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Quinta-feira, 29 de Março de 2001 I Série - Número 65

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE MARÇO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 405 a 410/VIII.
Em debate mensal com o Parlamento, o Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres), após uma intervenção inicial, respondeu a questões dos Srs. Deputados Durão Barroso (PSD), Francisco de Assis (PS), Carlos Carvalhas (PCP), Paulo Portas (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Fernando Rosas (BE), Helena Roseta (PS) e Octávio Teixeira (PCP).
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.os 353/VIII - Criação de um observatório nacional dos efeitos das alterações climáticas (PS) e 377/VIII - Prevê o Programa Nacional de Combate às Alterações Climáticas (Os Verdes). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ambiente (Rui Gonçalves), os Srs. Deputados Ricardo Castanheira (PS), Manuel Queiró (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), José Eduardo Martins (PSD) e Joaquim Matias (PCP).
De seguida, foi apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 358/VIII - Altera o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário (CDS-PP), tendo-se pronunciado, a diverso título, além da Sr.ª Secretária de Estado da Educação (Ana Benavente), os Srs. Deputados Rosado Fernandes (CDS-PP), Fernando Rosas (BE), Rosalina Martins (PS), António Abelha (PSD), Maria Teresa Coimbra (PS), Margarida Botelho (PCP), António Braga (PS), Basílio Horta (CDS-PP) e David Justino (PSD).
Por fim, foi apreciado o relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à gestão da TAP desde o Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), bem como à organização e evolução do seu processo de privatização, tendo usado da palavra os Srs. Deputados José Manuel Epifânio (PS), Jorge Neto (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP) e Fernando Rosas (BE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António José Santinho Pacheco
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira

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Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
José Miguel Gonçalves Miranda
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Fernando Alves Moreno
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta das iniciativas legislativas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, os projectos de lei n.os 405/VIII - Altera o Código Penal para garantia do julgamento em Portugal dos autores de crimes de maior gravidade que afectam a comunidade internacional no seu conjunto (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 406/VIII - A freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, distrito de Faro, é elevada à categoria de município com os seus actuais limites (CDS-PP), que baixa à 4.ª Comissão, 407/VIII - Altera o artigo 49.º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sujeitando à verificação de certos requisitos a concessão de liberdade condicional aos condenados por crimes associados ao tráfico de estupefacientes (CDS-PP), que baixa à 1.ª Comissão, 408/VIII - Altera o artigo 172.º do Código Penal, criminalizando a conduta de quem for encontrado na posse de fotografias, filmes ou gravações pornográficas envolvendo menores de 14 anos (CDS-PP), que baixa à 1.ª Comissão, 409/VIII - Elevação à categoria de vila da povoação da Senhora Aparecida (PS), que baixa à 4.ª Comissão, e 410/VIII - Altera a Lei n.º 5/99, de 27 de Janeiro, garantindo ao pessoal da Polícia de Segurança Pública o direito de constituição de associações sindicais (CDS-PP), que baixa às 1.ª e 9.ª Comissões.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a primeira parte da ordem dos trabalhos é preenchida com o debate mensal do Sr. Primeiro-Ministro com o Parlamento.
Para uma intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, que dispõe de 10 minutos.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos dias,

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acontecimentos trágicos enlutaram o País causando uma profunda comoção.
Este quadro é sempre propício a um sentimento de maior insegurança e consciência, face às fragilidades ainda existentes em Portugal.
Nestes momentos, o papel dos governos é duplo: enfrentar com determinação as situações de emergência e contribuir para fortalecer a confiança, não pelo ocultar dos problemas, que existem, mas pela capacidade estratégica de lhes dar resposta.
Não posso hoje, naturalmente, falar de tudo. Sinto que é minha obrigação concentrar-me naquilo que, pelo menos aparentemente, é mais difícil: a forma como o Governo encara e a estratégia que tem face às fragilidades, agora mais evidenciadas.
Na moção que apresentei em Janeiro para o Congresso do PS, defini como um dos seus cinco eixos: «O Estado moderno garante do valor da segurança».
E escrevi: «Há um novo valor da segurança, transversal a toda a sociedade.» Este abrange, naturalmente, a visão tradicional da segurança física das pessoas e bens.
Mas a segurança é muito mais do que isso, exigindo do Estado um novo conjunto de funções e uma nova capacidade de intervenção.
Tão importante como a segurança física são, por exemplo, a segurança alimentar, a segurança ambiental ou a segurança das infra-estruturas.
Esta visão de conjunto não anula a prioridade no combate ao crime, associada à prevenção das respectivas causas.
Todos os anos, desde 1995, aumentámos os efectivos da PSP e da GNR. Este ano, temos mais 1500 em formação, além das polícias municipais. Em 2001, 650 agentes tirados das secretarias para patrulhamento. Número semelhante vindo do serviço dos tribunais. Continua um investimento sem precedentes em instalações, viaturas, equipamentos. Lançou-se o conceito de polícia de proximidade, os Programas Escola Segura, Idosos em Segurança, Comércio Seguro. Novas acções estão previstas para as discotecas e respectivas áreas de influência. Sabemos que o problema da segurança não está resolvido, mas também é verdade que há cada vez maior eficácia e pró-actividade da Polícia Judiciária, da PSP e da GNR e uma melhor coordenação da investigação criminal.
«Segurança das pessoas, confiança no Estado», este o objectivo que tínhamos, temos e teremos. Isto, independentemente das inegáveis dificuldades e falhas em o concretizar, dado o nosso atraso estrutural e qualitativo.
Nesta lógica, criei e pus em funcionamento um Conselho de Ministros informal para a segurança das pessoas e a confiança no Estado. Este reúne mensalmente, para além de mim próprio, os Ministros da Presidência, da Administração Interna, da Justiça, do Equipamento Social, do Trabalho, da Agricultura, da Saúde, do Ambiente e da Ciência, podendo outros ser chamados, se necessário.
Para além da segurança física das pessoas, as áreas de intervenção abrangidas são as seguintes: segurança alimentar; prevenção e controle de epidemias; qualidade e segurança dos medicamentos; segurança ambiental, incluindo, em particular, o controle da poluição industrial; segurança das infra-estruturas, edifícios e meios de transporte; segurança contra incêndios; segurança rodoviária; qualidade do controle do tráfego aéreo e marítimo; segurança no trabalho; minimização de riscos associados a sismos ou vulcões; protecção radiológica e nuclear; capacidade de previsão meteorológica; e segurança dos sistemas informáticos, como formas de apoio.
O Conselho decidiu já promover em todas as áreas a avaliação e aperfeiçoamento das acções em curso, o levantamento dos problemas existentes e não detectados, a adopção, sempre que necessário, de medidas de emergência e a revisão ou a preparação de programas de acção a médio prazo.
Neste sentido, concluímos, também já, a reforma do sistema de inspecções da administração central. Porque a fiscalização é fundamental, reforçámos os corpos especiais de inspecção e clarificámos o seu regime. Foram valorizadas as carreiras inspectivas e as suas remunerações, incentivando a disponibilidade permanente e a independência na acção.
Todos os Ministérios têm a orientação clara de proceder a acções de fiscalização sistemáticas, com divulgação pública dos resultados. E idêntica cultura de rigor levamos por diante na avaliação e reforma dos institutos públicos.
Estamos também a avaliar com exigência a capacidade científica que apoia o objectivo de segurança, nomeadamente nos laboratórios públicos de referência.
A autoridade do Estado exige uma rede de competências e actuações como garante da confiança do cidadão nas instituições e nos seus profissionais. Não partimos do zero, graças à prioridade que sempre demos ao desenvolvimento científico. Há muito para fazer, mas três exemplos simples, sobre questões de actualidade, demonstram, com clareza, os progressos alcançados.
Foi possível, em condições extremas, operar sonares ou medir correntes em Entre-os-Rios, porque tinham antes sido adquiridas competências, instrumentos, sistemas de aquisição e de análise de sinais em programas de investigação já existentes.
Foi possível a Portugal agir de forma exemplar, como é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde, em resposta à questão dos riscos eventuais associados à utilização de urânio empobrecido nos Balcãs, porque estavam garantidas e plenamente operacionais capacidades científicas e técnicas no domínio da protecção e segurança nucleares.
Tivemos um comportamento elogiado pela União Europeia no plano de erradicação da BSE.
Paradoxalmente, é agora maior a projecção pública de certos problemas, cuja gravidade diminuiu nos últimos tempos. Não vemos isso de forma negativa. Achamos positivo o grau crescente de exigência dos cidadãos em relação aos seus direitos. É obrigação dos governos compreendê-lo e agir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São exemplos deste nosso inconformismo a segurança rodoviária e a segurança no trabalho.
O número de acidentes de trabalho mortais foi de 261, em 1996. Baixou para 164, em 1999, ao mesmo tempo que aumentavam as acções inspectivas. Estamos satisfeitos? Não. Estamos mesmo profundamente insatisfeitos. Por isso, acordámos, em sede de concertação social, um exigente programa de acção.
Nas estradas portuguesas, em 1996, havia 6 milhões de veículos. Em 2000, quase 8 milhões. Em 1996, 2100 mortos; em 2000, 1630. Estamos satisfeitos? Não. Estamos mesmo profundamente insatisfeitos. Daí novas decisões de que exemplifico apenas algumas, só no domínio da repressão.
Vamos propor à Assembleia alterar o Código Penal para penalizar a condução sob influência de drogas e para tor

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nar efectiva a sanção a quem conduz sob a influência do álcool, agravando ainda as penas para de 2 meses a 2 anos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vamos propor, também, a revisão do Código da Estrada, baixando os níveis de alcoolémia sancionados, para a partir de 0,2 ou 0,3 g/l.
Em Abril, serão fortemente reforçados os instrumentos de medida. No Verão, iniciar-se-á o controle de velocidade e de manobras perigosas por helicóptero. Será proposto aos concessionários das auto-estradas um mecanismo de verificação da velocidade, através dos controles à entrada e à saída.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal tem nas estradas um enorme atraso que queremos recuperar. Por isso, há 300 km de auto-estradas em construção e mais de 1300 concessionados ou em concurso público. O próximo contrato a assinar é conhecido: o da auto-estrada que substituirá o IP5. Mas sabemos que não basta construir. É essencial conservar. O Ministro Jorge Coelho anunciou e o Ministro Ferro Rodrigues está a preparar um novo instrumento de parceria entre o sector público e o sector privado para que seja possível um salto qualitativo, face ao terrível desafio que é a melhoria e conservação de 10 000 km de rede rodoviária nacional secundária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nesta lógica, o orçamento, para 2001, dos institutos rodoviários já contava com 64 milhões de contos em beneficiação e requalificação, num total de 164. Isto equivale a triplicar o número de 1995, enquanto o orçamento total cresceu 70%. Mas esta tendência é ainda insuficiente.
Aqueles institutos tinham em curso 15 grandes projectos de reabilitação de pontes e 5 em lançamento. Pois bem, arrancaram com uma inspecção de emergência, mobilizando todas as capacidades nacionais ao estado de segurança de mais de 300 pontes em todo o País. Em sequência, será elaborado o respectivo programa de manutenção e vai ser definido com o LNEC, para garantias de rigor na actuação futura, um plano de monitorização e comportamento das obras de arte.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A segurança conquista-se. É produto da competência e da organização, da capacidade científica e técnica, de uma cultura de qualidade e de avaliação.

O Sr. Presidente: - Agradecia que rematasse, Sr. Primeiro-Ministro. Está a chegar ao fim do tempo que dispõe.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Acima de tudo, da participação e da exigência constantes de cada um de nós.
Temos que reconhecer com lucidez as verdades, mesmo as duras, confiar nas nossas capacidades e agir com o sentido das responsabilidades.
E porque devemos assim agir, quero terminar estas palavras com a expressão do meu profundo apreço, não isento de amargura pessoal, ao Ministro Jorge Coelho. A sua atitude, seguro, como estou, de que lhe não pode ser imputada qualquer responsabilidade pessoal pelo que aconteceu em Entre-os-Rios, é uma lição para aqueles que pensam que a política é um simples jogo de poder ou que todos os que servem o Estado apenas o fazem para defender um cargo.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro, os Srs. Deputados Durão Barroso, Francisco de Assis, Carlos Carvalhas, Paulo Portas, Isabel Castro e Fernando Rosas.
A palavra será dada por esta ordem, porque assim foi entendido em conferência de líderes, tendo também sido entendido que os partidos fariam uma gestão livre dos tempos de que dispõem. Portanto, o normal limite de 3 minutos para a formulação de perguntas não funcionará no debate de hoje.
Tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, vejo que fez um discurso sob a pressão das circunstâncias, em que teve, essencialmente, a necessidade de se justificar. Esperava que, neste discurso, abordasse questões que directamente preocupam o País e que têm vindo a agravar-se desde que V. Ex.ª, pela última vez, nos deu a honra de estar entre nós.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que as pessoas se interrogam acerca do juízo que V. Ex.ª fez há algum tempo atrás. Estou a lembrar-me da apresentação do Programa do Governo, quando disse que já não via razões para dar prioridade à macroeconomia, porque, no essencial, esses problemas já estariam resolvidos.
Pergunto se mantém essa opinião, quando verificámos, em Fevereiro, a mais alta inflação desde Março de 1995 - 4,8% - ou quando vemos as reprimendas da Comissão Europeia, bem constantes no seu último relatório, em termos de défice orçamental, de despesa pública ou de endividamento externo. O que é que tem V. Ex.ª a dizer quanto à deterioração de todos os indicadores significativos da nossa economia?
E, já agora, Sr. Primeiro-Ministro, quando vemos o actual Ministro das Finanças a procurar atirar para cima dos ombros do anterior ministro das finanças as responsabilidades pelos erros de política económica, com qual dos seus ministros das finanças está V. Ex.ª de acordo? Com este ou com o outro? Qual é a sua política de finanças? É esta ou é a política de finanças do outro? Qual é, afinal, a política de finanças do Governo, se é que o Governo tem uma política de finanças? Qual é, afinal, a opinião do Primeiro-Ministro, se é que o Governo e o País ainda têm verdadeiramente um Primeiro-Ministro?

Aplausos do PSD.

V. Ex.ª nem uma palavra disse sobre o descontrole na saúde. Gostava de lhe perguntar directamente e agradecia

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uma resposta directa: qual é, neste momento, a despesa não orçamentada da saúde?
O último número referido andou à volta de 300 milhões de contos. Ainda agora, só em matéria de medicamentos, as farmácias dizem que, no último mês, houve um aumento de 10 milhões de contos de despesa. Passou-se de 142 para 152 milhões de contos. É extraordinária, hoje em dia, a facilidade com que falamos destes números! Já nos habituámos a estes números: 152 milhões de contos só de dívidas às farmácias!
E foi a Sr.ª Ministra da Saúde que disse, quando se discutiu o Orçamento do Estado para o ano 2000, que o Orçamento do Estado para a saúde é não só suficiente, quase que excessivo, porque nele se inclui ainda o pagamento dos desperdícios e das ineficiências do Serviço Nacional de Saúde. Se o Orçamento era «excessivo», como se justifica esta dívida de 152 milhões de contos? E como se justifica a teimosia do Ministro das Finanças e do Governo em não terem aceite um Orçamento rectificativo para pôr as contas em ordem?
O Sr. Primeiro-Ministro está à frente de um Governo de dívidas, um Governo que chefia um Estado caloteiro, e um qualquer dia o Sr. Primeiro-Ministro pode ter de haver-se com empresas de cobranças difíceis…

Protestos do PS.

Espero nunca ver o Sr. Primeiro-Ministro numa cerimónia pública seguido pelo «Cobrador de Fraque», porque sem dúvida que tal não seria uma boa medida para o nosso país!

Aplausos do PSD.

Mas este aumento das despesas na saúde correspondeu a alguma melhoria? Veja-se o resultado em termos de listas de espera. Não só o Governo não cumpriu o que foi aprovado na Assembleia da República, em termos de apresentação atempada dos relatórios a esta Câmara, como cada vez que a Sr.ª Ministra vem a esta Assembleia, Sr.ª Ministra cuja competência varia na razão inversa da sua incapacidade,…

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - … verificamos que, faltando aos compromissos assumidos, não cumpriu minimamente os objectivos no que diz respeito a luta contra as listas de espera.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi o Sr. Primeiro-Ministro que disse, durante o debate sobre o estado da Nação, que «neste momento, estão definidos objectivos claros, por especialidade, por forma a garantir, até 2002, a recuperação de todas as listas de espera». Sr. Primeiro-Ministro, não vai ser alcançado este objectivo. É mais uma miragem que, mais uma vez, vai ser paga pelos mais pobres, pelos que menos recursos têm, porque os senhores querem manter um Serviço Nacional de Saúde que só em ficção atende a todos, já que, na realidade, não consegue responder às necessidades e às carências dos mais necessitados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Passemos à insegurança.
Sr. Primeiro-Ministro, ainda mantém V. Ex.ª, e o seu Governo, a ideia, tantas vezes aqui repetida, de que, quanto à criminalidade, no essencial, nada havia de significativamente novo e que haveria até algum alarmismo por parte da oposição e da comunicação social?
Será que os recentes assaltos à mão armada, ocorridos em discotecas de Lisboa,…

Vozes do PS: - Assaltos não!

O Orador: - … já para não falar dos assaltos a gasolineiras, não revelam um tipo de criminalidade mais violenta, um novo tipo de criminalidade?
Já agora, Sr. Primeiro-Ministro, a propósito de assaltos a discotecas - e se é que não se esqueceu! -, onde é que estão os responsáveis pela morte de sete pessoas na discoteca Luanda, em Abril do ano passado, relativamente aos quais o seu Ministro da Administração Interna disse que a respectiva captura estava iminente por algumas horas? Onde estão eles? Ao fim de um ano, Sr. Primeiro-Ministro, onde está a eficiência, a eficácia dos serviços?
Dizia também V. Ex.ª que a insegurança estava ligada ao aumento da droga e à pobreza. Então, é este o resultado da sua luta contra a pobreza e a toxicodependência? É que, efectivamente, essa luta resultou no aumento da criminalidade e da insegurança, apesar de todas as medidas anunciadas. A verdade é que, nesta matéria, o seu Governo tem responsabilidades directas porque todos os sinais que transmitiu foram de facilitismo, de decadência da responsabilidade e de deterioração do princípio da autoridade do Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas debrucemo-nos rapidamente sobre a educação.
Sinceramente, gostava de saber se o Sr. Primeiro-Ministro está de acordo com o Sr. Ministro da Educação, que recentemente, numa entrevista a um jornal, disse esta coisa extraordinária: «foi feita uma avaliação às escolas do ensino secundário, a mais de 300, mas não dou conhecimento público dos resultados da avaliação». Desde quando é que o Estado, e o Governo, pode permitir-se guardar para si próprio elementos de avaliação como se de um segredo de Estado se tratasse?
O Sr. Ministro da Educação conhece os resultados da avaliação, os funcionários do Ministério também. Gostava de saber se V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, também conhece os resultados. É que se V. Ex.ª tem esse direito, por que é que nós não o temos? Por que é que os pais não têm esse direito?

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por que é que os alunos não têm esse direito? Por que razão é que V. Ex.ª tem essa noção de serviço público?

Aplausos do PSD.

O Ministro da Educação diz exactamente o contrário do que diz qualquer professor deste país. O que nós ensinamos aos alunos, o que os professores ensinam aos alunos é que «procurem a informação; tomem lá mais informação; vão à Internet, procurem as mais diversas fontes;

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confrontem-nas!», enquanto o vosso Governo diz «eu tenho informação, mas não a dou». E porquê? Por que é que o Governo diz isto? O Governo di-lo ao abrigo de uma teoria extraordinária, que é a de que, se fosse publicada a informação, haveria um excesso de procura das melhores escolas. Naturalmente! Esperavam o quê? Que houvesse um excesso de procura das piores escolas? Têm VV. Ex.as medo da competição? Ou será que, na realidade, VV. Ex.as têm é vergonha dos resultados da avaliação?

Aplausos do PSD.

É que, não nos esqueçamos, foi o Governo de V. Ex.ª que retirou Portugal da avaliação comparativa internacional em matéria de Ciências e de Matemática.

O Sr. António Capucho (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - É por isso que não posso deixar de estranhar quando o Sr. Primeiro-Ministro - e desculpe que lho diga -, com algum provincianismo e algum entusiasmo pueril,…

Protestos do PS.

… diz que ficou muito satisfeito na Cimeira de Estocolmo por ter ouvido pronunciar não sei quantas vezes o nome de Lisboa. Ora, como é que podemos prosseguir a estratégia do «processo de Lisboa» quando, na realidade, em matéria de sociedade de informação, nada se pode fazer sem um desenvolvimento a sério das Ciências e da Matemática? É aqui que vemos a diferença extraordinária existente entre as ambições proclamadas e os resultados alcançados. Este não é um Ministério da Educação. Um ministério que oculta informação é um «ministério da deseducação»!
Aqui chegamos a um ponto que é comum a todos os sectores que referi - educação, saúde, segurança ou economia e finanças: é uma questão de atitude. A crítica fundamental que lhe dirijo, Sr. Primeiro-Ministro, é a de que, na realidade, o Governo desistiu; este Governo já não tem vontade nem entusiasmo, já não há motivação, não há qualquer vontade reformadora.
No início do seu primeiro governo, poderíamos ter dúvidas, hesitações e críticas relativamente à sua política, mas há que reconhecer que, pelo menos então, havia uma ideia e a tentativa de esboçar um projecto. Actualmente, não há qualquer ideia, não há qualquer projecto, não há qualquer linha de rumo. Dantes, ao menos, tínhamos como objectivo chegar ao euro e conseguir pôr Portugal na moeda única. Qual é, agora, o grande objectivo nacional? Qual é a missão que tem o Governo? Aparentemente, o grande objectivo nacional será o da organização do Euro 2004. Convenhamos, Sr. Primeiro-Ministro, que é pouco! É pouco e nada tem a ver com a qualidade de que o País carece.
Sr. Primeiro-Ministro - e é nesta perspectiva que creio que temos de ver as coisas -, no próximo dia 2 de Abril, a Constituição vai comemorar o 25.º aniversário. Ora, tivemos uma primeira década, de 1975 a 1985, que, apesar de todas as curvas e contracurvas, foi a década da consolidação da democracia em Portugal. Tivemos, depois, uma segunda década, de 1985 a 1995, de governos do PSD, certamente com alguns erros mas que, no essencial, correspondeu a um desenvolvimento económico e a uma modernização do País. Assim, a presente deveria ser a década da qualidade, deveria ser aquela em que nos aproximávamos, e, se necessário, ultrapassávamos, a União Europeia. No entanto, não só não estamos a aproximar-nos como estamos cada vez mais a afastar-nos.
Sr. Primeiro-Ministro, de facto, no seu Governo, a qualidade foi substituída por um pacto de mediocridade entre o Governo e o seu partido, pacto de mediocridade esse que procuram estender à Administração Pública, a toda a sociedade portuguesa. Assim, o que temos hoje é não apenas um modelo esgotado - e VV. Ex.as já o reconhecem - como um Primeiro-Ministro cansado e um Governo destroçado que querem manter e desenvolver uma sociedade atrofiada, cada vez mais dependente de um Estado clientelar,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … de um Estado que se imiscui lá onde não deve, em vez de gerir o que lhe compete. Esta é que é a grande diferença.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aqui há, de facto, um problema de cultura política. É que VV. Ex.as abandonaram por completo os grandes objectivos do desenvolvimento da ciência, da cultura. Aí, sim, é que se defende a soberania.
Na verdade, hoje, a soberania não se defende através de pretensas manifestações de simpatia diplomática, mas através de uma política de língua, do desenvolvimento da nossa capacidade para manter e reforçar os nossos valores, de como interpretar e valorizar o mundo, de como somos capazes de exprimir a nossa própria visão acerca do mundo. É debruçando-nos sobre essas matérias que verificamos que V. Ex.ª desistiu. E não por falta de dinheiro, Sr. Primeiro-Ministro!
De facto, o que fazem V. Ex.ª e o seu Governo aos 2,1 milhões de contos que recebem por dia dos fundos comunitários? Onde está a correspondência, em termos de resultados, a esse investimento da União Europeia? Onde está a tradução, no campo dos resultados, de tudo o que o nosso país precisa? Onde está a tal cultura de responsabilidade?
Sr. Primeiro-Ministro, para termos um País mais forte precisamos de uma sociedade mais livre. É hoje claro para quem quiser ver que não é com V. Ex.ª e o seu Governo que lá chegaremos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, que, naturalmente, dispõe da mesma liberdade de gestão do tempo do Governo para usar da palavra como entender.
Faça favor, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Durão Barroso, o PSD, hoje, aqui, demonstrou uma vez mais que não é oposição alternativa,…

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - … é oposição «toca e foge».

Aplausos do PS.

Não apresenta uma alternativa global e coerente, procura limitar-se a tocar, fugindo, em vários pontos dispersos.

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A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - Aliás, não é por acaso que levou o tempo que levou a apresentar um simulacro de plano de emergência para a economia portuguesa e, depois, disse que não era para ser aplicado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Eis a demonstração evidente de que o PSD não tem uma estratégia nem para a economia nem para a sociedade portuguesa. Aliás, basta ouvir as suas críticas.
Começou por perguntar se era ou não válido dizer-se que, hoje, os problemas de Portugal não são mais macroeconómicos, são, essencialmente, microeconómicos.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - O senhor é que disse!

O Orador: - O grande erro do PSD é que continua a pensar que os problemas de Portugal, hoje, são essencialmente macroeconómicos. E não são. São estruturais. É por isso que a receita do PSD, que o Professor Cavaco Silva várias vezes tem vindo a exprimir - aumentar as portagens na Ponte 25 de Abril, aumentar os combustíveis, reduzir os benefícios do sistema de segurança social dos funcionários públicos, acabar com o rendimento mínimo garantido, e por aí fora -, não corresponde às medidas necessárias para resolver os problemas do País.
Portugal tem problemas no sentido de garantir a sustentação da redução das finanças públicas, mas não é esse o seu problema essencial. O problema essencial é estrutural e é a este que respondem o Quadro Comunitário de Apoio, a estratégia económica e social deste Governo.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - É dessa que temos medo!

O Orador: - Digo-lhe: se eu quiser caracterizar este Governo, ao contrário do que disse, sei como fazê-lo. O Sr. Deputado é que terá muita dificuldade em caracterizar os 10 anos de governo PSD!

Protestos do PSD.

Este é o Governo da consciência social,…

Aplausos do PS.

… é o Governo em que, pela primeira vez, emergiu em Portugal uma classe média forte, com capacidade de afirmação, uma classe média que se traduz em indicadores indiscutíveis.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Nunca, como com este Governo, os portugueses compraram casa própria.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Nunca, como com este Governo, os portugueses tiveram direito a essa coisa elementar que é gozar férias fora de casa.

Vozes do PSD: - Oh!

O Orador: - Duplicou o seu número durante estes anos!
É que nunca, como com este Governo, houve uma política sistemática de aumento das pensões mínimas,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Oh!

O Orador: - … da ordem de 60% ou 80% consoante os diferentes tipos de pensão. Nunca, como com este Governo, se deu atenção às creches e aos jardins infantis e se procurou resolver problemas essenciais da sociedade portuguesa e para o bem-estar dos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à saúde das nossas finanças públicas, quero dizer-lhe o seguinte: o ritmo de crescimento da despesa pública durante os tempos em que o PSD era governo foi sempre superior ao verificado durante os governos do PS. E mais: no vosso tempo, era em função dos ciclos eleitorais, agora, é em função das necessidades sociais das pessoas.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

Depois, Sr. Deputado, ninguém nega os problemas que existem na saúde. Já contabilizámos, e esse número foi entregue em Bruxelas, qual foi o défice do Serviço Nacional de Saúde, em contabilidade nacional, durante o ano passado: 130 milhões de contos. Felizmente que a qualidade das nossas finanças públicas permitiu encontrar noutras áreas os excedentes necessários para compensar esse aumento de encargos. E se é verdade que há muitas falhas no Serviço Nacional de Saúde, também é verdade que muitas coisas têm melhorado na forma como os cuidados médicos são prestados aos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Aonde?!…

O Orador: - São muitos os casos que nos chocam. Se são muitas as coisas que acontecem que confrangem o nosso coração, também tenho ouvido muita gente, desde gente do povo a gente com responsabilidade, fazer os melhores elogios à forma como é tratada em muitos dos estabelecimentos do nosso Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Só por distracção!

O Orador: - Não confundamos as coisas. Sejamos justos nas críticas, mas sejamos também justos na atribuição dos méritos àqueles que os merecem.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Essa é a parte mais difícil!

