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Sexta-feira, 6 de Abril de 2001 I Série - Número 69

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE ABRIL DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 1/VIII, da proposta de resolução n.º 54/VIII, dos projectos de lei n.os 419/VIII, 421 e 422/VIII, da interpelação n.º 10/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Vicente Merendas (PCP) referiu-se à situação de instabilidade laboral resultante da deslocalização e encerramento de empresas industriais. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Epifânio (PS) e Luís Fazenda (BE).
Também em declaração política, o Sr. Deputado José Lamego (PS), chamou a atenção para os esforços levados a cabo pela União Europeia no sentido da mudança de posição da administração dos EUA a propósito da não ratificação do Protocolo de Quioto, tendo ainda referido que a próxima Convenção da Internacional Socialista, a realizar em Lisboa, em Junho, vai eleger como tema fundamental as questões ambientais. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), João Amaral (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Luísa Fazenda (BE) criticou o Governo pelo início da queima de resíduos perigosos em Souselas e Outão, anunciada para breve, não tendo ainda sido feito o rastreio médico à população daquelas regiões, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Casimiro Ramos (PS) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos (PSD) teceu críticas ao Governo pelo facto de a nova fábrica de reciclagem prometida para Mourão ainda não estar em construção, estando já aprazado o encerramento da fábrica Portucel Recicla. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mafalda Troncho (PS) e Lino de Carvalho (PCP).

Ordem do dia.- A Câmara aprovou os n.os 46 a 53 do Diário.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 64/VIII - Transpõe para o direito interno a Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, aprovada em Paris, a 17 de Dezembro de 1997, sob a égide da OCDE, que foi aprovada. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados Joaquim Sarmento (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), José de Matos Correia (PSD) e António Filipe (PCP).
Foi também apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 402/VIII - Lei de Bases da Família (CDS-PP), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social (Simões de Almeida), os Srs. Deputados Basílio Horta (CDS-PP), Maria do Rosário Carneiro (PS), Ana Manso (PSD), José Barros Moura e Sónia Fertuzinhos (PS), Fernando Rosas (BE), Telmo Correia (CDS-PP), Margarida Botelho (PCP), Isabel Castro (Os Verdes).
Entretanto, foi aprovado um requerimento, apresentado pelo PS e BE, no sentido de a proposta de lei n.º 40/VIII - Aprova a lei da paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos e o projecto de lei n.º 388/VIII - Medidas activas para um equilíbrio de género nos órgãos de decisão política (Deputada do BE Helena Neves) baixarem à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sem votação na generalidade, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Maria de Belém Roseira (PS), António Capucho (PSD), Basílio Horta (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).

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Foram aprovados, na generalidade, os projectos de lei n.os 385/VIII - Associações de mulheres (PCP) e 296/VIII - Estatuto, direitos e deveres das organizações não governamentais de direitos das mulheres (BE).
Em votação global, foram aprovadas as propostas de resolução n.os propostas de resolução n.os 25/VIII - Aprova, para ratificação, o Protocolo estabelecido com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia relativo ao âmbito do branqueamento de dinheiro na Convenção sobre a utilização da informática no domínio aduaneiro e à inclusão do número de matrícula do meio de transporte na lista de dados da Convenção, incluindo as declarações, assinado em Bruxelas em 12 de Março de 1999, 27/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, a 12 de Janeiro de 1998 , 44/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção-Quadro para a protecção das
minorias nacionais, aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa em Estrasburgo, a 1 de Fevereiro de 1995 e 46/VIII - Aprova, para ratificação, o Acordo por troca de notas entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federal da Alemanha sobre o estatuto das Forças Armadas Portuguesas no decurso de estadas temporárias na República Federal da Alemanha, assinado em Bona, a 29 de Abril de 1998.
O projecto de resolução n.º 129/VIII - Cessação da vigência, por recusa de ratificação, do Decreto-Lei n.º 34/2001, de 8 de Fevereiro, que institui o regime de modulações aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores no âmbito da política agrícola comum (PAC), apresentado pelo CDS-PP [apreciação parlamentar n.º 37/VIII (CDS-PP)], foi rejeitado.
Mereceu aprovação um requerimento, apresentado pelo PCP, no sentido de o projecto de lei n.º 147/VIII - Assegura os direitos dos trabalhadores no caso de cedência ou transferência de empresa ou estabelecimento (PCP) baixar à Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sem votação na generalidade, pelo período de 45 dias.
Foi ainda aprovado um requerimento, apresentado pelo PS, no sentido de os projectos de resolução n.os 110/VIII - Em defesa do ensino e divulgação da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro (PSD) e 128/VIII - Por uma verdadeira política de defesa e promoção do ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro (PCP) baixarem à Comissão de Educação, Ciência e Cultura sem votação na generalidade.
A Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Ética, um, relativo à retoma de mandato de um Deputado do PCP, e dois, autorizando um Deputado do PSD e outro do PS a deporem em tribunal, como testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
Domingos Duarte Lima

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Manuel de Matos Correia
José Miguel Gonçalves Miranda
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Fernando Alves Moreno
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de revisão constitucional n.º 1/VIII (PSD), que baixou à 1.ª Comissão; proposta de resolução n.º 54/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República de Cuba para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, e respectivo Protocolo, assinados em Havana em 30 de Outubro de 2000, que baixou às 2.ª e 5.ª Comissões; projectos de lei n.os 419/VIII - Consagra o direito das associações de pessoas com deficiência de integrarem o Conselho Económico e Social (Os Verdes), que baixou à 9.ª Comissão, 421/VIII - Lei-Quadro para a Avaliação e Qualidade dos Ensinos Básico e Secundário (PSD), que baixou à 7.ª Comissão, e 422/VIII - Obriga à divulgação, por escola e por disciplina, dos resultados dos exames do 12.º ano de escolaridade, bem como de outra informação complementar que possibilite o conhecimento geral sobre o sucesso e insucesso escolares no ensino secundário (PSD), que baixou à 7.ª Comissão; e a interpelação n.º 10/VIII - Centrada nas questões do âmbito do Ministério da Saúde (PSD).
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na reunião plenária de 23 de Março: ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território e à Câmara Municipal de Montalegre, formulados pelo Sr. Deputado António Nazaré Pereira; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulados pelo Sr. Deputado Manuel Oliveira; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Mota Amaral; aos Ministérios da Educação e da Saúde, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; e ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
No dia 27 de Março: ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Casimiro Ramos; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Fernan

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do Rosas; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Luís Fazenda; e ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Moreno.
Na reunião Plenária de 28 de Março: ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Ginestal; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Encarnação e Feliciano Barreiras Duarte; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Virgílio Costa; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; aos Ministérios do Ambiente e Ordenamento do Território e do Equipamento Social, formulados pelo Sr. Deputado Joaquim Matias; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Pedro Mota Soares; e aos Ministérios da Educação e da Cultura, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Nas reuniões plenárias de 29 e de 30 de Março: à Câmara Municipal de Loures, formulado pelo Sr. Deputado José Reis; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Jamila Madeira, Hermínio Loureiro, Telmo Antunes, Rodeia Machado e Manuel Moreira; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado José Alberto Fateixa; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, do Planeamento e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado António Nazaré Pereira; à Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, ao Ministério da Administração Interna e à Câmara Municipal de Fafe, formulados pelo Sr. Deputado Eugénio Marinho; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; aos Ministérios da Saúde e do Ambiente e Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Freitas; ao Ministério da Juventude e do Desporto, formulados pelos Srs. Deputados João Amaral e Sílvio Rui Cervan; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Portas; ao Ministério da Ciência e Tecnologia, formulado pelo Sr. Deputado Luís Fazenda; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado David Justino; e ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território e ao Governo Civil de Santarém, formulados pelo Sr. Deputado Herculano Gonçalves.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
No dia 30 de Março: António Filipe, na sessão de 14 de Março; Ana Manso e Ricardo Fonseca de Almeida, na sessão de 6 e no dia 12 de Julho; Luís Fazenda, no dia 15 de Novembro; Margarida Botelho, na sessão de 28 de Novembro; Francisco Amaral, na sessão de 6 de Dezembro; José Cesário, Mota Amaral e Bernardino Soares, nas sessões de 5 de Janeiro e l5 de Fevereiro; Heloísa Apolónia, na sessão de 17 de Janeiro; Jovita Ladeira, na sessão de 18 de Janeiro; Maria Manuela Aguiar e Helena Neves, na sessão de 24 de Janeiro; Isabel Castro, na sessão de 7 de Fevereiro; António Nazaré Pereira, na sessão de 8 de Fevereiro; e Machado Rodrigues, na sessão de 21 de Fevereiro.
No dia 3 de Abril: Agostinho Lopes, na sessão de 26 de Julho; Natália Filipe, na sessão de 27 de Setembro; Heloísa Apolónia, na sessão de 18 de Outubro; Honório Novo, na sessão de 20 de Dezembro; Álvaro Castello Branco, na sessão de 3 de Janeiro; Margarida Botelho, na sessão de 19 de Janeiro; e Sílvio Rui Cervan, na sessão de 1 de Março.
Foram ainda respondidos os requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
No dia 30 de Março: Herculano Gonçalves, no dia 13 e na sessão de 15 de Março.
No dia 3 de Abril: Herculano Gonçalves, na sessão de 15 de Março.
Em termos de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a viver uma situação em que quase todos os dias os anúncios de despedimentos maciços fazem os grandes títulos da comunicação social.
A crise económico-social desenvolve-se por todo o País; parece não haver sector que lhe escape.
Há razões para que os trabalhadores estejam de novo preocupados e há um sentimento de insegurança que se apossa dos trabalhadores portugueses em vários sectores e em várias regiões do país.
Nos últimos tempos têm vindo a acumular-se sinais preocupantes quanto ao comportamento das multinacionais no nosso país, com o incremento de processos de deslocalização, concretizado no encerramento de diversas unidades produtivas, que conduzem a «massivos» processos de despedimento e que empurram os trabalhadores para a situação da pré-reforma.
A decisão de desinvestimento tem como único objectivo, em regra, a deslocalização para outros países, deixando atrás de si um rasto de problemas sociais.
A Indelma/Siemens, por razões de mera estratégia económica, decidiu deslocalizar para a Lituânia a produção que faz para a Renault, comprometendo a manutenção dos postos de trabalho que lhe estavam adstritos.
Apesar das declarações proferidas pela administração da Indelma/Siemens e pelo próprio Governador Civil de Setúbal de que da transferência da produção não resultaria qualquer diminuição dos níveis de emprego, facto é que já foram eliminados centenas de postos de trabalho, através de pressões que os trabalhadores sofreram para rescindirem os contratos. A Indelma/Siemens não ficou por aqui: no passado dia 23 de Março apresentou um processo de despedimento de 278 trabalhadores.
Tudo isto acontece quando o Grupo Siemens, ao abrigo do PEDIP II, obteve uma autorização de apoios no valor total de 15,4 milhões de contos.
Tudo isto acontece quando a Siemens concorre, em Portugal, a grandes e empreendimentos de obras públicas, ao mesmo tempo que promove o desemprego e pretere o nosso país em favor da Lituânia.
Contudo, sobre este assunto, o Governo mantém um silêncio comprometido e cúmplice, quando se exigia que tivesse uma intervenção, em tempo útil, em defesa da eco

