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1930 | I Série - Número 47 | 09 de Fevereiro de 2001

 

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A infância, tempo de estruturação da personalidade, tempo de maturação emocional, é para muitas crianças no mundo um tempo ausente e um lugar de inferno e também para crianças do nosso país, numa amplitude apenas pressentida. Isto porque, em termos históricos, só recentemente a sociedade é capaz de encarar responsavelmente a violência sobre os menores e porque, na actualidade, permanece altamente lacunar a sua intervenção.
Factores culturais explicam não só a ausência de visibilidade deste tipo de violência mas, sobretudo, um olhar tradicionalmente condescendente sobre a visibilidade possível. Parte da violência sobre menores foi naturalizada por uma cultura patriarcal, através da qual os filhos são considerados propriedade dos pais. É por isso que em processos de incesto ainda surge frequentemente, como argumento autodesculpabilizante, quase sempre do pai a às vezes do avô, a expressão «as filhas são minhas» ou «as netas são minhas».
É por causa desta naturalização, que desvaloriza a visibilidade possível e protege a invisibilidade da violência sobre menores, que a primeira abordagem sociológica sobre a problemática aparece no nosso país apenas em 1986, da autoria de Fausto Amaro, publicada numa edição do Centro de Estudos Judiciários.
Porém, existiam já dados, terríveis dados, conhecidos e revelados sobretudo pelo Instituto de Medicina Legal do Porto, em 1984, deixando vislumbrar que a maior parte das vítimas de abusos sexuais no norte eram meninas e tinham entre 7 e 19 anos.
A crescente vulnerabilidade social e a agudização do fenómeno de exclusão social como muldimensional favorecem o aumento da violência sobre menores, sujeitos profundamente vulneráveis, sujeitos condenados pela infância ausente a perturbações físicas e psicológicas graves e a comportamentos que reproduzem a violência.
Relativamente às perturbações psicológicas, escasseiam os estudos. No entanto, num encontro realizado, nos anos 90, pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica apontavam-se já, entre as perturbações psicológicas mais frequentes, a depressão, a ansiedade e o medo, o mau rendimento escolar, a culpabilização relativamente ao abuso, sintomas diversos psicossomáticos, perturbações do sono, a toxicodependência, a prostituição, o síndroma de stress pós-traumático e dificuldades nas relações interpessoais.
É neste contexto que as iniciativas legislativas em debate se afiguram muito importantes, porque o abuso sexual constitui uma vertente muito significativa da violência sobre os menores.
Tanto o projecto do PS como o de Os Verdes propõem que o abuso sexual de menores seja considerado crime público. O do PS abrange ainda como crime público o abuso contra a liberdade e a autodeterminação sexual, independentemente da idade, em situação em que a vítima é dependente, ou seja, em âmbito familiar ou similar, englobando, provavelmente, por extensão, até o patronal. Os Verdes omitem o abuso sexual de menores dependentes (artigo 173.º do Código Penal) e os actos sexuais com adolescentes (artigos 174.º e 175.º) mas propõem como crime público o envolvimento de menores em actos de natureza pornográfica.
Quanto ao PCP, surpreende-nos que mantenha a natureza de crime semi-público ao abuso sexual de menores. Avança, no entanto, com a alteração da redacção dos artigos relativos a tráfico de pessoas, lenocídio e tráfico de menores, alterações que nos parecem adequadas.
O projecto de resolução do BE procura enquadrar as questões aqui apresentadas, visando actuar de forma abrangente nos outros níveis de protecção de menores, particularmente dotando as comissões de protecção de crianças e de jovens em risco de recursos técnicos, administrativos e humanos e de mecanismos de articulação que tornem a sua acção mais eficaz.
Estas comissões, criadas em 1991, abrangeram, nesse ano, mais de 5000 jovens e desenvolvem, numa lógica interdisciplinar em que envolvem autarquias e outras instituições, um trabalho de diagnóstico das situações e de acompanhamento de menores violentados e respectivas famílias.
Pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, relativa à protecção de crianças e jovens em risco, alterou-se positivamente o âmbito destas comissões, separando as áreas de delinquência juvenil da dos menores em risco e introduzindo apoio logístico ao seu funcionamento. O protocolo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses manifesta uma vontade de dotar estas comissões mais eficazmente.
Permanecem, porém, constrangimentos ao funcionamento das comissões, nomeadamente em relação à visibilidade e valorização do seu trabalho, à circulação de informação e à partilha de experiências, à articulação entre aquelas comissões e a Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco e à articulação com as respectivas áreas ministeriais. Ainda, como carências que urge resolver, escasseiam particularmente apoios pedagógicos e a formação de equipas interdisciplinares. Além disso, faltam técnicos das áreas de psicologia e de serviço social e escasseia formação para acompanhamento das situações e o encontrar de respostas adequadas, dado o número insuficiente de centros de acolhimento temporário e a falta de alternativas para os jovens que abandonam a escola sem a escolaridade mínima obrigatória e que, por isso mesmo, não são abrangidos pelas acções dos centros de emprego.
Em síntese, o projecto do Bloco de Esquerda orienta-se no sentido de dotar as comissões de protecção a crianças e jovens em risco de condições que permitam uma intervenção mais vasta e profunda no universo da violência sobre os menores, permitindo o diagnóstico dos abusos, entre os quais os sexuais, cuja penalização como crime público, aqui proposta pelo PS e por Os Verdes, saudamos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Embora eu não o tenha referido, mas como, aliás, resultou da sua intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Neves fez a apresentação do projecto de resolução n.º 103/VIII, oriundo do Bloco de Esquerda.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Helena Neves, os Srs. Deputados Rosa Maria Albernaz e Nuno Teixeira de Melo.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Neves, Portugal, enquanto membro do Conselho da Europa e Estado signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, tem também especiais responsabilidades quanto aos seus direitos e protecção

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