maioria dos genéricos irá ser muito mais barata para o utente, apesar de poder não ser mais barata para o Estado. Também aqui estamos, claramente, a privilegiar o uso dos genéricos e a dizer ao utente para utilizar os genéricos, porque eles são iguais aos medicamentos inovadores de referência e a custos muito mais baixos.
Nesta perspectiva, a implementação desta alteração do artigo 21.º do decreto-lei que altera o estatuto do medicamento diz respeito estritamente a genéricos - e é bom que se clarifique que estamos aqui a falar estritamente de genéricos. É óbvio que esta medida também tem um maior alcance na promoção do uso do genéricos e não consigo perceber quais são as dúvidas dos Srs. Deputados relativamente a esta matéria.
De facto, a implementação desta medida significa que o próprio utente vai ter a possibilidade de obter um medicamento igual - e quando digo «igual» é rigorosamente igual - ao medicamento inovador de referência a um mais baixo preço. Portanto, não entendo como é que se pode dar opção de escolha ao doente, porque não é possível escolher entre duas coisas iguais.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Esse é que é o problema!

O Orador: - Isso não existe e não faz sentido! Só faz sentido escolher entre duas coisas iguais se houver um único parâmetro que seja diferente, que é o preço do medicamento.

Vozes do PSD: - O problema é o preço!

O Orador: - E, sendo este a favor do doente, não consigo compreender como é que os senhores não estão a favor do doente.
A opção pela «cópia», neste caso, não faz sentido, e não faz sentido por uma razão muito simples…

Pausa.

Sr. Presidente, gostaria que houvesse algum silêncio na Sala, porque…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Secretário de Estado, há, na verdade, um certo entusiasmo em relação à sua intervenção…

O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas faz-me perder algum raciocínio este burburinho de fundo.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, peço-vos que criem condições para que o Sr. Secretário de Estado possa prosseguir.
Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Estava eu a dizer que a opção pelas «cópias» não faz sentido por duas razões: primeiro, porque, se estamos de facto empenhados em promover o uso dos genéricos, temos de estimular o mercado dos genéricos. Aliás, na grande maioria dos países da Europa o que existe é mercado de genéricos e não mercado de «cópias»; como os Srs. Deputados sabem, as «cópias» só existem porque não havia protecção de patente até 1995. É por isso que existe um mercado do «cópias» em Portugal e não um mercado de genéricos. Mas o que estamos aqui a promover é o uso dos genéricos.
Quando o prescritor receita um medicamento que tem equivalente genérico no mercado, se déssemos opção ao utente estávamos a promover a «cópia» e não o genérico; e parece-nos que esta não é a política do Governo mais correcta. É preciso que isto fique muito claro que o que queremos é promover o uso de genéricos.
Por outro lado, também não podemos ser «presos por ter cão e presos por não ter»! Antes desta reforma diziam que não havia promoção dos genéricos, que eles poupariam não sei quantos milhões de contos, e agora, que estamos a fazer uma política de promoção do uso de genéricos, dizem: «Ai Jesus que vêm aí os genéricos! Não pode ser, porque assim estamos a complicar a vida aos doentes!»

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - O problema é que o estão a fazer!

O Orador: - Isso é rigorosamente falso! Estamos a facilitar a vida aos doentes, dando-lhes, nomeadamente, a hipótese de comprarem o medicamento a muito mais baixo custo e rigorosamente igual ao seu similar.
Srs. Deputados, em resumo, penso que fica perfeitamente claro que este diploma trata especificamente de genéricos. Se não houver um genérico do medicamento prescrito - aí, sim - o doente poderá escolher, se só existirem «cópias», além do medicamento de marca… Até porque há outra razão técnica: a «cópia» pode de facto não ser rigorosamente igual ao medicamento de referência, pois não tem necessariamente de fazer prova de biodisponibilidade e de bioequivalência, enquanto que um genérico, como é sabido, tem de fazer prova das mesmas.
Portanto, em resumo, trata-se de um diploma que estimula o uso dos genéricos por parte do prescritor e do doente, e o doente fica francamente beneficiado, porque o compra a um preço muito mais barato.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, a lei que aprovámos aqui, na Assembleia, aplica-se a todos os medicamentos, incluindo os genéricos. Portanto, um regime que, nas palavras do Sr. Secretário de Estado, promove os genéricos tem de se adequar à lei que aqui foi aprovada porque ela não exclui os genéricos da sua aplicação.