O Orador: - Em matéria de insegurança, Sr. Deputado, se alguém nela não pode falar é o PSD.

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Risos do PSD.

Se alguém deixou envelhecer e diminuir os quadros da PSP e da GNR, no seu último mandato no governo, foi o PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se alguém tem gravíssimas responsabilidades nos elementos de descoordenação introduzidos nesse sistema, é o PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A culpa é sempre do PSD!

O Orador: - Há uma coisa que tem que ser reconhecida: a Polícia Judiciária tem revelado uma taxa de êxito notável na descoberta de todos os criminosos em Portugal. E, mesmo no exemplo que citou, posso dizer-lhe que os criminosos estão identificados, que são cidadãos de um país estrangeiro, que não estão em território nacional, que há alguns aspectos diplomáticos delicados a esse respeito e que estarei à sua disposição para lhe fornecer os elementos indispensáveis. Mas até esses foram descobertos, ao contrário do que disse o Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

Mas a questão mais escandalosa é a da educação.
Falemos de rigor e de avaliação: os senhores acabaram com os exames; nós reintroduzimo-los.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Convosco não havia nenhum exame, desde o 1.º ao 12.º ano de escolaridade;…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Essa agora!…

O Orador: - … agora há exames no 12.º ano de escolaridade, que se aplicam aos estudantes, e há avaliações no 4.º ano - e vai haver nos 6.º e 9.º anos -, para permitir a avaliação das escolas.
E em matéria de avaliação das escolas, o que quero dizer-lhe é o seguinte: para nós, não está em causa a disponibilidade da informação, mas uma questão que tem sido profundamente discutida em toda a Europa é a de saber se deve ou não ser publicado o chamado ranking das escolas.
Pois bem, dou-lhes o exemplo que está sempre na vossa boca, o da Irlanda. A Irlanda publicava o ranking das escolas e acabou de decidir deixar de o fazer por entender que essa era a política mais correcta em matéria de educação.
Mas é bom lembrar ao Sr. Deputado que a educação é essencial, é bom lembrar que, em matéria de educação, nós conseguimos, ao longo destes anos, um investimento da maior importância. Desde o pré-escolar, que recentemente foi avaliado em termos extremamente elogiosos pela União Europeia, à completa requalificação dos ensinos básico e secundário, nomeadamente nas instalações.
O Sr. Deputado falou do ensino experimental. Mais de 800 laboratórios construímos nós nas escolas onde, construídas por vós, esses laboratórios não existiam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No ensino superior, como sabe, não só os orçamentos subiram de uma forma muito significativa como a acção social escolar, que era uma realidade quase inexistente, é, hoje, uma realidade que abrange todos os estudante que dela necessitam, quer no público quer no privado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se calhar, é por isso que eles andam «contentes»!…

O Orador: - Temos total à-vontade na análise destas questões. E isto porque temos seguido uma política que alia duas coisas: o rigor financeiro, indispensável aos nossos compromissos internacionais - e o nosso programa de estabilidade e convergência foi aprovado - e a consciência social, que faz com que a despesa social tenha passado de 46% da despesa pública, no vosso tempo, para 56%, no nosso tempo. É que há uma diferença de prioridades. Não se gasta o dinheiro da mesma maneira.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso já nós sabemos!…

O Orador: - Nós gastamos o dinheiro tendo em conta as necessidades do desenvolvimento económico e social do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não fazemos orçamentos nem de funcionamento nem de investimento com a sinosoide que tinham os vossos, com os altos nos anos eleitorais e os baixos a meio do período eleitoral.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, uma pausa refrescante, para anunciar que temos a assistir a este debate um grupo de 35 alunos da Escola Secundária de Santa Maria da Feira, um grupo de 27 alunos do Colégio de Lamego, um grupo de 40 alunos da Escola 2, 3 Dr. Joaquim Rocha Peixoto Magalhães, de Faro, um grupo de 47 alunos da E. B., 2, 3, André de Resende, de Évora, um grupo de 45 alunos da Escola Secundária Fernão de Magalhães, de Chaves, e um grupo de 40 alunos da Escola Professor José Buisel, de Portimão.
Esperamos, ainda, um grupo de 47 alunos do Instituto Tecnológico e Profissional de Soure e um grupo de 60 alunos da Escola S/3 de S. Pedro de Vila Real.
Uma saudação calorosa para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, um Estado moderno deve, hoje, concentrar-se essencialmente em quatro aspectos essenciais: induzir o desenvolvimento, produzir segurança, promover a equidade e incentivar, a todos os níveis, a afirmação da cidadania.
O Sr. Primeiro-Ministro, hoje - e, do nosso ponto de vista, muito bem - dedicou a sua intervenção inicial à questão da produção da segurança, que é actualmente um

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dos temas recorrentes em todos os debates políticos em curso na generalidade dos países europeus. Todos nós compreendemos que emergem novos riscos, que se colocam às sociedades novas dificuldades e que o Estado tem de encontrar respostas para esses novos riscos.
Ora, o que podemos fazer, hoje e neste momento, é uma avaliação da acção deste Governo e da do anterior em matéria de produção de segurança aos mais diversos níveis.
Primeiro, a segurança social, que não foi hoje ainda aqui referida, mas que é uma componente absolutamente fundamental da segurança.
Este Governo foi capaz de desenvolver uma actividade tal que permite hoje aos portugueses terem confiança, em relação ao futuro, no sistema de segurança social público, por contraponto àquilo que era uma característica dos governos do PSD. Isto porque se cumpriu a Lei de Bases da Segurança Social, porque foram asseguradas atempadamente as transferências de verbas do Orçamento do Estado para o sistema de segurança social público, porque se promoveram importante iniciativas no domínio do aumento diferenciado das pensões. Hoje, os portugueses têm razões para ter confiança no seu sistema de segurança social público; há seis anos atrás, passava-se exactamente o contrário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segundo, a segurança alimentar é hoje também um dos temas emergentes no debate político em qualquer país europeu.
Foi com este Governo, não foi com nenhum outro anterior, que se criou uma instância para garantir a segurança alimentar e se têm desenvolvido iniciativas concretas, tendo em vista assegurar esse objectivo.
Terceiro, a segurança ambiental é, também ela, uma das questões fundamentais de hoje.
Ora, não há dúvida alguma de que, através da acção desenvolvida pelo Ministério do Ambiente, tem sido possível garantir a superação de muitas das dificuldades que nos caracterizavam ainda há poucos anos nesse domínio.
Quarto, a segurança das infra-estruturas, que o acidente de Castelo de Paiva veio tornar mais evidente.
Foi com este Governo, foi com o governo anterior, com o então ministro, e hoje Deputado, João Cravinho, depois com o ministro Jorge Coelho e agora com o Sr. Ministro Ferro Rodrigues, que se tem verificado uma reorientação da política em matéria de investimentos em infra-estruturas rodoviárias, no sentido de valorizar mais a componente da conservação em detrimento da componente da pura construção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, o que se verificava nos governos anteriores era uma preocupação obsessiva em construir para, a seguir, inaugurar; hoje, há uma preocupação, com igual importância, em garantir a conservação. Quero aqui saudar a iniciativa que agora foi tomada pelo Sr. Ministro do Equipamento Social, no sentido de, rapidamente, promover uma acção de fiscalização às várias pontes existentes no nosso país, condição imprescindível para restituir a confiança e a segurança aos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, foi com estes governos que se avançou neste domínio.
Também não creio que tenhamos necessidade de estar sempre a fazer comparações, porque o que temos de fazer é uma avaliação rigorosa e objectiva da natureza da acção desenvolvida por estes governos. E fazendo essa avaliação, estamos, hoje, em condições de concluir claramente que os governos presididos pelo Eng.º António Guterres têm manifestado uma preocupação com as questões da segurança verdadeiramente de acordo com as exigências de uma sociedade que, confrontada com riscos cada vez maiores, pede e exige ao Estado, de alguma forma, que actue de maneira cada vez mais adequada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o Estado deve induzir desenvolvimento e a indução de um desenvolvimento territorialmente mais equilibrado também concorre para melhorar as condições e as garantias de segurança da generalidade da população portuguesa.
Quero aqui saudar o Governo pela iniciativa recentemente tomada, e ontem mesmo anunciada, de promover uma série de acções conducentes a garantir um maior investimento privado nas regiões do interior, nas regiões mais desfavorecidas do nosso país. Esse era um velho compromisso que nós tínhamos assumido. Eis um compromisso que nós estamos a honrar, eis um compromisso que nós estamos a cumprir.

Aplausos do PS.

Temos consciência de que há vastíssimas regiões do interior do nosso país que, correndo o risco de desertificação, ao longo dos anos, viram os investimentos ser completamente afastados, que não conheceram políticas no sentido de garantir uma discriminação positiva que permitisse canalizar para elas alguns importantes investimentos privados.
Esta iniciativa do Governo, associada a outras - porque ela não pode ser dissociada, por exemplo, do esforço sério que tem vindo a ser levado a cabo nos últimos anos para aumentar a capacidade de intervenção das autarquias, elas próprias também instrumentos fundamentais para promover o desenvolvimento das respectivas regiões -, é da maior importância. Ao desenvolver uma política de isenções e de deduções em matéria fiscal, ao apoiar a criação de novas empresas, sobretudo promovidas por jovens, nessas regiões, está a dar-se um passo significativo para combater um dos mais graves problemas que afecta uma parte substancial do território nacional: o risco de essas zonas serem desertificadas. Por isso, quero saudar o Governo.
Mas se dúvida alguma existia entre a determinação, a vontade e o projecto do Governo e a atitude, hoje, do principal partido da oposição, o pequeno debate a que já tivemos oportunidade de aqui assistir esclarecer-nos-ia em absoluto: de um lado, uma enunciação caótica, errática e absolutamente incoerente de um conjunto de dificuldades, algumas reais e outras completamente artificiais e inventadas, feita pelo líder do principal partido da oposição; do outro lado, da parte do Primeiro-Ministro de Portugal, a enunciação de uma vontade, a enunciação de um projecto, a afirmação de um conjunto de ambições e a enunciação de um conjunto de políticas, visando garantir a concretização desses mesmos objectivos.
É a diferença entre quem tem um projecto sério e quem se limita a enunciar, de três em três meses, dificuldades perante este Parlamento, nunca assumindo a responsabili

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dade de apresentar qualquer alternativa séria, qualquer alternativa válida, de governação para Portugal.

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, basta fazer uma comparação para percebermos o essencial da governação do Partido Socialista no que concerne à preocupação em qualificar os nossos recursos humanos, em assegurar o reforço da competitividade da sociedade e da economia portuguesas, em criar condições para que as novas gerações possam ter acesso a níveis de qualidade de vida superiores: em 1996, quando chegámos ao Governo, o Estado despendia anualmente cerca de 600 milhões de contos com a educação; hoje, esse valor atinge anualmente 1300 milhões de contos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Ora aí está!

O Orador: - Não estamos apenas a falar da mera retórica abstracta, estamos a falar de números em concreto, que neste caso traduzem uma preocupação, que são sintoma de uma opção política e que revelam uma vontade clara, a de canalizar os recursos do Estado português no sentido de promover a qualificação da sociedade, de apostar naquilo que é absolutamente essencial, absolutamente vital, ou seja, a qualificação das mais jovens gerações de portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, termino, uma vez mais, salientando o seguinte: ainda bem que temos um Primeiro-Ministro atento às circunstâncias em que se desenvolve a actividade governativa que lhe é dado levar a cabo; ainda bem que temos um Primeiro-Ministro que não fecha os olhos perante a realidade; ainda bem que temos um Primeiro-Ministro que não opta pela estratégia de um autismo político, que certamente conduziria ao pior dos desastres; ainda bem que temos um Primeiro-Ministro que compreende as dificuldades do País, as suas insuficiências e atrasos estruturais, mas que, perante estas dificuldades, estas insuficiências e estes atrasos, não opta pela atitude da renúncia, pelo contrário, opta por uma atitude de vontade, de uma vontade lúcida, ao serviço de um projecto sério de desenvolvimento de Portugal!
Prossiga, Sr. Primeiro-Ministro, por esse caminho, pois esse é o caminho que nos levará à modernidade, ao desenvolvimento e à constante melhoria das condições de vida dos portugueses!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, começo por agradecer as suas palavras de confiança, mas de uma confiança que não esconde a nossa preocupação.
Creio que ficou claro, naquilo que disse, que todos tínhamos e temos consciência de que hoje existe um conjunto de problemas fundamentais no nosso país que afectam a confiança dos cidadãos no Estado e na sua capacidade de lhes garantir os seus direitos. Aquilo que me pareceu importante vir hoje aqui fazer foi reconhecer esse facto e dizer que, perante o mesmo, e para além do prosseguimento das políticas que vínhamos fazendo, temos que compreender que há uma exigência acrescida dos cidadãos e que temos que colmatar o défice que existia na resposta a essa exigência.
Por isso, aquilo que importa sublinhar neste debate é que, neste momento, inflectindo algumas políticas, intensificando outras, corrigindo mesmo algumas, mantendo e desenvolvendo as restantes, estamos a anunciar aquela que é uma estratégia global de resposta às preocupações dos cidadãos com a sua própria segurança nos aspectos mais diversos em que ela é afectada. Isto revela consciência dos problemas e visão estratégica e faz a diferença da lógica do «toca e foge» de abordar um ou outro problema isoladamente.
Um dos problemas do nosso atraso tem a ver com o interior. Pois bem, três quartos do nosso território vão passar a ter a segunda mais baixa taxa de tributação sobre as empresas da Europa. Estou convencido de que, para além dos investimentos estruturais que fizemos no interior, passando de uma rede de auto-estradas litoral para uma rede de auto-estradas nacional, que estamos a planear e a executar, e levando o gás natural a todo o País e não apenas ao litoral, bem como tomando um conjunto de outras medidas complementares, tal significará dar um passo decisivo para, finalmente, se inverter um dos sintomas mais graves do nosso atraso estrutural: o desequilíbrio entre a região litoral e a região interior do País. Não escamoteamos esse desequilíbrio, não escondemos sequer as dificuldades que temos tido em combatê-lo. Sublinhamos a nossa determinação em todos os aspectos: reconhecer os factos, definir estratégias e prossegui-las com rigor e com determinação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, hoje, não o quero questionar sobre as suas paixões publicamente declaradas. Assim, não falarei sobre o ensino, porque o insucesso escolar, o subfinanciamento do ensino, a ocultação de dados, o protesto de alunos e professores falam por si, nem falarei sobre a saúde, porque a derrapagem orçamental, a política do medicamento, a insatisfação generalizada são também o espelho de uma política. Mas quero chamar a sua atenção para a falta de profissionais da saúde, como médicos e pessoal de enfermagem, que não se resolve só com as duas universidades. É preciso uma política de emergência, porque, como também sabe, no ano 2005, cerca de 40% dos médicos atingirão a idade de 55 anos.
Hoje quero falar da questão que aqui nos trouxe, na sua intervenção. Isto é, gostaria de saber que análise faz o Governo sobre o que a tragédia de Entre-os-Rios nos veio revelar e confirmar, e a qual não ouvi no seu discurso, sobre as fragilidades e debilidades do nosso país, que não são só do interior e não se resolvem com discursos sobre a Internet, sobre a política dos jobs for the boys, sobre a divisão da Junta Autónoma de Estradas, que se traduziu na multiplicação, para o triplo, de administradores, ganhando cada um o dobro do que ganhava na Junta Autónoma de Estradas, sem que se tivesse verificado qualquer aumento de eficácia. Chamo a sua atenção para esta questão e para aquilo que disse quando estava na oposição.

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Quanto à questão da segurança das pontes e das estradas, o Sr. Primeiro-Ministro referiu-se às medidas que estão agora a ser tomadas, mas chamo também a atenção, e sublinho, o que se passa na CP, por exemplo, em que o economicismo se está a sobrepor à segurança: a manutenção e revisão do material circulante passou dos 200 000 km para os 400 000 km. Chamo, pois, a sua atenção para esta questão.
No entanto, como o Sr. Primeiro-Ministro disse, a segurança não é só a segurança física das pessoas, é também, por exemplo, a segurança no emprego, e prende-se também com a questão da deterioração dos serviços públicos. Já tive oportunidade de lhe dizer o que se passa com a EDP, em todo o País, com os sucessivos «apagões» e o encerramento de serviços de atendimento ao público, sem que haja, da parte do Governo, um sobressalto por esta situação.
Há uma deterioração dos serviços públicos e também uma desvalorização do nosso aparelho produtivo. É assim na agricultura, é assim nas pescas, é assim na indústria. Quanto à indústria, ela é cada vez mais dependente e subcontratada; o País já não tem metalomecânica pesada, não produzindo um grama de aço. Contrariamente ao que o Sr. Primeiro-Ministro aqui me afiançou, no sentido de que o alto forno da siderurgia nunca seria encerrado sem que estivesse a funcionar o forno eléctrico, tal não se verificou. Ora, isto reflecte-se, naturalmente, na balança comercial.
A questão fundamental que lhe quero colocar é esta: como é que o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro tencionam reverter esta situação, ou seja, reduzir o défice da balança comercial? Com sucessivas moderações salariais?
Sr. Primeiro-Ministro, recordo que, há seis anos, o Secretário-Geral do Partido Socialista «apontava o dedo» a Cavaco Silva e dizia que não podíamos ter uma política de desenvolvimento assente nos baixos salários. Passados seis anos, temos o mais baixo salário mínimo, os mais baixos salários médios, as mais baixas reformas de toda a União Europeia, mas, como marca do Partido Socialista, temos as mais altas taxas de lucro. É esta a marca do Partido Socialista?! É isto governar com consciência social?! É sobre estas questões que gostaria de ouvir o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, pareceu-me iniciar a sua intervenção dando-lhe uma lógica sistemática, mas penso que depois se deixou contaminar um pouco pela lógica da intervenção do líder do PSD, acabando também por agitar um conjunto de elementos dispersos sobre as mais diversas coisas.
Vamos ao que interessa.
De facto, a minha preocupação foi a de demonstrar perante a Câmara que o Governo está atento à leitura daquilo que Entre-os-Rios revela. E o que Entre-os-Rios revela é um conjunto de fragilidades, que porventura já sabíamos que existiam, mas de que agora temos uma consciência acrescida; são fragilidades em relação às quais porventura já tínhamos um conjunto de respostas, mas que agora exigem uma resposta articulada, coerente, estratégica em todos os domínios e suportada por uma capacidade científica aprofundada em todas as áreas em que tal for necessário. É a isso que vos vim aqui dizer que corresponde a estratégia aplicada pelo Governo neste momento.
Depois, falou de médicos. Sr. Deputado, se alguém reconheceu este problema, fomos nós! Se alguém aumentou o numerus clausus nas actuais escolas de Medicina, fomos nós! Se alguém criou duas novas escolas de Medicina, fomos nós! Se alguém abriu o recrutamento de médicos a médicos estrangeiros, fomos nós! Se alguém desenvolveu o ensino da enfermagem de uma forma exponencial, fomos nós! Se alguém reconhece esse problema, somos nós!
E, mais: em breve, vai ser apresentada aos sindicatos uma proposta que diz respeito à mobilidade, precisamente no sentido de permitir dar solução à questão mais difícil, que é a da distribuição equilibrada dos médicos pelo território.
O Sr. Deputado disse também que não é com a Internet que se responde a problemas como o de Entre-os-Rios. Permita que lhe diga que se alguma coisa se revelou em Entre-os-Rios foi que houve uma capacidade científica notável do Instituto Hidrográfico, baseada nos meios mais sofisticados de utilização electrónica de equipamento, sem o que não seríamos, porventura, capazes de fazer o que fazemos. O desenvolvimento científico moderno é uma condição indispensável para recuperar os atrasos estruturais nos aspectos mais basilares.
No que toca à JAE, devo dizer que esperava ouvir a sua defesa de todos os lados menos do do PCP!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Eu falei dos «tachos»!

O Orador: - Se alguém deveria ter consciência de que na JAE havia problemas intoleráveis de rigor na administração, de capacidade de execução e mesmo, de acordo com os relatórios, de corrupção, era o Partido Comunista! Por isso, muito me admira que o Partido Comunista venha, implicitamente, defender um modelo que era de tal forma incapaz de responder aos novos problemas que se punham ao País que, quando se decidiu construir a ponte Vasco da Gama - um único contrato de concessão, sendo que hoje temos mais de 14 ou 15 -, foi preciso criar, ao lado da JAE, uma estrutura, o GATTEL, para resolver esse problema!
Ora, é evidente que uma transformação tão profunda como a da JAE tem aspectos traumáticos, mas ela está em curso e vai ser acelerada. E há algo para que quero, desde já, chamar-lhe a atenção: de acordo com o último recenseamento, tínhamos na JAE um total de 2520 funcionários, sendo licenciados apenas 328. Este é um símbolo de atraso cultural. Neste momento, o número de funcionários já é apenas de 1697, mas o número de licenciados subiu de 328 para 402, o que significa algo essencial: é que a aposta é precisamente na transformação qualitativa, na evolução tecnológica, na capacidade de dar resposta aos problemas da modernidade.
Quanto ao que disse sobre segurança no trabalho, estamos inteiramente de acordo, bem como no que toca à segurança no emprego.
Relativamente às deficiências estruturais da EDP, elas não têm a ver com a privatização. Aliás, os problemas são da rede eléctrica nacional, que continua nas mãos do Estado, e têm a ver com uma questão que conhece muito bem: hoje, é uma gravíssima dificuldade encontrar uma aprovação ambiental para a instalação de novas linhas de alta tensão, de que o País carece efectivamente, mas que

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correspondem a um problema seriíssimo, o qual, estou certo, o Partido Comunista - e, muito menos, o Partido Ecologista Os Verdes, vosso associado - não desconhece.
Sr. Deputado, o que hoje mede a modernidade dos países não é a capacidade de produção de aço em bruto! Isso revela uma visão completamente antiquada do que é hoje a modernidade. Aliás, o forno eléctrico está para avançar e vai produzir aquilo que tem que produzir. Não é essa a questão. A questão é a de que a modernidade exige, sim, investimento nos sectores estratégicos de uma economia moderna, não nos sectores passados!
E quando nós dizemos que é necessário apostar num modelo de desenvolvimento com salários mais altos, isso traduz-se num modelo de desenvolvimento com investimento, com novas indústrias, com novos serviços, com maior produtividade, porque só assim é que pode haver salários mais altos sem agravamento do défice comercial. Porque o vosso modelo de salários mais altos deixando tudo igual na produtividade, esse, sim, é que conduz ao agravamento do défice comercial.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, quero dar-lhe as boas-tardes, Sr. Primeiro-Ministro, porque já não o ouvia dar explicações ao Parlamento de Portugal desde o século passado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Oh!…

O Orador: - A última vez que aqui esteve foi a 14 de Dezembro. Aconteceu tanta coisa depois disso e o Sr. Primeiro-Ministro só muito a pedido é que se achou na obrigação de cumprir uma velha promessa de vir mensalmente ao Parlamento prestar informações aos representantes da Nação!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Tentarei sintetizar as questões que quero colocar-lhe em cinco matérias.
Primeiro, um facto político: o aumento da insegurança nas cidades, o aumento da violência e da agressividade na sociedade portuguesa.
Quero começar por lhe dizer, Sr. Primeiro-Ministro, que V. Ex.ª, há pouco, se não cometeu violação de segredo de justiça, esteve perto.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O que é, no mínimo, lamentável vindo do Chefe do Governo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Supomos todos que o crime da discoteca Luanda está sob investigação e em segredo de justiça.
V. Ex.ª veio aqui dizer que os suspeitos não são portugueses e não estão em Portugal. Ficámos a saber que os deixaram fugir!

Risos do PS.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Mas mataram cá!

O Orador: - Ficámos a saber que V. Ex.ª conhece os termos da investigação! Nem quero perguntar como!…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é péssimo!

O Orador: - Ficámos ainda a saber que V. Ex.ª pretende dar a um Deputado em particular informações mais detalhadas! E informações mais detalhadas são, certamente, violação do segredo de justiça!
Só lhe peço uma coisa, Sr. Primeiro-Ministro: se der essas informações a um Deputado,…

O Sr. António Braga (PS): - É só ciúmes!

O Orador: - … seja ele qual for, dê-as primeiro às famílias das vítimas que ali morreram!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É só ciumeira!

O Orador: - Mas, Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe, antes de tudo mais, quanto à questão da segurança, que V. Ex.ª, nestes três meses em que aqui não veio, assistiu ao assassinato, à luz do dia, de um estudante do Instituto Superior Técnico; assistiu a um gang de mais de 50 delinquentes, que arrasaram um supermercado; assistiu a uma vaga de tiroteios em discotecas, onde, legitimamente, os jovens se divertem!

Vozes do CDS-PP: - É uma vergonha!

O Orador: - E isto tem como pano de fundo, Sr. Primeiro-Ministro, um aumento de 15% da criminalidade violenta, no País, e de 32% da criminalidade violenta, em Lisboa - passámos de 3800 casos para 5100 casos, no ano passado.
Quero apenas fazer-lhe perguntas não sobre a investigação desses crimes, Sr. Primeiro-Ministro, mas sobre questões de política, questões institucionais.
Para quando o novo regime das forças de segurança, que VV. Ex.as se comprometeram a entregar no Parlamento, em alternativa às leis de coordenação das forças de segurança, que aqui apresentámos e que VV. Ex.as recusaram?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, em que estado se encontram os serviço de informação, que servem, em matéria de criminalidade, para prevenir e para saber, antes de os crimes acontecerem, quem vai atacar e porque vai atacar?
Sr. Primeiro-Ministro, qual é o resultado dos vossos trabalhos preparatórios numa matéria decisiva que o Sr. Ministro da Justiça aqui anunciou estar disponível para fazer, ou seja, a revisão da legislação sobre controlo, aquisição e fiscalização de armas de fogo? Quando a entregam e que sentido terá?
Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, a propósito ainda da criminalidade, há medidas de organização e de gestão pessoal que são muito simples. Vou dar-lhe um exemplo: ao

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serviço das autoridades, encontram-se mais de 600 agentes da PSP; ao serviço de piquetes, para chegar rapidamente a um crime em flagrante delito, encontram-se pouco mais de 200 agentes, por turno.
Sr. Primeiro-Ministro, não pensa que há uma séria contradição entre tantos agentes ao serviço das autoridades e tão poucos agentes ao serviço dos piquetes, para controlarem o crime?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O segundo facto de que quero falar-lhe é um facto social, que tem que ver com o tráfico de droga e com o combate que o Estado lhe faz.
Não vou discutir a vossa política relativamente ao consumidor, que, no essencial, é despenalizar e abrir salas para «chutar», mas vou discutir a vossa política relativamente ao traficante.
Não sei se o Sr. Primeiro-Ministro viu - é possível que estivesse em Estocolmo e não tivesse visto - uma reportagem de televisão, na SIC, no fim-de-semana passado, sobre a «avenida» de droga no novo e no velho Casal Ventoso, porque mudou a face mas não mudou o problema! Parecia o metro à hora de ponta: milhares de consumidores e centenas de traficantes!
Sr. Primeiro-Ministro, só quero perguntar-lhe uma coisa e ninguém aqui quer prender os consumidores, pelo que não vou discutir agora a questão do consumo, mas vou discutir a do tráfico.
Sr. Primeiro-Ministro, toda a gente sabe a que horas é feito o tráfico; os jornalistas filmam a venda de droga; a polícia sabe que a droga é ali vendida e tudo isto se passa a um quilómetro da residência oficial do Sr. Primeiro-Ministro de Portugal. Como é que a polícia não vai aos «casais ventosos» deste País, não para prender os consumidores, mas para prender os traficantes,…

Aplausos do CDS-PP.

