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Sexta-feira, 9 de Fevereiro de 2001 I Série - Número 47

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE FEVEREIRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
Manuel Alves de Oliveira

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução n.º 108/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Margarida Botelho (PSD) solidarizou-se com os estudantes do ensino básico e secundário que se manifestaram pelo país reivindicando alterações do sistema educativo, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ana Catarina Mendonça (PS), José Cesário (PSD), Helena Neves (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) alertou a Câmara para os perigos que advêm da exploração de urânio no nosso país e da presença e acostagem de submarinos nucleares nos nossos portos, tendo reclamado a tomada de medidas pelo Governo. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Natalina de Moura (PS).
Seguiu-se um debate de actualidade, com o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social (Jorge Coelho), sobre a situação da TAP, tendo usado da palavra, a diverso título, além daquele membro do Governo, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Jorge Neto (PSD), Paulo Portas (CDS-PP), Manuel dos Santos (PS), Manuel Queiró (CDS-PP), Castro de Almeida (PSD), José Manuel Epifânio e Miguel Coelho (PS) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).

Ordem do dia.- Mereceram aprovação os n.os 23 a 28 do Diário.
A Câmara aprovou o projecto de resolução n.º 108/VIII - Alteração do quadro do pessoal da Assembleia da República (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE)
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 56/VIII - Define o estatuto das associações juvenis e grupos de jovens, que foi aprovada, e dos projectos de lei n.os 200/VIII - Lei do associativismo juvenil (PSD), que foi aprovado, e 363/VIII - Lei-quadro do associativismo juvenil (PCP), que foi rejeitado. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (Miguel Fontes), os Srs. Deputados Margarida Botelho (PCP), Luís Miguel Teixeira (PS), Pedro Duarte (PSD), Carla Gaspar (PS), António Pinho (CDS-PP) e João Sequeira (PS).
Foram rejeitados os projectos de resolução n.os 92/VIII - Sobre a suspensão do envio de forças militares portuguesas para os Balcãs e adopção de medidas em relação às forças que aí se encontram (PCP) e 98/VIII - Sobre a presença das forças militarizadas e de segurança nos territórios da ex-Jugoslávia e o uso de munições com urânio empobrecido (Os Verdes).
Na generalidade, foram aprovados as propostas de lei n.os 32/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa, e a Lei

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n.º 29/87, de 30 de Junho, que define o Estatuto dos Eleitos Locais, e 34/VIII - Cria a lei orgânica que regula a eleição dos membros, assim como a constituição dos órgãos das autarquias locais e os projectos de lei n.os 354/VIII - Alterações à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, bem como à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, na parte relativa ao funcionamento das assembleias municipais (PCP) e 357/VIII - Lei eleitoral para as autarquias locais (PSD), foram rejeitados os projectos de lei n.os 360/VIII - Reforma o sistema eleitoral autárquico (altera o Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro) (BE), 364/VIII - Cria o regime que regula a constituição das autarquias locais e respectiva eleição dos seus membros (CDS-PP) e 365/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que regula o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa (CDS-PP) e foi aprovado o projecto de lei n.º 370/VIII - Alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, em que se estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias (PS).
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética, autorizando um Deputado do PS a depor em tribunal como testemunha.
Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 319/VIII - Institui um sistema de reparação aos trabalhadores pela morosidade da justiça, em processo de falência, e reforça os privilégios dos créditos laborais (PCP), tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Helena Ribeiro
(PS), Pedro da Vinha Costa (PSD) e Alves Pereira (CDS-PP).
Os projectos de lei n.os 347/VIII - Altera o artigo 178.º do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro (PS), 355/VIII - Torna público o crime de abuso sexual de crianças (altera o artigo 178.º do Código Penal) (Os Verdes), 369/VIII - Altera os artigos 169.º, 170.º, 176.º e 178.º do Código Penal (PCP) e os projectos de resolução n.os 103/VIII - Combate aos maus tratos e abuso sexual sobre menores e reforço das medidas de apoio às comissões de protecção de crianças e jovens (BE) e 104/VIII - Recomenda ao Governo que proceda à regulamentação urgente do regime de execução das medidas de promoção e de protecção de crianças e jovens em risco previstas no n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (CDS-PP) foram também debatidos conjuntamente, na generalidade. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Maria de Belém Roseira (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Odete Santos (PCP), Helena Neves (BE), Rosa Maria Albernaz (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Fernando Seara (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira

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Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Francisco Baptista Tavares
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Durão Barroso
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres Viegas C. da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi aceite, a seguinte iniciativa legislativa: projecto de resolução n.º 108/VIII - Alteração do quadro do pessoal da Assembleia da República (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).
Entretanto, foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes: nas reuniões plenárias de 1 e 2 de Fevereiro - ao Instituto dos Seguros de Portugal, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Adão Silva; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Manso; ao Ministério da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Bruno Vitorino e Honório Novo; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e às Secretarias de Estado da Comunicação Social e das Comunidades Portuguesas, formulados pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; aos Ministérios da Economia e das Finanças, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Louçã; ao Ministério da Administração Interna,

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formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; aos Ministérios do Equipamento Social e da Economia e à Administração do Porto de Lisboa, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo; à Câmara Municipal de Cascais, formulado pelo Sr. Deputado António Capucho.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 2 de Fevereiro - Natália Filipe, no dia 28 de Fevereiro; Lucília Ferra, na sessão de 26 de Maio; Luís Fazenda, nas sessões de 7 de Junho, 20 de Setembro e 14 de Dezembro; Machado Rodrigues, nas sessões de 21 de Junho e 4 de Outubro; Mário Albuquerque, na sessão de 29 de Junho; Vicente Merendas, na sessão de 6 de Julho, no dia 31 de Julho e na sessão de 25 de Outubro; Ricardo Fonseca de Almeida, na sessão de 8 de Novembro; Miguel Ginestal, no dia 22 de Novembro; António Martinho, no dia 23 de Novembro; Carlos Martins, na sessão de 30 de Novembro; Manuela Aguiar e Álvaro Castello Branco, na sessão de 3 de Janeiro; Francisco Louçã, na sessão de 4 de Janeiro; Luís Pedro Pimentel, na sessão de 5 de Janeiro.
No dia 6 de Fevereiro: Pedro Mota Soares, no dia 19 de Julho; Luís Marques Mendes, na sessão de 11 de Outubro; Luís Miguel Teixeira, na sessão de 12 de Outubro; Bernardino Soares, na sessão de 21 de Dezembro e Manuel Queiró, no dia 16 de Janeiro.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, inscreveu-se, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estão hoje na rua, pelo menos, 65 000 estudantes do ensino básico e secundário, de praticamente todos os distritos, para além de centenas de greves e escolas fechadas.
Contestam a reorganização do ensino básico, a revisão curricular do secundário e o numerus clausus; exigem a aplicação efectiva da educação sexual e a responsabilização do Estado nas más condições sociais e humanas das escolas.
Esta não é uma luta nova. Em Abril do ano passado, após as duas primeiras semanas de contestação estudantil, o Grupo Parlamentar do PCP referia neste Plenário: «os estudantes do ensino secundário não aceitam o atestado de menoridade que o Ministério lhes quis passar ao excluí-los e aos seus representantes da discussão de uma proposta que lhes diz mais respeito do que a ninguém. Porque os estudantes rejeitam a intenção atrás desta reforma: a de dar a mínima educação possível ao máximo de alunos; a intenção de criar um ensino de primeira e um ensino de segunda; a intenção de diferenciar ainda mais cedo do que já se faz hoje aqueles que seguirão a via de ensino, dos outros que serão mão-de-obra desqualificada e barata.»

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - A 11 de Maio de 2000, cerca de 70 000 estudantes, de praticamente todas as regiões, saíram à rua com as mesmas reivindicações de hoje, fazendo o Governo hesitar nas suas declarações.
Poderíamos supor que esta reacção pronta dos estudantes fizesse o Governo reflectir sobre o modo do seu diálogo. Infelizmente, não foi isso que sucedeu. As reuniões que o Governo montou em alguns distritos não foram mais que sessões de esclarecimento sobre um texto fechado, ao qual o Ministro já assumira que não mudaria nem uma vírgula. A reivindicação dos estudantes é justíssima: que se suspenda a revisão, para que esta seja discutida, tranquila e construtivamente, com os agentes educativos e particularmente com as associações de estudantes, únicas legítimas representantes destes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Já durante este ano lectivo, os estudantes do Porto - onde há a lamentar excessos da polícia -, em Chaves, em Aveiro, em Coimbra, em Lisboa e no Barreiro saíram à rua com esta reivindicação. Desde 24 de Março de 2000, foram já cerca de 160 000 os estudantes a contestar a revisão.
À publicação destes dois decretos-leis seguiu-se uma reunião nacional de Associações de Estudantes, que juntou cerca de 80 direcções e marcou o dia de hoje como de luta pela suspensão da revisão.
Esta exigência chega também dos professores, e nomeadamente da FENPROF. O Conselho Nacional de Educação foi duríssimo na sua apreciação. Até o Secretário Regional da Educação da Madeira reconheceu há pouco, na televisão, que concorda no fundamental com as reivindicações dos estudantes. Correspondendo aos anseios de professores, estudantes e técnicos, o PCP entregou, na passada semana, na Mesa da Assembleia da República, o pedido de apreciação parlamentar dos dois decretos-leis em questão, que será discutido no próximo dia 23 de Fevereiro.
De facto, a revisão curricular é um projecto imposto pelo Ministério da Educação à comunidade educativa, sem que sequer tenha havido uma correcta avaliação das anteriores reformas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Esta revisão caminha no sentido da desresponsabilização da Administração Central face ao financiamento, às instalações, ao equipamento e à oferta curricular das escolas, de todos os níveis. Desiste do combate às desigualdades sociais, permite a elitização do sistema, põe em causa a igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - O Governo produziu decretos-leis vagos e ambíguos, que remetem para legislação posterior algumas das questões mais polémicas, como a forma como se fará a permeabilidade entre cursos, ou o acesso ao ensino superior. Ao prever que se façam provas globais apenas nas disciplinas terminais, agrava-se a disparidade entre a avaliação contínua e as provas, ao incluir matérias de dois anos num único momento. Ao propor a existência de 24 cursos diferentes, o Ministério parece esquecer-se das condições reais, materiais e humanas das nossas escolas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É, portanto, absolutamente justificada a indignação dos estudantes. Tanto mais que continua a ser

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distribuída nas escolas informação contraditória. Há documentos do Ministério da Educação distribuídos que referem os 90 minutos no secundário e que reafirmam a existência de um ano pós-12.º «para enriquecimento das formações secundárias» - de resto, o decreto-lei pode abrir para isto, ao referir, no seu artigo 16.º, que «compete à escola propor a organização de ofertas de enriquecimento da formação obtida pelos diplomados do ensino secundário».
A promessa da redução da carga horária é outra miragem, na qual os estudantes não embarcaram. Nos cursos gerais, as horas semanais diminuíram entre duas e meia hora, dependendo dos cursos e dos anos. Nos cursos tecnológicos, a carga horária ultrapassa em hora e meia o limite semanal definido pelo próprio Governo, duas horas mais do que aquelas que já existem actualmente.
A confusão do Governo é neste momento tal que, nem duas semanas passadas sobre a publicação dos decretos-leis, a Secretária da Estado Ana Benavente declarou à Lusa que é um objectivo do Governo o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano. Não seria melhor parar para pensar nos objectivos todos e fazer, finalmente, uma reforma pensada?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É natural que os estudantes estranhem que num texto onde se refere tanto a educação para a cidadania não exista uma linha sobre a educação sexual. Será que este não é um direito de cidadania?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP considera que é necessária uma séria e rigorosa intervenção nos ensinos básico e secundário. Mas muito diferente desta: que se baseie na participação aprofundada dos agentes educativos, que tenha como objectivo a construção de uma educação verdadeiramente pública, verdadeiramente gratuita, verdadeiramente de qualidade.
O PCP presta, desta Assembleia, toda a solidariedade às muitas dezenas de milhar de estudantes que hoje se manifestam por todo o País, dando uma lição de vivência democrática ao Ministério da Educação e ao Governo do PS.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Ana Catarina Mendonça, José Cesário, Helena Neves e Heloísa Apolónia.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, confesso que já não consigo perceber o que é que os meus caros colegas do Partido Comunista querem para a educação! É que, sistematicamente, quando há uma reforma, quando se fala numa revisão ou quando se fala em qualidade do ensino em Portugal, da bancada do PCP ouvem-se vozes discordantes com tudo e com nada.
Por isso, é bom que o Partido Comunista comece também a perceber o que se vai fazendo no País, e quando a crítica surja que seja construtiva, para que todos possamos trabalhar para aquilo que é um objectivo comum da sociedade, que é a qualidade da política de ensino.
Com isto lhe digo, Sr.ª Deputada, que entendo os protestos de todos os estudantes, respeito as vozes discordantes de todas as bancadas, de todos os cidadãos, em particular neste dia. Todavia, deixe que lhe recorde o seguinte: andamos todos, há quatro anos, a discutir a revisão e a reorganização curricular dos ensinos básico e secundário; várias vezes esta matéria tem sido discutida na respectiva comissão parlamentar, tendo sido envolvidas 500 escolas nesta discussão; nomeadamente em relação à educação sexual, há escolas-piloto que estão já a adoptar a educação sexual nas escolas, cuja responsabilidade não é apenas deste Parlamento nem do Governo, mas de toda a comunidade educativa, a começar, também, pelas associações de estudantes.
Mais, Sr.ª Deputada: se, por acaso, no próximo dia 23, vem a Plenário a discussão dos diplomas que referiu é porque a isso também o Partido Socialista deu o seu aval, porque está aberto a discutir a defesa da política de educação em Portugal.
Sr.ª Deputada, pedir a suspensão da revisão curricular numa altura em que as coisas estão aprovadas…

A Sr. Luísa Mesquita (PCP): - Por quem?

A Oradora: - … e cuja entrada em vigor está prevista para o próximo ano lectivo… Querem suspender o quê? Hoje, porquê uma suspensão?
Aquilo que pergunto, Sr.ª Deputada, é se o Partido Comunista está ou não disponível para dar o seu contributo positivo, sem destruir sistematicamente, porque, com isso, não construímos rigorosamente nada no País,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso é a cassete!

A Oradora: - … nem damos qualquer exemplo aos estudantes que estão nas ruas e que esperam uma solução deste Parlamento e deste Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, cumprimento-a por hoje ter trazido esta questão ao Plenário. Num momento em que vivemos uma crise de participação política, uma crise de participação cívica por parte de cidadãos em Portugal, os estudantes dão, efectivamente, uma lição de intervenção, uma lição de participação, uma lição de alguém que quer viver intensamente a vida política e a vida pública nacional.
Cumprimento V. Ex.ª por ter trazido ao Plenário uma matéria que se prende com uma reforma que foi pensada para o ser, mas cuja aplicação não foi devidamente pensada. E podia tê-lo sido, porque vivemos, ao longo dos últimos anos, um vastíssimo conjunto de experiências em Portugal: a gestão flexível dos curricula, os territórios educativos de intervenção prioritária, experiências pontuais nos mais variados domínios, por exemplo de educação sexual. E, de um modo geral, de todas essas experiências, o Ministério da Educação não foi capaz de retirar as lições que se impunham.
Porém, Sr.ª Deputada, não estamos aqui para fazer demagogia sobre uma matéria que é extremamente séria. Precisamos de um ensino de maior qualidade, de um ensino de maior exigência, de maior rigor.

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Tendo sido V. Ex.ª a trazer aqui esta matéria, a questão que lhe coloco é a seguinte: como é que pensa que os curricula do ensino básico e do ensino secundário podem ser revistos, no sentido de termos um ensino de maior qualidade, de maior rigor, de maior exigência?
Uma outra questão, uma derradeira questão para uma área que, penso, tem sido claramente subestimada: a área da componente tecnológica, da formação profissional e profissionalizante, ao nível do ensino secundário. Como é que V. Ex.ª pensa que pode ser revista a estrutura curricular, nomeadamente do ensino secundário, de modo a podermos valorizar, de uma forma determinante, toda essa componente tecnológica e darmos ao jovem a possibilidade de ter acesso a uma formação de qualidade, que lhe permita uma inserção plena na vida activa?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, cumprimento-a por ter trazido aqui a questão de uma revisão curricular, que, pese embora o argumento que tem vindo a ser trabalhada há quatro anos, é uma anomalia.
Uma anomalia, porque se alheia, em muitos aspectos significativos, do contexto escolar português. Uma anomalia, porque os mecanismos de audição e de consulta que desenvolveu deixam prioritariamente de fora os principais protagonistas do sistema de ensino, que são os estudantes. Não basta ouvir 500 escolas. É preciso ouvir aqueles que são sujeitos centrais do sistema educativo.
Sr.ª Deputada Margarida Botelho, levantando-se aqui como argumento que a suspensão, e, portanto, a revisão da revisão curricular, poderia implicar atrasos relativamente à sua entrada em vigor no próximo ano lectivo, pergunto: pensa ser fatal que tal suceda?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, queria, em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, subscrever totalmente as preocupações que levantou na sua declaração política.
Em segundo lugar, desejo manifestar a nossa total solidariedade para com os estudantes do ensino secundário, que saíram hoje à rua, reivindicando questões, na nossa perspectiva, perfeitamente justas, como a contestação à revisão curricular, negando de todo a elitização do ensino na construção de duas vias de ensino, uma virada totalmente para o mercado, outra para o prosseguimento dos estudos e ingresso no ensino superior, e também contestando a negação de uma avaliação verdadeiramente contínua.
Solidarizamo-nos também com as contestações dos estudantes à forma de ingresso no ensino superior e à permanência do numerus clausus, pela implementação da educação sexual em todas as escolas e com as exigências de melhores condições materiais e humanas nas escolas. É que sabe-se das condições em que funcionam muitas das escolas: infelizmente, chove em muitas delas, na maior parte dos casos não têm aquecimento, nem oferecem a possibilidade de praticar desporto dada a inexistência de pavilhões gimno-desportivos. Enfim, muitos seriam os exemplos que aqui poderiam ser levantados.
Sr.ª Deputada, Os Verdes lamentam a atitude do Governo face a uma educação numa escola que se quer que crie hábitos de participação, que se quer que crie espírito crítico nos estudantes e que forme para a cidadania.
Aquilo que entendemos é que o Governo recusa totalmente envolver os parceiros, neste caso, concretamente, os estudantes, na discussão de matérias que lhes dizem directamente respeito, como é o caso da revisão curricular, minimizando completamente, tal como ficou patente na intervenção da Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, do Partido Socialista, formas de luta dos estudantes como a que aconteceu hoje.
Aqui fica, pois, o nosso profundo lamento pelo facto de o Governo recusar veementemente envolver os estudantes em matérias que lhes dizem respeito.
Sr.ª Deputada, creio que foi nisto que resultou a paixão do Partido Socialista!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho, para o que dispõe de 5 minutos.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, agradecendo as questões colocadas, começo por referir o seguinte: o PCP considera indispensável uma intervenção no ensino, quer no básico, quer no secundário, pois penso que é óbvio para todos que, como está, não está bem. De resto, tal corresponde a algumas das reivindicações dos estudantes e a intervenção que temos feito aqui no Parlamento no sentido de melhorar as condições das escolas, do acesso ao ensino superior, etc., mostra claramente que não estamos de acordo com o que hoje existe. Agora, isto não significa que, por não estarmos de acordo com o que hoje existe, sejamos precipitados e aprovemos uma reforma que é ainda pior!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Esta é que é a questão! E, se alguém está isolado nesta questão, é o PS, o seu grupo parlamentar e o Governo!
Hoje, estão na rua dezenas de milhar de estudantes a exigir a suspensão da revisão curricular e para que sejam ouvidos; a FENPROF e as mais diversas organizações de professores têm-se mostrado contra esta revisão curricular; o Conselho Nacional de Educação foi duríssimo na sua apreciação, particularmente no tocante à revisão curricular do ensino secundário. Por isso, se alguém está isolado, não somos nós, com certeza, mas os senhores!

Vozes do PCP: - Exactamente!

A Oradora: - Uma outra questão que tem de ficar absolutamente clara é a seguinte: não há posição mais construtiva em relação ao ensino secundário e básico do que a de exigência desta suspensão! O que é destrutivo é aprovar precipitadamente uma reforma sobre a qual não está claro o que é que se irá passar (e já passarei a algumas questões concretas que não estão claras) e que elitiza o ensino, a partir do básico, ao dizer que as escolas têm autonomia para decidir se podem ou não ter línguas desde o ensino básico e se podem ou não ter laboratórios

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das mais diversas disciplinas. Isto significa que as escolas dos meninos ricos terão acesso a tudo isso e as dos meninos pobres não. Não é, com certeza, este o sistema educativo que queremos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Passo agora a referir-me à questão das condições concretas das nossas escolas. Em declarações à Lusa, em que defendia o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, a Secretária de Estado Ana Benavente referiu que esta teria de ser uma questão a resolver a médio prazo porque as nossas escolas não teriam condições para aguentar tantos estudantes mais tempo no sistema de ensino. E esta é a realidade, pois, de facto, não têm. Mas também não têm condições para aguentar os 24 cursos diferentes previstos por esta reforma. De facto, ainda não há professores formados para este efeito e as escolas não estão apetrechadas para estes 24 cursos. Este é, pois, um grande problema.
Sobre as questões concretas desta revisão, gostaria de referir que está a ser distribuído nas escolas um livrinho, que tenho aqui - diz «Ministério da Educação», pelo que não há qualquer dúvida sobre a sua origem -, que refere claramente os 90 minutos e um ano pós-12.º para completar as formações. A realidade é que os estudantes ficam sem saber se há ou não 12.º ano e depois uma outra formação complementar para os que optarem pelo ensino tecnológico.
Quero ainda referir que o PCP está disponível para alterar o sistema educativo no ensino básico e secundário - quanto a isso não há a mínima dúvida -, mas apenas no sentido de garantir uma escola pública de qualidade, o que passa, naturalmente, por suspender esta revisão e por ouvir os intervenientes (professores, escolas e técnicos), os quais, de facto, não foram ouvidos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, assistem hoje à reunião plenária um grupo de 67 alunos da Escola n.º 2 do Lavradio, um grupo de 86 alunos da Escola E.B. 2,3 de Paços de Brandão e um grupo de 40 cidadãos da freguesia da Luz de Lagos. Para todos eles, peço a saudação da Assembleia.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O perigo radioactivo é grande, em Portugal. E, se alguém tivesse dúvidas, o jornal El País de hoje encarregou-se de o relembrar.
Em Janeiro deste ano, foi dito que este é um perigo bem maior do que aqueles que os portugueses enfrentam no Kosovo. Esta é uma revelação surpreendente, pois foi feita, não por um alarmista - quiçá, algum terrível ecologista membro de um partido da oposição! -, mas pelo próprio Presidente do Instituto Tecnológico e Nuclear.
Esta afirmação veio pôr a nu a ameaça e o enorme perigo de contaminação a que, desde há anos, por incúria das entidades públicas responsáveis, populações inteiras têm estado expostas nos distritos de Coimbra, Guarda e Viseu. Com esta afirmação, assumiram-se publicamente os riscos ambientais, até agora desvalorizados, da exploração de urânio em Portugal.
Trata-se de uma revelação que veio, involuntariamente, enunciar o perigo inaceitável a que diferentes governos vêm, há anos, sujeitando os portugueses, ao permitirem que submarinos nucleares possam livremente não só entrar nas nossas águas territoriais como também penetrar e acostar nos estuários. É o que acontece ciclicamente no estuário do Tejo, onde milhares e milhares de pessoas, no mais completo desconhecimento, têm a vida e a saúde posta em risco por este perigo nuclear e por estas decisões políticas.
Esta afirmação veio, por isso, tornar-se de extrema gravidade mas, de modo surpreendente, e ainda mais grave, não gerou qualquer polémica na imprensa portuguesa, que, aparentemente, a terá considerado trivial. Esta afirmação também não obrigou o Governo a sentir necessidade de dar explicações de tal facto à opinião pública, nem, ao que se sabe, determinou a adopção de qualquer medida de emergência ou responsabilização política do Governo ou dos Ministros que, acomodados no seu silêncio, e tendo embora a tutela desta área, têm negligenciado tal situação.
Tudo aparentemente fácil, como se quer em terras de brandos costumes! Contudo, Os Verdes consideram que esta atitude não pode ser mantida.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo anunciou, há dias, algumas medidas relativas à questão do urânio e ao modo como a exploração do mesmo vai ser feita, mas trata-se de medidas que, pelos valores anunciados, não serão capazes de dar resposta ao problema e que, pelo calendário previsto, não resolverão os problemas a curto prazo, continuando a faltar um plano de emergência.
Mas a verdade é que também a situação dos navios nucleares no nosso país, dentro do estuário do Tejo, a conviver pacificamente com os portugueses que estão do outro lado do rio, nas esplanadas, é politicamente insustentável!
Esta realidade não é nova e já em 1996 Os Verdes chamaram a atenção para esta questão, quando um submarino norte-americano esteve nas nossas águas, entre 15 e 16 de Julho desse ano. A falta de atenção do Governo é tão grande que o próprio Ministério do Ambiente assumiu, na altura, não ter instalado os equipamentos para fazer as medições radioactivas.
Em 1998, a situação repetiu-se de modo mais inquietante e enquanto na vizinha Espanha e em Gibraltar assistimos à tomada de posição de todos os partidos políticos que, vindo à rua, contestaram a presença de um submarino nuclear inglês detido nas suas águas com uma avaria, a verdade é que, aqui, o silêncio reinou!
Em relação a esta presença e à denúncia que, na altura, Os Verdes fizeram sobre as condições em que foi aceite a vinda às nossas águas deste navio com um reactor avariado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros disse, em resposta, que a Embaixada do Reino Unido tinha solicitado às entidades competentes autorização diplomática para entrada em águas territoriais e que esta presença era feita sem que nenhuma descarga pudesse acontecer, ou seja, sem nenhum aumento de radioactividade na zona. As autoridades portuguesas foram informadas e aceitaram; o Governo de Sua Majestade assumiu inteira responsabilidade por todos os danos, de qualquer natureza, que pudessem resultar de um incidente nuclear.
Ninguém imagina que as autoridades inglesas pudessem garantir qualquer segurança numa situação destas! Mas

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também ninguém imagina que, sendo esta, como é, uma decisão estritamente política, como afirma o próprio Governo, ela se mantenha.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, do mesmo modo que já apresentaram um projecto para que o Governo adopte medidas e um plano de emergência para a Urgeiriça, Os Verdes apresentarão a esta Câmara, na próxima semana, um projecto para que os partidos políticos se posicionem sobre aquela que é tão-só uma decisão política: a autorização de presença e de acostagem de submarinos nucleares nos nossos portos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina de Moura.

A Sr.ª Natalina de Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, V. Ex.ª fez, da tribuna, uma intervenção prolixa. Foi uma mistura condimentada de vários ingredientes e não entendemos por que a fez.
A Sr.ª Deputada disse que a imprensa portuguesa considerou esta questão tão trivial que nem dela deu conhecimento, mas, normalmente, V. Ex.ª serve-se das menções na imprensa para fazer aqui as suas intervenções. Desta vez, não veio a jeito, pelo que é de opinião que a imprensa portuguesa considera este assunto trivial. Não é verdade que tal possa ter sido entendido assim e a sua reacção deve-se, certamente, ao facto de tal não ter correspondido ao caminho aberto que está habituada a ter para as suas intervenções!
V. Ex.ª disse que os Ministros não agem. Os Ministros não podem agir em cima dos acontecimentos sem o mínimo de estudo, de diagnóstico e de análise! A acção não pode ser desse tipo. Mal iríamos nós se um governo agisse em função de qualquer das suas intervenções produzidas nesta Câmara!
É estranho que V. Ex.ª traga aqui este problema, uma vez que o Governo disse quais eram as medidas que iriam ser tomadas em relação a todas as possibilidades de contaminação por metais pesados, nomeadamente o urânio, o plutónio, etc.. Não faz, pois, sentido trazer aqui este problema.
Sr.ª Deputada, falo a sério, pois esta matéria não é para brincar! Mas, já agora, pergunto-lhe se V. Ex.ª viu algum submarino em Coimbra, Viseu ou na Guarda! Submarinos nessas zonas?! O que é que a Sr.ª Deputada anda a ver?! Talvez, como na anterior intervenção, um navio-fantasma, que, desta vez, são submarinos!
Começo a ter algumas preocupações com esse sonho de tratar estas matérias com uma fantasia que pode inquietar qualquer português! Não estamos em condições de dizer aos portugueses coisas desse tipo! A senhora tem é de dizer que Portugal disse «não» ao nuclear e mantém o «não» ao nuclear! E não é por a senhora trazer aqui constantemente esse fantasma que vai fazer o Governo mudar essa opção!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina de Moura, julgo que algumas das suas considerações prescindem de resposta, pois revelam um tal estado de confusão que eu me dispenso de as comentar!
Vou cingir-me às questões que abordei e àquilo que está em causa. As questões que abordei têm a ver com o risco nuclear, ou seja, o risco de contaminação radiológica que ocorre porque determinadas regiões do País fizeram a exploração de minas e, sobretudo, porque abandonaram essa exploração em condições ambientalmente pouco seguras, pondo em risco a saúde pública.
Esse risco de contaminação radiológica ocorre também quando o Governo autoriza que submarinos nucleares não só entrem mas também possam acostar no estuário do Tejo, o que acontece duas a quatro vezes por ano, como o Governo referiu na resposta que nos deu. Isto é perfeitamente bizarro e o próprio Governo assume que essa autorização é política, pois não está obrigado a concedê-la. Ninguém imagina que um perigo deste tipo pudesse penetrar no Tamisa, no reino de Sua Majestade, e nós não compreendemos por que é que o Governo português mantém esta atitude de permissão de acostagem de submarinos nucleares em pleno coração da Área Metropolitana de Lisboa.
Registei que, para a Sr.ª Deputada Natalina de Moura, este perigo não existe; registei que a Sr.ª Deputada desconsidera as questões de segurança e de saúde dos portugueses; registei que, para o Partido Socialista, não oferece preocupação o facto de, entre 8 e 17 de Outubro de 1998, ter estado nas nossas águas um submarino nuclear inglês, o qual, como explica, no jornal El País de hoje, um técnico inglês, violando todas as regras de segurança internacional, optou, num dado momento, por ligar os reactores ao abandonar o porto português, tendo essa manobra sido de elevado risco.
Para nós, esta situação é inaceitável. Para nós, é grave que o Instituto Tecnológico e Nuclear, que diz haver um perigo radioactivo, não intervenha. Para nós, cabe à Câmara tomar uma decisão política, pelo que lhe vamos submeter essa matéria. Como tal, se a Sr.ª Deputada e o Partido Socialista entenderem desvalorizar este perigo, assumem essa responsabilidade!