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Depois, o Sr. Secretário de Estado não explicou, e eu gostaria que o fizesse, para que é que serve a disposição que prevê a possibilidade de o Ministério da Saúde autorizar a passagem de medicamentos de marca a genéricos ou, pelo menos, a poderem ter os benefícios que os medicamentos genéricos têm. Eles deixam de ser de marca? Passam a ser genéricos? Então por que é que não adoptam o processo normal de instituição de medicamentos genéricos?
Finalmente, quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado, que disse aqui que nós defendíamos que os genéricos iriam poupar muitos milhões de contos e que agora não queremos a aplicação da política dos genéricos, como é que explica isto quando disse que, nas medidas que o Governo vai aprovar em relação ao preço dos genéricos, os custos para o Estado vão aumentar. Será que os custos destes medicamentos genéricos têm alguma relação com os medicamentos que, muito bem, possam ter sido descomparticipados numa medida recentemente apresentada pelo Ministério da Saúde?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, é entendimento do Governo que os diplomas são complementares, não se excluem; são complementares porque de facto se aplicam exclusivamente aos genéricos e à forma de dispensa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas a lei também se aplica aos genéricos!

O Orador: - Sr. Deputado, o entendimento do Governo é o de que as leis são complementares, não são contraditórias. É este o entendimento do Governo, porque…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ah! As leis são complementares dos decretos-lei!

O Orador: - … um regulamenta os medicamentos comparticipados pelo Estado e o outro, o decreto-lei, regulamenta os genéricos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas esses também são comparticipados pelo Estado!

O Orador: - Relativamente à questão que me colocou sobre a passagem de medicamentos de marca a genéricos, gostaria de dizer que isto é muito fácil de perceber. Quando o titular do medicamento de marca perde a patente, quando a patente cai no domínio público e há «cópias» no mercado, este pode sempre pedir que o seu medicamento de marca seja considerado genérico. Para isso, terá de apresentar novo processo ao INFARMED, pedir novos estudos de bioequivalência e biodisponibilidade, e, num processo normal de pedido de passagem de um medicamento a genérico, ser-lhe-á concedido o estatuto de medicamento genérico, com novas comparticipações e nova renegociação sobre o preço. Portanto, isto é muito vantajoso…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E fica com a marca?!

O Orador: - Pode ficar com a marca, se quiser! Mas pode haver outro laboratório que queira comercializar o medicamento com o estatuto de genérico. Pode pedir o estatuto de genérico, o que é benéfico para o Estado, pois tal permite renegociar o preço - penso que isto é claro, e não creio que se coloque qualquer dúvida a este respeito.
Quanto aos custos para o Estado, nunca assumimos que esta fosse uma panaceia universal! Alguns partidos da oposição é que assumiram!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Nós não!

O Orador: - Nunca ouviram o Governo dizer que iria poupar não sei quantos milhões com isto!
Reconhecemos que, numa fase inicial, a poupança poderá não ser muita, mas é importante que o Estado estimule o mercado de genéricos, mesmo que essa poupança não seja tão grande quanto gostaríamos que fosse.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Não consegue explicar!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos fazer uma breve pausa para saudarmos um grupo de 40 alunos da Escola Secundária Rainha Santa Isabel, do Porto, para quem peço a vossa saudação habitual.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Já foi aqui lembrada a origem deste diploma que a Assembleia aprovou, que tem a data de 8 de Agosto e que antecede por poucos dias o Decreto-Lei do Governo, datado de 26 de Setembro. Quero referir-me directamente à tentativa de solução que se nos impõe neste debate e, portanto, às palavras do Sr. Secretário de Estado e do Sr. Deputado João Pedro Correia.
Em primeiro lugar, temos de verificar se existe ou não um problema, pois não estamos de acordo quanto a isso. Na minha opinião, há, não um, mas alguns problemas. Há um que não podemos resolver aqui e agora e há outro que podemos e devemos resolver, na nossa opinião.
Aquele que não podemos resolver é o que decorre da própria Lei da Assembleia da República. Depois de aprovados, na generalidade, dois projectos de lei apresentados pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, foi estabelecido um acordo de convergência maioritária, na Comissão e, posteriormente, no Plenário, com a contribuição do Partido Socialista, que colaborou na redacção do texto final de substituição. Esse acordo introduziu um princípio de compromisso, o que pressupôs que uma das formulações que tínhamos proposto não foi integralmente aceite: a de que o modo de prescrição de medicamentos se passaria a basear exclusivamente no princípio activo.
Isto é consagrado no n.º 1 do artigo 2.º desta Lei, se bem que o n.º 2 do mesmo artigo relativiza esta conclusão, estabelecendo a possibilidade de o prescritor introduzir também a designação de marca. Este foi um compromisso distinto da proposta que o Bloco de Esquerda, pela sua parte, fazia. Mas é justamente porque estas duas normas do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 2.º foram introduzidas que o restante articulado da Lei é tão importante. E é por isso que aparece o artigo 3.º, o qual, nesta medida exacta, define