…todos os dias, todas as noites?!
Agora, pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: está disposto a rever o regime da liberdade condicional automática para o grande tráfico de droga? Sim ou não? Nós somos contra qualquer liberdade condicional automática em matéria de tráfico de droga e o Sr. Primeiro-Ministro sabe que ela existe, no actual ordenamento, quando estão cumpridos 5/6 da pena!
Em segundo lugar, Sr. Primeiro-Ministro, está disposto a permitir, seja em termos constitucionais, seja em termos de processo penal, que as buscas e capturas, para efeitos do tráfico de droga, e apenas do tráfico de droga, além das excepções que já existem, aconteçam nas 24 horas do dia? Está disposto a permitir que a lei não dê uma «janela» aos traficantes, para que estes possam vender sem que a polícia possa fazer buscas ou capturas durante horas e horas, de noite e de madrugada? Está disposto, ou não, a rever esta questão?
Terceiro ponto, Sr. Primeiro-Ministro: a questão económica.
Nestes últimos meses, se há notícia que preocupou os cidadãos foi a da derrapagem da inflação. Diz o Instituto Nacional de Estatística que V. Ex.ª tem uma inflação homóloga de 4.8, e diz o Eurostat, ainda não corrigido, que a inflação homóloga é de 4.9. Ouvi, e todos ouvimos, muitas entidades, incluindo o Governador do Banco de Portugal, pedir o reforço da poupança, pedir limites ao endividamento. Quero perguntar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, como é que é possível poupar, em Portugal, nas actuais circunstâncias.
Se o Sr. Primeiro-Ministro fizer um depósito de 1000 contos, dão-lhe juros nominais de 3% - e tem muita sorte!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - O senhor tem uma inflação homóloga de 4.9. Desses 1000 contos, a taxa de juro dá-lhe 30 contos, ao fim do ano, mas a inflação já«comeu» 49 contos! Ou seja, a inflação está a «comer» a poupança e o Estado ainda vai «esfolar o aforrador», porque o Sr. Eng.º mantém um sistema em que, além de ter uma inflação superior aos juros que são pagos nos depósitos, ainda vai tributar o que é empobrecimento!
O senhor mantém um imposto sobre os juros dos depósitos, e se as pessoas já perdem dinheiro com o depósito no banco, ainda lhe vão pagar a si - não ao Primeiro-Ministro, mas ao Estado português, ao fisco -, dinheiro por aquilo que empobreceram! O senhor não está a tributar o rendimento, está a tributar o empobrecimento dos aforradores!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Como é que o senhor quer poupança, em Portugal, nestas circunstâncias?!
O senhor não mexerá - nem pode fazê-lo! - nas taxas de juro, mas pode combater a inflação e alterar os impostos sobre os depósitos. Está disposto a fazer o quê em relação à inflação? Está disposto a fazer o quê em relação aos juros dos depósitos?
Finalmente, se há um facto que, nos últimos tempos, impressionou a sociedade portuguesa, ele é uma certa tentação de alguns partidos - não apenas do seu, mas também de partidos à sua esquerda - para atacarem sistematicamente a posição da Igreja, em Portugal!

O Sr. João Amaral (PCP): - Ora essa!

O Orador: - Quero fazer-lhe uma pergunta muito concreta sobre a lei de liberdade religiosa.
Sr. Primeiro-Ministro, diga-me frontalmente qual é a directriz do Secretário-Geral do Partido Socialista: a lei de liberdade religiosa aplica-se à Igreja Católica? Sim ou não? O Sr. Primeiro-Ministro entende, como todos entendemos nesta Assembleia, que a relação do Estado com a Igreja Católica depende da revisão da Concordata e tem sede e momento próprio?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quero também perguntar-lhe outra coisa, para terminar: não percebo qual é o incómodo de uma parte da …

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino dentro de 10 segundos, Sr. Presidente.
Dizia eu que não percebo qual é o incómodo de parte da classe política com a presença de Srs. Padres ou de Srs. Bispos em cerimónias oficiais. Quero perguntar-lhe uma coisa, com muita franqueza: alguma vez se sentiu

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incomodado por fazer uma inauguração, ou por presidir a uma cerimónia, com um Sr. Padre ou com um Sr. Bispo? Se não sentiu, por que é que fazem este ataque gratuito à posição da Igreja?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, utilizou uma vez mais a mesma lógica de «cacharolete». Pois bem, vamos a isso, vamos ao «cacharolete»!
Em primeiro lugar e em relação ao aumento da insegurança, há uma coisa que o Sr. Deputado não pode negar: é que, apesar de tudo, em termos globais, o volume de crimes violentos tem vindo a diminuir,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - …o que tem vindo a aumentar é o volume da pequena criminalidade,…

Vozes do CDS-PP: - Não!

O Orador: - … que é, aliás, a que mais incomoda os cidadãos e mais causa uma sensação de insegurança, mas haverá, em breve, uma discussão sobre o Relatório de Segurança Interna em que essa questão ficará inteiramente esclarecida.
Aliás, é por isso mesmo que estamos, neste momento, a aplicar um novo regime do coordenação da acção das polícias (da Polícia Judiciária, da PSP e da GNR), que, não tenho dúvidas, irá produzir um conjunto de efeitos muito importante.
Quanto às medidas de política, Sr. Deputado, elas são várias. Este ano, vamos tirar das secretarias 650 agentes para patrulhamento; já retirámos do serviço aos tribunais 300 agentes e vamos retirar mais 300 para patrulhamento; estamos a fazer uma acção sistemática, que nunca se fez em Portugal, de combater a burocracia dentro do nosso sistema policial e judicial para aumentar o patrulhamento nas ruas!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não chega, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Não chega e nunca chegará, mas a verdade é que estamos determinados a fazê-lo, e com total empenhamento de todos os meios que temos à nossa disposição.
Quero dizer-lhe que não violei segredo de justiça algum, não fiz afirmação alguma que viole o segredo de justiça!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Fez! Disse que não é português e não está cá.

O Orador: - Limitei-me, como é óbvio e é a minha obrigação, a verificar, em relação às condições de investigação, quais as dificuldades que essas condições de investigação têm. E, como lhe disse, elas trazem consigo complicações diplomáticas,…

Vozes do CDS-PP: - Como é que sabe?!…

O Orador: - … o que obriga, inevitavelmente, a que eu tenha conhecimento não sobre quem fez o quê, mas, sim, acerca das complicações diplomáticas em relação às quais posso ter de intervir.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais uma vez vos peço que ouçam em silêncio! Assim não é possível!

O Orador: - Sr. Deputado, vamos à questão da droga e esclareçamos que também está em causa o problema do consumo e, sobretudo, a prevenção de riscos, a prevenção de riscos para a sociedade e para os consumidores que o CDS-PP não apoia.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E o tráfico?

O Orador: - Já vamos ao tráfico, porque a prevenção de riscos é muito importante, uma vez que os indicadores europeus revelam que Portugal tem índices de consumo das drogas claramente abaixo da média europeia mas tem, infelizmente, na morte e na propagação de doenças por causa da droga, incidências superiores à média europeia, o que revela que uma componente essencial da política contra a droga é a política de prevenção de riscos, que o CDS-PP tão claramente condena na sua forma de intervir.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

Não caricature, porque é uma política global e integrada, não tem apenas a ver com os elementos que referiu.
Quanto ao tráfego de droga, sejamos claros: se alguma coisa é hoje evidente, em Portugal, se os números afirmam com clareza alguma coisa, é que o combate ao tráfego de droga tem ganho, nos últimos anos, uma enorme incidência e êxito no nosso País.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Aumenta o tráfego!

Protestos do PS.

O Orador: - Mas há uma coisa que quero dizer-lhe: o grande objectivo é o combate ao grande traficante e, muitas vezes, a pista do pequeno tráfego é a melhor forma de chegar ao grande traficante.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Como é que lá chega?

Protestos do PS.

O Orador: - Não me peça a mim que diga à Polícia Judiciária ou à GNR como devem fazer para atingir o grande traficante,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ó Sr. Primeiro-Ministro!...

O Orador: - … na medida em que os meios de investigação que têm sido utilizados têm tido êxito na apreensão de enormes quantidades de droga…

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Vozes do CDS-PP: - A venda é livre!

O Orador: - … e na prisão, em Portugal, de grandes traficantes internacionais.

Aplausos do PS.

O Orador: - Depois, Sr. Deputado, a vossa preocupação com a inflação é recorrente. O que conta é a inflação média e essa está ainda a 3,3%.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E o aforrador?!

O Orador: - E a resposta à sua pergunta é muito simples: a poupança das famílias, em Portugal, está de novo a aumentar e não a diminuir, e a melhor maneira que temos para combater a diminuição da poupança no nosso País, globalmente, é prosseguir políticas económicas que favoreçam um crescimento sustentado, sobretudo, a partir do investimento e das exportações e fazendo moderar o consumo privado. É isso, exactamente, o que está a acontecer neste momento, e é por isso, exactamente, que, neste momento, a poupança das famílias está de novo a aumentar.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E o imposto?

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado, sejamos claros: o Governo não tem qualquer intuito de perseguir a Igreja Católica, em Portugal.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - O senhor não tem conhecimento!

O Orador: - Pelo contrário, reconhece o papel extremamente importante que a Igreja Católica desempenha em Portugal…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ainda bem que o diz!

O Orador: - … e, nomeadamente, em áreas que não têm a ver com a sua pastoral, mas, por exemplo, com as questões de política social,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E educativa!

O Orador: - … em que tantos e tantos elementos ligados à Igreja Católica são parceiros do Governo na aplicação da política social.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Diga mais alto!

O Orador: - Sabemos distinguir o Estado da Igreja, isso sabemos…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - ... e devemos distinguir o Estado da Igreja. Mas é evidente que isto não impede que um qualquer equipamento seja benzido por um qualquer sacerdote…

Vozes do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - … de uma qualquer religião. Não impede! E uma coisa é essa cerimónia, outra é a cerimónia do Estado,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Oh!…

O Orador: - … de inauguração desse mesmo equipamento.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - É apenas uma questão de clareza no significado dos dois actos, não é uma questão de incómodo pela presença - aliás, desejada - que ao meu lado têm tido…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Ao seu lado!…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E ao nosso lado, também!

O Orador: - … muitos elementos do clero católico, e não apenas deste mas também de outros, em momentos que são particularmente importantes para a vida das comunidades.
E é evidente uma coisa óbvia: nenhuma lei de liberdade religiosa aprovada nesta Assembleia pode pôr em causa a Concordata com a Santa Sé. Nenhuma lei!

Vozes do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - Mas, devo dizer-lhe, face a algum «fundamentalismo» que a sua intervenção revela, que lhe recomendo que ouça o que foi dito pelo Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, ao afirmar que a lei de liberdade religiosa deve dar uma indicação clara no sentido da renegociação da Concordata entre a Santa Sé e Portugal.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Mas também é inconstitucional!

O Orador: - Sr. Deputado Paulo Portas, esteja tranquilo e não levante falsos problemas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Falsos?! Olhe a droga!

O Orador: - O País já tem suficientes problemas sérios para não ter que se preocupar com os inexistentes!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para questionar o Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, não deixo de tocar, muito brevemente, num aspecto que, no fundo, está contido na sua resposta à questão da prevenção de riscos e em relação aos toxicodependentes: é que me parece, no mínimo, lamentável que um Governo socialista esteja preocupado, como deve estar, em reduzir riscos mas não o esteja em relação ao meio prisional.
Feita esta observação, vou centrar-me naquilo que é objecto, em grande parte, da sua intervenção, as questões da segurança, as questões que Entre-os-Rios, como expe

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riência, tem permitido compreender, o que de algum modo é importante.
Podemos falar das fragilidades do nosso País - como falámos do provisório também podemos falar do provisório eternamente tornado definitivo -, podemos falar da desorganização dos serviços, de anos e anos de incúria, mas há seguramente uma questão que temos de considerar: a segurança que, nos seus múltiplos domínios, é uma condição de liberdade, é uma dimensão da cidadania e, portanto, não pode ser considerada como algo compatível com «políticas de fachada», com maior preocupação com medidas mediáticas do que com a transformação dos problemas e não é, seguramente, compatível com a arrogância ignorante, com o desconhecimento ou com o desprezo pelo conhecimento e pelo estudo técnico e científico.
Dito isto, gostaria de me centrar numa questão que não é seguramente a causa única mas que, aliada e conjugada com muitas outras, está associada à explicação do que aconteceu em Entre-os-Rios e que é não só um problema do rio Douro mas é um problema nacional, claramente, como é assumido por todos e não só por Os Verdes. Refiro-me à actividade de extracção de areias.
Recordo aquilo que disse o Bastonário da Ordem dos Engenheiros, sobre o modo como a extracção de areias é feita no nosso País, recordo o que disse o presidente da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, recordo o que disse, por exemplo, o insuspeito presidente da sociedade de abastecimento de água do Paiva e do Douro. Portanto, trata-se de algo que é do conhecimento público, algo sobre o que Os Verdes têm chamado a atenção e que não é, seguramente, algo desconhecido.
Perante isto e quando há uma exigência de responsabilidade por parte dos cidadãos, como o Sr. Primeiro-Ministro assume, aquilo que se esperaria seria uma ética de responsabilidade. Porém, aquilo a que se assiste, em membros do Governo que o senhor chefia, é a uma fuga à responsabilidade. Essa é, naturalmente, uma questão preocupante, pois todos sabemos o tipo de interesses que se movem.
A forma como a extracção de areais hoje se faz, sem transparência, sem disciplina, sem estudos técnico, é seguramente, para muitos, um negócio que nos parece sórdido e, mais do isto, uma actividade cujas consequências são conhecidas não só no plano ambiental, porque afecta, provoca erosão e põe em risco infra-estruturas, como é público. Isso é público no Douro, mas esse conhecimento também existe em relação ao rio Lima, ao rio Tejo, ao rio Cávado.
Ora, precisamente porque não aceitamos a fuga à responsabilidade nem que o Governo, «fugitivo», se coloque nas margens, a olhar para o lado, a fingir que não há um problema, perante uma acção que, a não ser devidamente balizada, é uma extracção selvagem, Sr. Primeiro-Ministro, dirigimo-nos a si para saber em que medida o Governo quer ou não aceitar regras de transparência, clareza e disciplina; quer ou não apresentar à Assembleia da República o recenseamento de todos os locais onde exista extracção; quer ou não tornar público o nome de todos os empresários; quer ou não tornar pública a listagem de todas as entidades que emitiram pareceres para prorrogar licenças; quer ou não tornar público o levantamento dos estudos que supostamente devem ter feitos quando decide esta actividade; quer ou não, no fundo, dar transparência àquilo que manifestamente a não tem.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, por estranho que pareça, devo dizer-lhe que estou de acordo com todos os considerandos da sua intervenção. Aliás, estou de acordo com grande parte da sua proposta e da sua estratégia.
Como sabe, a extracção de areias, que é regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, tem sobretudo problemas, como referiu, no rio Tejo e nos rios do norte do País.
Em relação ao rio Tejo, onde a questão era particularmente sensível, vivíamos num regime ad-hoc e passámos, como porventura saberá, desde o início deste ano, a um regime de concurso público para extracção em locais seleccionados, com parecer do LNETI. Porventura, terá já essa informação. A partir de agora, esse regime será o único que vigorará no rio Tejo.
Em relação ao rio Douro, há uma competência específica da navegabilidade do Douro e vamos, naturalmente, analisar a forma como ela tem vindo a ser exercida, embora as informações que tenhamos sejam no sentido de que ela conduziu a uma disciplina muito grande quanto à situação anteriormente existente, mas, obviamente, não pararemos até chegar à verdade total.
Quanto aos outros rios do norte, queremos aplicar a mesma metodologia que foi aplicada em relação ao rio Tejo e que tornará, seguramente, pública toda a informação que referiu.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Eu gostava de acreditar que a derrota do ciclo do ferro e do aço, com o encerramento da siderurgia, com 400 trabalhadores pré-reformados e 176 lançados no desemprego, constituía um acidente da modernização industrial do País, mas não creio! Considero ser a metáfora de uma estratégia de internacionalização da nossa economia que está a chegar ao termo das suas capacidades.
Não fazemos parte daqueles que criticam o Governo por não fazer; nós criticamos o Governo por fazer mal, ou seja, por adoptar uma estratégia que entendemos não corresponder às necessidades e aos desafios do País.
A degradação geral dos serviços públicos a que se tem assistido, nestes últimos meses, não é devida a acidentes conjunturais de clima ou de outras condições, é devida a uma opção de redução e «emagrecimento» do papel regulador do Estado, de privatização das suas instituições, com graves reflexos nas infra-estruturas, designadamente, rodoviárias, na saúde - cujo serviço nacional se acaba de anunciar como objecto de uma nova ofensiva privatista - ou na educação, onde se assiste a um estrangulamento financeiro no sector público, designadamente do superior, onde os professores e os estudantes, precisamente no dia de hoje, se manifestam e com os quais queria demonstrar a minha pública solidariedade.
Aquilo com que estamos em desacordo é com a liquidação do sector estratégico da economia, quer através da sua desarticulação quer da sua privatização; aquilo com que não concordamos é com uma estratégia sem alternati

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vas, desesperada, de auto e heteroliquidação do sector primário da economia, o que nos leva a ter a maior preocupação sobre a forma como o Governo vai encarar essa grande oportunidade histórica da água do Alqueva. O que é que se vai fazer com a água do Alqueva?
Finalmente, do que discordamos é de uma competitividade que persiste em assentar na vantagem, com morte anunciada, de salários baixos e baixas qualificações, com problemas, que já referi, de gravíssimos estrangulamentos financeiros ao nível do sector público da educação e da investigação.
Terminando, incluo aqui um problema especificamente político. As democracias liberais do Ocidente vivem uma séria crise de legitimidade, de representatividade, de reconhecimento público dos cidadãos nestas instituições e, surpreendido, vejo, com os olhos de um historiador que viu noutras crises históricas do liberalismo esta espécie de processo «auto-suicidário», o Estado português responder a esta crise com uma espécie de contra-reforma eleitoral que vai assentar nos ciclos uninominais, com um gravíssimo atentado à proporcionalidade da representação, ou com um pacote autárquico que cria aquilo a que chamaria uma espécie de «jardinização» das autarquias, gerando uma espécie de ditadura do poder autárquico por parte dos presidentes das câmaras.
Em vez de responder à crise de legitimidade das instituições, buscando formas novas, inventivas e eficazes para refrescar a legitimidade e a democracia do Estado, o pacote legislativo que se prepara, em termos políticos, pode constituir uma verdadeira contra-reforma em termos de democratização do Estado.
Nesse sentido, a pergunta que quero fazer ao Sr. Primeiro-Ministro é, basicamente, a seguinte: perante os sintomas de estrangulamento do funcionamento das nossas instituições e da sua representatividade, o Governo tenciona ou não, na presente sessão legislativa, fazer avançar quer o pacote legislativo dos círculos uninominais quer os pacotes autárquicos de reforço dos poderes das presidências das autarquias?
A resposta a esta pergunta tem um sentido não meramente retórico, pois precisamos de ter em conta esse dado, inclusivamente para, como partido político, podermos esclarecer o futuro da nossa acção parlamentar em relação a iniciativas legislativas que estão, neste momento, presentes na Câmara.
Não tem sentido nenhum falarmos de paridade com círculos uninominais, pelo que é preciso esclarecer este assunto de carácter essencial para o futuro da democracia do País.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, a questão central que hoje se coloca, de facto, às democracias modernas é a da sua credibilidade. Mas devo dizer ao Sr. Deputado que, em minha opinião, nem para resolver o problema nem para o agravar os temas que colocou são essenciais. Aliás, tanto quanto sei, a questão das eleições autárquicas está, neste Parlamento, numa situação de impasse, o Governo, neste momento, não tem nenhuma intenção de tomar qualquer iniciativa para superar esse impasse e, em relação à lei eleitoral para a Assembleia da República, a questão da proporcionalidade é, para nós, uma questão sine qua non, isto é, não somos favoráveis a nenhum sistema - e há muitos possíveis que respeitam a proporcionalidade - que ponha em causa a proporcionalidade. Isso sempre foi, para nós, uma questão de princípio e podem existir, integrados num quadro complexo de círculos, círculos uninominais sem pôr minimamente em causa a questão da proporcionalidade.
A grande questão que leva a que os cidadãos se afastem da vida política é, porventura, o facto de terem, muitas vezes, consciência de que, na vida política, não se assumem devidamente as responsabilidades e não se discutem os temas que mais directamente os interessam em cada momento. E gostaria de lhe dizer uma coisa simples: talvez tenha feito mais pela credibilidade do nosso sistema político a atitude do Ministro Jorge Coelho…

Vozes do PSD: - Outra vez?! Lá vem outra vez o Ministro Jorge Coelho!

O Orador: - … do que muito do debate político que ocorreu em Portugal nos últimos meses.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Essa agora!…

O Orador: - Uma outra questão, que é uma questão de doutrina, tem a ver com o papel do Estado na economia.
Eu sou por um Estado regulador, independente e capaz de intervir sobrepondo-se ao próprio poder económico. Devo dizer-lhe que não entendo que faça sentido que a maioria dos sectores de actividade tenha, hoje, uma presença forte do Estado na detenção dos meios de produção. Entendo, aliás, que um exemplo claro de como foi correcta uma estratégia de privatização com um regulador forte é o das telecomunicações, onde não tenho dúvidas de que o País deu um enorme salto graças à aplicação dessa política. O regulador da electricidade, por exemplo, conduziu a uma política de redução das tarifas de energia eléctrica que nunca o monopólio de Estado tinha, ele próprio, produzido.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Nunca paguei tanto!

O Orador: - Do meu ponto de vista, temos de ter consciência que há uma forma moderna de o Estado exercer, com independência, a sua função, mas também entendo que há fronteiras que não convém ultrapassar. E se me perguntar se estou de acordo com o Deputado Durão Barroso para privatizar a Caixa Geral de Depósitos digo-lhe que não estou de acordo e que considero muito importante que a Caixa Geral de Depósitos, pelo papel que tem no sistema financeiro, nesta fase do nosso processo, continue nas mãos do Estado. Até porque seria inteiramente falacioso que a sua privatização tivesse qualquer impacto no saneamento do sistema de segurança social, dado que o volume das verbas em causa é completamente desproporcionado.
Por isso, entendo que, nestas matérias, devemos ter uma grande consciência da utilidade dos instrumentos que o Estado tem na regulação da economia e entendo que o Estado não deve abandonar certas coisas que têm a ver com o próprio exercício da actividade económica, se isso for essencial para o seu papel regulador. O papel essencial do Estado é um papel regulador, em que deve arbitrar

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sempre a favor daqueles que têm maiores carências na sociedade portuguesa.
Gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado Fernando Rosas, que, pela nossa parte, existe uma preocupação fundamental e a forma como abordámos a questão da reforma dos institutos do Estado é a prova disso: queremos introduzir um máximo de rigor na Administração para garantir um máximo de qualidade nos bens públicos postos ao serviço dos cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, vamos entrar na segunda ronda de perguntas ao Sr. Primeiro-Ministro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso, para formular as questões que entenda.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, não fiquei admirado com o facto de, na sua primeira intervenção, ter concentrado a atenção no tema da segurança e da confiança no Estado. A verdade é que o Sr. Primeiro-Ministro sabe que as pessoas, hoje, se sentem mais inseguras e desconfiam do Estado. Foi precisamente esse o sector onde mais se sentiu a deterioração da actividade do Governo.
Mas também não me admira o facto de, ao contrário, o Primeiro-Ministro procurar fazer esquecer, por omissão, o fracasso essencial da sua política, no que diz respeito ao primeiro compromisso que assumiu, que foi o de procurar retomar a convergência com a União Europeia. A verdade é que esta é, por oposição ao actual Governo, a nossa política. O nosso principal objectivo e compromisso é o de retomarmos a convergência com a União Europeia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Durante a governação do Eng.º Guterres, Portugal, no ano passado, neste ano e, infelizmente, no próximo ano, de acordo com todas as previsões de todos os organismos credenciados, afasta-se da média da União Europeia.
Quando chamamos a atenção para os problemas estruturais, fazemos esse exercício precisamente para se vencerem os problemas estruturais. O Governo, contrariamente, quando refere problemas estruturais é para dizer que são estruturais e que, por isso, não tem capacidade para os resolver. Mas se não é para resolver os problemas estruturais, para que é que existem os governos?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se não fosse para resolver os problemas estruturais, bastava uma Administração Pública!
Mas o Governo, sempre na lógica da vitimização e da desculpabilização, diz: «Este é um problema estrutural.».
Na realidade, em relação aos problemas estruturais, nós vemos, em termos de produtividade, que o Governo não conseguiu avançar um milímetro na resolução desse problema.
Do mesmo modo, é interessante ver como o Governo apresenta o seu desempenho. Quando falamos de educação, o Governo não apresenta os resultados, em termos de ensino do português, da matemática ou das ciências, o Governo diz quanto dinheiro gastou, quanto dinheiro aumentou, quanto aumentou a despesa para o sector, ou seja, mede o desempenho pela despesa, em vez de medir o desempenho pelos resultados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É caso para dizer: tanto dinheiro e a educação está assim?! Tanto dinheiro e a saúde está assim?! Tanto dinheiro e a Administração Pública está assim?!

O Sr. Rui Rio (PSD): - É o desperdício!

O Orador: - O que é que os senhores estão a fazer com o dinheiro dos contribuintes?! O que é que os senhores estão a fazer com os 2 milhões de contos que entram no País, por dia, vindos da União Europeia?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A questão que colocamos é precisamente essa: é a da eficiência dos sistemas públicos, da eficiência do Governo na capacidade de bem administrar o dinheiro dos contribuintes. Essa é que é a grande questão!
Em relação ao interior, Sr. Primeiro-Ministro, ainda agora os senhores se vangloriam de medidas que não são mais do que, finalmente, a aplicação e a regulamentação de propostas apresentadas aqui e várias vezes aprovadas em matéria de Orçamento do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já há muito tempo que essas propostas foram aprovadas,…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Desde 1998!

O Orador: - … algumas, por nossa iniciativa, desde 1998, e VV. Ex.as só agora lhes vão dar execução.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E a ver vamos!…

O Orador: - Mas se V. Ex.ª queria passar alguma competência e alguma massa crítica para o interior, já agora, diga-me o seguinte: dos 55 institutos públicos que foram criados pelo seu Governo - e até o mais insuspeito, o Prof. Vital Moreira, talvez o intelectual com a filosofia mais estatizante que existe em Portugal, considera que se fez demais em termos de criação de institutos públicos -, quantos é que foram criados fora de Lisboa?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E nos vossos governos?!

O Orador: - Qual foi o esforço que o Sr. Primeiro-Ministro fez para passar para o interior alguma competência e alguma massa crítica?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou, na realidade, o objectivo da criação dos institutos públicos foi o de criar mais jobs for the boys, mais lugares para os apaniguados, mais formas de fugir às regras da Administração Pública?!

Aplausos do PSD.

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A verdade, Sr. Primeiro-Ministro, é que, quando o confrontamos com isto, V. Ex.ª e a sua bancada, a bancada do Partido Socialista, no seu seguidismo habitual,…

Risos do PS.

… vêm sempre com a posição de querer comparar o actual Governo com os governos do PSD.

O Sr. António Braga (PS): - E não é justo?!

O Orador: - Nós não temos medo dessa comparação! Mas, atenção: ao fim de seis anos,...

O Sr. António Braga (PS): - Até 10 anos podemos comparar!

O Orador: - ... os senhores ainda estão tão perturbados com os governos do PSD?! Nós não queremos comparar este Governo com os governos do passado, eu quero comparar este Governo com o meu governo, no futuro!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PS.

Eu quero comparar o que este Governo não faz com o que nós vamos fazer! Essa é que é a grande diferença!

Aplausos do PSD.

Sr. Primeiro-Ministro, por mais esforços de retórica, a verdade é que a agonia deste Governo e a agonia deste poder já estava bem nítida aquando da aprovação do Orçamento do Estado. É preciso não esquecer que V. Ex.ª e esse Governo estão aí, a gerir o Orçamento do Estado, porque V. Ex.ª cometeu a mais grave das infracções que se pode cometer em política, V. Ex.ª fez a mais perigosa das manobras, que foi a ultrapassagem dos princípios. É por isso que não tem convicção, nem vontade, nem energia, nem entusiasmo para continuar à frente dos destinos do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. António Braga (PS): - Agora, prepare-se, Sr. Deputado Durão Barroso!

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Durão Barroso, em relação à sua última frase, não vou responder,…

Vozes do PS: - Faz muito bem!

O Orador: - … porque, se respondesse, este debate sairia, inevitavelmente, das regras de cortesia parlamentar e das regras de lealdade parlamentar a que deve obedecer.

Aplausos do PS.

Por isso, prefiro ir à substância das coisas e não àquilo que, em desespero, se diz, quando se não tem substância para fazer afirmações.
Em primeiro lugar, por que é que os nossos problemas, neste momento, não têm solução no plano macro-económico e exigem soluções estruturais? Porque nós herdámos uma situação…

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, façam silêncio!