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos agora entrar no debate de actualidade sobre a situação na TAP.
Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

O Sr. Ministro do Estado e do Equipamento Social (Jorge Coelho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e antes de passar directamente ao assunto concreto, que é, efectivamente, um verdadeiro tema da actualidade, isto é, a situação da TAP e as consequências da saída unilateral do SAirGroup de um acordo que tinha com o Estado português, gostaria de dizer que, como é óbvio, como Ministro do Equipamento Social, assumo todas as responsabilidades em relação a tudo o que o Governo, apoiado pelo PS, decidiu fazer, e fez, nesta matéria, durante os últimos cinco anos.
Gostaria agora de referir que me parece importante dar-vos conta, de forma rápida, da evolução deste assunto, do que fizemos, do que estamos a fazer e daquilo que pensamos dever ser o futuro da empresa.
Em primeiro lugar, gostaria de dar-vos conta de que, na reunião que tive com o presidente do conselho de administração do SAirGroup, ficou acordado que o

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SAirGroup tomava a decisão de saída do acordo de forma unilateral e que responsabilizar-se-ia por isso
Em segundo lugar, ficou acordado que a TAP - e, para sua defesa, era fundamental que isso acontecesse - ficaria no Qualiflyer Group por um período transitório até ter condições de poder participar noutra aliança, tendo as mãos livres para tal.
Em terceiro lugar, e porque o SAirGroup sentiu a responsabilidade que tinha na situação financeira da empresa, comprometeu-se a garantir, em tempo útil, junto dos bancos, as operações financeiras necessárias a normalizar a situação de tesouraria da empresa e do seu processo de reestruturação, garantindo o financiamento de cerca de 8 milhões de contos e uma operação de refinanciamento de um Airbus 310.
Ambas as partes acordaram em que, a partir desse momento, advogados e membros das duas administrações passariam a discutir o montante das indemnizações a que a TAP se julga com direito, para que possa ser recebido em seguida.
Tomada esta decisão, a empresa, de imediato, realizou algumas acções para preservar os seus interesses. Em primeiro lugar, a TAP decidiu garantir, de imediato, o controlo dos mercados da Bélgica, da Suiça e da Escandinávia, através do posicionamento do pessoal da TAP, com vista a reorganizar a sua equipa de vendas. Em segundo lugar, decidiu reavaliar os contratos de call centers, escalas e ticket office, assegurando o controlo das vendas e a melhor relação de custos/benefícios de atendimento a passageiros nos mercados da Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Itália e Holanda. Outro aspecto importante foi a activação, desde segunda-feira, de um grupo de trabalho, para promover, novamente, a transferência do sistema de reservas para a empresa.
Como é evidente, temos consciência de que, face ao problema existente, o qual resultou de uma decisão unilateral de uma das partes que firmou este acordo, tomámos, e a TAP também o fez, as medidas necessárias à preservação dos interesses da empresa.
Mas gostaria aqui de dizer que o que neste momento é importante e tem a ver com o futuro da empresa passa por aquilo que estamos a decidir. Em primeiro lugar, é necessário que o ano de 2001 tenha a estabilidade operacional e social suficientes, de forma a criar condições para que o verdadeiro objectivo da empresa, que é a sua reestruturação, possa ser alcançado. Nesse sentido, estão garantidos os mecanismos para que, durante este ano, não haja qualquer ruptura quer no pagamento de salários quer na operacionalidade da própria empresa.
Em segundo lugar, mais importante até do que encontrar outro tipo de parceiros neste momento é a reestruturação da própria empresa, para que esta crie condições de competitividade, diminuindo os custos e aumentando as receitas. Neste momento, está em curso a elaboração, para concretização rápida, de um programa profundo de reestruturação da empresa, que passa por atingir o equilíbrio operacional até final de 2002 e um superavit até ao princípio de 2004.
Qual é a estratégia que deve ser seguida para se atingir este objectivo? Reequilibrar a equação receita/despesa através de diversas acções de melhoria de eficiência e produtividade e de uma mudança de posicionamento no mercado.
Que acções estão a ser equacionadas? No campo do custo/eficiência: será feita uma redução de custos, através da renegociação de contratos de fornecimento, novos procedimentos de compras e busca de novos fornecedores; aumento da produtividade, através da implementação da melhoria de processos e de um programa social que vise diminuir em 1000 efectivos o número de trabalhadores da empresa; melhoria da eficiência, através da maior utilização horária da frota, presumindo-se um crescimento de 10% no número de horas que os aviões farão. No campo da receita: reposicionamento de mercado, visando uma maior actuação junto ao tráfego business, continuando a incentivar o mercado do emigrante, património actual da empresa; redesenho da rede de linhas, visando explorar todo o potencial da maior utilização de horas das aeronaves, ampliando o número de frequências dos mercados-chave, tornando-os mais atractivos para o tráfego bussiness, aumentando a receita gerada, nem necessidade de recursos adicionais; melhoria da qualidade do produto, através de acções que visam melhorar o atendimento a bordo.
Está em curso o programa que contém estes objectivos e estão em curso também contactos com a Comissão Europeia. Na segunda-feira terei uma reunião com a Comissária da área dos transportes para ver o enquadramento possível que pode existir na Comissão relativamente ao que devemos fazer para a procura de soluções de viabilização da empresa em termos de futuro.
Por outro lado, também gostaria de dar conta do seguinte: já hoje, em conjunto com uma instituição financeira, tive oportunidade de acertar as condições da sua colaboração, juntamente com a TAP e com o Estado português, para se encontrar maneira de captar eventuais investidores fora do mercado aéreo para entrarem no capital da empresa e, assim, se criarem também condições no sentido de a empresa ter competitividade em termos de futuro.
Srs. Deputados, estas informações que estou a dar - uma parte já foi ontem referida à Comissão de Equipamento Social - são importantes para um assunto em relação ao qual, sem desprezar o passado, e fazendo uma análise do mesmo - preocupa-nos, como é óbvio, o presente e o futuro -, podemos dizer que, neste momento, estão garantidas as condições para, sem precipitações, com prudência e sem pressas, analisar todas as condições que sejam oferecidas ao futuro da Transportadora Aérea Portuguesa para decidirmos bem relativamente a esse mesmo futuro. É esse o nosso esforço, é essa a nossa determinação e, Srs. Deputados, estou confiante de que vamos conseguir alcançar esse objectivo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Jorge Neto, Paulo Portas, Manuel dos Santos e Manuel Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, vou colocar uma questão muito simples e muito directa.
Como é sabido, depois da ruptura com o SAirGroup mantêm-se na direcção da TAP altos quadros ligados à Swissair, pagos pela Swissair, que continuam, a tomar decisões em função dos interesses da companhia suiça, prejudicando a TAP, como irei demonstrar com exemplos concretos na intervenção que irei fazer daqui a pouco.

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A minha pergunta é a seguinte: até quando, Sr. Ministro, vai manter esta promiscuidade?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - O Sr. Ministro informou a Mesa de que, em termos de resposta, irá agrupar os três primeiros pedidos de esclarecimentos e, depois, os dois últimos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, uma das questões fundamentais em que se apoia a communis opinio de que o Sr. Ministro geriu com imprudência e com inépcia a parceria estratégia e o processo de privatização tem a ver com o facto de não existir contrato de compra e venda celebrado entre o Estado e a Swissair. Mais: decorre ainda do facto de nem existir qualquer cláusula penal, que, efectivamente, garantisse o Estado português de uma hipótese sempre verosímil de incumprimento da parte da Swissair.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro tem escorado a bondade da sua conduta com base num suposto parecer, de, aliás, ilustres e insignes juristas, nos termos do qual estes defenderiam o acerto da sua posição.
Sr. Ministro, é bom esclarecermos, de uma vez por todas, que o que o Sr. Ministro diz do que os advogados dizem não corresponde à verdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro diz uma coisa e os advogados dizem outra. O que os advogados dizem, Sr. Ministro - e isso está expresso no texto que V. Ex.ª distribuiu à Comissão de Equipamento Social -, é que a opção de não consagração de qualquer cláusula penal decorreu do Governo português, não foi opção dos advogados. Esta é a primeira questão.
A segunda questão é a seguinte: o facto de inexistir cláusula penal não significa, obviamente, que não assista ao Estado português o direito de reclamar uma indemnização - isso é óbvio e os advogados também o dizem. No entanto, o que os advogados não dizem, Sr. Ministro, é que esta solução seja melhor do que seria a solução avisada, ou seja a de celebrar um contrato com cláusulas penais e, cumulativamente, introduzir uma outra cláusula indemnizatória que ressarcisse o Estado português de qualquer dano que viesse a sofrer e que ultrapassasse o limiar quantitativo da própria cláusula penal. Isso é que os advogados não dizem mas que poderiam ter dito, porque corresponde ao que dispõe o n.º 2 do artigo 811.º do Código Civil.
Por último, Sr. Ministro, é estranhíssimo que, para além de não existir contrato, nem cláusulas penais, nem sequer se saiba, ainda hoje, qual é a lei aplicável.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Nem a jurisdição!

O Orador: - Ainda é uma questão a dirimir a de saber se a lei aplicável é a portuguesa ou a suiça. E, mais, também não se sabe qual é a jurisdição competente: se são os tribunais portugueses ou os suiços. Não se sabe, porque nada disso foi consignado no contrato, por manifesta imprudência, falta de diligência, inépcia e incúria do Sr. Ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para finalizar, coloco-lhe duas questões, Sr. Ministro.
A primeira questão é se, perante tudo isto, perante a evidência dos factos (que não se demonstra, mostra-se), o Sr. Ministro continua a considerar que teve uma conduta diligente e avisada ao não ter contratualizado a relação com a Swissair, consignando expressamente uma cláusula penal para a hipótese de incumprimento, definindo concretamente qual era a lei aplicável e a jurisdição competente.
A segunda questão é a seguinte: porque é que o Sr. Ministro Jorge Coelho, perante a disponibilidade de a Swissair entrar com 10% a 20% do valor que ofereceu, 31 milhões de contos, não aceitou a proposta e não recebeu os 3 a 6 milhões de contos que a Swissair disponibilizou para entregar ao Estado português?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, já tinha ouvido falar em aviões que são desviados, o que nunca tinha visto era uma companhia aérea ser completamente desviada, que foi o que aconteceu à TAP. O raptor, aliás legitimamente, do ponto de vista deles, foi a Swissair; o cúmplice, ou seja quem lhes forneceu o mapa de voo, foi o Governo de V. Ex.ª e a vítima, neste caso, não é o passageiro mas, sim, o contribuinte português.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A Swissair levou da TAP tudo o que queria, não pôs na TAP nada do que devia. A isto chama-se um mau negócio.
Quero recordar ao Sr. Ministro a história só dos últimos oito anos de uma companhia chamada TAP: em 1992, o Estado, ou seja, o contribuinte, pôs na TAP 35 milhões de contos a título de reestruturação financeira; em 1994, o Estado, ou seja, o contribuinte, pôs na TAP 180 milhões de contos a título de reestruturação financeira; já no vosso consulado, em vez de se cumprir o programa de reestruturação da empresa, não se cumpriu, e entraram na companhia mais 130 milhões de contos de avales, feitos pelo Estado, ou seja, dando a garantia em nome do contribuinte, como é evidente.
Sr. Ministro, pergunto, com toda a franqueza, o seguinte: diga-me em que país do mundo, em que empresa deste mundo é que se pode considerar um comportamento financeiro desta ordem uma boa gestão?! Diga a esta Câmara, que representa o povo português e o contribuinte, se considera que uma empresa, onde se «enterram» centenas de milhões de contos em menos de uma década, foi bem gerida, mediocremente gerida ou mal gerida. É que a assunção dessa posição é decisiva para podermos acreditar no que quer que seja para o dia de amanhã!
E se a única coisa que tem para nos prometer são mais avales, mais subsídios, mais dinheiro do contribuinte a

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financiar uma má gestão, não conte connosco nessa matéria!
Antes que diga que eu quero fechar a TAP, porque não quero, devo dizer, com toda a clareza, que a gestão da TAP, para nós, já devia ter sido privada há muito tempo, porque os privados combatem muito melhor o desperdício, não lhe obedecem a si, obedecem a uma orientação profissional, que é o que interessa, fazem boa gestão…
Mas quero dizer-lhe mais: somos defensores da internacionalização da TAP, porque sabemos que ela não pode sobreviver sozinha! Somos defensores da reestruturação da empresa, porque tem de se falar verdade às pessoas: ao mercado, aos trabalhadores, aos accionistas e também ao povo português!
Agora, Sr. Ministro, diga-me, de uma vez por todas: como é possível que tenha acontecido tanta má gestão, tanta má gestão, tanta má gestão numa companhia como a TAP?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social. Dispõe de 5 minutos.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em resposta a uma pergunta simples, dir-lhe-ei que, como tenho referido - nomeadamente, referi-o ontem, na Comissão -, e dado que neste momento o acordo ficou sem o SairGroup, que unilateralmente se retirou deste contrato, é evidente que as pessoas ligadas a este grupo vão sair da empresa o mais depressa possível, tendo em conta que, neste momento, no âmbito do Qualiflyer, é preciso, ainda, ajustar algumas coisas. Mas, vão sair, como é evidente. Não tem sentido algum continuarem na empresa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Incluindo o administrador-delegado!?

O Orador: - Já percebi que, afinal, a pergunta era essa…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Também era essa!

O Orador: - … e gostava de deixar claro, nesta Câmara, o seguinte: o administrador-delegado da empresa, o Engenheiro Fernando Pinto, do meu ponto de vista - vou afirmá-lo novamente -, é uma das melhores mais-valias que a empresa conseguiu ter nos últimos tempos.

Vozes do PSD: - A Swissair também acha!

O Orador: - Nesse sentido, posso dizer-lhes que a nomeação do Sr. Eng.º Fernando Pinto é da exclusiva responsabilidade do Governo e de mim próprio. Como é evidente, ele não tem nada a ver com essa matéria, pois ele não é delegado da Swissair na TAP. A Swissair tem delegados na TAP, em Portugal, que são outras pessoas que não o administrador que o Estado português nomeou.
Não vamos complicar as coisas. A TAP já tem problemas que cheguem, para não ser preciso estarmos a arranjar-lhe mais, além dos que ela já tem. E nem ajuda nada estar a arranjar-lhos.

Risos do PSD.

Os senhores não se riam, porque já vão ter pouca vontade de rir.

Vozes do PSD: - Ah! Agora somos nós!

Protestos do PSD.

O Orador: - Para vocês, se eu não dissesse nada era melhor...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, não entrem em diálogo!

O Orador: - Mas, com certeza, o Dr. Durão Barroso ainda vai dizer qualquer coisa sobre isso.
Ainda vamos ter oportunidade de discutir aqui essa questão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, queira continuar, por favor.

O Orador: - Em relação à questão que o Sr. Deputado Jorge Neto colocou, gostaria, em primeiro lugar, de dizer que, como imaginam, o Governo procura rodear-se de técnicos (neste caso, advogados) qualificados e de pessoas com preparação para este tipo de acordos, que, necessariamente, levem o Governo a ter confiança naquilo que é feito. E, do conjunto de advogados que têm trabalhado com o Governo e com a TAP nesta matéria, gostaria de destacar dois: o Dr. José Miguel Júdice, que penso que conhecem,…

Vozes do PSD: - Conhecemos muito bem!

Risos do PS.

O Orador: - … e o Dr. José Luís Cruz Vilaça, que penso que também conhecem.

Risos do PS.

Em minha opinião, trata-se de duas pessoas insuspeitas, do ponto de vista técnico e do ponto de vista daquilo que podem garantir em termos de segurança para quem os contrata, para poderem defender o que é importante defender.
Ora, esses causídicos, dizem o seguinte: «Sem prejuízo...»…

Vozes do PSD: - Temos a cópia!

O Orador: - Os Srs. Deputados têm a cópia, porque eu a distribuí, como é evidente!

Risos do PS e do PSD.

Não vão insinuar que foram os advogados que a deram. Fui eu que a distribui!
Dizem, pois, esses causídicos: «Sem prejuízo de que as cláusulas penais possam constituir-se como um mecanismo de dissuasão do incumprimento, não é menos certo, por um lado, que as mesmas podem ser reduzidas nos respectivos montantes pelos tribunais, podendo estes,

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também, inversamente, desconsiderá-las, na medida em que estimem que, por via das mesmas, o credor renuncia antecipadamente aos seus direitos, nomeadamente ao direito à indemnização por danos causados pela mora ou pelo incumprimento, (...)»...

Vozes do PSD: - Isso é escola de Coimbra!

O Orador: - Dizerem mal do Dr. José Luís Cruz Vilaça não lhes fica bem…

Risos do PS.

Protestos do PSD.

… «(…) mas, e sobretudo, a não consagração de qualquer cláusula penal, de modo algum limita a reclamação de uma indemnização por responsabilidade contratual, incluindo danos emergentes e lucros cessantes, a efectuar nos termos gerais do Direito. Poder-se-á mesmo dizer (…) - agora ouçam! - (…) que, num certo sentido, da ausência de cláusula penal resulta a faculdade, para o credor lesado, no caso, para o Estado português, de reclamar, plena e irrestritamente, a indemnização que lhe seja devida em razão dos danos cuja verificação fará prova em juízo». É o Dr. José Luís Cruz Vilaça quem diz isto, não sou eu. Se os meus caros amigos o contestam, é um problema vosso, não é meu.
Relativamente à questão do contrato, também está dito, noutro parecer - esse, não o distribuí, mas posso distribui-lo -,…

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - E a jurisdição?

O Orador: - … que os documentos que estão assinados por ambas as partes nesta matéria são, do ponto de vista legal, exactamente idênticos a contratos que estejam assinados por ambas as partes.

Protestos do PSD.

Os meus caros amigos, nesta matéria, têm azar, porque as pessoas que estão a fazer isto são pessoas competentes, são pessoas que dão segurança e são pessoas…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, terminou o seu tempo. Tem mesmo de concluir.
Lamento, mas tenho de ser muito rigoroso no uso dos tempos. O Sr. Ministro tem mais pedidos de esclarecimentos para responder.

O Orador: - Então, Sr. Presidente, acabarei de responder quando voltar a usar da palavra.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sobre que matéria da ordem de trabalhos, Sr. Deputado?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, é apenas para registar que o Sr. Ministro não respondeu à pergunta que a nossa bancada lhe fez.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, não se trata de uma interpelação.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Eu respondo a seguir, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos para formular o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, julgo que o Sr. Ministro vai ter tempo de completar a resposta à anterior questão, até porque não vou fazer-lhe grandes perguntas. Vou tecer algumas considerações para responder ao Sr. Deputado Paulo Portas, que não deixará de ver satisfeito o seu desejo de resposta... Aliás, começava por dar-lhe uma pequena resposta: o Sr. Deputado falou em 180 milhões de contos que existem e falou em 180 milhões de contos que não existem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ah!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado Paulo Portas, primeiro prepare-se, primeiro estude a lição, e depois venha para aqui fazer intervenção política.
Mas devo dizer, Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados, que há aqui um erro de casting manifesto!

Protestos do PSD.

Na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e em várias declarações que ouvimos quando falamos uns com os outros, os Srs. Deputados dos partidos da oposição manifestavam uma preocupação: a preocupação de contribuírem para resolver os problemas graves que existem na TAP, que, aliás, não são de agora e que, infelizmente, não podem ser resolvidos no imediato. Sucede que, decorrido quase metade do debate e conhecidas algumas proclamações, feitas através da comunicação social, o que parece que está aqui em causa é o julgamento do Governo, nomeadamente do Sr. Ministro!

Protestos do PSD, do PCP e do CDS-PP.

Ó Srs. Deputados, acalmem-se que eu já lá vou…

Protestos do PSD, do PCP e do CDS-PP.

Ora bem, o julgamento político do comportamento do Governo, nesta matéria, foi feito na Comissão de Inquérito,…

Vozes do PCP: - Oh!

O Orador: - … que já tem relatório!

Vozes do PSD: - É aqui!

O Orador: - Não está transitado em julgado, porque ainda não foi agendado e aprovado, mas é óbvio que já existe um relatório, aprovado por maioria, que, entre outras coisas muito acertadas,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Foi aprovado com os votos do PS!

O Orador: - Não foi com os votos do PS! Sr. Deputado, não diga coisas dessas, porque o senhor sabe que não é assim!

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O relatório, entre outras conclusões, diz o seguinte: «Face aos depoimentos apresentados nesta Comissão de Inquérito, a opção pelo Grupo Qualiflyer, no processo de parceria e privatização, é aquela que estrategicamente melhor defende os interesses da TAP».
Quer dizer, os senhores exigem um inquérito, o inquérito conclui que o Governo procede adequada e correctamente e os senhores, depois, vêm para aqui fazer este tipo de chicana política a inverter a situação!

Protestos do PSD.

De resto, é espantoso que, quanto à TAP, um candidato a Primeiro-Ministro deste País, tendo visitado a TAP, tendo reunido com a administração da TAP, só tenha uma proclamação a fazer ao País: «Demita-se, Sr. Ministro Jorge Coelho.»!
Quais são as soluções do PSD?
Quais são as soluções para a TAP do Deputado Durão Barroso, que quer ser, no futuro, o Primeiro-Ministro de Portugal?

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Qual é a responsabilidade que o Sr. Deputado está disposto a assumir, em nome do seu partido, relativamente à situação que se vive na TAP?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, não é possível que falem todos ao mesmo tempo!

O Orador: - Sr. Ministro, peço-lhe, em nome da minha bancada, que se volte para o futuro e que dê sinais de esperança aos trabalhadores da TAP e, de uma maneira geral, às pessoas que querem a TAP…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Passaram 3 minutos, Sr. Deputado. Acabou o seu tempo.

O Orador: - Então, terminei, Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Boa pergunta!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, nunca o tinha visto vir aqui ler um papel!

Risos do CDS-PP e do PSD.

O Orador: - O Sr. Ministro vem, com uma voz sumidinha,…

Risos do CDS-PP e do PSD.

... com uma voz embargada… É quase caso para dizer que o Sr. Ministro traz um «cravinho» espetado na garganta.

Aplausos do CDS-PP.

Risos do PSD.

Digo-lhe isto porque o Sr. Ministro disse ontem, em Comissão, com aquele ar sofrido que lhe conhecemos: «Eu estou disposto a assumir todas as responsabilidades nesta matéria de todo o período em que o Governo socialista esteve a governar».
Pois, então, Sr. Ministro, vamos às responsabilidades. Diz o Sr. Ministro que o advogado Dr. Cruz Vilaça escreveu um parecer que pode citar em defesa do Governo. Pois eu vou ler-lhe o que diz o Dr. Cruz Vilaça sobre a cláusula penal: «Tendo o SAirGroup reclamado por que a consagração de uma cláusula penal se fizesse em termos bilaterais, o Governo português entendeu que o Estado português não deveria subordinar-se a cláusulas penais, tendo tal possibilidade sido excluída por comum acordo». Ou seja, não houve cláusula penal, porque o Governo não quis sujeitar o Estado a um contrato bilateral.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Responsabilidade do Governo?! Obviamente!. A pergunta é a seguinte, Sr. Ministro: parece-lhe bem?
A segunda pergunta, quanto às responsabilidades, refere-se ao não aproveitamento do PESEF para fazer a reestruturação da empresa. Porque é isso, Srs. Deputados, que está na base da dificuldade negocial pela parte portuguesa.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

A empresa não é rentável, há muito tempo que tem dificuldade em pagar salários, não reestruturou o seu quadro de pessoal nem os seus recursos humanos. Chegou a dizer-se, há um ano e pouco, que tinha de fechar rapidamente um acordo com outra transportadora porque precisava da primeira tranche para pagar os salários em Março.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Onde é que está?

O Orador: - Esta é que é a dificuldade!
Sr. Ministro, parece-lhe bem o não aproveitamento do PESEF e de todo este investimento brutal de centenas de milhões de contos, de que falou o Sr. Deputado Paulo Portas, para fazer esta reestruturação?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se ao Sr. Ministro não parece bem - como penso que não deve parecer - então há que dizer-lhe o seguinte: não basta vir fazer um exame de consciência e, até, um acto de contrição, que, em todo o caso, era devido; é preciso algo mais, para que possamos acreditar que desta vez é que é. Porque não estamos disponíveis para mais nenhum esforço financeiro para salvar a TAP se não existirem provas definitivas de que desta vez é que é!

Aplausos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

O Sr. Ministro diz que não se pode apenas criticar, que é preciso arranjar alternativas. Sr. Ministro, então, a oposição tem de dizer-lhe que não se pode deixar «ir a casa abaixo» e, depois, dizer «agora, reconstruam-na!». Porque,

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se o Sr. Ministro disse isso, então dizemos nós: «saiam da frente, porque por pior que esteja a empresa nós vamos mesmo reconstruí-la!».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado Paulo Portas, a quem peço desculpa por, há pouco, não ter tido tempo para dar resposta.
Gostava de dizer-lhe o seguinte: efectivamente, os problemas que existem na TAP são problemas sérios e penso que a forma como temos de os abordar também tem de ser feita de forma séria, pelo que, independentemente de termos de analisar os erros cometidos…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ah! Há erros!

O Orador: - Estou de acordo! É evidente que há erros cometidos!
E, independentemente disso e de analisarmos o passado, o que os portugueses querem, em minha opinião, e mais do que fazer essa análise, é que todos nós, a começar pelo Governo - e tenho tentado fazê-lo -, possamos dar-lhes indicações sobre a reestrutração da empresa, que possam levar a que uma empresa em que os portugueses têm orgulho, que é a TAP, continue a existir, mas numa lógica de competitividade, tornando-a numa empresa rentável, naquilo que uma empresa tem de ser, se não não será uma empresa. Quanto a esta opinião, estamos de acordo!
A este propósito, gostava de referir um facto de que já muitas pessoas se esqueceram, nomeadamente alguns Srs. Deputados da bancada do PSD, que é o seguinte: em 1993, capital próprio negativo de mais de 50 milhões de contos; em 1994, capital próprio negativo de mais de 40 milhões de contos... Ou seja,…

Protestos do PSD.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E 1996?!

O Orador: - Os senhores tenham calma! Tenham paciência! Já que o Sr. Deputado Durão Barroso não conseguiu demitir-me, têm que me ouvir! Têm de ter paciência!

Risos do PS.

Mas ele ainda vai falar sobre isso, com certeza, durante esta tarde!
Relativamente a esta matéria, o que quero dizer é que a TAP, nos últimos 20 anos, tem tido crises permanentes!
E têm havido administrações da TAP de todas as cores e feitios…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Todas?!

O Orador: - Todas, sim, Sr. Deputado! Já houve um presidente da TAP do CDS, o Dr. João Lencastre! Os senhores, quando não lhes agrada, põem-nos de fora!

Protestos do CDS-PP.

Portanto, nessa matéria, como é evidente, o PSD, que esteve 10 anos no poder, deixou a TAP numa situação muito complicada…

Protestos do PSD.

Não gostam de ouvir, mas é verdade! Têm de ter paciência!
E, como tal, como é evidente, se o Sr. Presidente do CDS-PP, Paulo Portas, me pergunta se houve boa gestão, o que me parece é que houve, com certeza, um esforço das pessoas que estiveram na TAP para fazerem o melhor. Mas que as coisas não correram bem, não correram, porque os factos estão à vista e os resultados da empresa, durante muitos anos, não foram bons.
Relativamente a essa matéria, entendo que a questão que se coloca, neste momento, é a de saber se temos ou não capacidade…

Vozes do PSD: - Não!

O Orador: - … para resolver o problema - o Governo e aqueles que, por exemplo, defendem que deve haver uma política nacional de defesa da empresa - ou se o dizemos apenas em palavras e, depois, em todas as oportunidades, em vez de se darem soluções, em vez de se darem ideias para o futuro, a única coisa que preocupa as pessoas é a «pancada» política, é a política de «bota-abaixo».

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É a garantia de que amanhã não é igual!

O Orador: - Não estou a falar com o Sr. Deputado Paulo Portas!
Mas, ainda em relação a esta matéria, aproveito para realçar que, das reuniões que temos tido, no âmbito da Comissão, e dos debates públicos que tiveram lugar me ficou uma certeza: a disponibilidade de todos os partidos com quem tenho participado em debates e a exsitência de um grande consenso, quando se chega às soluções, às poucas que apresentam. E, quanto a essas, tenho estado sempre de acordo, pelo que me parece estarmos no bom caminho para resolver a questão.
É esse o futuro, Sr. Deputado Manuel dos Santos, para o qual estamos a trabalhar, para o qual queremos trabalhar e estou convencido de que vamos conseguir atingir esses objectivos.
Sr. Deputado Manuel Queiró, relativamente à questão da cláusula penal, como é evidente o próprio parecer que o senhor tem explica isso com rigor.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Do Eng.º Cravinho!

O Orador: - O Sr. Eng.º Cravinho está muito bem sentado na bancada do PS e estou completamente solidário com os actos que praticou nesta matéria…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E com os erros!

O Orador: - … e em todas as matérias do Ministério do Equipamento Social. Como é evidente, quando tomamos decisões, não podemos ser acusados por tomar essas decisões, porque, às vezes, as coisas correm melhor e, outras vezes, correm pior. O que deve fazer um membro do Governo é tomar as decisões com a consciência de que,

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naquele momento, está a fazer o melhor e é isso que, determinantemente, faz parte do meu papel.
Sobre a questão da reestruturação da empresa e do PESEF gostaria de lhe dizer que, como é sabido, se há crítica que possam fazer quanto à aplicação do PESEF é a da sua não concretização na área dos recursos humanos. Estou de acordo que não foi completamente aplicado na área dos recursos humanos e, por isso, estamos agora a fazê-lo, tendo como um dos grandes objectivos para este ano a redução de cerca de 1000 efectivos, de modo a que a empresa possa diminuir os seus custos e seja mais rentável e competitiva neste mercado difícil que é o da aviação.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Então, e a resposta ao Deputado Manuel dos Santos?!