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uma obrigatoriedade de informação por parte do farmacêutico, com o correlativo direito de escolha por parte do utente.
O artigo 3.º não pode ser percebido sem o contexto anterior. Ele consolida esta possibilidade do direito de escolha do utente em função da obrigação de prestação de toda a informação por parte do farmacêutico confrontado com uma prescrição que o utente lhe apresenta.
Ora, esta é uma solução de compromisso resultante deste debate, pelo que a Assembleia da República não tem, hoje, capacidade de mudar estes termos. A nossa bancada entende que a solução que propusemos é ainda actual e que ela, em algum dia, deve ser defendida e reactualizada.
Entendemos, pois, que a prescrição por princípio activo deve ser a norma articuladora da prescrição. Em qualquer caso, esse é um problema que não podemos resolver aqui e agora.
Mas há outro problema que podemos e devemos resolver aqui e agora. O Sr. Secretário de Estado disse-nos não entender a natureza da diferença. Permita-me que tente explicar-lha, para vermos se há alguma solução possível.
A diferença está em que, determinando a Lei da Assembleia da República o modo de prescrição de medicamentos no âmbito geral do Serviço Nacional de Saúde, ou seja, no caso de todo o tipo de medicamentos prescritos pelo Serviço Nacional de Saúde, o Decreto-Lei do Governo, limitando a sua incidência aos medicamentos prescritos que sejam genéricos, introduz uma forma de comportamento e uma delimitação da actuação das entidades envolvidas que é substancialmente distinta.
Em que é que é distinta, no caso dos genéricos de que trata o Decreto-Lei e que se refere, portanto, ao âmbito geral da lei da Assembleia da República? É distinta, porque não estão salvaguardados e afirmados os dois princípios que a Assembleia entendeu serem tão importantes pela razão que referi, que são a obrigatoriedade da prestação da informação e, em função disso, o direito de escolha do utente. É nisso que reside toda a diferença.
No n.º 4 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 72/91, alterado pelo Decreto-Lei n.º 242/2000, o direito de escolha em função da obrigação de prestação de informação não está garantido. Define-se que o medicamento genérico de menor preço é entregue ao utente nos casos em que é indicado o princípio da substância activa, mas não é garantido ao utente esse direito de escolha. Porque é que isto se torna importante? Naturalmente, pelo simples exercício do direito de escolha, mas por uma outra razão. É que a referência feita, no final do n.º 4 do mesmo artigo 21.º, ao fornecimento do medicamento genérico de menor preço não tem comparação. É uma comparação que não tem instrumento de comparação. Se o menor preço for aquele a que se refere o dever de prestação de informação, então, estamos esclarecidos e está tudo resolvido. Se o menor preço for em função de toda a informação que o utente tem o direito de receber, porque é a que existe em todo o regime de comparticipação no Serviço Nacional de Saúde, neste caso concreto, então, o problema fica resolvido. Isto porque, nesse caso, o farmacêutico pode dizer que o medicamento genérico mais barato é tal, que há tais preços, mas que ele não está disponível nessa farmácia. No entanto, o utente sabe que esse medicamento existe no mercado e pode recorrer a um outro farmacêutico.
Vou dar um exemplo concreto. Imaginem o caso de um medicamento que custa 6 contos. O farmacêutico diz ao utente que pode fornecer um medicamento genérico distinto que custa 4 contos, mas, no mercado, há um que custa 2 contos e outro que custa 1500$. Não deve ter o farmacêutico a obrigação de dar essa informação? A nossa resposta é «sim»! Face a esta informação, o utente deve ou não ter a possibilidade de escolher? A resposta é, mais uma vez, «sim»!
Se nos entendermos sobre esta questão, já que é esta questão que está em causa, então, o dever da prestação de informação e o correlativo direito de escolha da parte do utente ficam assegurados e a transparência da decisão está garantida. Na nossa opinião, repito, é só isto que está em causa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que estou de acordo com alguns aspectos que o Sr. Deputado Francisco Louçã referiu, mas gostava de esclarecer que assumimos claramente uma política de promoção do uso de genéricos. Portanto, se o medicamento prescrito pelo médico tem o seu equivalente genérico no mercado e se o médico prescreve um determinado genérico, porque ele existe no mercado, pensamos que o doente deve ser informado mas deve ser dispensado o medicamento de menor preço existente no momento. É essa a interpretação que deve ser feita do nosso Decreto-Lei.
Porventura, se houver genéricos e cópias, digamos assim, entendemos que devem ser dispensados os genéricos, porque é essa a nossa política de promoção dos genéricos, e também porque entendemos que, se dermos a possibilidade ao doente de escolher a cópia, havendo genérico, estamos a promover as cópias, quando a nossa política é a de promover os genéricos. De facto, dar a escolher ao doente medicamentos rigorosamente iguais, a nosso ver, não faz sentido, porque isso não traduz qualquer alternativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a minha vontade é começar esta intervenção, como ontem o fez o Deputado João Amaral, com um óculo à procura da Sr.ª Ministra da Saúde! É que me lembro que, na última reunião da Comissão de Saúde e Toxicodependência, a Sr.ª Ministra da Saúde informou-nos que viria a este debate. No entanto, o Governo entendeu representar-se pelo Secretário de Estado, o que faz todo o sentido, e ainda bem, porque o Sr. Secretário de Estado fez um conjunto de afirmações, que, por acaso, não repetiu hoje, sobre um problema que me pareceu real, que é o facto de o Governo ter legislado num sentido que atenta contra uma lei da Assembleia da República.
Gostaria de dizer que o problema não é de legalidade. V. Ex.ª afirmou que, se houvesse algum problema concreto, o Sr. Presidente da República não teria promulgado o decreto do Governo. Mas, Sr. Secretário de Estado, o problema não é esse, porque, como V. Ex.ª sabe, um decreto-lei pode revogar uma lei da Assembleia. O