O Orador: - Como estava a dizer, os nossos problemas, neste momento, não têm solução no plano macro-económico e exigem soluções estruturais porque nós herdámos uma situação em que havia a margem de manobra de um nível elevado de desemprego e uma baixa capacidade instalada utilizada nos sectores produtivos. E, graças à nossa política, estamos hoje muito perto do pleno emprego e acima de 80% de utilização da capacidade instalada, pelo que, inevitavelmente, só com o fortíssimo esforço de investimento que corresponde à política deste Governo para 2001 é que essa situação pode ser superada.
As nossas medidas estruturais existem e traduzem-se nesse esforço de investimento e no enorme impulso que procuraremos dar às exportações, nomeadamente focando o mercado espanhol como o mercado-alvo essencial para o grande esforço que vamos realizar, nos próximos tempos, em Portugal, porque sabemos o que queremos e sabemos como vamos realizar os nossos objectivos.

Aplausos do PS.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Os espanhóis estão «feitos»!…

O Orador: - Agora, Sr. Deputado, não nos venha dar lições!
Em matéria de IRC, os senhores começaram com 36,5% e acabaram com 36%,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Lá vem o PSD!

O Orador: - … quando nós temos 25% em 3/4 do território.
Em matéria de institutos públicos, nós não criámos 55 institutos públicos. Está mal informado, Sr. Deputado! Mas nós somos rigorosos, mesmo quando isso funciona contra nós, e por isso digo-lhe que criámos 78 institutos públicos.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Lá vem a cassete!

O Orador: - Os senhores criaram 77 institutos públicos num mandato e 99 noutro.

Protestos do PSD.

Mas não criaram nenhum fora de Lisboa e, por isso, não têm autoridade para nos criticar como estão a fazer hoje.
No entanto, percebo-o em relação a um aspecto, Sr. Deputado. De facto, o senhor não quer ser julgado por aquilo que fez no passado mas por aquilo que não diz que vai fazer no futuro, ...

Protestos do PSD.

... porque a sua política em relação ao futuro é de «sol na eira e chuva no nabal».

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Vozes do PS: - Ora bem!

O Orador: - E vou provar-lho, com a questão central que tem ocupado a preocupação de todos os portugueses nos últimos dias: as estradas.
Todos reconhecemos que temos um brutal défice na rede de auto-estradas. Precisamos de construir rapidamente 1500 km de auto-estradas.

Protestos do PSD.

Todos reconhecemos que precisamos de reparar - e os senhores exigem-no com uma voz mais forte do que ninguém - 10 000 km de estradas da rede secundária. Todos reconhecem que é necessário fazer tudo isso o mais depressa possível. Todos reconhecem que é preciso ligar a rede de auto-estradas à rede secundária e que isso exige fortíssimos investimentos. Mas quando todos reconhecem isto e nós encontrámos uma solução, que foi a realização de um conjunto de concursos para, com concessões privadas, libertarmos a construção de auto-estradas para esse mesmo sector privado, de forma que sobre o dinheiro que agora estamos a querer aplicar em conservação e reparação, o PSD diz «não».

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Diz que não quer SCUT, diz que não quer fazer isto, ou seja, quer auto-estradas, quer reparações, quer ligações, mas não quer gastar dinheiro, quer «sol na eira e «chuva no nabal», não quer nada para Portugal!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Rui Rio (PSD): - O que os senhores querem é que sejam os outros a pagar!

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como o Sr. Deputado Durão Barroso disse que havia aqui uma bancada seguidista, venho dar o meu testemunho - habitualmente seguidista, como poderão imaginar! - em relação ao Governo que está, hoje, aqui connosco.
Gostaria de levantar a seguinte questão: estou um bocado perplexa com o facto de o Sr. Deputado Durão Barroso ter passado sobre as questões da segurança e da confiança no Estado - que foram as questões centrais na intervenção do Primeiro-Ministro - nas suas intervenções. Estou perplexa, mas agora percebi por que foi.
Efectivamente, é verdade que as pessoas ficaram traumatizadas com a questão da tragédia de Entre-os-Rios, é verdade que o facto de ter colapsado uma obra pública afecta a confiança das pessoas no Estado, mas também é verdade que o Governo foi capaz de reconhecer este facto, dando a cara perante o problema, e é verdade que o Sr. Primeiro-Ministro veio dizer tudo quanto este Governo já fez, e está a corrigir, nas políticas em curso, para que estes problemas não se repitam. Ou seja, o Governo veio aqui dizer aquilo que é essencial!
Perante uma tragédia, que não podemos evitar porque já ocorreu, podemos tirar lições, e são essas lições que o Sr. Deputado Durão Barroso não quer ver. É por isso que ele não fala desta questão!

Aplausos do PS.

Além disso, parece-me estranho, Sr. Deputado, que para si o problema da insegurança seja, afinal, culpa do Governo, porque terá sido facilitista. Esta é uma análise muito superficial, desculpe que lhe diga, e pouco séria. A questão da segurança é grave, o Primeiro-Ministro veio trazê-la numa perspectiva inovadora, uma perspectiva do século XXI, em que o problema da segurança não é apenas visto no prisma da segurança física das pessoas e dos bens mas de uma segurança muito mais ampla, que envolve as questões alimentares e ambientais, entre outras, como, aliás, já foi dito e o Sr. Deputado nem sequer ouviu.
Agora, também acho estranho que o Deputado Paulo Portas, ao suscitar os problemas da segurança e ao falar do Casal Ventoso, não tenha tido a honestidade de dizer que se alguém tem feito alguma coisa perante os problemas do Casal Ventoso, esse alguém é a actual Câmara Municipal de Lisboa e o actual Presidente João Soares.

Aplausos do PS.

O Presidente João Soares foi o primeiro que, com a sua vereação, teve a coragem de entrar na questão do Casal Ventoso, que, como toda a gente sabe, é uma questão dificílima de resolver. Foi o Presidente João Soares que lá esteve quando se deitou abaixo o «muro da vergonha», e, efectivamente, tem havido uma cooperação importantíssima entre o Governo e a autarquia para resolver o problema da segurança, porque o problema da segurança não é só uma questão do Governo mas também não é só uma questão da autarquia.
E faço agora a minha pergunta ao Sr. Primeiro-Ministro. Até que ponto é que o Governo está disponível para apoiar as câmaras no sentido de reforçar as competências das policias municipais e permitir que haja uma maior polícia de proximidade, porque é a este nível da polícia de proximidade (como o Sr. Primeiro-Ministro já reconheceu) que se detecta a questão da segurança. Existem as grandes inseguranças e, depois, há a insegurança quotidiana, e aí as autarquias têm um papel a desempenhar.
Era, pois, sobre esta questão que gostaria de ouvir o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer que vejo a cooperação com as autarquias como uma questão chave nesta nova visão estratégica sobre a segurança, e devo dizer que esta é, de facto, uma visão nova na forma como é expressa politicamente.
Também não me custa prestar homenagem à Sr.ª Deputada Helena Roseta, porque, no ano passado, numa reunião da direcção do PS, chamou a atenção para a necessidade de abordar a questão da segurança desta forma integrada e global.
Trata-se, de facto, de uma questão integrada e global, que tem de envolver o Governo, as autarquias e a sociedade civil. Um exemplo disso tem que ver, no caso por si

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referido, não apenas com a questão do policiamento de proximidade mas com a própria questão da prevenção. Vejam o programa Escolhas, um programa de parceria entre o Governo, as autarquias e a sociedade civil, que diz respeito a 41 dos bairros potencialmente mais sérios no País em matéria de delinquência, em que se detectou a existência de um maior número de adolescentes e jovens completamente marginalizados da integração na vida em sociedade.
Cada vez mais é preciso compreender que há fenómenos novos na sociedade portuguesa, e a melhor maneira de resolvermos estes problemas é ter a coragem de admitir que esses fenómenos novos existem, é ter a coragem de partilhar experiências com os que vivem no terreno a consequência desses problemas - as autarquias estão nessa primeira linha - e de com eles trabalhar nesse domínio.
Gostaria de vos dar um exemplo: todos assistiram àquilo que foi o dramatismo das primeiras horas a seguir à queda da ponte de Entre-os-Rios.
Porventura, em circunstâncias normais, com outro tipo de pessoas, com outro tipo de atitudes, isso teria criado um antagonismo enorme entre e a Câmara Municipal de Castelo de Paiva e o Governo. O que se passou foi exactamente o contrário e empenhei-me pessoalmente nisso. Empenhei-me para que todas as acções de apoio às populações fossem feitas em íntima articulação entre o Governo e a câmara municipal, independentemente de cores partidárias e até independentemente de qualquer história que pudesse ter ocorrido ou de qualquer mal-entendido que se pudesse ter criado.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Essa agora!

O Orador: - Porque estes são problemas graves, são problemas sérios que só resolveremos com a mobilização de toda a sociedade, até porque, sendo problemas novos, muito dificilmente os governos, só por si, terão capacidade para os detectar em toda a sua profundidade.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Era melhor que assim fosse!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro já aqui referiu por duas ou três vezes hoje que não gosta de «cacharolete» de perguntas. Por isso, vou colocar duas ou três questões, mas com um fio condutor. E o fio condutor é aquele a que poderíamos chamar «das contradições do Governo» ou, de outra forma, se quiser, «da distância que vai entre o virtual e o real».

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A primeira destas questões tem que ver com um problema que o Sr. Primeiro-Ministro já aqui hoje referiu e que, aliás, vem hoje expresso na primeira página de um diário de Lisboa, na voz do novo Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, que é a seguinte: «Política do Governo subavaliou problemas estruturais».
Só que isto entra em contradição com o discurso da modernidade do País que o Governo tem feito ao longo destes anos. Sr. Primeiro-Ministro, não consigo perceber como é que se está a fazer e a conseguir a modernização de um país se se estão a subavaliar e a esquecer os problemas estruturais,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … sejam eles macro ou micro. Não vamos discutir agora isso! Mas sem resolver os problemas estruturais, Sr. Primeiro-Ministro, não me parece que possa haver a modernização do País!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E estes acontecimentos recentes, não apenas o que sucedeu em Entre-os-Rios mas os acontecimentos deste Inverno, vêm trazer isso à colação de forma muito clara.
Neste momento, para além daquilo que já foi referido pelo meu camarada Carlos Carvalhas, gostaria de fazer duas observações a propósito desta questão.
Primeiro, tenho para mim e para o meu grupo parlamentar que não é possível, no futuro - a começar desde já -, manter o plano de investimentos do Estado como tem sido mantido até agora. Tem de haver uma profunda reorientação destes investimentos do Estado, do seu plano de investimentos anual, e, para libertar recursos para essa grande reorientação, tem de haver também uma reapreciação muito aprofundada, com muita seriedade e ponderação, de alguns dos projectos megalómanos que neste momento estão previstos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É preciso analisar esta questão para ver se estes projectos se justificam, ou não, e se não haverá outras prioridades.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra questão relacionada com este problema, que é incontornável, é que estes factos vieram demonstrar que se se quer a confiança das populações no Estado, representado pelo Governo, é fundamental e absolutamente necessário que haja mais assunção de responsabilidade pelo Estado e menos privatização das funções do Estado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Só assim pode ser garantida essa confiança por parte dos cidadãos.
Além disso, Sr. Primeiro-Ministro, relacionado com esta problemática da subavaliação dos problemas estruturais do País, gostaria de referir que ontem o Governo resolveu anunciar um novo sistema fiscal para o interior do País.
Aliás, por aquilo que percebi, o Governo descobriu ontem o valor geoeconómico do interior do País. Posso garantir-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que esse valor geoeconómico do interior do País não apareceu ontem, não apareceu este Inverno, existia já há muito! O Governo é que estava distraído, o Governo é que não estava a olhar para lá.
Mas, voltando ao assunto das medidas do novo sistema fiscal para o interior, quero dizer-lhe que coloco esta questão para que haja, eu diria, a garantia de que aquilo que foi anunciado ontem é para ser concretizado.

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A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - A sisa não, porque vai acabar!

O Orador: - Isto porque na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1998, no artigo 32.º, relativo aos incentivos fiscais, foram estabelecidas diversas medidas para a problemática do interior e, entre elas, previa-se reduzir a 20% a taxa do IRC.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Há também uma lei de Setembro de 1999, aprovada nesta Câmara, que prevê um programa de combate à desertificação e recuperação das áreas do interior do País, nos termos da qual a taxa do imposto é reduzida a 25%. Depois, no Orçamento do Estado para 2001, no artigo 54.º, é ratificada esta lei de Setembro,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … sendo reduzida a 15% a taxa de IRC para essas situações. E ontem o Governo veio propor 25%?!
Primeira questão: por que é que, havendo legislação aprovada desde 1998, o Governo não concretizou aquilo que deveria ter feito?

Aplausos do PCP.

Segunda questão: por que é que aumenta as taxas agora?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, uma última nota relativa a um problema da economia.
Já aqui foram referenciadas questões centrais por parte do meu camarada Carlos Carvalhas, mas vou referir um caso concreto em relação ao qual V. Ex.ª tem intervenção pessoal.
Em Fevereiro de 1999, V. Ex.ª esteve presente, na qualidade de Primeiro-Ministro, no lançamento da primeira pedra e benção dos terrenos onde iria ser construída a nova unidade fabril da Portucel, em Mourão, unidade essa que, aliás, faz parte do caderno de encargos da privatização e que devia estar em execução em Março de 2001.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Orador: - Concluo imediatamente, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-Ministro, estamos em Março de 2001! Não há, sequer, a primeira pedra lançada, o que há é o anúncio do encerramento da empresa a 29 de Abril, com o despedimento de 200 trabalhadores. Isto faz perder a confiança no Governo!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. Tem mais 4 minutos que lhe foram cedidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, uma questão central: penso que o Partido Comunista não percebeu que para resolver problemas de fundo, estruturais e antigos, é essencial a modernização, porque não se resolvem problemas estruturais, antigos, através das medidas que, no passado, eram utilizadas para os resolver. Se o fizermos, nunca recuperaremos o atraso e já hoje não resolveremos bem esses problemas.
Ter uma capacidade científica de alto nível é hoje indispensável para resolver problemas de segurança estrutural em coisas construídas há 100 anos, e essa questão é decisiva para todos nós percebermos a sociedade em que vivemos. Apostar na resolução dos problemas estruturais com base nas velhas tecnologias e na lógica da velha economia é ter a garantia de que nunca mais recuperaremos o atraso.
Em primeiro lugar, a questão do interior: o interior não é apenas o regime do IRC. Descobrimos o interior com a questão do gás natural, descobrimos o interior com a reformulação do Plano Rodoviário Nacional e descobrimos o interior com um conjunto de equipamentos que tiveram prioridade em relação a esse mesmo interior.
Em matéria de taxas, temos de 25% para as grandes empresas mas 15% para as pequenas empresas. No âmbito da reforma fiscal, porque todos têm reclamado não medidas dispersas mas um quadro integrado, aí têm, num quadro integrado, a solução que nos pareceu mais adequada.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já existia!

O Orador: - Talvez pudesse ter sido mais cedo, até sou capaz de lhe dar razão nesse aspecto.
Em segundo lugar, quanto à privatização e qualidade do serviço público, há muitos casos em que a privatização é condição de qualidade do serviço público, e o que para nós conta é a qualidade do serviço público e não a posse de quem exerce uma função.
Há muitos casos em que a privatização contribui para a qualidade do serviço público e o que é preciso é que o critério seja esse, o da qualidade do serviço público, e não o do negócio. E o que muitas vezes subverte esta lógica é quando se privatiza não porque essa é a melhor maneira de tecnicamente responder a um problema de qualidade do serviço público, mas apenas por preconceitos ideológicos ou por lógica do negócio.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o caso!

O Orador: - Essa é uma questão para mim decisiva.
Finalmente e corrigindo, quero dizer, em primeiro lugar, que não estive na benção, quem esteve na benção foi o Sr. Ministro Pina Moura,…

Risos.

… mas é como se estivesse, porque um dos compromissos que, na altura, assumi, em sintonia com a empresa Portucel, foi que se realizaria uma nova fábrica naquela área e não fora daquela área, como a empresa pretendia. Isso consta do caderno de encargos…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … e do decreto-lei de privatização da empresa. É minha firme convicção de que será cumprido e, pela minha parte, tudo farei para que o seja.

Aplausos do PS.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E os 200 trabalhadores?! E o 29 de Abril, que é quando está planeado fechar a fábrica?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate mensal - espero que, para o mês que vem, haja mais - e, portanto, despedimo-nos do Governo.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 353/VIII - Criação de um observatório nacional dos efeitos das alterações climáticas (PS) e 377/VIII - Prevê o programa nacional de combate às alterações climáticas (Os Verdes).
Para introduzir o debate do projecto de lei do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já, porventura, algum de vós terá imaginado o desaparecimento gradual de sardinhas e outras espécies piscícolas das águas portuguesas? O Alentejo com aspecto inóspito e desértico? As praias portuguesas praticamente despovoadas durante os meses de Verão? Grandes extensões da nossa costa marítima totalmente submersas? Invernos prolongados, com níveis elevados de precipitação e cheias consecutivas no Vale de Santarém e Baixo Mondego?
Pois bem, num futuro não muito distante este cenário de um Portugal descaracterizado pode deixar de ser uma exagerada caricatura e transformar-se numa assustadora realidade.
Bastará, para tanto, atentarmos nos seguintes dados: nos últimos 40 anos, a espessura do gelo árctico diminuiu 40%; até ao ano 2100, o nível médio da água do mar subirá meio metro; as temperaturas médias, na década de 90, aumentaram 1ºC comparativamente com o início do século; em Portugal, cada indivíduo lança, em média, na atmosfera 1,4 toneladas de carbono por ano; todas as previsões apontam para um aumento global da temperatura, nos próximos 100 anos, de 1,5ºC a 5,8ºC, mais de que em 1990; o Painel de Peritos das Nações Unidas divulgou que as concentrações de dióxido de carbono aumentaram 31% desde 1750, um acréscimo sem precedentes nos últimos 20 000 anos; vários modelos climáticos prevêem que os teores de dióxido de carbono, em 2100, cresçam entre 50% e 165% relativamente aos valores actuais. Estes são números incontornáveis, Srs. Deputados, e que nos dão já a dimensão do problema que, hoje, aqui nos traz.
Não querendo enveredar pelo caminho do alarmismo público, que tantas vezes limita a racionalidade das soluções, devo, contudo, concluir a exposição do números afirmando que 80% das variações das temperaturas médias globais são devidos à intervenção do homem, ficando completamente afastadas as justificações naturais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, se as alterações climáticas diagnosticadas são antropogénicas, então, cabe-nos, a nós homens, resolver este problema considerável que os próprios homens criaram.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As opções ao nosso dispor para fazer face aos efeitos que as alterações climáticas já estão a produzir no ambiente e, por consequência, na organização da vida social e económica das sociedades, não são muito variadas, porém são de imperiosa efectividade.
Daí que, confrontados com este desafio à escala mundial, devamos, em primeiro lugar, delinear estratégias de adaptação às alterações climáticas, isto é, avançar com medidas concretas para minorar os efeitos negativos que se vão produzindo; em segundo lugar, definir políticas de mitigação das causas, atacando o problema na sua raiz, através da diminuição drástica da queima de combustíveis fósseis (gás natural, petróleo e carvão), principais responsáveis pelo emissão galopante de CO² na atmosfera e definir políticas para a redução das mudanças no uso dos solos e na cobertura vegetal; em terceiro lugar, apostar consideravelmente nos avanços tecnológicos e científicos no sector energético, recorrendo, assim, às energias alternativas e recicláveis, bem como promovendo a maior eficiência energética; em quarto lugar, devemos respeitar e fazer respeitar os vários acordos e tratados internacionais sobre esta temática, nomeadamente a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e o Protocolo de Quioto.
Por isso, Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 353/VIII, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, visa a criação de um observatório nacional dos efeitos das alterações climáticas, tratando-se, desta feita, e à luz de um desafio com natureza planetária, de um documento ambicioso apesar da sua modesta aparência.
Este observatório responde, desde logo, à necessidade nacional de desenvolver a capacidade de prevenir e mitigar os efeitos decorrentes das alterações climáticas e dos fenómenos climáticos extremos.
Consideradas a luta contra a intensificação do efeito estufa e a prevenção das consequências das alterações climáticas verdadeiras prioridades nacionais, caberá, então, ao observatório, ora proposto, a recolha, a análise e a difusão de toda a informação, estudos e pesquisas, em articulação próxima com outros organismos públicos, institutos, universidades e organizações não governamentais, por forma a que Portugal fique dotado de uma estrutura capaz, efectivamente, de sugerir aos decisores políticos - Governo e Assembleia da República - as medidas a adoptar.
O ambiente, em geral, e esta problemática, em particular, não podem ser património discursivo ou programático de ninguém, seja da esquerda ou da direita, seja novo ou velho, seja do Norte ou do Sul.
As sociedades modernas, conforme hoje se apresentam, não podem conceber a ideia de desenvolvimento sem uma preocupação ambiental clara, daí que se recuse toda e qualquer arrogância política proveniente de quem se acha «dono» dos dossiers ambientais.
A oportunidade e importância políticas do nosso projecto de lei fundam-se na atenção crescente que, felizmente, a opinião pública portuguesa tem dado a esta matéria.
Não faria, assim, sentido perpetuar no tempo a, pelo menos aparente, dispersão que existe entre os inúmeros estudos universitários sobre as alterações de clima, as várias pesquisas e trabalhos técnico-científicos nesta área, os contributos valiosos de associações ambientais e a própria posição política que Portugal tem assumido nas instâncias internacionais, com base no acompanhamento feito pela Comissão Interministerial, criada em 1998.
Concentrar todo este empenhamento nacional num só organismo significa, indubitavelmente, economia de tempo e de meios, racionalização de esforços, eficácia na

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propositura e credibilização política das medidas recomendadas.
Deve ser aqui feita uma referência à importância do projecto SIAM que, entre outros, foi um dos primeiros a debruçar-se sobre as alterações climáticas em Portugal, realizando, assim, estudos de impacte e de vulnerabilidade dos sistemas naturais e sociais, com resultados muito interessantes.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao falarmos, assim, de efeitos das alterações climáticas, a noção de responsabilidade, à luz das gerações futuras, adquire todo o seu sentido e relevância.
O legislador, hoje, ao debater este assunto e ao aprovar este projecto de lei estará a dar um passo significativo para acautelar a qualidade ambiental da vida dos filhos dos seus filhos.
Perante os dados preocupantes a que todos temos, actualmente, acesso, a omissão legislativa, a inércia política ou o comodismo social assumiriam, dentro de alguns anos, contornos de uma herança demasiado pesada e injusta para os nossos futuros concidadãos.
E vindo a presente iniciativa legislativa da bancada parlamentar do PS, e em particular dos seus deputados mais jovens, ela assume dois significados que devo sublinhar e destacar: o primeiro é a confirmação de um elevado grau de exigência política do PS quanto à preservação do ambiente, e o segundo condiz com um sentimento de não resignação com as múltiplas e positivas medidas já adoptadas pelo Governo nesta área.
Importa, por isso e em rigor, destacar alguns dos passos já dados pelo elenco governativo para atacar as causas e os efeitos das alterações climáticas: a introdução no País do gás natural, como factor de diversificação energética e de redução de intensidade carbónica relativamente ao petróleo; a distinção tarifária perante as fontes de energia renováveis; o programa nacional de encerramento de lixeiras e da gestão de resíduos sólidos urbanos; a discussão e a aprovação da própria posição negocial da União Europeia para a Conferência das Partes durante a presidência portuguesa; e, enfim, medidas fiscais em matéria ambiental, entre outras. Apesar de tudo, o sentimento que fica é que há mais e sempre mais e mais por fazer.
Sobretudo, o Governo socialista tem observado criteriosamente o interesse nacional na preservação do ambiente e cuidado pouco de saber se são ou não medidas populares, pois, na maioria, sabemos que o não são.
Uma última palavra para tecer algumas considerações sobre o projecto de lei apresentado pelas Deputadas de Os Verdes, porquanto nos parece que o escopo aí definido é louvável e politicamente relevante, já que encara as alterações climáticas como um importante desafio ambiental, social e económico.
Porém, a criação de um programa nacional de combate às alterações climáticas, sobretudo quando aparece depois da nossa iniciativa de um observatório nacional, acaba por ser redutora, na exacta medida em que uma das suas funções, ou uma das funções do próprio observatório nacional por nós proposto, é precisamente a definição de «medidas para mitigar a mudança do clima e promover (…) e estimular a mais ampla participação neste processo, inclusive a participação das ONG», que consta, aliás, da exposição de motivos do vosso projecto de lei.
Assim, o projecto de lei para a criação de um observatório nacional é mais ambicioso, abarca mais áreas de investigação, autonomiza funcional e financeiramente este órgão e associa os órgãos de decisão política às suas recomendações. Sr.as Deputadas de Os Verdes, se podemos ter mais, para quê ficar pelo menos?
Srs. Deputados, os agentes políticos devem assumir as suas responsabilidades perante a dimensão real deste problema; por isso aqui estamos, Partido Socialista, a encarar de frente e com rigor as possíveis soluções. Agora, cada um de vós assuma igualmente as suas responsabilidades!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Queiró e Heloísa Apolónia, mas o Sr. Deputado Ricardo Castanheira dispõe apenas de 57 segundos, o que é pouco tempo para poder responder-vos em condições. Pergunto-lhes, pois, se estão dispostos a ceder-lhe algum tempo.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - O Grupo Parlamentar do CDS-PP cede-lhe 1minuto.

O Sr. Presidente: - Da parte de Os Verdes não existe qualquer cedência de tempo. O fruto não está maduro!
Portanto, o Sr. Deputado Ricardo Castanheira tem mais 1 minuto, que lhe foi cedido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, para que este debate não seja meramente académico e seja um debate político, será bom ver em que sentido o seu partido tenciona situar a iniciativa que propõe, porque estamos, de facto, perante um problema mundial, que é acompanhado mundialmente por instâncias governamentais e por institutos académicos do mais variado tipo, pelo que não há propriamente défice de conhecimento nesta área e o Sr. Deputado vem aqui propor a criação de um observatório.
Ora, o aumento das temperaturas, que já se verifica, tem consequências, sobre as quais existe um crescente consenso científico, que se traduzem, fundamentalmente, em alterações não só do regime de temperaturas do Verão e do Inverno mas sobretudo do regime de precipitação. Já estamos a ter, porventura, períodos de cheias mais intensos e prolongados, tal como vamos ter períodos de seca igualmente mais intensos e prolongados.
Há, por isso, um variado tipo de consequências que importa integrar nas políticas governamentais de todos os países: não apenas os casos mais gritantes de consequências que têm influência na vida quotidiana das pessoas, mas também consequências económicas, por exemplo na agricultura, na degradação dos solos, nas alterações dos hábitos das espécies piscícolas - se, em Portugal, houvesse uma política de pescas, obviamente que o Governo tinha de se preocupar com isso!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas no fundo, o Sr. Deputado vem aqui propor mais um instituto académico, para se fazerem mais observações, mais estudos. Aliás, não percebo mesmo porque é que este debate é acompanhado pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, porque, nessa medida, deveria ser acompanhado pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia.

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Isto para acompanhar, do ponto de vista governamental, a iniciativa do partido que suporta o Governo.
Gostava que o Sr. Deputado me pudesse responder, tendo em atenção o seguinte: as alterações no consumo dos combustíveis fósseis que os grandes organismos internacionais estão a procurar ditar para os países, e que Portugal, obviamente, vai acompanhando, devem ser avaliadas na escala portuguesa pela adequação da actuação do nosso Governo aos acordos internacionais que vai subscrevendo, a não ser que o observatório nacional dos efeitos das alterações climáticas vá observar a conduta do Governo a respeito do cumprimento ou do acompanhamento desses acordos internacionais, e do verter, em termos de prática e de legislação interna, o seu cumprimento.
Não é propriamente o peso…

O Sr. Presidente: - Peço-lhe quer termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não é propriamente o peso da realidade portuguesa que pode influir sobre isso, o que importa é ter em atenção que é todo o conjunto de políticas que o Sr. Deputado traçou que têm de ser observadas.
Pedia-lhe, portanto, Sr. Deputado, que fundamentasse melhor a criação do observatório para definirmos melhor a nossa posição final acerca da iniciativa legislativa.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ricardo Castanheira pretende responder já ou responde conjuntamente aos dois pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Respondo conjuntamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, não me parece correcta a referência que V. Ex.ª fez na sua intervenção ao diploma de Os Verdes, porque considero que os dois projectos de lei em discussão têm objectivos distintos.
Creio que é notório que o projecto de lei de Os Verdes tem como objectivo a adopção, em Portugal, de medidas concretas, no sentido do combate às alterações climáticas e, por isso, propomos a criação de um programa que estabeleça medidas concretas relativamente a esta matéria, à sua forma de elaboração, de discussão e de conclusão e, inclusivamente, apontamos prazos para a sua conclusão.
Ao contrário, o projecto de lei do Partido Socialista determina mais algum levantamento relativamente a esta matéria, mais estudos sobre a matéria e, inclusivamente, refere que o relatório anual a fazer pelo observatório deve ter em conta os efeitos em Portugal, incluindo Açores e Madeira, das alterações climáticas, referindo, num segundo ponto, que esse relatório pode conter recomendações.
Portanto, não me parece, de facto, que o projecto de lei do Partido Socialista tenha como objectivo a adopção e o estabelecimento de medidas concretas para o combate às alterações climáticas, mas, antes, mais uma forma de levantamento e de estudo sobre aquilo que - permita-me que lhe diga, Sr. Deputado -, como sabe, e bem referiu na sua intervenção, já está feito. Não me parece, pois, que ele traga grande coisa de novo.
Na nossa perspectiva, Sr. Deputado, o que é preciso é agir sobre o conhecimento real que já se tem sobre esta matéria.
Por outro lado, o vosso projecto de lei deixa por regulamentar quase tudo aquilo que diz respeito ao observatório nacional proposto. Mas o Sr. Deputado terá já, com certeza, alguma ideia sobre a composição desse observatório, pelo que gostava, naturalmente, de o ouvir sobre isso.