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nomia nacional, do emprego e dos direitos dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sabem quanto vale, para uma multinacional, uma trabalhadora da Indelma? Vale menos de 2000 contos. Elas, que montaram milhares de cablagens que circulam em carros por toda a Europa, que adquiriram tendinites (doenças profissionais) como resultado deste trabalho repetitivo, sentem uma justa indignação ao verificarem que estão a ser jogadas fora como uma cablagem velha.
A vida, infelizmente, está a dar razão às nossas preocupações e às dos trabalhadores e está a desmentir as afirmações do Governo.
Veja-se o caso da Siderurgia. O Sr. Primeiro-Ministro afirmou que o Alto Forno só seria encerrado quando o forno eléctrico estivesse a funcionar. Nada disso sucedeu: o Alto Forno está encerrado e não há nenhum forno eléctrico a funcionar.
Com o seu encerramento, 796 trabalhadores, com 50 anos de idade, foram empurrados para as reformas antecipadas, e cerca de 200 trabalhadores não foram abrangidos, não tendo qualquer tipo de solução para o seu problema; a única que lhes é apresentada é o desemprego.
Ou seja, o Governo decidiu encerrar a Siderurgia sem olhar para as pessoas. Agora, já nem se pode confiar nos compromissos assumidos pessoalmente pelo próprio Primeiro-Ministro.
Mas também os interesses nacionais não foram acautelados: a Siderurgia Nacional - Longos foi vendida aos espanhóis por 3,65 milhões de contos, quantia que receberam no acto, sendo que o seu património estava avaliado em mais de 14 milhões de contos, conseguindo os espanhóis, logo aí, um lucro de mais de 10 milhões de contos.
Mas o mesmo se passa, por exemplo, na Portucel Recicla, de Mourão. Também aqui o Sr. Primeiro-Ministro se comprometeu com a construção da uma nova fábrica na região antes de a actual ser encerrada e desmantelada, chegando a proceder ao alegado lançamento da primeira pedra, com pompa e circunstância, em 10 de Fevereiro de 1999 (ano de eleições legislativas).
A verdade é que a velha fábrica vai fechar em 29 de Abril próximo e da nova fábrica não restam mais do que as promessas. Diz-se agora que, na melhor das hipóteses, a fábrica estará pronta daqui a dois anos. Até lá, qual vai ser o destino dos trabalhadores? Para onde vão? Quem lhes vai pagar os vencimentos?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Afirmava há dias uma trabalhadora, com palavras de revolta: «(...) entrei nesta empresa era uma jovem, saio daqui velha, desempregada e com uma indemnização de miséria». Esta trabalhadora pertencia à empresa mais emblemática da cidade de Coimbra, a Fábrica Triunfo.
Esta empresa laborou até ao último minuto em três turnos, 24 horas por dia na sua força máxima, encerrando sem qualquer justificação e deixando no desemprego 180 trabalhadores.
No sector têxtil, a Norporte colocou no desemprego cerca de 500 trabalhadores, os quais aguardam ansiosamente por uma assembleia de credores, marcada para 20 de Junho.
A PROTEU enviou, em 2 de Abril, uma comunicação aos seus 260 trabalhadores, com intenção de proceder ao seu despedimento colectivo.
Poderíamos, infelizmente, multiplicar os exemplos de inúmeros casos idênticos. Mas o que se ouve, da parte do Governo, é um ensurdecedor silêncio.
Este silêncio, quanto a nós, traduz a dupla má consciência do Governo: primeiro, por ter andado a semear promessas e esperança; segundo, por não assumir as responsabilidades e por procurar iludir o País sobre a profundidade e as consequências do que se está a passar em matéria de agravamento da situação social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É perante esta realidade, e a insensibilidade praticamente total, que se percebe melhor as garantias dadas pelo Primeiro-Ministro aos seus parceiros parlamentares de que não haverá, da parte do PS, nenhuma viragem à esquerda. É verdade, embora para nós não seja novidade, mas é uma verdade que nada tem que ver com o «humanismo cristão»...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um modelo de sociedade baseada na instabilidade e no medo do amanhã não tem futuro. Os trabalhadores sabem que assim é. Por isso, as suas lutas são a clara e positiva demonstração de que os trabalhadores não se resignam, nem se resignarão, a aceitar de braços cruzados um severo retrocesso nos seus direitos e garantias.
Por isso, desafiamos o Governo a reconhecer que existe um problema grave em Portugal, com a deslocalização de empresas, com o encerramento de empresas industriais, que constitui um factor de debilidade da economia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A tudo isto se junta a falta de qualidade dos empregos, com altos níveis de precariedade, baixos salários e elevada sinistralidade.
Tudo isto constitui, hoje, em Portugal, uma das mais fortes razões para a falta de segurança dos cidadãos, neste caso, dos trabalhadores.
A Assembleia da República, o Governo e todos os órgãos de soberania não podem ficar impassíveis perante a degradação da situação social de milhares de trabalhadores e as legítimas apreensões quanto ao seu futuro. Esta, infelizmente, é que é a realidade de instabilidade que se esconde por detrás das optimistas estatísticas do «poder rosa».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Manuel Epifânio e Luís Fazenda.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Epifânio.

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O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vicente Merendas: Depois de o ouvirmos, dá-nos a sensação de que estamos num país que tem como problema principal o desemprego.
Os despedimentos maciços e as constantes agressões aos trabalhadores que referiu dão a sensação de que estamos num País onde o desemprego grassa e onde os problemas daí derivados são enormes.
Sr. Deputado Vicente Merendas, numa economia de mercado, as empresas nascem, crescem, vivem e morrem como as pessoas. É assim que as coisas funcionam em todas as economias de mercado, e é assim que devem funcionar, para que as empresas também tenham uma solução de futuro. E o que nós, enquanto entidades políticas, temos de salvaguardar é o emprego, para que os nossos concidadãos tenham os seus problemas de subsistência minimamente resolvidos.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que, em Portugal, a taxa de desemprego tem vindo a descer de há muitos meses a esta parte, talvez de há anos a esta parte, e está a níveis nunca atingidos neste país.
Consequentemente, Sr. Deputado, embora todos tenhamos de reconhecer que existem problemas, não podemos, de forma alguma, dizer aqui que os despedimentos maciços estão a criar neste País um problema gravíssimo de desemprego.
Sr. Deputado, quero também dizer-lhe, e para terminar, que o Primeiro-Ministro assumiu que a Portucel de Mourão seria substituída, e já nesta Assembleia, aquando do debate mensal, lhe reafirmou que essa substituição se vai realizar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, pretendo acumular os tempos de resposta aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vicente Merendas, quero sublinhar o interesse com que ouvimos a sua intervenção, cheia de dados sobre a situação social, bem como a conclusão que daí extraiu de que há um agravamento da situação social, em Portugal.
Só de uma bancada perfeitamente autista, com a do Partido Socialista, é que poderíamos ouvir este «brinde» de devaneio estatístico de que estamos perto do pleno emprego e, como tal, tudo vai bem neste mundo - neste canto da «eurolândia» não há agravamento de problemas sociais.
Sr. Deputado Vicente Merendas, sublinhando a importância da sua intervenção, gostava que nos dissesse se o agravamento do emprego precário não é a sentença real daquilo que é a estatística enganosa do pleno emprego, que não passa de pura retórica e propaganda do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Epifânio, não conheço, na História, país algum que seja desenvolvido e que destrua o seu tecido produtivo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Isto é, de facto, o que está a verificar-se neste país.
Há dias, numa iniciativa do vosso grupo parlamentar, esteve presente o responsável do Instituto do Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), Dr. Mota da Silva.
Na altura, ele acusou o Estado de ser o pior exemplo em relação ao trabalho ilegal, que é um problema gravíssimo que temos neste momento. Mais: ele convidou, inclusivamente, os senhores dos gabinetes para «calçarem as botas, meterem o capacete e irem ao terreno». Eu não iria tão longe, Sr. Deputado, dizendo-lhe para «meter o capacete e para calçar as botas», mas digo-lhe para ir ao terreno!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Vá ao terreno constatar a realidade!

Aplausos do PCP.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Aproveite o dia dos eleitores!

O Orador: - O Sr. Deputado acompanhou comigo, directamente - porque também é eleito pelo círculo eleitoral de Setúbal -, a situação da empresa Norporte, que aqui denunciei. Neste momento, há 500 trabalhadores na situação de desemprego e com muito poucas perspectivas, como o Sr. Deputado sabe!
Aliás, o Sr. Deputado, na noite em que foram retiradas as máquinas pela polícia e em que enfrentou a polícia ao meu lado (a qual inclusivamente não o respeitou), prometeu e garantiu que interviria na Assembleia da República na defesa dos trabalhadores da Norporte, mas não o fez. Nem uma única palavra proferiu na defesa dos trabalhadores da Norporte!
Portanto, Sr. Deputado, os trabalhadores da Norporte ficam-lhe agradecidos, mais uma vez, pela postura e pela atitude que hoje aqui tomou.
Sr. Deputado Luís Fazenda, a questão que levantou é, de facto, de grande importância. Está a decorrer, neste momento, ao nível da Interjovem, um levantamento junto de várias instituições sobre a questão da precariedade. A conclusão a que está a chegar-se é que existem cerca de 750 000 jovens desempregados, ou seja, constata-se que a situação é muito mais grave do que se previa.
Sr. Deputado Luís Fazenda, contrariamente ao que foi dito pelo Sr. Deputado José Manuel Epifânio, não tracei um quadro escuro da situação, pois poderia ter ido muito mais além. Repare: no sector siderúrgico, temos os recentes

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encerramentos das empresas Hipólito, Ford Azambuja, Fimper, Novo Rumo, Lopi, Resistência, além de que a Trefilaria está ameaçada de encerramento; no sector têxtil, só na área sul do País, mais de 3000 trabalhadores ficaram no desemprego nos últimos meses, devido a despedimentos na Vesticom, na Portutex, Alo Port e em muitas outras empresas.
Srs. Deputados, existem cerca de 60 empresas multinacionais nos sectores têxtil e de calçado, as quais, neste momento, empregam mais de 30 000 trabalhadores. A manter-se esta impunidade ao nível das multinacionais, como está a verificar-se, estes trabalhadores irão certamente ficar no desemprego.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Fomos surpreendidos, na semana passada, pela declaração da administração norte-americana de não ratificação do Protocolo de Kioto.
Esta Assembleia já teve oportunidade de emitir voto de protesto sobre a matéria; hoje, todavia, o Parlamento Europeu apresenta uma resolução também incitando a administração norte-americana a recuar e, portanto, a congregar esforços neste âmbito. Naturalmente, penso que esta Assembleia deve apoiar não só o que hoje vai ser discutido a nível de Parlamento Europeu como também os esforços da União Europeia e da Comissão Europeia na negociação com a administração norte-americana.
A família política a que o PS pertence vai realizar em Lisboa, no final de Junho, a sua convenção, celebrando os 50 anos de relançamento da Internacional Socialista em Frankfurt, em 1951. Essa reunião vai ter como tema fundamental as questões ambientais e os problemas relacionados com a Convenção de Quioto e com a sua não ratificação por parte da administração norte-americana. Aí estarão presentes ministros do ambiente de vários países do mundo, pelo que, nessa perspectiva, a família política em que o PS se integra pretende estruturar uma acção de diálogo, mas também de pressão, relativamente à administração norte-americana.
O que nos divide, a nós socialistas, do conservadorismo de vistas mais curtas é a visão sobre a economia, que é uma visão de economia sustentada e de desenvolvimento sustentável.
A anterior Primeira-Ministra da Noruega, Harlem Brundtland, hoje Directora da Organização Mundial de Saúde, teve a oportunidade de lançar esse tema no debate público internacional. As Nações Unidas também têm lançado esta questão em termos de programa básico de filosofia de desenvolvimento, tal como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional abandonaram visões estritamente produtivistas em matéria de desenvolvimento.
Neste aspecto, é claro que há uma divisão em matéria de filosofia económica e de atenção às questões do ambiente entre as correntes de opinião progressivas e o conservadorismo mais cego. Não esqueçamos que o pai do actual Presidente dos EUA, nas eleições de 1992, chamava ao candidato a Vice-Presidente, Al Gore, o Sr. Ozono, fazendo-o com uma grande sobranceria, como se estas questões de desenvolvimento sustentável não fossem preocupações, mesmo em termos de política e de desenvolvimento económico.
Mas não é só o pouco apego e a negligência quanto às questões ambientais, bem como uma subserviência em relação à lógica produtivista em matéria de desenvolvimento económico, o que nos divide da direita e dos sectores mais conservadores. O que nos divide da actual administração norte-americana, republicana, é uma visão «unilateralista» em matéria de filosofia de relações internacionais.
As campanhas republicanas teorizaram uma nova filosofia de relações internacionais, a que chamam «hegemonismo benevolente». Portugal, como pequeno País e como País respeitador das regras de organização da comunidade internacional, deve fazer finca-pé, em todas as circunstâncias, pelo respeito de um sistema multilateral de regulação das relações internacionais.
É também porque Portugal é um defensor estrito de uma concepção «multilateralista» de organização de relações internacionais que hoje devemos aqui reiterar a ideia de que a administração norte-americana deve arrepiar caminho, voltar às negociações com a União Europeia e inflectir o seu caminho em termos de rejeição da Convenção de Quioto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Fazenda, João Amaral e Heloísa Apolónia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Lamego, de facto, a administração Bush veio aprofundar a arrogância imperial dos Estados Unidos. Aliás, temos bem recente o episódio e o conflito com o Estado da China acerca de um avião espião, relativamente às exigências da administração norte-americana, que espezinha todas as regras de Direito Internacional.
O Sr. Deputado relevou, e bem, a fuga dos Estados Unidos à assinatura do Protocolo de Quioto e às suas responsabilidades na diminuição dos gases responsáveis pelo efeito de estufa no planeta (outro exemplo de arrogância imperial típica). Disse o Sr. Deputado, a esse propósito, que era necessário que a União Europeia tivesse uma posição firme e exigisse que os Estados Unidos arrepiasse caminho. Nessa perspectiva, gostava de colocar-lhe algumas questões.
Está o Sr. Deputado de acordo com os últimos sinais que a Comissão Europeia vem evidenciando, de flexibilidade nas negociações com os Estados Unidos?
Está de acordo que o lobby do nuclear, ao arrepio também daquilo que se vai passando na Europa, comece a ganhar força, pela mão dos Estados Unidos, no espaço da União Europeia?
Será que o Governo português vai exigir, junto do conjunto dos governos da União Europeia, que, na cimeira da Organização Mundial do Comércio, com realização previs