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problema não é de legalidade e de saber se um instrumento legislativo é superior a outro. O problema é muito diferente, é de legitimidade política e, nesse sentido, se o Sr. Presidente da República quisesse intervir não era não promulgando, era vetando politicamente o Decreto-Lei.
Tratando-se de um problema de legitimidade política, o qual é inquestionável, penso que a primeira bancada que se devia ter levantado e que se devia ter sentido incomodada era, curiosamente, a bancada do Partido Socialista. A verdade é que, ainda que a Lei n.º 14/2000, de 8 de Agosto, tivesse sido publicada através de uma intervenção de dois projectos de lei, um do Bloco de Esquerda e outro do Partido Comunista Português, foi, na sua grande inspiração, mudada e complementada por todas as propostas introduzidas pelo Partido Socialista, e por isso o Partido Socialista votou a favor.
Deixe-me dizer que, acima de tudo, porque considero que temos de aprender algumas lições para o futuro, penso que há uma postura institucional que não é recomendável. Só que as posturas são um pouco como as acções: ficam com quem as pratica.

Protestos do PS.

O segundo problema é mais profundo…
Presidente, há muito barulho na Sala, pelo que peço seja feito algum silêncio, já que é difícil fazer uma intervenção sendo constantemente interrompido pela bancada do Partido Socialista. Deve haver algum nervosismo, mas penso que, de entre os genéricos, haverá um que seja calmante e que se aconselha a alguns Deputados do Partido Socialista!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como dizia, o segundo problema, acerca do mercado de genéricos, é mais profundo.
Lembro, nesta Câmara, já que isso é importante para situar a discussão, que o Partido Popular votou contra a Lei n.º 14/2000, acima de tudo porque essa lei introduzia uma moratória de 3 anos até que fosse executado o mercado de genéricos em Portugal, moratória com a qual não concordávamos.
A verdade é que o Decreto-Lei n.º 242/2000 bloqueia o mesmo mercado de genéricos que, eventualmente, se tentou construir. E, Sr. Secretário de Estado, o grande problema que existe acerca do medicamento mais barato não tem que ver com o que o Sr. Secretário de Estado disse, no sentido de que para o utente não há escolha, se são iguais, tem, obviamente, de escolher o mais barato. O problema é de mercado,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … porque, sem concorrência, não é possível haver um mercado de genéricos. Sr. Secretário de Estado, isto é claro como a água! Tão simples quanto isto! Porque senão o único laboratório que eventualmente conseguiria vender genéricos seria um grande laboratório, o qual conseguiria colocar no mercado um genérico que fosse mais barato do que o seu custo, fazendo um dumping, o que, penso, devia ser totalmente inaceitável para o Governo.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Não é no mercado!