O Sr. Presidente: - Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Manuel Queiró e Heloísa Apolónia, agradeço as questões que me colocaram.
Começo por aproveitar uma observação feita pelo Sr. Deputado Manuel Queiró para lhe dar a resposta. O Sr. Deputado disse que estranha a presença do Sr. Secretário de Estado do Ambiente aqui e que quem cá deveria estar era o Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia. Sr. Deputado, essa é a prova evidente de que este é um assunto que não envolve apenas, directa e exclusivamente, a responsabilidade dos governantes na área do ambiente mas um conjunto vasto de outros intervenientes e outros agentes, quer no seu estudo, quer na definição das próprias medidas de mitigação. Exactamente por isto, Sr. Deputado, é que devo responder-lhe da necessidade e da justificação da existência de um observatório com a natureza daquele que nós propomos, para que essa mesma entidade possa concentrar, dentro do seu quadro de competências e funções, representantes do Ministério do Ambiente, representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia, como disse, e também, como nós dissemos da tribuna, organizações não-governamentais, universidades, no fundo e enfim concentrado todos aqueles estudos que hoje, em Portugal, já estão a ser feitos de forma mais ou menos avulsa e dispersa.
Apesar de tudo, a certeza que quer o Sr. Deputado Manuel Queiró quer a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia denotaram nas suas intervenções de que o diagnóstico está feito, de que as causas são conhecidas e de que resta apenas e só definir políticas para as atacar eu confesso que não a tenho. Os próprios cientistas, publicamente conhecidos, que hoje, em Portugal, trabalham nesta área, não têm essa certeza. Aliás, não têm essa certeza e chegam ao ponto de dizer que não é possível ainda, neste momento, definir nexos de causalidade absolutos entre as mutações e alterações climáticas a que temos assistido e algumas reacções nos vários sectores produtivos, ambientais e de saúde pública. Daí que a existência de um observatório com esta natureza, concentrando e fazendo desenvolver mais estudos e mais investigações, possa ser decisiva para, por um lado, investigar e analisar mas, por outro, e para que seja consequente e não um fim em si mesmo, fica claro que o próprio observatório terá por função recomendar anualmente ao Ministério do Ambiente e ao Presidente da Assembleia da República bem como aos Deputados quais as medidas concretas e objectivas a tomar para

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mitigar e assim afastar as causas e os efeitos das alterações climáticas em Portugal.

O Sr. Presidente: - Para uma introduzir o debate do projecto de lei oriundo do seu grupo parlamentar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o 3.º relatório do IPCC, criado pela ONU, que analisa a evolução do fenómeno das alterações climáticas, apresentado no início deste ano, é claro: o planeta vai sofrer mais com o aquecimento global do que era previsível há 5 anos atrás. Se, em 1995, se previa que a temperatura média da Terra aumentasse até 3,5º C nos próximos 100 anos, a evolução da situação, dos conhecimentos sobre a mesma e fundamentalmente o ritmo a que a acção humana influi na mudança climática, já determinaram que, afinal, a previsão é de aumento da temperatura média até aos 5,8º C no próximo século. Se atendermos ao facto de que o aumento da temperatura no século XX foi o maior do último milénio, se anotarmos que durante todo o século XX esse aumento correspondeu a qualquer coisa como 0,6º C e que se prevê que, neste século, agora iniciado, aumente quase 6º C, percebemos que as perspectivas apontadas são muito preocupantes. Fenómenos como o El Niño têm tendência para ser cada vez mais frequentes em vários pontos do globo e os períodos de seca, particularmente no Sul, cada vez mais prolongados e intensos, com graves implicações ao nível do sector agrícola e portanto da base da alimentação humana.
Também estudos realizados sobre os impactes das alterações climáticas no espaço europeu determinam que Portugal será um dos países mais afectados por longos e fortes períodos de seca, o que terá consequências muito sérias, não apenas no sector agrícola, como no turístico e em todo o processo de desenvolvimento do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, as perspectivas não são, de facto, animadoras. Não se trata aqui de fundamentalismo ou de pessimismo; trata-se de olhar de forma realista para o que está a acontecer à humanidade e trata-se de exigir uma acção atempada sobre esta evolução preocupante. Por isso, é fundamental cumprir a Convenção Quadro para as Alterações Climáticas e garantir que o protocolo de Quioto, que estabelece metas para a diminuição de gases que provocam efeito de estufa, seja ratificado pelo número de Estados suficiente para entrar em vigor.
A 6.ª Conferência das Partes, realizada em Haia, no ano passado, não abriu boas perspectivas sobre a imperiosa coordenação de esforços dos países industrializados para a implementação de medidas e projectos de redução das emissões de gases com efeito de estufa. Muito problemáticas são também as recentes declarações de Bush sobre a recusa de regulamentação da diminuição de dióxido de carbono, negando importância a qualquer acordo de implementação do protocolo de Quioto, e isto é tanto mais grave quanto vem do presidente dos Estados Unidos, que representam cerca apenas 4% da população mas produzem cerca de 45% das emissões totais de CO2. Este facto determina ainda mais a necessidade de uma acção exemplar e coordenada por parte da União Europeia, para que tenha força no âmbito das negociações internacionais. E para esta coerência não contribuem posições como as assumidas pelo Governo português, que negociou o aumento das emissões de gases com efeito de estufa em 27% até ao período de 2010, com valores de referência de 1990, e o aumento em 40% de dióxido de carbono.
Nas diversas Conferências das Partes tem também ficado claro que é impossível combater as alterações climáticas se os Estados industrializados não adoptarem políticas e medidas internas com vista a esse objectivo. Foi precisamente nesse sentido que já vários Estados elaboraram e estão a implementar o seu programa interno de combate à mudança do clima. Em Portugal, assistimos ao agravamento progressivo dos efeitos das alterações climáticas, sem medidas de prevenção e mitigação adequadas, com uma ou outra medida pontual, sem soluções políticas integradas que contrariem a tendência de aumento das emissões de gases que provocam efeito de estufa. Aliás, o estudo da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa deixa claro que, se não forem tomadas medidas adequadas, Portugal, em vez dos 27% de aumento de gases com efeito de estufa, atingirá o aumento de 52%; ou, em vez do aumento em 40% de CO2, atingirá o aumento de 66%.
O projecto de lei de Os Verdes pretende, precisamente, que em Portugal se adopte aquilo que é já referido na Convenção Quadro: um Programa Nacional para o Combate às Alterações Climáticas, que constitua o plano global de acção neste campo e que concentre o conjunto de medidas a adoptar com vista à redução de emissões, à minimização dos efeitos das alterações climáticas e a acções de educação e envolvimento dos cidadãos. Consideramos que este Programa - porque é fundamental que a sociedade seja receptiva à sua aplicação - deve ser elaborado pelo Governo com a garantia do envolvimento e a ampla participação de diversos sectores com implicações nos objectivos pretendidos, designadamente organizações de ambiente, autarquias, indústria, agricultura, pescas, comunidade científica, médicos de saúde pública, professores, estudantes. Para este efeito, deverá ser criada uma Comissão que procederá também ao acompanhamento da execução do programa. Depois da sua elaboração, o programa deve ser submetido a análise da Assembleia da República, bem como a discussão pública. Para a elaboração do programa, estabelecemos um prazo de 120 dias que consideramos realista, pelo facto de o levantamento da situação e previsão das alterações climáticas estar feito. O que falta mesmo é definir o plano de acção, de intervenção para rapidamente implementar as medidas de combate ao fenómeno da alteração do clima.
É este o contributo do projecto de lei de Os Verdes: agir de forma integrada e enquanto é tempo!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o meu partido gostaria de ver presente neste debate, a respeito do projecto de lei do PS, o Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, para, em nome do Governo, dizer se este observatório é ou não necessário do ponto de vista da capacidade e académica instalada em Portugal.
Em segundo lugar, gostaria que o PS especificasse com mais propósito as funções e os objectivos que pretende ver preenchidos com esta iniciativa. Ou seja, pretende que esse observatório venha a definir as políticas, a alteração de políticas, o acompanhamento das políticas? O quê, concretamente? Em termos de substituição da actividade governativa? Não tem o Governo um Ministério do Am

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biente? Não tem o Governo capacidade ou todos os meios à sua disposição, em termos de capacidade de investigação nacional e internacional, para saber o que se vai passar?
Eu estava justamente a folhear artigos da comunidade científica internacional, já com vários anos, que, inclusivamente em relação a Portugal, vão discriminando as áreas, em termos das mudanças climáticas, nomeadamente em termos de temperatura e sobretudo de precipitação e das consequências que isso tem ou pode vir a ter nomeadamente para a erosão e degradação dos solos, compactação, salinização, toxificação dos solos, tudo isso. As alterações que o Ministério da Agricultura, por exemplo, retira em relação a isto, à necessidade de proteger os solos, da previsão de aumento de adubos e nutrientes artificiais, de melhor protecção para os fenómenos de erosão por água e vento, de aumentar redes de rega e enxugo, de protecção para a degradação com a cobertura por coberto vegetal dos terrenos circunstantes, tudo isso falta aqui neste debate. Está aqui o Ministério do Ambiente para quê? Para fazermos mais reflexões académicas sobre o aumento das temperaturas?
Diria, a propósito do que disse a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que os dados que temos são de que o aumento do CO2 na atmosfera, depois do início da utilização pela Humanidade de combustíveis fósseis, é relativamente reduzido em relação àquilo que se prevê para o meio do século em que estamos, isto é, 12% a 13% até agora, mas 100% de aumento na percentagem da concentração de CO2 na atmosfera até ao meio do próximo século. É evidente que as projecções de aumento da temperatura acompanham isto, o que é, de facto, preocupante e determina uma mudança de regime de precipitações, de cheias e de secas, e as consequências devem ser tiradas pelo Governo, pelo que não compreendemos muito bem a necessidade de um observatório.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Sr. Presidente, a abrir esta pequena intervenção sobre os dois projectos de lei que temos em cima da mesa, queria deixar uma nota que me parece importante, que é a de como este projecto de lei do PS é claramente a marca de fim de ciclo da governação do Partido Socialista. Não sei se passou despercebido a alguém que, há meia hora atrás, esteve aqui o Sr. Primeiro-Ministro a verberar a duplicação e a multiplicação de funções na Administração Pública, a verberar a criação de demasiados institutos, a dizer que é preciso ir saber onde é que está esta duplicação de funções e corrigir o caminho. Contrataram o Dr. Vital Moreira para vos dizer para onde é que devem ir e, a seguir, meia-hora depois, vem o PS, por projecto de lei, propor zero medidas e um observatório cujos termos de funcionamento, sede, funcionários, motoristas, secretárias, por aí fora, virão a ser definidos pelo Governo em regulamento.
Por outro lado, é óbvio que este sinal de desnorte não tem só a ver com a contradição das afirmações do Primeiro-Ministro; tem uma crítica, implícita e séria (e nessa nós acompanhamos a bancada do PS) ao Governo quando lhe diz: «os senhores, desde 1998, quando trouxeram a Ministra Elisa Ferreira aqui ao Parlamento, disseram que iam fazer uma comissão interministerial para o problema do estudo das alterações climáticas,...» (o ridículo é de tal maneira que essa comissão interministerial não reuniu uma única vez sequer durante a Presidência portuguesa) «... têm o trabalho atrasado» - somos, a par da Grécia, o país mais atrasado em matéria de estratégia de alterações climáticas na União Europeia. Portanto, o Grupo Parlamentar do PS vem aqui dizer a estes senhores: «acordem, já que não fizeram, já que não conseguiram dinamizar o grupo que estava previsto na Direcção-Geral do Ambiente, nós nem sequer esperamos pela resolução anunciada para daqui a dois ou três meses para vir reforçar esse grupo de trabalho e apresentar um Plano Nacional de Alterações Climáticas ao País e estamos aqui a dizer que o que queremos, rapidamente, é um observatório».
Pois, Srs. Deputados do PS, do que nós precisamos não é de que, nesta bacia sedimentar de camadas sucessivas da Administração Pública, venha mais uma! Do que nós precisamos, de facto, é de políticas concretas para resolver este problema, que é dos mais sérios e dos mais desafiantes da política ambiental e um problema onde se vê a capacidade de um governo de praticar uma efectiva transversalidade e horizontalidade na política do ambiente. E, ao fim de seis anos, aqui temos o Governo para o julgar, e temos o resultado à vista.
Em matéria de alterações climáticas, o falhanço da comissão interministerial é a negação da capacidade deste Governo de aplicar transversalidade à política do ambiente. Da mesma maneira que estes senhores sacodem o problema dos resíduos agrícolas para o Sr. Ministro da Agricultura, que sacodem o problema dos resíduos hospitalares para a Sr.ª Ministra da Saúde, espalhando o problema por vários sítios para fazer de conta que não temos de o resolver; da mesma maneira que o Sr. Ministro do Ambiente veio, todo orgulhoso, dizer que não tinha nada a ver com o Instituto da Navegabilidade do Douro e com os problemas das areias do Douro porque, embora regule o Tejo, já no Douro a responsabilidade é do Sr. Ministro que, convenientemente, se demitiu…

A Sr.ª Natalina de Moura (PS): - E não tinha mesmo!

O Orador: - Mas a Sr.ª Deputada está orgulhosa disso!? Isso é que é extraordinário, Sr.ª Deputada, que ache bem que não tenha! Os senhores acham bem que o Ministério do Ambiente não tenha competências no Douro! Isso é uma coisa absolutamente extraordinária!
Portanto, temos aqui mais este exemplo.
Concretamente, em relação ao articulado proposto, o artigo 1.º é uma duplicação dos compromissos que já assumimos em matéria de União Europeia; em relação ao artigo 3.º, resta saber então o que é que vai acontecer ao trabalho que andou a ser feito pelas pessoas que estavam a constituir este grupo de trabalho na Direcção-Geral do Ambiente - se é para deitar fora o tal dito Plano Nacional de Alterações Climáticas que o Sr. Secretário de Estado prometeu para daqui a um ano (o que é uma coisa milagrosa porque, em França, com a intervenção do Presidente da República e do Primeiro-Ministro, o Programa Nacional de Alterações Climáticas, que se presume que seja uma coisa séria, dado que se não for para isso, não vale a pena, levou dois anos a fazer e o senhor promete-o para daqui a um ano, mas já perdeu cinco meses depois de Haia sem nada fazer!
Quanto a medidas concretas - porque é nessas que se avaliam, não é nos observatórios, nos jobs for the boys, nos empregos -, gostava de perguntar aos Srs. Deputa

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dos do PS se conhecem a iniciativa do Ministério da Energia que se chama Regulamento de Execução da Medida de Apoio ao Aproveitamento do Potencial Energético e Racionalização de Consumos. Porque isto não se vê em balelas mas sim em acções concretas, e em acções concretas o que o senhores fazem é publicar na Internet e publicar uma portaria com um regulamento que devia estimular o consumo das energias renováveis mas que mata completamente as energias renováveis em função do negócio do gás natural. Nestas medidas concretas é que devia haver política de alterações climáticas, não na duplicação de funções da Administração Pública.
Quanto ao observatório nacional, se o Governo vier aqui assumir que desiste do que andava a fazer na Direcção-Geral do Ambiente, que aceita o puxão de orelhas da bancada do PS e que, a partir de agora, vai fazer a sua política através do observatório, excelente, lá iremos.
Quanto ao projecto de lei apresentado por Os Verdes, há uma diferença substancial. Os Verdes, pelos vistos, não precisam de empregos, estão contentes com o que têm e, portanto, vêm propor que se faça o programa nacional das alterações climáticas.
Há duas ou três dúvidas que gostava de ver esclarecidas, porque elas determinam o voto do PSD, que ou se abstém ou vota favoravelmente o vosso projecto, se estiverem dispostos a introduzir duas ou três alterações que, se nos permitem, achamos importante que se façam.
Em primeiro lugar, os planos nacionais de alterações climáticas são constituídos por um programa nacional de redução das emissões dos gases de efeito de estufa, uma comissão nacional e um programa de investimentos. Ora, não me parece curial misturar tudo no mesmo saco - talvez a expressão seja forte, mas é o que acaba por acontecer com o projecto apresentado por Os Verdes. Por outro lado, parece-me que o n.º 2 do artigo 2.º devia ter uma formulação mais extensiva. Penso, por exemplo, que não devia ser deixado de fora o sector da construção, que é essencial para a redução das emissões, para a matéria das alterações climáticas.
Por último, ainda na sequência daquilo que já disse sobre a complexidade da elaboração de um plano nacional para as alterações climáticas, parece-me manifestamente insuficiente o prazo de 120 dias que estabelecem no n.º 3 do artigo 3.º. Portanto, se houver, como presumo que haja, por parte do Partido Ecologista «Os Verdes», disponibilidade para, em sede de comissão, recolher sugestões de outros partidos sobre esta matéria, excelente, cá estaremos para apoiar.
Quanto ao resto, resulta deste debate uma única nota importante: já nem a bancada socialista e o Governo se entendem nesta matéria. Ora, isso é bem sinal de como estamos no grau zero do trabalho que devíamos fazer em matéria de alterações climáticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações climáticas no planeta, resultantes da emissão crescente e continuada de gases que contribuem para o efeito de estufa, são, sem dúvida, um dos problemas mais sérios com que a humanidade se confronta. É o futuro da própria humanidade que está em causa e a grande questão que se coloca a todos nós é a de saber se esta preocupação com o nosso futuro colectivo triunfará ou se, ao contrário, continuarão a prevalecer os egoísmos e as ambições economicistas.
Trata-se de problemas políticos essenciais, em torno dos quais se movem poderosos interesses e lobbies económicos.
Desde a Conferência do Rio, em 1992, que, sob a égide das Nações Unidas, se realizam regularmente conferências, chamadas «Conferências das Partes», com o objectivo de encontrar soluções para o combate às alterações climáticas, o que, se, por um lado, representa o reconhecimento de que o planeta Terra é um património de todos e de que é necessário garantir a preservação da sua habitabilidade também às gerações futuras e é um dos aspectos que necessita de uma gestão comum, por outro lado, não pode deixar de causar perplexidade e indignação a desproporção entre a gravidade do problema e o não avanço das soluções urgentes, mesmo que insuficientes. O neoliberalismo, por definição, não pode resolver esta questão, mas o domínio do poder económico do mercado sobre os Estados é tal que os impede de adoptar medidas neste campo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1997, na Conferência de Quioto, 159 Estados, entre os quais o nosso (mas ainda não o ratificámos), assinaram um protocolo em que se comprometeram, para o período de 2008 a 2012, a reduzir em 5% as emissões globais do conjunto de gases que contribuem para o efeito de estufa, medida que, embora insuficiente face à gravidade do problema, não deixou de constituir um avanço, dado tratar-se de um passo significativo para a gestão global e para a mobilização da opinião pública.
Portugal, englobado na redução conjunta de 8% da Comunidade Europeia, beneficiou, em consequência do nosso escasso sector produtivo, da possibilidade de aumentar significativamente as suas emissões, tendo em vista o necessário desenvolvimento económico do País.
Só que o que se passou de então para cá não pode deixar de nos causar profunda apreensão e indignação.
Os países ricos - com os Estados Unidos à cabeça, responsáveis, só por si, por um quarto do total das emissões nefastas e que, aliás, não assinaram o acordo -, sujeitos à pressão de poderosíssimos lobbies, têm procurado encontrar mecanismos, não para reduzir as emissões, mas para promover a sua compensação artificial, incluindo a compra de quotas de emissão a outros países mais pobres.
Os países subdesenvolvidos, por outro lado, reclamam para si o direito ao crescimento económico, sem limites de emissão, como forma de resolver os seus problemas prementes. E assim se vai andando…
Desta forma, um ano depois de Quioto, em Buenos Aires, perante a incapacidade de acordar nas políticas que materializassem o protocolo de Quioto, ficou decidido que, em 2000, em Haia, no virar do século, essas políticas seriam estabelecidas. Só que, em Haia, tudo ficou adiado, mais uma vez, apesar de o órgão subsidiário de consulta científica e tecnológica, criado no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, conhecer, hoje, com mais precisão, o aumento médio previsível para a temperatura do globo, que tende, infelizmente, para as piores perspectivas que se vinham apontando.
Daquilo que, desde já, é possível assegurar sobre os efeitos da previsão do aumento do clima (e, de facto, ainda não se conhece tudo), trará para os países mediterrânicos, entre os quais nos encontramos,

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consequências dramáticas com o aumento da desertificação e o desaparecimento de áreas densamente povoadas na nossa costa e nos estuários dos rios, enquanto fenómenos extremos como secas e cheias terão frequências muito maiores.
Neste contexto, é inaceitável a posição de passividade do Governo português na adopção de políticas que contrariem a emissão de gases que contribuem para o efeito de estufa e na sensibilização e mobilização da opinião pública.
Portugal limitou-se a aguardar passivamente, na esperança de que fossem tomadas medidas globais para depois as aplicar, em Portugal, como imposição externa.
Sr. Secretário de Estado, a política de ambiente seguida em Portugal é uma política de direita, subordinada aos interesse dos grupos económicos interessados num mercado que proporcione lucros elevados e rápidos a cada vez menos portugueses, sem preocupações com o futuro.
Também aqui, no ambiente, o que se exige é uma política de desenvolvimento sustentável, virada para o bem-estar das populações, uma política alternativa de esquerda! O interesse do País exige que Portugal tenha parte activa na Conferência das Partes e dê o exemplo de praticar uma política de desenvolvimento sustentável e controlar as emissões abaixo dos níveis de Quioto, ao contrário do que acontece, conforme os estudos da Faculdade de Ciência e Tecnologia que mostram o descontrolo das emissões, muito para além dos níveis com que nos comprometemos em Quioto, com particular destaque para os transportes, sector bem significativo dos efeitos da política global deste Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado por Os Verdes, traduzindo uma norma da já referida Convenção Quadro das Nações Unidas para a criação de um programa nacional de combate às alterações climáticas, programa participado, com medidas e objectivos definidos, por forma a permitir o acompanhamento da sua execução, programa que o Governo devia, mas não soube ou não quis elaborar, merece o nosso apoio.
O projecto de lei do PS para a criação de um observatório nacional dos efeitos das alterações climáticas, partindo de princípios aceitáveis, é, em nosso entender, pouco ambicioso e necessita de um maior aprofundamento na especialidade ou, então, de ser englobado no projecto de lei de Os Verdes. As funções a que se propõe, definidas no artigo 3.º, e os dados que pretende recolher e sistematizar deveriam estar, há muito, de posse do Governo. Admitir que nem sequer existem, como faz o partido que apoia o Governo ao apresentar este projecto, representa, de facto, passar um atestado de incompetência à política de ambiente do Governo.
Seria mais um escândalo, se o Governo, nesta altura, nem sequer conhecesse, com objectividade, o que se passa no País em matéria de emissão de gases.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente (Rui Gonçalves): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui esta tarde para, mais uma vez, falarmos sobre a momentosa questão das alterações climáticas.
Infelizmente, parece que alguns dos Srs. Deputados não têm recordado aquilo que, em momentos anteriores, aqui se tem passado - aliás, permito-me, até mais, dizer que o PSD nem se recorda das acções que o seu anterior governo tomou em relação a este aspecto.
É preciso recordar que a questão da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, assinada no Rio, em 1992, contém disposições relativamente aos programas nacionais e aos relatórios nacionais para combater as alterações climáticas e Portugal deu cumprimento a essas obrigações, no âmbito da Convenção. Daí um pouco da nossa estranheza por o Partido Ecologista «Os Verdes» vir aqui propor que o Governo faça aquilo que está a fazer e, mais do que isso, aquilo que já anunciou para este ano como uma das suas prioridades nesta área.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Isso não me deixa nada descansada!

O Orador: - Mas se os Srs. Deputados estão esquecidos, posso mostrar-vos aqui o primeiro relatório de Portugal à Convenção Quadro das alterações climáticas, elaborado em 1994, que contém vários capítulos sobre políticas e medidas para a redução das emissões dos gases causadores do efeito de estufa.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Quantos entregou depois desse?

O Orador: - Em 1997, o governo do Partido Socialista apresentou o segundo relatório de Portugal à Convenção Quadro das alterações climáticas e, em 2001, tal como a Convenção o estabelece, apresentará o terceiro. Ou seja, Portugal tem cumprido integralmente as missões que estão contidas na Convenção Quadro das alterações climáticas.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Para que é o observatório?

O Orador: - Mas, agora, há uma situação que não podemos esquecer: é que, como os Srs. Deputados disseram, e muito bem, os estudos mais recentes sobre as alterações climáticas - e convém, já agora, recordar que os estudos que todos os Srs. Deputados tantas vezes aqui citam nesta Sala foram pedidos, encomendados e pagos, como devia ser, pelo Governo, pelo que eles foram feitos a pedido do Governo - determinam que a situação do nosso país não é favorável em termos da evolução das emissões. Isso é sabido e conhecido. Ou seja, é sabido e conhecido que as medidas avançadas pelo PSD e as medidas avançadas pelo governo do Partido Socialista são insuficientes para dar resposta aos nossos compromissos internacionais. Por isso, é preciso rever essas medidas e ampliá-las. Daí que o Governo se tenha comprometido, aquando da Conferência de Haia, a, em 2001, preparar um programa nacional de redução de emissões, que estará pronto, como referi, até ao final do ano.
De facto, a Sr.ª Deputada do Partido Ecologista «Os Verdes» é muito optimista em relação aos prazos para a realização do programa, mas o Sr. Deputado do PSD também é terrivelmente pessimista, porque acha que nada disto se pode fazer.
Ora, é neste quadro de acção para controlar as emissões dos gases causadores do efeito de estufa que é preciso avançar para além do diagnóstico. Da esquerda à direita deste Hemiciclo, todos os Srs. Deputados dizem que a situação é grave, que tem de se tomar medidas. Ora, nós

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estamos a preparar o elenco dessas medidas. Só espero que, quando essas medidas forem apresentadas, neste Parlamento, também da esquerda à direita do espectro político, os Srs. Deputados estejam em condições de apoiá-las e defendê-las. Ou seja, as medidas que devem ser tomadas para lutar contra as alterações climáticas são medidas políticas que têm impactos sociais e económicos, pelo que tem de haver um suporte social para que elas possam ser tomadas. E eu cá estarei para ver, todos nós estaremos cá para ver, quais as medidas que os vários partidos representados neste Parlamento estão disponíveis para apoiar.
Mas é preciso não esquecer que já foram feitas várias coisas, algumas, aliás, citadas pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins, que, agora, acha que a introdução do gás natural não deve ser apoiada, como se a introdução do gás natural não fosse uma medida essencial para reduzir a intensidade de carbono da nossa economia.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Não diga asneiras que eu ainda tenho tempo para intervir!

O Orador: - Mais do que isso, é muito importante que o desenvolvimento das energias renováveis possa fazer-se no nosso país. As medidas estão tomadas - algumas citadas pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins,…

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Tem o Programa Operacional da Economia por executar!

