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Quinta-feira, 15 de Março de 2001 I Série - Número 59

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE MARÇO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética relativo às retomas de mandato de três Deputados (2 do PS e 1 do BE) e à substituição de um Deputado do CDS-PP.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 394 a 398/VIII, do inquérito parlamentar n.º 8/VIII e dos projectos de resolução n.os 122 a 125/VIII.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona (CDS-PP) falou do estado em que se encontra a economia do País e propôs a revogação da reforma fiscal. Respondeu, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro (PS).
O Sr. Deputado Fernando Rosas (BE), em declaração política, a propósito da tragédia ocorrida em Entre-os-Rios, criticou a forma como a comunicação social, nomeadamente a televisão, tratou esse acontecimento que afirmou por em causa as regras deontológicas do jornalismo, assim como a liberdade de expressão e a democracia. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Reis (PS) e Basílio Horta (CDS-PP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes (PSD), na qualidade de Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Coimbra, abordou os problemas que afectam não só o distrito como também a Região Centro, tendo respondido aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ricardo Castanheira (PS), Manuel Queiró (CDS-PP), Joaquim Matias (PCP) e João Cravinho (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Francisco de Assis (PS), a propósito dos acontecimentos ocorridos em Castelo de Paiva, convocou todos os Deputados a uma reflexão e debate sérios dos problemas reais com que Portugal se defronta, a fim de encontrarem as soluções mais adequadas para garantir a superação desses problemas. Respondeu, depois, aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Queiró (CDS-PP) e Santana Lopes (PSD) e deu explicações a este último orador, que exerceu a figura regimental da defesa da honra.
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) lembrou o Dia Internacional da Mulher, que ocorreu no passado dia 8, e referiu o papel das mulheres como parceiras de novos modelos de desenvolvimento do País.
Foi aprovado o voto n.º 132/VIII - De protesto pelo rapto de cidadãos portugueses em Cabinda (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).

Ordem do dia.- Mereceram aprovação os n.os 29 a 36 do Diário.
Foram discutidos conjuntamente, na generalidade, o projecto de lei n.º 349/VIII - Compensações a empresas comerciais e outros agentes económicos afectados por obras públicas (PSD), os projectos de resolução n.os 97/VIII - Sobre a criação de medidas de apoio às empresas do comércio tradicional da baixa do Porto (PCP) e 119/VIII - Avaliação dos danos causados ao comércio do Porto pelas obras de requalificação urbana (PS) e o projecto de lei n.º 389/VIII - Cria as bases gerais sobre compensação de prejuízos causados por obras públicas (CDS-PP). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado das Pequenas e Médias Empresas, Comércio e Serviços (Nelson de Sousa), os Srs. Deputados Rui Rio (PSD), Renato Sampaio e José Carlos Tavares (PS), Honório Novo (PCP), Manuel Queiró (CDS-

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PP), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes) e Sérgio Vieira (PSD).
O projecto de lei n.º 367/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 177/99, de 21 de Maio, que regula o regime de acesso e de exercício da actividade de prestador de serviços de audiotexto, o Decreto-Lei n.º 474/99, de 8 de Novembro, que aprova o regulamento de exploração do serviço fixo de telefone, e o Decreto-Lei n.º 175/99, de 21 de Maio, que regula a publicidade aos serviços de audiotexto (CDS-PP) foi também discutido na generalidade. Produziram intervenções, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Defesa do Consumidor (Acácio Barreiros), os Srs. Deputados Nuno
Teixeira de Melo (CDS-PP), Aires de Carvalho (PS), Virgílio Costa (PSD) e António Filipe (PCP).
Por fim, a Câmara procedeu à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 340/VIII - Estabelece o estatuto legal da carreira de mediador cultural (BE) e 393/VIII - Estabelece o estatuto legal do mediador sociocultural (PS), tendo-se pronunciado, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Carla Gaspar e Maria Celeste Correia (PS), Rosado Fernandes (CDS-PP), David Justino (PSD), Margarida Botelho (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António José Santinho Pacheco
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação

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Carlos Parente Antunes
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Miguel Gonçalves Miranda
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se às retomas de mandato, nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março), dos Srs. Deputados, do PS, Luís Parreirão (círculo eleitoral de Coimbra), cessando Maria Antónia Almeida Santos, em 10 de Março corrente, inclusive, e Jorge Coelho (círculo eleitoral de Setúbal), cessando Matos Leitão, em 10 de Março corrente, inclusive, e do Sr. Deputado, do BE, Fernando Rosas (círculo eleitoral de Lisboa), cessando Helena Neves, em 14 de Março corrente, inclusive; e à substituição, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março), do Sr. Deputado Alves Pereira, do CDS-PP (círculo eleitoral de Viana do Castelo), com início em 14 de Março corrente, inclusive, por um período não inferior a 45 dias, por Fernando Moreno.
O parecer da Comissão de Ética vai no sentido de que as retomas e as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta das iniciativas legislativas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada ma Mesa e foram aceites as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 394/VIII - Altera a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (CDS-PP), que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões, 395/VIII - Novo sistema de cobrança e entrega de quotas sindicais (PCP), que baixou à 9.ª Comissão, 396/VIII - Elevação a cidade da vila de Freamunde (CDS-PP), que baixou à 4.ª Comissão, 397/VIII - Garante os direitos da pré-reforma (Deputada do BE Helena Neves), que baixou à 5.ª Comissão, e 398/VIII - Regula o estatuto dos gestores públicos (Deputada do BE Helena Neves), que baixou à 9.ª Comissão; inquérito parlamentar n.º 8/VIII - Constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as causas, consequências e responsabilidades do acidente resultante do desabamento da ponte sobre o rio Douro, em Entre-os-Rios (PS); e projectos de resolução n.os 122/VIII - Assunção de poderes de revisão constitucional (PSD), que baixou à 1.ª Comissão, 123/VIII - Prevenção e segurança rodoviárias (PSD), 124/VIII - Promove acções com vista ao combate à sinistralidade rodoviária (CDS-PP) e 125/VIII - Programa nacional de urgência sobre segurança rodoviária (BE).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Maria Celeste Cardona, Fernando Rosas, Pedro Santana Lopes, Francisco de Assis e Isabel Castro.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com esta intervenção pretendo chamar o Parlamento às suas reais responsabilidades. Pretendo discutir os problemas das pessoas e não, como tem vindo a acontecer, discutir o que pode interessar a alguns, mas pouco tem a ver com a vida real de quem trabalha, de quem tem filhos, de quem tem de pagar impostos, de quem espera nas listas de espera.
É destes problemas que quero falar. É sobre estes problemas que quero que o Parlamento se pronuncie. É a própria dignidade da função de Deputado que quero sublinhar.
Sou uma portuguesa, como tantas outras, preocupada. O crescimento em Portugal não se verifica; a dívida pública em Portugal não diminui; o défice é controlado à custa de receitas extraordinárias; o desperdício em Portugal parece não preocupar nada, nem ninguém;…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - … o rendimento dos portugueses está a estagnar; a produtividade em Portugal é apenas uma miragem; as nossas relações com o exterior não param de dar prejuízo; o endividamento das famílias, das empresas e, em consequência, do País começa a dar sérios sinais de riscos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - É esta uma situação inevitável? Não é!
Para já não falar de médias de desenvolvimento e de crescimento do conjunto dos países nossos parceiros comunitários, falemos de um pequeno país que soube aproveitar as oportunidades, definir objectivos, traçar metas e criar condições para a sua concretização. É, justamente, da Irlanda que falo. E falo com a legitimidade de a Irlanda ser governada por um partido que, como o CDS-PP, assume as mesmas convicções e as mesmas orientações em matéria de política económica.
Comparemos, então, o modelo irlandês com o mau exemplo português. Comparemos, então, o sucesso económico do «tigre céltico» com o passo lento e gastador da «minhoca socialista».

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - A Irlanda, desde 1996 até 2001, iniciou um processo de diminuição da despesa pública: passou de 39,7% para 31%. Portugal, no mesmo período, passou de 45,4% para cerca de 53%.
Vejamos agora o défice: a Irlanda já conta com um excedente de 1,9%, enquanto Portugal mantém um défice aparente de 1,5% e um défice real superior a 2%.

Pausa.

Sr. Presidente, julgo que não tenho condições para continuar a minha intervenção devido ao burburinho que existe na Sala.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada tem toda a razão. Peço aos Srs. Deputados o favor de fazerem silêncio, para que possamos ouvir a oradora em condições normais, como é desejo de todos, certamente.
Faça favor de prosseguir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - E meu desejo, sobretudo, Sr. Presidente.
O rendimento per capita na Irlanda, está neste momento em 126% da média comunitária; em Portugal não passamos dos 75%. Eles entraram na Europa pobres, como nós; trabalharam e enriqueceram; nós marcamos passo.
Quanto à produtividade, na Irlanda, foi de 5,2%, em 2000; Portugal, no mesmo período, ficou três vezes abaixo.
A balança comercial irlandesa tem um excedente de 25,7%; Portugal tem um défice de cerca de 12,5%. Eles vendem, nós compramos.
No crescimento económico a diferença entre o «tigre céltico» e a «minhoca socialista» é esmagadora! A taxa de crescimento não pára de subir desde 1996, situando-se, em 2000, em cerca de 10,5% do PIB; em Portugal, não vai crescer para além dos 2,9%.
Na Irlanda, o esforço e o trabalho foram compensados; em Portugal, a inércia e a incapacidade passam a sua factura.
Também na Irlanda, e em complemento destas políticas, o governo aprovou recentemente uma reforma fiscal, enquanto política adequada de redistribuição do rendimento, que diminui substancialmente os impostos quer para as pessoas singulares quer para as empresas. Os irlandeses estão a viver bem. O governo cumpriu as suas obrigações. E, em Portugal, o que se passou? Cometeram-se muitos erros, o último dos quais foi a chamada reforma fiscal. É também por isso, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, que estou e continuo preocupada.
Mas o Governo teve uma oportunidade de, pelo menos em domínios onde ainda mantém soberania, fazer e de fazer bem.

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Para consumo interno, o Governo apregoou que pretendia combater a fraude e a evasão e diminuir os impostos aos que já muito pagam. Para consumo externo, isto é, no contexto do pacto de estabilidade e crescimento, o Governo assumiu que o controlo do défice se vai fazer pela via da arrecadação das receitas (mais 1000 milhões de contos/ano em receitas de impostos) e não pela via da redução da despesa.
O Governo disse que, com esta reforma, pretendia cobrar impostos a quem não os paga, trazendo para o sistema todos os que, indevida e ilegitimamente, nele não estão integrados. Como é bem de ver, só acreditou quem quis. Nós não acreditamos! E os factos estão aí para demonstrar o que realmente se está a passar.
Com eficiência fiscal ganhamos todos; com esquerdismo fiscal perde o País!

Vozes do PCP e do BE: - Oh!…

A Oradora: - Quem está a sofrer na pele os erros cometidos não são os que não pagavam; são os que já pagam, os que já estavam e continuam a estar no sistema e a quem se vai pedir mais para pagar mais.
Os reformados só agora entenderam que, ainda que não devam impostos, devem declarar os seus rendimentos. Vão pagar a quem preenche uns impressos que ainda não existem; vão gastar dinheiro em deslocações para a entrega das declarações. A pergunta é simples: são estes os evasores?
O novo regime fiscal das pré-reformas foi condenado. Toda uma política de reformulação e de rejuvenescimento deste sector foi posta em causa. Porquê? É esta a receita que falta?
Os trabalhadores portugueses deslocados no estrangeiro, ao serviço de empresas portuguesas, passam a estar sujeitos a uma retenção na fonte sobre os respectivos salários de 25%. Porquê? É desta forma que se combate a fraude fiscal?
Finalmente, o denominado regime simplificado de tributação. Julgo, aliás, que o nome é bem pomposo e que até os contribuintes, numa primeira fase, pensaram que se tornaria mais simples o cumprimento das suas obrigações tributárias. Estão agora a verificar que esta simplicidade é simplesmente um calvário!
Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, vou dizer-vos porquê.
José, profissional liberal, telefonou para a Linha Azul da DGI a pedir informações sobre este novo regime que lhe parecia ser aplicável; aguardou 15 minutos para obter a seguinte resposta: «pedimos desculpa, mas ainda não temos instruções superiores, nem impressos. Telefone daqui a uns 15 dias». Um pouco resignado, a vida às vezes é assim, José telefonou a um contabilista amigo, que lhe disse que, tendo ele auferido mais de 2000 contos/ano - uma fortuna, como é bom de ver -, deverá ter contabilidade organizada para efeitos de IVA, e que, por consequência, a possibilidade de optar por não ter livros de registo e outros não lhe era aplicada. Suspirou de alívio. Afinal, alguém tinha ouvido nas notícias de que ainda dispunha de um prazo até Julho, para fazer a sua opção. Mas não deixou de se interrogar: onde é que isto está escrito?
Volta a telefonar ao contabilista, que o informa que as coisas continuam muito baralhadas; aguarda-se a publicação de uma nova circular do Governo.
No dia seguinte, abre o jornal e verifica que, afinal, parece que o Governo não quer penalizar quem recebe, através de recibos verdes, valores inferiores a 469 contos. Continua a interrogar-se: onde é que isto está escrito?
Apesar de tudo, e munido destas informações, telefona a um advogado para saber se já existem mais esclarecimentos sobre esta matéria. Não, diz-lhe o colega, que ainda está a estudar a legislação e as circulares entretanto publicadas, e que o informaria logo que dispusesse de mais informação.
Mais tarde, também pelas notícias, é surpreendido com a afirmação de que, agora, a regra é: quem tem actividade paga! Antes, era assim: quem tem rendimento paga; agora, é: se está inscrito seja no que for, então, paga! É a aplicação generalizada da colecta mínima.
Dois dias depois, também pela televisão, ouve falar de actos isolados. Não sabe o que tal conceito significa, e volta a tentar a Linha Azul. A espera é longa, a resposta é curta: só o chefe de repartição, analisando caso a caso, poderia decidir pela aplicação ou não deste novo regime.
Manifestamente assustado pela complexidade da matéria e pela incerteza da solução a adoptar (já só faltam três meses), pensa, no entanto, que sempre poderá recorrer à justiça em caso de violação dos seus direitos. Só que, no dia seguinte, lê também no jornal que o FMI e a Provedoria de Justiça realizaram uma auditoria quanto à situação da justiça tributária em Portugal e revelaram estar a mesma numa situação muito degradada.
Neste cenário, José desiste; enfrenta as filas da sua repartição de finanças e cessa a sua actividade. José pensou: «antes ser ignorado do que ser enganado»!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Eis, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, um pequeno exemplo prático da aplicação no terreno da suposta reforma fiscal.
Com leis mal feitas, à pressa, sem curar de estudar as respectivas consequências, esta demagogia fiscal custa ao País mais investimento, menos poupança, fuga de capitais e desconfiança na economia.
Citando Churchil, quando respondia a um socialista, «V. Ex.ª. pensa que dar lucro é pecado. A mim o que me parece pecado é dar prejuízo».
Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, para grandes males grandes remédios: o CDS-PP proporá no Parlamento a revogação da chamada reforma fiscal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, ouvi com a atenção devida mais essa investida contra a reforma fiscal. Ela insere-se numa campanha a que o CDS-PP procura dar cor e voz, numa campanha da direita, porque nunca escondemos que esta reforma fiscal é uma reforma socialmente dirigida. Assumimo-lo logo quando a aprovámos e continuamos a manter que esta reforma fiscal é uma reforma que procura atingir os objectivos que foram bem expressos: fazer com que aqueles que já pagam pagassem menos e fazer com que aqueles que não pagavam, em relação aos quais era visível e notório a exigência da sociedade portuguesa,

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passassem a pagar. Aliás, da sua intervenção ressaltou isto mesmo.
Quando pergunta se os que pagam não vão pagar mais, é esconder uma pergunta que lhe vou fazer: então, a taxa do IRS não desceu? Como é que aqueles que já pagavam vão pagar mais, se, porventura, reconhece que a própria taxa do IRS baixou?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao regime simplificado, se era facto que o regime simplificado poderia, eventualmente na interpretação que lhe estava a ser dada, agravar aqueles que com fracos rendimento pudessem vir a pagar - a interpretação foi dada pelo Sr. Ministro, e é do conhecimento geral, através de uma conferência de imprensa -, pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: também não está de acordo com a interpretação decorrente desta última visão sobre a possibilidade de serem considerados actos isolados e não rendimentos presumidos? Hoje, ficou claro, através dessa interpretação, que o regime simplificado só é considerado para aqueles que têm uma actividade normal, corrente, e que os actos isolados, em relação aos quais estavam a ser feitas reivindicações na sociedade, como, por exemplo, alguns casos de explicadores, de técnicos de sondagens ocasionais, etc., estavam resolvidos!
Portanto, não faz sentido vir aqui dizer que esta situação se agravou, pois deu-se o contrário, isto é, houve o facilitar da situação! O Sr. Ministro fez uma interpretação correcta dos casos que estavam em apreço e hoje é claro, para o País, que o regime simplificado torna as suas operações mais simples e, sobretudo, vai reduzir a sua tributação fiscal.
Por outro lado, também considero que o País tinha, de uma vez por todas, de saber quem paga e quem não paga e de ter uma administração mais segura da sua actuação - e foi isto que se procurou com a reforma fiscal. É por isso que não entendemos muito bem… Ou, se quiser, talvez venhamos a entender por que é que esta reforma fiscal se produziu e está a ter estes resultados e, sobretudo, por que é que são as vozes da direita que se levantam contra a reforma fiscal!
Continuaremos, pois, nesta senda, sendo que as próximas medidas do pacote da reforma fiscal vão também nesse sentido. É por esta razão que questiono a Sr.ª Deputada relativamente às últimas medidas, perguntando-lhe se está ou não de acordo com a interpretação dada pelo Sr. Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, agradeço a sua questão, mas devo referir-lhe que não gostei da terminologia utilizada por V. Ex.ª quanto à «investida». Se o Sr. Deputado quiser dizer que consideramos que esta reforma fiscal é má e que os contribuintes também a consideram má, tem toda a razão!
Mas passemos ao que importa. Sr. Deputado.
O que eu disse, e mantenho, e não há resultados que demonstrem o contrário, é que quem já paga, quem já está no sistema, é quem vai pagar mais, no que se refere aos institutos que os senhores fizeram aprovar.
O Sr. Deputado veio falar de interpretações feitas pelo Sr. Ministro das Finanças a propósito das leis fiscais. Sr. Deputado, o senhor está na Casa em que os impostos são criados! O senhor está na Casa que não devia permitir que normas de tributação incidentes sobre a vida das pessoas estejam sujeitas a interpretações seja lá de quem for! Não é o Sr. Ministro que, numa conferência de imprensa, vem dizer aos contribuintes se pagam a, b ou c, mas a lei aprovada por esta Casa, Sr. Deputado!
Como o senhor sabe, e eu sei, basta ir pela cidade de Lisboa para ver esses contribuintes, que o senhor diz estarem satisfeitos, cessaram a sua actividade! Por que será, Sr. Deputado?! Por que será?! Justamente porque não sabem o que os espera, porque estão absolutamente convencidos de que vão pagar mais! E, Sr. Deputado, estes contribuintes não são os das offshore, estes não são os ricos; estes são os contribuintes que têm de trabalhar muito para ganhar alguma coisa!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

A Oradora: - É para estes que estou a falar, Sr. Deputado, e é para estes que continuo a afirmar que esta reforma fiscal foi um erro profundo, que não é o senhor nem nós que vamos pagar, mas, sim, o País, Sr. Deputado! São os contribuintes deste país que vão sentir na pele os efeitos nefastos daquilo a que alguém já chamou - e não fui eu, saiu das vossas bancadas - «populismo fiscal»! É disto que estamos a tratar, Sr. Deputado!
Vamos ser sérios, vamos tratar as coisas seriamente e estabelecer reformas que tenham a ver com as pessoas. E não me venha falar de interpretações, porque isso, neste domínio, como é evidente, não colhe!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas, a quem dou as boas-vindas ao Parlamento.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo esta a minha primeira intervenção parlamentar, gostaria de saudar o Sr. Presidente da Assembleia da República e, na sua pessoa, todos os Deputados e Deputadas da Câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe, em meu nome e no de todos os Deputados.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um momento de grandes perplexidades este que vivemos desde há uma semana. A tragédia de Entre-os-Rios, pela enormidade da perda humana e pelo choque nacional que provocou, obriga-nos a pensar sobre várias coisas, tais como as regras da política e da responsabilidade pública, os caminhos de um país que se projecta em obras, mas que não permite a confiança dos seus cidadãos nos organismos públicos que as verificam. Obriga-nos a pensar no abandono desse outro país que é também este, o mundo rural, o interior, deixado à margem pelo modelo de desenvolvimento que governos diversos e uma integração europeia desigual nos têm imposto. E obriga-nos a pensar também - e é este o ponto - nos modos de representação

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de tamanho drama pelos meios de comunicação social. O que, sob este aspecto, se tem passado nos últimos dias é a razão da minha intervenção.
A paisagem mediática portuguesa sofreu profundas mutações na última década, a maior das quais foi sem dúvida a abertura de canais privados de televisão. A falta de distância dos canais públicos preexistentes em relação ao poder político justificava a esperança num novo pluralismo. Porém, a experiência posterior, sobretudo a mais recente, confirma o que se vinha já a concluir noutros países: concorrência não é garantia de diversidade. Pelo contrário, o sistema televisivo tende para uma uniformização cada vez maior, e esta uniformização faz-se por baixo.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Tem toda a razão!

O Orador: - O que determina essa convergência é a submissão crescente da programação - designadamente da programação informativa - ao critério comercial da disputa de audiências.
Este monopólio do mercado, ou, pelo menos, da sua lógica estritamente concorrencial, sobre os critérios editoriais e de programação de todos os canais, impõe um debate que o Bloco de Esquerda não pretende adiar, porque o varrimento de todas as regras, que não a da disputa de receita publicitária, coloca em perigo a liberdade de expressão e a democracia.
A presença mediática, e sobretudo televisiva, na tragédia de Entre-os-Rios representa um investimento de meios e espaço de representação sem precedentes. Tamanho desastre para as comunidades envolvidas aconselharia - creio eu! - ponderação, mesmo aos mais desinibidos gestores de audiências. As difíceis condições de recuperação dos corpos das vítimas e o prolongamento da ansiedade da comunidade afectada apontaria ao respeito pelo luto e pela dor de quem perdeu os seus próximos. Em lugar disso, instalou-se o delírio concorrencial entre os meios de comunicação social.
Desde há nove dias, assistimos ao desdobramento da transmissão em fluxo contínuo a partir de Castelo de Paiva, mesmo na ausência prolongada de qualquer motivo de notícia; assistimos à repetição consecutiva das mesmas informações, de que o Governo se procura aproveitar com os seus briefings mínimos garantidos; assistimos ao desrespeito por regras elementares da deontologia jornalística, como vimos, há dias, em entrevistas em directo a familiares devastados ou a crianças indefesas; assistimos ao recurso indiscriminado ao directo televisivo, forma tão difícil de jornalismo, cuja «superficialidade», como refere Diana Andringa, ex-presidente do Sindicato de Jornalistas, «pode funcionar como uma espécie de censura, uma ausência de pensamento do que está antes e do que virá depois»; assistimos à invasão das casas enlutadas e à apropriação mediática da dor íntima e privada de cada um. Para cumprir a única regra que vale, parece ser necessário não cumprir regra alguma.
Esta vertigem marca a paisagem mediática dos nossos dias com o ferro da desumanidade e, até, com o ferro da impiedade. Na ausência de formas de auto-regulação, resta o espectáculo da canibalização do cidadão pelo sistema comunicacional, com a televisão na linha da frente. Os espaços da intimidade, a violência demente ou a fascinação pela tragédia humana tornam-se objectos predilectos da disputa mercantil de audiências televisivas.
As longas transmissões estivais em torno da destruição da floresta são tímidos ensaios ao lado do delírio dos media em Entre-os-Rios. Mais: desde o sucesso mediático do enclausuramento de um homem perturbado nas instalações da RTP, tiveram já lugar mais dois episódios semelhantes. No último, ocorrido num supermercado, o doente psiquiátrico que o protagonizou tinha como exigência intervir em directo nas televisões. Nenhum canal da televisão, pública ou privada, hesitou, em qualquer dos dois casos, em deslocar-se de «armas e bagagens» para a porta destes infelizes.
Tem de haver outro caminho! Os diversos operadores televisivos devem encontrar formas de auto-regulação que travem a espectacularização degradante da informação e da dignidade das pessoas. O respeito por princípios essenciais de serviço público, com o qual também os canais privados estão comprometidos, é a única defesa contra a ditadura das audiências.
Em Entre-os-Rios, de onde os canais têm medo de ser o primeiro a sair, seria necessário um pacto de seriedade e uma proposta de auto-regulação que restabelecesse o tratamento desapaixonado da tragédia e do que importa, verdadeiramente importa, discutir acerca dela.
Como refere, e eu subscrevo, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, não se pode condicionar o respeito pela ética a um recuo correspondente por parte da concorrência. Como aquele Conselho refere, quem o sugere limita-se a propor um «pacto de não-agressão comercial - com a ética jornalística como refém».
O balanço destas últimas semanas, devendo ser francamente debatido entre profissionais, tornou-se também um problema da cidadania. O respeito pelas regras deontológicas do jornalismo deve ser verificado eficazmente, desde logo pelos próprios profissionais. Mas é necessário que os espectadores de televisão, os ouvintes de rádio e os leitores dos jornais integrem e interfiram nesse diálogo, com a sua vigilância, através de canais abertos e permanentes.
A informação livre e rigorosa é um esteio da democracia. A aceitação silenciosa da degenerescência mercantil na informação nivela-a por baixo e esvazia de sentido a liberdade de expressão.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Para trás, ficam a noção de serviço público e a deontologia profissional. E, mais, Srs. Deputados, ficam também reduzidos a fatias de share e indefesos os cidadãos e os seus direitos. É preciso, obviamente, pôr termo a isso!

Aplausos do BE, do PSD e de alguns Deputados do PCP e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Reis e Basílio Horta
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de saudar a sua presença, pela primeira vez, na bancada do Bloco de Esquerda, do Sr. Deputado Fernando Rosas, exactamente dois meses depois de ter terminado o seu combate eleitoral na candidatura à Presidência da República, onde, aliás, obteve um honroso resultado. E, de certa maneira, penso que não se podia ter estreado

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melhor, com a intervenção que acabou de fazer, que constitui um rude e objectivo diagnóstico de um dos males que afectam a nossa comunicação social e ao qual a minha bancada é particularmente sensível, tanto mais que esta Câmara aprovou, em finais de 1998, o novo Estatuto do Jornalista, que conferiu aos jornalistas uma quantidade de direitos que eles nunca, até agora, tiveram.
Por iniciativa do Governo, com os votos favoráveis desta bancada e de praticamente todas as outras bancadas desta Casa, os jornalistas portugueses desfrutam hoje de um conjunto de direitos que fazem, com certeza, inveja aos jornalistas de alguns outros países, inclusive da própria União Europeia. Simplesmente, verificamos que esses direitos nem sempre são acompanhados pelo respeito por uma série de deveres que, aliás, estão bem patentes no Código Deontológico. E aquilo que se passou com a cobertura da tragédia da ponte de Entre-os-Rios vem confirmar esta situação.
Com efeito, a concorrência tem as suas virtudes, mas tem também os seus efeitos perversos, e estes ficaram, neste caso, bem à vista.
Sr. Deputado Fernando Rosas, o problema é saber como contrariar esta tendência para uma espécie de vale-tudo na concorrência que se tem vindo a verificar. Auto-regulação? Intervenção do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, como, aliás, aconteceu neste caso concreto? Recurso aos provedores de leitores, telespectadores, teleouvintes? Outra hipótese possível é a de dar maiores poderes à Alta Autoridade para a Comunicação Social, e, neste caso, que tipo de intervenção poderá uma instância reguladora como a Alta Autoridade ter que não se confunda com uma espécie de censura?
Gostaria que o Sr. Deputado Fernando Rosas fosse mais preciso na terapêutica que propõe para uma situação tão grave como a que está a ocorrer e que foi muito bem diagnosticada por V. Ex.ª na sua intervenção nesta Câmara.