O Orador: - Mais: ainda que o Sr. Secretário de Estado já o tenha aflorado, convém esclarecer o mais rapidamente possível - e para isso é necessário fazer uma portaria nesse sentido - se o genérico mais barato é o mais barato que existe no mercado ou se é o mais barato que existe numa farmácia. O Sr. Secretário de Estado esclareceu esta questão, mas, se quiser prestar um esclarecimento real e cabal, ou regulamenta a lei ou faz uma portaria nesse sentido.
Mas o problema do mercado dos genéricos é mais lato. Lembro-me do que o Partido Socialista e o Governo disseram aquando da discussão do projecto de lei do Partido Popular sobre os genéricos, o qual o Sr. Deputado João Pedro Correia já hoje aflorou. Diziam que iriam brevemente legislar, diziam que iria existir, muito brevemente, em Portugal, um mercado de genéricos pela mão do Governo. A verdade é que, passado um ano, continuamos na estaca «zero». Esta é a verdade!
E é pena, porque nós estamos interessados na implementação, real, de um mercado de genéricos e, nesse sentido, admitimos perfeitamente, numa lógica de redução dos gastos com medicamentos, que exista um preço de referência, preço esse criterioso, e, até, uma folga sobre esse preço de referência, desde que essa folga seja quantificada.
Esta é uma medida útil para implementarmos e viabilizarmos o mercado de genéricos, respeitando, por um lado, a liberdade de escolha do doente, que é fundamental e que o diploma do Governo não contém, e, por outro lado, a liberdade de exercício do médico, enquadrando tudo isto numa medida que nos parece mais profunda, e que, pelos vistos, segundo disse o Sr. Secretário de Estado, não vai ser executada, que é a de regularizar os gastos excessivos que existem com medicamentos.
Deixo mais uma nota que me parece muito importante: o nosso projecto de lei, que o Partido Socialista «chumbou», previa um regime sancionatório no caso de omissões ou fraudes à Lei. Isto não está previsto nem na lei nem no decreto-lei e é pena, porque ele necessário.
Mas há uma coisa que eu e, julgo, os portugueses continuamos sem compreender, e que é como a pergunta sobre os 50 000 contos: qual é o preconceito que o Governo tem contra a existência real do mercado dos genéricos em Portugal?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Secretário de Estado da Saúde já não dispõe de tempo, mas, como o Partido Ecologista «Os Verdes» está ausente, a Mesa, abusivamente, vai gerir este tempo.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, evidentemente que estou inteiramente de acordo que V. Ex.ª conceda o tempo que entender ao Sr. Secretário de Estado da Saúde para responder, mas não à custa do tempo de Os Verdes por não estarem cá.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, eu disse isso por humor. Com certeza que era um abuso da minha parte se fizesse isso.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra também para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, como é óbvio, se a Mesa quiser conceder tempo ao Sr. Secretário de Estado da Saúde, estamos perfeitamente de acordo, mas, já agora, penso que seria útil usar dessa prerrogativa para com os grupos parlamentares, caso se suscite alguma questão que mereça um cabal esclarecimento.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, V. Ex.ª terá direito à resposta, se a Câmara entender que lhe deve dar a palavra para esse efeito. Nunca a Câmara recusou o direito de resposta.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, muito rapidamente, quero esclarecer o Sr. Deputado Pedro Mota Soares que o entendimento da lei relativamente à dispensa do mais barato é o que estiver disponível, no momento. Nem podia ser de outra maneira. Aliás, se quiséssemos que fosse de outra maneira, teríamos posto a expressão «no mercado» e não o pusemos propositadamente.
Em segundo lugar, não é verdade que os genéricos não estejam a vender em Portugal do mesmo modo que estavam há dois ou três anos. Quero informá-lo que a venda dos genéricos triplicou, em Portugal, desde 1998 até 2000.
Trata-se de um mercado ainda muito incipiente, mas há um sinal importante de que a indústria, finalmente, está a interessar-se por genéricos e de que as medidas implementadas pelo Governo, além de outras que virão a ser implementadas nesta matéria, estão a dar os seus frutos. De facto, Sr. Deputado, a venda dos medicamentos genéricos triplicou em dois anos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, informo que Os Verdes fizeram uma ratificação subsequente à minha proposta. Portanto, «está tudo legal»!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, pelo que percebi, o Sr. Secretário de Estado da Saúde pediu-me esclarecimentos e, nesse sentido, gostava de lhe responder.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Secretário de Estado, vou ler o que diz, a dado passo, o Decreto-Lei n.º 242/2000: «No acto de dispensa do medicamento (…) o farmacêutico deverá fornecer o medicamento genérico de menor preço.» Isto é o que diz o Decreto-Lei!
Já percebi que V. Ex.ª tem um entendimento que complementa este sentido, mas o Sr. Secretário de Estado há-de perceber que os farmacêuticos não sabem ou, certamente, não ouviram a sua intervenção e precisam de ter um cabal esclarecimento. Ora, face a isto, das duas, uma: ou regulamenta a lei ou faz uma portaria. Na verdade, este esclarecimento é muito preciso por ser um problema muito concreto que se vai levantar.
Sr. Secretário de Estado, acerca do mercado de genéricos, como disponho de muito pouco tempo, remeto-o para o que dissemos aquando da discussão do nosso projecto de lei. Há um ano atrás, nós sabíamos a quota de mercado de genéricos que tínhamos, lembramo-nos do que o PS e o Governo disseram nessa altura, ou seja, que seria possível fazer num ano, e verificamos, hoje, que essa quota não foi minimamente atingida, o que é lamentável para todos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados, a dúvida que queria colocar ao Sr. Secretário de Estado já a coloquei na intervenção que fiz. Agora, percebi, pela intervenção do Sr. Secretário de Estado, que não considera - ou terei percebido mal - que o funcionamento do mercado seja positivo e bom para os utentes e para o Estado, nomeadamente o dos genéricos. Por conseguinte, considera que o importante é que se forneçam os genéricos ao menor preço, tout court.
A questão que queria colocar é a seguinte: se a fixação do preço mais baixo é uma medida tão boa para os utentes e para o Estado - e já o disse na minha intervenção -, por que razão o Sr. Secretário de Estado também não aplica esta medida de excelência aos medicamentos de marca?