O Orador: - … outras, como aquelas que foram aprovadas neste Parlamento, aquando da discussão do Orçamento do Estado. Talvez os Srs. Deputados já não estejam recordados, mas, aquando da discussão do Orçamento do Estado, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propôs uma série de medidas na área do ambiente, que foram aprovadas e estão em vigor, nomeadamente o incentivo à utilização de energia solar e de veículos pouco poluentes.
Por isso, Srs. Deputados, na questão das alterações climáticas, nenhuma medida que possa ser tomada é uma medida excessiva; todas as medidas são necessárias para reduzir a intensidade de carbono na nossa economia. Portanto, não pode ser desprezado o conjunto de medidas tomadas pelo Governo, que são mais efectivas do que muitas tomadas em outros países da União Europeia.
Para terminar, quero só dizer que nós não estamos, como o Sr. Deputado José Eduardo Martins referiu, ao lado da Grécia; nós estamos ao lado dos países que estão a preparar os seus planos de redução de emissões e, como o Srs. Deputados sabem, apenas dois países na União Europeia já terminaram os seus planos de redução de emissões. Portanto, estamos com o conjunto dos países da União Europeia e, ao terminarmos o plano durante este ano, certamente ficaremos muito adiantados em relação ao grosso desses países.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - E quanto ao observatório? Nada?!…

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Sr. Presidente, ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente, Rui Gonçalves, já não adianta lembrar, mais uma vez, que, de acordo com a repartição de competências constitucional, que já temos há alguns anos, é a Assembleia que fiscaliza o Governo e não o Governo que fiscaliza a Assembleia.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Ainda não percebeu!

O Orador: - Portanto, se o Sr. Secretário de Estado vem aqui anunciar que espera a concordância da Assembleia quanto às medidas propostas pelo Governo, devo dizer-lhe duas coisas: se elas vierem daqui a alguns meses, duvido que seja o senhor a apresentá-las,…

Risos do PSD e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O Orador: - … mas, se elas cá chegarem, estaremos disponíveis para analisá-las. É que, até agora, não chegou nenhuma. E o que temos, concretamente, são algumas acções desgarradas do Governo, pela falta de coordenação que o senhor consegue imprimir.
Assim, ninguém aqui está contra o gás natural; o que não faz sentido é haver incentivos de 50% para o gás natural e de 20% para as energias renováveis. Isso diz bem da sua estratégia em relação a esta matéria das alterações climáticas.
Por último, gostaria de dizer o seguinte: o Sr. Secretário de Estado esteve num seminário, na Gulbenkian, onde fez uma intervenção, num estilo, enfim, que, na altura, os jornais comentaram com abundância, e esteve, já em Fevereiro deste ano, num seminário que reuniu, no Terreiro do Paço, uma série de especialistas internacionais, tendo todos concordado unanimemente que Portugal não tinha um mercado com dimensão suficiente para ter um mercado interno de emissões. Ora, foi justamente essa a única medida que o senhor anunciou no fim desse seminário e justamente essa a única proposta que fez, a de um mercado interno de emissões. A minha pergunta é se já teve tempo para estudar um bocadinho mais a matéria e se já se convenceu de que essa é uma medida disparatada e de que o que tem de fazer são os planos, que não tem.

O Sr. António Braga (PS): - Isso não se diz! Isso é um pedantismo!

O Orador: - Sr. Deputado António Braga, quando quiser discutir a matéria, terei todo o gosto.
Quanto aos países em relação aos quais vamos ficar à frente ou ao lado, que eu saiba, há já três com planos concluídos: a Inglaterra, a França e a Holanda. Portanto, nessa sua contabilidade de binómio, falta-lhe um.
Finalmente, devo dizer-lhe que, de facto, nós não temos rigorosamente nada. Isso coloca-nos, de braço dado com a Grécia, atrás de todos os outros países da União Europeia, como, aliás, foi sobejamente observado em Haia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Eduardo Martins, é evidente que Os Verdes estão disponíveis para, em sede de especialidade, discutir as propostas que outros partidos entendam apresentar a propósito da matéria constante do nosso projecto de lei.

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Relativamente à intervenção do Sr. Secretário de Estado, gostaria de dizer o seguinte: o Sr. Secretário de Estado considera que, por ter produzido um relatório para uma Conferência das Partes, fez o trabalho de casa e que, portanto, o trabalho está cumprido. É evidente que não entendemos que assim seja, mas também não é o facto de o Sr. Secretário de Estado andar por aí nos jornais a anunciar que vai apresentar um plano que nos deixa descansados. E o certo é que o Sr. Secretário de Estado conhece uma dita comissão interministerial, que, desde 1998, se comprometeu a apresentar uma estratégia nacional, mas, até hoje, ninguém a conhece. Portanto, o Sr. Secretário de Estado sabe e tem consciência de como Portugal está atrasado nesta matéria, no sentido da adopção de medidas internas para o combate às alterações climáticas.
Por outro lado, entendemos que é redutor o facto de o programa se resumir à redução das emissões de gases que provocam efeito de estufa. Ele deve ser muito mais amplo, conforme consta do nosso projecto de lei.
Também é certo e sabido que vamos ultrapassar, em grande medida, as emissões a que nos propusemos no âmbito da União Europeia. Servimos, aliás, de mau exemplo, focado pela delegação dos Estados Unidos, pelo facto de nos termos comprometido a uma diminuição de emissões e de, pelo contrário, as termos aumentado, em grande quantidade.
O que lhe pergunto, Sr. Secretário de Estado, é o seguinte: em quanto é que vamos ultrapassar os níveis de emissões a que nos comprometemos? E, porque já aqui foi referido o sector energético, gostava que o Sr. Secretário de Estado, só a título de exemplo, me falasse da estratégia adoptada para a promoção do transporte ferroviário e alternativo, no âmbito do QCA III e, já agora, também, da estratégia em termos da política florestal.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou, rapidamente, referir-me à intervenção do Sr. Deputado José Eduardo Martins.
O Sr. Deputado deve estar um pouco desambientado em relação a estas questões, porque o Reino Unido ainda não tem o seu plano de alterações climáticas aprovado. O que tem, como outros países, é vários documentos que estão, neste momento, a ser discutidos na praça pública. E isso Portugal também pode invocar.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - E nós temos?! Qual é o documento que tem a ser discutido?!

O Orador: - Mas, passemos à substância.
Gostaria, em primeiro lugar, de recordar um conjunto de medidas, em relação às quais é preciso, de facto, ter uma visão disforme da realidade para considerar que são desgarradas e que não fazem sentido. A primeira medida que quero acentuar - aliás, foi uma medida introduzida pelos governos do PSD - é a introdução do gás natural em Portugal.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - A primeira medida é do PSD, muito bem! A segunda medida será também do PSD?!

O Orador: - Esta medida contribuiu para a diversificação das fontes de energia e para a diminuição da intensidade do carbono na economia. Trata-se de uma medida essencial, que nós já tomámos, e que outros países só agora estão a tomar.
A segunda medida diz respeito à promoção das energias renováveis. Em Portugal, há mecanismos objectivos de promoção através do custo. Não são medidas virtuais no sentido de dizer que as energias renováveis são importantes, são medidas efectivas que pagam mais cara a produção de energias renováveis. Aliás, poucos países têm medidas com o alcance das que existem no nosso país!
A terceira medida prende-se com os incentivos fiscais para os consumidores utilizarem fontes de energia com menos intensidade de carbono - já referi os benefícios fiscais para a utilização de energia solar, já feferi o imposto automóvel diferenciado, aliás a nível zero, para os veículos eléctricos.
Estas não são medidas desgarradas, são medidas importantes, significativas, que passam pelos agentes económicos e pelos consumidores. Trata-se de medidas essenciais para que haja respostas que tenham resultados.
Gostaria, aliás, de salientar um dos aspectos do estudo da Universidade Nova de Lisboa, poucas vezes citado, que refere que Portugal só terá hipóteses de cumprir o compromisso de Quioto, que, ao contrário do que alguns dos Srs. Deputados dizem, não é um compromisso laxista, porque os números bem demonstram que Portugal só teve autorização para aumentar as suas emissões em 27% devido ao seu nível desenvolvimento e devido à sua baixa capitação de carbono. Não porque Portugal seja mais sorridente ou tenha os olhos mais azuis dos outros países, mas porque os nossos parceiros da União Europeia reconheceram que o nosso estádio de desenvolvimento não nos permitiria, como os factos o demonstram, conter as emissões ao mesmo nível das deles. Portanto, para nós, será um esforço significativa e proporcionalmente mais importante conter as emissões, aumentando até 27%, do que será para outros países estabilizar ou até reduzir um pouco as suas emissões.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Em quanto é que vão ultrapassar?! Já ultrapassaram!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - E o observatório?!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Então não fala do observatório, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Já agora, vou dizer algo sobre o observatório, já que os Srs. Deputados tanto falam nisso.
Parece que os Srs. Deputados consideram que já sabemos tudo e que tudo está esclarecido sobre a questão das alterações climáticas!
Quando um país com a importância dos Estados Unidos se dá ao luxo de pôr em causa o conhecimento científico sobre as alterações climáticas não é apenas por pesporrência, é também porque, de facto, existe alguma substância naquilo que é afirmado. Portanto, a proposta para que haja um observatório sobre as alterações climáticas tem todo o cabimento no sentido de serem integrados os conhecimentos dispersos que existem sobre essa matéria. E saber mais nunca fez mal a ninguém.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate relativo aos projectos de lei n.os 353/VIII e 377/VIII.
Passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 358/VIII - Altera o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário, apresentado pelo CDS-PP.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª. Secretária de Estado, Sr.as Deputados e Srs. Deputados: Na passada sessão legislativa, a minha bancada, preocupada com o crescente clima de violência, desrespeito e medo que se vive nas escolas portuguesas, sobretudo nos meios suburbanos, apresentou o projecto de resolução n.º 38/VIII, que previa um conjunto de medidas de combate à violência no meio escolar. Propúnhamos a criação de um observatório para a violência escolar e um conjunto de alterações ao Decreto Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, que regulamenta o procedimento disciplinar, no sentido de o dotar de maior celeridade e eficácia, protegendo valores, docentes e alunos, dando consagração, não só à função repressiva, mas sobretudo à função preventiva que este procedimento deve assumir.
A recusa de aceitar a proposta, por fechar os olhos aos factos, foi a resposta do PS.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, aumentou a violência nas escolas, as queixas dos professores subiram de tom, os pais e a sociedade civil em geral indignaram-se, os estudiosos denunciaram o carácter insustentável da situação, e o Governo e o PS reagiram, criando o Observatório para a Violência Escolar, que um ano antes o CDS-PP tinha proposto.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - E que o PS tinha chumbado!

O Orador: - É esta a actual tradição governativa que me permite, sem ser pediatra nem querer ser desagradável, dizer que é provocada por motivação infantil de não ser «o melhor da aula». Conheço isso, e sei que, naturalmente, há sempre essa tendência.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Perdeu-se um ano, e nós tínhamos razão. Mas interessa pouco que entretanto tenha havido vítimas. Protegemos os transgressores. Eles é que são as verdadeiras vítimas da sociedade.
Os valores fundamentais de qualquer sociedade democrática, como a igualdade, a tolerância, a compreensão, a responsabilidade, o progresso ou a participação democrática, contidos no processo educativo, são anulados pelo mal-estar e pela violência escolares.
Ouçamos, de profundis, as vozes que clamam: «sou professor do 1º ciclo e tenho de suportar tudo, ouvir do pior de alunos e encarregados de educação e encarar essas faltas de respeito grosseiras com um sorriso nos lábios. Por que razão querem fazer dos professores os mártires do ensino?». Citei uma carta de um professor de Ceira.
Cito ainda o seguinte: «Sou agente da PCP…»…

Risos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Do PCP não!

O Orador: - Podia ser, mas não é.
Peço desculpa, volto a citar: «Sou agente da PSP, a minha filha frequenta a Escola de Benfica e é assaltada e agredida consecutivamente por gangs sem eu poder fazer nada». Esta é a carta de uma encarregada de educação de uma aluna da Escola de Benfica. Como no Euronews, no comment...
É certo que a violência nas escolas resulta de múltiplos factores que não são exclusivos do nosso país e a maior parte deles são mesmo exteriores à comunidade educativa. Contudo, a assunção desta evidência não pode levar à inércia no seu combate imediato, nomeadamente ao nível repressão de comportamentos graves, que, em muitos casos, configuram actos qualificados como crimes no nosso ordenamento jurídico, tais como agressões, roubos, furtos, injúrias, actos racistas e xenófobos, tráfico e consumo de estupefacientes, vandalismo, uso e porte de armas, etc.
O regime relativo ao procedimento disciplinar, prévio a estes comportamentos, encontra-se plasmado no Decreto-lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, que criou o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário, consagrando um código de conduta na comunidade educativa.
A experiência de dois anos na sua aplicação mostra que este regime falhou. Partindo de um excesso de formalismo, este regime, em muitos casos, torna-se ineficaz quer ao nível da efectiva punição dos infractores quer ao nível do efeito disuasor de futuros comportamentos que a aplicação atempada de qualquer sanção sempre pressupõe.
Não há regime que cumpra a sua função preventiva quando um simples procedimento disciplinar pode demorar cerca de 60 dias entre a prática do facto ilícito e a sua punição.
Não há função preventiva quando o aluno pratica o acto punível num ano lectivo e só no ano posterior, quando mudou de escola ou deixou de estudar, é que o procedimento termina e a sanção é aplicada.
Não há nem punição nem prevenção quando, em muitos casos, este processo se transforma num julgamento ao professor e não ao prevaricador.
A conclusão é simples: a indisciplina é premiada porque não é politicamente correcto travá-la ou puni-la. As vítimas são o indesejável obstáculo, que escolheram mal - e parece que quase de propósito - o tempo de encontro com o agressor. É, de facto, imperdoável. As vítimas são imperdoáveis.
Eis as razões porque o CDS-PP apresenta o projecto de lei n.º 358/VIII, que altera o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário, de acordo com o que propunha há mais de um ano.
Assim, o CDS-PP propõe, em primeiro lugar, a simplificação de todo o procedimento disciplinar, reduzindo para cinco dias úteis os prazos, da instrução do processo, da aplicação da medida disciplinar e da interposição do recurso hierárquico. A decisão final deverá ser tomada no prazo de 10 dias úteis.
Procura-se, assim, tornar o procedimento disciplinar o mais célere possível, sem restringir as garantias de defesa aos alunos, assegurando o mínimo espaço de tempo possível entre a infracção e a sua punição.

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Em segundo lugar, altera-se a composição do conselho de turma disciplinar, tornando-o mais justo e eficaz. Propõe a presença de apenas um representante de cada parte implicada : um representante dos pais - ou da turma, se houver - e um representante do estabelecimento de ensino.
Em terceiro lugar, aumentam-se os poderes do director de turma, que é o agente educativo que mais bem conhece os alunos e a situação em concreto, conferindo-se a possibilidade de, para além da advertência ao aluno, que será comunicada ao encarregado de educação (tratando-se de uma competência já prevista no artigo 23.º da lei actual), o director de turma passar a poder aplicar as sanções de repreensão registada e de suspensão da frequência da escola até cinco dias úteis, que até aqui eram competência do presidente do conselho executivo ou director.
Em quarto lugar, ainda com o objectivo de dignificar os poderes dos docentes e, com eles, dos discentes, o CDS-PP propõe que, no caso da prática de um delito grave ou muito grave, o director de turma, para além da participação ao presidente do conselho executivo para instauração do competente procedimento disciplinar, deva ainda fazer acompanhar aquela participação com a indicação da sanção que, no seu entender, seja adequada ao comportamento em causa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O não acatamento desta recomendação pelo conselho de turma disciplinar, findo o procedimento disciplinar, passa a ter de ser fundamentado.
Reforça-se o poder de quem está mais próximo do aluno e o conhece melhor, reforçando o carácter de prevenção geral da sanção e o respeito pela figura do professor.
Por fim, reforçam-se ainda as medidas preventivas. De acordo com a actual lei, o aluno pode ser suspenso preventivamente da escola durante o prazo de instrução do processo - que, como já dissemos, é de 10 dias, passando, através do nosso projecto, a ser de 5 dias -, se a sua presença perturbar a instrução do processo ou o regular funcionamento da escola.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Acrescentamos mais um fundamento para a suspensão preventiva do aluno: se o comportamento em causa for manifestamente grave, o que se traduzirá na impossibilidade de manter uma relação normal entre aluno e professor.
Cria-se, assim, uma resposta imediata a situações extremas, para além de se encurtar o prazo de instrução.
Este conjunto de medidas por si só não irá resolver os problemas graves por que passa a nossa comunidade educativa. Temos, contudo, uma vaga convicção - digo «vaga» no sentido em que só ajuda se houver apoio por parte das outras bancadas - de que ajudará a granjear o necessário ambiente sadio das nossas escolas.
Temos a esperança de que, tal como noutras ocasiões, o Governo e o Grupo Parlamentar do PS, apesar da «carta de intenções» agora apresentada pela Secretária de Estado da Educação, que praticamente reproduz as ideias defendidas por nós há um ano, se irão juntar a nós. Se é uma esperança vã, o futuro o dirá. Mas, para dizer a verdade, não tenho grande confiança.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Acho bem!

O Orador: - Eis o motivo por que a minha bancada apresenta este projecto de lei, que consagra um conjunto de medidas que o país, em geral, e a comunidade escolar, em particular, há muito reclamam. Mas quem muito reclama, raramente é atendido. Tem sido esta uma das particularidades deste Governo, que tem também a particularidade de saber bastante, tanto como outros que já conhecemos anteriormente.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Deputado Rosado Fernandes não tem tempo para responder.

Pausa.

Como o Bloco de Esquerda concedeu tempo para que o Sr. Deputado Rosado Fernandes possa responder, dou a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, ao Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, serei muito breve.
O Sr. Deputado Rosado Fernandes, como professor universitário que é, tradicionalmente distante das escolas suburbanas - como lhes chama -, não faz a mínima ideia sobre a origem da violência das escolas.
A filosofia do seu projecto de lei trata os miúdos como se eles fossem criminosos potenciais, animados por um desejo conspirativo de desestabilizar a escola, de a desorganizar, etc. No entanto, há miúdos que vão para a escola sem comer, há miúdos que pertencem a famílias alcoolizadas, onde a violência doméstica é quotidiana, há miúdos que têm problemas psicológicos, desequilíbrios gravíssimos, e os senhores apresentam um projecto com uma filosofia que não percebo como é que o Sr. Deputado acredita que alguma vez resulte! Isto é, atribuir ao professor, ao director de turma, a possibilidade adicional de suspensão da escola, estabelecer prazos mais curtos na instrução do processo, diminuir o prazo da possibilidade de recurso para 10 ou 5 dias, um elemento da associação de pais… Pelo amor de Deus!… Estas medidas até podem ser interessantes, não digo que não, mas há aqui uma questão básica de filosofia que nos separa!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Isso há!

O Orador: - Os senhores não conseguem perceber que os miúdos também são vítimas! Mesmo os miúdos agressivos são vítimas: vítimas de meios familiares e de ambientes muitíssimo complicados! Aliás, os senhores propõem alterações a um estatuto que se aplica só ao ensino público; nunca sequer se perguntaram porque não se aplica ao ensino privado. Porque no ensino privado, onde há uma diferente origem social dos estudantes, normalmente, não se colocam estes problemas de disciplina.
Estas medidas, em si, são desinteressantes, não propriamente pela sua positividade mas, sim, pela filosofia, que se destina a o líder do CDS-PP fazer um número securitário a seguir, em nome da segurança das escolas, dizendo «coitadinhos…». Isso é demagogia! Esses problemas existem

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dramaticamente, mas são demasiado sérios para serem tratados desta maneira!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, como há mais uma inscrição para pedir esclarecimentos, penso que poderá responder em conjunto às duas questões.
Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosalina Martins.

A Sr.ª Rosalina Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rosado Fernandes, a questão dos problemas que os alunos transportam para a escola, como disse o Sr. Deputado Fernando Rosas, aparece de uma forma muito ténue na parte inicial do vosso diploma, onde dizem que «a violência nas escolas traduz a face visível de sociedades em permanente convulsão, com carências de valores e de referências (…)».
O CDS-PP, com este projecto de lei, pretende aumentar a repressão na escola pública,…

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - A disciplina!

A Oradora: - …pretende que haja celeridade em todo o tratamento disciplinar, embora reconheça que o Decreto-Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, representa um esforço do Governo, «consagrando um código de conduta na comunidade educativa».
Quero lembrar ao Sr. Deputado Rosado Fernandes que a política educativa do Governo não tem sido avulsa, mas, sim, concertada, e que a aplicação deste decreto-lei foi sendo acompanhada e avaliada. A grande linha orientadora da política educativa do Governo do PS tem em vista uma escola pública que seja inclusiva, com todos os pressupostos que já aqui discutimos em determinadas situações e a propósito de outros projectos de lei.
A pergunta muito concreta que gostava de colocar ao Sr. Deputado Rosado Fernandes é a de saber se não considera que o papel de grande preponderância atribuído ao director de turma, figura tutelar, figura única, pretende restaurar um pouco a figura sinistra das escolas do período «antes 25 de Abril» do director de ciclo, que propunha sanções e castigava os alunos por comportamentos menos adequados com processos sumários.
Portanto, o que pretendo saber é se o Sr. Deputado não considera que há uma grande arbitrariedade neste poder do director de turma, em contraponto com o que devem ser as decisões do conselho de turma - este, sim, um órgão colegial -, do qual fazem parte todos os professores da turma, que conhecem bem o aluno e que consensualmente poderão chegar a um melhor compromisso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou tentar fazer uma carambola, agradecendo, antes de mais, o tempo que me foi concedido.
Sr. Presidente, vou ver se acerto nas duas «perdizes», mas é preciso atirar a uma e a outra, porque, senão, erra-se o bando.

Risos do CDS-PP.

Sr. Deputado Fernando Rosas, quero dizer-lhe que nasci no Alto do Pina, por isso sei o que é jogar à bola de trapo. Conheci aquela malta muitíssimo bem, porque a minha família fazia caridade, era uma família mística (veja bem o azar que me calhou!). De facto, embora tenha um fatinho bom, foi lá que nasci.
Sei perfeitamente o que é a miséria e sei perfeitamente o que é o Bairro da Curraleira. Se calhar, quando V. Ex.ª ainda andava de cueiros já eu conhecia aquilo!
Por tudo isto, sei perfeitamente como é que se passam estas coisas e que as crianças vão com fome para a escola - sei, sim senhor! E sei que nos meios rurais isto também acontecia, mas agora menos, felizmente. Sei ainda como a violência se gera: gera-se pelo laxismo que existe! As pessoas acham graça!… Sigmund teve uma influência enorme e, neste momento, não se pode contrariar uma criança.
Tenho uma criança de 13 anos e meio e tenho sempre medo que seja assaltada, pelo que tenho experiência nesta matéria. E tenho medo! Pessoalmente, também tenho medo, embora seja corpulento, de ser, de vez em quando, agredido. Aliás, quero ver se me preparo e se faço a ginástica suficiente para conseguir responder em condições, porque a violência existe.
De facto, neste momento, não há uma sociedade que não seja violenta; desde a televisão, tudo incita à violência! Não me venham com tretas: a sociedade, neste momento, só instila violência nas crianças. Quem não é violento não é macho ou não é fêmea, de maneira que há qualquer coisa de muito íntimo na sociedade que ultrapassa a própria escola, que põe em risco a escola, a aprendizagem, a cultura e que me provoca a maior das tristezas. Aliás, foi por isso que me permiti apresentar este projecto, não foi por mais motivo nenhum; conheço todas as razões sociais da miséria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Abelha.

O Sr. António Abelha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: Encontramo-nos hoje aqui para discutir o projecto de lei n.º 358/VIII, sobre a alteração do estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário, apresentado pelo CDS-PP.
O dito diploma reconhece a importância de a formação dos alunos ser alicerçada em valores fundamentais, imanentes a qualquer sociedade democrática, como a tolerância, a responsabilidade, a igualdade de oportunidades, entre outros.
Constata-se, efectivamente, que, nos últimos anos, o Estado tem falhado na consecução de alguns desses objectivos, todos eles em íntima conexão com o exercício de uma cidadania livre e responsável.
Verificamos com preocupação que uma parte significativa dos nossos jovens, por factores endógenos ou exógenos em relação ao ambiente escolar, vêm assumindo comportamentos que, ultrapassando os limites da irreverência e do protesto inerentes à sua própria condição, resvalam para atitudes e condutas indisciplinadas e, por vezes - talvez vezes de mais - violentas.
Atentados contra bens jurídicos merecedores de tutela do Estado estão cada vez mais na ordem do dia, o mesmo é dizer nas páginas dos jornais, nas imagens das televi

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sões. Por isso, cremos que por detrás da apresentação de algumas alterações pontuais que o CDS-PP propõe em relação ao Decreto-Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, se encontram razões de maior vulto, como o restabelecimento da autoridade do professor - actualmente tão abalada -, a execução de efectiva sanção aos elementos que ponham em causa o normal funcionamento da instituição escola, sanção essa que, muito para além de um aspecto meramente retributivo, funcionará ao mesmo tempo como prevenção especial e geral e atenderá, acima de tudo, à reintegração do infractor na vida da comunidade escolar.
São preocupações legítimas que o PSD partilha.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E tanto assim é que a apresentação, por parte do PSD, de um projecto de resolução sobre combate à insegurança e violência em meio escolar, que acabou por merecer a aprovação unânime desta Câmara em 24 de Janeiro do corrente ano, demonstra a seriedade e o empenhamento deste partido em tão complexa e momentosa matéria.
O PSD reconhece que a situação actual que se vive nas escolas portuguesas, onde os casos de indisciplina e de violência se multiplicam, não propicia a existência de um clima de estabilidade e de convivência democráticas, tão necessário para que aqueles que, em conjunto, participam no processo de ensino/aprendizagem dele obtenham os melhores frutos pessoais e profissionais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não devemos ter complexos de qualquer espécie em reconhecer que a autoridade dos professores está seriamente questionada. Não devemos ter complexos em combater os fenómenos da violência e da indisciplina, que, pouco a pouco, vão minando a escola, através dos normativos legais de que dispomos.
Isto dito, não significa que qualquer espírito repressivo ou securitário nos anime. Não! Do que se trata é de responder de forma eficaz à violência e indisciplina escolares com a autoridade democrática, utilizando os mecanismos de auto e heteroregulação existentes.
Se a violência e a indisciplina fossem epifenómenos da realidade escolar - que não são -, não estaríamos hoje a discutir um diploma que pretende tornar mais célere a tramitação procedimental disciplinar. Se falamos de celeridade processual é porque se reconhece implicita e explicitamente a falência, pelo menos parcial, do actual estatuto dos alunos dos ensinos básico e secundário, nomeadamente o seu regime disciplinar e os procedimentos em que se estriba.
Sabemos que o restabelecimento da autoridade e da disciplina nas escolas não se consegue - nunca se consegue - com medidas avulsas e, sobretudo, por decreto. Por isso, esta iniciativa, por bondosa que seja, não é de per si o remédio para todos os males.
Necessário se torna a criação de equipas multidisciplinares de apoio às escolas, que com estas cooperem e actuem face a comportamentos desviantes. Necessário se torna que na formação de professores se abordem, através de vários módulos, estas novas realidades. Necessário se torna criar um novo modelo de escola onde a participação dos pais e encarregados de educação os co-responsabilize na acção de combate à indisciplina e violência escolares, onde a organização das turmas seja modificada, etc. E não vale a pena esgrimir números que, ao contrário de nos alertarem para estes novos fenómenos de indisciplina e violência, nos podem lançar num conformismo perigoso.
Não entrámos, nem nunca entraremos, pelo caminho do alarmismo. O que está em causa é demasiado importante para que possa ser dirimido em termos estritamente político-partidários.
Ao não abdicarmos das nossas posições ideológicas nem de uma concepção de escola que, certamente, não é sobreponível às concepções que quaisquer outros partidos têm sobre a mesma não significa, antes pelo contrário, que não tenhamos da educação uma visão consensual e de regime.
Não podemos partilhar a visão, essa, sim, redutora, que explica que toda a violência nasce a montante da escola e que por aí se fica; sabemos que há factores endógenos que conduzem a comportamentos de agressividade em ambiente escolar.
Não podemos cair num raciocínio do tipo «a sociedade é violenta; a escola é parte da sociedade; logo, a escola é violenta», e ficarmos por aqui. A exclusão social, a pobreza, o desemprego, a existência de famílias desagregadas são, sem dúvida, factores exógenos que contribuem de forma mais ou menos directa para a existência do fenómeno de violência nas escolas.
Não obstante tais factos, o problema que se coloca é o de não podermos, nem devermos, remeter tudo para a sociedade, da qual, aliás, a escola é parte integrante. Neste contexto, é necessário agir dentro da escola, dentro da sala de aula, tomar as medidas disciplinares adequadas aos casos concretos que nela se verifiquem. Não o fazer seria demitirmo-nos do nosso papel de educadores. Enveredar por este tipo de raciocínio, que à sociedade todas as culpas atribui, significaria nunca resolvermos qualquer problema de indisciplina ou de violência escolares. Aliás, o argumento é até demagógico e injusto, pois, em última análise, significaria que a escola não tem em consideração, na análise de quaisquer comportamentos desviantes, o universo que cada aluno significa.
Não é este o momento próprio para nos debruçarmos sobre a violência social. O que aqui está em discussão é se devemos ou não actuar nas escolas, e fazê-lo de forma justa, eficaz e célere. É esta a razão da apresentação do projecto de lei do CDS-PP.
Genericamente, concordamos com o seu teor e não será por responsabilidade do PSD que o diploma em apreço não descerá à Comissão de Educação, Ciência e Cultura para apreciação na especialidade. Temos, contudo, algumas dúvidas quanto a diversos pontos do projecto de lei do CDS-PP. Referimo-nos concretamente às alterações propostas ao artigo 23.º, n.os 2, alínea d), e 4, e artigo 27.º.
É para nós evidente que as referidas alterações ao Decreto-Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, que vão ao encontro das críticas que, em tempo, o PSD formulou ao referido diploma, sendo embora pontuais, podem melhorar o seu conteúdo, mas ficam longe de ser a resposta cabal e exigível ao excessivo formalismo de que enferma o referido diploma. Talvez se exigisse, neste momento, uma reformulação conceptual, material e formal do mencionado decreto-lei, passados que são três anos sobro o início da sua aplicação e o seu confessado falhanço e inadequação à realidade da escola.
Mas - repetimos -, tendo em consideração que os objectivos prosseguidos neste projecto de lei podem contribuir para melhorar a qualidade da decisão disciplinar das escolas e do relacionamento entre todos quantos nelas estudam e trabalham, pode o CDS-PP contar com a dispo

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nibilidade do Partido Social Democrata para, em sede de especialidade, melhorar e enriquecer o conteúdo do referido diploma.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em assuntos de tal gravidade e interesse colectivo como o são o da prevenção e combate à indisciplina e violência escolares, deverá haver o maior consenso possível entre os diversos partidos. Tirar dividendos desta difícil luta seria, no mínimo, oportunista.
Trata-se de devolver às escolas um ambiente em que se cultivem os valores essenciais para o exercício da cidadania. Trata-se de recuperar a imagem da escola, de restabelecer a autoridade democrática, de veicular a ideia de que ao lado dos direitos de cada um estão os deveres correlatos. Porém, neste momento, a realidade é bem diferente, e ignorá-la seria uma atitude irresponsável. Por isso, para esta luta comum, todos os intervenientes e responsáveis no e pelo processo educativo devem contribuir com a sua quota parte: alunos, professores, autoridades e Estado.
Não se deve nem se pode também continuar de costas voltadas para a instituição familiar. A existência de parcerias escola-família contribuirá para o fortalecimento de uma escola que se quer inclusiva e integradora, mas que não se quer - e, neste ponto, não podem restar quaisquer dúvidas - desautorizada, indisciplinada, violenta, insegura; em suma, uma escola que não cumpra, porque não pode, o seu objecto de socializar, educar, ensinar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Teresa Coimbra.