O Sr. Presidente: - Para responder, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, creio que nenhum cidadão pode ficar indiferente a situações como a que vimos na televisão, há dois dias. Um jornalista pôs-se de cócoras, estendeu um microfone a uma criança de cinco anos cujos pais desapareceram no rio e perguntou-lhe qual era a sensação de não ter ido naquela viagem e de não estar junto dos pais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Isto é absolutamente intolerável! É absolutamente intolerável e os remédios para isto não são simples.
Censura prévia, tivemos durante 50 anos e bastou. Outras modalidades de censura, através do controlo do Estado, também já as tivemos. Ao dizer que a concorrência está a igualizar por baixo, não estou a…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, parece que o seu microfone se desligou. Então, será melhor carregar no botão para o ligar de novo.

Pausa.

Uma vez que o seu microfone não funciona, peço-lhe que use o microfone do lado, se é que esse funciona!

Pausa.

Bom, uma vez que esse também não funciona, talvez o Sr. Deputado Luís Fazenda lhe possa ceder o seu microfone, caso funcione. Para grandes males, grandes remédios!

O Orador: - Sr. Presidente, a esquerda parlamentar ficou temporariamente sem som, mas já o recuperou!
Como eu dizia, vejo um remédio decisivo para a situação em debate: a pressão e a intervenção da opinião pública, através dos instrumentos que ela tem ao seu dispor, e refiro-me à Alta Autoridade para a Comunicação Social, ao Sindicato dos Jornalistas e ao seu Conselho Deontológico, a uma condenação muito veemente da qual esta Câmara se deve fazer, obviamente, eco.
O que está em causa são políticas editoriais de mercantilização e, portanto, de deturpação da informação, e, em democracia, a única maneira de se fazer face a isto é no campo da luta de ideias, no campo da opinião pública, utilizando os instrumentos e as leis que temos ao nosso dispor, que são vários.
O problema é que esta Câmara se deve fazer eco da recusa dos representantes do País em permitir esta espécie de adormecimento em relação ao insulto à cidadania e à sensibilidade das pessoas, que a reportagem a que referi traduziu. E isto deve ser feito através do apelo à mobilização cívica, através dos organismos que já tem ao seu dispor, porque naturalmente não me passa pela cabeça estar a colocar novamente coronéis atrás de cada jornalista para saber o que este faz. Mas, seguramente, já se pode colocar atrás de cada jornalista que prevarica um cidadão vigilante que denuncie os seus excessos.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, também eu começo por saudar a sua presença neste Hemiciclo, e, embora estejamos nos antípodas ideológicos, ou quase, estou certo que a sua presença vai, em muito, beneficiar a qualidade do debate parlamentar.
Em relação à intervenção que acabou de produzir, quero dizer que a minha bancada está de acordo com as suas linhas gerais, e não é de agora. Há muito tempo que nos preocupamos com a influência na sociedade dos meios de comunicação, fundamentalmente dos audiovisuais. Grande parte dos defeitos da sociedade que estamos a construir é em função daquilo que permanentemente vê. As regras do mercado estão a distorcer, neste domínio, toda a qualidade na formação dos jovens e nos próprios aspectos básicos da nossa vida colectiva. Isto acontece não apenas naquilo que referiu, no que se relaciona directamente com a tragédia que enlutou o nosso país, em que houve momentos onde nós próprios tivemos um arrepio ao vermos a forma como foi transmitida a tragédia e como tudo isso foi aproveitado, como se de um enorme Big Brother se tratasse. Há regras, e há limites para tudo. Não é só neste caso, veja a violência que todos os dias nos é transmitida sob várias formas e a horas em que todos os jovens po

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dem ver, sendo, deste modo, permanentemente bombardeados com imagens que lhes dão a ideia de uma sociedade deformada e de um comportamento seguramente desviante e altamente prejudicial.
Pergunto: que meios existem para combater esta situação? É que nós, no CDS-PP, já tentámos legislar sobre esta matéria, apresentámos uma proposta de lei sobre a violência que visa limitá-la por via legislativa.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, qual é a sua opinião sobre esta questão. Não pensa que por via legislativa pode haver uma solução, através, por exemplo, da utilização de chips, que possibilitam a que os pais limitem aquilo que se vê nas televisões? Não entende que o Sindicato dos Jornalistas pode ter uma palavra decisiva sobre esta matéria, em relação à ética, à deontologia e ao próprio pluralismo - veja o que acontece, por exemplo, com a RTPi. O pluralismo também faz parte da formação das pessoas, em termos de garantir as liberdades, a democracia, o debate instalado e não o «monocordismo» permanente com que muitas vezes somos confrontados.
Por isso, Sr. Deputado, a questão que levanta é muito séria, não é apenas uma questão política mas também da sociedade. Pergunto-lhe, Sr. Deputado: que propostas existem? Como? Não é apenas deixando à televisão do Estado esse encargo, porque ela depois não é vista, as pessoas não vêem e as taxas baixam drasticamente. Pergunta-se: como? Através da consciencialização dos sindicatos, sem dúvida, mas, para além disto, o que é que esta Assembleia pode e deve fazer? O Sr. Deputado está de acordo com este tipo de iniciativas legislativas? Diga-nos «sim» ou «não».

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Sr. Deputado Basílio Horta e também ao meu querido colega Deputado António Reis as palavras amáveis que me dirigiram.
A bancada do BE tem-se pronunciado, sempre, por uma questão de orientação fundamental nesta matéria, contra qualquer forma de regulação administrativa da liberdade de expressão. Não estamos convencidos de que seja através de censuras electrónicas ou de processos semelhantes que se podem criar meios de informação dignos de serem vistos. Trata-se de um problema de cultura; trata-se de um problema de liberdade de expressão no sentido autêntico e profundo do termo; trata-se de um problema de opinião pública e de pressão social no sentido de levar a um pacto de regulação dos conteúdos da programação. Temos de caminhar ao nível da pressão da opinião pública, das autoridades que estão já constituídas - a Alta Autoridade para a Comunicação Social, Sindicato dos Jornalistas, órgãos representantes dos espectadores, Assembleia da República, etc. -, para impor um pacto de regulação no que toca a estes assuntos. Isto porque as soluções administrativas, não resultando de um pacto de adesão a este tipo de soluções, resultam normalmente em miríades de formas de fugir ao controlo.
Entendemos que é, sobretudo, preciso batalhar ao nível da opinião pública, do movimento dos cidadãos, de consciencializar bem as pessoas de que esses programas merecem reprovação, que não devem ser vistos e que até, em termos comerciais, devem ter a sanção do protesto dos cidadãos. É mais este o caminho que temos percorrido do que qualquer outra forma de limitação administrativa à liberdade de expressão.

O Sr. Presidente: - Antes de prosseguir, quero chamar a atenção para o facto de um Sr. Fotógrafo estar a fotografar o que um Sr. Deputado está a escrever. Porém, penso que aquilo que acaba de ser dito neste momento na Assembleia da República também pode ser ouvido por esse Sr. Fotógrafo.

Aplausos de alguns Deputados do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, além dos 150 alunos do Colégio da Nossa Senhora da Apresentação, de Calvão, e dos 50 alunos do Agrupamento Vertical de Escolas Padre Donaciano de Abreu Freitas, de Estarreja, que aguardamos que cheguem, temos, entre nós, a acompanharem os nossos trabalhos um grupo de 50 alunos da Escola C+S de Ribamar, da Lourinhã, um grupo de 30 alunos da Escola Secundária Artur Gonçalves, de Torres Novas, um grupo de 150 alunos da Escola Secundária D. Duarte, de Coimbra, um grupo de 51 alunos da Escola Secundária C/3.º Ciclo de Castro Daire, um grupo de 5 alunos do Instituto de Odivelas, um grupo de 50 alunos da Escola Professor José Buísel, de Portimão, e um grupo de 65 autarcas do concelho de Águeda, que já hoje tive o prazer de receber e de cumprimentar.
Uma saudação calorosa para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que, neste regresso a uma intervenção parlamentar, que já não tinha a honra de fazer há mais de meia dúzia de anos, exprima a honra que tenho por a poder proferir sob a presidência de V. Ex.ª, na companhia de todos os outros membros da Mesa e dos meus ilustres companheiros da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado. É bem-vindo, assim como é bem-vinda a sua intervenção.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando pedi para fazer esta declaração política, no período de antes da ordem do dia, sobre o tema da falta de voz de regiões mais esquecidas do País, não supus que esta questão de fundo fosse tão suscitada, enfatizada e agudizada como foi pela tragédia que aconteceu em Castelo de Paiva. Esta tragédia aconteceu e o País, ao estilo um pouco português, passou de repente da ignorância das carências de muitas regiões esquecidas para a preocupação, quase obcecada, do deslindar de pormenores, como ainda agora foi dito, que muitas vezes não interessam à opinião pública, para além dos factos graves que aconteceram e que causam tanta dor.
Eu, como Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Coimbra, assumi o compromisso de, nesta Assembleia, no período de tempo que é concedido a um presidente de câmara para exercer aqui o seu mandato, abordar alguns dos problemas que afectam não só o distrito que me elegeu como também a região centro. E, permitam-me que,

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dada a escassez de tempo, faça logo, na selecção destes problemas, uma ligação a temas que hoje em dia estão na agenda política dos portugueses.
Permitam-me ainda que comece por referir os factos que, até agora, nesta minha experiência de cerca de quatro anos como Presidente da Câmara da Figueira da Foz e como Presidente do Concelho da Região Centro, tive oportunidade de testemunhar, dos quais não tinha a mínima ideia nem a mínima suspeição.
Sabem os Srs. Deputados, sabe o Parlamento, que órgãos do poder do Estado são coniventes com a extracção de areias na foz do Mondego, em plena praia principal da Figueira da Foz, extracção de areias a que tive de pôr cobro, como a Sr.ª Deputada Maria Teresa Coimbra sabe, de forma indirecta, proibindo a circulação de veículos pesados nas vias que circundam a praia? De todas as ameaças e oposições que recebi, quer de órgãos do Estado, quer de particulares, não conseguia fazer parar aquele espectáculo, que durava há anos e anos, e a que assistia da minha janela em frente à praia da Claridade, na Figueira da Foz, de onde via uma série de máquinas a extraírem toneladas de areia, as quais eram vendidas e cuja receita era, depois, entregue à Junta Autónoma do Porto da Figueira da Foz, com a qual pagava aos seus funcionários, funcionários esses que estão ao serviço de órgãos do Estado.
Esta é uma realidade que existe não na Austrália, não na Mongólia, não em alguma paragem distante do mundo, mas em Portugal.
Como pude observar, como pude testemunhar, um órgão da Administração Central deu-me conta, logo nos primeiros meses a seguir à minha eleição, através de uma carta, de que iria haver obras (e não estou a brincar) na ponte principal da Figueira da Foz - aquela que apareceu ontem nos noticiários de um canal de televisão -, devido ao seu estado de conservação, durante 120 dias, entre Abril e o fim de Agosto. Ora, como calculam, o presidente de uma autarquia de uma cidade como a da Figueira da Foz, que tem no Verão uma das suas principais fontes de receita e que tem de enfrentar enormes problemas de trânsito durante a época alta, recebe uma carta - uma comunicação, porque muitas vezes os senhores do poder central não tratam, não visitam, não fazem um telefonema, apenas comunicam - a informar de que as obras seriam em pleno tabuleiro da ponte e ocorreriam até final de Agosto… Pensei que a comunicação fosse da delegação regional da JAE em Coimbra, mas tanto da Comissão de Coordenação Regional como da delegação regional da JAE disseram-me que não, pelo que, se eu quisesse alguma informação, teria de escrever para a Praça da Portagem da Ponte 25 de Abril, em Almada, ou de ir lá, porque o planeamento das obras era feito por eles; ou seja, o planeamento é feito por aqueles burocratas, detentores do poder central, que visitam, ou não, mas decidem sempre, sem conversar, sem auscultar, sem fazer participar quem de direito.
Deixem-me dar mais um exemplo sobre a realidade do tal País esquecido.
No IC8, estão por concluir vários quilómetros de um troço entre Pombal e o litoral, além do troço entre a Sertã e Castelo Branco, que, segundo o Governo, serão concluídos quando este adjudicar a auto-estrada do litoral. Porém, tenho aqui uma nota, de há cerca de dois meses, do Gabinete do então Secretário de Estado Luís Parreirão, que, hoje, regressou ao Parlamento como Deputado - a quem saúdo -, a dar conta do início do processo de negociações com os dois concorrentes (Brisa e Somague) escolhidos para a construção do troço Leiria/Figueira da Foz/Mira. Ora, pude confirmar, dos dois lados e por várias fontes, que as negociações ainda não começaram; no entanto, saiu uma nota do Gabinete do então Secretário de Estado a dar conta do início desse processo negocial antes da adjudicação, isto para cumprir o que o Sr. Ministro João Cravinho tinha dito na Figueira da Foz em Março de 1999, que a auto-estrada do litoral estaria pronta até 2002, ou seja, até ao ano que vem. Ainda nem sequer adjudicada foi!
Estas são as realidades de um país que não fica na Austrália, nem na Mongólia; são as realidades de uma cidade de Portugal, situada a 180 km de Lisboa.
Já agora, gostava de dar nota de um outro exemplo que não sei se as pessoas terão presente e que vem a propósito. Fizemos o referendo sobre a regionalização em Novembro de 1998, há dois anos e tal, à qual o país disse «não». O que é que disse a classe política, no seu conjunto? Disse, «mesmo que triunfe o 'não', iremos tomar medias profundas de descentralização». E ouvi o Sr. Primeiro-Ministro, por várias vezes, Sr. Secretário de Estado - e aproveito para o saudar também, pedindo desculpa por não o ter feito logo no início da minha intervenção -, dizer: «eu garanto aos portugueses que, se triunfar o 'não', o Governo proporá à Assembleia da República medidas profundas de descentralização para aproximar os centros de decisão dos cidadãos». Ora, recordo-me - e tive oportunidade de participar no colóquio - que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentou um tímido projecto de lei, que visava aproximar um pouco essas estruturas de decisão sobre as CCR, e que foi «chumbado»!
Pergunto: que medidas de aproximação do poder central aos cidadãos foram tomadas até hoje, desde Novembro de 1998? Nenhuma!

Aplausos do PSD.

O mesmo acontece em relação ao referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. Nenhuma!
Quase parece que o País está a ser castigado por ter dito «não» à regionalização. É como se se dissesse: «Ai não quiseram a regionalização que nós propusemos?! Então, vamos centralizar mais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Então, vamos concentrar mais poderes nos tais burocratas do poder central!»
A este propósito, deixem-me dar um exemplo mais do que ilustrativo sobre a Região Centro e seus oito distritos. Eu gostava de saber qual dos Srs. Deputados, para além do Sr. ex-Ministro João Cravinho e do Sr. ex-Ministro Jorge Coelho, cujo regresso às lides parlamentares também saúdo e que conseguiu abrir uma excepção que está para ser inaugurada nestas semanas, poderia dizer quantos quilómetros de auto-estrada foram construídos em toda a Região Centro entre 1994 e 1999? Quantos quilómetros foram construídos?

Vozes do PSD: - Zero!

O Orador: - Zero!

Vozes do PS: - Isso não é verdade!

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O Orador: - Quem diz que não é verdade?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Digo eu!

O Orador: - Então, eu gostava de ouvir…

Protestos do PS e contraprotestos do PSD.

Se me dão licença, Srs. Deputados,…

Protestos do PS e contraprotestos do PSD.

Sr. Deputado Osvaldo Castro, depois, terá oportunidade de dizer quantos foram os quilómetros de auto-estrada construídos na Região Centro entre 1994 e 1999.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio, para que o Sr. Deputado no uso da palavra se faça ouvir.

O Orador: - Eu gostaria de vos dizer muita coisa, mas já não disponho de muito tempo.
No entanto, o Sr. Deputado Osvaldo Castro sabe qual foi a percentagem de investimento em quilómetros de rodovia no período 1994-1999, tendo em conta que a Região Centro ocupa 27% do território nacional? Foi de 5%!

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Eu sei que o senhor esteve no Governo um pouco distraído, mas leia as publicações do Governo.

Aplausos do PSD.

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Desculpe, mas não é o Sr. Deputado quem está a usar da palavra.
A vossa postura é esta: «nós, o que fazemos mal… Não temos a culpa». No Terreiro do Paço, a culpa, qualquer dia, é do Miguel Vasconcelos, que se atirou das janelas; a culpa não está na economia, qualquer dia é do D. Sebastião, que morreu em Alcácer Quibir.
Estes dados são das publicações da Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional. Tenho-os aqui!
Sr. Secretário de Estado, vamos parar de brincar ao faz-de-conta! Vamos governar a sério! Vamos falar da realidade do País! Vamos deixar de dizer que é mentira aquilo que é verdade! Vamos deixar de atirar com a ficção para cima da realidade! E a realidade é esta.
Quer que eu fale do IC6…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo, queira terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Quer que eu fale da estrada que liga Coimbra à Covilhã? O Sr. Deputado ri-se… Sabe porquê? Porque não tem de a percorrer. Não tem de fazer 100 km em 2 horas! Anda aqui no bem-bom!

Aplausos do PSD.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Eu nem moro em Lisboa…!

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Quer que eu fale sobre a linha da Beira Baixa?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe muita desculpa, mas não pode continuar. Tenho pena que não possa prosseguir, mas tem ainda oportunidade de dizer o que quer dizer quando responder aos pedidos de esclarecimento.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente, no momento das respostas terei oportunidade de falar da verdade da ficção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se inscreveram, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ricardo Castanheira, Manuel Queiró, Osvaldo Castro…

Vozes do PSD: - Ah!…

O Sr. Presidente: - … Joaquim Matias e João Cravinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, começo por saudar este seu regresso, ainda que efémero, ao Parlamento (mais 45 dias), e, sendo esta a sua primeira intervenção, não sei se não será também a última, tendo por isso um sentido de despedida, quer do Parlamento, por estarem a terminar os 45 dias, quer da Região Centro, porque sairá deste distrito para, eventualmente, ser candidato a uma outra câmara municipal.
Portanto, não sei se, eventualmente, esta terá sido uma intervenção em jeito de balanço.

Protestos do PSD e contraprotestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.
Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Deputado Pedro Santana Lopes lançou-nos um repto, o de parar de brincar ao faz-de-conta. Então, vamos parar de brincar ao faz-de-conta, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Vamos, vamos!

O Orador: - Entre 1996 e 2000, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, o PIDDAC para o distrito de Coimbra mais do que triplicou - parámos de brincar ao faz-de-conta.
As transferências para as câmaras municipais do distrito de Coimbra duplicaram - parámos de brincar ao faz-de-conta, Sr. Deputado.

Protestos do PSD.

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No caso concreto da Figueira da Foz, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, a A14, que, aliás, tivemos a oportunidade de, aqui, discutir na semana passada com a ausência de V. Ex.ª e de outros Deputados do PSD ligados, nomeadamente, à Figueira da Foz, estará, como sabe, concluída até ao final do ano - parámos de brincar ao faz-de-conta, Sr. Deputado.
Há, como sabe, milhões de contos que foram investidos no porto da Figueira da Foz e a consequente ligação ferroviária - parámos de brincar ao faz-de-conta.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Por outro lado, foi também decidida a abertura do concurso da tão famigerada estrada da solidariedade, que o Sr. Primeiro-Ministro António Guterres anunciou naquele distrito, no caso concreto, no concelho de Pampilhosa da Serra - parámos de brincar ao faz-de-conta, Sr. Deputado.
Por outro lado, estão já feitas as assinaturas dos contratos de concessão, ou serão feitas até ao final do ano, do IC1 e do IC8, vias importantes para o distrito de Coimbra - parámos de brincar ao faz-de-conta, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.
Mas não ouvi V. Ex.ª fazer referência, e, como autarca e político deveria tê-la feito, à necessidade que existe de, naquele distrito em concreto e em particular, ser criado um vasto conjunto de sinergias que envolva, por um lado, as instituições universitárias existentes no distrito, que, como sabe, têm um peso social e económico extraordinariamente importante - estas instituições têm estado afastadas, mas o Governo e o Estado não as podem chamar a participar -, e, por outro, as próprias associações empresariais, que têm de ter uma dinâmica própria, e a estas o Estado tem de lançar o repto para o fazer, mas não pode obrigá-las a participar. Quanto a isto, V. Ex.ª não disse rigorosamente nada!
Quanto ao pormenor da extracção de areias, a que fez menção, na Figueira da Foz, deixe-me saudá-lo, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, por, como presidente de câmara, ter tomado, se a tomou, essa atitude decidida e imediata quando observou o fenómeno desastroso da extracção de areias e os riscos que esse facto acarretaria para a Figueira da Foz, pois outros autarcas deste País, em situações, porventura, semelhantes, não o fizeram. Por isso, saúdo essa sua decisão e essa sua atitude.
Mas, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, depois de ter feito menções a obras em curso, para já não falar no EURO 2004 e da importância que ele tem para o distrito de Coimbra - e aqui também parámos de brincar ao faz-de-conta - e de um outro conjunto de investimentos vários, quero colocar-lhe uma questão.
Tenho comigo uma entrevista - e peço desculpa por fazer menção à mesma, mas saberá, com certeza, qual é - do putativo candidato à Câmara Municipal de Coimbra Jaime Ramos, do PSD, onde, a dado passo, ele diz: «(…) Santana Lopes é um mito (…)», e, mais, diz «(…) ele nunca defendeu, da forma que devia ter feito, os interesses do distrito de Coimbra e da região, porque mais do que apostar em ser cabeça de lista, presidente do concelho da região e presidente da Câmara da Figueira da Foz, apostou em ser presidente do partido. Perante essa lógica, não queria aparecer como um indivíduo reivindicativo, que lutava por uma região».

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, quem é que tem razão? É o Dr. Jaime Ramos, ou este episódio foi apenas, em jeito de despedida, um balanço daquilo que V. Ex.ª não fez pelo distrito de Coimbra e pela Região Centro?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, se quiser responder desde já, tem a palavra.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, se me dá licença, antes de responder, gostava de fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Agradeço que me diga a matéria da ordem de trabalhos.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, é sobre as inscrições dos Srs. Deputados para me pedirem esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, eu gostava de saber se o Sr. Deputado Osvaldo Castro se inscreveu e se, depois, retirou a inscrição. Gostava de ter esta informação, porque quero saber se ele tem coragem de dizer ao microfone o que aqui disse em voz baixa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, à interpelação respondo dizendo que o Sr. Deputado Osvaldo Castro desistiu, de facto, de fazer o pedido de esclarecimento.

Vozes do PSD: - Ah!…

O Sr. Presidente: - Quanto à segunda parte, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, peço licença para considerar que não foi…
Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, pretende ainda responder ao Sr. Deputado Ricardo Castanheira?

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, se me der licença…

O Sr. Presidente: - Tem todo o direito de responder, Sr. Deputado.
Faça favor.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, eu sei que está a ser terminado, que será terminada no final do ano que vem, o resto do chamado IP3, o troço da ligação de Figueira da Foz a Coimbra, e por isso fiz uma ligeira excepção ao, agora, Sr. Deputado Jorge Coelho. Mas, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, esta obra vem na sequência de muitos, porque o projecto do IC8 está pronto, como sabe. Não é lan

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çado há anos, mas o projecto da ligação entre Pombal e a EN109 está pronto há cinco anos.
O Sr. Deputado Ricardo Castanheira diz que o PIDDAC para o distrito de Coimbra triplicou ou quadruplicou. Sr. Deputado, um dos grandes problemas deste País, como o Sr. Deputado João Cravinho já referiu, é saber qual é a execução dos PIDDAC. E, Sr. Deputado, sabe que, mesmo assim, a cidade de Coimbra passou de terceira para oitava cidade no ranking das capitais de distrito em matéria de investimento no PIDDAC? Mais: em matéria de execução ainda é pior.
O Sr. Deputado saudou a minha decisão quanto à extracção de areias, mas não fui eu quem acabou com ela. Mas fui eu que tive de puxar pela imaginação para ver como é que acabava com o trânsito de veículos pesados que transportavam a areia e deixavam um rasto de água pelas avenidas fora.
Agora, não procure meter ao barulho o meu colega autarca de Castelo de Paiva, porque ele…

Protestos do Deputado do PS Ricardo Castanheira.

Não, Sr. Deputado! Quando o senhor chegou a esta Câmara, já eu cá andava e já tinha entrado e saído desta Assembleia várias vezes…

Protestos do PS e contraprotestos do PSD.

Sr. Deputado, quero apenas dizer-lhe que, provavelmente e quase de certeza, o Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, em relação às vias circundantes do leito do rio Douro, não teve possibilidade de tomar as medidas que eu tomei quanto à foz do rio Mondego, porque foi uma medida tomada com alguma imaginação.
Quanto à entrevista de um companheiro meu que diz isto, aquilo e aqueloutro e que o Sr. Deputado citou, é pena que não tenha lido os seus artigos. A população de Coimbra e da Região Centro entende que eu defendo tão mal os interesses que… O senhor passou semanas a escrever nos jornais contra uma hipotética candidatura minha à Câmara Municipal de Coimbra, certamente porque não estava nada preocupado com ela, porque entende que o Governo tem feito uma grande obra no distrito de Coimbra.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró, para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, antes de mais, gostaria de fazer um comentário ao que acabei de ouvir.
Parece que, em Portugal, não se sabe quem é o responsável, no Estado português, pelo licenciamento da extracção de areias do leito dos rios. Não se sabe, mas há uma coisa que se sabe, sabe-se que a responsabilidade não é das câmaras municipais, de certeza! Pelo menos, até hoje, isto sabia-se. Mas talvez seja necessário, um dia, nomear uma comissão de inquérito parlamentar para se descobrir esse responsável; e, se não o encontrarmos, talvez encontremos pelo caminho a entidade do Estado responsável pela segurança das pontes, porque, segundo parece, também não se sabe.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Confesso a minha alegria por ver que o Sr. Deputado veio a Lisboa para defender os interesses do seu distrito, do centro do País, de Coimbra e da Figueira da Foz, porque esta é uma lição que, a meu ver, todos devemos aproveitar.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em Lisboa, não faltam políticos; temos governantes, temos Deputados, temos autarcas, temos, porventura, demais. Temos a comunicação social centrada em Lisboa. É muito fácil ter-se protagonismo em Lisboa. Difícil é ter protagonismo nos combates pelas localidades fora de Lisboa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Deste ponto de vista, cumprimento-o, Sr. Deputado, e gostaria de o ver continuar nesta senda.

Vozes do PCP e do BE: - Oh!…

O Orador: - Sr. Deputado, quanto ao centro do País, ao distrito de Coimbra, sem desprimor por todas as questões que colocou, mas a propósito delas, gostaria de chamar a sua atenção para a ligação entre essas duas cidades, porque, como sabe, ela pode potenciar quase que um polo urbano de importância alternativa suficiente para captar investimento e fomentar o progresso das suas gentes. Esta ligação pode fazer-se de várias maneiras e está prometida de muitas maneiras.
Está prometida, por exemplo, pela margem esquerda, que não há meio de avançar, está prometida pela conclusão do IP3, que está previsto desde 1985, no Plano Rodoviário Nacional original, como uma ligação diagonal, a única ligação diagonal para o interior, em Portugal, da Figueira da Foz até Chaves, e que propiciaria, por exemplo, uma passagem moderna por cima do Douro, que parece que bem falta faz, mas está a ser concluído aos pedacinhos, sendo certo que o pedacinho mais importante, entre Coimbra e Figueira da Foz, não há meio de estar concluído. Aliás, quando se chega ao momento de concluir mais uma dezena de quilómetros, passa a chamar-se A14. E porquê? Por que razão deixou de ser IP3? Para se pagar portagem! Quando se chega ao momento de cumprir uma promessazinha de 10 km, tem de se pagar portagem!
É em relação a esta realidade simples que peço o comentário do Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, agradeço a sua saudação e concordo com a generalidade do que disse, mas devo dizer-lhe que os sociais-democratas são reformistas e penso que, de facto, temos de avançar passo a passo. Fico satisfeito… É evidente que são seis anos para cumprir pouco mais do que uma dezena de quilómetros e que o IP3 passa a A14, pelo que vamos pagar portagem, e que temos preocupação com a alternativa a essa via que está a ser construída e será inaugurada para o dia-a-dia das pessoas que circulam entre essas duas localidades. Aliás, gostava de dar apenas um número: hoje em dia, são cerca de 1000

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veículos pesados que passam, por exemplo, só na ponte da Figueira da Foz. São milhares de camiões TIR que, semanalmente, por lá passam! Mas deixe-me dizer, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que o Sr. Primeiro-Ministro esteve no lançamento da nova máquina da Soporcel, na Figueira da Foz, em Maio de 1998, e prometeu a todos os que lá estavam - …

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é fácil!