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Já respondi!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O Sr. Ministro é solidário com o Eng.º Cravinho mas vai dizendo mal dele!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos 15 dias temos ouvido o Governo formular um conjunto de frases feitas, votos piedosos e boas intenções acerca da TAP: que a TAP terá um grande futuro; que o Governo está a fazer tudo ao seu alcance para garantir o futuro da TAP; que o Governo tem uma confiança inabalável no futuro da TAP; que desta vez é que vai ser; que a oposição só sabe dizer mal; que o Governo assume todas as suas responsabilidades.
Sucede que tudo o que temos ouvido do Governo desde o início desta crise é o mesmo que o Governo já dizia, com igual desfaçatez e a mesma ênfase, há um ano atrás, quando veio à Assembleia da República justificar a aliança com a Swissair. O resultado está à vista! E, há um ano atrás, o Governo dizia ainda mais, dizia que a aliança com a Swissair era fundamental para garantir os salários do mês de Março de 2000 aos trabalhadores da TAP. Afinal, o tempo veio demonstrar que isso não era verdade, já que até hoje a Swissair não entrou com um único tostão para a TAP e não há, felizmente, salários em atraso na empresa.
Dizia ainda o Governo, concretamente o Sr. Ministro Jorge Coelho, que «a aliança com a Swissair era a única solução que permitiria criar condições para que a empresa pudesse ser competitiva». Afinal, rompida a aliança, o Governo vem dizer, com toda a naturalidade e igual desfaçatez, que são várias as alternativas possíveis.
Depois de tudo o que disse e desdisse, depois das promessas que fez e não cumpriu, depois das flagrantes contradições em que caiu e depois do manifesto fracasso da estratégia que montou, o Governo apresenta-se hoje com pouquíssima autoridade para resolver este assunto. Diga o Ministro Jorge Coelho o que disser, enquanto não desfizer a teia de contradições em que se enleou, com os terríveis resultados que se conhecem, é evidente que ninguém o vai levar a sério.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que «à primeira todos caiem e à segunda só cai quem quer»!
A realidade veio a demonstrar que o Governo conduziu este processo da pior maneira possível. Começou mal, errando na estratégia que definiu para estabelecer a aliança. E não foi por falta de aviso, Sr. Ministro! Toda a oposição discordou e chamou a atenção do Governo para o erro que estava a cometer. Mas o Governo, do alto da sua arrogância, preferiu ignorar os alertas e, às críticas, responder com ameaças e chantagens. Persistiu, depois, no erro com a execução da estratégia que definiu. Foram concedidas à Swissair todas as facilidades, como se de um verdadeiro accionista se tratasse, sem, contudo, acautelar contrapartidas ou garantias adequadas: foi o sistema de reservas; foram os balcões; foram as rotas suprimidas; foi a intervenção da Swissair na designação da administração da TAP, nomeadamente na designação do novo administrador delegado. Ou seja: a Swissair participou na gestão, colheu vantagens, definiu estratégias, retirou benefícios, tudo isto sem que tivesse entrado com um único tostão para a TAP. Um verdadeiro «negócio da China»!
Como foi possível tanta ligeireza, tanta leviandade ou tanta ingenuidade?
Em terceiro lugar, o Governo errou também na estratégia de saída. O Governo ignorou ou não prestou a atenção devida aos sinais que se iam sucedendo de que a Swissair poderia não levar o negócio até final; foi insensível aos sucessivos alertas de muitos funcionários da empresa que participavam em reuniões no estrangeiro e se iam apercebendo de que a ruptura poderia estar iminente; nem prestou a devida importância à falta de empenho da Swissair no processo da indispensável notificação das autoridades em Bruxelas. Foi demasiada desatenção!
Comportando-se desta forma negligente, o Governo deixou que o negócio fosse longe demais, até que a TAP fosse abandonada na praça pública desta forma ostensiva, acintosa, indigna para uma companhia aérea cuja imagem está tão associada à própria imagem de Portugal.
Que fique bem claro que temos para nós que nem a TAP nem o Governo estão coniventes com a mudança de estratégia decidida pela Swissair, mas tem o Governo toda a responsabilidade de não ter acautelado a possibilidade de tal mudança de estratégia vir a acontecer. Por excesso de confiança ou por ligeireza - em qualquer caso, por incompetência -, o Governo não defendeu os interesses da TAP e permitiu que os suíços a abandonassem à sua sorte, depois de terem aproveitado tudo o que podiam.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São prejuízos enormes para a TAP, que, em muitos aspectos, vai ter de começar do zero. Foram quatro anos perdidos, Sr. Ministro! Foram danos dificilmente reparáveis na imagem internacional da TAP! Foi a desvalorização da empresa!
Como se sente o Governo e, em particular, o Ministro do Equipamento Social, apresentando hoje ao País uma TAP que vale muito menos do que valia quando os senhores foram para o Governo?
A TAP está hoje muito desvalorizada. E quem assume a responsabilidade? O Ministro Jorge Coelho costuma dizer que assume todas as responsabilidades. São palavras que

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lhe ficam bem, Sr. Ministro, mas, e os actos? Que consequências tira dessas afirmações, Sr. Ministro? É só da boca para fora? Que iniciativa vai tomar? O que vai fazer, em concreto, para mostrar que assume as suas responsabilidades? Vai demitir alguém? Vai apresentar a sua própria demissão? Que garantias temos nós de que as pessoas que conduziram este processo de forma tão desastrada não vão, no futuro, cometer erros semelhantes?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro Jorge Coelho, que veio a esta Assembleia defender, contra todos, que a aliança com a Swissair era a única solução, sente-se em condições de cá voltar daqui a alguns meses para defender uma outra aliança?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Já cá não está!

O Orador: - Só poderá fazê-lo, se não tiver um mínimo de noção do que seja a responsabilidade política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E nem falo aqui da intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, porque, como é seu hábito, desaparece, ninguém dá por ele, esconde-se atrás dos Srs. Ministros sempre que há qualquer problema ou dificuldade. Mas nós não esquecemos que é ele o Chefe do Governo e que é ele, portanto, o máximo responsável por todos estes erros.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, não vai ser possível apagar este autêntico desastre. O dossier TAP ficará na História como um verdadeiro exemplo da incapacidade dos governos socialistas. A este Governo não faltam Ministros com dotes excelentes e méritos reconhecidos para a pequena política, falta é quem mostre capacidade para enfrentar grandes dossiers e resolver os verdadeiros problemas do País.
Mas pensemos no futuro.
Como partido responsável que é, o PSD não perde de vista o futuro da TAP, que é, aliás, o que mais interessa. E não venha o Sr. Ministro dizer, como lhe temos ouvido, que a oposição não é capaz de apresentar uma solução para a TAP. Entendamo-nos, Sr. Ministro: a oposição não tem funções executivas! O que a oposição fez foi prevenir o Governo do erro que ia ser cometido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Dissemos, na altura própria, como deveria o Governo agir, o Governo fez tudo ao contrário do que propusemos e agora vem pedir à oposição que resolva o problema que ele próprio criou. É muito descaramento da sua parte, Sr. Ministro!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A oposição não tem instrumentos para gerir a TAP, não nomeia a administração, nem negoceia com os eventuais parceiros estratégicos. Mas o PSD tem orientações precisas e muito claras que devem nortear, do nosso ponto de vista, a gestão da TAP.
Consideramos que a TAP é um valor estratégico do País, que ultrapassa o mero valor comercial. Como tal, apostamos no seu futuro.
Consideramos que a complexidade e a globalização do mercado da aviação exigem um quadro de alianças estratégicas que potencie o valor da TAP e a torne mais competitiva e sustentável do ponto de vista económico. A TAP não pode, por isso, ficar de fora do quadro das alianças que se desenham por todo o mundo.
Consideramos também que é missão indeclinável do Governo de Portugal favorecer a complementaridade e a cooperação de todas as empresas nacionais de transporte aéreo, designadamente da TAP, da Portugália e da SATA. Seria desastrosa qualquer passividade do Governo nesta matéria.
Consideramos ainda que, após este grave incidente que afectou gravemente a imagem e o prestígio da TAP, não pode o Governo precipitar-se à procura de uma solução de remendo ou de remedeio do que agora correu mal.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Queira concluir, Sr. Deputado, porque terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Mas tem de terminar mesmo, Sr. Deputado.

O Orador: - A TAP tem que retomar a iniciativa, levantar a cabeça e procurar uma parceria reciprocamente vantajosa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, tem de me permitir…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Não posso, Sr. Deputado. É uma deliberação da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e tenho de ser rigoroso. Apliquei o mesmo critério em relação a todos os outros Srs. Deputados e, inclusivamente, ao Sr. Ministro.
Concluiu a sua intervenção, Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A TAP informou ontem que deixava de voar para Joanesburgo, onde, aliás, existem importantes comunidades portuguesas.
O Sr. Ministro Jorge Coelho, na Comissão de Equipamento Social, justificou o encerramento com os prejuízos da linha. Só que, não é verdade. A linha Lisboa-Maputo-Joanesburgo obteve, em 1999 (últimos dados apurados), um lucro de exploração correspondente a uma rentabilidade líquida de 19,2% e a taxa de ocupação é de 82,5%. A linha só dará eventualmente prejuízo quando o voo é directo. Mas não é só a linha directa que é

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encerrada, são todas, incluindo a linha via Maputo. E sabe porquê, Sr. Ministro? Este exemplo de mais uma decisão desastrosa para a TAP tem duas explicações, qual delas a mais grave.
A primeira é a de que o fecho da linha se insere nas decisões da Swissair, que impôs o fecho da rota à TAP para valorizar e viabilizar a sua própria parceria com a companhia sul-africana de aviação, a South African Airways, sabendo-se, como se sabe, que as rotas de África são as mais rentáveis para a Transportadora Aérea Portuguesa. Deixou de voar a TAP, mantém-se a voar a Swissair; isto é, apesar da ruptura com o SAirGroup, a Swissair continua a comandar as decisões estratégicas da TAP, por via dos administradores e altos quadros que colocou na empresa e que continuam a gerir a TAP e a articular com a companhia suíça as decisões que tomam.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - Isto é inaceitável e exigimos, desde já, como já fizemos, Sr. Ministro, que sejam tomadas medidas imediatas para acabar com esta promiscuidade.

Aplausos do PCP.

A segunda explicação é a de que, retirando-se a TAP da rota para Joanesburgo, ela poderá vir a ser ocupada pela YesAir, uma companhia charter criada entre a TAP e a Agência Abreu, mas de que a TAP pode, inclusivamente, vir a retirar-se, a favor de outros accionistas privados.
Apesar de todas as profissões de fé do Sr. Ministro Jorge Coelho, continuam a manter-se decisões de gestão que nada têm a ver com a defesa da TAP e dos interesses nacionais.
Apesar de, arrogantemente, o SAirGroup ter rompido o acordo com o Estado português, a Swissair continua a decidir dos destinos da TAP.
Quando tanto se fala da necessidade de aumentar a produtividade da frota, a TAP continua a abandonar rotas e mercados dos mais rentáveis. Abandonou as redes de vendas próprias da Bélgica, da Suíça e da Escandinávia, quando se sabe que o mercado europeu representa cerca de metade das receitas da TAP. Largou o controlo central do sistema de reservas e o programa «Passageiro frequente», que foi, aliás, a primeira decisão tomada, sem haver ainda, na altura, no Inverno de 1998, qualquer garantia, mas mesmo nenhuma, de que a parceria fosse para a frente, quando deveria ter sido a última decisão a ser tomada, na medida em que condicionou todas as opções posteriores.
Tudo a favor da Swissair, sem que esta tivesse investido um tostão que fosse na TAP, a não ser, provavelmente, para pagar uma parte dos vencimentos dos seus homens na TAP.
Acordou uma repartição ruinosa de receitas com a Swissair, em que esta fica com a parte de leão, mesmo que seja a TAP a percorrer a maior parte da rota. E, como o Sr. Ministro Jorge Coelho confirmou ontem - ao contrário do que tinha afirmado anteriormente -, a repartição de receitas é um dos pontos que nunca foram resolvidos no contencioso com o SAirGroup. E tudo isto sem que exista, nos acordos com o SAirGroup, qualquer cláusula penal específica - é certo que por estratégia dos advogados, mas por opção própria assumida pelo Governo -, o que vai, seguramente, tornar mais difícil dirimir em tribunal as indemnizações a que a TAP tenha direito.
Mas poderíamos falar de muitas outras decisões irresponsáveis, como, por exemplo, da abertura da ruinosa linha para Macau, para a qual foram expressamente adquiridos dois aviões de longo curso, dois Airbus A340, sendo certo que esta linha fechou passado pouco tempo e a TAP ficou com os aviões nos braços, ou do fecho da linha de Boston e a perda de Ponta Delgada; ou da criação de empresas privadas por altos funcionários da TAP com meios e recursos da empresa. Quantos milhões de contos representa tudo isto, Sr. Ministro? Que consequências políticas retiram, no concreto, os responsáveis por esta série de decisões, desde logo o seu antecessor e V. Ex.ª? Qual a responsabilidade das administrações?
Estes, Sr. Ministro, é que são os grandes problemas que a TAP enfrenta. Os problemas não estão no alegado excesso de trabalhadores, como está agora na moda afirmar-se. Os problemas residem em opções políticas erradas, incompetentes e irresponsáveis, em decisões completamente ruinosas e muito pouco transparentes da administração, numa muito deficiente estrutura interna da empresa. Para tudo isto, chamámos a atenção do Governo, como os trabalhadores também fizeram, durante dois anos. Sem sucesso! Os resultados estão à vista e, em relação a isto, não podem agora, o Governo e as administrações, querer penalizar quem não tem responsabilidades algumas, que são os trabalhadores da empresa, que, aliás, tudo têm procurado fazer para a viabilizar, aceitando, inclusivamente, sacrifícios em relação aos seus próprios direitos e remunerações.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Quanto ao futuro, impõe-se uma palavra, Sr. Ministro: bom senso e vontade política de viabilizar a TAP e não de servir interesses estranhos.
Da nossa parte são seis as propostas que apresentamos, algumas das quais o Sr. Ministro já anunciou ontem e hoje e, portanto, estaremos de acordo com elas, mas, infelizmente, anunciou-as com dois anos de atraso. Porém, nós vamos repetir aquilo que temos vindo a dizer.
Primeiro, criar-se, desde já, as condições financeiras que garantam os salários dos trabalhadores e os investimentos necessários à estabilidade da TAP nos próximos tempos.
Segundo, assegurar a estabilidade necessária para que, sem precipitações, se reflicta sobre os erros cometidos e se procure, com serenidade, novos acordos e parcerias que sirvam a TAP e não se sirvam da TAP.
Terceiro, abandonar a ideia de privatizar a TAP ou segmentá-la em três empresas juridicamente autónomas, onde se perderiam as sinergias decorrentes das várias áreas de negócios. Mas, mesmo que o Governo insista no caminho, de que discordamos frontalmente, de privatizar uma parte do capital da TAP, então, que, ao assumir essa responsabilidade, o Estado mantenha o controlo da empresa e assegure que esta salvaguarde a sua autonomia estratégica, em nome dos interesses e da imagem externa do País e do serviço público que presta.
Quarto, recuperar rotas e mercados rentáveis que abandonou, reabrir balcões que fechou, retomar o sistema de reservas e de «Passageiro frequente».
Quinto, avançar para uma política integrada de transporte aéreo em Portugal, o que implica intervir no

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sentido de impedir, o que seria um novo escândalo a somar aos anteriores, que a Swissair se mantenha a voar nas rotas da TAP, através de eventual recuperação do acordo com a Portugália.
Sexto, valorizar o mais precioso capital da TAP: os seus recursos humanos, os seus trabalhadores, no quadro da urgente reorganização interna da empresa.
Reclamamos, finalmente, que o Governo mantenha periodicamente informada a Assembleia da República e os trabalhadores das medidas que tome e da evolução da situação da TAP.
Por este caminho, Sr. Ministro, conte com o PCP. Mas não pode contar connosco para um caminho que vise liquidar ou entregar a TAP à voragem de interesses espúrios, prejudicar os seus trabalhadores, prejudicar o País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Queiró e José Epifânio e o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, começo pela primeira questão que colocou, que é a do encerramento da linha Funchal-Joanesburgo. Relativamente a esta rota, segundo soubemos ontem, em sede de Comissão, está em vias de lhe suceder isso mesmo que acabou de referir. E soubemo-lo por uma comunicação escrita que foi remetida ao CDS-PP pela estrutura do nosso partido na Madeira, em forma de ofício do seu Presidente José Manuel Rodrigues, ofício, esse, que, aliás, passou, desde ontem, a estar na mão do Sr. Ministro do Equipamento Social.
Aqui, no Plenário, naturalmente, só podemos reforçar as palavras do Sr. Deputado Lino de Carvalho, que está preocupado com mais este sinal da entrega de activos importantes da empresa ao Grupo Qualiflyer, porque, quanto a nós, é disso que se trata. E este caso, para nós, é tanto mais grave, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quanto ocorre depois da ruptura negocial entre o SAirGroup e a TAP. De facto, isso levou o Sr. Deputado a chegar a conclusões que nós perfilhamos, pelo que aproveito a ocasião para lhe transmitir isso mesmo.
É necessário que haja mudanças com urgência na gestão da TAP, para que, depois da ruptura, o SAirGroup não continue a tirar vantagens do desmantelamento, neste caso, de uma carreira rentável. Como tal, a parte portuguesa está a perder por duas vias, ou seja, está a perder recursos para a viabilização da nossa transportadora e estão a perder os utentes portugueses que estão habituados a usar a transportadora para uma das suas rotas preferidas.
Quero ainda aproveitar para fazer uma pergunta ao Sr. Deputado e, portanto, ao PCP, relativa à posição de fundo do PCP sobre a melhor forma de viabilizar a TAP. Está o PCP disposto a aceitar que a viabilização da nossa transportadora aérea passe pela sua rentabilização, ou seja, pela sua exploração rentável? Refiro-me, neste caso, a uma exploração própria de uma gestão profissional e de uma empresa privada. A ser assim, estamos perante a evolução da posição de um agente político importante para que caminhemos para um consenso nacional e, nesse caso, há condições para que o CDS-PP aceite apoiar mais um esforço financeiro da parte portuguesa para viabilizar a TAP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, nós já vínhamos acompanhando este problema das ligações a Joanesburgo. Ontem, o Sr. Deputado Manuel Queiró teve oportunidade de colocar-me esta questão, dando-me mesmo o documento enviado pelo Partido Popular que ele já referiu.
Devo, no entanto, salientar que, numa reunião que tive na segunda-feira, disse-me o Presidente da Comissão de Trabalhadores da TAP - que, por acaso, está presente à Sessão - que a pior coisa que há numa empresa com características destas é o boato. Como tal, tenho todo o gosto em dizer-lhe, Sr. Deputado Lino de Carvalho, que esta manhã, em orientação dada ao Administrador Executivo da TAP, foi cancelada esta operação que lhe permitiu fazer aqui toda esta questão,…

Protestos do PCP.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Então, valeu a pena!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Se cancelou, não era um boato, Sr. Ministro!

O Sr. Rui Rio (PSD): - O Sr. Ministro mandou cancelar o boato?!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, peço-vos que criem condições para que o Sr. Ministro possa prosseguir.

O Orador: - Parece que os Srs. Deputados ficariam mais satisfeitos se, na realidade, esta rota tivesse mesmo sido cancelada! Mas não foi, Srs. Deputados! Não foi e, para além disso, foi dada uma orientação no sentido de que, enquanto não for estabilizada uma nova política de alianças, deve ser mantida a prudência, devemos ter tempo para reflectir - princípios com os quais parece que estamos de acordo - e não serão alteradas estas rotas. Precisamos, portanto, de tranquilidade nesta matéria e penso que todos os Srs. Deputados ficaram mais satisfeitos e com uma tarde mais feliz!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Não tenha dúvidas! O Parlamento já serviu para alguma coisa!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Epifânio.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, uma das minhas perguntas ficou prejudicada pela intervenção do Sr. Ministro, mas gostava de perguntar-lhe se, de facto, a sua defesa de que a TAP não deve enveredar por uma política de redução dos efectivos é assim tão intransigente. Faço esta pergunta porque, na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à gestão da TAP, V. Ex.ª votou favoravelmente o projecto de relatório elaborado pelo relator do PSD, do qual

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constava uma disposição expressa em sentido contrário. Gostava, portanto, de saber se, em relação à redução de efectivos, V. Ex.ª defende aquela disposição que votou favoravelmente na já referida Comissão de Inquérito ou se já defende outra coisa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começo já por «arrumar» esta questão colocada pelo Sr. Deputado José Manuel Epifânio, recomendando-lhe que leia a nossa declaração de voto. Como sabe, havia dois projectos de relatório, o vosso, que foi viabilizado pelo Presidente da Comissão, o Sr. Deputado Álvaro Barreto, e o do PSD, e nós votámos contra o vosso e viabilizámos o do PSD, que aceitou algumas das nossas propostas de alteração, mas dissemos na nossa declaração de voto que o viabilizávamos porque, apesar de tudo, era aquele que mais se aproximava da verdade que foi traduzida na Comissão de Inquérito, embora discordássemos de vários pontos, um dos quais, e consta da declaração de voto, era aquele em que o Deputado do PSD defendia a redução dos trabalhadores. Portanto, Sr. Deputado, leia melhor as coisas antes de vir para aqui falar do que não sabe, apesar de dever saber!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Mas votou a favor!

O Orador: - Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Manuel Queiró, tenho de dizer que, obviamente, estamos de acordo com a rentabilização da empresa e com uma gestão profissional. Todavia, discordamos do CDS-PP quando este diz que para haver uma gestão profissional tem de haver, necessariamente, privatização. Como se prova através de muitas empresas públicas, há bons gestores profissionais e muitas empresas rentáveis. Para além disto, esta é uma empresa que, prestando um serviço público ao País, não pode ser dispensada e entregue aos interesses do máximo lucro, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Tem-se visto o resultado dessa opção!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - E a Portugália?! Não é privada?!

O Orador: - Sr. Deputado, nem tudo o que é privado é bom!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Neste caso, é!

O Orador: - Sr. Ministro Jorge Coelho, no que disse, só utilizou uma palavra errada: «boato»! Isto porque o Sr. Ministro sabe que não se tratava de um boato, já que ontem, quando foi interpelado na Comissão de Equipamento Social, disse que a linha ia fechar porque dava prejuízo.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Não! Não!

O Orador: - Tenha calma, Sr. Ministro!

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Estou calmo!

O Orador: - Se o Sr. Ministro quiser, dou-lhe os anúncios que foram ontem publicados na imprensa de Joanesburgo contra essa decisão. São anúncios de emigrantes portugueses que estão contra a decisão da TAP de fechar a linha Lisboa-Joanesburgo-Lisboa, salientando as razões por que a TAP fecha a linha e dizendo que estas são decorrentes das imposições da Swissair.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Isso era boato!…

O Orador: - Se o Sr. Ministro já deu essa contra-ordem hoje, ainda bem, mas, já agora, peço-lhe que diga à TAP para ir ao portal e voltar a colocar no seu site os horários dos voos para Joanesburgo, já que estes foram de lá retirados!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me uma introdução em jeito de comentário ao que se passa com a linha de Joanesburgo, para precisar que na Comissão de Inquérito Parlamentar, tanto o Sr. Presidente do Conselho de Administração da TAP, o Dr. Norberto Pilar, como outros membros do Conselho de Administração, nomeadamente o Dr. Abílio Morgado, referiram que a linha da TAP para Maputo e Joanesburgo dava prejuízo a partir do voo Maputo-Joanesburgo. Disseram, como tal, que era necessário repensar essa linha por dar prejuízo, pelo que é bom que seja reposta a verdade quanto ao âmbito desta decisão, embora, naturalmente, eu saúde a orientação dada hoje pelo Sr. Ministro no sentido de se repensar esta matéria.
Mas a verdade seja dita, Sr.as e Srs. Deputados. A difícil situação criada à TAP e provocada pelo abandono da Swissair do processo de privatização originou uma onda de demagogia e oportunismo sobre os acontecimentos ocorridos nos últimos anos, do género «nós bem avisámos»! É irrelevante sabermos se algum dos Srs. Deputados possui o dom da adivinhação!

O Sr. Rui Rio (PSD): - Está à vista!

O Orador: - Agora é fácil! A verdade é que, no momento em que as decisões foram tomadas, as mesmas eram, com os dados disponíveis da altura, as que melhor serviam o interesse nacional, tal como atestam as conclusões do relatório aprovadas na Comissão de Inquérito não só com os votos do Partido Socialista mas também com a concordância do Sr. Presidente da Comissão, o Engenheiro Álvaro Barreto, pessoa cuja idoneidade está, penso, acima de qualquer suspeita.
Importa agora reflectir sobre o futuro. O abandono da Swissair deixou o Governo português e a TAP paralisados? Não! Foram tomadas medidas imediatas para fazer face à situação criada? É evidente que sim! Garantiu-se o aval da

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Swissair para o empréstimo financeiro necessário levando-se até a mesma a acertar com o Estado português os termos da sua retirada. Adoptaram-se medidas operacionais com a finalidade de se autonomizar o sistema de reservas e de revitalizar os postos de vendas. O Governo reuniu com a Administração e com estruturas representantes dos trabalhadores e encontrou responsabilidade e consenso para se salvaguardar socialmente a estabilidade da empresa, tendo sido definidos objectivos concretos, como já foi aqui anunciado pelo Sr. Ministro, até ao ano 2004.
Quanto ao histerismo criado em redor da ausência da tal cláusula de indemnização, a questão já foi aqui desmistificada pelo Sr. Ministro. Não houve e, porventura, não deveria haver, como demonstra, aliás, o parecer de reputadíssimos advogados que desde o início do processo acompanharam toda esta questão. Desse parecer, apesar de já ter sido citado, não resisto a salientar a parte que diz que a cláusula penal de modo algum limita a reclamação de uma indemnização por responsabilidade contratual, incluindo danos emergentes e lucros cessantes. Diz-se ainda que o Estado português tem o direito de reclamar plena e irrestritamente a indemnização que lhe for devida em razão dos danos de cuja verificação se fará prova. Para além do mais, todos sabemos - e isto é discutível, evidentemente - que a existência da cláusula penal limitaria à partida os direitos do Estado português, que, em sede de tribunal, seriam sempre diminuídos no seu valor, e impediria, por exemplo, que o Estado português pudesse agora exigir que se tivessem em conta os danos causados à imagem interna e externa do Estado português, resultantes do facto de a TAP ser uma companhia de bandeira. Não sou jurista, mas isto está, «preto no branco», no parecer apresentado pelos reputadíssimos juristas que o Sr. Ministro já referiu aqui.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A TAP precisa, tal como sempre dissemos, de paz e de tranquilidade para poder repensar bem o seu futuro, encontrando agora os caminhos para a sua viabilização, garantida que está a paz social e, evidentemente, os direitos dos trabalhadores. A TAP necessita de solidariedade e quem não precisa da nossa solidariedade é, seguramente, a Swissair.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho, assim não dá! Depois de tudo o que aconteceu e verificada a situação em que está a empresa, V. Ex.ª vem dizer-nos que não adianta dizermos que avisámos?! Ó Sr. Deputado, se a situação não fosse tão séria, até me dava vontade de rir! O senhor faz-me lembrar o comandante de um navio que, numa circunstância desta, diria: «Os senhores diziam que fazer um rombo no navio o afundava! Agora, que está no fundo, é fácil!».

Aplausos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.

Depois de tudo o que foi dito a tempo - não é «adivinhar» agora! -, de todos os avisos que foram feitos não só pela nossa bancada mas também por todas as outras, de diversas maneiras, esperava-se do Partido Socialista uma intervenção de todo o tipo menos deste. Aliás, a sua intervenção foi uma declaração auto-elogiosa e, diria mesmo, encobridora de todos os erros cometidos e de todas as responsabilidades.
Estávamos quase a acreditar que agora é que ia ser e estávamos dispostos a concorrer para o tal consenso nacional. Mas assim, Sr. Deputado, não vai dar!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, não queira recolher louros que não merece! Os senhores não fizeram qualquer aviso!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Avisámos! Avisámos!

O Orador: - Por acaso, o Partido Comunista Português foi sempre coerente, sempre disseram: «Swissair, não; a Air France é que é bom!» Mas os senhores não fizeram qualquer aviso!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Avisámos, sim!

O Orador: - Está completamente enganado!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Leia o pedido de constituição da Comissão de Inquérito!

O Orador: - Por exemplo, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo disse - e está registado em acta - o seguinte: «Julgamos e admitimos que a opção pela Swissair, em termos de parceria estratégica, tenha sido a mais vantajosa para a TAP». Como vê, os senhores não fizeram qualquer aviso!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Também temos aqui as actas!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, é preciso conhecer os dossiers. Ainda há pouco o líder do seu partido disse aqui, com grande desplante: o PSD colocou na TAP 180 milhões de contos e, depois, o seu Governo - virando-se para o Ministro - colocou 130 milhões de contos.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Isso é falso!

O Orador: - Quais 130 milhões de contos?! Onde é que estão?! Só se caíram do céu! Como vê, não vale a pena falar de cor e o mérito do aviso prévio os senhores não tiveram! Aliás, reconheço que o dom da adivinhação nunca foi reivindicado pelos senhores!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para a defesa da honra pessoal.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, se é para a defesa da sua honra pessoal, terá de aguardar pelo fim do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

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O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de realçar, ao encerrar este debate, que, felizmente, se está a acabar, e espero que definitivamente, o período de privilegiar nesta matéria o combate político, que, a meu ver, é saudável, e espero que, depois da ida à Comissão e do debate de hoje e dos debates que publicamente tem havido, essa parte do combate político - a parte de analisar os eventuais erros do passado - esteja esclarecida e que os portugueses já possam ter tirado as suas conclusões, para que nos possamos agora ocupar daquilo que é fundamental,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … que é o futuro da empresa, o futuro daqueles que lá trabalham e também o futuro dos impostos pagos pelo contribuinte que, durante muitos anos, têm contribuído para ir resolvendo os problemas daquela empresa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Espero, sinceramente, que na próxima intervenção o Sr. Deputado Castro de Almeida, em vez de dedicar 8 minutos a dar-me «pancada» e 1 minuto e 10 segundos a dizer o que quer para o futuro, faça o contrário, porque, desse modo, terá tempo de dizer tudo o que quer dizer, já que agora não teve tempo de acabar o seu discurso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É um conselho que lhe dou.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Vou mandar-lhe o discurso!

O Orador: - E vou dizer-lhe por que é que lhe dou este conselho. Eu também já fui Deputado da oposição, e durante o tempo em que, na oposição, nos dedicávamos mais a privilegiar a «pancadaria política» em detrimento da apresentação de soluções nunca ganhámos eleição alguma, Sr. Deputado. Porém, quando passámos a ver que os portugueses querem que se lhes apresentem soluções concretas, alternativas e soluções que possam resolver os problemas, aí, sim, passámos a ser a alternativa séria, ganhámos as eleições e por este andar continuaremos a ganhá-las,…

O Sr. Rui Rio (PSD): - Por este andar?!

O Orador: - … enquanto que os senhores, por esse andar, continuarão a estar no estado eleitoral em que se encontram.

Risos do PS.

É um problema vosso!

Protestos do PSD.

Este é um conselho de amigo; segui-lo-ão se quiserem, se não quiserem não o sigam.

Protestos do PSD.