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ta em Quatar, em que estão pendentes dossiers importantíssimos com os Estados Unidos da América, esta seja uma questão prévia em relação à abertura de qualquer ronda de negociações?
Finalmente, vou colocar-lhe uma pergunta «doméstica», porque o exemplo tem de partir de casa. Será que a bancada do PS vai exigir ao Governo da República que cumpramos, não só a assinatura do Protocolo, mas também uma efectiva limitação das emissões de gases responsáveis pelo efeito de estufa? É que estamos praticamente no limite permitido, sendo que Portugal foi um dos Estados que aumentou, por efeito desse Protocolo, a possibilidade de emissão de gases.
Estamos perto do limite previsto, o que não abona o modelo de desenvolvimento industrial em Portugal, baseado, como se sabe, nos baixos salários e em custos ambientais.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, penso que em matéria de energia nuclear está a agitar um fantasma que não existe; ninguém em Portugal, nomeadamente no presente, vai recorrer à energia nuclear para suprir défices energéticos nacionais.
No que respeita à aplicação do Protocolo de Quioto o Governo português não necessita de ser incitado pela bancada que aqui o apoia, porque já manifestou claramente a intenção de vir a aplicá-lo.
Em termos de créditos, como o Sr. Deputado sabe, negociou-se a possibilidade de emissão, até 2012, de mais 21% dos actuais factores de emissão, porque a aplicação do Protocolo deverá ser feita com bom senso e com equilíbrio. Isto é, os créditos de emissão têm que ver também com a perspectiva da União Europeia de promover a coesão económica e social e, portanto, as políticas energéticas não são dissociadas das políticas de coesão económica e social.
Portugal, como país menos desenvolvido, vê aumentada a sua capacidade para vir a acrescer esses créditos em 21%.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Já os ultrapassámos!

O Orador: - Portanto, penso que não há nenhuma necessidade de o PS incitar ou acicatar o Governo, porque este negociou, e bem, no nosso entender, e manifestou sempre disponibilidade para vir a cumprir e implementar esse Protocolo. Penso que esse cumprimento é um desafio, para além de obrigação, que vai ter repercussões, nomeadamente, na alteração dos padrões de consumo energético e em termos de economia de energia.
Relativamente às nossas relações com os Estados Unidos, quero dizer-lhe claramente que sou um defensor da construção europeia e de uma entidade europeia forte, mas, como é natural, numa relação não conflitual, em termos globais, com os Estados Unidos, o que faz parte da nossa filosofia de relações internacionais. E como em relação a essa matéria temos um currículo completamente inatacável, nas questões de divergência concreta podemos falar forte. Desta vez, não só a bancada do Partido Socialista, como a família política em que este partido se integra, que é a maior família política mundial, estão dispostas a falar forte e, portanto, tentar pressionar os Estados Unidos a avançar.
É óbvio que reconhecemos que esta matéria nunca foi isenta de controvérsias. Aliás, a própria discussão da redacção do Protocolo de Quioto deu origem a divergência graves entre os Estados Unidos e a União Europeia, mas é importante que a União Europeia se afirme claramente, sem qualquer posição «adversarial» relativamente aos Estados Unidos, embora com uma posição forte em matéria de identidade política e de promoção de valores.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Penso que, hoje - e dirijo-me à sua bancada -, o que identifica na Europa uma esquerda moderna é o partilhar da filosofia de aprofundamento da construção europeia. Tenho pena que sobre essa matéria a sua bancada não esteja em consonância connosco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Lamego: Não tenho qualquer pejo em dizer que, trazendo o Sr. Deputado novamente à Assembleia da República a questão do Protocolo de Quioto, traz um desafio de civilização a debate da Assembleia, que, neste momento, está em grave risco face à posição tomada pelo presidente Bush.
Evidentemente que não podemos esquecer que o fracasso da Conferência de Haia decorreu ainda no tempo do Presidente Clinton. Eu não direi que o tempo é o mesmo, porque, como já foi escrito uma vez, «são todos iguais, uns mais do que outros» e, portanto, admito, sublinho e acentuo que as posições que esta administração dos Estados Unidos, ligada ao lobby energético, tem nesta área são particularmente agressivas.
Agora, o que pergunto, aproveitando a oportunidade de o Sr. Deputado José Lamego dizer que dentro de uns dias vai reunir com a família, é se nessa reunião de família não seria de encarar um outro tipo de questões que estão associadas ao mesmo problema. Por exemplo: a primeira medida tomada pela administração Bush depois de abrir a porta da Sala Oval foi a de bombardear o Iraque. E bombardear o Iraque porquê? O Sr. Deputado não acha que esse bombardeamento tem directamente a ver com a questão petrolífera, isto é, que é um aviso aos países produtores de petróleo de que o lobby energético não quer o petróleo muito alto, quer o petróleo controlado?
Segunda questão: um dos actos que a mesma administração assume também de imediato é o lançamento do sistema antimíssil, o NMD, que, como sabe - e sabe muito melhor do que eu, porque de certeza tem mais informação sobre isso -, é um sistema que vai produzir um profundo desequilíbrio na situação mundial. O que eu lhe pergunto

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é se na sua reunião de família se irá tomar uma posição clara face à administração americana.
Terceira questão: uma outra medida que esta nova administração tomou foi a de apresentar um voto de desconfiança ao novo presidente da República da Jugoslávia, logo secundado, como é costume, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros inglês e pelo Secretário-Geral da NATO, que é também inglês, isto é, pelo eco europeu da administração Bush.
O que eu lhe pergunto é se nessa reunião de família vai ser dada à Jugoslávia a oportunidade de ser um país soberano ou se vão ser sustentados os dictats que a administração Bush está, neste momento, a tentar impor à Jugoslávia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem qualquer cumprimento, Sr. Deputado João Amaral, quero elogiar a inteligência com que me coloca essas perguntas. Mas a inteligência não me causa qualquer embaraço.
Relativamente à Jugoslávia, sabe quais têm sido não só as posições do meu partido como as minhas próprias. Gostaria, por exemplo, que o Primeiro-Ministro Zoran Djindjic viesse a esta reunião de família, não só porque pertence à família mas porque é também um democrata que lutou contra a ditadura de Milosevic e que quer que os problemas da nova Jugoslávia sejam resolvidos sem aprofundar o trauma nacional. E eu, nessa matéria, tive a oportunidade de exprimir pessoalmente - não represento a minha bancada, represento-me a mim próprio - a ideia de que a fragilidade da democracia jugoslava, hoje, exige que tenhamos uma posição equilibrada, nomeadamente quanto ao julgamento do passado recente.
Portanto, aí, eu, que sou um defensor convicto da jurisdição internacional em matéria de crimes contra a humanidade, estou aberto a admitir uma flexibilização - a política faz-se de princípios mas faz-se também da aplicação flexível e inteligente dos princípios -, para que seja a jurisdição nacional jugoslava a julgar o passado recente. E isto é uma prova de confiança na nova democracia jugoslava.
O Sr. Deputado também sabe, porque eu o disse mais do que uma vez, que não estou de acordo com acções punitivas, em termos internacionais, que não sejam legitimadas por decisão do Conselho de Segurança. Eu sei que o mundo é o que existe - e não é o melhor dos mundos -, que há dois países com assento permanente no Conselho de Segurança que são sistematicamente contra o exercício do direito de ingerência humanitária, mas eu sou a favor do direito de ingerência humanitária e não podemos transformar o exercício desse direito em qualquer tipo de prolongamento de acções unilaterais.
Creio que Portugal, a diplomacia portuguesa e o Estado português, devem, em todas as circunstâncias, fazer uma prova cabal da defesa do «multilateralismo» na organização das relações internacionais.
Depois, levantou-me habilmente mais uma questão difícil, ou seja, o tratado antimíssil. Na minha opinião pessoal, naturalmente, o Partido Socialista não irá alinhar na posição norte-americana nessa matéria. Aí a família não está unida e o senhor, muito habilmente, introduziu algumas dissensões da família; mas dissensões têm as nossas famílias todas e o Sr. Deputado sabe isso muito bem.
Em todas as famílias há divisões e aqui, de facto, a posição britânica, em termos de política internacional, é a de uma relação especial com os Estados Unidos e, portanto, sabemos o que é que o Primeiro-Ministro britânico pensa nessa matéria. Provavelmente não quer também desperdiçar uma oportunidade para o sector tecnológico britânico, mas eu só respondo por nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Lamego, quero aproveitar a oportunidade para o informar que Os Verdes entregaram ontem mesmo, na Assembleia da República, um projecto de resolução recomendando ao Governo quatro questões concretas: que manifeste o seu profundo desagrado pela decisão da administração dos Estados Unidos da América de se pôr à margem do Protocolo de Quioto e assumindo a responsabilidade e também o dever ético de procurar inverter essa decisão; que se empenhe na rápida ratificação do Protocolo de Quioto; que pugne pelo cumprimento dos compromissos assumidos no âmbito desse mesmo protocolo; que se empenhe na rápida elaboração do programa nacional de combate às alterações climáticas.
Esperamos ver este projecto de resolução, em breve, aprovado por unanimidade nesta Câmara.
Por outro lado, gostava de relembrar ao Sr. Deputado o facto de Portugal ter sido apresentado pela delegação dos Estados Unidos da América como o mau exemplo da União Europeia, em virtude do acordo que Portugal conseguiu, no âmbito da União Europeia, para o aumentar em 27% as suas emissões de gases que provocam efeito de estufa, e em 40% as de dióxido de carbono, tido como o principal gás que provoca esse efeito.
Relembro também os diversos relatórios, quer de nível nacional quer de nível europeu, entre os quais o último relatório da Comissão Europeia, que consideram claramente Portugal como um dos principais incumpridores dos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto.
Sabe o Sr. Deputado que Portugal vai ultrapassar, e em muito, aquilo a que se comprometeu por via do Protocolo de Quioto e o que eu lhe pergunto concretamente é o seguinte: não considera que o incumprimento por parte de Portugal leva o nosso país a perder força ao nível das negociações internacionais e constitui também um mau exemplo no empenho do cumprimento deste Protocolo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

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O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada sabe bem - naturalmente melhor do que eu - que Portugal obteve um regime especial até 2012 e o Governo declarou que tinha a intenção de cumprir o Protocolo de Quioto.
Sei também que a delegação norte-americana invocou esse exemplo, mas o que interessa é saber que a intenção política dos responsáveis políticos deste País é a de cumprir este Protocolo. E, nesse aspecto, o Protocolo, repito, não é apenas uma obrigação, é antes um grande desafio a toda a organização da indústria portuguesa à economia energética. Mas, aí, apelo ao partido Os Verdes que exerça uma vigilância clara…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É o que temos feito!