O Orador: - … um naipe de empresários e de investidores altamente representativos - que, quando fosse inaugurada a nova máquina - e o Sr. Presidente da República foi inaugurá-la em Outubro de 2000 -, o novo cais de contentores do porto da Figueira da Foz estaria pronto. Ora, nem o anteprojecto está ainda pronto, nem foi lançado! Mas o porto, porque isto é uma «pescadinha de rabo na boca», tem outro problema: lançaram-se as obras de construção de novos cais e esqueceu-se o problema da reorientação do molhe norte, razão pela qual existem novos cais mas os barcos têm dificuldades em entrar, porque se começou pelo fim, em vez de se ter feito essa obra básica.
São problemas maçadores que as pessoas de Lisboa, do Porto e das grandes urbes normalmente não têm e, por isso, não tendo qualquer culpa, não estão muito sensibilizadas para ouvir falar deles. Porquê? Porque há uma concentração da informação sobre os problemas dessas grandes urbes. E a minha obrigação, por lealdade para com o eleitorado, venha a exercer ou a ser candidato seja para que funções for, é defender os interesses daqueles que elegem para o mandato no Parlamento.
Sr. Deputado, deixe-me dar-lhe um exemplo, em termos do que é - e a Sr.ª Deputada Celeste Cardona, há pouco, relembrou-o muito bem - a obrigação de o Parlamento não esquecer que é ele que tem competência em matéria de legislação fiscal, em matéria tributária, apenas para termos presente aquilo que decidimos em relação à aplicação de verbas: entre 1993 e 1997, do Fundo de Coesão, das verbas que foram destinadas a várias zonas do País, dos 803 milhões de contos, 119 milhões de contos foram para pagar a ponte Vasco da Gama, sabendo-se que as verbas do Fundo de Coesão são para as zonas mais carenciadas do País. Pode dizer-se o seguinte: «mas em Lisboa e no Porto há muita carência». Sem dúvida alguma! E estamos todos dispostos a contribuir para que essas carências sejam supridas! O Sr. Ministro Jorge Coelho falou numa nova ponte. Sem dúvida! É necessária! Agora, a questão está em menos peso da Administração Pública, maior dinamismo económico e criação de mais riqueza para que ela possa ser melhor distribuída, de forma a que as pontes que fazem falta, as necessidades básicas que não são satisfeitas noutras regiões do País possam ser concretizadas.
Só o facto de, hoje, se falar disso, no Parlamento, em Lisboa, já é um passo em frente na evolução da vida das gentes a que pertenço.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, em primeiro lugar, ao ouvir a sua intervenção sobre problemas regionais, não posso deixar de referir que, de facto, o Sr. Deputado, a par do Dr. João Soares e do Eng.º Rogério de Brito, foi um dos representantes, na altura, como Presidente do Conselho da Região Centro, que participou numa iniciativa do Partido Comunista Português para introduzir, no nosso país, uma forma de desconcentração participada do aparelho central.
Ao ouvir a sua intervenção sobre pontes e sobre reparações em épocas inoportunas, não posso deixar de lhe perguntar se não entende que a ponte da Foupana, entre Mértola e Vila Real de Santo António, que caiu recentemente, não tendo tido, felizmente, repercussões, porque não houve vítimas, não necessitava, também ela, de um inquérito rigoroso ao que se passou. Mais: estando situada numa zona que, no Verão, vive essencialmente do turismo, não necessitaria também de uma reparação que não fosse feita em Agosto, de modo a que naquela a que se chama «época alta» já estivesse a funcionar?
Quero ainda colocar-lhe uma outra questão, que se prende com as estradas secundárias, sobretudo com aquelas estradas de ninguém que se pretendem municipalizar mas que ainda não foram municipalizadas porque não integraram os critérios que os presidentes das câmaras exigem, e muito bem, pelo que são autênticas estradas de ninguém. E sobre isto quero perguntar-lhe, concretamente, o seguinte: as interrupções nos itinerários principais provocam um desgaste perfeitamente inaceitável nos itinerários secundários de que ninguém fala, pelo que gostava de saber se entende que é ou não necessário que, nesta altura, em que todos nós, portugueses, temos alguma preocupação com a segurança viária, o Governo mostre claramente que está em condições de garantir um efectivo serviço público, no que diz respeito à conservação e segurança de toda a rede rodoviária nacional, incluindo, naturalmente, as obras de arte que ela contém.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Matias, estou de acordo com o que disse e deixe-me juntar mais uma ponte que ruiu, durante as intempéries e as cheias do vale do Mondego, que foi a de Montemor-o-Velho e que, felizmente, também não causou vítimas. É um problema geral e, de facto, aqui, há uma questão de prioridades na afectação, na alocação dos recursos financeiros.
Devo dizer que as pessoas da Região Centro consideram que, dentro da discussão que existe no País entre aeroporto de Rio Frio ou da Ota, puxaram sempre pelo aeroporto da Ota. Mas não deixo de lhe dizer, como autarca de uma região que tem muito turismo, que, para mim, ter duas horas de transfer dos turistas ou duas horas e um quarto, duas horas e vinte é, igualmente, péssimo. Do que o País não se lembra é de que, na Região Centro, faz falta um pequeno/médio aeroporto que dê meia hora ou vinte minutos de transfer, quer para os turistas, quer para as pessoas que vão lá trabalhar e que utilizam esse meio de transporte. É esse o problema da falta de visão do País no seu todo! E já não falo do aeroporto de Beja, de que falei numa visita do ex-

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Ministro João Cravinho à Figueira da Foz, porque tínhamos conversa para muito tempo.
Mas, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe o seguinte: estou de acordo com todo esse apuramento do estado em que estão as coisas, das responsabilidades de quem as tem, mas, neste momento, de facto, o principal é que o País entenda… Aliás, deixe-me lembrar o seguinte facto: quando o PIDDAC é aprovado, os presidentes das CCR, como os Srs. Deputados sabem, nem conhecem, muitas vezes, a proposta de PIDDAC antes de ela entrar na Assembleia. Como é que é possível?! São os únicos órgãos minimamente desconcentrados, cujos presidentes não conhecem o que o Governo, em Lisboa, decide propor para cada distrito ou para cada região do País, antes de entrar na Assembleia. Nada disto faz sentido! O País, na minha opinião, passa a vida a discutir temas ao lado, em vez de ir aos temas de fundo! E os de fundo, na minha opinião, têm a ver com a afectação de recursos.
Quanto às estradas desclassificadas, deixe-me dar um exemplo: o Governo afectou agora uma verba significativa para as estradas danificadas pelas intempéries. Estradas nacionais! Para as estradas municipais… Só na Figueira da Foz, de recuperação de obras estragadas, tenho cerca de meio milhão de contos, num orçamento de 10 milhões de contos. Verbas, financiamentos para as estradas municipais estragadas pelas intempéries não existem! Somos nós que vamos ter de «fazer mais omeletas com os mesmos ovos», isto é com os ovos que temos.
As estradas desclassificadas, como sabe, Sr. Deputado, são uma fonte de problemas. A Associação Nacional de Municípios Portugueses tem tentado, várias vezes, que se concretize uma medida de elementar justiça, que é a compensação por essa desclassificação e pelas necessidades de conservação que as câmaras têm, só que não encontra eco, porque, Sr. Deputado, estou convencido de que o País, quando disse «não» à regionalização, deu uma oportunidade a alguns, que eram a favor da regionalização, de dizerem: «Não quiseram a regionalização. Agora, santa paciência, nós estamos no Governo e quem governa é o poder central, quem decide somos nós. E decidimos que o País vai continuar na mesma mais uns anos».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, se há coisa que prezo, é a sua inteligência e, portanto, vou fazer-lhe um convite que tenho a certeza de que será aceite pelo Sr. Deputado.
Cada um de nós, aqui, representa a Nação, nos termos constitucionais. Uns são autarcas, vêm cá por 45 dias, em fracções múltiplas, outros são de tempo permanente, mas, de uma forma ou de outra, estejamos como autarcas ou a título permanente, representamos a Nação. E, recordando o que fiz e o que disse e, sobretudo, o que o Sr. Deputado disse, quando visitei a Figueira da Foz para estudar os problemas de mobilidade - há-de recordar-se -, o seu discurso foi o seguinte: «A Figueira da Foz esteve abandonada por muitos anos, pesa-me muito ter de dizer isto mas é a grande verdade, e agora, enfim, existem, de facto, perspectivas».
A obra pública, ao contrário do que se diz por aí, não nasce de «parto prematuro» de um mês, de um ano ou de quatro anos. A obra pública, nos grandes sistemas, nasce, no mínimo, num período de sete anos mas vai frequentemente a 10 anos.
Portanto, o Sr. Deputado sabe que se falar hoje dirá que não se fez o quilómetro zero, se falar daqui a um ano dirá que já se fizeram 20 km, se falar daqui a quatro anos dirá que, afinal, já se fizeram 100 km. Por isso, é, de facto, uma desonestidade jogar com este aspecto, em face da natureza do «parto» da obra pública.
Dito isto, quero dizer-lhe que, mesmo assim, é falsa uma afirmação que fez. O Sr. Deputado entusiasmou-se e, no arrobo da sua performance mediática, disse que havia zero quilómetros de auto-estrada para a Região Centro. Quero dizer-lhe o seguinte: o IP6 tem, de facto, nesta altura, talvez 18 ou 20 km e tem…

Protestos do PSD.

IP6! Tem até Mouriscas! Façam as contas! E, depois, nos túneis da serra da Gardunha, para baixo e para cima, a norte e a sul, tem…

Protestos do PSD.

Posso falar, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenho maneira de silenciar os Srs. Deputados que se manifestam, a não ser pedindo-lhes que façam silêncio. E, de facto, peço-o!
Srs. Deputados, não estejam nervosos, deixem ouvir o Sr. Deputado João Cravinho, que, depois, o Sr. Deputado Santana Lopes saberá responder, com certeza, melhor do que qualquer de nós.
Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado João Cravinho.

O Orador: - Srs. Deputados, o IP6 tem 6 km até Mouriscas, tem 14 km na Gardunha e tem contratados 120 km, os quais deverão estar prontos, digamos assim, em 2004, por força da própria contratualização estabelecida.
Em relação ao IC1, o Sr. Deputado sabe como está, ou seja, vai ser negociado, pelo que tem razão, isto é, o IC1, de Marinha Grande até Mira, tem zero quilómetros, mas, daqui a quatro anos, o Sr. Deputado dirá que tem 70 km.
Relativamente ao IP5, passa-se a mesma história, o porto da Figueira, de que falou, não sei o que mais, e a Ota, não sei o que mais, e o TGV ou não TGV, a linha do Norte, etc.
Portanto, o convite que lhe quero fazer, Sr. Deputado, é o seguinte: acabemos com…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que resuma o seu pedido de esclarecimentos, porque já estou a descontar o tempo durante o qual o interrompi.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Vou resumir.
Sr. Deputado, acabemos com esta demagogia. Estejamos à altura deste momento de gravidade nacional e acabemos com os nossos pequenos brilharetes mediáticos. Nesse sentido, queria convidá-lo a fazer, na Comissão de Equipamento Social, um exame conjunto do plano de mobilidade do País.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, aquilo que estou a citar - e isto está relacionado com o que o Sr. Deputado Osvaldo Castro, há pouco, dizia baixinho - é uma publicação do Ministério do Equipamento Social, salvo erro de uma altura em que o Ministro era o Sr. Deputado Jorge Coelho. Esta publicação indica quantos quilómetros de auto-estrada foram feitos - «zero»! Está aqui nesta publicação do Ministério do Equipamento Social, sob o título de «Intervenção operacional dos transportes»!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi um lapso!

O Orador: - Eu não falo com desonestidade, falo da verdade! Diz aqui, nesta publicação do Ministério do Equipamento Social, datada de 18 de Maio de 2000, que na Região Centro se fizeram zero quilómetros de auto-estradas! Esta publicação não é minha! Espero que, perante isto, não haja nada a dizer!
Quanto ao que o Sr. Deputado João Cravinho disse sobre o que se vai passar daqui a quatro anos, só lhe posso responder através de um recorte de jornal, que também tenho aqui e onde se refere o que o Sr. Deputado disse quando, na qualidade de Ministro, visitou a Figueira da Foz e o que eu disse na mesma ocasião. Nessa altura, o então Ministro João Cravinho disse que a auto-estrada até Leiria estaria pronta em 2002 e que a auto-estrada até à Figueira estaria pronta no ano seguinte. Se agora me fala em quatro anos, tal quer dizer que a auto-estrada só estará pronta em 2005!
Neste artigo ainda se refere o que eu disse na altura: «'A Figueira não quer ser uma ilha esquecida, uma terra marginalizada', disse o autarca, manifestando a esperança de que as melhores condições de acessibilidade venham reforçar (…)». A esperança, Sr. Deputado, é o que nós temos, mas, no que respeita a essas decisões, alegrias concretas perante as concretizações são poucas!
Sr. Deputado, falaram aqui no IP5 e no facto de as obras estarem paradas desde Janeiro, e eu acredito que não seja possível fazer tudo ao mesmo tempo. Aliás, nem vou entrar na discussão de Castelo de Paiva que tem sido tratada noutras intervenções. Todavia, lembro que no debate para as autárquicas realizado na SIC em Dezembro de 1997, o então candidato do PS, Carlos Beja, disse-me que estariam prontas no primeiro trimestre de 1998 estas obras de ligação a Coimbra que, segundo o Sr. Deputado Ricardo Castanheira afirma agora, estarão prontas no final deste ano! O candidato do PS à Câmara Municipal da Figueira da Foz disse num debate realizado na SIC em Dezembro de 1997 que estas obras estariam prontas em Março de 1998! Estamos em Março de 2001, já lá vão mais de três anos e estas obras não estão prontas! Esta é que é a realidade!
Termino como comecei a minha intervenção, dizendo que uns falam de ficção e que outros falam de realidade. Peço desculpa por ter trazido a realidade, mas um dia destes não me importarei de perder uns minutos convosco para falar de ficção, nomeadamente de literatura portuguesa!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A dimensão trágica dos acontecimentos ocorridos há uma semana e meia em Castelo de Paiva convocam-nos para uma reflexão e para um debate sérios acerca do nosso país nas suas múltiplas dimensões, reflexão e debate de todo em todo incompatíveis com qualquer impulso demagógico. É por isso que quero hoje participar num esforço que tem o sentido de promovermos esse debate e de promovermos essa reflexão que há-de conduzir a alguma acção.
Ouvindo, há pouco, o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, não deixei de concordar com algumas das suas apreensões, com algumas das suas perplexidades. Ainda bem, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, que teve oportunidade de ser presidente de uma câmara municipal como a da Figueira da Foz. Eu próprio iniciei a minha vida política como presidente de uma câmara municipal, num município de dimensão sensivelmente idêntica à do município da Figueira da Foz. Ouvindo o Sr. Deputado e conhecendo, como conheço hoje, a nova realidade em termos de relacionamento entre o poder central e a administração autárquica, não pude deixar de fazer uma comparação. É que nesses tempos - veja lá, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes - em que eu era presidente de uma câmara municipal e em que V. Ex.ª era membro do governo eu tinha de me confrontar, porventura, com algumas situações de natureza idêntica àquelas que o Sr. Deputado aqui elencou e com outras muito mais graves a que, felizmente, o Sr. Deputado foi poupado!

Aplausos do PS.

Repare, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, que eu fui presidente de uma câmara municipal numa altura em que havia em Portugal um governo, de que, aliás, V. Ex.ª fazia parte, que nem sequer assegurava o cumprimento da própria Lei das Finanças Locais!

Aplausos do PS.

Fui presidente de uma câmara municipal num tempo em que a preocupação fundamental de muitos e muitos governantes era não apenas a de não contribuir para a resolução dos problemas do meu município, mas até mesmo a de impedir a resolução de alguns deles, procurando por essa via impedir o sucesso eleitoral posterior do Partido Socialista.
Sr. Deputado, só um discurso absolutamente autista propenderia, neste momento, a considerar que somos um País sem problemas e sem dificuldades. No entanto, saliento que nenhum membro de nenhum dos governos presididos pelo Engenheiro António Guterres em momento algum produziu o discurso da teoria do «oásis»! Foram membros de outros governos, governos presididos por outra pessoa, governos de que V. Ex.ª também fez parte!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Olhe que este é bem pior do que o nosso «oásis»!

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O Orador: - Por isso, creio ser fundamental neste momento que deixemos de lado a demagogia e que abandonemos a via do populismo, que nestas eras de exploração mediática de todos os acontecimentos, como foi tão bem referido há pouco pelo Sr. Deputado Fernando Rosas, podem suscitar aplausos momentâneos, mas que em nada concorrem para uma enunciação rigorosa dos problemas reais com que Portugal se defronta e muito menos para que encontremos as soluções mais adequadas para garantir a superação desses problemas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, concordo com o Dr. Pedro Santana Lopes quando ele diz que não podemos cair na tentação de pensar que é possível estabelecer aqui uma dicotomia entre o preto e o branco, uma dicotomia entre o País do «oásis» e o País do «inferno». Mas não caiamos também nesta tendência tão característica de todos nós, portugueses, de alternarmos de forma demasiado precipitada ciclos de euforia com ciclos de depressão. É certo que ainda há um Portugal com muitas dificuldades, é certo que ainda há um Portugal com muitas promessas por cumprir, é certo que ainda há muitos e muitos portugueses que se debatem diariamente com extremas dificuldades.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: - Mas não caiamos na tentação igualmente injusta e autista de pensar que não há também um outro Portugal e que nos últimos anos, com a convergência de todos - uns dando o seu contributo de uma forma e outros de outra -, não foi possível superar muitas dificuldades, alcançar objectivos essenciais e garantir uma aproximação dos níveis de vida do nosso país àqueles que, grosso modo, se verificam na generalidade dos países europeus.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso já foi!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados, nem o autismo do País do «oásis» nem o autismo do País do «inferno», porque ambos nos retiram a lucidez e porque ambos nos paralisam a vontade de agir e de transformar.
Por isso, quero neste momento salientar que há lições a tirar da tragédia ocorrida em Castelo de Paiva. É precisamente porque há lições a retirar que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou na passada semana um projecto, no sentido de se constituir uma comissão de inquérito parlamentar que tem por objectivo determinar as causas dessa tragédia, imputar responsabilidades a quem tiverem de ser imputadas e contribuir para que sejam retiradas as ilações necessárias para que, a seguir, a própria Assembleia da República, no exercício pleno das suas competências, adopte as medidas necessárias para que situações desta natureza não ocorram no futuro com o mesmo grau de probabilidade com que, infelizmente, se manifestaram há uma semana e meia atrás.
Sr.as e Srs. Deputados, esta tem sido permanentemente a postura do Partido Socialista, uma postura séria e responsável. Temos consciência das dificuldades que ainda subsistem, mas todos os dias nos empenhamos com rigor, com lucidez, com perseverança e com grande determinação em procurar encontrar as melhores soluções para resolver os problemas dentro das nossas opções programáticas e políticas. Quero neste momento saudar a forma como o Governo tem participado em todo este processo e, em particular, o empenhamento pessoal inexcedível do Sr. Primeiro-Ministro. Mas quero também aqui saudar a atitude digna tomada pelo agora Sr. Deputado e então Ministro Jorge Coelho, que demonstrou claramente que no PS sabemos assumir as nossas responsabilidades institucionais até ao limite do próprio acto da demissão!

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, o que me parece fundamental neste momento é que retiremos ilações e que saibamos agir de forma a resolver rapidamente muitos dos problemas que afectam particularmente aquela zona do País e, globalmente, todo o território nacional. Castelo de Paiva, por razões diversas, é, de facto, um dos municípios mais isolados do nosso país e neste momento está a sofrer os efeitos de um choque brutal que há-de ter consequências aos mais diversos níveis. Perante um acontecimento tão excepcional, há necessidade de adoptar medidas de carácter igualmente excepcional e penso que é isso que o Governo está neste momento empenhado em fazer. Medidas no sentido de apoiar aquelas populações, os familiares, os amigos, os vizinhos das vítimas que estão sob o efeito traumático do choque emocional que, necessariamente, um acontecimento desta natureza e envergadura provoca. Apoiar as iniciativas de todos os autarcas da região, no sentido de rapidamente encontrarmos as melhores soluções no que concerne ao restabelecimento da rede viária e, em particular, ao restabelecimento da ligação entre as duas margens do Douro, condição imprescindível para o correcto funcionamento de toda a economia regional. Devem igualmente ser adoptadas, como têm vindo a ser, medidas de carácter social que visem, pelo menos, minorar o sofrimento daqueles que se confrontaram de forma tão brutal e traumática com uma tragédia daquelas dimensões.
Sr.as e Srs. Deputados, o que temos neste momento de fazer, do nosso ponto de vista, é ter uma atitude de humildade e de respeito. Honrar a memória daqueles que pereceram em circunstâncias tão dramáticas obriga-nos, justamente, a seguir por este caminho, a seguir por esta via, deixando de lado aquilo que são considerações que suscitam momentaneamente aplausos mais ou menos fáceis, mas que em nada concorrem para que se pense profundamente a nossa situação, para que se pense profundamente o nosso país. É verdade que este acontecimento demonstrou que, sob muitos pontos de vista, ainda temos uma Administração Pública relativamente laxista, que o nosso Estado nem sempre está investido da autoridade necessária para desempenhar correctamente as funções que lhe estão cometidas. Mas isso também não pode levar-nos, Srs. Deputados, a perder de vista a realidade e fazer agora o elogio de outras formas de organização da Administração Pública que no passado se revelaram completamente contraproducentes e deram origem a muitas das dificuldades com que estamos hoje confrontados.
Sr.as e Srs. Deputados, não posso deixar de me referir neste momento à operação em curso neste país com o intuito de relançar a imagem da extinta JAE, procurando fazer crer que a responsabilidade de tudo isto está relacionada com a circunstância de um Governo socialista ter operado uma importante transformação no modelo de organização de toda a Administração ligada às obras públicas.

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O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Bastam alguns números, Srs. Deputados. Entre 1992 e 1995, o esforço financeiro anual despendido no sentido de garantir a conservação das estradas e das pontes do nosso país cifrou-se na ordem dos 25 milhões de contos. Entre 1995 e 1999, este mesmo esforço passou para a ordem dos 42 milhões de contos, o que significa que nos últimos anos houve uma preocupação objectiva de revalorizar a componente da conservação, em detrimento da outra componente da realização pura e simples de novas obras. Precisamente porque tivemos a noção de que, não tendo a mesma rentabilidade eleitoral imediata, essa era uma opção fundamental no sentido da resolução de problemas fundamentais do País.
O Dr. Santana Lopes veio aqui, no estilo que lhe é peculiar, contra o qual naturalmente nada tenho e que até parece suscitar um agrado especial na sua bancada e no seu partido, convocar-nos para um debate. No entanto, Sr. Deputado, o debate para que nos convocou é um debate em que todos devemos participar, mas com seriedade, com rigor e sem ceder aos impulsos da demagogia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco de Assis, os Srs. Deputados Manuel Queiró e Pedro Santana Lopes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, devo dizer que, apesar de ter sido o primeiro a inscrever-me para pedir esclarecimentos, fi-lo com alguma hesitação, porque o tema que o Sr. Deputado trouxe a este Plenário deveria originar em todos os responsáveis políticos uma dose suficiente de humildade e de contenção.
Aliás, antes de ouvir a parte final da sua intervenção, preparava-me até para cumprimentar o Sr. Deputado nesse sentido. Mas o que lhe digo agora, depois de o ouvir até ao fim, é aquilo que me apeteceu dizer ontem aos dois responsáveis políticos que, perante a grandeza, a seriedade e a gravidade do que estava a ser dito num programa televisivo, resolveram telefonar para lá e não hesitaram fazer o exercício habitual da confrontação política de reunir e trocar acusações de responsabilidade.

O Sr. José Barros Moura (PS): - V. Ex.ª também!