A Sr.ª Maria Teresa Coimbra (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 358/VIII, do CDS-PP, hoje em discussão, que se propõe alterar o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário, visa sobretudo abreviar a aplicação da medida disciplinar, reduzindo os seus prazos de instrução.
Propõe também que esta abreviação não restrinja as garantias de defesa dos alunos, embora, por outro lado, aumente os poderes do director de turma, fazendo com que o próprio conselho executivo da escola se submeta ao parecer daquele membro do conselho de turma.
Não me parece óbvio que o reforço dos poderes do director de turma contribua para a democratização da educação, para a igualdade de oportunidades, para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais, para o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, para a compreensão mútua, para os valores da solidariedade e da responsabilidade, enfim, para a participação democrática na vida colectiva - e apenas citei a nossa Constituição.
No caso do projecto de lei n.º 358/VIII, que altera o n.º 2 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, são previstas duas novas alíneas, as alíneas c) e d). E se a primeira, «Repreensão registada», que é da competência do conselho executivo, não merece reparos, já a segunda, «Suspensão da frequência da escola até cinco dias úteis», que é da competência do conselho de turma, levanta algumas dificuldades. É que se para os alunos do ensino secundário este procedimento pode ser seguido, já não acontece o mesmo quanto aos alunos do 3.º ciclo e do ensino básico, porque, para estes, têm de ser propostas medidas alternativas, uma vez que o aluno não deve ser impedido de ir à escola, segundo o que está legislado no n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 270/98. Aliás, para estes alunos a suspensão até tem um carácter excepcional.
Quanto ao n.º 4 do artigo 23.º, as alterações propostas roubam peso ao conselho de turma, que é quem deve decidir da pena a aplicar ao aluno.
No n.º 5 agora proposto para este mesmo artigo tira-se competência e há sobreposição de poderes em relação ao conselho executivo.
O artigo 24.º só é alterado no sentido de obrigar o aluno a cinco dias, no mínimo, de suspensão da frequência escolar; merece as reservas já apontadas.
Em relação ao artigo 28.º, devo lembrar que o conselho de turma se realiza sempre, mesmo que o representante dos encarregados de educação ou dos pais não consiga estar presente, desde que haja prova de que foi convocado para o efeito.
Neste projecto de lei há apenas a tentativa de redução de prazos e a tendência para agregar, numa só pessoa, o director de turma, uma decisão que se sobreporá - repito - aos outros órgãos decisórios sobre este assunto,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Não é verdade!

A Oradora: - … o que poderá conduzir, afinal, a que a tão preciosa democracia na escola não funcione…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - E o recurso?!

A Oradora: - Não podemos esquecer que os jovens, hoje em dia, estão cada vez mais sós, abandonados à influência de alguns meios audiovisuais altamente perigosos.
Eles procuram afirmar uma identidade que não reconhecem na família e, sobretudo, na escola. É daqui se nasce a tentativa de afirmação pela negativa, o que os conduz à violência.
Quando se procura «castigar» um aluno trata-se, acima de tudo, de o educar para a cidadania, e para isto não interessa o factor tempo. As penas aplicadas, quando bem estruturadas, pensadas e decididas em comunidade escolar, darão mais resultados positivos e serão mais facilmente aceites e compreendidas por toda a comunidade escolar. Até os próprios jovens poderão dar uma palavra adequada para este processo.
Por isso, o próprio Ministério da Educação já elaborou uma proposta de alteração ao Decreto-Lei n.º 270/98, que contempla as sugestões e reflexões colhidas durante os dois anos em que esteve em vigor aquele decreto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - O PS já sabe isso, mas mais ninguém sabe!

A Oradora: - É uma boa informação dos jornais, Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Não lê!

A Oradora: - Neste sentido, o Ministério da Educação não só propõe a aceleração da intervenção disciplinar nas escolas, reduzindo de 12 para 7 dias o limite para as decisões sobre comportamentos graves dos alunos como também preconiza a dispensa de procedimento disciplinar em caso de comportamento qualificado de grave.

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Por tudo o que aqui disse, justifica-se o voto contra este projecto, sem que deixemos, no entanto, de procurar, todos em conjunto, concertar novos métodos que levem os nossos jovens a não se sentirem injustiçados e que, ao mesmo tempo, os conduzam a aceitar que a escola não é castigadora nem repressora mas, sim, colaboradora e actuante na consecução dos objectivos que contribuem para o seu bem-estar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, em 1998, quando esta Assembleia discutiu o código de conduta dos alunos, que o CDS-PP hoje pretende agravar, dizia o Grupo Parlamentar do PCP: «(...) cada vez são mais urgentes as acções. Acções que estão fora das possibilidades da escola e que são responsabilidade do Governo. Acções que não ignorem, como o código o faz, que a gravidade das situações vividas na escola excede o quadro simplista da indisciplina. Acções eficazes, capazes de responder às necessidades, aos anseios e às expectativas da comunidade educativa e não uma mera listagem de procedimentos, alguns já em prática e cuja ineficácia é reconhecida. Acções pedagógicas que não decorram de uma concepção da educação individualista e anti-social, que não transformem a escola em espaço de segregação e penitência, mas acções que façam da escola espaço de socialização, de superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, de solidariedade e de responsabilidade».
O que dissemos então reafirmamo-lo hoje, ainda com mais força, porque o projecto de lei do CDS-PP em apreço conseguiria, se fosse aprovado, piorar um já de si mau e retrógrado código de conduta.
O próprio PP reconhece, no preâmbulo, que os factores de desestabilização da escola lhes são muitas vezes exteriores, mas, depois, esquece isso. Considera que a violência se revolve fundamentalmente com violência;…

Vozes do CDS-PP: - Com violência?!

O Orador: - … esquece que a escola é apenas um dos palcos do conflito e da agressividade.
O problema da indisciplina não é da conjuntura, nem de meninos maus, nem de professores sem autoridade, que se resolveria com medidas repressivas. Aliás, o recente Relatório Nacional de Avaliação Integrada das Escolas para o ano lectivo 1999-2000 vem desmentir a onda de pânico que só o PP vê nas escolas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ouçam! Ouçam!

A Oradora: - De facto, este relatório mostra que em todos os graus de ensino das instituições inspeccionadas - e são uma amostra considerável - o clima da escola é classificado como bom.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Vá às escolas! Fale com os professores!

A Oradora: - Aliás, um dos pontos mais positivos da maior parte destas escolas é mesmo o relacionamento interpessoal. O resto é que falha mais, mas sobre isso o PP nada diz. O principal problema da escola não é a indisciplina: é o abandono, é o insucesso, são as más condições.
As alterações que o PP propõe em concreto são absolutamente desenquadradas. Fala em «simplificação dos mecanismos de justiça» e «prazos de instrução do processo», comparando-os à acção do Ministério da Justiça em outras áreas; esta linguagem penal mostra a verdadeira face do PP e é imprópria para lidar com a indisciplina escolar.
Prevê aumentos dos limites mínimos das penas, aumenta a responsabilidade da aplicação das penas sobre os professores, nomeadamente sobre o director de turma, que passaria a poder decidir sozinho a suspensão de um estudante até cinco dias úteis. Ora, já que a referência do PP é fora da escola, diga-se, em abono da verdade, que até no sistema judicial são os tribunais que definem as penas a aplicar e não uma das partes.
A «celeridade processual» de que fala o PP em nada contribui para resolver os problemas da indisciplina. É clara a nossa opinião de que o fundamental deste combate se trava na sociedade, resolvendo desigualdades sociais, mas mesmo as medidas que têm de ser tomadas dentro da escola falham ao PP.
O que resolve e o que faz falta, mas isso o Ministério da Educação e o Governo tardam em aplicar, é a presença de técnicos de psicologia e assistência social no acompanhamento dos estudantes com comportamentos desajustados, é a estabilidade do corpo docente e não docente, são as turmas mais pequenas, são as condições das escolas, que nunca mais começam a estar completas, são os currículos eternamente enormes e desajustados.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No debate de 1998, a bancada do Partido Popular tornava clara a premissa filosófica de que partem para esta discussão: as sanções não devem ter como objectivo a «formação cívica e democrática do aluno», antes e apenas a sua punição. Ora, é desta pena sem objectivo, deste punir por punir, que o PCP discorda frontalmente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O PP, com este projecto de lei, defende que a escola empurre mais rapidamente para fora de si os estudantes com comportamentos desajustados; defende uma escola retrógrada, elitista, censora e repressiva.
O PCP defende uma escola integradora e aberta, viva e participada, um espaço de criação, de solidariedade, de progresso. Nisto, como em muitas outras questões, não poderíamos estar mais longe.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, estamos, genericamente, de acordo com a análise que o seu grupo parlamentar faz em relação ao projecto de lei apresentado pelo PP.
Ao apresentar este texto, há, de facto, uma visão distinta quando se olha para a escola, uma escola que não é aquela em que nos revemos, uma escola que deve incluir todos os que têm direito a aprender, mesmo aqueles que, por razões de origem social e familiar, são prevaricadores ou são até autores de atitudes de violência, mas também são vítimas dessa mesma violência.

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Portanto, Sr.ª Deputada, estamos de acordo com isto. Mais, acho que a proposta da PP distorce um pouco o papel do director de turma. O director de turma deve ser uma instituição de diálogo, de colaboração, de acompanhamento, de recurso e não uma entidade para aplicar uma sanção.

Risos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É ao contrário, Sr. Deputado!

O Orador: - Este é o modelo que defendemos para o director de turma; não queremos um director de turma a aplicar sanções, queremos um director de turma com capacidade de diálogo, de permuta, até, e de apoio à família. Logo, há aqui uma divergência fundamental.
Mas, Sr.ª Deputada, é bem-vinda a leitura que fez, desdramatizadora da situação de violência das escolas. Ora, como aqui dissemos num debate recente, e não fomos acompanhados pelo PCP nessa ocasião com a mesma determinação de hoje, há problemas de indisciplina nas escolas, mas não há problemas suficientemente graves para considerarmos uma situação de alarme. E ainda bem que a Sr.ª Deputada citou esse relatório, que nós próprios já tínhamos citado, que tínhamos chamado à discussão e, quando o fizemos, fizemo-lo no sentido construtivo; verificamos agora que outras bancadas também o vêem no mesmo sentido que nós. E não considera que olhávamos para o sistema educativo, como quem olha para um oásis. Não! De facto, e felizmente, as situações estão perfeitamente enquadradas.
No entanto, também é preciso dizer, com alguma justiça, que este Governo antecipou pedagogicamente um programa, porque, como se sabe, coincidiu praticamente com um aumento de problemas nas escolas em toda a Europa, incluindo Portugal, a partir de 1994/97, justamente em 1996, que foi o Programa «Escola Segura», que agora está, com medidas reforçadas por via da sua avaliação, a trazer resultados positivos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, faça favor de concluir, pois já esgotou o tempo!

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente!
Sr.ª Deputada, tendo em vista a posição do PP, esperamos, naturalmente, que o PCP,…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, faça favor de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como eu dizia, Sr.ª Deputada, esperamos que o PCP, que já em outras ocasiões tomou iniciativas ligadas ao enquadramento da disciplina nas escolas, nos diga se está de acordo…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, diga-nos se o PCP está de acordo em que este reforço deve ser relativamente às condições dentro da escola e não a um reforço, qualquer que ele seja, de visão policial.

Vozes do CDS-PP: - Divisão policial?!

O Orador: - Não foi isso que eu disse.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vou pedir ao Sr. Deputado Rosado Fernandes que me faça um pequeno estudo sobre o que quer dizer «termino já», a ver se nos entendemos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Basílio Horta, antes, vou dar a palavra à Sr.ª Deputada Margarida Botelho para responder ao Sr. Deputado António Braga.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Assim, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, agradeço as suas boas-vindas embora sejam um bocadinho desadequadas, porque parece-me que nunca o PCP disse que havia um problema grave de insegurança nas escolas. Pelo contrário, a desdramatização que fizemos agora, fizemos sempre, e aconselho o Sr. Deputado a ler os Diários da Assembleia da República, nomeadamente desde 1998.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - De qualquer forma, em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado, há que esclarecer que o Partido Popular não distorce apenas o papel do director de turma, embora o distorça, distorce claramente o papel da escola; a escola deixa de ser integradora e passa a expulsar, o mais rapidamente possível, os alunos que considera mal comportados, embora isso do «mau comportamento» seja uma questão um bocadinho vaga. Mas também o actual código de conduta, ao classificar o que existe hoje de leve, grave e muito grave, também o usa, no nosso entender, de uma forma abusiva.
De qualquer forma, o que nos parece é que o combate aos problemas de indisciplina que existam nas escolas devem ser resolvidos nas escolas, nunca com recurso, como é evidente, a forças policiais; devem ser resolvidos com medidas muitos concretas, nomeadamente com a estabilidade do corpo docente e com o aumento do corpo não docente que, nos últimos anos, tem sido drasticamente reduzido pelo Governo do Partido Socialista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Basílio Horta, peço-lhe que me diga por que pediu a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Braga disse que nós queríamos, através da nossa iniciativa, transformar as escolas numa divisão policial, o que é inadmissível.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Braga não leu o nosso projecto…

Vozes do CDS-PP: - Isso é verdade!

O Orador: - … ou, se o leu, está fazer política de uma forma que não é eticamente aceitável.
O senhor sabe perfeitamente que não queremos transformar a escola numa divisão policial. Isso é mentira! O senhor sabe e, se o diz conscientemente, está enganado, porque o que nós entendemos - não só nós, o Governo também entende da mesma maneira, segundo a nota que, aliás, ainda ontem me chegou às mãos - é que não é possível manter a situação de alunos que agridem, ameaçam e injuriam professores, à frente de toda a gente.
Quero dizer-lhe que tenho uma irmã que é professora do ensino médio e é uma coisa gravíssima as vezes que foi ofendida, insultada, ameaçada, em que o seu carro foi objecto de claras ameaças. Isto é uma coisa trágica para a própria disciplina e para o próprio aluno que ameaça, e não é caso único, há vários casos.

Vozes do CDS-PP: - São aos milhares!

O Orador: - Sr. Deputado, não é possível encarar isto de uma forma ligeira, não é possível dizer que é excesso de segurança tentar corrigir actos que são anómalos, tentar apressar o processo disciplinar.
O senhor acha correcto que um professor seja obrigado a ter na sala de aula a presença de um aluno, que o ofende e agride, e a ter de olhar para ele todos os dias, porque o processo só está pronto dois meses depois?! Isto é normal?! Não é! O Governo também pensa que não é - penso eu, segundo notícias que vêm a lume.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não sei! Não sei!

O Orador: - Portanto, quando o Sr. Deputado diz que queremos transformar a escola numa divisão policial…

O Sr. António Braga (PS): - Eu não disse isso!

O Orador: - Foi isso que disse!
Sr. Deputado, isso é uma visão que releva de uma visão perigosa da sociedade, repito, perigosa. Sr. Deputado, o que o CDS traz à discussão é o seu ponto de vista. Agora, repare, essa ideia que os senhores e o Partido Comunista Português estão a ter - mas do PCP já nós esperávamos que assim fosse…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - E nós!

O Orador: - Sr. Deputado, de si, não! Não lhe faço essa…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não ouviu a minha intervenção!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, peço-lhes que não entrem em diálogo.

O Orador: - Sr. Deputado, a questão é que essa visão que quer trazer à colação é objectivamente perigosa; é necessário corrigir rapidamente este tipo de factos, que são do domínio público, porque se não é o Estado que está em causa. Essa geração faz a geração de agora. Temos o Estado que temos, temos o desprestígio das instituições que temos, porque aparecemos perante os cidadãos com incapacidade, completa, através de complexos ridículos, em resolver o que merece ser resolvido.
Esta é a nossa posição, e é isto que não podemos admitir.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, eu não disse que os senhores queriam transformar as escolas em divisão de polícia; o que eu disse é, pela apresentação que fazem deste projecto de lei, que eu li, Sr. Deputado - e li muito bem, li até três vezes, não lhe digo porquê, mas, depois, posso explicar-lhe -, é que a figura que os senhores querem agora instituir no director de turma tem uma inspiração numa espécie de visão policial. Porquê? Porque o director de turma - isto não é nenhum insulto, Sr. Deputado, é uma leitura, que eu tenho o direito de fazer, relativamente ao vosso diploma -, hoje, não é uma pessoa, ou uma instituição ou uma entidade que tenha por fim acompanhar o aluno em alguma vertente que não seja a de estabelecer diálogos e pontes entre a família, o aluno e a escola, ou seja a de colaborar.
Quando o senhor quer transformar o director de turma, que mantém estas funções, em alguém que também aplica sanções, perdoar-me-á, pois posso estar a fazer uma interpretação exagerada, mas parece-me que está a transformá-lo numa espécie de «parapolícia». E foi isto que eu quis dizer.

Protestos do Deputado do CDS-PP Basílio Horta.

Se o Sr. Deputado tem o direito de propor o que entende, também tem de me dar o direito de eu interpretar as suas propostas; e, repare, os argumentos que estou a dar não são assim tão desviados da realidade como isso. Isto porque, se os senhores querem ter na escola uma pessoa ou uma entidade que assuma o papel de sancionador, de aplicador de sanções, de instrutor de processos e que, simultaneamente, também estabeleça o diálogo com as famílias, com a escola, com os professores e com os próprios alunos, os senhores estão a destruir o essencial que há na escola,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Mas não é isso!

O Orador: - … que é justamente a capacidade de diálogo através de um elemento vivo e decisivo no processo educativo, que é o director de turma.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso é uma visão absurda!

O Orador: - Pode ser, Sr. Deputado, para si.
Mas mesmo esta tarefa, de aplicar, designadamente, o estatuto disciplinar,…

Protestos do CDS-PP.

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Tenham calma, Srs. Deputados!
Mas mesmo esta tarefa prende-se com a visão que temos de ter a montante sobre a escola.
Srs. Deputados, a escola tem vários objectivos, sendo o primeiro e principal ser factor de igualdade de oportunidades no acesso ao conhecimento, ao saber e à educação.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso é verdade!

O Orador: - Ao fazer um procedimento que os senhores aqui propõem não se dá garantias do essencial, de que a escola também deve ser um espaço de liberdade e de contraditório, permanentemente.

Vozes do CDS-PP: - Então, pode bater-se num professor à vontade!

O Orador: - O que os senhores quase liquidam é a possibilidade de o aluno se defender, independentemente de ele ter cometido ou não um acto ilícito ou um acto considerado incorrecto do ponto de vista disciplinar; tem de se dar, com todos os prazos, a capacidade de defesa, como, aliás, exige um Estado de direito democrático.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da forma como a bancada do Partido Popular aborda esta questão, há uma de duas coisas que está mal: ou está mal o diagnóstico, ou está mal a cura. Ou no diagnóstico que os senhores fazem há uma retórica ideológica sobre o problema da segurança, e, então, as medidas que propõem são ridículas, porque perante o «monstro» que está aí…
Eu sei que há problemas, eu sou professor, lido com esses problemas diariamente. Agora, há duas maneiras de ler isto, e, por isso, há duas perspectivas de abordagem desta realidade. Os senhores têm uma retórica hiperbólica e destinada a obter um certo número de efeitos políticos. E, portanto, o vosso diagnóstico tem um grande contraste com as medidas que propõem, porque, se o diagnóstico é este, atribuir ao director de turma poderes acrescidos e propor prazos mais curtos para a instrução do processo e recurso hierárquico, é coisa nenhuma. Ou o diagnóstico não é este e as medidas são desadequadas, ou estas medidas respondem a um diagnóstico que está errado.
Dito isto, penso que os senhores, isso sim, mantêm uma leitura ideológica, retórica e destinada a obter um certo número de efeitos políticos acerca de um problema que é demasiadamente sério para ser abordado dessa maneira.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não percebeu nada! Se tivéssemos uma visão policial seria diferente!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Secretária de Estado da Educação.

A Sr.ª Secretária de Estado da Educação (Ana Benavente): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir as diversas intervenções, começo por dizer que a questão da autoridade e da disciplina é um problema social, como aqui foi dito por vários Srs. Deputados. Concordo com isto, mas não me posso esquecer, e todos vivemos estas situações, de um aspecto que muito me preocupa, que é a indiferença de muitos adultos face aos comportamentos dos jovens. E, como aqui todos temos tendência para evocar os nosso exemplos, devo dizer que, ainda há bem poucos dias, o meu filho adolescente ou pré-adolescente, como agora se diz, foi assaltado à vista de muitos adultos, e ninguém se mexeu.
Portanto, a situação da autoridade e da disciplina não é específica da escola; é um fenómeno e um problema bem mais vasto, é em relação a toda a sociedade.
Dito isto, este decreto-lei que aqui está em apreciação não vive sozinho. E, deste ponto de vista, eu gostaria de dizer ao Partido Comunista Português que concordo em absoluto que não tem sentido algum discutir um decreto-lei relativo a direitos e deveres dos alunos se não estiver integrado num conjunto de políticas consistentes. Foi assim que conduzimos todo este processo. E lembro, para além do diploma da autonomia e gestão, que, pela primeira vez, dá poderes de facto aos pais na vida das escolas,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Nem lembre!

A Oradora: - … a reorganização curricular e a revisão curricular,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não lembre isso, Sr.ª Secretária de Estado! Não lembre essa desgraça!

A Oradora: - Sim, mas quero lembrar. Sabe porquê? Porque, por um lado, valoriza o espaço aula, que é a maneira de dar autoridade aos professores,…

O Sr. António Braga (PS): - Exactamente!

A Oradora: -… e, por outro, acaba com esse aspecto muito crítico que referiram, que são os programas em extensão e uma escola asfixiada de matérias que não é capaz de dar resposta às necessidades. A questão é esta!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Se fosse isso, até nem seria mau! Mas não é isso!

A Oradora: - É! Não tenha dúvida de que é!
Sabemos, por outro lado - e, em 1998, tivemos ocasião de ter esse debate -, que o PP não concorda com uma escola para todos. No entanto, hoje, temos uma diversidade social na escola que faz com que a escola seja muito diferente daquilo que era há 30 ou 40 anos, quando eu andava na escola pública, em que a selecção tinha lugar muito mais cedo e em que os que estavam na escola eram os bem comportados, sendo os casos de indisciplina raros ou, pelo menos, muito diferentes daqueles que vivemos hoje em dia.
De qualquer modo, devo dizer que, quando ninguém se lembrava desta questão, o Governo já trabalhava com as escolas. Desde o 25 de Abril que escolas da periferia urbana elaboravam regulamentos de escola, explicitando direitos e deveres de alunos, com muito bons resultados. Naturalmente, quando tive responsabilidades governativas, comecei a trabalhar com escolas, algumas delas muito difíceis, que tinham, sob forma pioneira e inovadora, iniciativas, experiências e trabalho neste campo. E foi por isso que, paralelamente com um conjunto de políticas consistentes, de que a reorganização e a revisão curricular são o núcleo duro e fundamental da transformação da escola, se

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elaborou o decreto-lei que aqui está em apreço, relativo aos direitos e deveres dos alunos. E porquê? Porque, até então, vivíamos com uma portaria de 1977, que regulamentava o conselho pedagógico e apenas tinha um elenco de penas e de competências para a respectiva aplicação. E a questão das regras de convivência na escola não era considerada um tema importante da vida da escola.
Os professores têm os seus direitos e deveres no Estatuto da Carreira Docente; os pais têm os seus direitos e deveres neste próprio decreto-lei de 1998 e também no Decreto-Lei n.º 115-A/98, que rege a vida das escolas; mas para os alunos não havia qualquer explicitação de direitos e deveres. E nós consideramos que a construção da cidadania exige que se explicite, para todos, quais são as regras de convivência e os direitos e deveres. Porque o que acontecia muitas vezes - e era esta a nossa experiência - era cada professor, que tinha o seu modo de entender a autoridade e a disciplina, viver sozinho com os problemas de autoridade e disciplina. E nós considerámos que isto deveria ser uma questão importante na vida das escolas.
Gostava de dizer, também, que não há a «falência» deste decreto-lei. É uma ilusão! E aqui ninguém referiu os aspectos que estão em vigor nas escolas com muito bons resultados, como, por exemplo, as medidas educativas disciplinares.
Um aluno procede mal, tem um comportamento que não é o adequado, logo tem de ser castigado, porque da educação faz parte o castigo, como nas nossas casas, como com os nosso filhos,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Ainda bem que diz isso!

A Oradora: - … mas este castigo tem de ser sempre na perspectiva da educação, porque as escolas são, por excelência, o espaço educativo.
Portanto, havendo, sem dúvida, uma responsabilidade social, a escola, como instituição, tem a sua quota parte de responsabilidade na educação dos jovens. Por isso, eu gostava de dizer que, passados pouco mais de dois anos de prática deste decreto-lei, reunimos com diversas escolas, já há alguns meses, e vimos quais eram os aspectos que estavam adequados, que tinham levado a melhores condições para a construção da cidadania nas escolas, e os que criavam dificuldades às escolas, sendo um destes a morosidade de alguns processos, quando se tratava de faltas consideradas graves. Porém, esta definição não tem de ser nossa, e foi este o nosso erro foi - digo-o aqui.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ou seja, quando elaborámos este decreto-lei, o nosso erro foi dar exemplos do que considerávamos leve, grave ou muito grave.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Bem-vinda, Sr.ª Secretária de Estado!