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, permite-me que responda?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Ponte, peço-lhe desculpa, mas parece que continua a não perceber o que é que o Governo pretende nesta matéria.

Vozes do CDS-PP: - Ninguém percebe!

O Orador: - Nós dissemos e voltamos a dizer…

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Olhe que não sou só eu!

O Orador: - Por isso é que eu cá estou para explicar aos Srs. Deputados o que pretendemos!
Se pretendemos promover o uso dos genéricos, não faz sentido estar a falar na promoção de outra coisa qualquer. É o mesmo que o senhor querer promover «batatas» e estar a falar-me de «cenouras».

Protestos do Deputado do PSD Joaquim Ponte.

Como compreenderá, não faz qualquer sentido.
Quanto ao mercado, é estranho que a própria indústria farmacêutica não tenha levantado uma única voz contra esta medida do Governo. Só os senhores é que…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso é, de facto, muito estranho!

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O Orador: - Eu interpreto este facto como a indústria estar a sentir que isto é um estímulo à promoção dos genéricos.

Risos do PCP.

Essa é que é a realidade! Se eles estivessem tão preocupados com o mercado como estão os Srs. Deputados, ter-se-iam manifestado contra esta medida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminada a apreciação do Decreto-Lei n.º 242/2000.
Informo a Câmara que o referido Decreto-Lei vai baixar, juntamente com as propostas de alteração apresentadas pelo Deputado do PCP Bernardino Soares, à 8.ª Comissão.
Resta-me informar que a próxima reunião plenária se realiza quarta-feira, dia 7 de Fevereiro, com início às 15 horas, constando da ordem de trabalhos, além do período de antes da ordem do dia, no período da ordem do dia, a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 32 e 34/VIII e dos projectos de lei n.º 354/VIII (PCP), 357/VIII (PSD), 360/VIII (BE), 364/VIII (CDS-PP), 365/VIII (CDS-PP) e 370/VIII (PS).
Está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 25 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho
Carlos Manuel Luís
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel dos Santos Gomes
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Rosalina Maria Barbosa Martins

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Artur Ryder Torres Pereira
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Domingos Duarte Lima
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Henrique José Monteiro Chaves
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Maria do Céu Baptista Ramos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Alexandrino Augusto Saldanha
Lino António Marques de Carvalho

Partido Popular (CDS-PP):
António Manuel Alves Pereira
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

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