O Orador: - Sr. Deputado, apeteceu-me dizer-lhes que perderam uma ocasião de estar calados. Porque mais grave do que saber quem era o partido que governava quando um determinado relatório não foi tido em conta ou se essa circunstância se repetiu noutro governo com outro partido a governar, é perceber que essas informações e esses relatórios podem estar a «cair em cesto roto», quando caem na máquina do Estado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O problema é saber se vivemos num sistema de responsabilidades cruzadas, partilhadas e complexas ou se temos uma lei orgânica do governo e dos ministérios capaz de identificar quem é responsável por uma coisa tão simples como seja a segurança dessas infra-estruturas. E este é um problema de responsabilidade política maior. Não é, sequer, uma questão sobre a qual a Assembleia da República se possa debruçar, porque a orgânica dos governos não é da competência legislativa do Parlamento, é das mais altas responsabilidades política e executiva em Portugal, e tem atingido todos os governos que se têm sucedido em Portugal.
Isto porque ouvir aquilo que se ouviu na televisão, perceber que é possível que um relatório sobre a fragilidade de um pilar esteja feito há 14 anos, que há meses esteja feito um relatório de outro departamento do Estado a dizer que um determinado depósito de areias afunilava o canal ou a secção de escoamento, aumentando perigosamente o ímpeto e o volume do caudal sobre o mesmo pilar, e que essas informações não sejam cruzadas por alguém que sinta a responsabilidade de acender uma luz de alarme perante essa circunstância é extremamente preocupante para todo o cidadão português. E, repito, isto é uma responsabilidade que incumbe ao mais alto nível, sobre todo o aparelho do Estado.
Por tudo isto, penso que deveríamos todos ter humildade!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, tive o cuidado de, na minha intervenção, não imputar responsabilidades fosse a quem fosse. Devo dizer-lhe, aliás, que há uma comissão de inquérito constituída no âmbito do Ministério e, ainda, que irá ser constituída brevemente, por proposta do Partido Socialista, uma comissão de inquérito no âmbito parlamentar. Aguardemos serenamente pelas conclusões a que chegarão, seguramente, essas comissões de inquérito.
Do ponto de vista da assunção de responsabilidades políticas, não temos nada a aprender com ninguém. Os factos falam por si, pelo que não vou debruçar-me mais sobre esta questão!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, concordo com uma questão que colocou. É evidente que há problemas que são gerais, que têm que ver com a sociedade portuguesa na sua generalidade, com o modelo de organização da Administração Pública, em relação aos quais é necessário, até, que se apurem alguns consensos, nomeadamente nesta Câmara.
Ora, este é um motivo - infelizmente trágico - que nos deve a todos convocar para uma reflexão, para um debate, para uma confrontação de posições e de opiniões, tendo em vista encontrar as melhores soluções para obviar a situações que todos nós, consensualmente, consideramos graves e negativas.
Sob este ponto de vista, a minha posição foi claramente enunciada na intervenção que acabei de fazer: julgo que, perante uma tragédia como aquela a que assistimos, como, aliás, perante qualquer tragédia, é inaceitável qualquer outro comportamento que não seja o de procurarmos determinar causas com rigor, apurar responsabilidades com

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isenção e, sobretudo, porque é o fundamental, procurar extrair conclusões, ensinamentos, ilações e depois agirmos em função dessas conclusões, no sentido de alterarmos o que tiver de ser alterado, de modificarmos o que tiver de ser modificado aos mais diversos níveis.
O Governo assumirá certamente as suas responsabilidades, tal como o tem feito de forma exemplar desde o primeiro dia. Estou certo de que a Assembleia da República também saberá assumir as suas. Pela nossa parte, Sr. Deputado, também já demonstrámos que sabemos assumir as nossas. Caso contrário, não teríamos sido nós a apresentar, como apresentamos, uma proposta no sentido da constituição de uma comissão parlamentar de inquérito, que tem por objecto, precisamente, a determinação das causas e o apuramento das responsabilidades e, sobretudo, tem em vista que a Assembleia da República se não demita das suas responsabilidades.
Entendemos que, para além de todo este processo, a Assembleia da República pode, também ela, ter um papel activo no futuro, no sentido de promover a emergência de algumas soluções - porventura, até de ordem legislativa -, no sentido de acautelar situações e de introduzir as tais mudanças que venham a revelar-se necessárias.
Sr. Deputado, V. Ex.ª não tem seguramente mais repugnância do que eu perante os comportamentos daqueles que, face a uma tragédia desta dimensão, ou se preocuparam em imputar responsabilidades a outros ou a aligeirar eventuais responsabilidades próprias.
Não tenho a menor das dúvidas em relação a este aspecto, porque, conhecendo-o como o conheço, sei que, do ponto de vista dos fundamentos da nossa intervenção política, as razões são as mesmas.
Nessa estrita perspectiva, quero dizer-lhe que, em relação a essas preocupações, V. Ex.ª pode estar descansado, porque encontrará sempre o eco na bancada do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, quanto às referências que fez, devo dizer que estou de acordo consigo. Contudo, não acredito no país do «oásis» nem quero o país do «inferno». Quero um país de progresso, progresso real e sustentado.
V. Ex.ª falou ainda dos tempos em que éramos governo. Lembro-me de, quando o senhor era presidente da Câmara Municipal de Amarante, visitar consigo a Fundação Eça de Queiroz. O Sr. Deputado sabe, com certeza, que o poder central se mexe de uma maneira diferente consoante os autarcas. Isto é, relativamente aos autarcas que estão quedos nos seus gabinetes e não apresentam os seus problemas ao poder central, o poder central tende a esquecer-se.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aconteceu isso com o meu concelho durante muitos anos.
Mas, quando o Sr. Deputado foi presidente da Câmara, lembro-me que fui ao seu concelho e tive o prazer de o encontrar. E, digo-o sem lisonja, o senhor era um autarca que chamava a atenção para os problemas do seu concelho.
Gostava, no entanto, de saber se, face a essa ânsia pelo país do progresso, não será compreensível que se diga que houve, agora, este «tocar de sinos», este «tocar a rebate», com a tragédia de Entre-os-Rios. E quantos mortos no IP5 e no IP3, itinerários mal feitos, feitos de uma maneira à épater le bourgeois ou le paysan, feitos à pressa, mortos que não são contabilizados, só porque não ocorrem todos no mesmo dia? Quando é que o País pára para pensar que aquilo tem que ser mudado de uma vez por todas?
Em termos de ferrovia, dou-lhe o exemplo da linha da Beira Baixa. Quando a linha de Beira Alta esteve interrompida por causa das intempéries, os comboios internacionais vinham pela linha da Beira Baixa. Nessa linha, os carris são do tempo do rei D. Carlos, e os comboios demoravam 1 hora e 20 minutos a percorrer 35 km. É este o país em que vivemos!
Portanto, não é demagogia. É falar com verdade e agir politicamente, para que estas questões sejam resolvidas e para que não sejam esquecidas.
Está presente o Sr. Ministro João Cravinho que, inclusive, no início do seu consulado, elegeu a ferrovia como prioridade. E veja isto: durante as chuvas, os comboios que vinham do estrangeiro faziam 35 km a 20 km por hora na linha da Beira Baixa, porque a linha da Beira Alta estava interrompida. E passaram-se anos e anos…
O Sr. Deputado sabe o que é que fazem os autarcas da Cova da Beira? Levam lá as crianças para ver o carril como peça de museu, quase. Vão andar de comboio para poderem dizer: estão a ver como era antigamente? Só que em Portugal, e em muitas zonas do País, ainda é como antigamente. Mas eles levam lá as crianças para visitarem peças de museu.
Isto não é falar com demagogia, é falar do Portugal real!
Reconheço que fiz um elogio ao Sr. Ministro Jorge Coelho quando ele foi à Figueira da Foz celebrar o acordo para os fogos de habitação social. Reconheço, também, que o Governo está a fazer investimentos no porto da Figueira da Foz, embora alguns não estejam a ser feitos pelo caminho certo. Não sou daqueles que dizem que nós fizemos tudo e que os outros não fizeram nada. Quero é que os senhores, enquanto forem governo, façam mais e melhor. Porque a minha visão da democracia não é a de que quem está no governo está a fazer principalmente erros ou asneiras. Não! Eu quero que o meu partido mostre, nas próximas eleições, que ainda é melhor do que os senhores e não que vai para o Governo só porque os senhores foram um desastre!

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - A minha concepção da democracia é esta. E a ela manter-me-ei fiel!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, ainda bem que é essa a sua concepção de democracia, porque é também a mi

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nha, e a nossa. Se essa concepção de democracia prevalecesse, hoje, no interior do seu partido, provavelmente, o PSD não teria tido alguns comportamentos como se viu nos últimos anos, designadamente, antes de conhecer as propostas do Orçamento do Estado e os méritos e defeitos das mesmas, anunciar peremptoriamente que votará contra. Isto porque, na lógica da democracia, que não é a sua, pelos vistos, mas que prevalece hoje na actual direcção do PSD, por definição, tudo o que provém do Governo está mal. E quanto pior, melhor!

Vozes do PSD: - Isso não é verdade!

O Orador: - Por isso, se lhe respondi há pouco da maneira como respondi, Sr. Deputado, foi precisamente para salientar que há uma divergência. Mas ainda bem que sob esse ponto de vista V. Ex.ª parece estar verdadeiramente mais próximo de nós do que da direcção do seu próprio partido!

Risos do PS.

O que também não sei, Sr. Deputado, se lhe causará grande surpresa, embora, momentaneamente, possa causar algum incómodo!
Mas, em relação às questões de fundo, Sr. Deputado, também concordo com essa sua questão, aliás, o fundamental é isso. Mas nós nunca produzimos nenhuma teoria do «oásis»…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não tinha bases para isso!

O Orador: - … e, por isso, não temos que estar a dar explicações ao País. Sempre tivemos a noção de que o País tem enormes dificuldades.
Mas também não produzimos a teoria contrária de dizer que houve um período negro na história contemporânea portuguesa em que o Professor Cavaco Silva governou durante 10 anos e que nada se fez ou que tudo o que se fez foi mau. Nunca ninguém ouviu dizer isto, porque isso revelaria um profundo autismo, uma grande irresponsabilidade e uma grande falta de seriedade.

Protestos do PSD.

Certamente que muitas coisas úteis, importantes e construtivas foram feitas. O que me parece fundamental, neste momento, é que façamos uma abordagem lúcida e serena de alguns problemas reais.
Entre outras consequências, estas tragédias têm precisamente o efeito de nos convocarem, de uma maneira mais profunda e mais intensa, para uma reflexão sobre todas estas questões. Até reconheço que o contributo de um autarca que já tinha tido uma experiência política nacional e que tem o protagonismo e a expressão mediática que o Dr. Pedro Santana Lopes tem possa ser um contributo relevantíssimo para debatermos estes assuntos.
Agora, o que me parece essencial é que o debate corra sempre desta maneira e desta forma: procurando perceber o que está bem e o que está mal; procurando perceber aquilo em que estamos de acordo e aquilo que em que não estamos e que saibamos até apurar divergências. Ninguém está aqui a fazer a apologia de uma espécie de União Nacional. Não há respostas únicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Certamente que VV Ex.as têm um tipo de resposta, nós teremos outras. Mas é necessário que o País perceba com clareza a diferença das nossas propostas.
Ora, Sr. Deputado, concordo inteiramente com este aspecto. Só que para isso, Sr. Deputado, há uma coisa fundamental que terá que mudar: o estilo, o comportamento, a forma de actuação do seu próprio partido. Porque, se me permite, tem sido o seu partido o principal factor de impedimento a essa discussão, a esse estilo de participação e a esse estilo de debate na vida política portuguesa.

Vozes do PSD: - Olhe para o seu partido!

O Orador: - Por isso, espero francamente que, como consequência lateral deste debate, consequência essa não despicienda, se possa também introduzir uma outra forma de intervenção política, a partir do principal partido da oposição. Se fizermos isto, também damos um contributo.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, com uma última informação, apenas por preciosismo.
Lembro-me perfeitamente de, enquanto presidente da Câmara, ter recebido o Sr. Secretário da Estado da Cultura de então. No entanto, devo dizer-lhe que não visitámos a Fundação Eça de Queiroz, que fica noutro município ao lado, mas a Casa Teixeira de Pascoaes, que, essa sim, fica no município de Amarante.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração em relação à afirmação que o Sr. Deputado Francisco de Assis fez de que eu estaria mais próximo da direcção e da bancada do Partido Socialista do que da direcção do meu partido.

O Sr. Presidente: - E isso ofende a honra do Sr. Deputado?!

Risos do PS.

Sr. Deputado, só porque eu sou também do Partido Socialista é que lhe dou a palavra!
Faça favor.

Risos.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Queria dizer ao Sr. Deputado que me releve o facto de eu ter trocado o concelho e não a Casa. A de Eça de Queiroz é em Baião e a de Teixeira de Pascoaes é em Amarante. Foi o concelho a que presidi que troquei.

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Peço-lhe desculpa. Mas das duas procurámos tratar exactamente.
Gostaria de dizer ao Sr. Deputado que estou inteiramente disponível para o debate que referiu. Contudo, não entre por esses terrenos de dizer que estou longe ou próximo da direcção do meu partido. Estou próximo, e não vou entrar por aí.
Ainda hoje, li declarações suas a dizer que o novo Deputado Jorge Coelho será um excelente presidente do grupo parlamentar. Calculo que seja por estar cansado de dar a cara pelo Governo, quando já não há condições para o fazer!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, com esta concepção de defesa da honra, provavelmente, eu teria de defender a minha honra em relação a mim próprio pela circunstância de ter feito a consideração que o Deputado Santana Lopes estaria mais próximo de nós do que da direcção do PSD.

Risos do PS.

Eu apenas fiz referência a um aspecto específico. Disse que, em relação a uma questão que tem que ver com uma certa concepção do que deve ser o debate democrático - e isto foi um elogio ao Dr. Santana Lopes… Compreendo que também seria demais para o Dr. Santana Lopes acolher os meus elogios, quando eles comportam críticas ao Dr. Durão Barroso. Compreendo perfeitamente que, no quadro deste Parlamento, não o possa fazer, e respeito isso. Mas, de facto, o que eu estava era a elogiar.
Estava eu a dizer que eu e o Partido Socialista comungamos da preocupação que V. Ex.ª aqui enunciou, porque também entendo que o debate político só pode ser travado nestas condições e nestas circunstâncias. Aliás, dei um exemplo muito concreto. O Sr. Deputado acha que é dar um contributo para esse debate político um partido anunciar previamente, sem conhecer a natureza de um documento fundamental para o País, que o reprova só por que é promovido por este Governo? V. Ex.ª acha que é dar um contributo importante…

Protestos do PSD.

O Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que criem condições para que o Sr. Deputado possa continuar a usar da palavra.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Orador: - Presumo que os Deputados do PSD que me estão a contestar agora sejam os que costumam contestar o Sr. Deputado Santana Lopes quando ele discursa nos congressos do seu próprio partido!

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Por isso, é natural que assim seja!
De facto, há aqui uma convergência! Depois, nas soluções, nas propostas, nas ideias e nos programas, certamente que haverá divergências! Eu não tinha a pretensão de considerar que um homem que ocupa, claramente, o espaço de um certo liberalismo de direita, como é o caso do Sr. Deputado Santana Lopes, e que o ocupa bem, com o brilhantismo que todos lhe conhecemos, pudesse convergir com quem ocupa o espaço legítimo da social-democracia e do socialismo democrático em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar de já termos ultrapassado, em muito, o tempo limite do período de antes da ordem do dia, como hoje é o dia das declarações políticas, pois houve uma concentração de cinco declarações políticas - só espero que não me obriguem, depois, a discutir também os votos de protesto e de pesar e me dêem o vosso acordo para serem transferidos para amanhã, em que, necessariamente, não haverá mais do que uma declaração política -, dou ainda a palavra, para uma declaração política à Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há dias, no dia 8 de Março, assinalou-se o Dia Internacional da Mulher. Foi um dia que, por razões óbvias, passou praticamente ignorado, mas entendemos que este é ainda um bom pretexto para que, sem o espartilho das regras e sem o ritual do dia e da hora fixados, possamos fazer algumas reflexões sobre esse dia.
Em primeiro lugar, parece-nos, porque é justo, um bom pretexto para lembrar aquelas que, durante anos, buscaram uma igualdade na vida, que, na universalidade e na diferença, foi, e continua a ser, preciso encontrar.
Uma evocação que nos parece justa, no dia em que se fala do avesso das coisas, para falar daquelas mulheres que, sendo, embora, o centro da vida, se movem nas margens e daquelas que, dentro da nossa sociedade, são mais estigmatizadas, têm uma vida mais sofrida e têm uma situação e uma condição mais ignorada. As mulheres prostitutas, as mulheres migrantes, as mulheres reclusas, que não são apenas privadas da liberdade, pagando, assim, à comunidade o preço de um erro que cometeram, mas que também são condenadas à privação e à distância dos seus filhos e dos seus familiares.
Mas se falo nisto, Sr.as e Srs. Deputados, é porque me parece importante que falemos sobre o papel das mulheres como parceiras de um desenvolvimento radicalmente novo. Entendemos que muito do que se discutiu nos últimos dias, daquilo que tragicamente pôs o País de luto, passa por uma reflexão sobre os próprios modelos de desenvolvimento.
E tem, seguramente, todo o cabimento que, no ano primeiro de um novo século e de um novo milénio, um milénio que vai enfrentar um novo paradigma que está colocado à humanidade, que é resolver as desigualdades entre povos e regiões, que é resolver a crise ecológica sem paralelo, quando nos interrogamos sobre o futuro, quando nos questionamos sobre a sociedade e sobre a «complexificação» dessa mesma sociedade, quando somos atingidos cada vez mais pela necessidade de decidir e de avaliar o risco, falemos do papel das mulheres e de novas parcerias para encontrar novos caminhos.

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Julgamos que só poderemos encontrar esses novos caminhos, caminhos de verdade, se formos capazes não de fazer avaliações de fachada e de agir a jusante sobre as consequências mas de ter a frontalidade, a coragem e a ousadia de ponderar as causas dos problemas que nos afligem.
Todos sabemos que há desigualdades entre regiões e desequilíbrios demográficos, todos sabemos que há poluição, mas todos sabemos também que há cada vez mais uma apropriação privada do espaço público, uma perda do sentido de serviço público, que cada vez há menos transparência, porventura porque há cada vez mais mediadores externos na resolução dos problemas, os mediadores que, de forma perversa, de algum modo, a comunicação social vem introduzir.
Parece-nos que, do mesmo modo, só se poderá resolver efectivamente e encontrar um outro patamar de participação das mulheres na sociedade se não optarmos pelo caminho de medidas artificiais, se não optarmos pelo caminho de medidas de fachada, se não optarmos por medidas de faz de conta e se formos capazes, também em relação aos problemas que atingem a nossa sociedade, de ousar a diferença. Diferença que implica olhar diferentemente; diferença que implica uma outra solidariedade em relação ao futuro; diferença que implica uma ética de responsabilidade, de transparência, de participação e de sentido de serviço público; e, seguramente, diferença que implica outras decisões políticas, outras decisões fiscais, outras decisões jurídicas, mas que implica também, na visão cultural implícita, uma outra participação, um outro envolvimento dos cidadãos, uma outra política de verdade, que não é compatível com uma gestão de curto prazo, com visões paroquiais, com um ritmo político ditado estritamente pelos calendários eleitorais e que nada tem a ver com uma realidade hoje no mundo global em que alguém possa dizer que nada tem a ver com nada, porque, verdadeiramente, se há hoje uma lição a tirar, é a de que tudo tem a ver com tudo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Barros de Moura apresentou à Mesa uma proposta, que não é muito dispendiosa em termos de tempo, no sentido de ser apenas votado, sem discussão, o voto de protesto relativo ao rapto de cidadãos portugueses em Cabinda, uma vez que vem assinado por todos os grupos parlamentares e, portanto, todos o conhecem. Se concordarem com esta proposta, a Mesa também está de acordo.

Pausa.

Como ninguém se opõe, vamos, então, passar à votação do voto n.º 132/VIII - De protesto pelo rapto de cidadãos portugueses em Cabinda, subscrito pelo PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

A Assembleia da República,
Considerando que, no dia 24 de Maio de 2000, foram raptados os cidadãos portugueses Sérgio Alves Fidalgo, Manuel da Mota Nunes e Marco da Costa Santos, no interior do território de Cabinda, na República Popular de Angola, pela Frente de Libertação do Enclave de Cabinda - FLEC;
Considerando que, no passado dia 9 de Março, desapareceram outros cinco cidadãos portugueses, David Jesus Monteiro, Adriano Moreira Dias, Augusto da Nova, Gabriel Faria Pinto e Augusto Pires, que, segundo as informações disponíveis até ao momento, terão sido raptados pelo grupo denominado FLEC-RENOVADA;
Constatando que estes cidadãos se encontravam naquela região africana no exercício das suas actividades profissionais, sem qualquer ligação com o conflito político que persiste em Angola;
Considerando que se passaram, entretanto, nove meses sobre o rapto dos primeiros e que todos eles são mantidos como reféns, a fim de fazer pressão sobre o Governo da República Popular de Angola, sobre Portugal e, em geral, sobre a comunidade internacional;
Preocupada com o cativeiro destes cidadãos portugueses, três dos quais prisioneiros há nove meses, com consequências graves para o seu estado de saúde física e mental;
Considerando que se trata de uma situação de clara violação de direitos humanos, que nenhuma reivindicação política justifica;
Considerando a importância fundamental do respeito dos direitos humanos e considerando que a libertação dos reféns portugueses, pelo seu significado humanitário, não poderá deixar de constituir um gesto bem acolhido pela comunidade internacional.
Apela à imediata e incondicional libertação dos cidadãos portugueses que são mantidos como reféns;
Condena a tomada de reféns como instrumento de acção política;
Exorta os governos, as organizações internacionais e as organizações não-governamentais a cooperarem nas iniciativas em curso, desde o momento do seu rapto, e a realizarem todos os esforços ao seu alcance para conseguir a sua libertação, pressionando os responsáveis que actuam livremente nos seus países, para que compreendam que actos de rapto e constituição como reféns de cidadãos estrangeiros completamente alheios aos conflitos políticos e militares locais são inaceitáveis como instrumento de pressão política para defender seja que reivindicações forem;
Exorta o Governo a prosseguir com determinação os esforços e iniciativas em curso desde o momento do rapto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o voto será remetido às famílias dos portugueses raptados e também ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia.
Estão em aprovação os n.os 29 a 36 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 13, 14, 15, 20 e 21 de Dezembro de 2000 e dos dias 3, 4 e 5 de Janeiro de 2001, respectivamente.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 349/VIII - Compensações a empresas

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comerciais e outros agentes económicos afectados por obras públicas (PSD), dos projectos de resolução n.os 97/VIII - Sobre a criação de medidas de apoio às empresas do comércio tradicional da baixa do Porto (PCP) e 119/VIII - Avaliação dos danos causados ao comércio do Porto pelas obras de requalificação urbana (PS) e do projecto de lei n.º 389/VIII - Cria as bases gerais sobre compensação de prejuízos causados por obras públicas (CDS-PP).
Para apresentar o projecto de lei do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está a acontecer com as obras na cidade do Porto, por ocasião do Porto 2001- Capital Europeia da Cultura, veio alertar o País para uma situação que é injusta e insustentável num país que se pretende desenvolvido. Trata-se de obras prolongadas e descoordenadas, que estão a prejudicar os pequenos empresários que aí têm sediada a sua principal actividade.
Não é apenas no Porto que isto acontece, acontece noutros locais. Estou a recordar-me, por exemplo, de Viana do Castelo, que, no âmbito do Programa Polis, teve a sua avenida principal fechada ao trânsito, e até às próprias pessoas, que quase não conseguiam transitar, durante praticamente um ano.
É uma situação injusta não só do ponto de vista económico mas também é injusta do ponto de vista humano e do ponto de vista social, porque não é correcto que obras que visam melhorar toda uma cidade tenham como principais prejudicados aqueles que se situam especificamente nas ruas em que essas obras têm uma maior dimensão.
E, como nos dois casos concretos que citei, mas particularmente no caso do Porto, o Partido Socialista tem responsabilidades nesta matéria, porque está no Governo, porque dirige a Câmara Municipal do Porto, porque está a frente do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura e até porque, neste caso concreto, tem a maioria na Assembleia da República, convém recordar aqui um slogan do PS que dizia: «As pessoas estão primeiro»; porém, neste caso concreto das obras do Porto, as que citei e as que não citei, o que está em causa, em primeiro lugar, não é o respeito pelas pessoas.
Faço recordar uma situação fantástica: no Porto, no meio daquele caos que são as obras, para que pudesse lá passar uma rainha e o Presidente da República, a Rua Passos Manuel ficou pronta num instante. Quer isto dizer que, quando há televisões e quando um show off que pode render votos e que pode politicamente ser rentável, as coisas funcionam; quando apenas está em causa aquilo que era o slogan «Primeiro as pessoas», então aí as coisas já funcionam de forma diferente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, quando há vontade, quando há competência, quando há coordenação, é possível fazer as coisas direitas, porque assim se passou na tal Rua Passos Manuel apenas para passar o Presidente da República e uma rainha.
Eu e o PSD consideramos que isto não é sustentável e que, num país que se pretende desenvolvido, isto não pode continuar. Por isso, apresentámos um projecto de lei, que não tem apenas a ver com o Porto, é um projecto de lei para aplicar a todo País, para que, de agora em diante, não haja situações como estas de injustiça social e de injustiça do ponto de vista económico.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Temos um problema chamado «lei-travão», que é inultrapassável, por isso não podemos obrigar o Governo a, neste momento, pagar de imediato aquilo que a lei prevê. Podemos, no entanto, e é isso que fazemos, conferir, desde já, o direito às pessoas a receberem, e, se o Governo quiser, pagará, antes de Janeiro de 2002, as compensações que prevemos no nosso projecto de lei. Podemos conferir o direito, não podemos é obrigar o Governo a pagar, isso pertence à sua vontade política. Mas terá de pagar, naturalmente, a partir de Janeiro de 2002, se o nosso projecto de lei for aprovado.
Quais são as principais compensações que prevemos? Prevemos isenções de pagamento das taxas para a segurança social durante todo o período de tempo que as obras demorarem e mais metade desse tempo. Portanto, se as obras demorarem um ano, durante um ano e meio, prevemos a isenção do pagamento de taxas municipais nos anos civis em que as obras existirem e, como principal medida, prevemos um fundo de compensação, que poderá ir, no máximo, até 40% da facturação, o que acontece se as obras demorarem um ano, pois, se elas demorarem seis meses, naturalmente, não tem lógica que esse apoio seja de 40%, e que é dividido em 20% a fundo perdido e 80% a pagar sem juros em dois anos.
Este projecto de lei, que visa, essencialmente, consagrar já estas medidas concretas, é, pela sua natureza, imperativo. Por isso, trata-se de um projecto de lei e não de um projecto de resolução.
O projecto de resolução do Partido Comunista tem o mérito de ter sido o primeiro a dar entrada na Assembleia e, julgo, não foi apresentado sob a forma de projecto de lei pelas tais dificuldades da lei-travão.
Agora, não entendemos por que razão o Partido Socialista apresentou um projecto de resolução. Se já estão em debate dois projectos de lei e um projecto de resolução, que ainda por cima é só sobre o Porto, o que também é limitativo, na nossa lógica, por que razão apresenta o Partido Socialista um projecto de resolução, que não tem imperatividade e que é vago?

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É um «suponhamos»!

O Orador: - Espero que esse projecto de resolução não vise apenas limpar politicamente o Partido Socialista de um voto contra, que se prepara para dar, os projectos de lei do CDS-PP e do PSD. É isso que espero que não aconteça!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tenho esperança de que o Partido Socialista seja sensível aos dramas das pessoas, neste caso concreto do Porto, e de todos os demais que vamos ter com o Programa Polis, e não só.
No sentido de que não seja verdade aquilo que temos vindo a ouvir, termino, apelando ao Partido Socialista para que seja coerente…

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O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Isso não será pedir demais!?

O Orador: - … e vote no mesmo sentido do discurso que faz quando pede votos, ou seja, que respeite as pessoas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, sabe V. Ex.ª e sabem os residentes do Porto que nós somos profundamente sensíveis aos seus problemas.

Risos do PSD.

Aliás, fomos os primeiros a manifestar junto deles essa preocupação.
No entanto, não podemos entrar na política do facilitismo, não podemos entrar na política do despesismo,…

Vozes do PSD: - Olha quem fala!

O Orador: - … porque nós somos rigorosos!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Para nós, o rigor é fundamental nestas matérias.
Nós não defendemos uma coisa no poder e outra na oposição.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - Nós defendemos a política e temos uma cultura de responsabilidade.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como dizia há pouco o meu camarada Francisco de Assis, é evidente que um partido que não cumpriu a Lei das Finanças Locais pode, com alguma facilidade, vir hoje aqui propor que se retire às autarquias locais mais uma verba, que são as taxas e as licenças.
O Sr. Deputado Rui Rio sabe que existe uma Lei das Finanças Locais que obriga o Governo a, se, eventualmente, isentar de taxas qualquer empresa, compensar por essa isenção. Pergunto como é que o Sr. Deputado resolve este problema.
Por outro lado, existe a lei-travão da Assembleia da República, que nos impede de, neste momento, resolver este problema.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Nós não queremos é «obras-travão»!

O Orador: - Diz V. Ex.ª que isso se resolve, porque nós estamos aqui para permitir que o Governo tome essa atitude, e o que impede é a Assembleia da República e não o Governo. Não está o PSD aqui a contribuir, de uma forma clara, para criar mais despesismo e incentivar o Governo e o partido do Governo ao despesismo?

O Sr. António Capucho (PSD): - Despesismo?!

O Orador: - Por outro lado, como sabe, a Comissão Europeia exige que os incentivos sejam ao investimento e não para pagar este tipo de indemnizações. Pergunto: não estaremos nós em contradição com as normas e as regras da Comunidade Europeia neste sentido? Gostava de saber como é que o Sr. Deputado resolve este problema.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Rio, tem outro pedido de esclarecimento. Deseja responder de imediato ou prefere acumular?

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, responderei em conjunto, uma vez que não disponho de muito tempo.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Tavares.