Quanto às questões colocadas, acho que podemos - mesmo na parte da matéria a que se dedicou o Partido Popular, o PCP e o PSD - encontrar um conjunto de questões que são consensuais, que nos levam à possibilidade de encontrar caminhos que possam fazer com que os objectivos de termos uma empresa de que nos possamos orgulhar sejam uma realidade, e, para que isto aconteça, as medidas que tomámos são fundamentais.
A estabilidade financeira durante o ano 2001 está assegurada para permitir que a empresa possa encontrar os caminhos do futuro na escolha de outras alianças, bem como aquilo que é importante, por exemplo, nas discussões com a Comissão Europeia no que diz respeito às suas autorizações. É, aliás, neste sentido que irei ter na próxima segunda-feira uma reunião com a comissária europeia para analisarmos quais os caminhos que a União Europeia e a Comissão nos podem ajudar a percorrer para não haver problemas desta natureza.
Portanto, é por este caminho que temos de ir, mas o desafio mais importante que temos é o da restruturação interna da empresa. É o desafio de melhorar a sua eficiência, de diminuir os seus custos e de aumentar as suas receitas, porque, se vencermos este desafio, a empresa melhora, uma vez que aumenta o seu valor no mercado, ficando em outras condições para poder negociar o seu futuro.
Esta é a nossa aposta e, das posições tomadas nesta Assembleia, interpreto que é também a sua aposta. Tal como me comprometi ontem, comprometo-me, hoje, também a informar permanentemente o Parlamento sobre aquilo que vai acontecendo nesta matéria, para que possamos atingir o objectivo de, em 2004, ter a empresa rentável. Espero poder vir aqui, não só em 2004 como também até lá, dizer-vos que as coisas estão a correr bem, e penso que todos quererão que o objectivo seja alcançado e que ficarão satisfeitos com isso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que dispõe, para o efeito, de 2 minutos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho, infelizmente não pude dar o contributo que resultou da minha participação na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à gestão da TAP, desde logo quanto ao que V. Ex.ª também disse, e que, infelizmente, aqui omitiu.
Como não disponho de muito tempo, não resisto a referir a acta de 1 de Fevereiro de 2000, onde V. Ex.ª diz, com toda a clareza, pompa e circunstância, que, pela opção estratégica em favor da Swissair, estão finalmente criadas as únicas condições para que a TAP possa reestruturar-se e ter viabilidade no futuro.
Hoje, Sr. Deputado, passado este tempo - e foi muito pouco -, vê-se que a certeza que o senhor ontem teve, afinal, hoje já não é certeza; e vê-se que aquela que ontem era a única solução para a TAP, hoje já não é, afinal, a solução para a TAP.
O Sr. Deputado referiu que por isso mesmo é que o PS tinha hoje os votos que tem, a maioria que tem e que, também por isso, iríamos ser obrigados a continuar a ter, no futuro, o PS com essa maioria. Parece que o que

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justificou, afinal, esses votos hoje já não os justificaria. Quem sabe se no futuro próximo - como espero - o Partido Socialista não continue a merecer a confiança que mereceu dos portugueses nas últimas eleições legislativas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, só com o beneplácito da Mesa é que o senhor pôde fazer esta defesa da honra, porque não defendeu honra alguma. Invocou a defesa da honra para citar declarações minhas.
Com certeza que mantenho tudo aquilo que disse, penso que é assim que se definem as pessoas. Mantenho tudo o que disse.
Naquele momento, com os dados que tínhamos, foi a decisão que nos pareceu mais acertada. Falhou. E evidentemente todos nos penitenciamos com isso, mas a verdade é que citei aquilo que está gravado e que o senhor leu.
Portanto, os senhores não avisaram ninguém! Mas já que querem pôr as questões em termos de conivência, também, eventualmente, terão sido coniventes com uma má decisão, porque não a questionaram.
Contudo, não percebo onde é que a sua honra foi posta em causa, nem me parece que o senhor tenha dignificado a sua honra pessoal ao invocar esta figura regimental para uma situação como esta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 23 a 28 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 27, 28, 29 e 30 de Novembro e 6 e 7 de Dezembro de 2000.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 108/VIII - Alteração do quadro do pessoal da Assembleia da República (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 56/VIII - Define o estatuto das associações juvenis e grupos de jovens, e dos projectos de lei n.os 200/VIII - Lei do associativismo juvenil (PSD) e 363/VIII - Lei-Quadro do associativismo juvenil (PCP).
Para introduzir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O movimento associativo juvenil constrói e defende a democracia participativa, ao reforçar a intervenção dos jovens na vida social, numa perspectiva de luta por uma democracia política, social, cultural e económica.
Como partido que defende uma democracia avançada e que considera a juventude como uma força social indispensável ao progresso e ao desenvolvimento do País, esta foi sempre uma preocupação grande no trabalho parlamentar do PCP. Desta dinamização resultaram, nomeadamente, a actual Lei n.º 124/99, de 29 de Agosto, que consagra o direito de associação de menores, uma reivindicação antiga do movimento associativo, e a simplificação do processo de constituição das associações juvenis, por diversas ocasiões apresentado pelo PCP na Assembleia da República e finalmente aprovado na generalidade no passado mês de Outubro.
A lei-quadro que o PCP propõe define um conjunto de princípios que devem nortear o relacionamento entre o Estado e o movimento associativo juvenil, reafirmando o respeito que a sua autonomia deve merecer e o direito a ser encarado como uma prioridade do Estado, reforçando a efectiva participação juvenil na definição da política de juventude.
Entre as diversas propostas que apresentamos nesta lei-quadro destacamos algumas.
Primeiro, a equiparação, em termos de direitos, entre as associações juvenis legalmente constituídas e os grupos informais de jovens sem personalidade jurídica, respondendo mais adequadamente à realidade do associativismo e da participação juvenis. De facto, com a legislação actualmente existente, torna-se difícil às instituições que desejem de alguma forma apoiar os grupos informais justificá-lo em termos contabilísticos. Sublinhamos, aqui, o papel que as autarquias locais têm desempenhado no desenvolvimento do associativismo juvenil, apesar das dificuldades que muitas vezes lhes são colocadas. Parece-nos que seria útil que a Assembleia da República viesse a reflectir sobre uma forma, clara e transparente, de tornar este apoio mais eficaz.
Segundo, defendemos que os apoios do Estado às associações devem reger-se pelos princípios da transparência, da objectividade, do respeito pela autonomia e independência das associações e dos seus dirigentes. Tendo em conta o papel do associativismo na coesão e transformação sociais, o PCP propõe que o Estado preste uma atenção especial a zonas de maiores dificuldades para a juventude, como territórios educativos de intervenção prioritária, taxas de desemprego e precariedade juvenis especialmente elevadas, desertificação e envelhecimento, etc.
Terceiro, ao contrário do que sucede hoje, em que o Instituto Português da Juventude (IPJ) atribui mais peso à sua actividade própria, propomos que o IPJ tenha como principal função apoiar as actividades do associativismo juvenil, consagrando-lhes a maioria dos seus recursos, assumindo-se fundamentalmente como uma entidade de apoio ao associativismo. Reforça-se também o princípio da gestão participada do IPJ.
Quarto, previmos determinados benefícios e isenções de vária ordem, no sentido de apoiar as actividades, a manutenção das sedes das associações, etc.
Quinto, estabelecemos a aplicação às associações juvenis das regras do mecenato e do estatuto de utilidade pública.
Sexto, propomos a extinção do Registo Nacional das Associações Juvenis (RNAJ). Consideramos que os

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critérios aos quais as associações têm de corresponder para se registarem no RNAJ são eles próprios limitativos. Além disso, o RNAJ tem funcionado mais como filtro no acesso aos apoios do IPJ do que propriamente como inventariação das associações. Propomos uma «inscrição nacional», instrumento que não tem o objectivo de fazer qualquer tipo de certificação das associações juvenis, como o RNAJ hoje, mas apenas o de dar a conhecer a sua existência.
Sétimo, estabelecemos que o Governo apresentará à Assembleia da República no prazo de seis meses um programa de fomento do associativismo juvenil.
Oitavo, referimo-nos aos direitos especiais dos dirigentes associativos juvenis, mantendo no essencial todos os que existem já hoje consagrados.
Nono, tornamos mais claro o direito que as associações juvenis têm de participar na definição das políticas de juventude.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A necessidade de aprovar uma lei-quadro do associativismo juvenil fica bem espelhada na existência dos três projectos hoje em discussão. Estamos, como estamos sempre, disponíveis para melhorar, na especialidade, o nosso projecto.
Não podemos, no entanto, deixar de referir algumas questões da proposta de lei e do projecto de lei do PSD.
Fazemos cinco observações sobre a proposta do Governo: a primeira é sobre o método. É lamentável que o Governo não tenha convocado o Conselho Consultivo de Juventude (CCJ) para se pronunciar sobre esta matéria, como lhe compete, principalmente depois de o Grupo Parlamentar do PS ter pedido sucessivos adiamentos deste agendamento, o de hoje, e da discussão na especialidade do projecto de lei n.º 156/VIII, alegadamente para que o CCJ fosse ouvido sobre esta matéria. Aliás, o CCJ não reúne há, pelo menos, seis meses.
Segunda observação, consideramos extremamente negativo que se continue a fazer do RNAJ um «separar das águas» entre o associativismo formal e o não formal. Chega-se ao ponto de um dos critérios, que define o que é uma associação juvenil, ser estar «registada junto do IPJ», ao mesmo tempo que só se pode ter estatuto de utilidade pública se nele estiver inscrita, e de se obrigar a que os grupos de jovens enviem anualmente uma listagem com os nomes dos seus membros. Ou seja, o RNAJ continuará a funcionar como um claro limite ao desenvolvimento do associativismo e o Governo não resiste à tentação de o tentar manter em limites rígidos.
A terceira observação tem a ver com o entendimento que o Governo tem sobre o associativismo não formal, do qual discordamos frontalmente. Este não é, como refere o preâmbulo, «uma forma rudimentar de associativismo». A estratificação do que é mais rudimentar ou mais sofisticado é, além de desfasado da realidade, uma intromissão nas formas de organização dos jovens. O associativismo formal e o não formal são realidades diferentes, igualmente respeitáveis, igualmente interventivas. O que o Governo propõe em relação ao direito de antena é um retrocesso, ao estabelecer que «apenas pode ser exercido por intermédio de organizações federativas». Mais uma vez, o Governo restringe e orienta a forma de organização dos jovens e o exercício deste direito.
A quarta observação tem a ver com a valorização da transparência e da objectividade na atribuição de apoios às associações juvenis que, para o PCP, se reveste de uma importância especial. Seguimos o Governo nesta preocupação, mas devem tornar-se mais claros os limites da fiscalização aqui proposta, nunca pondo em causa o princípio da confiança.
Por último, congratulamo-nos com o facto de o Governo decidir reconhecer, finalmente, a necessidade de um processo especial de constituição das associações juvenis. Falta apenas a honestidade de reconhecer, pelo menos no preâmbulo, que o processo que propõem é praticamente ipsis verbis o projecto de lei n.º 156/VIII, originário do PCP, e que está neste momento em discussão na especialidade na Comissão de Juventude e Desporto.
Pelo que dissemos atrás, parece-nos que ficou claro que ao projecto de lei do PSD temos principalmente a opor duas ordens de argumentos: por um lado, não abarca uma realidade crescente que é a do associativismo informal e, por outro, continua a fazer do RNAJ um atestado das associações.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A oportunidade que temos hoje reveste-se de especial importância. Podemos dotar as associações juvenis, a administração central e as autarquias de um instrumento orientador para o trabalho e para a intervenção que, obviamente, tem faltado. O desafio que se coloca a esta Assembleia é o de construir uma lei que responda às verdadeiras necessidades do associativismo juvenil de hoje, no sentido do seu desenvolvimento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miguel Teixeira.

O Sr. Luís Miguel Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, estive a ouvir a sua intervenção atentamente e gostaria de colocar-lhe algumas questões que se prendem com o projecto de lei apresentado pelo PCP, para as quais peço a V. Ex.ª uma resposta tão objectiva quanto possível.
V. Ex.ª começou por falar de rigor, de transparência e de objectividade. Devo recordar, e V. Ex.ª não ignorará por certo, que um dos objectivos do Programa do Governo passava pela promoção do associativismo juvenil e pelo apoio às associações com base em critérios de rigor, objectividade e transparência.
Nesta perspectiva, por força de uma política de promoção e fomento do associativismo juvenil, em apenas seis anos triplicou o número de associações juvenis inscritas no RNAJ: em 1995 eram 386 e hoje são 1127. Da mesma forma, cresceu o investimento no associativismo juvenil; constatamos que em relação ao ano passado o mesmo cresceu 6,6%. Cresceu ainda o investimento na participação cívica dos jovens: entre 1996 e 1999 foram investidos 10 milhões de contos e relativamente ao ano 2000 o investimento efectuado cresceu 16,5%.
Contudo, há outro aspecto importante. Hoje, aproximadamente três em quatro associações têm a sua actividade devidamente estruturada, porque apresentaram nas delegações regionais do Instituto Português da Juventude os seus programas de desenvolvimento e os seus planos de actividade.
No entanto, como já referi, há três aspectos no projecto de lei apresentado pelo PCP para os quais pretendemos obter um esclarecimento da parte de V. Ex.ª.

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A primeira questão diz respeito às federações. Como deve ser do conhecimento de V. Ex.ª, no capítulo relativo ao âmbito das associações e federações, a proposta de lei prevê a existência de associações juvenis de âmbito nacional, regional e local. Ora, como certamente será do conhecimento de V. Ex.ª, mercê de uma política de fomento ao associativismo, o número de federações desde 1997 cresceu, em Portugal, de 5 para 10, prevendo-se que continue a subir. A pergunta que fazemos ao PCP é esta: sendo as federações entidades que prestam serviços às associações juvenis, qual é a posição do PCP? O PCP defende ou não o papel e o fomento das federações juvenis?
A segunda questão tem a ver com a abolição do Registo Nacional de Associações Juvenis. Para que serve o registo, Sr.ª Deputada? Serve para, pelo menos uma vez por ano, a associação comprovar que cumpre os critérios previstos e necessários, tendo em vista o ser apoiada pelo IPJ. Se abolirmos o esquema de registo, como quer o PCP, cada vez que uma associação apresentar um projecto terá de provar que é uma associação juvenil devidamente legalizada. Ou seja, se apresentar cinco projectos por ano, terá de provar cinco vezes num ano que é uma associação legalizada. O que pensa o PCP sobre isto?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Miguel Teixeira, agradeço as questões que me colocou.
No que se refere à primeira questão, ficamos muito contentes com esse aumento do apoio ao associativismo, mas achamos que ele deveria ser maior, e também temos dito sempre, em sede de Orçamento do Estado, que, a nosso ver, as prioridades com que esse dinheiro tem sido distribuído não estão de acordo com o que o PCP entende. Ou seja, pensamos que deve ser dada prioridade ao apoio directo às associações e não ao apoio às actividades do Instituto Português da Juventude.
Sobre a questão que colocou relativa às federações, muito concretamente no nosso projecto de lei não está, de todo, excluída a possibilidade da existência de federações e do seu reconhecimento, como é óbvio. Reconhecemo-las como entidades colectivas de organizações juvenis que são e, na especialidade, poderemos ver mais concretamente que questões é que o PS deseja colocar. Mas não está, de todo, excluída a sua existência e valorizamos o papel que as federações têm tido no desenvolvimento do associativismo juvenil.
Quanto à questão que colocou sobre o RNAJ, penso que faria mais sentido pôr essa questão ao Governo, até porque o RNAJ tem funcionado até agora como uma linha demarcadora e de discriminação no acesso aos apoios.

Vozes do PCP: - Exactamente!

A Oradora: - E o facto é que na proposta de lei isto agrava-se, porque o RNAJ passa a ser ainda mais um certificado das associações juvenis. Aliás, uma associação juvenil só poderá ter acesso ao estatuto de utilidade pública se estiver inscrita no IPJ e as associações não formais têm de remeter anualmente uma lista com os nomes dos jovens que as constituem, o que não nos parece, de todo, muito adequado.
O que propomos com esta inscrição nacional é que ela funcione exactamente como se fosse um registo, o que não tem acontecido ultimamente. O registo serve para dar publicidade à existência das associações, e é exactamente isto que propomos. Propomos que as associações que o desejem se possam inscrever e dar publicidade à sua existência, para os efeitos que entendam, e não para serem discriminadas no acesso aos apoios e a outros estatutos a que possam aceder.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, esta discussão começou ao contrário, mas vou tentar ordená-la.
Para apresentar o projecto de lei n.º 200/VIII, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República presta aqui hoje uma merecida homenagem e um merecido reconhecimento ao papel ímpar que as associações juvenis desempenham na nossa sociedade, na nossa comunidade. É um papel que, ainda por cima, se tem mostrado cada vez mais actual, importante e necessário.
O mundo em que hoje vivemos, todos o sabemos, é um mundo que nos vai empurrando cada vez mais para uma necessidade de individualismo. Aquilo que é a chamada globalização, aquilo que são as novas tecnologias e aquilo que são os meios de comunicação, que hoje vão fazendo parte do nosso quotidiano, implicam uma competitividade já ao nível individual, que, necessariamente, faz com que toda a sociedade, mas muito particularmente os seus jovens, tenham uma tentação e uma necessidade até de prejudicar, infelizmente, a sua vivência comunitária, em prol de algum certo individualismo.
Por isso, estou convencido de que as associações juvenis, como escolas de cidadania que são e como meio de participação cívica dos jovens, desempenham, de facto, um papel e uma função social ímpar no nosso país.
Com tal, o Partido Social Democrata, necessariamente, congratula-se e orgulha-se, desde logo, de não só ter espoletado esta discussão aqui hoje, ao apresentar, já no passado mês de Maio, um projecto de lei que prevê a criação de uma lei de bases do associativismo juvenil, como, através da autoria da iniciativa do agendamento desta discussão, de ter sido também o responsável por, hoje, o Parlamento português estar a debater uma matéria que consideramos, de facto, de primordial relevância no nosso país.
Por isso, ao apresentar este projecto de lei, o Partido Social Democrata, naturalmente, pretendeu, desde logo, enquadrar uma realidade social já existente. As associações juvenis, felizmente, por iniciativa genuína própria têm já, hoje em dia, um papel e uma função indesmentível. E consideramos que, de facto, é importante e necessário enquadrar essa mesma realidade através da existência de uma lei de bases.
Por outro lado, ao criar essa lei, apresentando este projecto de lei, o Partido Social Democrata pretende igualmente promover e incentivar a participação dos jovens nestas mesmas associações. Fá-lo, dando, obviamente, às associações juvenis independência e autonomia e criando incentivos à sua actividade. Mas, por outro lado, naturalmente, no reverso da medalha, a que não podemos,

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necessariamente, fugir, exigimos a essas mesmas associações juvenis rigor, transparência e responsabilidade.
É por isso que, ao apresentar este projecto de lei, o Partido Social Democrata consagra direitos e deveres, aliás já previstos em legislação avulsa, dos dirigentes associativos juvenis; prevê a definição e o âmbito dessas associações; prevê os direitos de participação e de representação, que são inegavelmente, penso eu, merecedores da nossa aprovação; concebe um estatuto equiparado às pessoas colectivas de utilidade pública; e cria um regime de mecenato juvenil, equiparado ao mecenato cultural, ambiental ou educacional, exigindo, naturalmente, um registo - e aí divergimos da posição do Partido Comunista Português - das associações juvenis a nível nacional, precisamente para termos capacidade para privilegiar o tal rigor, a tal transparência e a tal responsabilidade, mas igualmente também os tais incentivos que pretendemos criar e desenvolver com este projecto de lei, prevendo ainda fiscalização e sanções para as irregularidades que, eventualmente, venham a ser observadas e registadas.
Neste sentido, o PSD, obviamente, tem de se congratular, e congratular-se também com a apresentação de outros diplomas que surgiram na sequência do projecto de lei do Partido Social Democrata, quer da proposta de lei que o Governo aqui apresenta, quer também do projecto de lei que o Partido Comunista Português teve oportunidade de apresentar quanto a esta matéria.
Quanto a isso - longe de nós esta ideia -, obviamente, não queremos acusar o Governo de plágio,…

Risos do PS.

… mas não deixamos de registar o caminho que o Governo seguiu ao ter como base da sua proposta de lei o projecto de lei do Partido Social Democrata. Aliás, até agradecemos, com a maior das frontalidades e sinceridades, alguns contributos que considero positivos para o projecto de lei que o Partido Social Democrata teve oportunidade de apresentar, como disse, já no passado mês de Maio, na Mesa da Assembleia da República.
Obviamente que também saudamos o Partido Comunista Português de, com a sua iniciativa, querer aderir a este movimento e a esta vontade, que, a meu ver, já existe há muitos anos nas próprias associações juvenis e que me parece haver hoje condições para também existir nos órgãos políticos e, particularmente, neste órgão de soberania, que é a Assembleia da República.
Contudo, não podemos deixar de dizer claramente que, em relação ao projecto de lei do Partido Comunista Português, temos algumas divergências, nomeadamente e desde logo, naquilo que é a proibição da obrigatoriedade do registo. Consideramos que só faz sentido haver um regime de apoios e de incentivos enquadradores das associações juvenis se, de facto, houver um registo, onde possamos ter conhecimento daquela que é a realidade do efectivo associativo que existe no nosso país ao nível das associações juvenis.
Por outro lado, existe também uma divergência em relação a uma preocupação e a uma tentação que eu diria condicionadora da actividade das próprias associações por parte do projecto de lei do Partido Comunista Português. Dou num exemplo muito concreto: ao querer condicionar os processos eleitorais das próprias associações, parece-me que é um retrocesso num caminho da genuína e expontânea auto-responsabilidade e autopromoção da actividade das próprias associações juvenis, que, no fundo, são o seu grande mérito e a sua grande virtude.
Por isso, terminaria deixando claro que as associações juvenis são, de facto, como disse há pouco, uma escola de cidadania, desempenham, no nosso país, inúmeras actividades, nos mais diversos sectores da nossa sociedade, ao nível cultural, ao nível ambiental, ao nível didáctico, ao nível da defesa do património, ao nível da expressão das minorias, ao nível da criatividade e da arte dos próprios jovens, ao nível da promoção da qualidade de vida, ao nível da defesa do consumidor, ao nível da ocupação dos tempos livres e do lazer, etc. As associações juvenis desempenham esta função social do norte a sul do nosso país, do litoral ao interior, nas cidades e nas aldeias de Portugal.
Com este reconhecimento, que, no meu entender, a Assembleia da República tem hoje condições para dar às associações juvenis, sentimo-nos felizes e satisfeitos com a autoria, digamos assim, desta iniciativa, mas estamos, obviamente, abertos a todos os contributos que, eventualmente, os diferentes grupos parlamentares possam dar, para que, em conjunto, possamos encontrar uma solução que seja, de facto, incentivadora e promotora da responsabilidade e da actividade das associações juvenis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carla Gaspar e António Pinho.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Gaspar.

A Sr.ª Carla Gaspar (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, depois de ler o vosso projecto de lei e de ouvir atentamente a sua intervenção, tenho de concordar consigo que é realmente verdade que os senhores apresentaram o projecto de lei sobre o associativismo juvenil primeiro, mas o Sr. Deputado tem também, penso eu, de concordar comigo que valeu a pena esperar pela proposta de lei, porque, se é verdade que em muito se complementam, também reconhece, seguramente, que a proposta de lei vai mais longe do que o vosso projecto de lei.
Senão, vejamos, através de quatro questões muito simples. Onde se enquadram, no vosso projecto de lei, as juventudes partidárias e sindicais? Onde se enquadram as federações que não são unicamente compostas por associações juvenis? No que se refere ao artigo 11.º do vosso projecto de lei, e relativamente aos apoios, não concorda, Sr. Deputado, que os apoios técnicos e financeiros aí previstos são pouco específicos no seu âmbito e alcance? Para terminar, Sr. Deputado, não concorda que o novo enquadramento deverá também contemplar os grupos de jovens que se podem constituir com o objectivo de concretizar determinados projectos, criando mecanismos que possam dotar a administração pública de meios que permitam a aproximação com esses jovens, apoiando-os nas suas actividades?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Pedro Duarte, há ainda outro pedido de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?

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O Sr. Pedro Duarte (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, quero começar por felicitar os proponentes, designadamente V. Ex.ª, pelas medidas, que para nós também são importantes, propostas nestes diplomas, em qualquer deles, para protecção do próprio associativismo juvenil, as quais devem ser sempre acompanhadas não só de medidas fundamentais para facilitar e desburocratizar as associações juvenis mas também de um maior rigor e de um maior acompanhamento do Estado e de outros organismos, para que a sua credibilização seja efectiva e uma realidade junto da população em geral, sobretudo dos jovens a quem se destinam.
Neste aspecto, tanto o projecto de lei do PSD como a proposta de lei parecem-nos positivas, uma vez que são equilibradas nos dois sentidos: facilitam e simplificam os processos mas também são acompanhadas de maior rigor.
Há uma questão que se estende aos dois diplomas e que tem a ver com a própria definição da idade, que, a meu ver, não é muito clara - coloco agora esta questão ao PSD por ter sido o primeiro a apresentar o diploma, mas, depois, irei colocá-la ao Sr. Secretário de Estado. De facto, não é muito clara a questão de as associações juvenis terem de ter mais de 75% de associados com idade igual ou inferior a 30 anos, porque isto faz com que elas possam até ser «intermitentes» por num ano poderem cumprir esta exigência e no ano seguinte já não poderem cumpri-la. É uma questão etária, e nós, nas juventudes partidárias, por exemplo, sabemos isso, porque temos um limite de idade fixo, o que me parece ser mais razoável para aplicar a estas associações.
Uma outra questão tem a ver com o registo. No projecto de lei do PSD, quando se diz que o RNAJ terá de verificar anualmente se essas associações cumprem os requisitos para continuarem a beneficiar deste estatuto, fala-se no número de associados e não na data de nascimento ou na idade, o que nos parece fundamental, uma vez que a idade é uma das condições para que a associação se mantenha enquadrada no RNAJ. Logo, em relação a uma associação, podemos saber quantos associados tem, qual é a evolução, de ano para ano, do número de associados, mas não sabemos quais as suas idades. Por absurdo, podemos chegar a uma altura em que os associados já não cumpram os regulamentos e o RNAJ não tem meios para verificar se cumprem ou não em termos etários, digamos assim.
Por comparação, temos também a questão do estatuto dos dirigentes das associações juvenis, relativamente ao qual o projecto de lei do PSD nos parece algo exagerado quanto ao número de dirigentes que beneficiam deste estatuto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Carla Gaspar, valeu, naturalmente, a pena esperar pela proposta do Governo, tal como valeu a pena esperar pelo projecto de lei do PCP, porque, a meu ver, há hoje em dia uma sensibilidade muito maior por parte de todos os grupos parlamentares para esta matéria. E, portanto, fico obviamente satisfeito. Talvez tenhamos esperado demais, desde Maio até agora, até há duas ou três semanas, altura em que o Governo apresentou a sua proposta, mas sabemos que temos diferentes formas de estar na política, uns mais descansados, outros mais trabalhadores… Já sabemos isto!

Vozes do PSD: - Têm de dialogar, perdem tempo!