O Orador: - E têm feito muito bem!
Portanto, estou convicto que essa é uma causa que vai ser abraçada por todas as bancadas deste Parlamento e que, por conseguinte, a lógica de desenvolvimento económico e de coesão social será combinada com uma lógica de melhoria da qualidade ambiental.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Fazenda, para proferir a sua declaração política, informo que temos a assistir à sessão um grupo de 55 alunos da Escola Prática da GNR e um grupo de 40 pessoas do Programa de Educação para Adultos, da Orientação Concelhia de Gondomar, para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Membro do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje mesmo, ou dentro de poucos dias, o Gabinete do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território emitirá o sinal de partida para a queima de resíduos perigosos nas cimenteiras de Souselas e de Outão.
Justificando-se com o fim do processo de consulta pública, que ora termina, e suportada pelos relatórios da Comissão Científica Independente e pelo parecer do grupo de trabalho médico, a acção deste Governo parece-nos, contudo, irresponsável.
Irresponsável porque avança com uma solução de fim de linha para os resíduos perigosos sem realmente prever medidas eficazes, que actuem na diminuição e controlo da sua produção.
Bem sei que vivemos na civilização do desperdício, que quanto maior for o desperdício maior é o lucro e melhores poderão ser os índices de desenvolvimento estrutural do país. Mas conhecemos todos a factura a pagar por semelhante processo de desenvolvimento e mais cedo ou mais tarde estamos a pagá-la.
Irresponsável porque afirma certezas científicas construídas propositadamente para justificar uma opção política. Naturalmente, como em todos os processos de afirmação da ciência, há divergências, discussão de diferenças e processos de síntese que não se coadunam com os calendários políticos de nenhum ministro.
Todos sabemos aqui que não pode haver sobre a co-incineração certezas que garantam a saúde pública das populações que circundem estas fábricas.
Sabemos todos - porque temos a responsabilidade de conhecer os seus termos - que sobre esta questão houve opiniões que se contradisseram, todas de «especialistas». Houve até o relatório do grupo de trabalho médico, de que o seu presidente revelou as prováveis conclusões antes de sequer iniciar os seus trabalhos, a apontar insuficiências de procedimentos, nomeadamente na recomendação de ser feito um rastreio médico à população daquelas regiões. O Ministro Sócrates leu do relatório o que mais lhe interessou e o rastreio continua por fazer, e o rastreio continua por fazer, e o rastreio continua por fazer.
Houve ainda, neste capítulo de certezas e incertezas médicas, o relatório de ilustres médicos do Hospital Universitário de Coimbra, cuja conclusão situava claramente a população de Souselas e das zonas limítrofes à cimentaria como apresentando patologias em que factores ambientais assumem particular importância. Quanto a este «incidente», o Governo preferiu ignorar as conclusões e tentar desacreditar a credibilidade dos dados recolhidos e dos cientistas envolvidos. A discussão foi um diálogo de surdos.
Finalmente, parece-nos preocupante a irresponsabilidade do Governo quando tudo o que se sabe sobre a incineração indica que se aplique o princípio da precaução, à semelhança do que vem sendo feito em muitos fora internacionais a propósito de medidas das quais não se conhecem exactamente todos os seus limites e consequências. E, por mais que se diga, não se conhecem hoje, em toda a sua amplitude, as consequências da co-incineração de resíduos perigosos em cimenteiras.
Sabemos que esta Câmara recusou recentemente, por maioria, um projecto que visava integrar a regeneração de óleos usados e solventes, e sabemos que estes produtos, para os quais a regeneração é possível, são a compensação energética para fornos das cimenteiras, tornando o processo da co-incineração rentável e ainda por cima subsidiado pelo Estado. Torna-se até pouco credível que, a par da co-inceneração, avancem medidas de licenciamento de algumas fábricas de regeneração, ficando por perceber qual é a política do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território.
Sabemos que o Plano de Prevenção dos Resíduos Industriais Perigosos deixa de fora os resíduos da indústria química pesada, da refinação de petróleo e da produção de energia eléctrica. Sabemos que o projecto da co-incineração ficou sem uma peça fundamental depois do abandono da estação de pré-tratamento no Barreiro e, neste caso, não sabemos o que vai substituí-la.
Soubemos e indignámo-nos com as declaração do Presidente do Conselho de Administração da Secil, que reconheceu, com toda a naturalidade, o financiamento da sua

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empresa ao partido do Governo, mas também ao Partido Social Democrata e ao Partido Popular. O dinheiro é democrático e não escolhe «particularismos» ideológicos, desde que seja nas áreas do poder e das decisões que afectem os bons negócios da empresa.
O Bloco de Esquerda, ao contrário do Governo, tem muitas dúvidas sobre a transparência deste processo. Ao contrário do Governo nas suas inabaláveis afirmações da superioridade científica dos seus pareceres e comissões, entendemos que existe um enorme campo de incertezas, as quais justificariam a aplicação do princípio da precaução e, consequentemente, a suspensão da co-incineração.
Pensamos sinceramente que esta seria a melhor atitude, a que se justificaria face ao grau de incerteza e de dúvidas científicas.
Sabendo que existe em Portugal um grave problema de gestão de resíduos perigosos, seremos até capazes de reconhecer um ou outro passo que o Governo tem dado no sentido da sua inventariação e da procura de soluções, e estamos, obviamente, disponíveis para integrar esse esforço de recuperar o tempo perdido, de avançar com medidas concretas que possam começar a inverter uma situação próxima do descontrolo e que hipoteca o futuro do nosso país: com as populações envolvidas, com as populações implicadas no processo de decisão, com discussão pública que não seja uma mera fachada, com diálogo e imaginação, com novas soluções, sem pressões dos lobbies, sem ameaças dos financiadores, sem a arrogância das verdades absolutas.
Queremos resultados e queremos, tal como todos, vê-los já e depressa. Queremos poder orgulharmo-nos deste país e da coragem dos seus dirigentes, se e quando a gestão dos resíduos perigosos for feita desde a sua produção.
«Reduzir» é o primeiro R dos três que o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território tão bem adoptou na retórica da propaganda da sua actuação. Falta saber, Srs. Deputados do Partido Socialista, Sr.as e Srs. Deputados, o que está para além das palavras.
A Arrábida deu-se bem com a poesia. A Arrábida, Serra-Mãe, Parque Natural, já hoje esventrada pela Secil, vai ser, por este caminho, violentada pela co-incineração.
Até onde irá um Ministro na sua teimosia? Até onde irá um Primeiro-Ministro que fica com os olhos fechados?

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Subscrevo a 100%! Ou melhor, a 101%!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Fazenda, os Srs. Deputados Casimiro Ramos e Heloísa Apolónia.
Como o Sr. Deputado Luís Fazenda só dispõe de 1 minuto e 23 segundos, pergunto se algum dos grupos parlamentares concede tempo para que o Sr. Deputado possa responder.

Pausa.

Chegou a informação à Mesa de que o PS concede 1 minuto e o PSD 3 minutos.
O Sr. Deputado Luís Fazenda, hoje, está com sorte, visto que tem, para já, 5 minutos e 23 segundos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, gostaria, mais uma vez, nesta ocasião, de o interrogar sobre a intervenção que trouxe ao Plenário e também de o alertar para todo um debate que tem sido feito sobre esta matéria, em relação ao qual, até ao momento, nos parecia que o Bloco de Esquerda tinha estado um pouco alienado. Mas é bem-vindo a esse debate! Estamos todos sempre a tempo de discutir este assunto.
Gostaria de começar por uma frase sua porque, mais do que a uma medida de fim de linha, assistimos hoje a uma intervenção de fim de linha. No entanto, isso não invalida que relembre ao Sr. Deputado que todo o processo de eliminação de resíduos é um processo complexo, consignado no Programa do Governo, do primeiro Governo do Partido Socialista, que, com determinação, tem uma política integrada para o ambiente.
O processo de co-incineração faz parte dessa política integrada, que não tem um R, mas tem três R, sendo ela própria uma medida que pretende reduzir na fonte a produção de resíduos industriais. O que é cada vez mais preocupante é que, em cada dia que passa, avolumam-se por todo o País resíduos industriais perigosos.
Gostaria também de alertar para que, em cada dia que passa sem nenhum contributo sério e positivo por parte da oposição, se continua a adiar um problema, cuja resolução permanece pendente porque mais do que uma vez a lei teve obstáculos por parte da oposição.
A questão que quero deixar, Sr. Deputado, é a seguinte: também o Bloco de Esquerda entra na teimosia de tentar não cumprir a lei quando os procedimentos, todos correctos, não lhe são favoráveis?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Não cumprir a lei?! Essa é muito interessante!

O Orador: - É importante saber se convém ao Bloco de Esquerda cumprir a lei quando as coisas são favoráveis, mas quando são desfavoráveis a lei já não é para cumprir, os programas já não são para levar a cabo, os resíduos já não são para eliminar,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Essa é a vossa postura!

O Orador: - … pura e simplesmente, porque não agrada ao Bloco de Esquerda.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

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O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer às várias bancadas o tempo que me foi concedido.
Sr. Deputado Casimiro Ramos, não sei o que é que entende exactamente por alienação. Há vários significados, mas um possível é a incorporação do estranho e a sua intervenção foi, realmente, bastante estranha.
Quero recordar-lhe que há um ano proferi uma declaração política sobre esta matéria, em que, no final, apelei a um consenso entre o Governo e a oposição, para se encontrasse uma solução negociada. Esse apelo não teve qualquer eco, até hoje. Recordo-lhe, ainda, que o nosso grupo parlamentar apresentou um projecto de lei sobre a suspensão da co-incineração e que, amiúde, aqui falámos sobre o assunto. Como tal, não vejo outra coisa senão a distracção do Sr. Deputado e da sua bancada quanto às posições que temos assumido em relação a esta matéria.
A sua intervenção visa retomar, exactamente, os mesmos argumentos que têm elaborado e difundido até agora, não trazendo nada de novo, a não ser essa importação da legalidade, que é uma coisa espantosa, porque veremos, a seu tempo, quem é que está a infringir a legalidade. No caso do Parque Natural da Serra da Arrábida, é, obviamente, o Governo e o Ministro, que se prepara, por cima da legalidade, para tomar decisões. Portanto, cá estaremos para nos confrontarmos em relação à legalidade ou à ilegalidade dos processos.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Orador: - Seja como for, a posição do Ministro do Ambiente, numa estratégia promocional e de auto-afirmação política, passando por cima de toda a folha em relação a direitos de saúde pública, em relação ao verdadeiro debate de políticas ambientais, porque há um conjunto de outras soluções que tem de ser ensaiadas, é que é, verdadeira e manifestamente, uma posição de arrogância, que não levou até agora e que, pelo caminho que leva, não levará a uma solução negociada e consensual, que é aquilo que precisamos para uma política de ambiente em Portugal.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, quero, em primeiro lugar, manifestar a nossa total concordância com aquilo que constou da sua declaração política.
Na nossa perspectiva, se a primeira preocupação do Governo, relativamente à co-incineração, fosse, de facto, a saúde das populações, o ambiente e, naturalmente, a resolução da problemática dos resíduos industriais em Portugal, creio que a lei da Assembleia da República estaria cumprida e estaria, naturalmente, iniciado um processo de estratégia de aplicação da política dos três R, coisa que não acontece. Aquilo a que assistimos é a uma profunda obsessão do Governo com esta história da co-incineração.
Sabe o Sr. Deputado, naturalmente, que o relatório de uma dita comissão científica independente determina que a co-incineração incidirá, única e exclusivamente, em princípio, sobre 1% dos resíduos industriais. Relativamente aos restantes 99%, o Governo vai tomando, aqui e ali, algumas soluções pontuais, mas não há qualquer tipo de estratégia para a solução destes resíduos e, fundamentalmente, para dar prioridade à política dos três R. Portanto, concordo com a afirmação do Sr. Deputado de que outros interesses se levantam relativamente a esta questão da co-incineração.
Gostava também de relembrar o facto de o relatório do grupo de trabalho médico referir, expressamente, quanto ao processo de co-incineração, a possibilidade da existência de riscos acrescidos para as populações que residem perto das cimenteiras. De facto, apesar de determinar a inexistência de riscos acrescidos na generalidade, determina a possibilidade da existência de riscos acrescidos para as populações que residem perto das cimenteiras, pelo que determina, também, a necessidade de, antes de se iniciar o processo de co-incineração, se fazer o rastreio às populações, coisa que, como o Sr. Deputado bem referiu, ainda não está feita.
Portanto, temos uma lei por cumprir, temos um rastreio por fazer, e, na nossa perspectiva, se o Governo fosse responsável aplicaria, determinantemente, o princípio da precaução, que seria a única forma de salvaguarda de saúde das populações e do ambiente, e aplicaria, naturalmente, a lei da Assembleia da República, de forma a definir uma estratégia integrada para a resolução da problemática dos resíduos industriais.
Quero, por último, manifestar a total solidariedade do Grupo Parlamentar de Os Verdes para com as populações de Setúbal e de Coimbra.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, volto a insistir no que disse: e o rastreio? E o rastreio? E o rastreio? Ninguém entenderá que venham a ser tomadas decisões, nos próximos dias, sem que tenha sido feito o rastreio!
A Sr.ª Deputada referiu, e muito bem, como é que se podem sentir as populações próximas das cimenteiras quando o próprio relatório do grupo médico diz que, nas redondezas das fábricas, não deve existir população. O Governo acaba por assentir na compreensão de que há portugueses de primeira e portugueses de segunda, havendo uns que foram inexoravelmente condenados a ter um processo de co-incineração nas redondezas das suas habitações. O relatório só pode indicar para a existência eventual - que também contestamos - de co-incineração afastado de meios populacionais.