O Sr. José Carlos Tavares (PS): - Sr. Presidente, estou estupefacto por o Sr. Deputado Rui Rio agora, quando nós estamos atentos à necessidade de reestruturar as zonas urbanas mais degradadas, estar preocupado ao ver as obras que, durante tantos e tantos anos, não foram apanágio vosso em muitas cidades, nomeadamente no caso de Viana do Castelo. Ainda há pouco, faziam críticas no sentido de que só fazemos obras de fachada e de que não nos preocupamos em reestruturar aquilo que existe e dar um outro redimensionamento.
Sr. Deputado, o RIME, o PROCOM, nomeadamente o PROCOM para Viana do Castelo e para tantas zonas degradadas, são projectos do PS e do Governo para reequilibrar o comércio tradicional e a urbanização mais degradada dessas cidades.
É por isto que sinto uma certa estupefacção, uma vez que temos duas dimensões: uma, para a área que nos interessa para o futuro, e essa está nas cidades com o Programa Polis e no desenvolvimento das auto-estradas e nas zonas industriais, enfim, no equilíbrio nacional a pensar no futuro; outra, ver o que existia e reequilibrar aquilo que existe e que tanta falta faz.
Ainda há dias, não se cansaram de dizer que temos que olhar para essas coisas. Quando constatam que olhamos, põem entraves e dizem que são os comerciantes que dizem «não». Eu sou de Viana do Castelo e nunca ouvi ninguém dizer «não» às obras. Os senhores colocam problemas de toda a ordem, quando devíamos, antes, estar com atenção redobrada no futuro e naquilo que o passado nos legou e que agora temos que reestruturar.
São duas dimensões a que o Governo tem estado atento e que irá, continuamente, prosseguir no futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto é algo espantoso! O Sr. Deputado não ouviu contestação às obras em Viana do Castelo?! Eu não ouço outra coisa e não sou de Viana! O que mais se ouve, em Viana, é a contestação às obras, mesmo nos órgãos de comunicação social nacional! Não estamos contra as recuperações urbanas, estamos contra o facto de as recuperações urba

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nas serem feitas, essencialmente, à custa de alguns e não da totalidade da sociedade.
Sr. Deputado Renato Sampaio, é fantástico que não se preocupe com o despesismo quando o Governo cria 80 institutos públicos, quando o Governo manda a TAP «para o charco», quando o Governo tem o défice que tem na RTP, quando o Governo mete boys em todo o lado, mas está preocupado quando, agora, se quer recompensar os comerciantes que são vítimas de obras que os prejudicam! Isto que não tem coerência nenhuma e não tem razão de ser!
Sr. Deputado, as questões que coloca relativamente ao nosso projecto de lei são questões de especialidade e, na especialidade, se votar a favor, vamos resolver o que possa haver para resolver, sendo certo que não estamos a falar de incentivos mas de compensações, pelo que não tem nada a ver com a lei da livre concorrência da União Europeia.
Para terminar, vou dizer o seguinte: os senhores podem votar contra - votem contra os dois projectos de lei! -, mas é uma vergonha que os comerciantes tenham aqui um diploma a que podem recorrer, que diz que eles têm direito a essas compensações, mas que é um diploma do tempo de Salazar.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Então, que recorram a esse!

O Orador: - É uma vergonha que o PS vote contra e que a única coisa que fique seja uma norma geral do tempo do Dr. Salazar!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: A extensão e a simultaneidade das obras que continuam a decorrer na Baixa do Porto, na sequência do programa de requalificação urbana e ambiental do Porto 2001, a convergência temporal e espacial entres estas empreitadas e outras lançadas pela câmara municipal e pela empresa que está a construir o metro ligeiro de superfície da Área Metropolitana do Porto, têm provocado claros e incontornáveis impactos negativos na vida económica e social da cidade, designadamente num grande conjunto de pequenas empresas de comércio tradicional e de restauração localizadas na designada Baixa do Porto.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma situação sem precedentes que, pela multiplicidade convergente de causas, dificilmente poderia ser extensiva e exaustivamente prevista. É, em suma, uma situação excepcional e que como tal deve ser encarada por todos os intervenientes, sejam eles os agentes económicos e suas associações representativas, sejam eles os donos das diversas obras, seja também o Governo, já que ele está também implicado, directa ou indirectamente, em muitas das empreitadas em curso.
O programa URBCOM não dá, por si só, uma resposta cabal e plena ao conjunto excepcional de problemas criados na cidade do Porto a estes agentes económicos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-CDS-PP): - É grave!

O Orador: - Desde logo, pelo facto do número elegível de candidaturas ficar bem aquém do universo possível de empresas com possibilidades e vontade de apresentar projectos. Todas as empresas afectadas negativamente, aquelas cujas candidaturas possam vir a ser contempladas no âmbito do URBCOM, como também aquelas que o não forem, devem poder aceder a mecanismos de apoio financeiro nesta situação excepcional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP considera, assim, imprescindível a criação de uma linha de crédito com juros bonificados, destinada a apoiar o esforço financeiro dos agentes económicos afectados pelas obras na Baixa do Porto, permitindo assim ajudar muitos pequenos comerciantes e retalhistas, muitos pequenos empresários de restauração que não dispõem de capacidade financeira para suportar os encargos destinados a concretizar os seus projectos de revitalização económica, sejam estes, ou não, contemplados pelo programa URBCOM.
Esta linha de crédito especial a criar imediatamente pelo Governo, a par de outros apoios, como, por exemplo, as isenções de taxas e de licenciamentos municipais, já decididos e/ou a decidir no âmbito municipal, permitirá, sem dúvida, constituir uma ajuda suplementar para fazer face a uma situação que está a envolver a actividade dos diversos agentes económicos da Baixa do Porto e que, naturalmente, poderão ter sido afectados (certamente o foram) de uma forma negativa nas suas capacidades financeiras.
A criação desta linha de crédito pretende responder, assim, de uma forma excepcional, a uma situação que é, em nosso entender, excepcional. Não se exime, por outro lado e por conseguinte, que outros tipos de responsabilidade possam vir a ser solicitados por todos aqueles que se considerem lesados e/ou prejudicados na sua actividade normal. Isto é, a imputação de eventuais responsabilidades exigíveis ao Estado, às autarquias locais, a órgãos ou empresas detidas pelo Estado ou pelas autarquias locais pode sempre ser feita com base em enquadramento jurídico já existente e que, inclusivamente, permite, hoje, a determinação de indemnizações por eventuais prejuízos resultantes de situações em todo semelhantes àquelas que se vivem na Baixa do Porto e que se viveram noutras situações do País.
Quanto ao projecto do PSD, o PCP considera que pode e deve ser o próprio programa Polis a estudar os impactos sociais e económicos negativos decorrentes das obras que ele próprio prevê realizar, e a incluir nas respectivas estimativas orçamentais os custos adequados para fazer face a esses impactos negativos, sem que daí decorra (ou possa obrigatoriamente decorrer) qualquer situação de natureza excepcional e sem que, acrescente-se, em caso algum, mereça o nosso acordo, como propõe o PSD, a dispensa de pagamento de contribuições à segurança social.

O Sr. João Amaral (PCP): - É sempre a segurança social a pagar!

O Orador: - Exactamente!
O PCP considera, por outro lado, que a existência do enquadramento jurídico já referido torna relativamente dis

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pensável a definição de um quadro legal específico para situações deste tipo, tal como propõe o CDS-PP. Situações como a da realização de obras em vias públicas fortemente urbanizadas e que só em número muito limitado de casos pode atingir consequências económicas negativas excepcionais (como é, iniludivelmente, o caso relativamente isolado que ocorre actualmente na Baixa do Porto), não parecem justificar um enquadramento legislativo próprio e alargado.
As iniciativas legislativas do PSD e do CDS - surgidas, como bem lembrou o Sr. Deputado Rui Rio, aliás, na sequência da apresentação em 18 de Janeiro do projecto de resolução n.º 97/VIII, do PCP - são, contudo, contribuições marcadas pela constatação de que existe um problema incontornável e marcadas pela necessidade e urgência de serem tomadas medidas para minorar os efeitos negativos de obras profundas que têm afectado, insisto, de forma excepcional a vida económica na Baixa da cidade do Porto.
Para responder a esta situação excepcional, há que implicar, em nossa opinião, de forma clara e imediata, o Governo, evitando que a atribuição de eventuais responsabilidades por esta situação - como faz o PS no seu projecto de resolução - seja meramente remetida para uma sociedade que, por sinal, desaparecerá daqui a pouco mais de um ano.
Aliás, as responsabilidades pelas consequências negativas resultantes de toda esta situação excepcional são bem conhecidas e importa pouco, neste momento, voltar a insistir nelas e discuti-las aqui. O que importa agora, em nossa opinião, e é isso que pretende o projecto de resolução do PCP, é contribuir de forma expedita para a resolução imediata do problema, é procurar obter consensos em torno de textos que possam reunir apoios alargados aqui e já.
O projecto de resolução do PCP não pretende arrastar-se em soluções mais ou menos morosas, deferidas no tempo, menos claras e duvidosamente eficazes; o projecto do PCP quer ser, pelo contrário, parte da solução dos problemas que têm afectado os pequenos empresários da Baixa do Porto e contribuir para soluções eficazes e tão consensuais quanto possível.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, queria colocar-lhe duas questões. A primeira é se o Sr. Deputado e o PCP consideram que uma linha de crédito bonificado será suficiente para grande parte - já não digo a maioria - dos casos aflitivos que assaltam o pequeno comércio da Baixa do Porto, ou seja, se o recurso ao crédito, por mais imediata que seja a promessa e por mais alargado que seja o bónus, pode ser a solução para alguém que tem postos de trabalho ameaçados desde ontem, quanto mais hoje ou no dia de amanhã; se é possível essas empresas encararem com o mínimo de optimismo a prossecução de um programa como o URBCOM, com a participação portuguesa nos próprios estabelecimentos que se lhes exige.
O caso dos comerciantes afectados pelas obras do túnel sob a Avenida João XXI, em Lisboa, em que a própria câmara, que era a dona da obra, assumiu o pagamento imediato dos custos fixos de exploração, como, por exemplo, os arrendamentos, não seria um bom exemplo para o actual dono da obra, que é o Estado, através da Sociedade Porto 2001?
Um outro exemplo que poderíamos dar seria o do incêndio no Chiado e todo aquele programa que obrigou o Estado a constituir, por via legislativa, um fundo imediato de apoio, que ainda existe, pois num diploma datado de 2000 foi prorrogado o seu prazo. Este seria um exemplo para demonstrar que até quando as causas são acidentais o Estado paga compensações, quanto mais quando as obras são o resultado não de um acidente mas de uma acção deliberada do próprio Estado.
A segunda questão que quero colocar-lhe é se o Sr. Deputado não considera que uma obra, numa rua intensamente urbanizada ou com muitos estabelecimentos, que origina prejuízos a determinados comerciantes, não é um caso muito diferente do destas obras que, num curto espaço de tempo, numa série de ruas, abrangendo todo o centro de uma grande cidade ou de uma média cidade, como acontece agora no Porto e como acontecerá, muito proximamente, numa série de cidades, com remodelações e requalificações urbanas de todo o seu centro urbano, se tudo isto não serão casos mais do que suficientes para não recorrermos apenas ao ordenamento jurídico existente mas fazermos um enquadramento legal novo, para uma situação inteiramente nova.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, de facto, a situação dos pequenos comerciantes do comércio tradicional e da restauração - e não só -, na cidade do Porto, é problemática. Creio que, ao propormos, de imediato, a criação de uma linha de crédito e esperando que o Governo, de uma forma célere, a crie, procuramos atender as situações mais aflitivas que têm ocorrido e que atingem os comerciantes e os empresários que tanto poderão estar dentro como fora do URBCOM.
Mas creio também, como referi na minha intervenção de forma clara, que esta não é a solução do problema, esta é parte da solução do problema. A outra parte é desbloquear - e também o dizemos no nosso projecto de resolução -, de uma forma célere (diria mesmo que já devia estar desbloqueado) e imediata, todo o impasse em torno do URBCOM. Não é admissível que 10 milhões de contos sejam, hoje, objecto, diria, de um impasse, que é preciso desbloquear. E, para isso, é preciso que as pessoas se sentem à mesa de uma forma construtiva, para que todos possam utilizar da melhor maneira esses 10 milhões de contos. Não me esqueço - e o Sr. Deputado também não se deve esquecer - de todo o conjunto de decisões propostas, no âmbito municipal, de isenção de taxas de licenciamento.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Nós apoiamos tudo! Só que é insuficiente!

O Orador: - Já apontei, Sr. Deputado, três medidas que podem ser, em conjunto e convergentemente, a solução final do problema. Mas estou perfeitamente sensibilizado para,

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se este conjunto de três medidas não se mostrar devidamente suficiente, em devido tempo e na altura própria, confirmada esta perspectiva, encontrarmos outras soluções complementares.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Poderá ser tarde!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos, hoje, em apreciação iniciativas legislativas que, algumas delas, visam criar um regime excepcional de medidas de apoio e compensação financeira, destinadas a empresas comerciais e outros agentes económicos que, eventualmente, se sintam, directa e negativamente, afectados por obras públicas.
Estas iniciativas têm pelo menos o mérito de reconhecer que, hoje, e por iniciativa dos governos do PS, existe em concretização um conjunto significativo de obras de grande dimensão, que, não sendo somente de betão e asfalto, são também de requalificação urbana e constituem uma prioridade na estratégia de um desenvolvimento sustentável do nosso espaço urbano.
O mérito é maior ainda quando todos reconhecemos que tão grande volume de obras abrange todo o território nacional, do litoral ao interior, de norte a sul, contemplando cidades grandes, médias e de pequena dimensão. É a política para as pessoas.
São estes projectos, de uma grande ambição, que corporizam uma política potenciadora da promoção dos espaços estratégicos de desenvolvimento económico e proporcionam elevados padrões de qualidade de vida. Contudo, todos sabemos que a concretização de projectos deste tipo é de difícil execução, principalmente pelo número de serviços e instituições que intervêm e tutelam o espaço urbano. Também todos sabemos que estas intervenções, quando se localizam no tecido urbano consolidado, como é o caso do Porto, conduzem, por vezes, a alguma perturbação na vida das pessoas e, em alguns casos, poderão mesmo acarretar prejuízos para as actividades económicas aí localizadas.
São, aliás, estas últimas a principal razão que esteve na base da apresentação do nosso projecto de resolução, iniciativa que consideramos a mais adequada para estas situações e que julgamos ser, e será sem dúvida, um contributo importante para a superação de eventuais dificuldades de um sector económico tão decisivo para a revitalização da baixa portuense.
Somos sensíveis a todas as questões, sem excepção, que os comerciantes do Porto colocam e que são, sobretudo, de ordem estrutural, nomeadamente as que se referem ao Plano Global do Programa de Revitalização Económica da Baixa do Porto e Plano Estratégico de Mobilidade, onde o estacionamento à superfície, por exemplo, poderá vir a condicionar o desenvolvimento da actividade económica na baixa portuense.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Razão por que consideramos indispensável que todos os parceiros interventores neste projecto de requalificação urbana assumam uma postura de diálogo e façam convergir os seus interesses no bem comum, que é o espaço urbano da nossa cidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A cultura da responsabilidade implica que rejeitemos contribuir para a abertura de uma cadeia de procedimentos burocráticos, geradores de um labirinto, em cujos meandros poderia dissolver-se e perder-se qualquer dinâmica de renovação urbana.
Uma coisa é prever, planear com audição dos interessados e adoptar cautelas; outra, seria sujeitar a um colete de forças desproporcionado um processo de decisão já sujeito a regras de participação.
Em segundo lugar, há quem avente, sem ponderar princípios e consequências, que, a partir de hoje, a todos os investimentos em obras públicas fosse acrescentada mais uma componente de custos - a compensação financeira por eventuais prejuízos causados a alguns sectores económicos pela execução de obras públicas -, quando o efeito pretendido com estas é exactamente o contrário, ou seja, o de que, no futuro, exista mais e melhor desenvolvimento económico, o que, aliás, se tem verificado das experiências recolhidas no passado.
A cultura da responsabilidade implica que rejeitemos contribuir para dificultar e até obstaculizar a execução de projectos com financiamento proveniente de fundos comunitários e da componente nacional, que são a garantia da construção de infra-estruturas de qualidade, decisivas para a competitividade e modernização das nossas cidades e, sobretudo, da nossa economia.
O País precisa de cidades atractivas, com uma economia tradicional inovadora e dinâmica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Fazenda e Manuel Queiró, mas o Sr. Deputado Renato Sampaio só dispõe de 32 segundos para responder e não sei se isso chegará para as duas respostas. Os Srs. Deputados que vão pedir esclarecimentos estão dispostos a ceder algum do seu tempo?

Pausa.

O Sr. Deputado Luís Fazenda cede 1 minuto e o Sr. Deputado Manuel Queiró, se também não o fizer, provavelmente, não poderá formular o seu pedido de esclarecimento, pois, hoje, a Mesa não pode ser generosa…

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - O CDS-PP cede 30 segundos.

O Sr. Presidente: - Não seja judeu, Sr. Deputado! Pelo menos, 1 minuto!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Renato Sampaio, parece que, hoje, é ponto entendido que a vitalidade dos centros urbanos é uma política essencial e que os poderes públicos pagam muito caro a desertifica

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ção dos centros urbanos - pagam-na em termos de segurança, em termos de vida e de ritmo da oferta cultural e da capacidade de vivência e de estruturação das cidades, do fazer das cidades.
Também percebemos que a corrida cega para as grandes superfícies, normalmente nas periferias das cidades, só vem agravar todos os problemas de planeamento urbano. E também percebemos que quando enfraquecem, por via de obras de requalificação urbana, ambiental e cultural, os centros urbanos, dificilmente, muitas vezes, serão recuperadas as estruturas para as quais se estão a fazer as obras de requalificação. Ocorre até uma situação curiosa: em relação a alguns centros históricos, «se não se morreu da doença, às vezes quase se morre da cura». Ora, não é para isso que existem estes programas de requalificação urbana e ambiental, e a questão vem já de permeio.
Por que é que o Partido Socialista não se abre à consideração, sem passar culpas, sem as passar, no caso específico do Porto, para a sociedade gestora do Porto Capital Europeia da Cultura 2001? Por que é que recomenda vagamente ao Governo e às diversas entidades aqui envolvidas que encontrem uma solução, quando até no preâmbulo do seu projecto de resolução considera que houve ali grandes inconvenientes? Ainda está no ponto de considerar que houve eventuais prejuízos, quando se mete pelos olhos dentro que houve prejuízos evidentes, não só para os comerciantes como para as actividades de restauração e até, em geral, para a cidade do Porto? E isso vai verificar-se noutros centros urbanos! Por que é que o Partido Socialista não se abre aqui à possibilidade de, em sede de especialidade, se vir a discutir um problema que, hoje, temos no Porto mas que também vamos começar a ter num conjunto de centros históricos do nosso país? E aí seria necessário fazer um debate e aquilatar as melhores soluções jurídicas e até, provavelmente, soluções integradas.
Não que eu esteja de acordo com tudo aquilo que o PSD, o CDS-PP ou o PCP propõem, porque não estou. De facto, não estou de acordo com a isenção de taxas da segurança social, mas creio que teria de analisar-se melhor a isenção de taxas e licenças municipais e as compensações também poderiam ser graduadas.
Enfim, há aqui um trabalho a fazer, mas ele tem um ponto de partida: é o Partido Socialista não se encolher e não falar ocamente da «cultura da responsabilidade» quando, aqui, no tempo e na hora de afirmar uma cultura de responsabilidade, pura e simplesmente, volta as costas e passa ao lado.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, aquilo a que apelo aqui é que isto não fique rigorosamente em nada e haja uma abertura do Partido Socialista para se debater um problema real do País, que temos, hoje, no Porto, já vamos tendo em algumas cidades com o programa Polis e vamos ter ainda com outras requalificações de centros históricos das nossas principais cidades.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Renato Sampaio, sugiro-lhe que responda conjuntamente aos dois pedidos de esclarecimento.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Renato Sampaio, inscrevi-me para lhe pedir esclarecimentos e até lhe dei algum tempo para responder - que bem falta me faz - para ouvir da sua boca, em representação do Partido Socialista, aquilo que ainda não ouvimos até agora e que é um sinal absolutamente imperioso e necessário de abertura a que possamos dar, hoje, aqui, no Parlamento, alguma coisa a quem muito necessita.

O Sr. Manuel Moreira(PSD): - Muito bem!

O Orador: - Queremos ouvir uma palavra que não exprima apenas a continuação da vossa posição ao dizerem que «aquilo é para vosso bem, nós estamos dispostos a fazer alguma coisa, linhas de crédito…». É que isso é apenas a continuação de um sinal de desesperança para quem tem problemas muito sérios, que não podem ser acolhidos com insensibilidade e desumanidade pela nossa parte.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Até ao final do debate, espero da vossa parte, nomeadamente da sua, Sr. Deputado Renato Sampaio, esse sinal de abertura, que é a rápida conclusão, em sede de comissão especializada, de um diploma que minimamente contemple as necessidades básicas dos comerciantes nesta área.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, nós não atiramos exclusivamente as culpas para a Sociedade Porto 2001 - e, mesmo que assim fosse, como sabe, essa sociedade, como sociedade de capitais públicos, tem uma participação do Governo e da autarquia. O que dizemos é que o Governo, a Sociedade Porto 2001, a Câmara Municipal do Porto e os comerciantes têm de estar envolvidos neste processo. E por que é que dizemos isto? É que também aqui é preciso - e se é verdade que existem algumas responsabilidades, se elas existem, é preciso apurá-las - cada um assumir as suas próprias responsabilidades. Por isso é que envolvemos todos os agentes interventores num processo destes.
Portanto, estamos abertos, estamos sensíveis e consideramos que é urgente resolver este problema do Porto. Por isso, apresentámos um projecto de resolução, no sentido de permitir que o Governo, ele próprio, resolva também esse problema, no âmbito do projecto URBCOM.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Já podia, antes do projecto de resolução!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Deputado Manuel Queiró, o que o senhor queria ouvir da minha boca não é aquilo que vai ouvir.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - São os comerciantes que querem, não somos nós!

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O Orador: - É evidente que não vai ouvir aquilo que queria.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Não somos nós que queremos, é o País!

O Orador: - O que o senhor vai ouvir é aquilo que está no nosso projecto de resolução. A nossa cultura de responsabilidade implica que não embarquemos numa atitude de despesismo. E, Sr. Deputado, até consideramos que alguns projectos, nomeadamente o seu, têm efeitos retroactivos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Efeitos retroactivos têm as falências!

O Orador: - Ora, nenhum projecto pode ter efeitos retroactivos.
Por isso, confiamos que o Governo resolva definitivamente este problema e nós, Grupo Parlamentar do PS, contribuiremos decisivamente para a sua resolução num diálogo permanente com o Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Já cá faltava o diálogo!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O primeiro projecto de requalificação em larga escala de um centro urbano está em curso na cidade do Porto e tem levantado problemas novos e de vário tipo, como seria de resto natural e até inevitável.
O facto de muitos projectos semelhantes estarem, neste momento, em fase de arranque em grande parte das cidades do nosso país faz com que seja obrigatório que a comunidade portuguesa encontre uma resposta positiva para esses problemas e que essa resposta sirva para resolver, de forma justa e adequada, o surgimento de problemas semelhantes.
Desses problemas há, sem dúvida, um que necessita de uma resolução particularmente urgente e o Parlamento está hoje colocado perante a oportunidade e a responsabilidade de lhe dar um indispensável contributo. Trata-se, tão somente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de não admitir que os inevitáveis custos que a realização destas obras acarreta sejam, especial e anormalmente, suportados por um grupo restrito de cidadãos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Isto não é admissível em face da decência a que o comportamento de um Estado, enquanto pessoa de bem, está obrigado,...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É uma questão de justiça!

O Orador: - ... não é admissível em face da própria doutrina há muito consagrada no nosso ordenamento jurídico, desde o admitido no Decreto-Lei n.º 48051, de 1967, já aqui citado, até ao superiormente disposto no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa.
Para nós, está fora de qualquer dúvida que esses princípios têm de encontrar tradução legal capaz de responder à situação criada, e somos incapazes de descortinar qualquer razão política de índole conjuntural que possa impedi-lo. Mal se compreenderia que deste debate não resultasse uma discussão, na especialidade, com base nas iniciativas presentes, e que dela não resultasse a aprovação de tal instrumento legislativo.
Mal se compreenderia, por exemplo, que o Estado tivesse legislado para compensar os prejudicados por circunstâncias acidentais, em que não é directamente responsável, e não o fizesse quando as circunstâncias resultam de acções conduzidas por iniciativa pública.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Lembre-se que, em 1988, o Governo legislou para compensar dos prejuízos sofridos os estabelecimentos situados na zona do Chiado durante todo o período de obras de reconstrução e requalificação daquela área atingida por um devastador incêndio. O arrastamento dessas obras fez, aliás, com que, ainda no ano de 2000, houvesse necessidade de prorrogar o período de vigência daquela legislação.
Em 1996, as obras de escavação do túnel sob a Avenida João XXI, de responsabilidade camarária, afectaram a acessibilidade a diversos estabelecimentos comerciais. Que fez a Câmara? Aprovou uma resolução em que chamava a si, a título indemnizatório, o pagamento de custos fixos desses estabelecimentos (em concreto, os arrendamentos), durante o período de obras.
Que devemos fazer hoje? O CDS-PP, pela sua parte, propõe que o Parlamento aprove uma lei de bases. Porquê? Porque, por um lado, entendemos que essa é a melhor formar de enquadrar a diversidade de situações que previsivelmente podem ocorrer, e porque, dessa forma, o Parlamento se limita à consagração de orientações gerais, que considera fundamental que sejam observadas, ficando para o Governo, no exercício das suas competências, a faculdade de legislar sobre todos os aspectos concretos da sua aplicação.
Só ao Governo caberá a definição dos casos em que a lei será aplicada e só a ele cabe a delimitação das respectivas áreas, e, ainda assim, sob proposta da câmara municipal respectiva - tudo isto, aliás, desmente tudo o que disse o Sr. Deputado Renato Sampaio. A única excepção é, evidentemente, o caso da baixa do Porto, causa próxima e premente desta iniciativa, em que a aplicação da lei será imediata - apenas nesse caso.
Só ao Governo caberá a definição do tipo de apoios e compensações a conceder, e trabalhará com base em avaliações feitas por comissões mistas, as quais, contando sempre com a presença de representantes dos comerciantes eventualmente prejudicados, serão sempre maioritariamente compostas por representantes do poder público e, de entre estes, com os representantes do Governo em maior número.
Em suma, o Governo decidirá quando, como e onde se justifica a aplicação da lei de bases. A sua aplicação será sempre posterior ou, quando muito, concomitante à realização das obras e em caso algum as condicionará ou impedirá. O efeito da lei será sempre o de repor a justiça, quando tal for uma necessidade que se imponha ao juízo público.

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O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E se algum efeito tiver sobre a condução dos projectos, ele só poderá ser benéfico, porque nunca serão demais os mecanismos limitadores de erros, abusos, arrogâncias e desprezos despropositados, quando se trabalha sobre um tecido urbano que é também, nunca o esqueçamos, social, económico e, sobretudo, humano.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para nós, esta Assembleia está, hoje, perante um teste à sua capacidade de ultrapassar sectarismos perfeitamente deslocados perante a seriedade da matéria que hoje aqui nos traz - estamos todos e estão, particularmente, os Srs. Deputados da maioria.
O desafio pode parecer grande, mas não o deveria ser, porque a resposta é necessariamente simples. Trata-se de aprovarmos uma base mínima para que, em trabalho de especialidade, conjuntamente, possamos chegar a bom Porto. Não é difícil. Esqueçamos as batalhas políticas, porque aqui ninguém tem nada a ganhar. Se não tivermos bom senso, apenas iremos perder, porque ninguém nos compreenderá. Ninguém compreenderá que daqui não saia um sinal de humanidade a tanta gente que dele já começa a sentir falta em todo este processo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, Os Verdes, não apresentámos qualquer iniciativa legislativa sobre esta matéria, mas entendemos que os projectos de resolução, que estão em cima da mesa e na agenda desta discussão, nos remetem para um problema incontornável, que exige a assunção de responsabilidades, visando dar resposta a uma situação que decorre de uma intervenção com determinados contornos, os quais são conhecidos, que decorrem do evento Porto - Capital Europeia da Cultura 2001.
Hoje é pouco útil e pouco construtivo, para identificar o conjunto de problemas, fazer uma análise retrospectiva das dificuldades de planeamento, dos desajustes de execução e das múltiplas razões que somadas fizeram com que a cidade, que vai beneficiar com esta intervenção, ficasse transformada num estaleiro.
Hoje, aquilo que deve mover-nos é a busca de uma solução para um problema que exige uma resposta imediata e cabal, que satisfaça os cidadãos e os muitos pequenos comerciantes, cuja voz de protesto, muito naturalmente, se tem ouvido neste processo.
Por isso, dizemos - e é esta a nossa convicção e é este o nosso entendimento sobre este debate - que é importante encontrar uma resposta excepcional para esta situação excepcional, a qual não pode ser encontrada com soluções de «passa culpas».
Por isso, apoiaremos, na generalidade, todas as iniciativas que conduzam à resolução do problema e ao apoio a estes comerciantes, e entendemos que o Partido Socialista tem, ele que acarinhou, como todos nesta Câmara, a realização do Porto - Capital Europeia da Cultura 2001, de encontrar formas cabais de dar resposta ao problema que nos chega na exacta dimensão do mesmo, que precisa de uma solução construtiva e ao qual temos de dar eco.