O Orador: - Exactamente! É por causa do diálogo, com certeza!
Quero enaltecer as contribuições - e fi-lo na minha intervenção - que surgiram também com a proposta do Governo e que são importantes, embora considere algumas positivas e outras nem tanto, confesso. Vou dar-lhe um exemplo das que considero positivas, que é a previsão na lei dos grupos informais de jovens, ou chamemos-lhe outra coisa, apesar de, segundo me parece, o PCP divergir, de alguma forma, neste ponto. Mas perece-me ser um contributo importante, e acho que é necessário que assim seja.
Quanto ao apoio técnico e financeiro, gostava de deixar claro que o nosso projecto de lei prevê que isto seja alvo de posterior regulamentação. O Governo assim não o considerou, mas é óbvio que, em sede de especialidade, estaremos abertos para discutir este ponto, a fim de chegarmos a um entendimento, porque pode haver vantagem em tal estar previsto na lei, e não tenho qualquer divergência a este nível.
Por outro lado, quero deixar claro que o espírito do PSD é o da maior abertura. Temos, felizmente, a satisfação de termos promovido a iniciativa relativamente a esta matéria. Não temos, obviamente, o condão de nos acharmos donos da verdade absoluta e integral. Portanto, é bom que surjam outras propostas, venham elas do Governo, do PCP, do PS ou de outros grupos parlamentares que não tenham apresentado uma iniciativa, pois serão, com certeza, muito importantes para esta discussão. Tal como o Sr. Deputado António Pinho aqui disse, em sede de especialidade as opiniões do CDS-PP serão também muito importantes e, quiçá, até decisivas para a formulação e aprovação de uma lei de bases do associativismo juvenil, pois é esta a nossa intenção.
Em relação à questão muito concreta de as associações juvenis terem de ter mais de 75% de associados com idade igual ou inferior a 30 anos, admito que ela se possa colocar; contudo, esta limitação já existe hoje na lei, que prevê 60%. É um caminho que nos parece importante, porque nós somos daqueles que defendemos que as associações juvenis deverão, em tese e no ideal, ser compostas integralmente por jovens com menos de 30 anos, que é aquilo que está convencionado. Para atingirmos essa integralidade propomos no nosso diploma que se passe dos 60% para os 75%, e verifiquei que, a posteriori, esta ideia também foi seguida pelo Governo e pelo próprio PCP.
Quanto à verificação dessas idades, ela já se faz hoje em dia, porque já hoje a lei prevê que 60% dos associados tenham menos de 30 anos, a única alteração que propomos é as associações juvenis passem a ter mais de 75% de associados com idade igual ou inferior a 30 anos.
No que toca ao número de dirigentes previsto pelo estatuto dos dirigentes das associações juvenis, foi aquele que consideramos o mais adequado e razoável. Contudo, volto a referir, são matérias que, em sede de especialidade,

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deverão ser discutidas, em relação às quais há, parte do PSD, abertura para se atingir aquele que é o propósito essencial: consagrar na lei a promoção, o incentivo às associações juvenis e a tantos e tantos jovens, a centenas de milhares de jovens que, por esse país fora, vão todos os dias trabalhando em prol das suas comunidades, tendo uma vivência colectiva e comunitária que deve servir de exemplo para toda a gente, nomeadamente quando se tornam cada vez mais actuais as discussões vide a abstenção nas últimas eleições presidenciais, vide aquilo que é hoje em dia a participação associativa a nível, por exemplo, sindical, dos partidos políticos.
Sentimos que as associações juvenis podem desempenhar um papel muitíssimo importante a este nível e, como tal, merecem todo o nosso incentivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (Miguel Fontes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo apresenta hoje a esta Câmara constitui o corolário de uma política de juventude que tem vindo a ser implementada desde 1995, política essa que teve e tem como prioridades estratégicas o estímulo à participação cívica dos jovens a par da promoção da integração plena destes na sociedade portuguesa, tendo sempre como referencial a igualdade de oportunidades. É neste quadro que a promoção do associativismo juvenil ganha particular significado. As associações juvenis constituem espaços de socialização e de aprendizagem democrática, sendo a participação associativa um factor de combate a todas as formas de exclusão e discriminação.
O Governo tem vindo a assumir, deste modo, como uma das prioridades da política de juventude o apoio e o fomento do associativismo juvenil. As repercussões desta aposta são hoje bem evidentes: às 386 associações inscritas no Registo Nacional de Associações Juvenis em 1995 corresponde hoje um número de registos superior a 1100 associações juvenis.
Nos últimos anos, o Governo fez também um investimento muito significativo no apoio às associações juvenis, quer através de apoios directos ao financiamento das associações - e, para isso, criou o Programa de Apoio ao Associativismo Juvenil, que estabeleceu regras muito claras de atribuição de apoios às associações -, quer através de outros programas e iniciativas que têm como principais dinamizadores as associações juvenis, num investimento que, na última Legislatura, somou mais de 10 milhões de contos. Mas, é importante lembrá-lo, o relacionamento do Ministério da Juventude e do Desporto com o movimento associativo juvenil assenta também numa política de permanente envolvimento deste, reflectida, aliás, na participação que as associações juvenis têm hoje em diversos órgãos da administração pública e na gestão, inclusivamente, de alguns programas públicos de juventude.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O desafio que neste momento se coloca ao associativismo juvenil é a aposta na qualidade e, nesse sentido, a prioridade que tem norteado a política de juventude tem sido a de dotar as associações juvenis de condições e meios que lhes permitam actuar de forma mais eficaz e aumentar o seu reconhecimento social.
A proposta de lei que o Governo apresenta agora à Assembleia da República tem como primeiro objectivo criar um regime legal claro e moderno que enquadre o associativismo juvenil. Um quadro que reforça o papel das associações juvenis na sociedade portuguesa, que valoriza a sua acção, que simplifica a sua relação com o Estado, em suma, que fomenta a participação cívica e social dos jovens.
Permitam-me que destaque nesta proposta de lei quatro vectores principais. A saber: a simplificação de processos; o reforço dos direitos das associações juvenis; a transparência e o rigor na relação das associações juvenis com o Estado; e o enquadramento legal dos grupos de jovens.
No intuito de simplificar a relação dos cidadãos com o Estado, o Governo propõe a simplificação do processo de constituição de Associações Juvenis, assumindo o Instituto Português da Juventude (IPJ) o papel dinamizador desse processo constitutivo e dispensando-se a intervenção notarial, numa solução que em nada compromete a segurança jurídica necessária a este tipo de actos.
É, ainda, consagrado um mecanismo especial de aquisição do estatuto de utilidade pública para as associações juvenis, assumindo-se que o IPJ é a instituição da Administração Pública mais apta à dinamização deste processo, por ser aquela que está mais próxima das associações juvenis.
Por outro lado, existe na presente proposta de lei uma preocupação em consagrar novos direitos às associações juvenis, conferindo-lhes, deste modo, condições para o reforço do seu importante papel na sociedade portuguesa.
Assim, as associações juvenis, na actual proposta de lei, passam a beneficiar das isenções fiscais e parafiscais atribuídas por lei às pessoas colectivas de utilidade pública, a par do seu enquadramento no regime do mecenato educacional.
O Governo propõe ainda o reforço de direitos de participação hoje já previstos, com a consagração do Direito de Antena para as associações juvenis, direito esse que contribui para um maior reconhecimento social desta expressão do associativismo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Assumir direitos significa também assumir deveres e responsabilidades. Só assim é possível salvaguardar a transparência e o rigor no relacionamento dos cidadãos com o Estado, transparência e rigor esses por todos exigidos e que sempre pautaram a acção do Governo desde que o Partido Socialista assumiu funções governativas.
A atribuição de novos direitos ao associativismo juvenil, especialmente direitos de natureza fiscal e parafiscal, obriga a uma maior atenção do Estado no acompanhamento das associações, nomeadamente para não permitir que os princípios subjacentes à consagração de tais direitos possam ser subvertidos.
Um outro vector de extrema relevância nesta proposta de lei é a consagração, pela primeira vez, de um enquadramento legal para os Grupos de Jovens.
Pretende-se promover um relacionamento mais próximo do Estado, especialmente através das estruturas públicas de juventude, com os jovens nas suas formas mais diversificadas de vivência e, nomeadamente, possibilitando

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uma maior proximidade com os jovens que vivem em contextos de maior precariedade social.
A título de exemplo, permitam-me que refira a importância que esta medida terá no âmbito do Programa Escolhas, um programa interministerial, recentemente aprovado em Conselho de Ministros, que promoverá a integração de jovens que vivem em situação de fragilidade social extrema e que, frequentemente, tem como únicos espaços de socialização grupos de cariz informal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo apresenta agora à Assembleia da República, a ser aprovada por esta Câmara, constituirá, a par da consagração do direito de associação de menores, também da iniciativa do Governo, da consagração do estatuto do dirigente associativo juvenil e da criação de órgãos de co-gestão entre o Estado e o movimento associativo juvenil na implementação das políticas de juventude, uma das iniciativas legislativas com maior relevância alguma vez tomadas em Portugal para a promoção do associativismo juvenil, o que permitirá, estou certo, um reforço do papel das associações juvenis na sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Pinho e Margarida Botelho.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a questão que coloquei há pouco, relativa às idades, surgiu quando, na preparação desta matéria, falei com algumas associações. Posso dar o exemplo de duas grande associações: a dos Jovens Agricultores e a dos Jovens Empresários. De facto, essa questão continua a não nos parecer clara. Sabemos que estava previsto na lei 60% de associados com idade igual ou inferior a 30 anos e hoje em dia passam para 75%.
Como eu disse no pedido de esclarecimento que fiz há pouco, e repetindo-me, parece-me uma proposta bastante equilibrada do ponto de vista dos direitos e dos deveres. Achamos que isso é fundamental em qualquer relação do Estado com os cidadãos e, neste caso, ainda mais preciso nos parece.
No entanto, a questão dos 75% de associados faz com que haja uma certa oscilação. Se uma associação tem 200 associados e se, desses 200 associados, 50 têm 29 anos, no ano seguinte ou daí a dois ou três anos, o ordenamento desta associação vai variar, necessariamente. Pergunto, pois, se não seria mais claro haver um limite de idade. Vamos supor - obviamente que isto será matéria para discutir em comissão - os 35 anos, sendo certo que os mandatos dos dirigentes seriam para cumprir até ao fim e só então deixariam de fazer parte da associação.
E repare que não há aqui um limite máximo. Por absurdo, podemos ter uma associação em que 75% dos associados têm menos de 30 anos. E os outros 25% podem ter até que idade? Isto acaba por perverter um pouco a lógica destas associações juvenis.
Se olharmos à letra da lei - e a lei terá de prever todas as situações -, pode uma associação, por exemplo, com 200 membros, ter 150 com menos de 30 anos e 50 com 50 anos. Esta é uma situação que, por absurdo, pode acontecer.
Por isso, parecia-nos mais razoável e mais claro, até do ponto de vista da clarificação e da programação dos trabalhos da própria associação, que houvesse um limite claro e objectivo, não sujeito a esta variação. É que, como disse há pouco, isto pode implicar que uma associação, num determinado ano, não cumpra esses requisitos e, depois, fazendo mais associados mais jovens, já passe a cumprir. Ora, aí, cria-se uma situação de instabilidade que não nos parece aconselhável. Portanto, achamos que este é um aspecto que pode ser melhorado. Diz-se que isso já constava da lei. Muito bem, mas, uma vez que estamos a melhorar, podíamos optar por essa solução, de haver um limite de idade, porque parecia-me mais claro e mais objectivo, na forma de as associações trabalharem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Secretário de Estado da Juventude informou a Mesa que responderá em conjunto aos pedidos de esclarecimento, pelo que tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, quero colocar-lhe duas questões.
A primeira é esta: qual é o entendimento do Governo em relação ao associativismo não formal? Parece-lhe, de facto, tal como consta do preâmbulo da vossa proposta de lei, que é uma forma incipiente e rudimentar de associativismo? É que se o Governo entende isso, desconhece profundamente a realidade do associativismo não formal de hoje, que é um associativismo profundamente realizador e que, por qualquer motivo, não decidiu, ao longo da sua história, legalizar-se e formalizar-se. Por isso, parece-nos que estas são duas expressões muito desadequadas à realidade.
A segunda questão prende-se com a atitude que terão o Governo e o Grupo Parlamentar do PS em relação aos projectos de lei quer do PSD quer do PCP. Estão abertos aos contributos de todos? Terão por esta Câmara a mesma consideração que nós tivemos, esperando e protelando o agendamento desta discussão e da discussão na especialidade do nosso projecto de lei sobre a simplificação da constituição das associações juvenis?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Pinho, bem-vindo a este debate. Agradeço a sua questão, mas, sinceramente, se bem a percebi, julgo que ela não está bem enquadrada relativamente ao que está em discussão. O que está em discussão é saber se nós queremos ter, em Portugal, associações de jovens. E o que define uma associação de jovens não é um trabalho que é feito para os jovens, é um trabalho que, na sua base, é conceptualizado, desenvolvido e programado de jovens para jovens.
Julgo que estará de acordo comigo - e qualquer um de nós dois estará, porventura, a abandonar essa condição,

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se é que não a abandonou já - que jovens não são obviamente pessoas com 33, 34 ou 35 anos. Daí a necessidade de claramente delimitar um âmbito de idade. O absurdo seria estarmos hoje aqui a falar de associações juvenis, estando, no entanto, a falar de uma outra realidade, que, com certeza, não seria de uma associação juvenil. Seria uma realidade associativa ou, então, um associativismo tutelado por alguém, mas, com certeza, não seria associativismo juvenil.
Por isso, a questão é simples: o Governo conhece muito bem a realidade do movimento associativo e sabe que, nomeadamente, o associativismo de base local, muitas vezes, não tem condições de ser participado exclusivamente por jovens. É que, muitas vezes, tem na sua génese, por exemplo, um professor, alguém que dinamizou um grupo de jovens, e, na sua essência, são jovens, mas há um ou dois elementos, que dão um contributo, que têm mais do que essa idade. Por isso, temos uma solução flexível, de 75%, e não uma solução limitadora, que seria a dos 100%, que, hoje, teria como consequência imediata, se aplicada, que muitas das associações que hoje gozam, à luz da actual legislação, do estatuto de associação juvenil,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Algumas mal!

O Orador: - … teriam de perdê-lo.
Por isso, julgo que a sua questão envolve uma pequena contradição, que é esta: se está preocupado em garantir que, efectivamente, estamos a falar de associações juvenis, então, não pode estar simultaneamente a propor que estejamos a falar de um limite que vai até aos 35 anos de idade.
Quanto à questão colocada pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho, gostava de lhe dizer que o Governo tem o maior respeito pelo associativismo não formal de grupos de jovens. Agora, a questão que se coloca e os termos que referiu do preâmbulo da proposta de lei dizem respeito a uma definição do ponto de vista jurídico. Do ponto de vista jurídico, evidentemente, se é uma realidade informal, tem um grau mais rudimentar do que uma associação que está formalmente constituída. Isto não envolve qualquer juízo de valor - absolutamente nenhum juízo de valor - sobre a relevância ou a qualidade do trabalho que esse grupo de jovens desenvolve. Julgo, por isso, que essa é uma questão que está perfeitamente acautelada na nossa proposta de lei.
Quanto à questão da disponibilidade para acolher outras propostas, dir-lhe-ia que o Governo e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista têm tido sempre, em todas as matérias, um comportamento exemplar, particularmente escrupuloso, relativamente a esta questão.
Agora, digo-lhe uma coisa: não estaremos disponíveis para aceitar…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Secretário de Estado. Queira concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Mas tem de concluir mesmo.

O Orador: - Não estaremos disponíveis é para aceitar uma lógica perfeitamente irresponsável, de que o PCP faz bandeira, de quem promete direitos e nunca consagra deveres, porque sabe que, tão brevemente, nunca será Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Não é o que diz o Pina Moura, o jovem Pina Moura!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Sequeira.

O Sr. João Sequeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O debate parlamentar de hoje ficará marcado, na história do associativismo juvenil português, como um momento de particular importância.
É para nós inquestionável que o movimento associativo juvenil constitui um instrumento da maior relevância na promoção de uma cidadania activa e na aprendizagem cívica e democrática dos jovens.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Entendemos as associações juvenis como espaços de participação promovidos pelos jovens, a partir dos seus interesses e motivações, intervindo de forma decisiva em diversas áreas.
Concebemo-las ainda como espaços de educação não formal, onde os jovens adquirem competências complementares às que são obtidas por intermédio dos processos de educação formal.
Apesar da enorme relevância da acção do associativismo juvenil - e é sempre bom lembrar que se encontram registadas junto do IPJ mais de 1000 associações juvenis, representando mais de 500 000 associados (o que significa um crescimento de 151%, desde 1995) -, actualmente, o mundo associativo não está enquadrado por um quadro jurídico realista e claro, não existindo sequer uma definição legal deste tipo de associações.
Assim sendo, é necessário um novo quadro normativo, abrangente e estruturado, que recuse e ultrapasse uma visão minimalista do associativismo juvenil.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo assumiu como prioridade a apresentação de uma proposta de lei, com o objectivo de enquadrar as diversas expressões do associativismo, a participação associativa, clarificar conceitos e valorizar as associações juvenis.
Como tive oportunidade de afirmar, há pouco mais do três meses, perante esta Câmara, o Grupo Parlamentar do PS, aposta «na construção de uma nova plataforma jurídica, que acabe de uma vez por todas com a actual manta de retalhos existente e que, resultando de um debate alargado e participado, aponte para a criação de um tipo legal de associativismo juvenil que consagre direitos como o estatuto de utilidade pública, o mecenato e a participação das associações na definição das políticas de juventude, que aborde a problemática do financiamento das associações juvenis e que clarifique as competências do IPJ, ao nível da fiscalização e do acompanhamento».
Como resultado desta evidente convergência política, podemos afirmar que tais premissas se encontram plasmadas na proposta de lei do Governo.
Senão, vejamos: a iniciativa governamental tem como objectivo primeiro criar um quadro legal claro e moderno

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de regulamentação das associações juvenis e, por outro lado, dar um enquadramento legal a formas mais incipientes de associativismo juvenil, que o diploma denomina como «Grupos de Jovens».
Outra das inovações deste normativo prende-se com a clarificação da noção de associação, entendendo-se que estas associações deverão ter como elemento decisivo a participação de jovens, não só como associados mas também nos órgãos sociais, garantindo o seu envolvimento na definição, planeamento, execução e avaliação de actividades.
A proposta de lei prevê quatro tipos de associações. A saber, as de âmbito nacional, regional, local e especial, prescrevendo-se, como factores de distinção, o número de associados e o alcance das actividades desenvolvidas.
Questão importante é a regulamentação do apoio do IPJ às associações juvenis, podendo este revestir as modalidades de apoio pontual e de plano de desenvolvimento e devendo a apreciação dos pedidos de apoio ter em conta vários requisitos.
Pretende-se simplificar o processo de constituição de associações juvenis, utilizando-se como quadro de referência a actual regulamentação das associações de estudantes, assumindo o IPJ o papel dinamizador desse processo constitutivo, solução que em nada compromete a segurança jurídica necessária a este tipo de actos.
Existe ainda a preocupação em consagrar alguns direitos já atribuídos a outras expressões do associativismo, nomeadamente às associações de estudantes.
As associações juvenis passam a beneficiar de um conjunto muito significativo de benefícios fiscais, como seja o seu enquadramento no mecenato educacional e as isenções fiscais e parafiscais atribuídas por lei às pessoas colectivas de utilidade pública.
Consagra-se também o Registo Nacional de Associações Juvenis, um instrumento actualmente já desenvolvido pelo IPJ, sendo que a participação nesse registo é fundamental ao reconhecimento do estatuto atribuído pela proposta governamental.
Por último, importa referir a inclusão na proposta de lei do estatuto do dirigente associativo juvenil.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Todos concordamos que o associativismo juvenil necessita de uma plataforma jurídica clara, realista e moderna.
No entanto, as iniciativas hoje apresentadas procuram, de formas diferentes, atingir esse objectivo. O PSD, mais próximo, ficando contudo aquém da iniciativa do Governo. O PCP, num sentido divergente do espírito da proposta governamental.
A proposta de lei do Governo é não só a que melhor se ajusta às necessidades actuais como a que melhor salvaguarda o futuro.
O mundo do associativismo juvenil, fonte indispensável de cidadania e participação, merece que este órgão de soberania cumpra da melhor forma uma das mais nobres funções atribuídas pela Constituição, a função legislativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrada a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 56/VIII - Define o estatuto das associações juvenis e grupos de jovens e dos projectos de lei n.os 200/VIII - Lei do associativismo juvenil (PSD) e 363/VIII - Lei-quadro do associativismo juvenil (PCP).
Srs. Deputados, vamos agora proceder às votações agendadas para hoje.
Começamos pela votação do projecto de resolução n.o 92/VIII - Sobre a suspensão do envio de forças militares portuguesas para os Balcãs e adopção de medidas em relação às forças que aí se encontram (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, solicito que a votação do diploma seguinte, o projecto de resolução n.º 93/VIII - Sobre o uso de armas com urânio empobrecido pelas Forças Armadas Portuguesas e sobre a presença militar na Bósnia e no Kosovo, subscrito pelo nosso grupo parlamentar, seja adiada.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Não havendo objecções, está adiada a votação.
Srs. Deputados, passamos, então, à votação do projecto de resolução n.º 98/VIII - Sobre a presença das forças militarizadas e de segurança nos territórios da ex-Jugoslávia e o uso de munições com urânio empobrecido (Os Verdes).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 32/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa, e a Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, que define o Estatuto dos Eleitos Locais.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, este diploma baixa à 1.ª Comissão.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, com o devido respeito, pensamos que esta proposta de lei devia baixar à 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Se ninguém se opuser…

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD opõe-se, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, não há consenso, Sr. Deputado Osvaldo Castro.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, é para anunciar que farei entrega na Mesa de uma declaração de voto sobre a proposta de lei n.º 32/VIII, que acabámos de votar, e também sobre a proposta de lei n.º 34/VIII, cuja votação se segue.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, farei entrega de uma declaração de voto sobre o último diploma votado, a proposta de lei n.º 32/VIII.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, quero também informar que farei entrega de uma declaração de voto sobre a proposta de lei n.º 32/VIII.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 34/VIII - Cria a lei orgânica que regula a eleição dos membros, assim como a constituição dos órgãos das autarquias locais.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Vamos, agora, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 354/VIII - Alterações à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, bem como à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, na parte relativa ao funcionamento das assembleias municipais (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, de Os Verdes, do BE e da Deputada do PS Helena Roseta, votos contra do CDS-PP e abstenções do PS e do PSD.

Srs. Deputados, este diploma baixa igualmente à 1.ª Comissão.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem a ver com a questão da baixa dos diplomas à comissão, assunto já aqui suscitado.
Não vemos razão para que as propostas de lei e os projectos de lei que têm a ver com alterações às competências das assembleias municipais baixem à 1.ª Comissão.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É um disparate do Luís Marques Guedes!

O Orador: - A 1.ª Comissão não é a «mãe» de todas as comissões.
A parte eleitoral deverá baixar à 1.ª Comissão; a parte relativa às assembleias municipais deverá baixar à 4.ª Comissão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, concordo com o que o Dr. Octávio Teixeira disse. Só que ele disse uma coisa mal, quando referiu que o assunto tinha sido aqui suscitado, e não o foi. Este assunto só se coloca, como o Sr. Deputado Octávio Teixeira disse, e o PSD concorda, até ao momento, em relação ao último diploma que votámos.
Os diplomas que têm que ver com matéria que implica com o regime eleitoral - e este projecto de lei do PCP, de facto, não tem que ver directamente com isso mas com a constituição dos municípios e as formas de funcionamento…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, se há uma maioria de Deputados que se pronuncia no sentido de as propostas de lei e os projectos de lei baixarem à 4.ª Comissão, eles também baixam a essa Comissão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quero informar que os projectos de lei e as propostas de lei não podem baixar, para efeitos de discussão na especialidade, simultaneamente a mais do que uma comissão. No entanto, estou de acordo em que se possa fazer uma destrinça.
Isto é, em relação à proposta de lei, aprovada há pouco, que contende com a revisão do sistema eleitoral, penso que todos concordamos que deverá baixar à 1.ª Comissão. Já a proposta de lei que se refere às competências e ao funcionamento das autarquias, a meu ver, faz sentido que baixe à 4.ª Comissão, tal como o projecto de lei do PCP, que acabámos de aprovar.

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Não quero perder esta oportunidade para, neste ponto, pelo menos, poder estar de acordo com o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

Risos do Deputado do PCP Octávio Teixeira.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, se houver maioria nesse sentido, a proposta de lei n.º 32/VIII e o projecto de lei n.º 354/VIII baixam à 4.ª Comissão e a proposta de lei n.º 34/VIII baixa à 1.ª Comissão.
Não havendo oposição, proceder-se-á desta forma.
Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 357/VIII - Lei eleitoral para as autarquias locais (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e da Deputada do PS Helena Roseta, com votos contra do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

O projecto de lei baixa à 1.ª Comissão.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, para comunicar que vou apresentar na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): -Srs. Deputados, não precisam de anunciar que vão entregar declarações de voto. Basta entregá-las e elas serão publicadas. É um direito que vos assiste.
Vamos, agora, votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 360/VIII - Reforma o sistema eleitoral autárquico (altera o Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro) (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do CDS-PP, votos a favor de Os Verdes, do BE e da Deputada do PS Helena Roseta e abstenções do PSD e do PCP.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 364/VIII - Cria o regime que regula a constituição das autarquias locais e respectiva eleição dos seus membros (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE, votos a favor do CDS-PP e da Deputada do PS Helena Roseta e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, agora, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 365/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que regula o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE, votos a favor do CDS-PP e da Deputada do PS Helena Roseta e a abstenção do PSD.

Vamos proceder a votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 370/VIII - Alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, em que se estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do CDS-PP e do BE e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

O projecto de lei baixa à 4.ª Comissão.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para anunciar que irá apresentar uma declaração de voto?

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, é para anunciar que apresentarei uma declaração de voto, mas, como os vários projectos de lei que foram votados têm a ver com a mesma matéria, a minha declaração de voto será global. Depois, explicarei que ela se aplica a todos os projectos de lei.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 56/VIII - Define o estatuto das associações juvenis e grupos de jovens.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PSD e do CDS-PP.

A proposta de lei baixa à 12.ª Comissão.
Agora, vamos proceder à votação, na generalidade, o projecto de lei n.º 200/VIII - Lei do associativismo juvenil (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do CDS-PP, do PCP, de Os Verdes e do BE.

O projecto de lei baixa à 12.ª Comissão.
Vamos, finalmente, votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 363/VIII - Lei-quadro do associativismo juvenil (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Inspecção-Geral da Saúde, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Barros Moura (PS) a depor, como testemunha, no processo n.º 25/OO-D, que se encontra pendente naquela instituição, em audiência marcada para o próximo dia 12 de Fevereiro de 2001, pelas 10 horas e 30 minutos.

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1920 | I Série - Número 47 | 09 de Fevereiro de 2001

 

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos prosseguir os trabalhos, dando início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 347/VIII, 355/VIII e 369/VIII e dos projectos de resolução n.os 103/VIII e 104/VIII…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não são esses diplomas que se segue na ordem de trabalhos.

Pausa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Peço desculpa. Saltei um ponto da ordem de trabalhos.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 319/VIII - Institui um sistema de reparação aos trabalhadores pela morosidade da justiça, em processo de falência, e reforça os privilégios dos créditos laborais (PCP).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União dos Sindicatos de Lisboa e a CGTP divulgaram, muito recentemente, os números brutais de um escândalo social que a tantos outros se junta - os montantes das dívidas das entidades patronais aos trabalhadores, só no distrito de Lisboa.
A iniciativa teve o mérito de concretizar aquilo que todos sabem: há, em Portugal, muito trabalho prestado gratuitamente; há, em Portugal, muitas famílias a viver muito mal, à míngua do dinheiro que lhes é devido pelo trabalho prestado na construção de riqueza dos outros, porque os salários em atraso continuam e porque se aperfeiçoaram as formas de apropriação das mais-valias dos trabalhadores, as quais, em certos casos, representam 100% das horas prestadas pelo trabalhador.
A situação que se vive é dramática.
Não poderei, aqui, citar em pormenor os números divulgados pela União dos Sindicatos de Lisboa e terei de dar um salto na minha intervenção, tal como o Sr. Presidente fez, há pouco, em relação à ordem de trabalhos, mas direi, em síntese, que no distrito de Lisboa, num total de 112 empresas pertencentes a 13 sectores de actividade, o total de dívidas aos trabalhadores, no ano passado, era de 22 095 309 contos.
Relativamente ao ano anterior, as dívidas aumentaram em 2 milhões de contos, tendo o número de empresas envolvidas aumentado, de um ano para o outro, em 37.
Há processos muito antigos envolvendo algumas destas empresas.
Em 100 empresas, três têm processos que ainda remontam à década de 70; 12 têm processos que são da década de 80; e 42 têm processos que se iniciaram num período compreendido entre 1990 e 1995. Na sua maioria, os processos estão já na fase de decisão há mais de cinco anos.
Não poderei citar em pormenor a situação de empresas concretas como a Novobra, a Enobra, a Valura, a Salles Caldeira, a Auto Portuguesa, a Sousa Braga, todas do distrito de Lisboa, bem como a situação dos trabalhadores, a quem as empresas devem milhões de contos de dívidas. Mas se fôssemos para outros distritos como o Porto, Aveiro e Setúbal, encontraríamos muitos trabalhadores em situação idêntica.
Permitam-me que cite mais em detalhe o caso dos trabalhadores da Mundet, empresa encerrada há já longos anos, com processo de falência no Tribunal do Seixal desde 1988, cuja falência foi decretada há muito, já tendo, inclusivamente, o património liquidado, mas sem que aos trabalhadores tenha sido entregue sequer um tostão dos créditos que reclamaram.
Preocupante é ver que surge um novo surto de encerramentos e falências de empresas. É de referir o caso da Lanalgo, em Lisboa, que deixou 109 trabalhadores sem posto de trabalho, devendo-lhes um total de 350 000 contos.
Ora, esta situação dramática não pode continuar, por isso, com este projecto de lei, damos um contributo, que deve e pode ser melhorado, para começar a pôr fim ao calvário destes trabalhadores e para que não voltem a acontecer casos idênticos a outros que também há pouco tempo perderam o posto de trabalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É da mais elementar justiça proporcionar a quem não tem outra solução senão o recurso aos tribunais um efectivo acesso ao Direito, aos tribunais e à Justiça. É uma gritante injustiça não reparar os danos causados pela morosidade da justiça, é uma gritante injustiça não tomar medidas que garantam o funcionamento célere dos tribunais, nomeadamente em processos que, pela sua própria natureza, são urgentes!
São processos urgentes, porque, na grande maioria dos casos, referem-se a trabalhadores que, apesar do seu saber de experiência feito, encontram trabalho com muita dificuldade. São considerados velhos para trabalhar e novos para ser reformados. São trabalhadores que, esgotados os subsídios de desemprego, nada mais têm senão a espera dramática pelo pagamento dos seus créditos, da remuneração do seu trabalho.
É desta situação que nasce o projecto de lei do PCP, intervindo a jusante da vida de uma relação laboral.
O projecto de lei incide em duas áreas: reformula o sistema de privilégios creditórios dos créditos dos trabalhadores constante da Lei dos Salários em Atraso e do Código Civil e introduz mecanismos no processo especial de falência que garantam recebimento mais célere dos créditos dos trabalhadores.
Relativamente ao primeiro ponto, o dos privilégios creditórios, a experiência veio demonstrando ser muito insuficiente o que se encontra legislado, o que já antevíamos quando apresentámos o nosso projecto de lei que veio dar origem à Lei dos Salários em Atraso. Nas nossas propostas, os privilégios creditórios constantes do diploma abrangiam todos os créditos dos trabalhadores e não apenas os que radicavam no atraso do pagamento de salários.
Relativamente ao sistema criado por aquela lei, os trabalhadores defrontaram-se com uma primeira corrente jurisprudencial que não aplicava o regime de privilégios ao crédito relativo à indemnização, embora sendo esta decorrente da rescisão do contrato por motivo de atraso no pagamento pontual da retribuição.
Tal injustiça acabou por ser ultrapassada jurisprudencialmente, mas com o sistema que propomos no presente projecto de lei ficam arredadas as dúvidas. É que

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todos os créditos, quer sejam decorrentes dos salários em atraso, quer não sejam, passam a beneficiar do sistema de privilégios constantes daquela lei, ficando assim revogado o sistema previsto no Código Civil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores também se defrontam com outro problema, que tem a ver com outros credores privilegiados, como o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), dado que a Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, ao ressalvar os privilégios dos créditos anteriormente constituídos àquela lei, veio, de facto, relegar para segundo plano os créditos dos trabalhadores.
Num parêntesis, queremos salientar que muitos arrastamentos de processos se devem ao facto de o IEFP ter recorrido sistematicamente de decisões de juízes e de, inclusivamente, ter atrasado os pagamentos aos trabalhadores da Fábrica de Louça de Sacavém por ter interposto recurso.
Passo agora a referir-me ao segundo ponto do nosso projecto de lei, em que apresentamos propostas para acelerar a máquina da justiça. Propomos um sistema que se cifra na feitura de mapas de rateio provisório em três fases: primeiro, logo na fase inicial, passados três meses de ter sido publicada a falência; depois, na fase de saneamento do processo; por fim, na fase de sentença de graduação e verificação de créditos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A terminar - se dispusesse de mais tempo, explicaria em pormenor algumas das soluções -, e para esclarecer, direi que não há qualquer sobreposição legal entre este regime e o do Fundo de Garantia Salarial.
Em primeiro lugar, porque o Fundo de Garantia Salarial apenas assegura créditos vencidos nos seis meses anteriores à data da propositura da acção ou do requerimento de conciliação, enquanto que o sistema proposto vai muito para além disso.
Em segundo lugar, porque o Fundo de Garantia Salarial apenas se aplica às acções a instaurar, enquanto que o sistema proposto se aplica às acções pendentes.
Em terceiro lugar, porque o Fundo de Garantia Salarial apenas paga o equivalente a quatro meses de retribuição.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, esgotou o tempo de que dispunha, beneficiando, agora, de 2 minutos que lhe foram cedidos pelo Grupo Parlamentar Os Verdes.