A Oradora: - E, nessa altura, fomos acusados, porque houve quem considerasse que tudo era muito grave. Ora, o que dizemos é que têm de ser as escolas - porque os comportamentos têm de ser vistos no seu contexto - a considerar o que consideram leve, grave e, naturalmente, muito grave, porque também há, felizmente com carácter de excepção, situações muito graves, aqui e ali, nas nossas escolas. Ainda há bem poucos dias estive numa escola secundária onde me foi dito que, num ano mau, há dois processos disciplinares.
Portanto, concordo com a intervenção do Sr. Deputado Fernando Rosas quando diz que alguma coisa está mal na análise do CDS-PP - percebi a intervenção. É que, afinal, o CDS-PP vem concordar com a filosofia do nosso decreto-lei e propor apenas alguns ajustes.

Protestos do CDS-PP.

De facto, o diagnóstico não é aquele que geralmente apresentam, como o «vive-se o caos nas escolas».

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Foi ao contrário! O Governo é que vem copiar o projecto de lei que apresentámos há um ano!

A Oradora: - Não! Não!
Há semanas, foi entregue aos parceiros uma proposta de algumas alterações ao decreto-lei, por nos preocuparmos com a disciplina e a educação dos jovens, quando os senhores não se debruçavam sobre esta questão.
Ora, porque estas questões, como já aqui foi dito, são muito sérias e têm de ser vistas com os pais, os professores, os autarcas, com todos aqueles que hoje fazem parte da comunidade educativa, com todos os adultos que têm responsabilidades na educação dos mais novos, está neste momento em consulta aos parceiros, um conjunto de alterações que visam tornar os procedimentos, nos casos de faltas graves, mais ágeis, mais imediatos. E isto porquê? Porque se verificava, sem dúvida, que a morosidade criava mau ambiente nas escolas.
Sem fazer aqui ideologia, sempre afirmámos que víamos este decreto-lei pela positiva; ele visava explicitar direitos e deveres dos jovens cidadãos, que só aprendem a cidadania se a viverem plenamente no espaço escolar. E estamos de acordo quanto à agilização de alguns procedimentos, em casos em que a escola considere não serem muito graves.
Quanto à questão do director de turma, há um argumento que nos parece muito importante, para além do que é a figura do director de turma, é que numa escola há dezenas de directores de turma e o facto de a sanção, uma vez decidida e consensualizada pelos responsáveis, ser da responsabilidade do conselho executivo tem a vantagem da equidade, porque cada director de turma pode decidir de sua maneira. E aquilo que queremos, mais do que tudo, é que as regras de convivência sejam explicitadas na escola, que todos saibam com que regras vivem, quais são os direitos, quais são os deveres, o que é que se pode fazer, o que é que não se pode fazer, porque é assim que, desde pequeno, numa escola democrática, se aprende a cidadania; isto é, vivendo a cidadania.
Isto é o fundamental do que pretendia dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Secretária de Estado da Educação falou de medidas integradas. Ora, completaram-se dois meses sobre a aprovação, por unanimidade, de um projecto de resolução relati

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vo ao problema da indisciplina nas escolas. Das oito medidas aí preconizadas e votadas aqui, na Assembleia, gostaria de saber quantas foram cumpridas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Educação.

A Sr.ª Secretária de Estado da Educação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado David Justino, aquando do debate que aqui teve lugar sobre o conjunto de medidas a serem implementadas, houve ocasião de dizer quantas já estavam em prática.

O Sr. David Justino (PSD): - Não ficou demonstrado!

A Oradora: - Não vou relembrar agora o programa «Escola Segura», as assembleias de escola ou a participação da comunidade na escola.
No entanto, gostava de dizer que o Governo pediu ao Conselho Nacional de Educação que também se debruçasse sobre esta matéria, porque são bem-vindas todas as propostas que não sejam formais, que não sejam repetitivas, mas possam melhorar a situação das escolas e, naturalmente, que envolvam os outros parceiros. Assim, devo dizer que, ainda este ano, vamos propor à Confederação das Associações de Pais que seja parceiro pelas razões que referi. Ou seja, a escola tem a sua quota parte de responsabilidade na educação dos jovens, mas a formação pessoal e social é, quanto a nós, uma dimensão importantíssima. A educação para a cidadania está no eixo das transformações, inclusive, da reorganização e revisão curricular que estão a ser preparadas neste momento e já vividas em muitas escolas. Queremos que este seja um debate com vista a uma consensualização de medidas.
A propósito de medidas, embora não tenha tempo para referi-las todas, recordo, por exemplo, que há um observatório que já aqui foi referido, o desenvolvimento do programa «Escola Segura» e, ainda, as alterações a este decreto-lei no sentido de o tornar mais ágil e útil para a vida das escolas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já percebemos que nada fizeram!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate do projecto de lei n.º 358/VIII (CDS-PP), o qual será objecto de votação na sessão de amanhã, no período regimental de votações.
Passamos, agora, à apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à gestão da TAP desde o Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), bem como à organização e evolução do seu processo de privatização.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Epifânio.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo dos meses em que decorreu a Comissão de Inquérito, fomos assistindo a um conjunto de tomadas de posição por parte de quase todos os Srs. Deputados da oposição que, devo admiti-lo, por vezes me deixaram estupefacto.
Nunca consegui entender o porquê de quase todos os Srs. Deputados da oposição quererem fazer passar a ideia de que o PESEF (Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro) da TAP, proposto, em 1993, à Comissão Europeia pelo Governo português, não foi cumprido quando a Comissão Europeia, baseada em auditorias que encomendava às mais prestigiadas firmas de auditores internacionais, sempre assumiu que a TAP estava a cumprir, e cumpriu, os objectivos definidos pelo Governo português que serviram de base ao estabelecimento do PESEF.
Pôr em causa o cumprimento do PESEF por parte da TAP é assumir que a Comissão Europeia foi enganada pelos auditores que, por sua vez, terão sido, no mínimo, ludibriados pelas sucessivas administrações da TAP, escudadas certamente numa atitude cúmplice e maquiavélica dos governos do País.
Pôr em causa que a TAP tenha cumprido efectivamente o PESEF é, temos de o dizer sem rodeios, pôr em causa o bom nome de Portugal, das suas instituições e empresas, em nome de duvidosos interesses partidários, meramente conjunturais, de contabilidades eleitoralistas.
Será que, no entender de quase todos os Srs. Deputados da oposição, o Parlamento português deveria assumir que aquilo que a Comissão Europeia entendeu como «cumprido» não o foi? E se não o foi, então como é que os auditores contratados pela Comissão Europeia não deram por isso? Seriam todos incompetentes? Ou seriam, simplesmente, distraídos?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os interesses partidários não podem nunca sobrepor-se aos interesses do País e, consequentemente, não poderão jamais pôr em causa o prestígio e a honorabilidade de Portugal e dos portugueses!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Outra das coisas que nunca consegui entender, foi a tentativa, felizmente falhada, de quase todos os Srs. Deputados da oposição em fazerem passar a ideia de que aquilo a que chamaram «negócio da venda da TAP à Swissair» era um autêntico desastre, quer para a empresa quer para o País!
Ouvimos de tudo! Que a avaliação da TAP foi feita de acordo com aquilo que os suíços queriam pagar e não tendo em atenção o valor real da empresa; que os suíços controlavam a companhia mesmo sem adquirirem as quotas; que a TAP tinha oferecido aos suíços o controlo da sua carteira de clientes; que a Swissair enchia primeiro os seus aviões e que os da TAP voavam vazios; que a TAP desistia de rotas rentáveis em favor dos suíços;…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Até parece que a TAP está fulgurante!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É demais!

O Orador: -… que o Governo quis vender a TAP aos suíços a qualquer preço e que não salvaguardou o interesse nacional, etc. Ou seja, o negócio da TAP, para os suíços, na visão de quase todos os nossos ilustres Deputados da oposição, era aquilo a que se poderia chamar, um verdadeiro «negócio da China».

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para quem?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é «da China», é «da Suíça»!

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O Orador: - Só que, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o SAirGroup, empresa privada, consequentemente virada para a rentabilização dos seus investimentos, não quis fazer o tal «negócio da China». Desistiu! Aceitou mesmo despender alguns milhões de contos como indemnizações compensatórias por ter desistido do negócio.
Penso, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, que esta terá sido mesmo a primeira vez, em todo o mundo, em que uma empresa privada, totalmente vocacionada para a obtenção de lucros, desiste de fazer um «negócio da China»!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Já tinha levado tudo!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Falemos a sério de coisas sérias.
A tomada de capital na TAP por parte do SAirGroup inseria-se numa opção estratégica da companhia suíça que, pelas razões sobejamente aduzidas pela quase globalidade dos técnicos que depuseram na Comissão de Inquérito, coincidia com os objectivos estratégicos quer da TAP, enquanto transportadora aérea, quer do Estado português, enquanto interessado em encontrar um parceiro de capital para a empresa.
Não temos dúvidas em afirmar que, de acordo com toda a informação recolhida, a opção feita na escolha da Swissair como parceiro estratégico para a TAP era aquela que, no momento em que teve de ser tomada a decisão, melhor defendia os interesses da companhia e, consequentemente, os interesses nacionais.
Foi pena que o SAirGroup, mercê de um conjunto de maus resultados obtidos nas várias participadas do seu universo, tivesse mudado de estratégia!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista concorda com o relatório e as suas conclusões, aprovado em sede de Comissão Parlamentar de Inquérito, e, à TAP e a todos os seus trabalhadores, manifesta a solidariedade devida a quem, estamos certos, procura um caminho de futuro para a empresa.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Deseje-lhes felicidades porque bem precisam!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para intervir no debate, inscreveram-se os Srs. Deputados Jorge Neto, Nuno Teixeira de Melo, Lino de Carvalho e Fernando Rosas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abrigo de um direito potestativo, o PSD requereu a constituição desta Comissão Parlamentar de Inquérito com o desiderato mor de apurar, em concreto, as razões determinantes da situação a que chegou a TAP.
Desde logo, porque importava, do ponto de vista histórico, retroceder no tempo e analisar se o PESEF foi ou não devidamente implementado e foi ou não eficaz na melhoria dos rácios de gestão da TAP, mas também - e esta era, de facto, a questão central que se discutia naquele momento - se o processo de aliança estratégica e de privatização da TAP estava a ser conduzido de acordo com as boas regras de gestão.
Manda a verdade dizer que, depois de um trabalho exaustivo realizado na Comissão Parlamentar de Inquérito, que extrapolou o prazo de 90 dias inicialmente fixado, que abarcou uma matéria fáctica extremamente abrangente - 77 quesitos -, chegou-se a uma conclusão absolutamente indeclinável: não só o PESEF não foi cumprido materialmente, em substância,…

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - … relativamente ao seu desiderato de introduzir os necessários mecanismos de racionalização da gestão da TAP por forma a torná-la uma empresa competitiva no mercado internacional mas também, no que concerne ao processo de privatização e de aliança estratégica, o mesmo foi conduzido de uma forma pouco transparente, não salvaguardando devidamente o interesse nacional, como, aliás, é bom de ver face a esta ruptura inopinada da Swissair relativamente à anunciada privatização da TAP.
É óbvio que, da parte do Partido Socialista, continua a persistir a tal postura de Pangloss, de que nos fala Voltaire, de que «tudo vai bem e no melhor dos mundos». Hoje, é consabidamente assente que a forma como foi conduzido o processo de aliança estratégica e da privatização da TAP foi um logro, um fracasso imputável à inépcia, à displicência, à negligência de quem conduziu este dossier. É óbvio!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É manifesto! É algo incontornável e ninguém o discute. Mesmo analistas independentes são absolutamente unânimes no reconhecimento da incompetência, da irresponsabilidade política com que este dossier foi conduzido. Aliás, está à vista!

Protestos do Deputado do PS José Manuel Epifânio.

Efectivamente, é absolutamente inconcebível que este processo de privatização tenha sido conduzido a um beco sem saída e que a Swissair tenha rompido o acordo sem que lhe possa ser imputado, por força de uma cláusula contratual, qualquer tipo de indemnização pré-determinada no acordo, como, aliás, é de bom tom em qualquer negócio internacional.

Protestos do Deputado do PS José Manuel Epifânio.

É o que decorre dos documentos patentes à Comissão e é também isso que está plasmado nas conclusões do inquérito apresentadas pelo PSD.
Há dois relatórios relativos aos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Um relatório é o do Partido Socialista…

O Sr. Miguel Coelho (PS): - E do Engenheiro Álvaro Barreto!

O Orador: - … que consta de um elenco de matérias laudatórias e encobridoras da inépcia do próprio Governo na gestão deste dossier e que contém cinco conclusões, que, ao cabo e ao resto, são verdades de Monsieur de La Palisse, não adiantam um átomo relativamente ao diagnóstico, à análise e à verificação da responsabilidade do que se passou - são as cinco conclusões redundantes, redondas, do relatório subscrito e aprovado pelo Partido Socialista.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - E pelo Engenheiro Álvaro Barreto!

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O Orador: - Há um outro relatório, subscrito unanimemente pela oposição, contendo nove conclusões concretas, precisas,…

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Foi «chumbado»!

O Orador: - … elencando, de uma forma irrefutável, a inépcia com que foi conduzido o Plano Estratégico e de Saneamento Económico e Financeiro pelos sucessivos conselhos de administração da TAP, apontando, de forma absolutamente incontestável, a inépcia e a displicência com que foi conduzido o processo de privatização da TAP e dizendo, muito claramente, em jeito de conclusão, à guisa de remate, que era o momento - isto, em 5 de Janeiro de 2001, antes ainda da ruptura com a Swissair - de o Governo português ponderar, sopesadamente, de uma forma reflexiva, responsável, a continuidade ou não da relação negocial empreendida com a Swissair, quer no âmbito da parceria estratégica quer no da privatização.
Manda a verdade dizer, aliás pelo desenlace dos acontecimentos nas semanas que se seguiram à aprovação e à apresentação deste relatório por parte do PSD,…

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Que foi «chumbado»!

O Orador: - … que o tempo veio confirmar a razão deste partido. O PSD, nesta matéria como noutras, teve razão antes do tempo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A apresentação deste relatório parece-nos hoje completamente ultrapassada. Os acontecimentos deram razão tanto aos Deputados do Partido Popular como à oposição, e mostraram bem como enganados estavam os Deputados do Partido Socialista, pese embora a insistência do Sr. Deputado José Manuel Epifânio, que, em todo o caso, se compreende, não fosse ele relator do relatório que hoje está aqui em discussão. Ou seja, bem estiveram os Deputados do CDS-PP quando, na Comissão, votaram contra o relatório do Sr. Deputado José Manuel Epifânio, por o mesmo não retratar a verdade e branquear a realidade a propósito da situação da TAP, e mal estiveram os Deputados socialistas quando então acusaram os Deputados do CDS-PP e da oposição de não quererem reconhecer a magnificência das opções políticas do Governo e o trabalho das gestões sucessivas que, pelos socialistas, foram sendo nomeadas. E, hoje, vê-se bem os resultados que trouxeram.
Mas vamos por partes, Srs. Deputados.
Primeiro, entendeu o relator, e entenderam os Deputados socialistas que votaram o relatório, que o PESEF, tal como foi proposto, em 1993, pelo Governo à Comissão Europeia, foi basicamente cumprido pela TAP. Aliás, hoje mesmo isso foi afirmado pelo Sr. Deputado.
Segundo, entendeu também o relator, e entenderam os Deputados socialistas, que, no que toca à privatização, pese embora algumas referências feitas a outras estratégias, a opção do Governo pela Swissair, com base na recomendação do Conselho de Administração da TAP, foi a opção ideal, foi a mais acertada.
Dissemos então em Comissão que o PS não tinha razão; Justificámos com isto o nosso voto contra, e reafirmamos hoje, com redobrados fundamentos, a nossa discordância.
Em primeiro lugar, no que toca ao PESEF a verdade é que não foram atingidos alguns dos principais objectivos tidos como essenciais no Plano para recuperação da TAP. E por que é que não o foram? Não foram porque o objectivo determinante, desde logo, de redução do número de trabalhadores da empresa para valores de mínima racionalidade não só não foi atingido como, ao contrário, de 1996 até 1999 até aumentou. Aumentou porque a TAP perdeu linhas essenciais, de grande rentabilidade, como as de Ponta Delgada e Boston, sem que se tenha percebido muito bem porquê, tanto mais que as perdeu a favor de uma companhia sem quadros, sem experiência, sem verbas e, tanto quanto se diz, até sem frota. É coisa que não se compreende muito bem ainda hoje; porque a adesão ao Grupo Qualiflyer, o abandono do sistema TAPMATIC e a opção pelo sistema de reservas PARS também se traduziu em prejuízos para a TAP, e isto foi inequívoco; porque os conflitos laborais na empresa aumentaram gravemente.
Em segundo lugar, Sr. Deputado José Manuel Epifânio, no que toca à meta da privatização, a verdade é que também a opção pela Swissair veio a revelar graves inconvenientes, e o pior é que, depois de se ter optado por esta solução, foi muito mal negociada pelo Governo. E explico-lhe porquê.
Sempre afirmámos que, independentemente da discussão da valia pela opção Swissair, houve várias outras hipóteses que não foram devidamente ponderadas. A Air France foi só uma delas, mas muitas outras houve, e bem ponderadas, foram as palavras do presidente da KLM quando disse que a TAP não estava em condições de negociar o quer que fosse. Mas, seja como for, a verdade é que, na prática, no seu negócio com a Swissair, a TAP não só lhe deu o melhor que tinha, o seu sistema de reservas, como ainda por cima pagou por isso. Ou seja, a Swissair, sem nunca ter investido um único tostão na TAP, permitiu-se gerir as reservas, distribuindo para si o melhor e deixando à TAP o refugo, ganhando com isso porque a TAP lhe pagava e, melhor, sabia que, depois, quando tivesse de investir na TAP, já tinha tirado dela a verba suficiente para que o negócio lhe resultasse praticamente a custo zero. Belo negócio, Sr. Deputado José Epifânio, não haja dúvida alguma!
Mas, seja como for, o que importa é que o futuro já veio dar-nos razão, antes mesmo da discussão deste relatório; ou seja, a Swissair foi-se embora e beneficiou duplamente de uma grande ingenuidade do Governo português: beneficiou quando enriqueceu à custa da TAP nos termos descrito; beneficiou também quando se foi embora com os bolsos cheios, sem nunca ter tido de investir na empresa um único tostão e, o que é mais grave, sem que pelo facto se possa agora reclamar, a título de cláusula penal, qualquer indemnização, só porque o Governo não soube acautelar o essencial em negócios desta natureza.
Concluindo, Sr. Deputado José Epifânio e Srs. Deputados do Partido Socialista, tínhamos razão quando votámos contra este relatório, provavelmente tem hoje razão o anterior gestor da TAP nomeado pelo Governo socialista, Engenheiro Ferreira Lima, que tão gabado foi na Comissão pelos Srs. Deputados socialistas e que hoje, ao que parece, até também já pede um Livro Branco sobre o

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assunto, e não tinham definitivamente razão os Deputados socialistas quando, em Comissão, aprovaram este relatório, e, pior, muito mal fizeram em não nos ter dado ouvidos.
Agora é tarde, Srs. Deputados! E pena é que a TAP, de promessa cada vez mais adiada, se transforme - e isto hoje é óbvio - numa promessa cada vez mais comprometida.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, depois de tudo o que se passou com a TAP, do rompimento da relação com a Swissair e com o SAirGroup, de se ter concluído, sem lugar para dúvidas, que o acordo de parceria foi, desde sempre, mal avaliado, mal negociado e não servia os interesses da transportadora aérea nacional e do País, ainda pensámos que, por pudor,…

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Por pudor?!

O Orador: - … o Partido Socialista não insistisse na apresentação deste relatório, aprovado, aliás, com o oportuno apoio do Sr. Deputado do PSD Álvaro Barreto e presidente da Comissão, e que, infelizmente, não está hoje presente.

Vozes do PS: - Bem dito!

O Orador: - Eu sei, Sr. Presidente, que regimentalmente não é possível, mas, em nome do prestígio da Assembleia e da credibilidade das comissões de inquérito, algum sinal de distanciamento do relatório o Partido Socialista deveria ter ensaiado,…

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Não diga isso!

O Orador: - … para que a História não registe o total desfasamento entre as conclusões aprovadas e a realidade.
Diz o relatório, por exemplo, que «(...) a opção pelo grupo Qualiflyer no processo de parceria e privatização é aquela que, estrategicamente, melhor defende os interesses da TAP.» - viu-se!
Noutro passo do relatório pode ler-se ainda «Renegoceia e melhora as condições de parceria da empresa no Grupo Qualiflyer, eliminando entorses, (...)». Toda a gente sabia, e sabe, que isto não é verdade. Basta, aliás, reler o que disse o então ainda Ministro do Equipamento Social, Dr. Jorge Coelho, na Comissão de Equipamento Social, quando reconheceu, ele próprio, que, por exemplo, um desses pontos - mas, como todos sabemos, há muitos mais -, fundamental para as receitas da TAP, o da repartição de receitas, não foi corrigido.
São dois exemplos, mas muitos mais poderiam ser dados sobre um relatório que não corresponde à verdade apurada na Comissão de Inquérito, em que o relator ignorou a múltipla documentação entregue e depoimentos prestados, em que o único objectivo foi fazer aprovar um relatório que, atrever-me-ia a dizer, nem sequer é à medida dos interesses do Partido Socialista. É um caso típico de alguém querer ser «mais papista que o Papa»!

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - A gente agradece.

O Orador: - E não venha o Partido Socialista dizer que todos os factos que põem em causa o relatório são posteriores ao encerramento dos trabalhos da Comissão, porque também toda a gente sabe que não é verdade. Basta atentar, por exemplo, nos factos descritos na declaração de voto dos Deputados do PCP.
Há factos posteriores; há, sim, Srs. Deputados, uns já conhecidos publicamente, outros ainda não. Hoje, vou revelar um deles: um curioso processo foi colocado esta semana por um piloto da companhia francesa AOM, membro do conselho de administração, em representação dos trabalhadores, contra o SAirGroup, a acusar este, entre outras coisas, de ter sobrefacturado às suas filiais, como a Sabena e a AOM, os serviços fornecidos pela sua sociedade informática Atraxis, que gere o sistema de reservas, e que o Partido Socialista e o Ministro da tutela, responsável pela irresponsável parceria com a Swissair, tanto acarinharam.
A pergunta que fica no ar, porventura ao cuidado de futuros desenvolvimentos, é esta: quantos milhões terá perdido a TAP com os pagamentos à Atraxis e a eventual sobrefacturação praticada também pelo SAirGroup em relação à TAP e ao aluguer do sistema de reservas?

Vozes do PCP: - Exactamente!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Isso não tem importância!

O Orador: - Recordemos que este era também um dos célebres 12 pontos a renegociar e que o SAirGroup não aceitou rever nos termos em que foi proposto pela TAP.
Nesta matéria, o mínimo que se exige agora é que o Governo apure o que se passa, promovendo uma auditoria às contas da TAP e às suas relações com o SAirGroup.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, este relatório ficará como o exemplo do que não deve ser o resultado do trabalho de uma comissão de inquérito: elaborar conclusões à medida não da verdade, mas de interesses circunstanciais, para que a imagem da Assembleia da República e das comissões de inquérito se prestigiem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - A última intervenção sobre esta matéria é a do Sr. Deputado Fernando Rosas.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Parlamento é hoje chamado a pronunciar-se sobre o resultado da Comissão de Inquérito acerca da evolução da TAP, pelo que haveria que falar claro.
O Bloco de Esquerda votou contra este relatório na Comissão e, em consequência, opõe-se-lhe, com redobrada firmeza, agora, no Plenário.
A decisão de recusa destas conclusões tinha sólidas motivações, quando as mesmas foram apresentadas em Comissão. Trata-se de uma investigação que foi conduzida

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ao sabor de conveniências políticas, com dois partidos a alijarem responsabilidades para as gestões anterior ou posterior, sem esclarecimento sequer acerca das motivações fundamentais que determinaram decisões sobre parcerias estratégicas, sobre alienação de activos e sobre o futuro dos trabalhadores e da empresa. As conclusões, em consequência, foram a verdade de conveniência, quando as actas da Comissão permitiam, e permitem, as conclusões opostas.
Por tudo isto, justificou-se a rejeição deste relatório. A TAP é um caso de bloco central em funções ao longo dos governos PSD e PS, e o preço é pago com uma empresa que se abeira da falência técnica, sem perspectivas, sem projectos, sem estratégia, em que os gestores se sucedem e partem, sempre beneficiados com largas mordomias, mas sem contributos significativos para o futuro da empresa.
Mas, se havia razões substanciais para recusar o relatório, quis o destino que os dias seguintes à sua votação tivessem trazido a prova conclusiva de que as conclusões que agora nos são submetidas são absolutamente desastradas e só poderiam ter sido recusadas.
A Swissair confirmou que não faria o negócio da TAP, deixando cair o projecto de parceria, depois de beneficiar da inabilidade negocial da administração e da tutela, depois de ter explorado as potencialidades da TAP, depois de ter absorvido as suas capacidades no mercado internacional. Mas veio-se igualmente a saber que o Governo não tinha precavido esta situação do ponto de vista do acordo assinado com o SAirGroup, e que a activação de cláusulas de penalização era assim impossível, deixando a uma negociação a busca de eventuais, e certamente escassas, compensações. Ficou-se, assim, a saber que, ao longo de anos seguidos, o Governo tinha negociado e aceite um acordo que «atou» a empresa de pés e mãos, e nem sequer tinha acautelado os seus interesses para o caso do fracasso.
Tal incompetência absoluta levanta uma questão aos responsáveis deste relatório. É que, depois da sua conclusão, a evolução do caso TAP encarregou-se de rejeitar o relatório e, até, de exigir um novo. Aprovar estas conclusões foi certamente possível do ponto de vista regimental, mas o País só pode concluir que, com tal atitude, que fecha os olhos à realidade, a maioria do Parlamento está, de alguma maneira, a fingir que nada se passou e que a TAP está no melhor dos mundos, com os seus parceiros, que já deixaram de o ser.
Aceitar e aprovar este relatório já não é uma questão de debate político, é simplesmente a tentativa de impor a lei do número contra a evidência dos factos.
Se aprovarmos, como se aprovou, o relatório, estamos a fingir que a TAP foi bem conduzida e que está tudo no melhor dos mundos. Também vou citar o Sr. Pangloss, de Voltaire, que dizia…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso está muito na moda!

O Orador: - É preciso uma certa cultura geral para saber isto!
O Sr. Pangloss, de Voltaire, dizia que as pernas são vagamente cilíndricas…

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Sr. Deputado, deixe-me falar, seja bem educado!
Como dizia, as pernas são vagamente cilíndricas porque…

Protestos do Deputado do PS Miguel Coelho.

Eu não interrompi ninguém. Os senhores deveriam ter a delicadeza de me deixar falar, porque eu também não os interrompi, apesar das enormidades que disseram!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Fernando Rosas, faça favor de continuar.

O Orador: - Como o Sr. Pangloss, de Voltaire, dizia, as pernas são vagamente cilíndricas, porque é o formato adequado para usar meias. Assim, também a TAP está bem, porque os acordos que foram feitos são os melhores de todos os possíveis, naturalmente por o Governo só fazer, por definição, os melhores acordos. Mesmo que o País e os trabalhadores da TAP saibam que os acordos já não existem e que a TAP está como está, dando razão ao relatório, tanto pior para o País, porque, se o relatório está certo, é porque a realidade certamente se enganou!
Pela parte do Bloco de Esquerda, preferimos o esforço de discutir a realidade. O PS pode ter a maioria para aprovar este relatório, mas sobra-lhe em votos o que, neste caso, lhe carece de razão, de isenção e de discernimento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminada a apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à gestão da TAP desde o Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), bem como à organização e evolução do seu processo de privatização, e, uma vez que não há qualquer iniciativa relativa ao mesmo, este processo está concluído.
Também já esgotámos a matéria da ordem do dia de hoje - por muito gosto que eu fizesse nisso.

Risos.

A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, e constará de um período de antes da ordem do dia, a que se seguirá, no período da ordem do dia, a discussão conjunta da proposta de lei n.º 40/VIII - Aprova a lei da paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos, e do projecto de lei n.º 388/VIII - Medidas activas para um equilíbrio de género nos órgãos de decisão política (Deputada do BE Helena Neves), a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 385/VIII - Associações de mulheres (PCP) e 296/VIII - Estatuto, direitos e deveres das organizações não governamentais de direitos das mulheres (BE), e as votações regimentais às 18 horas.
Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Casimiro Francisco Ramos
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Helena Maria Mesquita Ribeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves

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Partido Social Democrata (PSD):
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Parente Antunes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Luís
Cláudio Ramos Monteiro
Jorge Lacão Costa
Laurentino José Monteiro Castro Dias

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
José de Almeida Cesário
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Manuel Castro de Almeida
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Manuel Cruz Roseta

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

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