O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Pequenas e Médias Empresas, do Comércio e dos Serviços.

O Sr. Secretário de Estado das Pequenas e Médias Empresas, do Comércio e dos Serviços (Ângelo Rosário de Sousa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer algumas reflexões sobre a questão que foi levantada, quer em torno dos processos de revitalização de centros urbanos, quer em torno de uma matéria que nos preocupa de uma forma directa e imediata, que é a situação verificada e desencadeada pelo projecto e pelas obras de requalificação urbana da baixa do Porto.
Importa referir que a revitalização dos centros urbanos e o comércio tradicional mantêm uma relação de dependência estratégica de carácter biunívoco. Ou seja, para revitalizar os centros urbanos é absolutamente essencial contar com um comércio tradicional renovado, qualificado e adaptado àquilo que a política de cada uma das cidades vier a definir, e, obviamente, em sentido contrário, também para o comércio tradicional é importante que os centros onde desenvolve a sua actividade, nomeadamente os centros históricos, tenham uma perspectiva de funcionamento moderna, requalificada e revitalizada.
Foi esta a filosofia, foi esta a motivação, que levou, a partir de 1997, ao desencadear, de uma forma mais expressiva, de um conjunto de processos designados como projectos de urbanismo comercial, iniciados no âmbito do Programa de Apoio à Modernização do Comércio (PROCOM) e que agora têm continuidade no Programa Operacional da Economia.
Nos termos desta filosofia, e para que desta relação de dependência biunívoca possa resultar um círculo virtuoso, é imprescindível que os diversos agentes, os diversos interesses, não necessariamente coincidentes logo à partida, sejam concertados e que se reunam vontades comuns em torno de um projecto, o qual certamente trará dificuldades de percurso iniciais mas resultará, se bem executado, se bem concertado, em vantagens para todas as partes envolvidas.
Com base nesta perspectiva, foi possível concretizar cerca de centena e meia de projectos de urbanismo comercial, por todo o País, conforme já foi afirmado, em centros urbanos, em vilas e em cidades de dimensões e localizações bastante diversificadas.
Importa dizer que este processo foi fortemente acelerado, pelo menos a partir de 1997, o que provocou um movimento de requalificação e de modernização do comércio, nomeadamente do tradicional, com uma intensidade sem precedentes na evolução deste importante sector de actividade económica em Portugal.
Certamente, esses projectos de urbanismo comercial não foram isentos de dificuldades de percurso próprias de profundas modificações de espaços urbanos, mas a experiência obtida nesta quase centena e meia de projectos de urbanismo comercial, em tantas cidades e vilas do País, demonstra que, através de uma articulação permanente entre autarquias e associações empresariais, nomeadamente no que respeita ao planeamento e acompanhamento das obras necessárias, é possível, tal como se visava, obter vantagens duradouras para o comércio e para a cidade.

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No caso concreto do projecto de urbanismo comercial planeado para a cidade do Porto, temos de reconhecer que esta metodologia experimentou, e continua a experimentar, dificuldades que têm vindo a impedir, pese embora o compromisso assumido pelo Ministério da Economia, plasmado no protocolo assinado em 1998, a concretização e a implementação plena deste projecto.
Certo é que este projecto de urbanismo comercial, intimamente ligado à iniciativa e à programação do evento Porto - Capital Europeia da Cultura 2001, tem especificidades.
Certo é que se trata de um projecto com uma dimensão sem paralelo, no quadro do PROCOM e do Programa Operacional da Economia - está previsto um investimento de 10 milhões de contos, quer em projectos urbanísticos quer em projectos de modernização e requalificação do tecido urbano.
Certo é que existem prazos exogenamente definidos para o projecto de urbanismo comercial, que têm a ver com a grande iniciativa que a cidade do Porto está a desenvolver neste momento.
Certo é que novos actores, como a sociedade Porto 2001, S.A., introduzem maior complexidade no relacionamento.
Nesta situação, o que consideramos importante é que se reunam as condições para que este projecto de urbanismo comercial possa concretizar-se e atingir os objectivos fixados. Para que isso aconteça, não há outro caminho senão o de encontrar uma solução - que urge, que é absolutamente necessária - de concertação entre a sociedade Porto 2001, S.A, a autarquia local (a Câmara Municipal do Porto) e a associação representativa dos comerciantes do Porto (Associação de Comerciantes do Porto).
Neste sentido, não podemos deixar de considerar como altamente positiva a eventual intervenção da Assembleia da República de recomendação: uma, dirigida ao Governo, para que este intensifique os seus esforços no sentido de criar as condições para que o projecto do urbanismo comercial da cidade do Porto possa ser aprovado,…

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

Risos do PSD.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Esta tem graça!

O Orador: - … outra, dirigida aos responsáveis pela execução das obras, para as programarem em articulação estreita com a Associação de Comerciantes do Porto.
Eu próprio, ainda na semana passada, tomei a iniciativa de promover uma reunião de articulação entre os diversos agentes responsáveis e interessados no desenvolvimento do projecto de urbanismo comercial do Porto. Nesta reunião obtiveram-se condições para que a Associação de Comerciantes do Porto, através de um estudo que vai realizar num prazo relativamente curto, possa finalmente exprimir a sua opinião, fazendo reflectir dessa forma as suas preocupações relativamente a este projecto de qualificação urbana do centro do Porto.
Já no que se refere a eventuais regimes mais ou menos generalizados de ajuda financeira e fiscal aos comerciantes, a título de compensação pelos prejuízos causados por obras públicas nos centros urbanos, temos algumas reservas e alguns comentários a fazer.
Em primeiro lugar, consideramos que temos de circunscrever os problemas aos locais onde os mesmos se verificam. O que está em causa são problemas que causam impactos negativos aos comerciantes da baixa da cidade do Porto - todos o reconhecemos. Ou seja, o que está em causa é o Porto, e é relativamente a essa situação (que, conforme já foi dito, é excepcional) que devemos procurar encontrar uma resposta adequada.
Em segundo lugar, é preciso referir que, conforme foi aqui afirmado, um regime deste tipo, promulgado por lei, concedendo incentivos, cairia na alçada das regras da política da concorrência, definida pela Comissão Europeia, e, conforme sabemos, no âmbito desta política, é liminarmente proibido qualquer tipo de ajudas ao chamado funcionamento das empresas e não ao investimento, tal como é normal acontecer em programas de apoio às empresas.
Em terceiro lugar, não posso deixar de referir que um regime de carácter mais ou menos generalizado e quase automático de atribuição de ajudas públicas aos comerciantes, como compensação pelos prejuízos causados por obras públicas, poderia traduzir-se num sinal profundamente errado, dirigido aos agentes económicos, no que se refere à atitude face ao investimento, o qual é fundamental para a modernização do tecido económico em Portugal.
Qualquer investimento comporta necessariamente custos transitórios no presente, em contrapartida de resultados compensatórios no futuro; é assim na actividade económica, é assim na nossa própria vida pessoal.
As obras de requalificação do tecido urbano devem ser entendidas pelos comerciantes e cidadãos afectados como custos de um investimento com retorno no futuro, conforme já é reconhecido por dezenas e dezenas de comerciantes com projectos desta natureza que já estão concretizados.
No entanto, é importante, diria mesmo que é indispensável, que os custos do investimento no presente sejam proporcionados, não constituam percas irrecuperáveis no futuro e, sobretudo, que, no limite, não possam colocar em causa a própria sobrevivência dos investidores.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Belas palavras!

O Orador: - No caso concreto do Porto, a solução passará necessariamente por uma maior concertação, uma maior programação e uma maior vontade comum entre a Associação de Comerciantes do Porto e a sociedade Porto 2001, S.A.,…

Vozes do PSD: - O diálogo!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Entretanto, os comerciantes vão falindo!

O Orador: - … para o que já estão criadas condições, sendo que o processo já está em marcha.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Secretário de Estado. Faça o favor de terminar.

O Orador: - Obviamente, também através do Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial (URB

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COM) serão criadas condições para que as empresas se modernizem.
O Governo, como lhe compete, dará pleno, imediato e empenhado seguimento ao que a Assembleia da República decidir nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Só há palavras e não acção! O problema é esse, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Fazenda e Honório Novo.
Cada Deputado tem um 1,5 minutos para formular o seu pedido de esclarecimento, mas o Sr. Secretário de Estado não tem tempo para responder.
A Mesa dá 2 minutos ao Sr. Secretário de Estado, para poder responder aos dois pedidos de esclarecimento, a título excepcional, porque hoje não tenho condições para ser generoso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado das Pequenas e Médias Empresas, do Comércio e dos Serviços, apraz-me registar que disse aqui que o Governo dará seguimento a uma iniciativa da Assembleia da Republica, só que não ainda não se vislumbra qual será essa iniciativa.
Portanto, é um amor sem objecto, porque aquilo que vem do Partido Socialista é pura e simplesmente diálogo…

Vozes do PSD: - Conversa!

O Orador: - … entre várias partes e coisa alguma. Não tem destino!
O que gostaria de perguntar-lhe, porque a base da sua argumentação é acerca da lei da concorrência na União Europeia, é o seguinte: considera o Sr. Secretário de Estado que ajudas pontuais, sob a forma de incentivos, de compensações ou de bonificações de crédito, um conjunto de mecanismos, podem confundir-se com ajudas normais e continuadas, essas, sim, violadoras de regras de boa prática da concorrência?
Creio que no coração da argumentação do Sr. Secretário de Estado está a identificação de duas realidades diferentes! O que aqui se discute é um conjunto de ajudas pontuais, porque há uma situação que diminuiu as expectativas económicas e até há uma situação de prejuízos acumulados!
Independentemente do projecto de urbanização comercial que se está a desenvolver, há que acudir a uma situação pontual que hoje se verifica na cidade do Porto e que amanhã também se verificará num conjunto de outras cidades!
Como é que as ajudas se podem compatibilizar com a lei da concorrência? Não haverá formas de o fazer? Ou será que vamos ficar agarrados ao dogma da União Europeia para que, no final, o que talvez releve das suas palavras seja a expectativa de um «céu» futuro, que é a realização do investimento ulterior? Foi assim que V. Ex.ª terminou a sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado das Pequenas e Médias Empresas, do Comércio e dos Serviços, na sua intervenção falou em coisas que merecem o consenso desta Casa - dos Deputados que aqui estão e das pessoas que nos ouvem certamente.
Nós temos um problema no Porto, grave, …

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Um problema no Porto e vários problemas potenciais no País!

O Orador: - … que atinge os pequenos empresários. Portanto, é um problema que existe e que não pode ser contornado.
Por outro lado, parece-me que todos queremos lutar contra a desertificação do centro histórico da cidade, e este é um dado que parece ser consensual e adquirido.
O Sr. Secretário de Estado, na sequência da sua intervenção, informa-nos de que há passos dados no sentido de tentar desbloquear o impasse criado no âmbito do URBCOM. Muito bem! Esperemos que esses passos continuem a ser seguros e que não impeçam a participação qualificada e empenhada das associações representativas dos empresários, comerciantes e hoteleiros.
Mas há uma coisa que o Sr. Secretário de Estado não disse aqui e sobre a qual tinha obrigação de se pronunciar, porque leu o projecto de resolução do PCP: está ou não disposto a aceitar e a criar uma linha de crédito para os comerciantes, no âmbito do PROCOM e fora do âmbito das candidaturas ao PROCOM? Em que condições está disposto a aprovar essa linha de crédito, do ponto de vista de prazos, de taxas de juro, e quando? É para a semana que vem ou foi para a semana passada, porque ela já era necessária na semana passada!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Pequenas e Médias Empresas, do Comércio e dos Serviços.

O Sr. Secretário de Estado das Pequenas e Médias Empresas, do Comércio e dos Serviços: - Sr. Presidente, vou responder de uma forma muito sintética.
Sr. Deputado Luís Fazenda, relativamente à questão que colocou sobre as incompatibilidades das ajudas com a política da concorrência, o que quero clarificar, para concretizar o que tentei transmitir na minha intervenção, é o seguinte: regimes de ajuda com carácter geral, horizontal e mais ou menos automáticos, juridicamente instituídos, caem sem dúvida na alçada da política de ajudas públicas, inserida no domínio da política da concorrência; mas se forem ajudas pontuais, excepcionais, que determinadas situações requerem, como a situação da baixa portuense, em que todos temos consciência que ela requer uma resposta imediata, pontual e excepcional, teremos condições para as configurar por forma a não ficarem na alçada deste normativo comunitário.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Honório Novo, o que posso transmitir é que o Governo criará condições - simultaneamente e em articulação com os auxílios previstos no âmbito do URBCOM - para que sejam disponibilizados, em benefício das empresas, mecanismos de crédito mais favoráveis, nomeadamente no que se refere às taxas de juro aplicáveis.

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Portanto, é nesse sentido que trabalharemos, conforme já afirmei e volto a reiterar, obviamente dando seguimento ao que a Assembleia da República decidir nesta matéria.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Quando, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Então, esperamos que o PS apoie!

O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que, praticamente no final deste debate, use da palavra para lançar um apelo à Câmara e ao Partido Socialista.
O Partido Socialista já hoje aqui nos trouxe a célebre frase de que «é necessário uma postura de diálogo e de responsabilidade», porém, com o devido respeito, a postura que este partido tem nesta matéria faz lembrar a de uma avestruz: enterra a cabeça na areia e politicamente fica cego, surdo e mudo em relação ao que está a acontecer na cidade do Porto e em outras cidades do País.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista parece cego porque não vê o caos, o inferno, em que se tornou o trânsito e as obras na cidade do Porto, não vê as obras andarem a «passo de caracol», não vê a descoordenação e a falta de planeamento que está a acontecer nessa cidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista, politicamente, parece surdo,…

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É verdade!

O Orador: - … porque aparenta não ouvir os apelos e as reivindicações dos comerciantes da cidade do Porto.
Como o projecto de resolução apresentado pelo Partido Comunista Português deixa também claro, estamos a falar de cerca de 1500 pequenas empresas, estamos a falar de diminuição da facturação na ordem dos 70 ou 80%, estamos a falar de situações dramáticas, mas o Partido Socialista parece não querer ouvir os apelos e as reivindicações feitas todos os dias!
O PS está mudo porque o que diz no seu projecto de resolução e o que disse hoje é praticamente o mesmo que dizer nada!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Srs. Deputados do PS, já verificámos que a Câmara Municipal do Porto não foi capaz de resolver esta questão, já verificámos que a iniciativa Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura não foi capaz de resolver esta questão. Porém, hoje, o que o Governo nos trouxe foram reflexões e não medidas concretas para resolver esta questão.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Termino fazendo um apelo ao Partido Socialista para que seja o Parlamento, para que sejamos todos nós, em sede de especialidade, a dar uma ajuda a quem precisa.
Srs. Deputados do PS, apelo a que reconsiderem a vossa posição e viabilizem todos os projectos hoje em discussão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso é cultura da responsabilidade!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate destes diplomas.
Vamos, agora, iniciar o debate do projecto de lei n.º 367/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 177/99, de 21 de Maio, que regula o regime de acesso e de exercício da actividade de prestador de serviços de audiotexto, o Decreto-Lei n.º 474/99, de 8 de Novembro, que aprova o Regulamento de Exploração do Serviço Fixo de Telefone, e o Decreto-Lei n.º 175/99, de 21 de Maio, que regula a publicidade aos serviços de audiotexto (CDS-PP).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O presente projecto de lei teve a sua motivação na necessidade urgente que sentimos de, pela via legislativa, se consagrarem meios eficazes de defesa dos consumidores contra os cada vez mais sofisticados expedientes enganosos levados a cabo por alguns prestadores de serviços de audiotexto, vulgarmente denominados serviços de valor acrescentado.
São inúmeros os exemplos destes expedientes enganosos: a prestação de serviços, normalmente eróticos, em números com prefixos que os não permitem; a publicitação de falsas propostas de emprego com a indicação de que as candidaturas devem ser efectuadas através de telefones com números que, por acaso, até são de valor acrescentado; telefonemas feitos directamente para os consumidores, solicitando-lhes que forneçam dados pessoais para determinados números, que, por acaso, também são de valor acrescentado, a fim de se habilitarem a prémios que não existem; sites na internet elaborados com base em linhas de valor acrescentado que, por isso, camufladamente enganam todos quantos naveguem sem saber da existência desse expediente; a ausência da mensagem oral gravada, legalmente exigida, no início da chamada a informar previamente o consumidor da natureza e do preço do serviço e se se dirige a adultos, e muito mais.
Acresce, com particular gravidade, que, na generalidade dos casos, quem solicita os serviços de valor acrescentado nem sequer são os titulares dos contratos telefónicos.
Por outro lado, é ainda com enorme frequência que se verifica serem os burlados pessoas idosas ou solitárias, adolescentes e até inimputáveis, como é natural, mais desprevenidos e, por isso, mais facilmente enganados, que solicitam serviços de valor acrescentado sem que os titulares dos contratos dos serviços telefónicos disso saibam.
Seja como for, o resultado é quase sempre o mesmo: a facturação por serviços não pretendidos no valor de centenas e de milhares de contos, que apanha de surpresa os

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consumidores, muitas vezes impossibilitados de os pagar, e que, por isso, motiva a ruína familiar e, em alguns casos, até o suicídio dos mais desesperados.
É certo que o actual regime prevê a possibilidade de o utilizador solicitar o barramento do acesso, geral ou selectivo, a serviços de valor acrescentado. Todavia, no nosso entendimento, a regra deverá ser precisamente a inversa, ou seja, a do barramento automático do acesso a estes serviços aquando da celebração dos contratos telefónicos, os quais só deverão ser activados, geral ou selectivamente, quando os consumidores expressamente o pretendam. É que se, por um lado, a generalidade dos consumidores desconhece a faculdade do barramento, por outro lado, esta faculdade, tal como existe hoje, dificilmente acautela os consumidores contra os expedientes enganosos, cada vez mais sofisticados.
Por isso, como bem referiu o então Provedor de Justiça, Dr. Menéres Pimentel, em recomendação dirigida ao Sr. Primeiro-Ministro, sob o n.º 35/b/99, as centenas de queixas que lhe foram efectuadas revelaram «a existência de várias empresas prestadoras de serviços de audiotexto», com «indícios de intenção de obtenção de um enriquecimento», com «indícios de incumprimento das disposições legais e regulamentares», com «indícios da criação de erro ou engano», com «indícios da utilização de astúcia», com «indícios de que as empresas de audiotexto determinaram os interessados à prática dos actos reclamados» e com «prejuízos patrimoniais».
Por isso, também esta recomendação do Provedor de Justiça vai no exacto sentido propugnado neste projecto de lei do CDS-PP; por isso, as associações de consumidores contactadas concordaram e incentivaram a apresentação deste projecto de lei do CDS-PP, e ainda por isso, há cerca de um mês, o próprio Governo afirmou, em conferência de imprensa, concordar com a solução constante deste projecto de lei do CDS-PP, relativo ao barramento prévio e automático do acesso aos serviços do valor acrescentado, que só deverá ser activado a pedido expresso dos consumidores interessados.
Acresce que o regime contra-ordenacional previsto para a violação das regras relativas aos serviços de valor acrescentado se encontra manifestamente desajustado, fazendo com que aproveite claramente ao prestador dos serviços a violação da lei.
Na verdade, quando as facturas enviadas aos consumidores rondam as centenas e os milhares de contos, sendo a cominação da lei uma coima no mínimo de 100 000$ para pessoas singulares ou de 500 000$ para pessoas colectivas, resulta à evidência que o crime compensa.
Impõe-se, assim, a par do pretendido barramento automático, a actualização do montante das coimas para valores que efectivamente funcionem de forma preventiva e desmotivem a conduta ilegal por parte de alguns prestadores de serviços de audiotexto.
Finalmente, na nossa opinião, importa alargar os poderes do Instituto das Comunicações de Portugal por forma a que este possa actuar eficazmente quando detecte casos em que a lei não é cumprida.
Estes são os propósitos essenciais do CDS-PP ao apresentar o projecto de lei em discussão. Esperamos apenas poder contar com o contributo dos demais partidos políticos na defesa dos interesses de todos os consumidores, principalmente dos mais vulneráveis e desfavorecidos.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aires de Carvalho.

O Sr. Aires de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tem hoje aqui lugar o debate do projecto de lei n.º 376/VIII, da autoria do CDS-PP.
Tal iniciativa pretende alterar, nalguns aspectos, a legislação que regula o regime de acesso e de exercício da actividade de prestador de serviços de audiotexto, o Regulamento de Exploração do Serviço Fixo de Telefone, e bem assim, o diploma que regula a publicidade aos serviços de audiotexto.
Este debate surge na véspera do dia mundialmente consagrado à defesa e à protecção dos consumidores. Por isso mesmo, não quero perder esta oportunidade para, por um lado, registar positivamente a preocupação do CDS-PP e, por outro lado, saudar todos quantos, ao nível do sector associativo e do poder local, na maioria dos casos sem condições e orçamentos, fazem o que podem, e não podem, no exercício da sua actividade para proteger e salvaguardar os direitos e interesses dos consumidores. Refiro-me muito concretamente aos trabalhadores da administração local destacados nos diversos centros de informação autárquico ao consumidor.
Quero ainda congratular-me com o facto de a área de defesa e protecção do consumidor ter passado a ser, desde 1995, com os Governos do PS, uma das prioridades da acção governativa. Estamos perante uma matéria em que este e o anterior governo têm assumido uma total humildade política para acolher todos os contributos, mas em que, manifestamente, não há muitas lições a receber.
A atenção que a área de defesa e protecção ao consumidor merece ao PS está bem patente, assentando fundamentalmente em dois pilares: na Lei de Defesa do Consumidor e na lei sobre protecção do utente de serviços públicos essenciais. São dois exemplos bem demonstrativos da preocupação que esta problemática nos merece.
Saúdo, pois, positivamente esta iniciativa legislativa, que, não sendo mais do que isso, procura corrigir problemas decorrentes das ditas chamadas de valor acrescentado. Se outras razoes não existissem, bastaria recordar duas situações que, embora distintas, são bem elucidativas do muito que há a corrigir.
Em primeiro lugar, é público que a Portugal Telecom assume claramente ter mais de um 1,8 milhões de contos em cobranças difíceis relativamente à utilização deste serviços.
Em segundo lugar, para termos a noção de como a questão das chamadas de valor acrescentado está a tornar-se um pesadelo, transmito-vos aqui, como mera informação, que no Centro de Informação Autárquico ao Consumidor, pelo qual, na qualidade de vereador, fui responsável, num universo de 320 processos mediados na área dos serviços, 202 diziam respeito a reclamações nesta área. São dados relativos ao ano 2000.
A situação é ainda mais grave quando é a Portugal Telecom a reconhecer as suas próprias dificuldades em colaborar nos processos. Há, pois, necessidade de agir e de corrigir, tanto mais que os consumidores têm constitucionalmente direito à protecção dos seus interesses económicos. A verdade é que esta actividade, tal como se

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encontra desenhada pelo Decreto-Lei n.º 177/99, de 21 de Maio, tem aberto a porta a situações de fraude, que, aliás, diariamente são noticiadas, dando origem a situações idênticas àquelas que ainda há pouco referi. É, pois, importante que tais factos mereçam a atenção do legislador, já que colidem com direitos constitucionais dos cidadãos.
Por outro lado, dois anos de vigência do Decreto-Lei n.º 177/99 já demonstraram, por razões várias, que o quadro legal actual não é susceptível de conter um risco mínimo na defesa do consumidor nas situações de fraude.
Naturalmente, se as regras existentes não são capazes de acautelar os interesses dos consumidores, é então imperativo criar os mecanismos necessários para tal, também com o objectivo de só as empresas cumpridoras se manterem no mercado. Contudo, não estou certo de que a aprovação do diploma em debate, tal como está, constitua, como seria desejável, a resolução das nossas preocupações.
O presente projecto de lei, tal como está, não acautela os interesses dos consumidores; ao projecto de lei, tal como está, falta uma regra capaz de impor uma cláusula transitória para o barramento das chamadas; o projecto de lei, tal como está, tem, desde logo, um grave problema técnico: é aplicável aos novos contratos, mas não é aplicável aos contratos em vigor, o que, em abono da verdade, no limite, correria o risco de deixar tudo na mesma.
Quanto a nós, esta vertigem de «barrar» não pode determinar o final desta actividade em Portugal, abrindo as portas à invasão de serviços estrangeiros no nosso país. Uma coisa é certa e deve ficar clara: se empresas que operam no estrangeiro continuam a fazer publicidade em Portugal é porque o negócio rende!
Ora, é quanto a este aspecto que me parece que a proposta do CDS-PP é redutora, ao tratar os diversos tipos de chamadas de valor acrescentado com o mesmo critério. Mete no mesmo saco serviços de audiotexto com duração limitada e custo certo, como é o caso do «televoto», com chamadas de período ilimitado e, naturalmente, de custo ilimitado.
Penso que não é justo, nem possível, afirmar com verdade que uma e outra desenvolvam os mesmos mecanismos de prejudicar o consumidor. É hoje reconhecido publicamente que as empresas que trabalham essencialmente na área do «televoto» são empresas com dimensões significativas, que não necessitam de arranjar estratagemas para aumentar o seu volume de negócio.
Por isso mesmo, gostaria de deixar duas perguntas. Pode o CDS-PP garantir, com este projecto de lei, que os consumidores não acederão aos serviços de audiotexto? É que - convém que fique dito - muitas empresas de audiotexto que operam em Portugal fazem-no também a partir do estrangeiro.
Está o CDS-PP em condições de garantir também, em face da pergunta que formulei anteriormente, que, sem o barramento das chamadas internacionais, se inviabilizarão as hipóteses de os consumidores caírem em logro? Pode ser que sim e que eu me engane, mas tenho dúvidas!
Sr.as e Srs. Deputados: A par do esforço que colectivamente devemos fazer é necessário o envolvimento e a adesão dos consumidores. A verdade é que o Estado não pode criar a legislação, criar a regulamentação e, ainda por cima, substituir-se ao consumidor no exercício dos direitos daí decorrentes. É que, mesmo em matéria de audiotexto, existem hoje mecanismos legais de prevenção do logro à disposição dos consumidores. O caso do barramento é um deles, o outro é o da separação da facturação. A verdade, porém, é que o recurso a estes mecanismos por parte do consumidor tem sido escasso.
Este é, afinal, um problema de cariz também cultural, que temos de resolver. Este é o alerta que aqui deixo na Assembleia da Republica, no limiar de mais um dia que mundialmente consagrará a defesa e a protecção dos direitos dos consumidores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Aires de Carvalho, antes de mais, quero agradecer as suas simpáticas palavras relativamente à nossa iniciativa.
Quero também comunicar-lhe, desde já, que nos apraz registar que tem preocupação igual à nossa, desde logo no que toca à necessidade de se defender intransigentemente os interesses dos consumidores.
Seja como for, obviamente que este nosso projecto de lei não pretende ser, desde já, um projecto acabado. Nessa medida, estamos abertos a sugestões que se entendam convenientes em sede de especialidade e a audições que, eventualmente, se entenda deverem ser efectuadas para que, no final, o resultado seja aquele por todos desejado, ou seja, uma lei que efectivamente beneficie os consumidores e os defenda de uma situação que é, de facto, escandalosa e que os tem prejudicado e lesado gravemente nos seus patrimónios e na sua estabilidade familiar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às duas questões concretas que V. Ex.ª me coloca, gostaria apenas de deixar uma nota, que, em parte, penso poder responder a uma preocupação que suscitou. Tem ela a ver com o facto de sugerirmos também uma alteração do Decreto-Lei n.º 474/99, de 8 de Novembro, que aprova o Regulamento de Exploração do Serviço Fixo de Telefone, nomeadamente da alínea d) do artigo 4.º.
É nosso objectivo que quando se refere que constituem direitos dos assinantes e dos utilizadores «aceder aos serviços de audiotexto que tenham como suporte o SFT» este direito passe a ficar dependente da sua vontade expressa nesse sentido. Dessa forma pretende-se também acautelar a prestação de serviços de audiotexto, ainda que o operador não seja nacional.
Penso ter respondido, com o que disse, a uma preocupação que o Sr. Deputado suscitou. Seja como for, para o que mais importa, gostava de deixar a nota que estamos abertos a uma melhoria do nosso projecto de lei em sede de especialidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Aires de Carvalho.