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou terminar, dizendo que, ainda no mês de Janeiro, foi publicado um acórdão de uniformização de jurisprudência que também vai contra os direitos dos trabalhadores.
Embora com muitos votos de vencido, foi considerado que o Instituto do Emprego e Formação Profissional não integrava o conceito de Estado do artigo 152.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência. Este acórdão é de 5 de Janeiro do corrente ano, o que vem dar origem a que o IEFP veja os seus créditos continuarem a ser considerados como privilegiados, ao contrário dos créditos, por exemplo, da segurança social. Aí está mais uma alteração, que não incluímos no diploma, a fazer em sede de especialidade, assim os Srs. Deputados tenham sensibilidade para este problema.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 319/VIII, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, hoje em apreciação na Câmara, visa a criação de um sistema de reparação aos trabalhadores para obviar aos problemas da morosidade da justiça em processo de falência e o reforço dos privilégios dos créditos laborais.
Para a prossecução destes objectivos propõe-se um conjunto de alterações normativas à ordem jurídica vigente que podemos agrupar em dois grandes segmentos: por um lado, o reforço dos privilégios dos créditos laborais; por outro lado, a instituição de um sistema de adiantamento, pelo Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça, de montantes devidos aos trabalhadores com créditos privilegiados reclamados em processo de falência.
Com efeito, uma das linhas de força centrais do projecto de diploma em discussão é o alargamento do âmbito de aplicação do regime dos privilégios creditórios previstos na Lei dos Salários em Atraso a todos os créditos laborais.
Actualmente, os créditos dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho ou da violação ou cessação deste contrato, relativos aos últimos seis meses, gozam de um privilégio mobiliário geral, previsto na alínea d), n.º 1, do artigo 737.º do Código Civil. Quanto a todos os outros créditos dos trabalhadores, apenas os créditos salariais abrangidos pela Lei dos Salários em Atraso gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário.
Definirem-se quais os créditos laborais que efectivamente beneficiam do sistema garantístico da Lei dos Salários em Atraso assume particular relevância, não só pela maior ou menor protecção que daí possa resultar para a situação patrimonial dos trabalhadores como para a desejável uniformização das decisões a proferir pelos aplicadores da lei, tratando-se de um aspecto que carece de ser devidamente discutido e ponderado em sede de especialidade se o presente projecto de diploma vier a merecer a aprovação, na generalidade, pelo Plenário.
A salvaguarda de todos os créditos laborais dos trabalhadores, em processo de falência, com privilégios mobiliários gerais e imobiliários gerais, sem que se tenha em consideração a diferente natureza que esses créditos assumem na remuneração dos trabalhadores ou nos seus direitos indemnizatórios, parece-nos ser uma solução que peca por excesso. Na verdade, a lei concede determinados privilégios tendo sempre em atenção a causa do crédito e, no que respeita aos privilégios dos créditos laborais, a protecção especial que lhes é conferida radica na necessidade de tutela do trabalhador e do seu agregado familiar.
Só na medida em que os créditos laborais de que o trabalhador seja titular se revistam de uma dimensão social ou alimentar essencial é que poderão ser pagos preferencialmente. As garantias resultantes dos privilégios creditórios geram sempre uma incerteza no comércio jurídico e prejudicam a concessão do crédito em geral, o que reclama do legislador parcimónia na sua fixação.
Definido o âmbito dos créditos laborais dignos desta tutela garantística à luz das balizas supra enunciadas, não nos repugna que a sua aplicabilidade possa estender-se aos créditos laborais já constituídos antes da entrada em vigor da Lei dos Salários em Atraso, desde que tal não ofenda o princípio do trânsito em julgado das decisões judiciais já proferidas.

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Quanto à consagração legal de um sistema de adiantamento, pelo Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça, de montantes devidos aos trabalhadores com créditos privilegiados em processo de falência, não podemos deixar de manifestar a nossa discordância.
O presente diploma ignora que o Governo do PS fez já publicar o Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de Junho, que instituiu um Fundo de Garantia Salarial, que assegura aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação nos casos em que a entidade patronal esteja em situação de insolvência ou em situação económica difícil. Para tal, basta que se encontre pendente uma acção nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência e que o juiz declare a falência ou mande prosseguir a acção como processo de falência ou como processo de recuperação.
Por outro lado, é de salientar e sublinhar que, contrariamente ao consagrado no diploma em discussão, o Fundo de Garantia Salarial existente resultou de compromissos assumidos com os parceiros sociais e tem uma gestão tripartida, cabendo a mesma ao Estado e a representantes dos trabalhadores e das entidades patronais, solução que assegura melhor o prosseguimento dos seus objectivos do que se tal tarefa estivesse apenas confiada ao Estado.
De salientar também que o diploma em discussão remete para as verbas do Orçamento do Estado o financiamento necessário para assegurar os adiantamentos nele previstos, fazendo recair sobre toda a colectividade os custos das empresas não cumpridoras, quando no Fundo de Garantia Salarial, criado pelo decreto-lei já mencionado, o financiamento do mesmo é repartido pelas entidades patronais através de verbas respeitantes à parcela dos encargos de solidariedade laboral da taxa contributiva global, na quota parte por aquelas devida e na quota parte pertencente ao Estado.
Nestes termos, entendemos que estão já criados mecanismos de protecção dos trabalhadores adequados e conformes aos interesses tutelados. Estaremos sempre, numa postura responsável e séria, disponíveis para discutir as virtudes e insuficiências do Fundo de Garantia Salarial, mas não estamos disponíveis para criar um novo sistema de adiantamentos, como pretende o PCP, sem que esteja provada a sua utilidade e assegurada a sua conformidade e compatibilização com os mecanismos já em vigor.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E estar à espera de dinheiro há 20 anos!?

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A melhor tutela dos direitos dos trabalhadores constitui para nós, socialistas, uma preocupação indelével da política laboral que preconizamos para a edificação de uma sociedade justa.
Orgulhamo-nos de os Governos do PS terem procurado incessantemente dar exequibilidade às disposições legais tuteladoras da situação jurídica dos trabalhadores, de que são exemplo a aprovação de um conjunto de alterações ao Código de Processo do Trabalho, as melhorias introduzidas ao regime jurídico no âmbito do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, a criação de tribunais de recuperação da empresa e de falência e, ainda, o significativo reforço, com meios técnicos e humanos, dos serviços da Inspecção-Geral do Trabalho.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Temos a convicção inabalável de que uma economia só progride quando todos os agentes vêem os seus legítimos interesses devidamente acautelados, o que reclama dos responsáveis políticos soluções equilibradas de protecção das relações de trabalho que garantam a segurança e o bem-estar dos trabalhadores sem comprometerem as possibilidades de desenvolvimento da economia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente projecto de lei visa resolver ou minorar as consequências do problema da morosidade dos tribunais. Esta é a verdadeira questão, pois se, porventura, os tribunais e a justiça funcionassem de uma forma célere não estaríamos aqui, neste momento, a discutir esta questão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É verdade!

O Orador: - É só por causa da morosidade da justiça em Portugal!
Evidentemente, somos sensíveis e estamos preocupados com a situação resultante dessa morosidade da justiça, em particular com o problema que causa aos trabalhadores no que diz respeito às empresas em processo de falência, os quais vêem muitos dos seus créditos serem pura e simplesmente transformados numa impossibilidade de cobrança.
É evidente que somos sensíveis a esse problema e que estamos preocupados com essa situação. Seria, porventura, bom que estivéssemos a abordar este problema, não na perspectiva de criar um anestesiante mas, sim, na perspectiva de o resolver de facto, isto é, de permitirmos que a justiça funcione de uma forma célere, pois só uma justiça célere é, perdoe-se a redundância, verdadeira e efectivamente justa.
Não foi esse o caminho escolhido pelo PCP. Porventura, seria difícil que fosse escolhido o outro caminho, aquele que verdadeiramente tem de ser percorrido, pois o Governo é aquele que temos e não vale a pena estarmos a «enterrar a cabeça na areia» e a fingir que, com ele, é possível resolver alguns dos graves problemas que afectam a justiça portuguesa.
Por isso mesmo, havendo, da nossa parte, muitas dúvidas em relação a algumas soluções propostas pelo PCP, havendo discordâncias em relação a outras, mas também concordância em relação a outras ainda, e compreendendo a impossibilidade de, com este quadro político e com este Governo, resolver o verdadeiro problema do funcionamento da justiça em Portugal, é evidente que damos a nossa compreensão e abertura para encontrar soluções provisórias que possam amenizar o drama de muitos trabalhadores, que vivem esta situação de uma forma completamente

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incompreensível, na esperança de que seja rapidamente possível atalhar o verdadeiro caminho, isto é, dotar Portugal de uma justiça verdadeiramente eficaz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Alves Pereira.

O Sr. Alves Pereira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O presente projecto de lei divide-se em duas alíneas - a primeira, que pretende instituir um sistema de reparação aos trabalhadores pela morosidade da justiça e a segunda, que pretende reforçar os privilégios dos créditos laborais.
No que diz respeito ao primeiro aspecto, pese a bondade e a preocupação manifestada, que certamente é comungada por toda a Câmara, parece-nos que o meio mais adequado não é o de estabelecer legalmente mais garantias para os trabalhadores. Não só porque o actual ordenamento jurídico já se afigura suficientemente garantístico mas também porque o real problema é o não cumprimento da lei. Este, para nós, é o real problema que aqui se coloca, como, aliás, consta da «Exposição de motivos» do próprio projecto de lei apresentado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por sua vez, como todos sabemos, o processo especial de recuperação das empresas e de falência já segue a forma de processo urgente, com prazos curtos, que, se forem cumpridos, salvaguardam, de certa maneira - e parece-nos de uma maneira equilibrada-, os interesses dos trabalhadores e restantes credores.
O principal e nuclear problema é que a lei não é cumprida pelos tribunais, como a Sr.ª Deputada Odete Santos referiu na sua intervenção.
Neste contexto, parece-nos que, em vez do projecto de lei proposto pelo PCP, poderia avançar-se com um projecto de resolução que obrigasse o Governo e os seus agentes a cumprirem e fazerem cumprir a lei, que certamente seria acompanhado pelo CDS-PP.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, quanto à morosidade da justiça, entendemos, e já o propusemos, ser necessário estabelecer um autêntico pacto de regime, para que se criem mecanismos, quer de aceleração processual quer de responsabilização efectiva dos seus agentes, de modo a que os prazos já previstos na lei sejam cumpridos ou que haja uma justificação cabal desse não cumprimento. A irresponsabilidade tem de acabar.
É que, a ser aprovado este projecto de lei, não passará de mais um, a juntar a muitos outros que não são cumpridos, e, em consequência, daqui a algum tempo, ter-se-á de aprovar outro para fazer cumprir este, e assim sucessivamente.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - E não se passaria o mesmo com a proposta de resolução?

O Orador: - É uma espiral que a segurança jurídica e a assunção de uma política global e concertada de combate a fraude não permitem.
Por isso, não é este, em nosso entender, o caminho certo para defender os direitos inquestionáveis dos trabalhadores.
Quanto aos privilégios creditórios laborais, a proposta de alteração do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 17/86, ao excluir os privilégios anteriormente constituídos, com direito a serem graduados antes da entrada em vigor da presente lei, põem em causa a certeza do direito e os legais e legítimos interesses daqueles que se encontrem em tal situação, o que não nos parece legítimo, além de que o nosso ordenamento jurídico, como todos sabemos, aponta para a não retroactividade da lei, enquanto regra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é retroactivo!

O Orador: - O artigo 4.º, sob o título «Créditos dos trabalhadores exceptuados da Lei n.º 17/86», não faz mais do que consagrar novamente o que já está previsto no n.º 1 do artigo 12.º, pois aí já estão contemplados todos os créditos que resultem ou sejam emergentes do contrato de trabalho, sendo certo que a jurisprudência - como, aliás, muito bem referiu a Sr.ª Deputada Odete Santos -, hoje, é uniforme em dizer que estão abrangidos «(…) os salários em atraso e as indemnizações devidas de acordo com a respectiva antiguidade, em resultado da rescisão unilateral com justa causa do contrato de trabalho pelo trabalhador, além do mais». Se alguma dúvida era criada pelo decreto-lei ou pela lei, parece-nos que a própria jurisprudência veio, de maneira uniforme, resolver essa lacuna. De modo que, quanto a nós, fica prejudicado o disposto nas alíneas seguintes.
O artigo 5.º sofre do mesmo vício de pretender dar efeitos retroactivos à lei, pondo em causa a certeza e segurança do próprio comércio jurídico, embora, como é óbvio, não tenhamos nenhum tipo de objecção a que seja o Ministério Público a promover a passagem das certidões dos créditos, aqui considerados privilegiados.
No artigo 6.º e seguintes introduzem-se alterações ao artigo 191.º do referido Código, no sentido de o liquidatário apresentar um mapa de rateio provisório que, depois de apreciado pelo juiz, poderá servir para adiantamentos dos créditos dos trabalhadores pelo Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça. Não temos qualquer objecção a que esses adiantamentos sejam feitos, desde que seja por motivo de morosidade da justiça.
O que duvidamos é que também esta inovação venha a ser cumprida. Aliás, a responsabilização do Estado pela morosidade da justiça, quando esta vise direitos legítimos dos cidadãos, há muito que é defendida pelo CDS-PP e, na última sessão legislativa, foi objecto de um debate de urgência por nós requerido.
Por último, entendemos que o artigo 150.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação das Empresas e de Falências, quando remete para o liquidatário e comissão de credores o poder de arbitrar ou não o subsídio a título de alimentos, deveria ser alterado de modo a que esse poder passasse a ser da competência do juiz. O preceito, do modo como está formulado na lei, dá ao liquidatário funções judiciais, bem como à comissão de credores, o que poderá ser contraproducente aos objectivos que o próprio projecto de lei enuncia, para além de ser contrária à transparência que o próprio processo deve ter. Entendemos que, quanto a esta parte, deveria voltar-se à forma primitiva de essa competência ser atribuída ao juiz do processo.

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Na verdade, em nosso entender, o presente projecto de lei deve ser objecto, em sede de comissão, de profundas alterações, de modo a atacar o problema da morosidade com medidas concretas de responsabilização, com vista a efectivar o cumprimento da lei, bem como a eliminarem-se os preceitos que repetem o que aí já está consagrado.
Embora, face ao que fica exposto, seja clara a nossa reserva em relação ao projecto de lei apresentado pelo PCP, o CDS não deixará de, em caso de o projecto baixar à respectiva comissão para apreciação na especialidade, procurar uma solução de compromisso que, com equidade, permita a consagração de um regime que defenda os interesses de todas as partes envolvidas, designadamente de credores e credores privilegiados.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma nova intervenção, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais, queria agradecer ao Partido Ecologista «Os Verdes» pelos 3 minutos que me cederam.
Faço esta intervenção por uma única e simples razão: penso que devia referir-me à «Nota» do Gabinete do Sr. Ministro da Justiça, para salientar que, pela nossa parte, consideramos importante que ela tenha sido distribuída, porque demonstra que o Ministério da Justiça também teve em atenção este problema.
Quero dizer, em segundo lugar, que, quando apresentámos este projecto de lei, não estávamos a acusar este Ministério da Justiça mas a constatar uma situação. O Sr. Deputado Alves Pereira disse que estes processos eram urgentes. Pois são! Está na lei que são urgentes. Só que há processos que já têm 12, 15 e 20 anos…

O Sr. Alves Pereira (CDS-PP): - Têm de ser resolvidos!

A Oradora: - Se isto é urgência… Acabamos todos por morrer, ou eu reformar-me, e ainda ficam processos pendentes.
Portanto, não é este Ministério da Justiça que se acusa. É uma situação que se aponta, por falta de meios técnicos e humanos dos tribunais, que, aliás, vem registado na «Nota» do Gabinete do Sr. Ministro da Justiça.
O nexo de causalidade é óbvio. É que, com este projecto de lei, o Ministério da Justiça fica «com a faca e o queijo na mão» - e não estou a referir-me ao Orçamento do Estado -, porque, se se não quer adiantar verbas do Gabinete de Gestão Patrimonial (anterior Gabinete de Gestão Financeira), só há a solução de, pelo menos nestes processos urgentes que se arrastam, dotar os tribunais dos meios necessários para que eles andem depressa. Portanto, o nexo de causalidade é evidente, porque ao Ministério da Justiça cabe, de facto, dotar a organização judiciária desses meios para que a justiça seja célere, em obediência ao artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Depois, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e gostava que o Sr. Ministro da Justiça estivesse também presente -, se um particular, um autor ou um réu, num processo cível, não cumprir o prazo de 90 dias, que tem para algumas coisas, o processo vai à conta e ele tem de pagar custas como sanção para o processo recomeçar, porque é considerado um desleixado. Então, e esta situação dos anos? Não tem de ter alguma solução? Não tem de ter um apontar de dedo para uma entidade, não o Ministro, que é, de facto, responsável… E já houve vários, variadíssimos ministros que lidaram com esta situação. Não estou a distribuir culpas, mas a dizer que esta situação, efectivamente, não pode continuar. Creio que se cá estivesse o Sr. Ministro da Justiça ou o Sr. Secretário de Estado da Justiça, ao ouvirem a parte final da minha intervenção, concordariam que não há sobreposição legal de espécie alguma com o Fundo de Garantia Salarial.
Tenho esperança, pelas intervenções que ouvi, de que, em sede de especialidade, poderemos discutir isto e achar uma solução que, pelo menos, minore o calvário dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, de acordo com o que pude depreender da sua intervenção, a senhora está extremamente preocupada com a situação dos trabalhadores que são titulares de créditos privilegiados em processos de falência. Nós também estamos, igualmente, preocupados. Tanto assim é que o Governo do Partido Socialista providenciou, e concretizou mesmo, a elaboração de um diploma legislativo, em 1990, que já acautela, em parte, a situação das pessoas que estão com os seus salários por receber quando está a decorrer um processo de falência.
A postura do Partido Socialista não foi de bloqueio…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A Sr. Deputada disse 1990?

A Oradora: - Não! Em 1999.

A Sr. Odete Santos (PCP): - Ah!

A Oradora: - Aliás, a implementação deste Fundo vai ser discutida na próxima semana, em reunião de Secretários de Estado.
Aquilo que está em causa no vosso diploma é tentar compensar os trabalhadores pela morosidade da justiça, mas penso que não é esse o objectivo deste adiantamento. O que este adiantamento visa é permitir aos trabalhadores que, enquanto esperam pela finalização do processo de falência, possam ver a sua situação de carência alimentar, de carência de retribuição, auxiliada pelo Estado.
Isto porque, Sr.ª Deputada Odete Santos, a situação que resulta para o trabalhador da morosidade da justiça tem de ter uma compensação muito maior, e não é através deste esquema.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O trabalhador terá de intentar uma acção de responsabilização do Estado e, se obtiver provimento nessa acção…

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mais 10 anos à espera!

A Oradora: - Se assim for, vence juros, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Entretanto, a pessoa morre e leva-os para o caixão!

A Oradora: - Se calhar, vai durar mais do que 6 meses e terá de estar os 6 meses sem outro tipo de retribuição e o Estado não vai estar a assegurar toda a vida.
Mas, como eu estava a dizer, só se obtiver provimento nessa acção de responsabilização é que, efectivamente, o Estado irá compensar pela morosidade.
Ora, não se compreende como é que VV. Ex.as, pretendendo dizer que este adiantamento é para compensar a morosidade, não permitem, depois, que, numa eventual acção de indemnização contra o Estado, possam ser descontadas as quantias que foram adiantadas. Neste aspecto, o vosso projecto de lei não confere nenhuma racionalidade às regras já vigentes.
Estamos dispostos a acertar a protecção que querem garantir aos trabalhadores nesta situação, dentro do âmbito do decreto-lei já existente. Quanto a isso, podem contar com o Partido Socialista, pois somos sensíveis, uma vez que a conhecemos, à situação dramática por que passam os trabalhadores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, registo com satisfação que estão dispostos, talvez, a aumentar as verbas do Fundo de Garantia Salarial. Não sei bem se assim é, mas, depois, em sede de especialidade, discuti-lo-emos.
No entanto, Sr.ª Deputada, não tem razão naquilo que disse. Há uma situação em que as verbas aparecem como compensação da morosidade da justiça: quando se chega a certa altura e se verifica que não há bens ou que estes não foram suficientes para os créditos dos trabalhadores. Nesse caso, está «escritinho» na lei que não devolvem o dinheiro, havendo, de facto, uma compensação pela morosidade.
Sr.ª Deputada, pôr um processo desses aqui, no País? Para quê? Para estar à espera cinco anos, isto - e não tenho bem presente - se não calhar a ser do foro dos tribunais administrativos, caso em que, então, estaríamos ainda mais desgraçados!… É que, se fosse esse o caso e se se pusesse um processo hoje, eu morria, daqui a 30 anos, e ainda o processo estaria a correr!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - 30 anos?!

A Oradora: - Sim, que ainda hei-de viver mais 30 anos, pois então! Sobretudo, espero viver para ter algum contentamento por ver alguma coisa aprovada - e sei que não será este diploma tal qual -, que constitua mais um passo para fazer com que a cruz não seja tão pesada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para uma intervenção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, ele está ao telefone; não ouve!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Mas eu posso telefonar-lhe!

Risos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ou, então, telefono eu e ouço a intervenção pelo telefone!

Risos gerais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os grupos parlamentares têm telefones e usam-nos ao serviço da Câmara e, naturalmente, o Governo também. Gostaria de dizer que tinha relação com a matéria de que nos ocupamos o contacto que acabei de fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acompanhei este debate, como todos os outros, não só por dever de ofício mas com genuíno interesse e prazer, embora a questão que nos traz aqui seja de sofrimento e, portanto, motive solidariedade e mobilize capacidade de resolução de problemas.
O Sr. Ministro da Justiça e a sua equipa não estão presentes porque essa equipa está repartida, neste dia que todos sabem ser marcado pela abertura solene do ano judicial, e, de resto, está neste momento também, em parte, em Estocolmo, na cimeira informal que se realiza entre Ministros da Administração Interna e da Justiça.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E eu não fiz nenhuma crítica!

O Orador: - Em todo o caso, o Sr. Ministro, como a Sr.ª Deputada Odete Santos teve a gentileza de sublinhar, não apenas analisou cuidadosamente a iniciativa que hoje está submetida à Câmara como teve ocasião de fazer redigir uma pequena nota analítica, que transmiti a todas as bancadas e cuja finalidade é, tão-só, a de situar os pontos de consenso indiciado e os pontos em que há dificuldades a trabalhar. Não farei eu próprio a leitura dessa nota, está em mãos dos Srs. Deputados. Pediria, Sr. Presidente, todavia, que a mesma fosse anexada à acta desta sessão, como é frequente, para acesso de outros, que não nós próprios, ao seu conteúdo.
Agora que o debate se aproxima do seu termo, gostaria, tão-só, de sublinhar uma impressão que me possui depois de ter ouvido tudo o que ouvi.
Em primeiro lugar, julgo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que há uma percepção comum na Câmara de que há um problema a resolver e o Governo partilha essa percepção. Tal resulta, muito inequivocamente da nota que tive o gosto de distribuir.
Tanto o olhar do Ministério do Trabalho e da Solidariedade como o olhar do Ministério da Justiça convergem em admitir que a legislação de 1986 pode ser melhorada. Pode até ser melhorada dando alguma eficácia retroactiva ao normativo que agora seja aprovado, desde que - percebi a preocupação do Sr. Deputado do PP - não se fira qualquer sentença de verificação ou graduação de créditos entretanto ocorrida.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas o projecto de lei tem essa salvaguarda!

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O Orador: - Não pode haver ofensa de caso julgado, como é evidente, e julgo que isso constituirá uma preocupação dos Srs. Deputados que, na comissão competente, apreciarão esta questão. Mas julgo que, nessa matéria, se indicia um consenso - e isso é positivo - que dará resposta a situações que, entretanto, ocorreram.
Em segundo lugar, julgo que também se anuncia um consenso - e o Governo terá gosto em participar na discussão deste aspecto, se for convidado para tal - no sentido do alargamento a outros créditos dos trabalhadores, que não o salário, dos privilégios creditórios que estão previstos para os salários nos termos da legislação em vigor.
No entanto, é preciso que nos movamos com cuidado nesta matéria, para evitar que haja créditos que sejam objecto de qualquer manipulação, por forma a iludir as regras existentes e a prejudicar outros credores, incluindo o próprio Estado, uma vez que, como sabem, há uma margem para manipulação nesta matéria.
Isto leva-me à terceira questão, que é avivada por uma menção feita pela Sr.ª Deputada Odete Santos à maneira como as coisas se passam.
Há coisas na morosidade, neste domínio, Srs. Deputados, que não resultam da falta de meios ou de problemas humanos, resultam de estratégias de luta social, de afrontamento, que passa pelos tribunais e através deles mas que existe na sociedade…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Recuperou a teoria da luta de classes!

Risos do PCP.

O Orador: - … e em que alguns usam de meios para gerar a morosidade.
Srs. Deputados, não é uma coisa que tenha sido inventada por alguém em especial ou que seja património de alguém em especial. Há, na movimentação dos tribunais, que não são um laboratório, forças que agem e que não são senão contraditórias, como sabemos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - São as forças de bloqueio!?

O Orador: - Portanto, não resolvemos isto apenas à custa de mais meios. Há outros elementos que condicionam esse funcionamento. De contrário, acabaríamos a resolver estes problemas à custa de fundos de garantia, o que seria uma solução fabulosa, Sr.ª Deputada Odete Santos, para a questão da luta social! Com fundos de garantia, iríamos lá, o que é uma concepção reformista, que me apraz sublinhar, mas é uma concepção reformista assente numa ilusão, e eu não gostaria de cultivar essa ilusão. Isto conduz-me à questão do dinheiro.
Quanto à questão do dinheiro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Justiça autorizou-me a transmitir uma preocupação de que está possuído neste momento. É preciso dar a cada fundo a sua função.
Como a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro certeiramente referiu, o Fundo de Garantia Salarial será objecto de regulamentação num aspecto determinante, está em mãos do conselho de Secretários de Estado e passará para as mãos do Conselho de Ministros. Esse processo está, pois, em finalização, num sentido benévolo, de um alargamento. Este Fundo desempenha um papel, que não deve ser substituído e é preciso medi-lo com cuidado.
A Sr.ª Deputada ignora um pouco os limites e os contornos do fundo tal qual será. Não digo tal qual é mas tal qual será...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quem é que ignora?

O Orador: - Pareceu-me, Sr.ª Deputada, face àquilo que disse!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não! Eu conheço os diplomas!

O Orador: - Não se trata de ler, trata-se de admitir que a filosofia é aquela e não outra e que não se trata de concentrar num megafundo do Ministério da Justiça todas as funções que cabem a outros fundos.
O Sr. Ministro da Justiça encomendou ao Dr. Pinto Ribeiro - suponho que será uma surpresa que a Sr.ª Deputada aplaudirá - um estudo para a criação de mecanismos com vista a uma intervenção célere, administrativa, com carácter subrogatório, em situações de especial necessidade, para proteger as vítimas, por exemplo, em processo penal.
Essas situações de carência devem ser objecto de um mecanismo de protecção. O Ministério da Justiça responderá por essas situações de carência, mas não devemos concentrar esse mecanismo num fundo, sobretudo em condições que, como decorre do projecto de lei do PCP, seriam igualmente adiantamentos, não apenas limitados ao seu montante, mas, verdadeiramente, subsídios, ou seja, adiantamentos que, mesmo que a indemnização viesse a ser inferior, nunca seriam devolvidos. Não devemos enveredar por um caminho nesse sentido.
Os Srs. Deputados terão de ponderar com muito cuidado - a Assembleia é soberana! -, mas isso envolveria a criação de um precedente muito melindroso e não é por aí que o Governo quer ir, o que julgo ser compreensível. É, pois, uma questão que os Srs. Deputados terão de considerar na especialidade.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Essa também acho boa!