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A Sr.ª Deputada sublinhou isso com inteira actualidade e verdade e é isso que constitui, também, uma das obscuridades do processo de decisão política que se prepara e que vai ser mais um elemento a carrear para a ilegalidade do procedimento do Governo e para um conflito que, naturalmente, se abrirá com a lei aprovada por esta Assembleia da República.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para proferir uma declaração política, a Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos.

A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Há duas maneiras de olhar para uma actividade industrial: a tecnocrática e a humana.
Se tivéssemos olhado tecnocraticamente para esta fábrica que vai ficar submersa pelo Alqueva, porventura, a sua substituição teria sido feita no litoral, junto de um grande centro. Porque olhámos de uma maneira humanista, achámos - o Governo e a empresa - que era necessário apostar numa nova fábrica em Mourão, que aqui mantivesse postos de trabalho e, sobretudo, que aqui apoiasse o desenvolvimento desta região do Alentejo. Foi essa decisão que tomámos. Foi uma decisão correcta.
Estou muito satisfeito por verificar que ela tem pleno acolhimento nos trabalhadores da empresa e nos municípios e que vai ser um factor de modernização de toda a região.»
Assim falava o Primeiro-Ministro de Portugal, no dia 10 de Fevereiro de 1999, quando, após um longo período de hesitação política e incerteza generalizada, decidiu ir a Mourão para assumir um compromisso, em nome do Governo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

A Oradora: - Esse compromisso foi absoluto e a garantia dada irreversível: iria ser construída uma nova fábrica de reciclagem de papel no concelho de Mourão; os trabalhadores podiam ficar sossegados que a nova fábrica garantiria os seus postos de trabalho; os alentejanos podiam ficar confiantes, porque uma nova e moderna unidade fabril iria contribuir decisivamente para o desenvolvimento da sua terra.
Desde esse dia, nunca mais se ouviu a voz do Primeiro-Ministro, sobre este assunto. Poderia cuidar-se que assim era, porque tudo corria bem, de acordo com o previsto e prometido. Mas não! Quem quer que acompanhasse de perto a situação sabe que não. Que o digam, em primeiro lugar, os trabalhadores da Portucel Recicla, que têm vivido com ansiedade este penoso processo.
A privatização da Portucel, incluída no programa de privatizações do Governo de Abril de 1997, iniciou-se, em Setembro de 1999, com a aprovação do caderno de encargos.
De acordo com este caderno de encargos, a alienação de 65% do capital da Gescartão - detida em 100% pela Portucel SGPS, SA e detendo, em exclusivo, a Portucel Recicla - só poderá ser feita a quem demonstre, além de outros requisitos, possuir capacidade para construir uma nova fábrica em Mourão. Além disso, exige a manutenção dos contratos de trabalho e o início da laboração de uma nova fábrica, até Março de 2001.
Aparentemente, tudo no caderno de encargos está conforme com o compromisso político do Sr. Primeiro-Ministro. As coisas, porém, começaram a correr menos bem, quando alguém deu conta de um erro de escrita no n.º 1 do artigo 27.º do caderno de encargos, o mesmo que prevê o prazo para início de actividade da nova fábrica. É que onde se lê «Março de 2001», deveria ler-se «Dezembro de 2001». Este lamentável erro material foi, prontamente, rectificado no Diário da República.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Deveria ler-se «Setembro de 2002»!

A Oradora: - E assim, de uma penada, atrasou-se em 9 meses todo o processo; agravou-se o estado de expectativa legítima dos trabalhadores; adiou-se a confiança no desenvolvimento do concelho de Mourão, um dos mais pobres e desertificados do distrito de Évora.
Estávamos, então, em finais de Outubro de 1999, dias depois das eleições legislativas.
Fez-se o concurso público e, em Fevereiro de 2000, a Resolução n.º 6 do Conselho de Ministros torna público que o vencedor da privatização é a Imocapital SGPS, SA.
Em Setembro de 2000, a EDIA entrou na posse da velha fábrica de Mourão, indemnizando a Gescartão - agora, maioritariamente, privatizada - em 5,1 milhões de contos. Destes, 3,9 milhões de contos correspondem ao valor da fábrica e 1,2 milhões de contos destinam-se a apoiar a formação e a requalificação profissional dos trabalhadores, bem como a assegurar eventuais indemnizações.
Passaram os meses sem sinais da nova fábrica e esse foi o sinal mais triste e mais seguro de que tudo estava a correr mal, porque, afinal, tudo estava parado. A única coisa que aconteceu foi o anúncio de que a EDIA vai, definitivamente, encerrar a fábrica, no próximo dia 29 de Abril, ou seja, no final deste mês.
Dois anos depois do compromisso do Sr. Primeiro-Ministro e a escassos meses do fim do prazo para o início de actividade da nova fábrica, não há nem uma estaca nem um pilar onde amarrar a esperança!
Será esta a maneira humanista de olhar para a actividade industrial de que nos falava o Sr. Primeiro-Ministro? Olhar o quê, se não há nada para ver?!
O que está à vista, isso sim, é o encerramento da velha fábrica, dentro de dias. O que se sabe é que a nova fábrica já devia estar construída ou em vias de conclusão. E sabe-se ainda que, da nova fábrica, só existe o sítio e é impossível que aí entre em funcionamento uma nova unidade até Dezembro.
Como é fácil de compreender, o estado de espírito dominante, mesmo o dos mais optimistas, é de angústia, incerteza e descrença.

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Ocorrem-me as palavras de um trabalhador da Portucel Recicla, durante muitos anos dirigente da comissão de trabalhadores: «Que democracia é esta onde as leis não se cumprem? Se não pudermos ter como séria a palavra do Primeiro-Ministro, em quem é que acreditamos, para que é que votamos?»
São estas, com certeza, as perguntas que fazem, todos os dias, os trabalhadores, os autarcas e a população de Mourão e Reguengos de Monsaraz.
Foi neste ambiente e por este motivo que foi marcada uma greve para o passado dia 2 de Abril, data da realização do leilão internacional para o equipamento da fábrica, cancelado, aliás, a meio do dia, sob a pressão dos acontecimentos. Foi também neste ambiente que o Governo quebrou, finalmente, o silêncio.
Na passada quarta feira, durante o debate supostamente mensal na Assembleia da República, o Sr. Primeiro-Ministro não pôde mais ignorar ou fugir à questão. Como se não tivesse qualquer explicação a dar, o Sr. Primeiro-Ministro mostrou-se convicto de que tudo se resolverá e, uma vez mais, asseverou que tudo fará para que assim seja.
A isto nos habituou o Sr. Primeiro-Ministro, no seu estilo pessoalíssimo, autista e alheio à realidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - De imediato, o Sr. Ministro da Economia veio, à pressa, garantir que o problema das infra-estruturas - leia-se, o abastecimento de gás natural à central termoeléctrica para funcionamento da nova fábrica - estava decididamente ultrapassado.
Essa decisão teria sido oportuna há um ano… Mas mesmo que ainda o seja, a nova unidade fabril não estará pronta em menos de dois anos. Qual é o cronograma da construção e equipamento da fábrica, sendo certo que a tecnologia que aí vai ser instalada é produzida sob encomenda e ainda não está feita? Quando começa a contar o prazo desta nova garantia dada pelo Governo? Quantos serão os trabalhadores que resistem, e em que condições, a esta espera interminável? Até lá, quantos vão aceitar, como já aconteceu, a resolução dos seus contratos de trabalho?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No seu discurso à Assembleia da República, o Eng.º António Guterres disse que um dos principais problemas estruturais da economia do País é a profunda diferença que separa o litoral e o interior e acrescentou que não escondia as dificuldades do Governo em combater o atraso do interior.
O caso da Portucel é um exemplo paradigmático da incapacidade do Governo em concretizar uma política firme de desenvolvimento das regiões mais pobres. Porque o Governo hesita quando deve decidir, promete sem saber se pode cumprir; não tem uma ideia clara e de futuro para o interior do País nem, em especial, para o Alentejo.
O Eng.º António Guterres disse ainda à Assembleia, na passada quarta-feira, que o seu governo ficará conhecido como o Governo da consciência social.
Que consciência social é essa que não ouve as inquietações dos trabalhadores numa terra deprimida e sem outras oportunidades de emprego? Que consciência social é essa que não responde às suas perguntas sobre o futuro, mesmo o mais imediato? A partir do fim deste mês, quando encerrar a fábrica, quem vai pagar os salários? Como está a ser aplicada indemnização paga à Gescartão para requalificação dos trabalhadores? Quantos trabalhadores vão para formação profissional? Como se vai fazer o reenquadramento e integração profissional dos cerca de 200 trabalhadores, cuja média etária é de 43 anos e dos quais cerca de 70% apenas tem a escolaridade obrigatória?
Estas são perguntas legítimas e concretas, mas nem o afã dos últimos dias por parte do Sr. Ministro da Economia lhes deu resposta.
Não chega fazer visitas de emergência ao local, reuniões prolongadas com os trabalhadores, declarações de confiança, intenção e boa fé quanto ao futuro, como fez há dias o Sr. Ministro da Economia. É preciso assumir a responsabilidade política neste processo e ter para ele soluções efectivas.
A quem se deve o enorme atraso na construção da fábrica? O que dizem a esse respeito os relatórios que a administração da Portucel tinha de entregar trimestralmente ao Governo sobre o cumprimento das obrigações impostas pelo caderno de encargos ao adquirente? Esses relatórios existem verdadeiramente? E o que acontecerá se a fábrica nova não estiver pronta em Dezembro próximo, quando deve iniciar-se a sua laboração?
Estas questões são, sem dúvida, um peso na consciência do Governo dito da consciência social. E são, também, uma poeira que fere o olhar humanista com que o Eng.º António Guterres vê a actividade industrial.
Termino com uma citação do Sr. Eng.º António Guterres, que deixo à avaliação de todos nós: «Penso que há de novo no Alentejo esperança, confiança e convicção. Penso que os alentejanos estão conquistados para a modernização e desenvolvimento da sua região e espero que este acto, em que uma nova unidade industrial aqui vai nascer, signifique uma nova visão em relação ao futuro».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Mafalda Troncho e Lino de Carvalho.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mafalda Troncho.

A Sr.ª Mafalda Troncho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos, bem-vinda a este debate.
Tem razão. A construção da nova fábrica da Portucel é irreversível, porque este Governo não permitiu que imperativos de ordem economicista e técnica se sobrepusessem a imperativos sociais e humanos. E se assim não tivesse sido, Sr.ª Deputada, alentejana e ex-governante no tempo do PSD, não teríamos Alqueva, a barragem que a vossa visão técnica e eleitoralista nunca deixou que fosse feita, mas que sempre prometeram.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!

A Oradora: - Os atrasos em relação à construção da nova fábrica, que é irreversível, estão ligados à necessidade de estender a rede de energia eléctrica em alta, à prossecução da instalação da rede de gás natural, assim como à conclusão das vias de comunicação.
Em todo este processo temos de louvar a atitude quer dos nossos autarcas quer da comissão de trabalhadores, que têm sido incansáveis desde o início para, em articulação com o Governo, garantirem a instalação desta fábrica e sempre têm mantido uma atitude muito construtiva. Com muita pena vossa, esta fábrica é mesmo para ficar!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para ficar?! Ainda não está feita! É para ficar no papel!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, fez-se Alqueva; Sr.ª ex-Secretária de Estado da Juventude, até se fez a pousada de juventude! Fez-se uma auto-estrada; temos benefícios fiscais. Não chega, pois não, Sr.ª Deputada?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o paraíso no Alentejo…!

A Oradora: - Mas, pelo menos, chega para acreditar na palavra do Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos.