O Sr. Aires de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, quero apenas registar com simpatia e de uma forma positiva a disponibilidade manifestada pela bancada do CDS-PP.

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A nossa intenção é sugerir que este diploma baixe à comissão e que se proceda a uma série de audiências com algumas entidades, por exemplo com o Instituto das Comunicações de Portugal, com o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, com a DECO e, eventualmente, com mais uma ou duas. Penso que nada mais há a acrescentar.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Costa.

O Sr. Virgílio Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 367/VIII, apresentado pelo CDS-PP, tem como objectivo principal regular de forma diferente daquela que a lei vigente consagra o regime de acesso e de exercício da actividade de prestador de serviços de audiotexto.
Perante o preocupante número de casos que os prestadores e os utilizadores destes serviços vêm protagonizando e perante a denúncia de burlas, manipulação de pessoas, abuso de utilizadores menores e maiores emocionalmente instáveis e carentes, ninguém compreenderia a manutenção do quadro legal existente.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O actual quadro legal permite a exploração de pessoas e famílias através dos expedientes mais diversos, usados com o único objectivo de enganar as pessoas menos bem informadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perante esta realidade incontornável, que todos os dias se agrava para pior, é oportuno e urgente criar novas condições na lei, com o objectivo de proteger os mais fracos e melhor penalizar os prevaricadores.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É certo que a lei vigente prevê a possibilidade do barramento dos números de telefone a que correspondem os chamados serviços de valor acrescentado pela iniciativa dos consumidores, porém, o que na prática acontece é que a generalidade das pessoas desconhece ou não se apercebe desta faculdade. Por isso, quando se dá conta, é já vítima de um sistema habilidosamente montado com o objectivo de explorar as pessoas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os utilizadores do telefone passaram, de repente, a ter acesso, pelo mesmo aparelho, a outros serviços com preços muito distintos daqueles a que estavam habituados. Haverá algum problema em garantir, sem margem para dúvidas ou manipulações, que o utilizador tenha consciência daquilo que está a utilizar? Esta é a questão que importa resolver, sem estigmatizar os serviços de audiotexto, que podem e devem ser úteis numa sociedade que se pretende sempre mais esclarecida.
O Partido Social Democrata acompanha os que partilham das preocupações expostas, mas também os que defendem uma intervenção inovadora com o sentido de aperfeiçoar o proposto. Concorda que a utilização destes serviços, tal como está regulada, permite, nas margens da lei, indevida exploração e não está combatida, muito menos protegida, por uma fiscalização eficaz e adequada.
O PSD constata que são significativas e preocupantes as reclamações e as situações de contencioso que todos os dias se multiplicam, constata que, infelizmente, a propriedade de um telefone, no quadro da lei vigente, constitui a permanência de um perigo que, em alguns casos, tem levado ao suicídio.
Objectamos somente que o artigo 2.º do projecto de lei n.º 367/VIII, apresentado pelo CDS-PP, proponha a alteração do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 474/99, de 8 de Novembro, quando, a nosso ver, deverá referir-se ao artigo 4.º do Regulamento de Exploração do Serviço Fixo de Telefone, em anexo ao referido diploma.
Em tudo o resto acompanhamos a proposta agora em debate, convictos de que a sua aprovação contribuirá para uma relação mais segura, mais criteriosa e, portanto, mais adequada à protecção dos cidadãos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Desde logo, começo por dizer que o projecto de lei em apreço nos parece muito pertinente.
De facto, ainda recentemente fomos alertados, através de reportagens na comunicação social, para a situação de um anúncio, publicado na imprensa, que convidava pessoas para fazerem castings, mandando-as contactar um número de telefone que lá vinha e que não diziam ser de valor acrescentado. As pessoas não sabiam, eram depois confrontadas com um longo questionário (arrastavam deliberadamente a conversa) e só souberam que se tratava de uma chamada de valor acrescentado - a que agora se chama serviço de audiotexto, talvez uma formulação que objectivamente branqueia algo que não está muito bem-visto, ou seja, as chamadas de valor acrescentado - quando viram, pela factura telefónica, que tinham uma exorbitância para pagar.
Isto chama a atenção para a necessidade de se tomarem medidas sérias contra este tipo de coisas. Já não se trata apenas das chamadas de valor acrescentado, que são profusamente publicitadas por todos os meios, mas também, e ainda pior do que isso, de chamadas que são de valor acrescentado e que as pessoas não sabem que o são.
É, pois, necessário tomar medidas, e uma medida que me parece razoável, justa, é a de que o recurso a esse tipo de serviços resulte de um acto voluntário. Isto é, quem quiser recorrer a esses serviços de audiotexto deve manifestar expressamente a vontade de o fazer, acabando-se, de uma vez por todas, com a situação actual, que é a de explorar situações de involuntariedade, nuns casos explorar vulnerabilidades e noutros casos - a maior parte deles - explorar desconhecimentos, pois há situações em que as pessoas ignoram o que é que estão a fazer e só mais tarde, quando a situação é irremediável, sabem que têm para pagar verdadeiras exorbitâncias, autênticas expoliações, por terem recorrido a chamadas de valor acrescentado. E isto acontece, por exemplo, com crianças e com pessoas com especiais vulnerabilidades, cujos familiares só sabem que activaram esses serviços a partir dos respectivos telefones quando já não há nada a fazer.
Portanto, parece-nos que há que inverter a regra actualmente vigente. As pessoas podem pedir o barramen

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to dos seus telefones ao acesso a esse tipo de chamadas, mas é evidente que as pessoas ou não sabem disso, ou não querem saber disso, ou nem sequer lhes passa pela cabeça que, em sua casa, alguém recorra a esse tipo de chamadas e quando tomam conhecimento dessa possibilidade é tarde demais.
Assim, repito, há que inverter esta regra e fazer com que quem queira recorrer ao serviço de audiotexto requeira expressamente essa possibilidade. É isso o que o CDS-PP aqui propõe e quero dizer que, da nossa parte, há toda a disponibilidade para considerar essa medida como positiva, achando que essa é uma disposição que a Assembleia da República deve tomar.
Queremos também assinalar que não temos ambiguidades nesta matéria. Digo isto porque, há pouco, o Sr. Deputado Aires de Carvalho começou por dizer que achava a medida meritória mas depois encontrou uma série de complicações, o que dá um pouco a noção de que ele considera a ideia meritória, mas que, se calhar, era melhor deixar tudo na mesma, começando a arranjar já algumas justificações.
Aliás, já por várias vezes ouvimos dizer, até a membros do Governo, na legislatura anterior, que iam ser tomadas medidas drásticas contra as chamadas de valor acrescentado, que se ia acabar com isso de uma vez por todas, mas, passado o fogacho daqueles discursos, verificamos que ficou tudo na mesma ou pior.
Portanto, é preciso que, de uma vez por todas, as medidas que se decidam sejam de facto aplicadas, que tais medidas tenham um alcance real e que se acabe com uma situação que não tem qualquer justificação, que é a de espoliar pessoas que, involuntariamente, acabam por recorrer a serviços desta natureza. Que esses serviços existam para quem queira utilizá-los, mas que as pessoas que não queiram utilizá-los fiquem livres do receio de, um dia, chegarem a casa e serem confrontados com uma conta telefónica de centenas de contos, para a qual não contribuíram nem desejariam contribuir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Aires de Carvalho.

O Sr. Aires de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, a ideia que deixei quando fiz a minha intervenção foi a de que, quanto a mim e quanto ao Partido Socialista, o projecto é meritório - inclusive, saudei os autores da iniciativa por isso -, mas, naturalmente, nós não temos de estar de acordo com todo o articulado. E há nele questões que devem e podem ser melhoradas em sede de Comissão.
Portanto, parece-me que não utilizei, digamos, uma argumentação tão radical que permita ao Sr. Deputado tirar essa ilação.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, ter a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Aires de Carvalho, eu não disse que era uma argumentação radical, só disse que o seu discurso me fez lembrar um pouco aquelas situações em que as pessoas querem que algo mude para que tudo fique na mesma. Portanto, diz-se que a ideia é muito meritória, mas depois, quando vamos ver no concreto, há uma série de problemas que acabam sempre por constituir obstáculos a que alguma coisa de facto mude.
Foi uma impressão minha, mas espero que, quando da discussão na especialidade, essa impressão seja completamente arredada e possa ser tomada uma medida concreta contra a situação actual, que o Sr. Deputado reconheceu que tem de ser alterada. Portanto, vamos mesmo alterá-la e afastar os obstáculos que aparecerem pelo caminho. Mas vamos afastá-los mesmo!
É esse o voto que fazemos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado da Defesa do Consumidor (Acácio Barreiros): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais quero referir a importância do debate desta iniciativa do CDS-PP. Trata-se de um problema que a todos deve preocupar: a Câmara, o Governo, as entidades públicas, as entidades reguladoras, a Provedoria de Justiça e as associações de consumidores, mas que é, sobretudo, uma preocupação profunda dos consumidores.
Na verdade, os serviços de audiotexto, de valor acrescentado, têm trazido um conjunto de situações dramáticas, de manifesto abuso da credibilidade das pessoas. E do levantamento que fomos fazendo nesta matéria, quer a nível das empresas quer a nível das entidades reguladoras, das associações de consumidores, etc., constatámos que até ao princípio do mês de Fevereiro havia mais de 7000 reclamações sobre esta matéria.
Quero ainda assinalar que, relativamente a esta matéria, temos um registo de 72 processos-crime, mais de 25 processos de contra-ordenação e mais de 200 reclamações. Mas há também, e sobretudo, os relatos que a comunicação social tem feito, que têm chegado ao Governo e seguramente aos diversos grupos parlamentares, de situações dramáticas, de manifesto abuso, tais como telefonemas que são feitos para casa das pessoas a horas em que se espera encontrar crianças sozinhas, para aliciá-las a fazerem telefonemas que depois se verifica serem de valor acrescentado. Já aqui foi referido o aliciamento do casting, mas há outro tipo de manobras e até mesmo actividades do foro criminal, de utilização abusiva de um conjunto de informações que criam um quadro profundamente preocupante.
Como sabem, as chamadas de valor acrescentado são um produto relativamente novo no mercado, mas já em 1990 se legislou sobre as condições de acesso a esse serviço. O decreto-lei de 1999, já aqui referido, criou também um conjunto de legislação sobre esse serviço, mas o que nos deve preocupar verdadeiramente é se o grau de protecção dos direitos do consumidor foi suficientemente acautelado.
Como sabem, no decreto-lei de 1999 foi introduzido um conjunto de alterações, sendo a primeira delas a clara definição desse serviço como um serviço claramente diferenciado do de telefones, tal como é prestado, havendo a possibilidade de os consumidores tomarem a iniciativa de pedirem o barramento do seu telefone a números de valor acrescentado.
De qualquer modo, sou sensível ao argumento aqui apresentado, já que ele corresponde a muitas situações concretas: o de que o uso de um direito de defesa em relação a determinados riscos implica o conhecimento desse

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risco e muitas vezes as pessoas não conhecem, não estão preparadas, não sabem da existência desse novo serviço, entretanto chegado a suas casas por via do telefone.
Quero também assinalar que se procedeu a um reforço das medidas de fiscalização, mas com o que verdadeiramente estamos preocupados - e este debate é aqui provocado de forma bastante oportuna - é em avaliar se o grau de protecção dos consumidores é suficiente ou se devemos dar mais passos no sentido de reforçar esse grau de protecção.
Aliás, quero anunciar que amanhã, Dia Mundial do Consumidor, o Governo irá tomar, na área específica da publicidade, um conjunto de medidas, na sequência da recomendação que foi feita pelo Sr. Provedor de Justiça, acautelando, em matéria de audiotexto, a publicidade dirigida a menores e acautelando ainda, em concursos que venham a ser promovidos nesta área - e esta é uma recomendação do Sr. Provedor de Justiça que consideramos absolutamente adequada -, o acesso ao regulamento do concurso, onde terá de ser garantido, de forma clara, um sistema que não seja o de valor acrescentado, por exemplo através de um telefone normal. O conjunto de medidas que tomaremos amanhã irão também no sentido do reforço do grau de protecção dos consumidores.
De qualquer modo, o debate que aqui foi trazido pelo CDS-PP representa um passo em frente relativamente a estas medidas de protecção e verifico com agrado que o CDS-PP referiu também - e isso parece-me positivo - uma abertura à discussão deste problema, que se reveste, de facto, de alguma complexidade, dado o conjunto de questões que estão aqui colocadas.
Naturalmente, o Governo coloca-se à disposição da Assembleia - e não faz mais do que a sua obrigação - no sentido de colaborar nos trabalhos da Comissão, disponibilizando os elementos que tem à sua disposição sobre esta matéria.
Como nota final, gostava de dizer, com clareza, que a nossa posição nesta matéria está absolutamente definida, isto é, embora considerando a complexidade do problema, o conjunto de interesses presentes nesta matéria, o conjunto de responsabilidades assumidas, sempre que houver - e gostava de o dizer com muita clareza - um conflito entre os direitos dos cidadãos, os direitos constitucionalmente garantidos, os direitos que estão na lei de defesa do consumidor e na lei dos serviços públicos essenciais e os direitos do comércio e das empresas, nós devemos optar claramente pela defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos. Será este o sentido da nossa participação, da regulamentação que estamos a fazer e que continuaremos a fazer e o sentido da nossa colaboração, que colocamos ao serviço da Comissão e do Parlamento para a continuação dos trabalhos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, está encerrado do debate do projecto de lei n.º 367/VIII, do CDS-PP, cuja votação terá lugar amanhã, quinta-feira.
Passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 340/VIII - Estabelece o estatuto legal da carreira de mediador cultural (BE) e 393/VIII - Estabelece o estatuto legal do mediador sociocultural (PS),
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta o projecto de lei n.º 340/VIII, que procura estabelecer o estatuto legal da carreira do mediador cultural.
Cremos que em boa hora o fizemos, não só suscitando esta iniciativa legislativa, mas também suscitando o seu agendamento e o seu debate aqui na Câmara, porque sabemos que há dificuldades de inserção de minorias étnicas, que há dificuldades de inserção social de grupos de migrantes e que a experiência já realizada de mediadores culturais, particularmente na área escolar, tem vindo a ser sucessivamente prezada e considerada em relatórios de avaliação de organizações governamentais e não-governamentais. Trata-se de um instrumento com grande capacidade para realizar o diálogo intercultural, ajudar a resolver dificuldades de integração de pessoas na situação de minorias étnicas, de grupos de imigrantes, quer na escola quer nas estruturas de saúde, junto do Instituto de Inserção Social, junto de um conjunto de áreas onde é patente que há dificuldades de diálogo cultural. Este tipo de actividade permite que, rapidamente, haja uma articulação das iniciativas.
Verifica-se que não tem havido estabilidade do ponto de vista profissional destes mediadores e que, muito embora seja necessário definir e valorizar legalmente o seu estatuto, é necessário alargar o seu âmbito e encontrar, do ponto de vista profissional, uma carreira que permita ter legítimas expectativas de vínculo, de estabilidade, ou seja, é necessário que tenham um contrato com a Administração Pública que permita a integral realização destas missões.
Nesse sentido apontava um relatório do grupo de trabalho para a igualdade e inserção dos ciganos, criado por despacho ministerial, onde expressamente se fala de uma carreira, e também nesse sentido se têm vindo a pronunciar desde a pastoral católica para os ciganos até um conjunto de associações de imigrantes e mediadores culturais, que ouvimos e que muito nos sensibilizaram dando a sua opinião na elaboração deste projecto de lei.
Procurámos também que, dentro dessa perspectiva de carreira, um dos critérios de selecção e recrutamento dos mediadores culturais para esta sua actividade social fosse o de que eles sejam recrutados no meio cultural para o qual é aberto o concurso. Ou seja, entendemos que se devem recrutar, exactamente nos meios culturais dessas minorias étnicas ou desses grupos de imigrantes, pessoas que, pela sua integração social, pelo seu percurso cultural e pelo seu percurso de contacto e de génese nesses grupos, facilitem o diálogo intercultural que é pretendido.
Apraz-nos ainda registar que algumas das contribuições positivas e valorativas do nosso projecto de lei vieram nesse sentido, no que volto a reconfirmar a consideração da pastoral católica para os ciganos.
O Partido Socialista apresenta também uma iniciativa legislativa em que avança para a definição do estatuto do mediador sociocultural. Neste caso, a questão da identificação do nome é relativamente secundária, porque os objectivos propostos são afins, senão mesmo idênticos. No entanto, gostaríamos de deixar este repto ao Partido Socialista: falando-se, embora, no preâmbulo do vosso projecto de lei, em encontrar soluções de estabilidade laboral para os mediadores culturais, ao deixar as coisas, única e exclusivamente, à possibilidade dos protocolos e dos contratos-programa, com recurso a formas que, por certo, virão todas a recair em formas atípicas de trabalho (apesar

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disso não estar muito claro no vosso diploma), não vemos que, dessa forma, se consiga prover àquilo que era o objectivo essencial, ou seja, a estabilidade na profissão dos mediadores culturais.
Sem prejuízo de, em sede de especialidade, encontrarmos formas de garantir vínculos e estabilidade laboral, lançava, pois, o repto ao Partido Socialista de que considere a possibilidade desta carreira na Administração Pública, que seria a forma de, verdadeiramente, se encontrar essa estabilidade, e, bem assim, seja qual for a modalidade de estabilidade que o Partido Socialista venha a preconizar - não creio que possa preconizar uma modalidade de instabilidade - que considere, nos critérios de selecção, pessoas oriundas dos meios culturais para os quais se procura fazer a ponte, o diálogo intercultural.
Parecem-me ser esses os dois pontos fracos do projecto de lei do Partido Socialista, ressalvando, embora, que é importante que a Assembleia da República, por via legislativa, venha a valorizar, a estimular e a alargar o âmbito daquilo que é a actividade dos mediadores culturais.
Estaremos, dessa forma, a contribuir decisivamente não só para a integração social, mas também para um diálogo intercultural e para prevenir e combater tudo aquilo que sejam manifestações de xenofobia, de discriminação rácica ou de anulação da cultura do outro, promovendo, assim, a universalidade das culturas.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveu-se, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Carla Gaspar.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Carla Gaspar (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, gostaria de lhe colocar umas breves questões relativamente ao projecto de lei n.º 340/VIII, apresentado pelo seu grupo parlamentar.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se o Sr. Deputado concorda, ou não, que a definição da função e figura do mediador deve permitir uma valência abrangente. Isto é, se a sua definição não deve ser limitativa e antes entendida em termos de mediador sociocultural, uma vez que a mediação cultural e a sua aplicação não se colocam exclusivamente em relação às comunidades de imigrantes e de etnia cigana, mas também, por exemplo, em algumas zonas rurais do nosso país, a comunidades que não são obrigatória e unicamente compostas por minorias étnicas.
Gostaria ainda de saber se considera, ou não, que a acção do mediador sociocultural deve ser dirigida a todo o colectivo, mesmo quando a preocupação central seja a da integração escolar e social dos alunos pertencentes a etnias e culturas minoritárias, uma vez que as actividades de mediação devem e têm de enquadrar-se, também, numa perspectiva de educação para a cidadania e que esta é uma questão de toda a comunidade escolar.
Para terminar, Sr. Deputado Luís Fazenda, relativamente à formação dos mediadores, não lhe parece que a formação adquirida deverá antes ser certificada pela ANEFA, que estará mais vocacionada para proceder à certificação da formação adquirida pelos mediadores, permitindo também, desta forma, habilitar os formandos a um nível de habilitações superiores ao detido?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Carla Gaspar, não temos nada a opor, muito pelo contrário, em considerar a abrangência não exclusivamente em relação a minorias étnicas ou a grupos de migrantes, mas a um conjunto de outros grupos sociais. Vamos, então, aumentar e melhorar as valências e a abrangência dos destinatários da acção dos mediadores. Quem pode o menos pode o mais. No entanto, recordo que a prioridade de integração social nos pareceu ser esta e que este é o curso objectivo que esta figura vem fazendo na sociedade portuguesa. Portanto, respondo-lhe muito afirmativamente: quem quer o menos também pode querer o mais.
Do ponto de vista da certificação, creio que, em sede de especialidade, poderemos discutir isso com bastante pormenor. No entanto, à partida, não temos nenhuma rejeição. Mas que haja uma progressão nas condições e nas habilitações é algo que também procurámos prever ao criar uma carreira de mediador cultural na Administração Pública. Portanto, temos toda uma perspectiva de evolução das habilitações e da formação dos mediadores.
Finalmente, quanto à mediação não se aplicar apenas a uma parte da comunidade escolar, mas ser mais integrante e mais abrangente, continuo a dizer que quem pode o menos pode o mais, pelo que não pômos qualquer objecção a isso. No entanto, volto sempre ao princípio: neste caso, a estabilidade da carreira do mediador cultural é a questão-chave para que essa integração seja bem sucedida e para que haja uma valorização profissional e condições de levar a cabo este trabalho.
Por outro lado, onde quer que tenhamos de incidir esta actividade da mediação sociocultural, seja em grupos étnicos, seja em minorias de imigrantes, seja em camadas deprimidas do interior do País, seja onde for, devemos tentar encontrar, no acesso a estas acções de mediação cultural e à figura do mediador, pessoas que pertençam, em primeiro lugar, ao próprio grupo cultural, de forma a facilitar a mediação e o diálogo das culturas e a resolução dos eventuais conflitos sociais, sobretudo a bem daqueles que estarão limitados no exercício dos seus direitos e na capacidade de obtenção de uma vida melhor. Existe um conjunto de direitos de cidadania, dos quais são hoje, bastantes vezes, arredados, não só por fenómenos de «guetização» e de discriminação, mas muitas vezes por fenómenos de incapacidade de integração, porque faltam as pontes culturais e os instrumentos concretos junto das entidades, junto da Administração, junto dos meios de decisão que possam fazem valer os seus pontos de vista e aquilo que são os seus direitos legalmente estabelecidos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão dos mediadores surge em Portugal por influência e no contexto de projectos com apoio de programas comunitários e/ou de iniciativa comunitária, como o Youthstart, o Horizon, Sócrates e Leonardo, essencialmente relacionados com questões de exclusão social e cultural das chamadas minorias étnicas.
Os primeiros mediadores eram provenientes da comunidade cigana, tendo sido formados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pelo Departamento de Educação Básica do Ministério da Educação e pela Obra Nacional para a Pastoral dos Ciganos.

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Tem continuado a verificar-se a formação de mediadores por parte de outras entidades, nomeadamente por organizações não-governamentais, como a Associação Moinho da Juventude, da Amadora, a Associação Cultural Olho Vivo, núcleo de Braga, e do CEFEM (Centro Europeu de Formação e Estudo sobre as Migrações), de Amora/Seixal. E não deixo aqui de saudar, pela sua simbologia, a próxima criação da associação nacional de mediadores sócio-culturais afro-cigana.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Surgiu, igualmente, a formação de mediadores africanos na área da saúde, no quadro do Grupo Interministerial para a Quinta do Mocho, em Loures.
Outras organizações, como por exemplo a Associação Juvenil Morna, têm formado animadores culturais, cujo perfil pressupõe outras características, embora tenham alguns aspectos em comum com os mediadores.
Por um lado, entre todos estes projectos não houve (não lhes cabia) uma harmonização em termos de cargas horárias nem de conteúdos nem muito menos de exigências mínimas, em termos de habilitações académicas.
Por outro lado, todos tiveram em conta um dos principais objectivos do sistema educativo - a luta contra o abandono precoce por parte dos alunos, não só das minorias étnicas, como de todos os outros, e a questão da sua integração escolar e social.
A formação dada, ainda, por essas organizações foi marcada (e essa foi outra área comum) pela reflexão sobre o conceito de mediação, as formas que poderia assumir e pela problemática das relações interpessoais.
Sr. Presidente Sr.as e Srs. Deputados: O exercício da função de mediador sociocultural foi enquadrado, inicialmente, pelo Despacho Conjunto n.º 304/98, de 24 de Abril, do Ministério da Educação e do Secretário de Estado do Emprego e da Formação, e, posteriormente, pelo Despacho conjunto n.º 942/99, de 3 de Novembro, do Ministro da Educação, do Ministro do Trabalho e da Solidariedade e do Secretario de Estado do Emprego e da Formação.
Na sequência do trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho para os Mediadores Culturais, criado pelo Despacho conjunto n.º 1165/2000, de 28 de Novembro, e coordenado pelo Alto Comissário para os Imigrantes e as Minorias Étnicas, foi possível colocar, no ano em curso, cerca de 40 mediadores culturais nas escolas e definir, com mais rigor, o perfil do mediador sociocultural, permitindo, assim, o reforço do diálogo intercultural e o sucesso educativo.
As duas iniciativas partem de um mesmo principio: o de que é necessário estabelecer o estatuto legal do mediador e de que a formação destes é uma estratégia privilegiada para o combate a exclusão social, mas divergem radicalmente no entendimento da função última do mediador e na forma como deve ser reconhecido e apoiado o seu papel como agentes do desenvolvimento social.
Com efeito, as duas iniciativas pretendem institucionalizar a figura do mediador cultural ou sociocultural, visando assegurar-lhes maior estabilidade profissional, porque o enquadramento provisório no mercado social de emprego não tem assegurado o exercício da actividade profissional durante todo o ano e mantém, de facto, as pessoas na incerteza quanto ao futuro.
Então, em que é que divergimos da iniciativa do Bloco de Esquerda?
Fundamentalmente no seguinte: não nos parece que seja preciso criar uma nova carreira profissional no quadro da Administração Pública. Esta - parece-nos - não é uma boa resposta para os problemas que o Bloco de Esquerda também identifica. Com efeito, é nossa convicção que esta função não apresenta uma autonomia significativa que justifique a criação de uma carreira autónoma e permanente em termos das carreiras do regime geral da função pública. Esta solução tenderia a rigidificar uma realidade que é dinâmica.
Acresce ainda que, relativamente à formação, na medida em que a maioria não tem habilitações literárias superiores ao 1.º ciclo, teriam de ficar nos escalões mais baixos da função pública, o que não seria de molde a contribuir para o prestígio de uma função que deve ser valorizada.
Além disso, não há nenhuma lei orgânica específica dos ministérios que reconheça a necessidade de uma profissão como esta (pelo menos, ainda), para não falar do facto de existir um regime jurídico para a negociação colectiva e participação dos trabalhadores na Administração Pública, que expressamente remete a matéria relativa a carreiras na função pública e demais condições de trabalho para a negociação colectiva, ou seja, importa equacionar até que ponto as associações sindicais ficam privadas do exercício de um direito que a legislação directamente lhes reconhece.
É por isso que propomos: que o Estado e as autarquias locais, bem como outras entidades, devem celebrar protocolos com associações, empresas ou cooperativas que garantam este tipo de serviço; que essas entidades (Estado, autarquias, etc.) devem assegurar os meios necessários ao financiamento dos referidos protocolos; e, quando não for possível celebrar aquele tipo de protocolos, a função deve ser assegurada com recurso à figura do contrato individual de trabalho; poderá, ainda, exercer-se a função de mediador sociocultural recorrendo-se à celebração de contratos de prestação de serviços, nos termos do regime geral da função pública; e parece-nos preferível que a formação adquirida seja certificada pela ANEFA (Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos), porque poderá habilitar, os formandos a um nível de habilitações superior ao detido. No entanto, estamos abertos a discutir possíveis melhoramentos que possam ser avançados nesta sede.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O diploma sobre os TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) previu, expressamente, a existência de mediadores. Estes responderam de forma positiva, estabelecendo pontes entres as famílias e a escola, desenvolvendo as relações interculturais e lutando contra processos prolongados de exclusão social.
Torna-se necessário aumentar o número de mediadores, institucionalizar a sua posição e acertar critérios sobre a sua formação, porque, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a figura de mediador sociocultural constitui, numa sociedade etnicamente heterogénea, um recurso fundamental para o desenvolvimento social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, muito singelamente, pergunto-lhe

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como é que pretende compatibilizar o desejo de estabilizar a actividade profissional dos mediadores socioculturais, chamemo-lhes assim, com situações que, genericamente, vão, todas elas, descambar em contratos a termo - é o que veremos - e em contratos de prestação de serviços.
A Sr.ª Deputada não está de acordo com a criação de uma carreira na Administração Pública - não ouvimos acerca disso objecções dos sindicatos; e foram consultados -, e coloca uma questão jurídica sobre a negociação colectiva, que, creio, poderia ser ladeada. Mas a questão é a seguinte: como é que vai compatibilizar com uma situação de maior estabilidade? É que o que está no horizonte são, de facto, situações de contratos a termo e de contratos de prestação de serviços.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, não vamos iludir as questões. É evidente que se eu fosse mediador sociocultural à primeira vista ficaria muito mais agradada com a perspectiva de ter, desde já, uma carreira na função pública. Mas creio que temos obrigação de ver um pouco mais longe. E ver um pouco mais longe significa, creio eu, como disse na minha intervenção e é nossa convicção, que a vossa não é uma boa proposta para os verdadeiros problemas que o Bloco de Esquerda até levanta.
E porquê? Como eu disse, e torno a repetir, torna rígida uma realidade que é dinâmica, as pessoas ficariam nos escalões mais baixos da função pública, dado que a maioria não tem habilitações superiores ao 1.º ciclo, não há lei orgânica dos ministérios que reconheçam a necessidade da profissão.
Mas, Sr. Deputado, vejamos o seguinte: creio que - e se calhar é duro dizer isto - haverá necessidade de haver mediadores enquanto houver duas partes que não se tocam. Ora, penso que não é isso que queremos para a sociedade portuguesa. Creio que reconhecer, desde já, uma necessidade permanente, é de algum modo dizer-se que estas duas partes nunca irão encontrar-se. Por isso, é que pensamos que as nossa soluções vão de encontro ao interesse dos mediadores culturais e são, a nosso ver, mais coerentes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Incumbiram-me desta tarefa de falar sobre o mediador cultural.
Num País tradicionalmente de emigrantes e que agora passou a ser, estranhamente, um País de imigrantes - e não discuto as razões; se é porque há trabalho, se é porque há outros hábitos -, é evidente que estes dois projectos de lei são oportunos, ainda que os portugueses, soberanamente, tenham sempre ignorado as pequenas peculiaridades dos povos, das etnias maiores que viveram no seu território lusófono. Há poucos estudos, há poucos dicionários. O único estudo que conheço sobre os ciganos é do princípio do século passado, de Adolfo Coelho, um linguista, professor da minha faculdade.
De resto, tem-se sempre fechado os olhos sobre a realidade. E a colega Celeste Correia impressionou-me um pouco, porque, como dizem os franceses, «vous donnez avec un élastique...» (quer dizer, dá com um elástico para que volte novamente para si...)... Ora, isso é muito feio. Quem dá e torna a tirar ao Inferno vai parar.