O Orador: - Em suma, Sr. Presidente, Srs. Deputados, diria que este debate tem um fim feliz no sentido exacto em que indicia um consenso em relação a aspectos fundamentais e identifica com muito rigor um problema.
Faço votos para que esse problema seja resolvido, e bem, e o Governo dará toda a cooperação institucional aos grupos parlamentares no sentido de serem encontradas as boas soluções.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate do projecto de lei n.º 319/VIII, o qual será objecto de votação no próximo período regimental para votações.
Passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 347/VIII - Altera o artigo 178.º do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro (PS), 355/VIII - Torna público o crime de abuso sexual de crianças (altera o artigo 178.º do Código Penal) (Os Verdes) e 369/VIII - Altera os artigos 169.º, 170.º, 176.º e 178.º do Código Penal (PCP) e dos projectos de resolução n.os 103/VIII - Combate aos maus

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tratos e abuso sexual sobre menores e reforço das medidas de apoio às comissões de protecção de crianças e jovens (BE) e 104/VIII - Recomenda ao Governo que proceda à regulamentação urgente do regime de execução das medidas de promoção e de protecção de crianças e jovens em risco previstas no n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A sacralização da privacidade do espaço familiar como valor superior a qualquer outro tem vindo, cada vez mais, a ser posta em causa à medida que chegam ao conhecimento público notícias de crimes horrendos que esse resguardo permite praticar impunemente.
À medida que se avança em termos do conhecimento que a ultrapassagem dos padrões intimistas, pelas mais variadas razões, vem permitindo trazer à luz do dia, surgem revelações assustadoras que nos têm obrigado a pôr em causa entendimentos culturalmente enraizados.
Insere-se nesta assumpção a descoberta da família como um espaço de violência absolutamente contraditório com o conteúdo de guardião afectivo proporcionador de um desenvolvimento sadio que conceptualmente lhe atribuímos, tanto mais brutal quando as vítimas são crianças, traindo a essência inerente à tipificação do poder paternal como poder-dever.
Lutar contra esta realidade, cada vez mais demonstrada em sólidos estudos nacionais e internacionais, em casos concretos chegados ao conhecimento quer de entidades públicas quer de organizações não governamentais que lidam com esta problemática, exige de todos nós posições firmes que permitam lutar contra esta situação, apurando as suas causas para as eliminar, preveni-la sempre que possível e punir o agressor.
Se é certo que tem havido sinais inequívocos, por parte do legislador, no que se refere ao âmbito de intervenção penal, no sentido de aperfeiçoar a previsão legal, o que é um facto é que a prática tem vindo a demonstrar a ineficácia pelo menos relativa dos aperfeiçoamentos introduzidos.
Uma das explicações reside, eventualmente, no facto de, culturalmente, ainda se encontrar muito enraizada a convicção de que problemas domésticos resolvem-se no seio da família, sem intervenção de entidades externas à mesma cuja intromissão permitiria pôr a descoberto questões embaraçantes ou estigmatizantes cujas consequências o conhecimento público agravaria.
Mas ponderados os interesses em presença, dos quais o primeiro de entre todos é, certamente, o da vítima, é minha firme convicção que eles só serão verdadeiramente defendidos se os atentados brutais contra a sua dignidade, contra a sua integridade física e psíquica forem objecto de protecção que a natureza de um crime público permitirá salvaguardar.
Esta iniciativa, independentemente da oportunidade de intervenção que o actual regime legal em vigor devidamente explorado já permite realizar, constitui, pelo menos, um sinal inequívoco às autoridades quanto ao seu dever de intervir e de encaminhar obrigatoriamente para as entidades competentes situações desta natureza, permitindo ultrapassar a convicção de que aquilo que se passa no seio da família pertence apenas à esfera privada, sobretudo nas situações em que a vítima é menor e em que o agressor se confunde com uma pessoa que mais deveria acautelar e zelar pelos seus interesses.
Não se trata, na sua maioria, de actos, digo, crimes, isolados, mas, antes, de práticas reiteradas, que configuram verdadeiros martírios vividos sufocadamente em silêncio perante a indiferença e a tranquilidade de consciência de quem tem obrigação de impedir que essas situações se verifiquem, ou seja, todos nós - políticos, agentes sociais, autoridades, sociedade civil organizada.
Não basta contentarmo-nos com os passos que têm sido dados. Temos de buscar, incessantemente, o seu aperfeiçoamento. Por isso, esta matéria é hoje tratada numa perspectiva mais abrangente, através de propostas apresentadas por outros partidos. Analisemo-las, trabalhemo-las em conjunto, produzamos um trabalho adequado àquilo que é nosso conhecimento sobre toda esta problemática e tenhamos a convicção de que talvez amanhã estejamos aqui, novamente, para rever soluções que, hoje, nos parecem ajustadas mas que a complexidade e a delicadeza da matéria vierem a revelar insuficientes.
Proteger os interesses das crianças não pode ser um discurso vazio. Não podem ser apenas citações de poetas inspirados, que nos tocam e que invocamos ocasionalmente para impressionar auditórios; têm de ser políticas definidas de forma concertada numa lógica de transversalidade, permanentemente atentas aos novos riscos, designadamente os ligados à sociedade de informação, políticas que eficazmente criem as condições para que o espaço privado de amanhã seja bastante mais acolhedor, equilibrado e pleno de afectos do que aquele que hoje, todos sabemos, para muitas das nossas crianças e, consequentemente, da nossa sociedade, desgraçadamente não é.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 355/VIII (Os Verdes), tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A necessidade de conferir um especial grau de protecção às crianças tem vindo a ser entendida, crescentemente, como condição para a garantia dos seus direitos e do seu desenvolvimento pleno e harmonioso como seres humanos.
A Convenção da ONU - que Portugal ratificou - sobre os Direitos das Crianças nasce precisamente dessa necessidade, procura dar corpo a essa protecção e define, para tal, um conjunto de princípios que devem pautar, nessa óptica, a responsabilidade assumida por cada Estado.
Protecção que reconhece e olha para a criança como sujeito/titular de direitos, que procura ter sempre em conta o seu superior interesse, mas que atende à sua especial vulnerabilidade e, justamente por isso, não ignora a possibilidade de a criança poder estar em risco ou ser maltratada mesmo no seio da sua família de origem.
Uma responsabilidade de protecção que se estende a diferentes situações na sociedade, face às quais a criança pode estar ameaçada, e que impõe «o dever de adoptar todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à protecção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia,

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abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, incluindo a violência sexual.»
Um dever de protecção contra um fenómeno que incide sobre um vasto número de maus tratos e violações dos direitos das crianças, que vão desde a prostituição à pedofilia, à exploração sexual para fins pornográficos, ao tráfico, passando pelas mutilações para se deter, também, no abuso e violência sexual, designadamente quando ocorridos no meio familiar.
É precisamente sobre essa violação dos direitos que o abuso sexual representa que o projecto de Os Verdes incide. Abuso sexual que surge normalmente englobado no conceito de maus tratos, mas que identifica uma situação de violência muito particular e traumatizante para a criança, comprometendo todo o seu processo de formação, violando a sua intimidade, atingindo os seus valores e processo de construção da sua identidade; abuso sexual que, se ocorre, é certo, no espaço público, também ocorre - há que enfrentá-lo - frequentemente no espaço familiar.
Um crime que, um pouco à semelhança do que acontece noutros países, emerge em Portugal não tanto como a realidade que é possível captar directamente mas como um fenómeno que, gradualmente, adquire maior visibilidade pelos seus sinais exteriores, captados, nem sempre de modo linear, pela escola e pela comunidade médica.
Um crime que, segundo o estudo feito a pedido da Assembleia da República, publicado pelo Instituto de Ciências Sociais, estudo esse que incidiu genericamente sobre maus tratos mas que identifica com uma expressão quantitativa assustadora a questão dos abusos sexuais, representa 13,5% do total dos maus tratos identificados.
Um crime que atinge, de forma esmagadora (em 80% dos casos), crianças do sexo feminino e, no tocante à faixa etária atingida, incide de forma mais marcante no grupo de crianças dos 10 aos 14 anos, mas que só num terço das situações relatadas é crime praticado por indivíduos sem qualquer relação de parentesco com a vítima, ocorrendo por isso - pode concluir-se - de forma muito expressiva em meio familiar.
Uma realidade assustadora que o Código Penal, aquando da sua revisão, ponderou no aumento de penas mas não fez corresponder a este crime, como a outros de maus tratos sobre as crianças, uma natureza pública. É, pois, em concreto, uma mudança no actual regime jurídico deste crime, hoje de natureza semi-pública, que Os Verdes pretendem, tendo em conta a necessidade absoluta de reforçar a protecção das crianças perante esta violação dos seus direitos e atenta a sua especial vulnerabilidade e dependência.
Crianças vítimas às quais não pode exigir-se discernimento para entender o alcance, o significado, a natureza do abuso e do crime de que são objecto, crime por norma, assim o demonstram os diversos estudos, protagonizado dentro da própria família por um agressor que tem, em regra, uma relação de domínio mas também muito próxima e de parentesco com a vítima criança.
Um crime que, conseguindo ou não a criança dar sinais indicadores sobre a sua perturbação, sofrimento e dor, verbalizada ou não a denúncia do agressor por parte da vítima, permanece, em regra, impune e silenciado no espaço privado da família, muitas vezes por culpabilização da própria criança e perante o silêncio cúmplice de testemunhas familiares.
É, pois, contra este silêncio e os «muros» que se erguem em torno da família e que, de modo mais brutal do que a própria agressão, vão pesar sobre a criança, marcar de modo insustentável toda a sua vida e exercer uma intolerável pressão psicológica impeditiva do seu pleno desenvolvimento como ser humano, que consideramos imperativo modificar o sistema jurídico e a natureza deste crime.
A nossa alteração vai, pois, no sentido de passar a incluir no elenco dos crimes públicos o crime de abuso sexual de crianças. É nossa convicção que, ao conferir-lhe esta natureza, se torna mais difícil que este crime prevaleça no domínio do privado, continue a ser um crime sem vítima, consentindo mais dificilmente a sua impunidade e, de algum modo perverso, continuando a permitir a desresponsabilização da própria comunidade perante uma realidade que, se se mantiver no domínio privado, mais facilmente lhe escapa.
Em suma, são as razões do interesse das crianças aquelas que estão subjacentes à nossa proposta e que nos movem. É nossa convicção que será importante, tendo em conta as diferentes propostas, encontrar um patamar comum que permita que hoje, ao contrário do que acontecia até aqui, estes direitos sejam acautelados de outro modo.
Todos reconhecemos, e disso mesmo nos dá conta o Tribunal de Família e Menores com a sua experiência, que os familiares - em muitos casos, a mãe - são, eles próprios, também vítimas da violência e vivem acossados pelo medo, pelo que tendem a esconder esta realidade.
Todos conhecemos que a situação actual favorece a impunidade do agressor mas, mais grave do que isso, favorece a reincidência do crime, expondo, por norma, mais tarde, não só a criança vítima como as suas irmãs a futuros abusos, ciclicamente reproduzindo uma dramática agressão familiar.
É pois, Sr.as e Srs. Deputados, neste contexto que vos apresentamos a nossa proposta e estamos abertos a discutir outras. E aqueles que, muito naturalmente, se interrogam sobre se não é traumatizante obrigar uma criança a enfrentar o tribunal, também não podem deixar de equacionar como é bem mais traumatizante obrigar uma criança a manter o segredo, o medo, a vergonha, ao longo da sua vida, como é violento expor uma criança indefesa a um abuso constante e brutal por parte de alguém que, no espaço que a devia proteger, a traiu. É, pois, em nome das crianças que este projecto de lei é apresentado e é em nome delas que apelamos à vossa compreensão.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar o projecto de lei n.º 369/VIII (PCP); tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Na quarta avaliação, feita no ano passado, a nível mundial, a propósito da aplicação da Declaração Final do Congresso de Estocolmo de 1996, sobre a exploração sexual de crianças e o comércio das mesmas para fins sexuais, registam-se alguns dados «interessantes», que não são bonitos.
Desde logo, consideramos elucidativo que a Holanda tenha descoberto, através de um estudo do seu instituto de pesquisas sociais, que 65,1% da prostituição de menores, na Holanda, seja constituído por crianças, raparigas e rapazes, holandesas ou que residem

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permanentemente na Holanda. E consideramos tal elucidativo porque a este resultado não pode ser estranha a atitude que a Holanda tem em relação à prostituição, proclamando o direito, pelo menos na cidade de Haia, à autodeterminação das prostitutas e, em consequência, aprovando normas e disciplinado o exercício daquilo que, lamentavelmente, começou a ser chamado a «indústria do sexo».
Assim foram criadas condições que permitem uma perspectiva sobre a prostituição que contribui para o seu alastramento, para conceitos errados sobre a sexualidade, para a deterioração do relacionamento entre os géneros, que não pode deixar de influenciar jovens e adolescentes, bem como para a impunidade dos proxenetas, das redes de crime organizado que da exploração sexual de seres humanos, mulheres e crianças, se servem para as suas actividades criminosas - o tráfico de droga e o branqueamento de capitais.
Estamos a falar de uma forma moderna de escravatura de mulheres e crianças sexualmente exploradas, que não gozam de liberdade quando aceitam ser vendidas, sendo, portanto, errado dizer-se - relativamente aos adultos, claro! - que exercem o seu direito à autodeterminação, porque antes desta está a liberdade, e dessa não gozam as mulheres e as crianças que, ameaçadas pela pobreza, estão na mira dos novos «mercadores de escravos».
Assim, desaprovamos completamente todas as modernas teorias, nomeadamente no Direito Penal, que conduzem à legalização do proxenetismo, porque a tal conduz a descriminalização de condutas dos agentes do crime.
Ora, foi feita uma descriminalização encapotada, de boa fé - não está isso em causa -, em nome de modernas teorias do Direito Penal, quando, em 1995, a Comissão Revisora do Código Penal alterou a tipificação do crime de exploração da prostituição (falo de exploração da prostituição porque, em Portugal, desde há muito tempo que o exercício da prostituição, pela própria ou pelo próprio, não é crime), fazendo como exigência da prova do crime que o agente tenha agido com intenção lucrativa ou profissionalmente. Aliás, se lermos as actas da Comissão Revisora do Código Penal, encontramos lá isso confessado, em nome da modernidade.
Contudo, o que aqui está em causa não é reconhecer-se que quem exerce a prostituição é livre de o fazer e pode decidir - não decide livremente, mas decide - usar o seu corpo mas, sim, saber se vamos continuar a deixar as «malhas abertas» para legalizar os proxenetas, porque é isso que acontece, efectivamente, com aquela tipificação rígida do artigo do Código Penal.
Propomos, por isso, a alteração desse artigo, para suprimir a exigência de que o agente tenha agido com «intenção lucrativa ou profissionalmente».
Também em relação ao tráfico de maiores, em 1995, foi feita alguma descriminalização, tendo de provar-se, além dos meios - ardil, violência, etc. -, que se explorou uma situação de abandono e de necessidade. Em 1998, esta situação foi rectificada, e bem. Foi suprimida esta última exigência de exploração de situações de abandono e de necessidade.
Todavia, não concordamos, quer na legislação de 1995 quer na de 1998 e também relativamente ao tráfico de menores, com a tipificação demasiado vaga, também conducente a que certos comportamentos, certos tráficos, não sejam punidos. Entre a redacção inicial de 1982 e a de 1995, que se manteve em 1998, há uma grande diferença. É que enquanto em 1982 se dizia que traficar era aliciar, seduzir, etc., hoje diz-se pura e simplesmente, mesmo em relação aos menores, o seguinte: levar à prática, em país estrangeiro, de actos sexuais de relevo. Ora, isto de levar à prática em país estrangeiro, se já com a tipificação de 1982 houve - e há dois acórdãos com base nessa redacção - quem se defendesse em tribunal, dizendo que o aliciar ainda não era o crime completo, com esta redacção há muito mais perigo de acontecerem absolvições.
Neste sentido, de acordo com o protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas sobre o crime organizado transnacionalmente - e o protocolo adicional é sobre o tráfico de mulheres e crianças e, de acordo com a Convenção dos Direitos das Crianças, criança é o indivíduo até aos 18 anos -, propomos uma melhor tipificação desse crime, com uma descrição de comportamentos que permitam mais facilmente a perseguição penal em relação a crimes que são hediondos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A flutuação é interessante de seguir nas várias alterações do Código Penal, porque já vimos que, em 1998, houve um reforço de perseguição penal em relação ao crime de tráfico de maiores e de menores. Em relação à questão do crime público ou semi-público é interessante seguir as hesitações do legislador, mas esse assunto ficará, com certeza, para a especialidade, porque é aí que considero que o devemos debater muito seriamente.
Quero ainda dizer que enquanto o Código de 1982, no artigo 211.º, optava pelo interesse público, e assim tinha uma «malha» de situações bastante larga em que o crime se tornava público - como a questão das relações familiares -, em 1995 há uma diferença entre a redacção proposta pela Comissão Revisora e a redacção adoptada na lei, que tornou mais semi-público o crime em relação ao que vinha proposto pela Comissão Revisora. Basta ler acta n.º 23, onde se vê como a Comissão não se entendeu nalgumas coisas e houve votações por maioria! Isto é complicado, porque há situações estigmatizantes, há situações - e já não estou a referir os casos com os agentes da própria família - em que é a família que não quer que a criança seja sujeita ao estigma de ficar a ser conhecida. Penso que devemos ponderar estes assuntos.
Em 1998, tomou-se uma opção, claramente, pelo interesse da vítima e reduziram-se as situações do crime público a duas: quando se verifica a morte ou o suicídio da vítima - porque estando ela morta não havia o problema do estigma - e quando implique um menor de 16 anos. Dos 12 aos 16 anos o menor também merece uma tutela, porque também na adolescência as consequências são graves, em relação à formação de comportamentos do adolescente. Ora, sendo menor de 16 anos o Ministério Público já pode fazê-lo. Todavia, não concordo com o «pode», porque leva a alguma inércia e, então, pensamos que era preferível que fosse o juiz a tomar essa decisão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que decidiremos este assunto na especialidade. Creio, no entanto, que deviam ser ouvidas pessoas que não fossem de direito, porque os juristas têm uma determinada tendência que pode não estar certa. Assim, sugiro que ouçam outros especialistas.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A infância, tempo de estruturação da personalidade, tempo de maturação emocional, é para muitas crianças no mundo um tempo ausente e um lugar de inferno e também para crianças do nosso país, numa amplitude apenas pressentida. Isto porque, em termos históricos, só recentemente a sociedade é capaz de encarar responsavelmente a violência sobre os menores e porque, na actualidade, permanece altamente lacunar a sua intervenção.
Factores culturais explicam não só a ausência de visibilidade deste tipo de violência mas, sobretudo, um olhar tradicionalmente condescendente sobre a visibilidade possível. Parte da violência sobre menores foi naturalizada por uma cultura patriarcal, através da qual os filhos são considerados propriedade dos pais. É por isso que em processos de incesto ainda surge frequentemente, como argumento autodesculpabilizante, quase sempre do pai a às vezes do avô, a expressão «as filhas são minhas» ou «as netas são minhas».
É por causa desta naturalização, que desvaloriza a visibilidade possível e protege a invisibilidade da violência sobre menores, que a primeira abordagem sociológica sobre a problemática aparece no nosso país apenas em 1986, da autoria de Fausto Amaro, publicada numa edição do Centro de Estudos Judiciários.
Porém, existiam já dados, terríveis dados, conhecidos e revelados sobretudo pelo Instituto de Medicina Legal do Porto, em 1984, deixando vislumbrar que a maior parte das vítimas de abusos sexuais no norte eram meninas e tinham entre 7 e 19 anos.
A crescente vulnerabilidade social e a agudização do fenómeno de exclusão social como muldimensional favorecem o aumento da violência sobre menores, sujeitos profundamente vulneráveis, sujeitos condenados pela infância ausente a perturbações físicas e psicológicas graves e a comportamentos que reproduzem a violência.
Relativamente às perturbações psicológicas, escasseiam os estudos. No entanto, num encontro realizado, nos anos 90, pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica apontavam-se já, entre as perturbações psicológicas mais frequentes, a depressão, a ansiedade e o medo, o mau rendimento escolar, a culpabilização relativamente ao abuso, sintomas diversos psicossomáticos, perturbações do sono, a toxicodependência, a prostituição, o síndroma de stress pós-traumático e dificuldades nas relações interpessoais.
É neste contexto que as iniciativas legislativas em debate se afiguram muito importantes, porque o abuso sexual constitui uma vertente muito significativa da violência sobre os menores.
Tanto o projecto do PS como o de Os Verdes propõem que o abuso sexual de menores seja considerado crime público. O do PS abrange ainda como crime público o abuso contra a liberdade e a autodeterminação sexual, independentemente da idade, em situação em que a vítima é dependente, ou seja, em âmbito familiar ou similar, englobando, provavelmente, por extensão, até o patronal. Os Verdes omitem o abuso sexual de menores dependentes (artigo 173.º do Código Penal) e os actos sexuais com adolescentes (artigos 174.º e 175.º) mas propõem como crime público o envolvimento de menores em actos de natureza pornográfica.
Quanto ao PCP, surpreende-nos que mantenha a natureza de crime semi-público ao abuso sexual de menores. Avança, no entanto, com a alteração da redacção dos artigos relativos a tráfico de pessoas, lenocídio e tráfico de menores, alterações que nos parecem adequadas.
O projecto de resolução do BE procura enquadrar as questões aqui apresentadas, visando actuar de forma abrangente nos outros níveis de protecção de menores, particularmente dotando as comissões de protecção de crianças e de jovens em risco de recursos técnicos, administrativos e humanos e de mecanismos de articulação que tornem a sua acção mais eficaz.
Estas comissões, criadas em 1991, abrangeram, nesse ano, mais de 5000 jovens e desenvolvem, numa lógica interdisciplinar em que envolvem autarquias e outras instituições, um trabalho de diagnóstico das situações e de acompanhamento de menores violentados e respectivas famílias.
Pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, relativa à protecção de crianças e jovens em risco, alterou-se positivamente o âmbito destas comissões, separando as áreas de delinquência juvenil da dos menores em risco e introduzindo apoio logístico ao seu funcionamento. O protocolo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses manifesta uma vontade de dotar estas comissões mais eficazmente.
Permanecem, porém, constrangimentos ao funcionamento das comissões, nomeadamente em relação à visibilidade e valorização do seu trabalho, à circulação de informação e à partilha de experiências, à articulação entre aquelas comissões e a Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco e à articulação com as respectivas áreas ministeriais. Ainda, como carências que urge resolver, escasseiam particularmente apoios pedagógicos e a formação de equipas interdisciplinares. Além disso, faltam técnicos das áreas de psicologia e de serviço social e escasseia formação para acompanhamento das situações e o encontrar de respostas adequadas, dado o número insuficiente de centros de acolhimento temporário e a falta de alternativas para os jovens que abandonam a escola sem a escolaridade mínima obrigatória e que, por isso mesmo, não são abrangidos pelas acções dos centros de emprego.
Em síntese, o projecto do Bloco de Esquerda orienta-se no sentido de dotar as comissões de protecção a crianças e jovens em risco de condições que permitam uma intervenção mais vasta e profunda no universo da violência sobre os menores, permitindo o diagnóstico dos abusos, entre os quais os sexuais, cuja penalização como crime público, aqui proposta pelo PS e por Os Verdes, saudamos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Embora eu não o tenha referido, mas como, aliás, resultou da sua intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Neves fez a apresentação do projecto de resolução n.º 103/VIII, oriundo do Bloco de Esquerda.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Helena Neves, os Srs. Deputados Rosa Maria Albernaz e Nuno Teixeira de Melo.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Neves, Portugal, enquanto membro do Conselho da Europa e Estado signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, tem também especiais responsabilidades quanto aos seus direitos e protecção

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adequada. O nosso ordenamento jurídico reflecte, obviamente, tal protecção. Mas este tipo de criminalidade continua a ser preocupante e, quando se trata dos direitos das crianças, é vital agir precocemente e adequar o quadro legal de modo a proteger estas pequenas vítimas, especialmente vulneráveis.
Em Portugal, o abuso sexual de crianças representa 6,3% dos maus tratos globais. Segundo um relatório de 1999, os maus tratos vitimizam crianças de todas as idades, sendo que mais de metade fica com sequelas psicológicas na sequência dos mesmos. Este foi um tema que levantei nesta Casa na anterior Legislatura e também em dois plenários da UIP. Por isso, congratulo-me com o sentido das últimas alterações ao Código Penal, pois vieram reforçar a punição dos crimes contra pessoas, sobretudo contra as mais indefesas - entre as quais destaco as mulheres e as crianças -, ou praticados em especial violência, visando essencialmente proteger as vítimas e a sociedade, embora sem prejuízo das garantias dos arguidos.
Em 1999, através da aprovação da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, verificou-se um significativo reforço da actuação das comissões de protecção a crianças e jovens, que constituem uma mais-valia fundamental na abordagem da situação para que estas estão vocacionadas.
Concordamos com todos os contributos que sirvam para dinamizar e aumentar a eficácia das comissões de protecção e da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, mas a colega não considera que as quatro recomendações contidas no projecto de resolução são algo vagas, pouco ambiciosas, o que é revelador do trabalho intenso realizado pelo Governo a este nível, esvaziando, de certa forma, este tipo de iniciativa, o que é, aliás, evidenciado pelo BE ao longo da sua nota preâmbular?
Não considera a colega que a proposta de destacamento efectivo de técnicos a tempo inteiro poderá não se justificar em comissões com menor número de solicitações, e daí que essa permanência deva ser equacionada caso a caso e com devida ponderação? Refiro-me, por exemplo, à comissão de Alijó, que, penso, não poderá ter o mesmo grau de intervenção que uma comissão em Setúbal.
São estas as questões que queria colocar.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Se a Sr.ª Deputada quiser responder de imediato, dar-lhe-ei a palavra.

A Sr.ª Helena Neves (BE):- Sr. Presidente, responderei aos pedidos de esclarecimento em conjunto.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Neto, confesso que estou um bocado baralhado. Quer parecer-me que tudo o que V. Ex.ª pretende através deste projecto de resolução já está previsto na lei. As medidas sugeridas são já atribuições do departamento de infância e juventude, que tem precisamente como objectivo coordenar tecnicamente a actuação da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco e das comissões de protecção.
Se atentar ao disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 1208-A/2000, de 22 de Dezembro, constatará, por exemplo, que o que pretende no primeiro ponto do projecto de resolução está consagrado na alínea e) do n.º 3 e no n.º 4 desse artigo 10.º; o que pretende no segundo ponto está consagrado na alínea o) do n.º 3 e na alínea k) do n.º 4 do mesmo artigo; o que pretende no terceiro ponto está estabelecido na alínea p) do n.º 3 e na alínea e) do n.º 4 e, por último, o que pretende no quarto ponto do projecto de resolução está previsto n.º 1 do artigo 10.º. Portanto, sinceramente, não percebo por que é que se tenta agora consagrar, pela segunda vez, o que já está consagrado pela via legislativa, havendo assim uma duplicação.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Odete Santos referiu, na sua intervenção, que estas questões deveriam ser abordadas não só por advogados mas também por sociólogos, ou seja, por outros técnicos da área das ciências sociais. O que falta ao Sr. Deputado é exactamente o trabalho em terreno, porque se efectivamente o realizasse saberia que as comissões distritais de protecção a crianças e menores em risco - que consideramos positivas e, inclusivamente, consideramos positivas algumas formas de regulação que as aperfeiçoaram, como seja o protocolo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses - continuam a debater-se com tremendas carências, em termos administrativos, técnicos e humanos.
O diploma que apresentamos é um projecto de resolução, não é um projecto de lei, e diz respeito exactamente a algo que consideramos que é positivo e, como tal, consideramos que devem ser criadas condições que possibilitem uma intervenção tão eficaz quanto aquela que provavelmente - estamos em crer que sim - subjaz à intencionalidade do legislador.
Devo dizer que, embora sendo positivo o protocolo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses - porque veio dotar as comissões de 300 contos mensais, mais 30 contos para despesas correntes -, como a Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz salientou, as necessidades de intervenção não se colocam do mesmo modo no distrito de Setúbal e noutro qualquer concelho.
Portanto, o nosso projecto de resolução visa, efectivamente, que, na prática, as coisas funcionem e que a Assembleia e os legisladores não fiquem umbilicalmente muito satisfeitos porque fizeram uma lei muito positiva mas que, depois, não tem «pernas para andar». Queremos que haja eficácia no terreno e, por isso, recomendamos vivamente ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo que faça uma visita para ver o modo como funcionam as comissões e as carências com que se debatem algumas delas.
Devo dizer ainda à Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz que estamos abertos a alterações na especialidade. Consideramos que não se verifica em todos os sítios o mesmo tipo de necessidades, quer em termos quantitativos quer em termos qualitativos, pelo que pensamos que isso deverá ser objecto de discussão na especialidade.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar o projecto de resolução n.º 104/VIII, do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou aproveitar para fazer já a análise conjunta de todos os projectos.

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Como bem se refere no relatório anual da União Europeia sobre os direitos humanos de 1999, «os direitos da criança constituem uma clara prioridade na área dos direitos humanos, que a União Europeia reconhece integralmente. No Tratado de Amsterdão, a União Europeia reconheceu especificamente a importância de se resolver a questão dos crimes contra as crianças, a quem é muitas vezes negado o apoio de que necessitam para desenvolverem todo o seu potencial como seres humanos. Além disso, são muitas vezes deliberadamente vítimas de um vasto leque de violações».
Todavia, a decisão a tomar relativamente aos projectos de lei n.os 347/VIII, 355/VIII e 369/VIII, da iniciativa do PS, de Os Verdes e do PCP, respectivamente, que têm em vista tornar públicos, em determinadas circunstâncias, vários crimes de abuso de crianças, nos termos deles constantes, o que difere de caso para caso, implica, necessariamente, a ponderação de dois interesses que, no caso concreto, poderão ser claramente conflituantes.
É que se, por um lado, há necessidade de garantir o julgamento e a punição dos agentes de crimes sexuais contra crianças, por outro e em muitos casos, existe igualmente a necessidade de salvaguardar a reserva da intimidade destes menores, que necessariamente será posta em causa por força da publicidade do julgamento.
Por via do julgamento, o acto hediondo de que a criança foi vítima, que a traumatizou e que a envergonha, que por isso quer esconder e, se possível, esquecer, torna-se público e conhecido da comunidade em que se insere. A criança, que já teve de suportar este acto hediondo, passa também a ter de suportar a estigmatização decorrente da devassa da sua intimidade, ao ser apontada pelo dedo de familiares, amigos, professores, de todos quantos com ela se relacionem.
Pensado o problema apenas do ponto de vista da alteração da natureza do crime, o Estado poderá garantir que o respectivo o agente será julgado e eventualmente punido. Não poderá é garantir que daí não resulte um dano muito superior para a vítima, em consequência da publicidade do respectivo processo, e não podemos esquecer que, em sede comunitária, a decisão-quadro do Conselho relativa à luta contra a exploração sexual de crianças é bem clara quando refere que «os Estados membros garantirão que as investigações criminais e os procedimentos penais não causem danos adicionais às vítimas.».
Mais: pensado o problema apenas do ponto de vista da alteração da natureza do crime, o Estado não poderá garantir que o procedimento criminal e a pena aplicada ao agente do crime, sendo familiar da vítima, não sirva depois para promover uma atitude persecutória e de vingança deste quando retorne a casa e ao convívio com a criança.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, para que a instauração do procedimento criminal com natureza pública - que defendemos, pelo que, quanto a isso, não deve subsistir dúvida - faça sentido, impõe-se, paralelamente, que sejam implementadas medidas eficazes de promoção e de protecção de crianças e jovens em perigo, bem como medidas de protecção e de assistência a crianças que já tenham sido vítimas de violência. Esta é, precisamente, a motivação do projecto de resolução do CDS-PP.
As medidas actualmente previstas no artigo 35.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, como o apoio junto aos pais, o apoio a outros familiares, a confiança a pessoa idónea, o apoio para a autonomia de vida, o acolhimento familiar e o acolhimento em instituição, ainda não foram objecto de qualquer regulamentação, e enquanto não o forem, com a sujeição a julgamento do agente do crime, a criança poderá ser triplamente penalizada: em primeiro lugar, pelo acto de que foi vítima; em segundo lugar, pela publicidade deste acto que o julgamento do agente necessariamente motivará; em terceiro lugar, pela conduta persecutória e de vingança que, finda a pena, o agente do crime, muitas vezes familiar, entenda por bem desencadear contra a menor.
Não se percebe muito bem a razão de ser do projecto de resolução n.º 103/VIII, do BE. Como já referi, as medidas que o BE agora pretende que sejam atribuídas às comissões de protecção de crianças e jovens são já atribuições do departamento de infância e juventude, que tem por objectivo, precisamente, coordenar tecnicamente a actuação do IDS (Instituto Para o Desenvolvimento Social), apoiando a Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco e as comissões de protecção, nos termos do diploma que já tive ocasião de citar quando pedi esclarecimentos à Sr.ª Deputada Helena Neves, ou seja, tudo isto já está previsto.
Em conclusão, os projectos de lei do PS e de Os Verdes fazem sentido, desde que apoiados em medidas paralelas de promoção e de protecção de crianças e jovens em perigo, bem como medidas de protecção e assistência a crianças vítimas de violência.
Devo dizer ainda que apesar de o projecto de lei n.º 355/VIII, de Os Verdes, ser demasiado simplista e não ponderar, como devia, o interesse da vítima - a vitimologia, para além do interesse persecutório do Estado, é também um aspecto relevante a considerar - e apesar de a matéria objecto do projecto de resolução do BE já estar prevista no diploma que citei, eles têm pelo menos a virtude de ser bem intencionados. Nessa medida, e apenas por essa medida, é óbvio que daremos o nosso contributo, sendo certo que julgamos que se impõe que sejam objecto das necessárias alterações e aperfeiçoamentos, em sede de especialidade. Em todo o caso, pela nossa parte, faremos tudo para que assim seja.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Fernando Seara, para uma intervenção.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD, no âmbito desta matéria, foi o único partido que não apresentou qualquer iniciativa legislativa ou de carácter político, como foi o caso dos dois projectos de resolução em discussão.
Permitam-me, porém, alinhar três reflexões, para não os maçar muito, sendo que a primeira tem a ver com a necessidade da ponderação daquilo a que vou chamar o ziguezague legislativo, nesta matéria.
Fundamentalmente, estamos perante a delimitação da natureza de certo tipo de crimes, relacionados com a liberdade e a autodeterminação sexual. É evidente que, desde 1982, mas, particularmente, nos últimos seis anos, há, claramente, neste âmbito, um ziguezague legislativo.
Ora, independentemente da bondade do conteúdo de projectos como os do Partido Socialista e do Partido Comunista e, também, daquilo que está subjacente à iniciativa de Os Verdes, é importante que, em sede de