A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mafalda Troncho, muito obrigada pelas questões que me colocou.
Começo por agradecer o facto de se ter lembrado do meu tempo de governante deste país, no governo do Professor Cavaco Silva. No entanto, sem prejuízo da honra que sinto por ter pertencido a esse governo, começo a ficar manifesta e irredutivelmente cansada por o Governo do PS e os Deputados do Partido Socialista virem sempre invocar esse tempo como desculpa para o que não fazem ou fazem mal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É que parece que a culpa de tudo o que está mal neste país ou é dos 10 anos de governo do PSD, ou dos 50 da ditadura, ou, se calhar, qualquer dia passa a ser dos 700 anos de monarquia! Gostava que deixassem de encontrar alibis e se responsabilizassem definitivamente por aquilo que vos compete fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E o que vos compete fazer, em nome dos ditos imperativos sociais, mas espero que também em nome do desenvolvimento daquela região, deprimida, carenciada e em desertificação acelerada, é, com certeza, o Alqueva, que está feito - e o PSD tem uma importante contribuição nesta matéria -, mas também esta unidade fabril.
Ora, tudo o que a Sr.ª Deputada aqui trouxe não foi esquecido nem escamoteado na declaração política que há pouco proferi. Conheço os factos, estou atenta a eles. Não venha a Sr.ª Deputada aqui dizer que tem sido insubstituível a colaboração da comissão de trabalhadores e dos autarcas daqueles concelhos, porque o que deveria ser insubstituível era que o Governo fizesse o que tem de fazer em vez de se escudar por trás de terceiros.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos, em primeiro lugar, quero saudá-la por voltar a trazer a esta Assembleia uma questão importante, para o Alentejo, para o círculo eleitoral por que ambos fomos eleitos e para aferir a diferença que vai entre as promessas de desenvolvimento do interior e, depois, as realidades concretas.
Como sabe, nós próprios visitámos a fábrica na semana passada, interpelámos nesta sede o Primeiro-Ministro acerca da matéria, requeremos a vinda à Comissão do Sr. Ministro da Economia, que virá no dia 17, sujeito a confirmação. Esperemos que, na altura, o Sr. Ministro venha dar esclarecimentos totais quanto ao cumprimento dos compromissos assumidos pelo Governo e pelo Primeiro-Ministro, exarados no caderno de encargos para a construção da fábrica.
A Sr.ª Deputada referiu, e bem, a tal declaração de rectificação entre o que foi publicado no caderno de encargos e o que, depois, foi rectificado e que significa a construção ser adiada de Março para Outubro. Esperemos que, dentro de dias, não saia uma nova declaração de rectificação transferindo a construção da fábrica para Setembro de 2002…! Nos próximos dias veremos o que vai suceder.
Estas várias iniciativas, e, em particular, a luta dos trabalhadores, já tiveram pelo menos um mérito: romper com o silêncio em que se desenvolvia este processo, silêncio, aliás, alimentado pelo Partido Socialista e pelo Governo por razões de má consciência.
A Sr.ª Deputada referiu que, neste momento, quanto à construção da nova fábrica, o que resta são promessas; não está lá uma única estaca nem um único pilar. Mas eu digo mais, Sr.ª Deputada: nem sequer lá está a primeira pedra!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Exactamente! Está guardada!

O Orador: - É que, no célebre dia 10 de Fevereiro de 1999, o Sr. Primeiro-Ministro juntamente com o Sr. Ministro da Economia foram lançar a primeira pedra, com pompa

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e circunstância, e, depois, rodeados pelas televisões, dirigiram-se ao terreno para abençoá-lo. Ora, sabe onde é que ficou a primeira pedra, por mero esquecimento? Dentro da fábrica!

Risos do PSD.

Fui eu próprio descobri-la, na semana passada, limpinha tal como veio do marmorista…!

Risos do PSD.

Portanto, nem sequer lá está a primeira pedra! Infelizmente, esta é a realidade.
A Sr.ª Deputada fez várias perguntas e eu próprio poderia fazer mais algumas.
Por exemplo - e já não vou entrar na discussão sobre o processo de privatização, apesar de discordamos do mesmo -, tendo a Imocapital, SGPS, S.A., empresa que ganhou o processo de privatização, recebido desde Março as acções e entrado em contacto com o Governo durante vários meses para resolver os problemas da construção de uma unidade de co-geração, por que razão só agora, quando começámos a mexer-nos, é que houve resposta do Governo?
Por último, Sr.ª Deputada, vamos ver quem mais manda: se os compromissos do Sr. Primeiro-Ministro, que tudo fará para construir a fábrica, se a carta recentemente escrita ao Primeiro-Ministro pelo Sr. Eng.º Belmiro de Azevedo, principal accionista da Imocapital, pondo em causa a construção da fábrica. Esperemos pela vinda à Comissão do Sr. Ministro da Economia, no dia 17, porque ainda há muito a esclarecer, para sabermos se todos podemos ficar descansados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos.

A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, agradeço-lhe as questões que colocou e a história que contou acerca da primeira pedra da fábrica da Portucel Recicla, em Mourão. É uma história tão bizarra, tão bizarra, que só pode ser verdadeira,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Eu testemunho!

A Oradora: - … como verdadeira foi a história do encontro de um membro do Governo com os governadores civis da região, em Évora, em Janeiro, para falar dos programas ocupacionais, governante esse que começou por dizer a frase, entretanto tornada célebre, «estamos à vontade, camaradas, podemos falar!».
De facto, o Governo vem-nos habituando a procedimentos sui generis, bizarros, tão bizarros que só podem ser verdadeiros. Aliás, o episódio da primeira pedra esquecida, porque já tinha sido votada ao esquecimento, é paradigmático da actuação do Governo.
Julgo que tudo o que o Sr. Deputado acresceu ao que eu própria tinha dito vem permitir-nos delimitar um claro quadro da situação que está a viver-se. Em particular, a carta que referiu, escrita pelo Engenheiro Belmiro de Azevedo, personalidade preponderante na vida deste país e, seguramente, na da Imocapital, cujo capital detém em conjunto com um grupo empresarial espanhol, enuncia muito do que pode vir a acontecer no curto prazo.
Não quero decidir agora, porque é o tempo que decide, quem manda mais, se a vontade de um empresário português, se a do Primeiro-Ministro de Portugal. Vamos esperar que o tempo nos dê este esclarecimento. Até lá, de certeza que todos os que estão em Mourão, autarcas, aqui saudados, população em geral, que espera o progresso, mas trabalhadores e suas famílias em particular, vão ficar angustiados sem saber quem manda em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao tempo limite do período de antes da ordem do dia que, segundo o Regimento, é improrrogável, embora em alguns casos já tenha sido prorrogado. No entanto, para hoje, temos uma agenda muito carregada, pelo que não me é possível dar a palavra aos três Srs. Deputados que ainda estavam inscritos para tratarem de assuntos de interesse político relevante.
Assim, está terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 46 a 53 do Diário da Assembleia da República, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 7, 8, 9, 14, 15, 21, 22 e 23 de Fevereiro p.p.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 64/VIII - Transpõe para o direito interno a Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, aprovada em Paris, a 17 de Dezembro de 1997, sob a égide da OCDE.
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Conselho da Europa considerou, no final do mês passado, que o crime económico está a atingir proporções tais que «a democracia europeia, a paz, o primado do direito e a estabilidade económica e política estão em jogo». E atribuiu expressamente ao crime de corrupção, entre outras manifestações desta específica criminalidade, a responsabilidade por tal estado de coisas.

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A proposta de lei que hoje se encontra em apreciação surge precisamente com o intuito de combater um fenómeno que pode fazer perigar não só a economia internacional mas também as próprias instituições democráticas. Porque, e volto a citar o comunicado do Conselho da Europa, «no dia em que tudo isto se transformar em influência política, a vontade da Europa de lutar contra esta forma de criminalidade corre o risco de se desvanecer, e o nosso continente de perder a batalha». Eis o que queremos que não aconteça.
Portugal está internacionalmente vinculado à transposição para o direito interno da Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transacções Internacionais, aprovada em Paris em 1997, sob a égide da OCDE, e já ratificada por Portugal no ano passado. Mas a proposta normativa que hoje debatemos inscreve-se, para além do mais, num programa, que perante vós assumi, de combate à criminalidade económica e financeira e organizada, orientado pelo objectivo de erradicar a ideia de que os poderosos continuam e continuarão impunes. A garantia de uma efectiva igualdade na administração da justiça penal continua e continuará a ser, como mais uma vez se comprova, uma nossa preocupação essencial.
Julgo que as soluções constantes desta proposta de lei consubstanciam as melhores opções na intersecção de dois vectores indisponíveis: por um lado, o respeito integral pelos imperativos resultantes da Convenção, por outro, a alteração do nosso direito interno de forma precisa e sintética, sem um agravamento das contradições já existentes na regulamentação dos crimes de corrupção. Contradições estas que, note-se, são inultrapassáveis sem uma modificação do regime de responsabilidade dos titulares de cargos políticos. Assumo aqui, portanto, a necessidade de uma reflexão profunda sobre o sentido e a amplitude de uma futura alteração dos tipos de crime de corrupção, sejam os previstos no Código Penal sejam os previstos no regime de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
Todavia, a celeridade devida ao respeito pelos nossos compromissos internacionais impôs-nos que destacássemos, desde já, a matéria hoje em análise do «pacote» que vamos apresentar à Assembleia da República no âmbito do combate à criminalidade económica e financeira e organizada.
Assim, pretendemos que, aprovado este regime, ele seja sujeito à avaliação da OCDE, ainda no primeiro round de exames, juntamente com os restantes países do «pelotão da frente» na luta contra a corrupção de agentes públicos estrangeiros.
Se olharmos com atenção para a origem da própria Convenção, que agora impõe a adaptação do nosso direito interno, concluímos que o que ela em primeira linha pretende proteger não é a credibilidade e a lisura das administrações estaduais. Para isso, dispõem os diversos ordenamentos jurídicos dos seus clássicos regimes de crimes de corrupção concebidos como crimes contra o Estado. O objectivo primeiro desta Convenção é outro: o da introdução de regras que evitem o recurso à corrupção na luta pelos mercados internacionais.
Porque se concluiu finalmente que esta corrupção sem fronteiras, que começou por ser tolerada num quadro de liberalismo extremado cujo pano de fundo é a globalização da economia, tem graves inconvenientes: esta corrupção, para além de desestabilizar as leis do mercado e favorecer os mais fortes, distorcendo as regras da concorrência, acabou, ironicamente e, digamos, sem hipocrisias, por custar demasiado cara às grandes empresas internacionais. E, consequentemente, acabou por significar enormes prejuízos já não só para os países em desenvolvimento, mas também para as grandes potências económicas.
Assim, o que esta Convenção impõe é a responsabilização criminal daqueles que corrompem agentes públicos estrangeiros com o intuito de obter uma vantagem no comércio internacional. O bem jurídico protegido é, em primeira linha, a transparência e livre concorrência do comércio internacional, e já não aqui a transparência dos Estados estrangeiros. Por isso, apenas se quer apanhar o corruptor, porque o corrupto será já punido nos termos clássicos dos crimes de corrupção cunhados pelos códigos penais como crimes contra o Estado em que exercem funções.
Se estas razões teóricas aconselhavam a inserção sistemática no âmbito dos crimes contra a economia, uma razão prática também o impunha: a obrigação de responsabilizar criminalmente as pessoas colectivas, o que actualmente não se aceita quanto aos crimes previstos no Código Penal, mas apenas em legislação penal extravagante.
À criação do tipo legal de crime houve apenas que acrescentar dois esclarecimentos adicionais: um no sentido de que o regime previsto em matéria de branqueamento de capitais é também aplicável a esta forma de corrupção; outro no sentido de esclarecer as regras de aplicação no espaço, forçosamente mais amplas do que as habituais.
Termino, dizendo que, se é certo que a corrupção é uma pedra de toque da criminalidade económica e financeira, também é certo que a corrupção caminha frequentemente de braço dado com o crime organizado. E o crime organizado constitui na era da globalização uma ameaça global, que exige a globalização da lei e da repressão criminal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 64/VIII pretende transpor para o direito interno a Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, aprovada em Paris, a 17 de Dezembro de 1997, sob a égide da OCDE.
O ratio prosseguido por esta Convenção é o de protecção do comércio internacional, nomeadamente no que toca ao respeito pelas regras de uma sã e justa concorrência no desenvolvimento das relações internacionais,