Risos do CDS-PP.

A verdade é que comparei os dois projectos e, além disso, há já um estudo feito, não será pela Associação Olho Vivo, nem pela «olho morto», mas será por um grupo de trabalho para os mediadores culturais, em que até se faz a comparação entre a posição da Igreja, a posição do Bloco de Esquerda, a posição do Partido Socialista e até a posição de uma outra associação. Trata-se de um trabalho útil que poderá, posteriormente, ser utilizado quando da discussão na especialidade.
Mas julgo que, neste momento, há que dar alguma segurança aos mediadores.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Nisso estou de acordo com o Sr. Deputado Luís Fazenda: confesso que se não me derem segurança não estou disposto a trabalhar...; isto é, trabalhar «para aquecer» confesso que não me agrada.
A verdade é que se, porventura, não se conseguir encontrar uma solução de enquadrar estas pessoas na carreira do funcionalismo público, tem-se pelo menos de arranjar uma forma de lhes dar segurança. Não se pode trabalhar sem segurança, com isso estou 100% de acordo.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Estamos todos de acordo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Temos de acabar com os contratos a prazo!

O Orador: - Estaria quase de acordo com essa sua «boca», que nem é «boca», é o que o meu amigo pensa, se conseguíssemos resolver outros problemas.
Mas, em primeiro lugar, julgo que era preciso haver uma entidade que fizesse a avaliação do trabalho dos mediadores. Os mediadores têm um papel importante, mas a verdade é que não pode ser uma instituição ligada aos governos que faça esta avaliação. Teria de ser uma avaliação independente a mostrar qual o trabalho realizado por eles na aproximação das etnias que connosco trabalham, e naturalmente com o mundo português.
E gostava de vos lembrar o seguinte: estamos neste momento em plena «Última Ceia». Porque, acreditem, este quadro comunitário de apoio é a «Última Ceia», em que os convidados são cada vez em maior número para trabalhar connosco. E quando a «Última Ceia» desaparecer e não houver «ressurreição» quero saber o que é que se vai fazer aos inúmeros imigrantes que neste momento estão a chegar ao País, que aqui criam raízes. Depois, vão fazer o quê?
Se não se criarem condições de adaptabilidade ao mercado eportuguês, ao ambiente português, e se não se lhes der uma recepção como merecem, nalguns casos, ou sanções, quando não merecem, é evidente que vamos ter problemas sociais daqui a quatro, cinco anos, quando a «Última Ceia» acabar.
Julgo, pois, que estes projectos de lei merecem descer à discussão na especialidade e que se tem de encontrar uma solução. O Bloco de Esquerda apresenta uma carreira

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muitíssimo bem definida, porque apresenta quatro graus de competência - até prefiro dizer «competência», que é uma palavra abstracta; agora utiliza-se «saberes», «competências»... Preferem o plural porque é mais «culinário», não é...?.

Risos.

Na verdade, julgo que há que dar um conteúdo a esses currículos e há também que estudar a forma de preparar os mediadores. Prefiro, até, a designação «mediador cultural», no sentido de aproximar as culturas - o mediador, por definição, é um elemento da sociedade, e social.
Mas, reparem: neste momento, estão a chegar milhares de eslavos a este País. Ora, nunca tivemos ensino de línguas eslavas em Portugal, ninguém sabe sequer aquilo que é uma língua eslava, porque muito pouca gente sabe russo, ucraniano ou romeno para falar com os moldavos.
Naturalmente que, quanto às línguas africanas, é outra miséria. Um dia, precisei de um dicionário de quicongo para um estudo, uma investigação que fiz e encontrei em Portugal um dicionário de poucas páginas, feito por um padre franciscano; cheguei a França e encontrei um dicionário de muitas páginas!
A verdade é que temos um desconhecimento muito grande de todos os povos que connosco trabalham. E julgo que se os mediadores fossem bem preparados podiam, sem qualquer dúvida, estabelecer uma ponte entre eles e nós, para que eles não sejam só o outro, como disse o colega Luís Fazenda. Esta é a verdade!
Agora, como dar-lhes acolhimento? Como permitir-lhes que depois tragam as famílias? É que não tenho qualquer dúvida de que, a continuar como está, dentro de uns anos temos cá famílias com apelidos Vichinsky ou Stravinsky e outras, porque não há dúvida de que vamos ter uma miscigenação como em Portugal nunca se deu. Nós fizemo-la noutros países e agora ela vai ser feita cá! Até porque alguns elementos eslavos são extremamente bonitos, de maneira que não tenho qualquer dúvida que isso pode vir a acontecer.
Em princípio, a minha bancada não tem, pois, a mínima intenção de levantar quaisquer obstáculos.
Estou a falar de povos que cá entram, que se adaptam bem, que querem aprender português, que têm simpatia, que são bem educados, que neste momentos estão cá, que criam bom ambiente e que os portugueses recebem bem.
Há, de facto, um trabalho a fazer e, por isso, a minha bancada não pensa, de forma alguma, levantar obstáculos a estes dois projectos de lei. Espero que se consiga uma fusão, se possível for, que permita dar mais consistência a um currículo que é da maior importância para o ambiente social português, para o ambiente de trabalho e para o ambiente intelectual e para o ambiente de um povo que quer viver em paz e que quer viver em paz com os outros.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A sociedade portuguesa registou, nos últimos trinta anos, uma das mais profundas alterações na sua estrutura social, sem equivalente na sua História. Ao transformar-se, como já foi aqui dito, de um País de emigrantes num País de imigrantes desencadeou o aparecimento de novas realidades sociais e culturais, para as quais nem sempre demonstrou a capacidade de compreensão e aceitação.
Quer em meio rural, mas de forma mais vincada e evidente em ambiente urbano deparamos com essa nova realidade de uma sociedade cultural e socialmente mais diversificada, mais pluralista, numa palavra, mais complexa.
É neste contexto que o conceito de minoria étnica passou a fazer parte do discurso comum, porém nem sempre da forma que entendemos mais adequada e mais rigorosa. Se é certo que a diversidade étnica projecta, na maior parte dos casos, a diversidade das identidades culturais de cada um dos grupos, não menos certo será o facto de o conceito só ser aplicado aos grupos que são vítimas da pobreza, da «guetização» e da exclusão social. Já alguém se lembrou de chamar «minoria étnica» à comunidade inglesa residente no Porto? 0 mesmo se poderá perguntar relativamente à crescente comunidade chinesa ou à comunidade brasileira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que vale a pena entendermo-nos sobre isto: subjacente aos dois projectos agora em discussão, está a tentativa meritória, mas não menos discutível, de encontrar políticas e medidas que permitam combater os crescentes fenómenos de exclusão social, de insucesso e abandono escolares, de dificuldade de integração no mercado de trabalho, da compatibilização de práticas e valores sociais, enfim, de enquistamento em bolsas de pobreza em que o acesso aos mais elementares benefícios públicos está, à partida, limitado.
Sem querer negar os contornos culturais destes fenómenos, nomeadamente aqueles que sustentam práticas de auto-exclusão, estamos perante um problema de contornos marcadamente sociais e não necessariamente culturais.
Por isso mesmo, trata-se de um problema que tanto afecta as reconhecidas minorias étnicas como os grupos sociais que, pertencendo às maiorias, nem por isso deixam de ser vítimas dos mesmos problemas.
É neste contexto que entendemos deverá ser feita a discussão destes dois projectos e, a partir dele, colocar a opção entre dois tipos de política social: deveremos fomentar o desenvolvimento de políticas específicas para grupos específicos, ou, pelo contrário, estruturar essas políticas em função dos problemas, independentemente dos grupos beneficiários, sejam ou não etnicamente identificáveis?
A esquerda - e pelos vistos também a direita multicultural - adopta o multiculturalismo «politicamente correcto» e prefere claramente a primeira opção. O Partido Social Democrata, ao assentar todo o seu ideário político nos princípios do personalismo e do humanismo universalizante, prefere decididamente a segunda.
A esquerda multicultural é adepta do recurso sistemático aos princípios da discriminação positiva. O Partido Social Democrata defende esses princípios a título excepcional e transitório, para situações devidamente justificadas. A institucionalização das práticas de discriminação positiva sem critério e sem limite conduz à injustiça social e, como tem sido correntemente provado por investigadores das políticas sociais, ao efeito perverso de essas políticas acabarem por reproduzir a exclusão social e sustentar os fenómenos de «guetização» social.
Podemos agora perceber como, por detrás de uma boa intenção, como é a do estabelecimento do estatuto legal da carreira de mediador cultural ou sociocultural, poderá estar a negação dessa mesma intenção.

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O papel dos mediadores sociais - é assim que lhes prefiro chamar -, como promotores e facilitadores dos processos de integração social, deve ser publicamente reconhecido e legalmente consagrado. Poderão, pois, contar com o Partido Social Democrata para a viabilização destes projectos na sua passagem à discussão na especialidade.
O princípio defendido de limitação do recrutamento desses mediadores aos membros desses grupos étnicos é não só uma violação do princípio da igualdade dos cidadãos no acesso aos concursos para provimento de lugares no funcionalismo público, como uma clara inconstitucionalidade que o relatório da Comissão não teve a coragem de denunciar.
Mas seria interessante imaginar como se poderia aplicar o articulado do projecto apresentado pelo Bloco de Esquerda à realidade de um município, por exemplo da periferia de Lisboa: teríamos, pelo menos, um mediador para a comunidade cigana; outro, para a timorense; um outro, ainda, para a cabo-verdiana; mais um para a angolana; outro, para a chinesa; e por aí adiante. Já agora, pelo menos um para a comunidade portuguesa.
Sejamos razoáveis e tenhamos a coragem de pensar que na intervenção social temos de recorrer a instrumentos múltiplos que conduzam a uma progressiva integração dessas comunidades. Os mediadores sociais serão, estou certo, um desses instrumentos. Mas não o único nem necessariamente o mais privilegiado, para utilizar a expressão de um dos projectos.
O papel das associações cívicas, organizadas em função de objectivos sociais e culturais, deverá ser a expressão da afirmação dessas identidades, enquanto expressão da cidadania e como base do seu relacionamento com o Estado e a sociedade. Deverão ser elas a assumir a responsabilidade da mediação, podendo ou não integrar especialistas ou profissionais dessa mesma mediação. Não queiram remeter para o Estado, para as escolas, para as autarquias a totalidade da responsabilidade do processo de integração social e da salvaguarda dos valores sociais e culturais que constituem a sua identidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Seria importante que a ideia da criação e estabelecimento legal da carreira de mediador social, não ficasse manchada pelas contradições e incongruências que estes dois projectos revelam. Neste sentido, entendemos viabilizar a sua baixa à comissão para discussão na especialidade, de forma a podermos recuperá-los de uma forma mais equilibrada e, acima de tudo, mais justa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ambos os projectos de lei hoje em discussão são iniciativas meritórias que correspondem, de facto, à necessidade de potenciar a eficácia dos mediadores já formados e correspondem a um primeiro passo no sentido de reforçar o seu papel na sociedade.
Gostaríamos, porém, de colocar algumas questões de princípio que nos parecem não estarem devidamente salvaguardadas.
Em primeiro lugar, e este é um problema que, com graus diferentes, afecta tanto o projecto de lei do Bloco de Esquerda como o do Partido Socialista, há um desvio do local de trabalho previsto para os mediadores. Parece-nos que o pressuposto básico desta tarefa é a relação com a população-alvo da mediação. Concordamos que a escola é um importante espaço de socialização das crianças e dos jovens, que nos centros de saúde a mediação é extraordinariamente necessária, etc., mas a raiz dos problemas que se manifestam na escola e nas outras instituições está a montante, no bairro. E deve ser o bairro a base de intervenção dos mediadores socioculturais - expressão que, de resto, nos parece mais correcta do que apenas a de «mediadores culturais».
Os bairros, sejam eles degradados, sociais, operários ou de classe média, são onde nascem as dificuldades. É lá que é preciso intervir, é de lá que têm de ser construídas as «pontes» com a escola, a junta de freguesia, o Serviço Nacional de Saúde ou o Instituto de Reinserção Social. É claro que para isto é necessário que existam infra-estruturas de apoio nos bairros, com ligações estreitas às entidades e às instituições.
Outra crítica de fundo que fazemos a ambos os projectos prende-se com o facto de não estar suficientemente clara qual é a função do diálogo intercultural. Ou seja, as «pontes» que os mediadores têm de criar terão de ter vários sentidos e não ser apenas dirigidas a imigrantes ou a minorias étnicas. É preciso tornar mais claro que a «ponte» se faz de e para o resto da sociedade, sob pena de termos uma visão etnocêntrica da mediação.
Há bairros, principalmente nas cinturas das grandes cidades, em que a diversidade de origens das famílias exige que o mediador esteja preparado para lidar não só com africanos, ciganos, europeus de leste mas, também, com migrantes de zonas rurais do nosso país, que esteja preparado para lidar com a cultura portuguesa e profundamente urbana dos jovens a que habitualmente chamamos «a segunda geração» e que, muitas vezes, estão em conflito com a cultura e as tradições dos seus pais, que pertencem a grupos muito heterogéneos, em que o comum não é a etnia mas o insucesso escolar ou a marginalidade, por exemplo.
Entramos aqui numa outra questão fundamental, que é a do recrutamento. Na nossa opinião, ao fazer depender das instituições o recrutamento destes profissionais, dá-se demasiado peso às habilitações formais, em vez de privilegiar quem de facto pertence à comunidade que é preciso mediar, adaptado ao contexto não só étnico-cultural mas, também, da pobreza, do analfabetismo, dos grupos informais, da ruralidade, etc. A prática efectiva do terreno é fundamental.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP está inteiramente disponível para, na especialidade e ouvindo um conjunto largo de intervenientes nesta matéria, com muito trabalho feito, contribuir para a definição do perfil, para a melhoria do estatuto do mediador sociocultural, reforçando o seu papel, dotando-o de meios efectivos de actuação e de uma carreira estável e reconhecida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As iniciativas que hoje estamos a discutir e que consideramos globalmente positivas resultam de uma evolução que ocorreu no nosso país, evolução essa que

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nos fez passar de um país de emigrantes para um país de imigrados, sendo que a imigração e os fluxos migratórios não constituem um fenómeno transitório mas, sim, um fenómeno que, seguramente, vai marcar o nosso futuro comum.
Também nos parece que faz sentido discutir a função dos mediadores, se tivermos em conta que vivemos numa sociedade que, nos últimos anos, sofreu modificações extremamente rápidas dentro do seu próprio território e das quais resultou o êxodo de grande parte da população do interior rural para as cidades, onde vivem de uma forma totalmente desenraizada.
Dito isto, gostaria de referir que, estando nós perante uma sociedade que é culturalmente diversa e, por isso mesmo, rica, a sociedade tem de encontrar formas de, no seu interior, estabelecer elos de ligação, e parece-nos que a função do mediador tem importância e que a sua institucionalização deve encontrar caminhos para ser considerada de forma diferenciada, para além das experiências positivas que têm existido.
Na nossa perspectiva, esta mediação não é estritamente cultural mas, sim, social e cultural, pois parece-nos errado estabelecer uma fronteira rígida entre uma coisa e outra. Há diversas realidades e diversos universos com diferenças culturais, pelo que tem, seguramente, de haver pontos de compreensão entre uns e outros; mas há, de facto, uma realidade social que lhe está ligada e que não é um exclusivo daqueles que fazem parte de minorias, como seja a cigana - e estes nem tão-pouco são estrangeiros ou imigrantes, são portugueses em primeiro lugar, é bom lembrá-lo! -, é um problema que também se coloca a outras pessoas que se encontram no nosso território, como, por exemplo, nas grandes zonas urbanas e suburbanas, e que estão desenraizadas.
É, portanto, na dupla perspectiva social e cultural, na perspectiva de que os domínios múltiplos de intervenção não se esgotam na saúde nem no meio escolar, que têm de ser transportados e reproduzidos em muitos outros espaços de vivência e de socialização das pessoas, nomeadamente nos bairros, nas pequenas comunidades e, porventura, nas associações recreativas ou desportivas - associações estas que, em nosso entender, deveriam ter um papel extremamente importante e que não têm sido suficientemente consideradas naquilo que poderia proporcionar uma melhor integração de todos nós, considerando que «integração» não significa anulação da diversidade, nem padronização -, que nos parece positivo procurar encontrar meios de institucionalizar uma intervenção e um estatuto para aqueles que fazem mediação cultural.
A institucionalização desta nova função deve ter não como factor exclusivo mas como um dos factores a ponderar a diversidade das próprias comunidades ou, melhor dizendo, dos próprios grupos que pretendemos atingir.
Entretanto, considerando a especificidade das características destes mediadores, julgamos que, se é importante encontrar uma solução no plano laboral que torne definitiva, do ponto de vista do vínculo laboral, uma situação que é provisória, é negativo «deixar no ar» muita da sua actividade, ao acaso de protocolos pontualmente estabelecidos e de projectos segmentados que, no fundo, são a prazo. Portanto, também teremos de encontrar, em sede de especialidade, uma forma de não caminharmos de modo perverso para uma subalternização, do ponto de vista da carreira profissional, daqueles cujo papel consideramos importante e querermos valorizar, daqueles que nos parecem ser parte de um todo a considerar para realizarmos políticas de equilíbrio, políticas de integração e políticas socialmente justas e culturalmente diversificadas.
Dito isto, apoiaremos os dois projectos de lei no sentido de os enriquecer em sede de especialidade.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma última intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pedi a palavra tão-só para sublinhar dois aspectos.
Em primeiro lugar, tive ocasião de distribuir a todas as bancadas, antes do início deste debate, uma pequena nota, como contribuição do Governo, elaborada pelo departamento competente, sobre a questão do exercício de funções de mediação cultural, que os Srs. Deputados terão analisado, e relembrar algo que é do conhecimento da Assembleia da República, bem traduzido, aliás, pelo menos, num dos relatórios elaborados pelos Srs. Deputados. Refiro-me ao produto da reflexão desenvolvida no âmbito do grupo de trabalho para os mediadores culturais, cujos trabalhos foram conduzidos pelo Sr. Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, que terá todo o gosto em participar nesta reflexão, no âmbito da Assembleia da República, se para tal for convidado pela comissão competente, uma vez que transporta consigo um vasto caudal de experiência e reflexão, podendo, por isso, dar um bom testemunho do processo que conduziu não só à elaboração deste relatório como à acção governamental nesta esfera.
Em segundo lugar, isto como uma segunda observação, retiro deste debate a conclusão óbvia de que a colocação desta questão em sede do Plenário da Assembleia da República e futuramente em comissão traz consigo um lastro positivo; e o Governo terá todo o gosto em participar na continuação desta reflexão.
Julgo que assistimos aqui a um debate cruzado, que traduz a riqueza parlamentar proverbial, e muito interessante nessa diversidade, com alguns aspectos relativamente paradoxais, os quais, devo dizer, me impressionaram. Com efeito, tendo eu estudado os documentos que vos transmiti e acompanhado esta matéria com algum interesse, parece-me que é de sublinhar o facto de haver claramente consenso na necessidade de termos políticas antiexclusão e de essas políticas passarem por muitas medidas, algumas das quais a montante, designadamente as que têm a ver com a influência nas condições sociais - e julgo que quando a Sr.ª Deputada Margarida Botelho chama a atenção para a questão crucial dos bairros, do enraizamento social, toca num ponto crucial! Aliás, não é por outra causa que estamos a lançar no terreno programas como o Programa Escolhas, onde há precisamente um esforço para trazer ao sítio onde as pessoas se encontram um conjunto de especialistas, a trabalharem não em separado mas em articulação e com meios especialmente definidos, para, em locais concretamente limitados, levarem a cabo acções com princípio, meio e fim, bem como um horizonte e uma filosofia profundamente humanista.
Os mediadores são outra coisa e um «mais» com uma função específica, e os trabalhos de reflexão deste grupo, cuja produção vos trouxe, revelam isso mesmo. E também sobre esta matéria há um considerável consenso; e isto não era «impolémico» quando procurámos pôr no terreno al

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gumas dessas experiências, que eram inovadoras! Não sabíamos, de resto, qual seria o seu grau potencial de sucesso, mas, como nos parecia uma aposta positiva, ela foi conduzida e implementada.
Curiosamente, como tudo indica, estamos agora numa encruzilhada. E devo dizer que considero curioso que forças políticas que tradicionalmente apelam a um combate à ideia de que a Administração Pública tem de ser o que é, de que a acção política de organização do Estado tem de ser o que é, e que apelam à imaginação revelem, colocadas perante esta solução nova - e ainda por cima, como muitos Srs. e Sr.as Deputadas sublinharam, pregnante, na medida em que nela poderemos enfrentar situações muito distintas daquelas que hoje temos, em que poderemos ser chamados a recorrer a outros saberes distintos daqueles que foram e são relevantes neste preciso momento histórico -, a tentação ou a tendência, que se desenha de um quadrante, de apelar à mais clássica das formas de emprego público, que é a definição de uma carreira com funcionários de 2.ª classe, de 1.ª classe, principais e especialistas, para não referir, naturalmente, as categorias superiores e outras, de inspecção, de controlo. O que, num país como Portugal, tem a seguinte característica e desemboca na seguinte conclusão, que não é exactamente «o prémio inovação 2001»: a de ter de respeitar um conjunto de regras fixas, que, de resto, estamos a procurar mudar, estamos a procurar reinventar, que obrigam a um tratamento paralelo, com respeito pelos princípios gerais, e conduzem, mais tarde, a resultados práticos, que são terríveis, se forem aqueles que julgo serem, em função dos indicadores que tenho.
Ou seja, é preciso fixar com rigor as habilitações necessárias; é necessário testar essas habilitações, que deverão ser confrontadas com todas as outras categorias potencialmente similares na Administração Pública para não gerar tratamentos díspares; e a conclusão a que se chega, neste caso concreto, se a informação que nos foi dada é correcta - e julgo que é -, é a de que não poderemos superar um patamar superior ao de auxiliares de acção educativa. Não sei se os Srs. Deputados entendem que são estes os elementos, o alfa e o ómega, da tarefa de prestigiar a função de mediação cultural - mediadores de 2.ª classe, de 1.ª classe, principais e especialistas! É uma opção que estará na mão dos Srs. Deputados e há, nesta matéria, uma forquilha, uma bifurcação; mas como não se pode ir pelos dois caminhos ao mesmo tempo, haverá que optar! E a imaginação no poder há-de ser alguma coisa superior à reprodução das velhas categorias.
Devo dizer que não foi por acaso que passou no debate o apelo a esta imaginação, quando se sublinhou, e vários grupos parlamentares o fizeram, a necessidade de criar-se um sistema aberto, que permita não só parcerias público/privado como mecanismos vários de intervenção e de emprego público, segundo modalidades contratuais diferenciadas, para acolher os diversos tipos de necessidades e de situações, sistema este que é também, em tudo, o contrário de uma carreira fechada da Administração Pública nos moldes arquiclássicos que decorrem de certa visão e concepção.
Não creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que venham relevar muito para este debate e para o vosso trabalho, no qual, repito, o Governo quer participar, as clivagens entre aquilo que o Sr. Deputado David Justino chamou a «esquerda multicultural» e os vários personalismos de extracção vária, que também existem, como sabe, no quadro da esquerda, uma vez que seria ridículo definir a esquerda como antipersonalista. Suponho que todas estas correntes que, hoje, perpassaram neste debate da Assembleia da República terão ocasião de se encontrar no trabalho que venha a ter lugar, em função do sentido de voto que amanhã aqui ocorra, na comissão parlamentar especializada.
Terminaria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, renovando a total disponibilidade para, designadamente através do Sr. Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, participarmos nesse trabalho de reflexão e saudar, como me cabe, o esforço da Câmara.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 340 e 393/VIII, que serão votados amanhã, à hora regimental.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas, e da ordem do dia consta a discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 121/VIII (PS), 123/VIII (PSD), 124/VIII (CDS-PP) e 125/VIII (BE), que corresponde a um agendamento potestativo do PS.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
José Carlos Lourenço Tavares Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Maria do Céu Baptista Ramos
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP):
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Isabel Maria dos Santos Barata
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Manuel de Medeiros Ferreira
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro

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Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel Durão Barroso
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro

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