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análise na especialidade, antes da concretização normativa, delimitemos o que terá de ser uma base de consenso para uma ponderação legislativa quanto à natureza deste tipo de crimes.
É evidente que, doutrinariamente, sabemos que há um conjunto de escolas e um conjunto de perspectivas penalistas portuguesas, mas não vamos entrar - muito menos eu, que não sou penalista - nas perspectivas do Professor Jorge Figueiredo Dias, da escola de Coimbra, ou nas da Professora Fernanda Palma, da escola de Lisboa, ou, até, em posições intermédias, como aquelas em que Frederico Isaasca se situa, no respeitante a esta matéria.
Porém, penso ser fundamental que a Assembleia da República não dê uma opinião nem dê um sentido de estar perante um ziguezague legislativo. Esta a primeira nota que queria deixar.
Quanto à segunda nota, queria dizer que não podemos também deixar de acolher, necessariamente, em sede de procedimento legislativo, o conjunto das reflexões que nos chegam das ordens jurídicas internacionais, quer no âmbito do Conselho da União Europeia, quer no âmbito da Organização das Nações Unidas. Neste aspecto, aquilo a que se pode chamar a harmonização contra o crime transnacional, relacionado com todas as matérias dos crimes sexuais, implica uma ponderação efectiva.
É evidente que aqui estamos sempre aqui a retomar a perspectiva de Bimbaum, de 1834, sobre o que é o bem jurídico, e temos sempre presente, no âmbito da compatibilização entre aquilo que o Professor Figueiredo Dias chamava, e chama, no seu Direito Penal, o princípio da congruência da realidade axiológica do direito constitucional com os bens jurídicos a proteger. E este princípio da congruência situa aquilo que a Deputada Odete Santos equaciona sempre como a compatibilização entre o interesse público e o interesse da vítima.
Ora, a questão enunciada, a compatibilização entre o interesse público e o interesse da vítima, leva-me ao terceiro problema, e tenho pena que a Sr.ª Deputada Odete Santos não esteja presente neste momento mas, com certeza, o Deputado Octávio Teixeira transmitir-lhe-á a minha reflexão, no que respeita a um dos pontos do artigo 178.º e à alteração deste artigo. É evidente que nós, em Portugal, em razão da natureza semi-pública hoje em dia delimitada para este tipo de crimes, pomos na mão do Ministério Público um conjunto de princípios de iniciativa, e, entre eles, está, indiscutivelmente, o princípio da oficiosidade.
Mas o projecto de lei do Partido Comunista suscita-me uma questão de ponderação constitucional, fundamentalmente porque, ao desencadear mecanismos de relação com a Magistratura Judicial - quando a Magistratura Judicial, naquela fase, só pode intervir com um juiz de instrução criminal -, poderá violar ou, antes, poderá questionar a sua compatibilização com o princípio do acusatório constitucionalmente previsto. Porquê? Porque, em algumas comarcas, o Ministério Público, ao solicitar um mecanismo (ou, se quiserem, a «autorização», para não entrarmos em semântica jurídica muito profunda), ao desencadeá-lo junto do juiz de instrução criminal, vai impedir que aquele juiz de instrução criminal seja o juiz do inquérito ou da instrução ou das duas, como o Juiz-Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, hoje ou ontem, proclamou. Isto é alguma coisa que importa ponderar, em sede daquilo que se pode chamar uma teoria geral do princípio do acusatório, que constitucionalmente está previsto.
Só vou referir mais uma nota suplementar e última questão.
É evidente que considero, Sr.as Deputadas e Sr. Deputado proponentes, que importa que este conjunto de matérias e este conjunto de iniciativas seja discutido com lógica, sem excessivo «jurisdicionismo» - quanto a isso, estou de acordo -, atentando no conjunto dos inquéritos feitos (e um deles foi feito por um colega meu de Universidade, o Professor Fausto Amaro), envolvendo as sociólogas que trabalharam no terreno, fundamentalmente tendo presente o seguinte: temos também de dar sinais ao conjunto da opinião pública de que alguns dos mecanismos subjacentes aos projectos de lei em análise, na lógica do envolvimento de um sentido de criminalização, trazem uma responsabilidade para os órgãos jurisdicionais portugueses, para a Magistratura Judicial, mas também, e fundamentalmente, permitam-me que o diga, para o Ministério Público, porque, nessa matéria, ele tem de assumir um princípio efectivo de responsabilidade.
São estas as reflexões que o Grupo Parlamentar do PSD quis trazer e esperamos, em sede da especialidade, poder contribuir com algumas benfeitorias, porque será útil para a comunidade jurídica portuguesa.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, dispenso-me de reeditar as considerações que fiz há pouco, acerca da representação do Governo neste debate.
Porém, devo dizer que, tendo participado nos processos legislativos até ao momento que VV. Ex.as conhecem, o debate parece-me especialmente interessante e relevante, constituindo abertura para outras iniciativas que a Câmara seguramente pode tomar em mãos.
Daquilo que ouvi, permitam-me que exponha duas ou três breves impressões, e a primeira diz respeito à importância da destrinça de temáticas.
Este debate é feito em condições que foram aquelas que os Srs. Deputados deliberaram em conferência de líderes que ocorressem, mas em condições que não propiciam nem o tempo, por um lado, nem a destrinça, por outro, que são mais aconselháveis neste domínio.
Houve um arrastamento de uma soma considerável de iniciativas e isso significa que algumas estão a ser muito discutidas enquanto outras, pura e simplesmente, não estão a ser discutidas, e talvez aquela destrinça fosse vantajosa para todas essas iniciativas e para todos nós. Mas, quanto a isso, só há que recolher lições para o futuro.
Em segundo lugar, apesar da impossibilidade de destrinça exacta, havemos de fazê-la do ponto de vista lógico e hão-de seguramente fazê-la as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados no processo de apreciação daquelas iniciativas que passarem à discussão na especialidade.
Devo dizer que me parece especialmente importante a destrinça entre dois tipos de problemas, que, porventura, se podem tocar, aqui ou além, mas que têm autonomia e que seguramente a têm quando estamos a discutir questões de enquadramento legislativo-penal: de um lado, as questões relacionadas com o tráfico e, em especial, com a escravatura sexual - mal velho, mal presente, mal que queríamos limitar ao mínimo, no futuro.

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Numa sociedade globalizada, e numa sociedade onde os ventos da globalização, nessa matéria, significam perigos novos e fenómenos novos e significam, também, o fim de determinadas fronteiras, sabemos todos que a questão não tem resposta no quadro nacional, pelo contrário, ela vem buscar respostas à concertação internacional, que não podem ser encontradas, embora as parcerias, as partilhas de responsabilidades e as acções de cada Estado sejam, evidentemente, insubstituíveis.
Nessa matéria, como, aliás, perpassou pelo debate, há hoje instrumentos no quadro da União Europeia (para falarmos do espaço em que directamente participamos), há decisões-quadro do Conselho Europeu, há iniciativas, algumas das quais são directamente impulsionadas pelo Sr. Comissário António Vitorino, algumas traduzidas, designadamente, no reforço da capacidade de intervenção da Europol, no estímulo a mecanismos de cooperação, na detecção dos fluxos, nas fontes de onde vêm indicações mais perigosas e fenómenos mais chocantes, que nos devem merecer uma atenção que pode, seguramente, ser maior do que aquela que tem existido.
Nesse sentido, o Parlamento tem um papel absolutamente insubstituível e especialmente relevante, uma vez que pode não apenas promover legislação como ser também motor de discussão. O Governo terá todo o prazer em participar nessa discussão, contribuindo com informação, designadamente dando conta daquilo que se está a tecer em conselhos como o que está hoje a realizar-se em Estocolmo e como outros que definiram como linhas de concertação e de acção objectivos que nos são caros e comuns.
Portanto, podemos colaborar nesse esforço institucional e penso que todos ganharemos em que ele tenha lugar aqui no Parlamento. Mas isso vai exigir também adicionais destrinças.
Ouvi, com muita atenção, a intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, que não se encontra presente, mas não gostaria de deixar de vazar para a Acta que uma das destrinças mais importantes é precisamente entre a escravatura sexual e comportamentos outros onde possa haver ainda, quand même, uma certa margem de autodeterminação e onde, portanto, não se justificará uma perspectiva punitiva, repressiva, persecutória, a qual teria consequências, provavelmente, socialmente nefastas. Não teremos possibilidade de destrinçar aqui e agora até que ponto é que a linha de orientação que foi sugerida teria essa consequência mas, certamente, em comissão, no futuro, teremos ocasião de dirimir este ponto, que é muito importante, como sabem os que têm acompanhado a matéria à escala internacional.
Em segundo lugar, estamos todos cientes de novos riscos e de novos perigos. Tive a ocasião e a honra de participar num colóquio, realizado no Porto por iniciativa da ex-Sr.ª Ministra para a Igualdade, a Deputada Maria de Belém Roseira, em que esta questão foi aflorada e os novos perigos são, naturalmente, os decorrentes da sociedade de informação, das redes electrónicas, dos fluxos de bits e de bytes e de pessoas, conjugados uns com os outros. Porém, devo dizer-vos que, nessa matéria, tenho uma visão optimista. Entendo que aí, onde as redes podem ser fonte de mal, também podem ser fonte de bem e, efectivamente, têm sido usadas precisamente para isolar, para detectar, para perseguir, julgar e condenar alguns dos que as usam num sentido perverso, dando às organizações sociais e também aos Parlamentos ferramentas importantíssimas para isolar aqueles que as usam para fins de exploração sexual e para fins de pedofilia, designadamente, ou outros igualmente condenáveis.
Mas são problemas novos, os da cibercriminalidade e da criminalidade relacionada com redes, que preocupam muito, neste momento, a Comissão Europeia, que nos devem preocupar a todos, que estão a originar uma convenção preparada no âmbito do Conselho da Europa, a qual suscita novos problemas, como os colegas dos Srs. Deputados que se sentam na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa muito bem sabem e como esta Câmara pode, seguramente, discutir de forma aprofundada.
Distinguiria, Srs. Deputados - e com isto me encaminho para o segundo ponto de reflexão com que gostaria de concluir -, radicalmente, essas situações das que são colocadas pelo projecto do Partido Socialista, apresentado pela Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira e outros Srs. Deputados do PS, e pelas outras iniciativas que colocam o mesmo tema. Porquê? Porque ao pensarmos em situações de abuso, em especial de abuso contra menores, estamos a entrar num terreno onde as muralhas de protecção não são vencíveis pelo impulso imediato e pela força edificante da lei.
A Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira descreveu isso muito bem no seu discurso e tinha-o feito em termos igualmente acutilantes no preâmbulo do projecto de lei que apresentou, sublinhando que, por vezes, a própria família (e são palavras suas) constrói um muro de silêncio, não chegando ao conhecimento do Ministério Público que a criança é vítima de abuso sexual, e o mecanismo que a lei introduziu em 1998 vê limitada a sua eficácia por esses fenómenos e pelo facto de o Ministério Público não ter sequer notícia da infracção. Trata-se de uma espécie de lei do silêncio, que tapa as bocas, e, ao tapar as bocas, impede que o princípio do crime público possa realizar a sua missão, nos termos jurídico-penalmente conhecidos.
É esse o problema que as Sr.as e os Srs. Deputados hão-de ter de ponderar, uma vez que, nesse domínio, já houve, nesta Legislatura, iniciativas que deram origem a reflexões da 1.ª Comissão. Recordo-me delas perfeitamente e os Srs. Deputados também se recordarão. Foram encontradas soluções, procurou conciliar-se a margem de privacidade possível com a necessidade de não deixar impunes crimes graves, que merecem condenação e merecem profundo isolamento social e de opinião, pelo que me parece que Sr.as e os Srs. Deputados terão condições para realizar um trabalho interessante.
O Sr. Ministro da Justiça autorizou-me a transmitir-vos a sua total disponibilidade para participar nesse processo de reflexão e entendo que também, como é tradicional e aconselhável, terão ocasião de ouvir entidades como a Procuradoria-Geral da República, a Ordem dos Advogados e muitas outras, inclusivamente as que exprimem pontos de vista não estritamente fundados em critérios de carácter jurídico, e seguramente terão também ocasião - disponibilizamo-nos para isso - de ouvir os membros do Governo com competência directa nesta matéria.
Termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com os votos de que este trabalho aprofunde não apenas a reflexão mas delimite com rigor a margem útil de intervenção legislativa, aquela que possa realizar os objectivos que vos são comuns e que são, evidentemente, partilhados pelo Governo.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra, fundamentalmente, para informar a Câmara que apresentei um requerimento ao Sr. Ministro da Justiça, solicitando informação sobre a possibilidade de registo em suporte magnético do testemunho das vítimas de crime de abuso sexual, no sentido de evitar o permanente reviver da situação, que é extremamente traumatizante.
Realmente, por vezes, quando nos confrontamos com a dificuldade de gerir processos desta natureza salvaguardando o interesse da vítima, vemos que seria uma medida a implementar com a maior rapidez possível, até por forma a permitir actuar, através de coisas práticas, no sentido da defesa das pessoas.
Quanto à questão do ziguezague legislativo, quero dizer que, frequentemente, ela tem muito a ver com quem ouvimos, ou não, sobre as matérias. Penso que, muitas vezes, estamos muito ligados às escolas - eu, decerto, à de Coimbra e do Prof. Figueiredo Dias, outros colegas à de Lisboa -, mas o que é um facto é que a grande escola é a escola da vida e quando temos conhecimento das histórias concretas, das situações absolutamente inadmissíveis e inaceitáveis que se passam no nosso silêncio, devidamente resguardado para não nos chocarmos, isso ensina-nos, com certeza, a encontrar a melhor solução e, sobretudo, a ponderar a solução ajustada a cada caso.
Nesse sentido, ouvir determinadas entidades, designadamente psicanalistas - que nunca aqui são referidos mas que são fundamentais para avaliar o impacto destas situações no desenvolvimento das crianças - e outras entidades e instituições públicas, como aqui se referiu, sobre se é ou não melhor salvaguardar a privacidade, penso que é fundamental.
Por exemplo, parece-me também fundamental ouvir a Polícia Judiciária sobre as dificuldades que, hoje, a utilização dos meios da sociedade de informação ocasionam e aquilo em que precisamos de corrigir o nosso ordenamento jurídico.
Sr. Presidente, gostaria apenas de fazer mais uma pequena ressalva, o que talvez me seja permitido, dado o pouquíssimo tempo que foi decidido atribuir a um debate com esta importância…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não é da minha responsabilidade, Sr.ª Deputada, mas faça favor.

A Oradora: - Sr. Presidente, como estava a dizer, quero apenas referir que é também muito importante, quando se faz a sinalização destes crimes como públicos, que a polícia, a primeira entidade à qual se recorre, os encaminhe para o Ministério Público e, sobretudo, que haja um registo que não seja um arquivo morto, em que possa ser protegida e salvaguardada a intimidade das vítimas e possa ser invocado, na situação de crime reiterado, que é o mais vulgar nestas situações, de modo a produzir e, sobretudo, a sustentar a prova, que nestes casos é tão difícil.
Muito obrigada pela sua compreensão, Sr. Presidente.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, com a maior brevidade, gostava de lhe colocar a seguinte questão: V. Ex.ª não considera que, no que toca à possibilidade de suporte magnético e ao pretender evitar o reviver da situação, pode estar a perpetuar a memória de um crime em termos que podem ser muito mais penosos para quem o sofreu, até porque o próprio pode não querer ser objecto de registo para o futuro?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, a pergunta é muito concreta, pelo que lhe peço que responda de forma concreta.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, obviamente que a utilização dos meios técnicos permitirá, depois, também, a sua destruição, não sendo um revivenciar das coisas.
Quanto à repetição da história, se o Sr. Deputado pensar nisso verá que repetir a história sistematicamente, perante públicos sempre diferentes, é extremamente violador da intimidade, neste tipo de casos. Pela minha parte, penso que, ponderadas as situações, é preferível não expor sistematicamente as pessoas a essa vivência.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais intervenções, está encerrado o debate conjunto dos projectos de lei n.os 347/VIII, 355/VIII e 369/VIII e dos projectos de resolução n.os 103/VIII e 104/VIII. A votação destas iniciativas terá lugar na próxima quinta-feira.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, sexta-feira, pelas 10 horas e terá como ordem do dia a colocação de perguntas ao Governo.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação, na generalidade, das propostas de lei n.os 32/VIII e 34/VIII e dos projectos de lei n.os 354, 357, 360, 364, 365 e 370/VIII.

1 - Nos artigos sobe o poder local aprovados pela Assembleia Constituinte figura o princípio, votado por unanimidade, de os órgãos autárquicos compreenderem «uma assembleia eleita com poderes deliberativos e um órgão colegial e executivo perante ela responsável». A idéia, na altura, era que as autarquias fossem uma verdadeira «escola de democracia». O modelo de executivo pluri-partidário, eleito por método de Hondt a partir de listas eleitorais propostas por partidos, veio a ser consagrado em 1976, na primeira lei eleitoral para as autarquias. É uma solução diferente da que existe noutros países europeus. Mas, depois de 48 anos de ditadura, parecia ser essa a melhor forma de familiarizar os portugueses com as práticas da gestão democrática, pondo termo aos vícios de caciquismo e clientelismo que eram correntes nas câmaras de presidente nomeado pelo partido único.
2 - O sistema funcionou razoavelmente ao longo destes 25 anos. Houve muito mais crises de governo nacional que de governo local. E se há e tem havido situações de caciquismo ou abuso de poder, a presença de oposições nos

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executivos é, apesar de tudo, uma forma de as detectar e combater. O risco de absorção dos vereadores das oposições pelo presidente da Câmara é, apesar de tudo, menos grave que o risco de fazer desaparecer, no quotidiano municipal, uma vigilância crítica permanente.
3 - Já há algum tempo que no PS se vem defendendo a tese dos executivos homogéneos. Julgamos que essa solução pode ser empobrecedora da democracia local, porque, vai reduzir drasticamente a participação dos partidos menos votados na gestão concreta dos municípios. Mas, a seguir-se por aí, para além do consenso alargado que deve exigir-se, é necessário que fiquem salvaguardados: o direito de acesso de todos os eleitos locais à informação sobre a gestão municipal; o reforço dos poderes de fiscalização das assembleias municipais; a limitação de mandatos, para impedir a eternização de eventuais situações de poder pessoal.
4 - Estes princípios não estão completamente salvaguardados nas propostas de lei em referência. Por outro lado, estão na Mesa iniciativas legislativas de todos os partidos que devem ser confrontadas, na especialidade, com as propostas governamentais, a fim de se verificar se é ou não possível um consenso alargado sobre a matéria.
5 - Não nos parece curial aprovar-se uma alteração tão profunda do sistema eleitoral autárquico a poucos meses de um acto eleitoral e sem um consenso generalizado. Recordamos, aliás, que há precedentes de veto presidencial a reformas eleitorais propostas para promulgação à beira de actos eleitorais. Tal matéria foi alvo de duas mensagens do Presidente Mário Soares à Assembleia da República, em Janeiro de 89 (eleições europeias) e em Agosto de 95 (eleições legislativas).
6 - A única alteração que devia ser rapidamente legislada e entrar em vigor antes das próximas eleições autárquicas é a que diz respeito à possibilidade de candidaturas independentes para os órgãos do município, já consagrada na Constituição.
7 - Porque o debate não está encerrado, vamos viabilizar, na generalidade, todas as iniciativas legislativas presentes para votação. Mas o nosso voto favorável, na votação final global, dependerá da salvaguarda dos princípios atrás expostos e da nossa íntima convicção de que estamos perante uma reforma para aprofundar e não para afunilar a democracia.

Os Deputados do PS, Helena Roseta - Maria Teresa Coimbra - Medeiros Ferreira - Luiz Fagundes Duarte - Eduardo Pereira - Fernando Pereira Marques.

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Tal como havia informado, votaria os projectos sobre legislação eleitoral autárquica de acordo com as orientações saídas da reunião do Grupo Parlamentar do PSD. No entanto, por fidelidade ao que já havia formulado, quer quanto ao momento, quer quanto à substância, faria uma declaração de voto.
Na verdade, entendo que não é o momento adequado para discutir e aprovar, ainda que na generalidade, alterações ao sistema eleitoral autárquico.
Na minha opinião, seria até politicamente mais adequado afirmar inequivocamente que o PSD há muito que defende um novo regime eleitoral autárquico mas que se recusa a colaborar na sua alteração a meses de um novo acto eleitoral. Como é hábito dizer-se, não se alteram as regras do jogo em pleno jogo.
Mas, para além disso, entendo que o PSD devia, a par da abertura de candidaturas a cidadãos independentes, consagrar o princípio da limitação de mandatos.

O Deputado do PSD, Álvaro Amaro.

--

Apesar de, em votação, acompanhar o Grupo Parlamentar do PSD em relação aos diferentes projectos legislativos em discussão, pretendo que fique claro o seguinte:
1.º - Considero muito discutível a oportunidade política do tratamento legislativo deste tema a poucos meses de eleições autárquicas, sobretudo quando outros temas bem mais relevantes para a reforma do sistema político, como, por exemplo, a reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República, se encontram, aparentemente, postos de lado.
2.º - No plano dos princípios, considero necessariamente chegada a hora de serem introduzidos no sistema político autárquico os princípios da limitação dos mandatos de índole executiva e da candidatura, em eleições autárquicas, de cidadãos não vinculados a partidos políticos.
Os portugueses não entenderiam qualquer reforma no plano do sistema eleitoral autárquico que não fosse em paralelo acompanhada pela aplicação prática destes dois princípios.
3.º - Ainda no plano substancial, as disposições vertidas na proposta de lei n.º 32/VIII e no projecto de lei n.º 357/VIII não contribuem, a meu ver, para uma maior transparência do sistema eleitoral e do funcionamento autárquicos (pelo contrário, tornam-nos mais equívocos e opacos), para reforçar o poder de fiscalização das Assembleias Municipais (pelo contrário reforçam a sua dependência perante os executivos), ou para diminuir o que deve ser diminuído no poder discricionário dos presidentes de câmaras municipais (pelo contrário, reforçam-no até aos limites do intolerável).

O Deputado do PSD, Artur Torres Pereira.

--

Não obstante a votação, que naturalmente acompanho, do Grupo Parlamentar do PSD em relação aos vários projectos sobre legislação eleitoral autárquica, entendo, para cabal entendimento do meu voto e sobretudo da minha opinião sobre esta matéria, declarar o seguinte:
Reforma do sistema político.
A matéria em apreço coloca-se no quadro da reforma do sistema político. A este respeito, considero - como já anteriormente o tinha dito noutra declaração - que as prioridades da acção do Parlamento estão completamente invertidas. Em primeiro lugar, devia tratar-se da reforma do sistema eleitoral nacional, claramente o mais premente, prioritário e urgente.
Todavia, a Assembleia da República optou - a meu ver mal - pela alteração do Estatuto dos Deputados, primeiro, e agora pela legislação eleitoral autárquica, relegando aquela matéria para futura e eventual oportunidade.
Julgo que esta lógica de prioridades dá-nos uma ideia precisa: a de que não há prioridade política nenhuma e que as iniciativas legislativas vão surgindo ao sabor das circunstâncias ou das pressões e não em obediência a um pensamento global, coerente e integrado.
Oportunidade política.

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1937 | I Série - Número 47 | 09 de Fevereiro de 2001

 

Esta matéria, tal como outras da mesma natureza, já poderia e deveria ter sido tratada. A legislação eleitoral autárquica poderia e deveria ter sido decidida no ano anterior: Aliás, em 2000, muito se disse e discutiu sobre a questão. O Governo - o grande responsável - adiou tudo para o ano das eleições autárquicas. Parece-me mal. As regras do jogo eleitoral devem estar definidas com uma antecedência razoável em relação à data das eleições.
Aqui chegados não é de excluir, bem pelo contrário, o surgimento de uma das três hipóteses seguintes: a hipótese de tudo ficar decidido já, na generalidade, e nada ficar concluído, em tempo razoável, na especialidade. Isso significará, com intenção ou sem ela, mais um descrédito para o Parlamento, para a vida política e para os agentes políticos; a segunda hipótese, é a de tudo ficar concluído este ano para se aplicar nas autárquicas de 2005 e não nas autárquicas deste ano. A concretizar-se esta hipótese, estaremos perante um enorme exercício de incoerência política e um novo e grave desprestígio do Parlamento. Ninguém compreenderá.
A terceira hipótese é a de tudo ficar concluído este ano mas acabar por se aplicar, uma parte, às autárquicas deste ano, diferindo para 2005 as partes restantes. Seria, a consumar-se este cenário, a demonstração de um maquiavélico cinismo político.
Tudo, em qualquer das hipóteses, será absolutamente inadmissível, e a probabilidade de tal suceder é enorme, com intenção ou sem ela.
Substância da matéria
Em qualquer caso, a substância do que, tarde ou cedo, vier a ser decidido, não é irrelevante. Temo, a este respeito, que venha a aprovar-se não uma reforma mas um simulacro de reforma, ou, por outras palavras, que acabem por ser consumadas alterações que servem interesses de alguns agentes do poder local e se excluam importantes mudanças de abertura à sociedade que esta legitimamente reclama.
Neste quadro, considero que qualquer reforma neste domínio deve obrigatoriamente consagrar o princípio da limitação de mandatos, indispensável para estimular a renovação e a alternância democrática no poder local - não se trata de agir contra ninguém, trata-se de fortalecer a imagem e a vivência democrática do poder local -, e o princípio de que os cidadãos eleitores não partidariamente vinculados possam, em concorrência com os partidos, apresentar candidaturas aos municípios.
A última revisão constitucional, em 1997, com o apoio de todos os partidos, consagrou este princípio. O PS chegou mesmo, na legislatura anterior, a apresentar um projecto de lei nesse sentido e o PSD há longos anos que defende esta alteração. Em função de tudo isto, não contemplar este princípio será incorrer no mais acabado exercício de hipocrisia política.
A governabilidade dos municípios é importante, mas hoje, felizmente, esse não é o problema. Os problemas hoje são outros e passam em grande medida pela coragem de terminar com o monopólio partidário e favorecer a renovação e a abertura do regime eleitoral autárquico à sociedade e aos cidadãos.
Em função de tudo isto, reservo uma posição definitiva para quando, também em definitivo, o Parlamento se pronunciar.
Nessa altura se verá, em plenitude, se a vontade reformista existe mesmo ou se, ao invés, se teimará em perpetuar a lógica conservadora que, apesar de tudo, o debate parlamentar travado evidenciou.

O Deputado do PSD, Luís Marques Mendes.

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Documento enviado à Mesa pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para publicação, relativo ao projecto de lei n.º 319/VIII.

1. O projecto em presença pretende «instituir um sistema aos trabalhadores pela morosidade da justiça, em processo de falência, e reforça os privilégios dos créditos laborais».
2. Os créditos laborais em processo de falência estão assegurados aos trabalhadores por força do Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de Junho, o qual instituiu o Fundo de Garantia Salarial. Nos seus termos, o fundo assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação, encontrando-se pendente acção nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência e nestas o juiz declare a falência ou mande prosseguir a acção com um dos processos tipo.
3. Os créditos abrangidos por este fundo são os emergentes de contrato de trabalho que se venceram nos seis meses que antecedem à propositura da acção e respeitam a retribuições, incluindo subsídios de férias e Natal e ainda a indemnizações ou compensações devidas por cessação do contrato de trabalho.
4. O regime supra referido prevê ainda que o Fundo de Garantia Salarial fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos trabalhadores, gozando os créditos por si abrangidos do privilégio mobiliário geral e do privilégio imobiliário geral.
5. A regulamentação de que este diploma carecia encontra-se para agendamento no Conselho de Ministros, concluindo-se assim a consolidação de um regime de protecção dos créditos dos trabalhadores e envolvidos em processos de falência da respectiva entidade patronal.
6. Neste quadro, a iniciativa legislativa supra identificada, encontra as suas medidas consumidas no regime legal pré-existente.
7. Acresce que o intuito de reforçar os privilégios dos créditos dos trabalhadores apresentado no projecto assenta em fazer aplicação retroactiva de normas entretanto publicadas e em inverter a ponderação ora realizada, transformando os créditos do Estado, da segurança social e das autarquias locais em créditos comuns «se não existirem créditos privilegiados não laborais», com a salvaguarda de não ter havido sentença de verificação e graduação de créditos. Neste ponto, não merece a iniciativa oposição.
8. No que respeita à reparação dos trabalhadores pela morosidade da justiça em processo de falência, propõe o projecto, nos artigos, 9.º a 19.º, um sistema de sub-rogação do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonia1 da Justiça nos créditos dos trabalhadores, através da atribuição de adiantamentos. Significativo, na filosofia do sistema proposto, é o elemento resultante da impossibilidade de deduzir estes adiantamentos aos montantes indenmizatórios, concedidos ou à conceder, em acções contra o Estado português com base na morosidade da justiça.
8.1. Se o principio, simplificado, é o de onerar o IGFP da Justiça com os créditos resultantes de uma relação laboral em que houve incumprimento, em razão de falência, por parte do empregador, não se descortina o nexo de imputação da responsabilidade nem, por maioria de razão, o sistema de sub-rogação de créditos proposto.
Acresce a patente duplicação dos mecanismos de adiantamento e sub-rogação já assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial.
8.2. Se, de outra perspectiva, o princípio é o de atribuir responsabilidades ao Ministério da Justiça, por via do seu IGFP, na morosidade processual verificada nos processos

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1938 | I Série - Número 47 | 09 de Fevereiro de 2001

 

de falência, dois princípios básicos do sistema judicial português são arredados com estes dispositivos: o princípio da isenção na verificação de responsabilidades na morosidade processual, e o princípio da unidade do Estado no que respeita ao funcionamento das suas instituições.
8.3. Concretizando: é evidente o problema de meios humanos e técnicos no funcionamento da justiça. Tal não significa que os particulares façam sempre uma utilização exemplar do processo na perspectiva da celeridade, não se afigurando correcto atribuir, desde logo, a um serviço do Ministério da Justiça a obrigação de se substituir à entidade patronal falida.
Por outro lado, quando se verifica a responsabilidade do Estado pela morosidade processual, e na sequência é arbitrada indemnização, a mesma é paga do Orçamento de Estado, mediante procedimentos desencadeados pelo Ministério da Justiça mas tutelados pelo Ministério das Finanças no que respeita à execução do pagamento.
9. Pelo que cumpre dizer que não instituem estas normas, e concretamente os artigos 15.ºe 16.º da proposta, contributo racional para a eliminação das consequências da morosidade processual em processo de falência.
Gabinete do Ministro da Justiça, aos 6 de Fevereiro de 2001.

--

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Armando António Martins Vara
Emanuel Silva Martins
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Jorge Lacão Costa
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Henrique José Monteiro Chaves
Jaime Carlos Marta Soares
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Lucília Maria Samoreno Ferra
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Rui Manuel Leal Marqueiro

Partido Social Democrata (PSD):
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas

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