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uma vez que a corrupção falseia e distorce as condições de concorrência, competitividade e eficiência económica.
A eficácia desta Convenção justifica, eventualmente, a regulamentação do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, relativo às infracções contra a economia e a saúde pública, garantindo-se desse modo a possibilidade de responsabilização criminal efectiva das pessoas colectivas pela prática desse ilícito e de apreensão do lucro obtido pelo infractor.
No artigo 1.º da proposta de lei n.º 64/VIII procede-se a um aditamento ao decreto-lei referido, penalizando-se a corrupção activa com prejuízo do comércio internacional, com pena de prisão de 1 a 8 anos. Esta conduta é qualificada como crime de corrupção para efeitos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, e do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 36/94, de 29 de Dezembro. Este tipo de ilícito penal aplicar-se-á a factos cometidos por estrangeiros que sejam encontrados em Portugal, independentemente do local onde aqueles factos tenham sido praticados.
A Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, adoptada em Paris, a 17 de Dezembro de 1997, resultou da aprovação da Resolução n.º 32/2000, de 31 de Março. Esta Convenção foi preparada no âmbito do CIME, que reúne os países da OCDE e ainda a Argentina, o Brasil, o Chile e a República Checa.
Constituem antecedentes desta Convenção as disposições da Recomendação relativa ao combate contra a corrupção nas transacções internacionais, revista e adoptada pelo Conselho de Ministros da OCDE, em 23 de Maio de 1997, bem como a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários das comunidades europeias ou dos Estados-membros da União Europeia.
Esta Convenção propõe-se, pois, combater os actos de corrupção passiva de funcionários públicos estrangeiros e de organizações internacionais pela criminalização e punição, de forma efectiva e ordenada, de ofertas, promessas ou atribuição de vantagens indevidas quando o agente corruptor vise, com a prática do acto, obter vantagem nas transações comerciais internacionais. Tal Convenção celebrada sob a égide da OCDE, órgão que tem como objectivos nucleares realizar uma mais forte expansão da economia e do emprego e progressão do nível de vida nos países-membros, tem a nossa total adesão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei segue-se a uma proposta de resolução sobre o branqueamento de dinheiro discutida no passado dia 30 de Março, o que nos leva a concluir que estamos na hora ómega do combate determinado ao branqueamento do dinheiro e corrupção, já que estes fenómenos têm vindo a intensificar-se, impondo-se uma resposta firme do legislador e uma resposta política e doutrinária, na defesa de um sistema mais justo e equitativo.
É indiscutível que há em toda a textura da corrupção ausência de uma componente ética que põe em causa valores essenciais da democracia e do Estado de direito, como a justiça, a transparência e a igualdade de oportunidades, robustecendo a burocracia e estimulando a ineficiência das administrações estaduais.
A corrupção não é apenas um «tumor maligno» que ensombra os países do terceiro mundo, é também um passe partout que abre as portas a paraísos de enriquecimento e perpetuação no poder nos países industrializados a favor de estruturas e instâncias de diversa natureza, incluindo os media, com repercussão perversa na opinião pública. E é preocupante que se banalize o fenómeno da corrupção, como se depreende das conclusões de um inquérito às populações de oito países balcânicos, inquérito citado pelo Embaixador José Cutileiro no último número do jornal Expresso, conclusões que mostram que aquelas populações consideram a corrupção um mal inevitável e eficaz na resolução dos problemas do dia-a-dia. E, por isso, a Albânia, a Bósnia e a Roménia contam-se entre os países mais corruptos do mundo.
Por isso, justifica-se recordar o que, no debate de 26 de Novembro de 1999, tendo por objecto a Convenção em apreço, referiu o Deputado Nuno Baltazar Mendes, que, citando números do Banco Mundial, salientou os montantes distribuídos a título das chamadas «luvas», os quais totalizam mais de 80 000 milhões de dólares, «luvas» de comissões ilícitas pagas a agentes públicos estrangeiros, distorcendo a sã concorrência.
A corrupção é, assim, um fenómeno frequente nas transacções comerciais internacionais, inclusive no domínio das trocas e dos investimentos, que suscita graves preocupações morais e políticas, afecta a boa gestão dos negócios públicos e o desenvolvimento económico, distorcendo as condições internacionais da concorrência.
A responsabilidade da luta contra a corrupção no quadro das transacções comerciais internacionais é, por conseguinte, uma incumbência ética e política de todos os países, pelo que Portugal tem necessariamente de ir adaptando a sua legislação, por forma a implementar todas as formas legais e administrativas de combate a esse fenómeno.
A iniciativa vertente complementa e operacionaliza, por conseguinte, a Convenção objecto deste debate, estando inteiramente de acordo com todos os fundamentos e todo o planeamento referido no combate a este tipo de fenómenos e mencionado na intervenção do Sr. Ministro da Justiça.
Por todas as razões explanadas, a presente proposta de lei merece o apoio claro e inequívoco do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e, naturalmente, não tenho dúvidas, de todas as outras bancadas e de todos os Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas notas, apenas, para justificar, como não podia deixar de ser, a nossa concordância com a proposta do Governo, que pretende tipificar na legislação in

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terna os crimes de corrupção activa quando os mesmos dizem respeito ao comércio internacional.
Está acesa, em França, a controvérsia sobre a participação do antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros Rolan Dumas e da família Mitterrand em actos de corrupção ligados ao comércio internacional, e verifica-se que este fenómeno não vem só.
Já aqui tratámos dos problemas do branqueamento de capitais, de dinheiros ilícitos provenientes da droga e do comércio de armamento, assim como dos problemas do comércio de petróleo e de diamantes, etc., e, como já aqui tivemos ocasião de dizer, quando tratámos da Convenção, que serve de fundamento à tipificação destas situações, não é apenas a corrupção activa no comércio internacional que está em causa, porque, ligado a ela, está um problema interno político muitíssimo grave, já que, pelo menos, uma parte deste dinheiro pode ir para o financiamento dos partidos e de organizações políticas, para além dos políticos que, na sua vida privada, se locupletam, dada a sua posição no sistema político. Efectivamente, verificámos como parte deste dinheiro é canalizada para a compra de sapatos que custam 30 000 contos, para a compra de apartamentos que custam 0,5 milhão de contos, como os diamantes servem para satisfazer as amantes dos ministros, como há salões onde este dinheiro é gasto a rodos e ainda como todos os partidos, sem excepção…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Em França!

O Orador: - … - repito, todos os partidos, sem excepção -, beneficiaram, em França, deste comércio internacional, onde agentes políticos e ministros…

Protestos do Deputado do PCP Octávio Teixeira.

… de todos os partidos, Sr. Deputado Octávio Teixeira (pode ler-se no Le Monde o inquérito que está em curso), onde ninguém sai incólume deste negócio sujo. E o negócio sujo não é apenas de quem o faz, é também dos que aproveitam dele.
Este problema do financiamento dos partidos, que está intimamente ligado à corrupção, tem de ser atacado de raiz, porque a democracia não pode viver da corrupção. Exactamente por isso, não podemos estar aqui a fazer uma passagem por este problema, dizendo que esta Convenção diz respeito ao corruptor, ao corrupto, etc., porque este problema pode tocar-nos à porta, mais tarde ou mais cedo.
É melhor guardar as portas…

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … do que pôr as trancas na porta, depois do cavalo roubado!

O Sr. António Filipe (PCP): - «Depois de casa roubada,…»

O Orador: - Exactamente por este problema ser grave, é que estamos aqui para chamar a atenção de todos os outros partidos, da Assembleia da República e da sociedade em geral para o facto de este não ser um simples problema de tipificação da pena aplicável ao corruptor activo. Este é um problema que toca a todos, que toca - não gosto de utilizar esta expressão, mas vou usá-la - à chamada classe política, que diz respeito aos partidos e ao modo como fazemos política. Este é efectivamente o cerne da questão!
Vamos ser claros; vamos tomar consciência de que este problema pode chegar a Portugal mais tarde ou mais cedo. Logo, é melhor termos atenção aquilo que estamos a tratar e o que podemos vir a evitar.

Aplausos do CDS-PP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Todos nós temos idênticas preocupações, quer no plano ético quer no plano político, sobre o fenómeno da corrupção, e todos conhecemos as consequências que no plano económico e a distorção, neste caso, do comércio internacional que ele gera.
Trata-se, de facto, de um fenómeno que, como já foi salientado, corrói a confiança nas instituições políticas; um fenómeno que tem vindo crescentemente a desenvolver-se, quer no plano interno quer no plano internacional; um fenómeno que, ao contrário do que muitas vezes foi afirmado e a que durante muitos anos se assistiu, não afecta apenas os países menos desenvolvidos, ou seja, aqueles países que têm economias menos desenvolvidas, economias mais subterrâneas, e estruturas políticas mais incipientes. Pelo contrário, também temos vindo a assistir (a realidade demonstra-o, infelizmente) ao desenvolvimento progressivo de fenómenos de corrupção nos países mais desenvolvidos.
A mundialização ou a globalização não trouxe apenas a partilha do que é bom, trouxe também a generalização do que é mau. O fenómeno da corrupção foi também alastrado, e tem vindo a crescer em função destes desenvolvimentos.
Trata-se, por isso, cada vez mais de um fenómeno que é colectivo e que só a nível colectivo pode ser devidamente encarado e combatido. É por isso mesmo que, no âmbito dos mais diversas fora internacionais, seja nas Nações Unidas, seja no Fundo Monetário Internacional, seja na União Europeia, seja na OCDE, seja no Conselho da Europa, por exemplo, têm vindo a ser desenvolvidos trabalhos no sentido de procurar encontrar soluções colectivas e implementar formas de combater este tipo de fenómenos de corrupção, também, numa perspectiva colectiva.
É justamente neste contexto que se insere a Convenção de 17 de Dezembro de 1997 feita sob a égide da OCDE e designada por Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos nas Transações Comerciais Internacionais.

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Portugal vinculou-se já, como todos sabemos, a esta Convenção, e, por ocasião do debate que ocorreu neste Plenário no dia 25 de Novembro de 1999, o Partido Social Democrata, pela voz do meu colega Deputado Pedro Roseta, expôs de forma particularmente clara as razões pelas quais dávamos o nosso acordo à aprovação, por Portugal, desta Convenção internacional.
Ora, a proposta de lei n.º 64/VIII, hoje em discussão, tem uma ligação directa a esta Convenção - nasce dela, é caso para dizer -, porque o seu objectivo (e é a própria proposta de lei que o refere) é transpor para o direito interno português a Convenção de 17 de Dezembro de 1997. E transpô-la porquê? Porque, lendo a Convenção, com facilidade se conclui que estamos perante um diploma que não é directamente aplicável.
De facto, as suas normas, em vez de criarem direitos e obrigações para as pessoas singulares e colectivas, criam antes para o Estado signatário - neste caso, para o Estado português - a obrigação de adoptar as medidas necessárias para que, ao nível da sua ordem interna, sejam criminalmente sancionadas certas condutas nela previstas, nomeadamente a corrupção activa de agentes públicos internacionais, bem como outros aspectos, como, por exemplo, os que se prendem com a competência internacional dos tribunais dos Estados (neste caso, dos tribunais portugueses) para intervir neste género de situações.
Não posso, no entanto, deixar de chamar a atenção para a falta de rigor jurídico, que, a meu ver, é utilizada pelo Governo na designação desta Convenção.
De facto, a proposta de lei utiliza a expressão «transposição»; mas, a meu ver, não se trata de uma verdadeira transposição - a figura da transposição foi introduzida na ordem jurídica portuguesa a propósito das directivas comunitárias, e tem uma lógica distinta. Ora, o que aqui está em causa é, antes, dar conteúdo concreto a certo tipo de obrigações genéricas que o Estado português assumiu e que não podem por si só produzir os efeitos desejados. Aliás, registo que o Sr. Ministro utilizou na sua intervenção uma expressão que me parece bem mais adequada, que é a de «adaptação», e o que está aqui em causa é de facto adaptar a ordem jurídica portuguesa, mais do que transpor algo que não é, por si só, transponível. Portanto, seria bom que um outro rigor jurídico tivesse sido utilizado nesta proposta de lei.
De todo o modo, isto não nos impede de dar o nosso acordo a esta proposta de lei. É evidente que podemos discutir se o Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, relativo à criminalidade económica, seria a sede mais adequada para tratar esta questão, ou se a moldura penal para a corrupção activa aqui prevista, e que se afasta, por exemplo, daquela que o Código Penal português prevê, é a mais adequada; mas estas, obviamente, são questões de pormenor que não põem em causa a nossa adesão de princípio a esta proposta de lei. Nem poderia ser outra a nossa atitude. Em Novembro de 1999, demos aqui o nosso acordo à Convenção da OCDE, e por isso mesmo não poderia ser outra a nossa posição, se não a de dar também o nosso acordo, na generalidade, a uma proposta de lei que, justamente, visa, como há pouco disse, criar condições para que o Estado português cumpra as suas obrigações e adapte a ordem jurídica portuguesa a essas mesmas obrigações.

Aplausos do PSD.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PCP concorda com esta proposta de lei, aliás, como concordámos com a aprovação para ratificação da Convenção cujo conteúdo esta proposta de lei visa não diremos transpor mas acolher no direito interno português. Tendo em conta que, ainda há muito pouco tempo, por nossa iniciativa, se discutiu nesta Assembleia o problema do branqueamento de capitais, fazemo-lo não só por este diploma, cuja matéria está relacionada com esta questão, visar introduzir um melhoramento, que, do nosso ponto de vista, é bem-vindo, na legislação existente, no que toca à punição do branqueamento de capitais em Portugal, mas também por considerarmos importante que se tomem medidas de natureza penal quanto à corrupção de agentes públicos estrangeiros no âmbito do comércio internacional.
Também importa dizer que não vale a pena, neste momento, fazer generalizações abusivas que podem dar a entender que estamos perante um País de corruptores generalizados. A situação não é esta! É importante que estas medidas sejam tomadas, mas parece-nos que não tem grande justificação vir aqui fazer discursos, como há pouco fez o Sr. Deputado Narana Coissoró, que acaba de regressar à Sala, que procuram criar um pouco a impressão - embora o Sr. Deputado Narana Coissoró não o tenha dito - de que estamos aqui a aprovar uma lei que se aplicará de imediato à generalidade dos agentes políticos do nosso país.
Não é assim; o Sr. Deputado Narana Coissoró não disse isto, mas creio que, com a generalização que fez na sua intervenção, se pode dar um pouco essa ideia, que, do nosso ponto de vista, não corresponde à realidade. É bom que sejam tomadas medidas preventivas, é bom que haja moldura penal para punir todos estes comportamentos, mas não devemos criar a ideia de que somos aquilo que não somos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas para isso não basta falar!

O Orador: - Do nosso ponto de vista, é útil que esta medida seja tomada e, fundamentalmente, que sejam criados mecanismos em Portugal para reprimir eficazmente a criminalidade económica e financeira. E, relativamente a este aspecto, existe no nosso país um atraso manifesto que importa recuperar com medidas destas, mas não apenas com medidas legislativas, também com medidas práticas que permitam criar condições técnicas, logísticas e de

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meios materiais e humanos, para que a criminalidade económica e financeira não fique sempre impune.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, a minha intervenção não é aquilo a que os americanos chamam a calamity calling, pois não apelei para a calamidade, não «dobrei os sinos» dizendo «corram, porque vem aí a corrupção que nos mata a todos»!
Agora, há coisas que realmente me surpreendem! Por exemplo, quem havia de julgar que uma pessoa, de honorabilidade, trato e competência, como Robert Dumas, fosse apanhada numa coisas destas? Quem havia de pensar que na casa de Mitterrand, que agendou o seu falecimento como quis, que morreu como quis, que deixou à posteridade o registo como quis, havia de sair tudo «furado» por causa do seu filho? Quem me diz que não há uma sucursal da Elf algures na península Ibérica?
Toda a gente que lê os jornais sabe que o tráfico de diamantes e de armas passa por Portugal, por isso é que o nosso Ministro da Justiça está efectivamente preocupado com este assunto. Mas, a propósito da sua preocupação, Sr. Ministro da Justiça, para que me serve estar aqui a falar destas coisas, do branqueamento de capitais, do combate à corrupção e ao crime de «colarinho branco» quando o DIAP diz que ainda tem 70 000 processos por abrir ou pendentes e que lhe faltam, pelo menos, 22 magistrados no «Diapão»? V. Ex.ª, Sr. Ministro, que tem tido esta preocupação em relação a estes crimes - e devo dizer que louvo esta sua preocupação -, se estivesse na oposição, o que acharia se, hoje, abrisse o jornal e lesse que há 70 000 processos «candidatos à prescrição» e que o quadro do Ministério Público, num centro sensível como é o «Diapão», está ainda por preencher.
Por tudo isto, Sr. Deputado António Filipe, é que eu estava a dizer que seria melhor falarmos destas coisas com cautela e, ao mesmo tempo, chamarmos a atenção de quem deve ouvir, para amanhã não sermos surpreendidos com novos Dumas e novos Mitterrand, porque há famílias assim.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, começo por agradecer-lhe a precisão que fez na sua intervenção.
O Sr. Deputado tem razão numa coisa, é que de facto, nesta matéria, no «pano» aparentemente melhor «cai a nódoa»! Isto é verdade! De facto, verificamos que, designadamente nestas matérias de criminalidade económica e financeira, por vezes, os intervenientes são pessoas aparentemente insuspeitas, que, posteriormente, se vem a saber que afinal enganavam toda a gente e que estavam envolvidos em determinados processos.
Tem razão neste ponto, mas concordará comigo que isto não justifica que passemos a olhar para todas as pessoas, para todas as figuras públicas como pessoas suspeitas. Agora, para «separar o trigo do joio», o que é essencial de facto, não há como fazer funcionar os mecanismos de prevenção da criminalidade económica e financeira. E isto passa pela criação de medidas legislativas, como esta e outras, mas também por criar condições para que esta prevenção funcione na prática como tem de funcionar. E, neste ponto, temos de reconhecer que em Portugal - e estou a lembrar-me, designadamente, da discussão que ainda há pouco tempo tivemos sobre o branqueamento de capitais - os mecanismos de prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais, e em geral de todos os mecanismos de prevenção da criminalidade económica e financeira, deixam muito a desejar na sua aplicação prática.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não quero deixar de me congratular com o grande consenso que esta matéria da repressão da criminalidade económica e financeira tem suscitado junto de todas as bancadas da Assembleia da República, o que, como já tive oportunidade de dizer aqui, há cerca de um mês, considero muito relevante do ponto de vista de dar um sinal político claro, não só à sociedade como ao conjunto das entidades que tem responsabilidades na detecção e repressão deste tipo de criminalidade, do grande empenho do poder político na repressão deste tipo de criminalidade. É uma repressão que passa, como é natural, por algumas medidas legislativas, mas não só por isso.
O Sr. Deputado Narana Coissoró revela-se apreensivo pela falta de preenchimento de quadros no DIAP de Lisboa, tendo em conta o número de processos pendentes, mas, como sabe, desde que assumi funções, tenho vindo a sublinhar a necessidade de aumentar o número de magistrados em exercício na magistratura portuguesa. E, deste ponto de vista, foi criado o quadro legal por esta Assembleia da República, por proposta do Governo, no sentido de se criarem mecanismos de reforço dos quadros das magistraturas.
Ora, esses mecanismos foram accionados, mas é evidente que eles nunca podem, em meu entender, para protecção da credibilidade, da autoridade e da segurança que todos temos de reconhecer ao nosso sistema judiciário, sacrificar a qualidade exigível aos magistrados em nome da necessidade de aumentar o número de magistrados no exercício de funções.
Como sabe, abriremos amanhã o debate público sobre a questão da formação dos magistrados. Todavia, temos de encontrar mecanismos que permitam o reforço dos quadros das magistraturas, mas sem nunca sacrificar a qualidade. Nos termos desta lei, que Assembleia aprovou, há um conjunto de mecanismos que permitem

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aos conselhos superiores das magistraturas reforçar o número de magistrados em exercício. O Conselho Superior da Magistratura tem recorrido a todos esses mecanismos, inclusive ao concurso extraordinário, para recrutamento de juristas de reconhecido mérito para o exercício temporário de funções como juiz. Infelizmente, ao contrário do que seria a nossa expectativa - e sei que também é a sua, porque, aqui, chegou mesmo a admitir que pudesse ser um método alternativo ao Centro de Estudos Judiciários para o recrutamento de magistrados -, tanto quanto sei, e o concurso está a terminar, não foi possível preencher todas as vagas colocadas a concurso, porque o Conselho entendeu que, para os padrões de qualidade exigíveis, não existia um número de candidatos suficientes para as vagas a concurso, o que significa que temos de continuar a trabalhar nesse sentido. Mas estas coisas de números têm de ser vistos de uma forma relativa.
Há um ano houve aqui um grande debate, aliás, promovido pelo PCP, porque tinha sido noticiado na altura que havia cerca de 180 000 processos parados no DIAP. Ora, devo dizer que esses 180 000 processos estão, neste momento, todos despachados.

O Sr. António Filipe (PCP): - Foram despachados em «alta velocidade»!

O Orador: - Agora, o número de processos pendentes é muito elevado, mas não é só no DIAP! O número de processos pendentes é muito elevado em todas as estruturas judiciárias! E há um problema estrutural, que tenho sublinhado, de desajustamento entre a capacidade de resposta do sistema judiciário e a procura crescente desse mesmo sistema judiciário. Isto vence-se aumentando a capacidade de resposta, mas vence-se, sobretudo, com uma resposta diferente: criando meios alternativos que possam dar outro tipo de respostas às mesmas necessidades e introduzindo novas formas de trabalho, novas metodologias de trabalho, que permitam aumentar a produtividade do próprio sistema. Este é o programa que temos, como o Sr. Deputado sabe.
Quanto ao «afinamento» de alguns pontos da proposta de lei na especialidade, podê-las-emos ver em sede de comissão. Esta moldura penal tem em conta que os bens jurídicos protegidos por este tipo de crime não são exclusivamente para o tipo de crimes protegidos pela corrupção activa prevista no Código Penal.
Ora, como este crime tem, se quiser, uma natureza poliédrica, multifacetada, com um conjunto de bens jurídicos a proteger, desde a transparência e livre concorrência do livre comércio internacional à transparência de actividades estadual, tem de se ter aqui em conta, porque também se prevê aqui a corrupção activa de titular de cargo político nacional, a moldura prevista para o crime de corrupção praticado por titulares de cargos políticos. E, portanto, é isto que justifica que esta moldura penal seja diferente da moldura penal vigente para a corrupção activa prevista no Código Penal. Mas é evidente que esta matéria será sujeita a discussão em sede de comissão, que não discute a exposição de motivos, pelo que nos poderemos poupar à «adaptação» ou à «transposição», que é matéria da exposição de motivos, a qual visa simplesmente explicitar junto dos Srs. Deputados o objectivo da proposta de lei e que, com a maior ou menor correcção, logrou, pelo menos, o seu objectivo, que era o de todos os Srs. Deputados compreenderem o objectivo desta proposta de lei; e ficou tão bem compreendido que levou à manifestação de apoio unânime por todas bancadas, salvo a do Bloco de Esquerda, que não se pronunciou expressamente sobre esta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem cala, consente!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Nós estamos mais distantes dessa realidade!

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro beneficiou de mais 2 minutos e 54 segundos, tempo que lhe foi cedidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate da proposta de lei n.º 64/VIII, pelo que vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 402/VIII - Lei de Bases da Família (CDS-PP).
Para introduzir o debate, em representação do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos numa época de convulsões intensas, de permanentes mutações ao nível económico, social e político, que resultaram em importantes modificações ao nível dos costumes, dos padrões sociais e cívicos, a maior parte delas ainda bem longe de estarem assimiladas ou consolidadas pelas nossas sociedades.
Estamos na era do consumo exacerbado, da obsessão pelo materialismo, da competição desenfreada e da apologia do primado do individualismo em contraste com a doutrina do Estado, que, em muitas áreas como a social, ainda é marcadamente colectivista.
Debatemo-nos com uma sociedade complexa; materialmente, é a mais próspera que conhecemos, mas é também certamente das mais brutais, do ponto de vista humanitário, de que há memória.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Talvez por tudo isto, esta é também e, fundamentalmente, a era do pessimismo e do negativismo. Basta parar e ver no que se passa à nossa volta, o que transparece de toda a comunicação social. Atentemos aos telejornais e, se o fizermos, facilmente chegaremos à conclusão de que a maior parte do que é notícia é mau, choca-nos, repugna-nos e torna-nos ainda mais pessimistas.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos de reconhecer que nem tudo é assim tão negativo, que todos

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os dias e a todas as horas existem motivos, factos, gestos, exemplos que nos dão razão para sorrir e que são boas notícias.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E saibamos também reconhecer que muito do que hoje nos faz sorrir se deve, em grande parte, à única instituição natural, cuja existência se confunde com a existência do próprio homem, ou seja, à família!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, a família mantém a sua posição inalterável como o núcleo que congrega em si mesmo a transmissão, a evolução e a execução dos princípios éticos, cívicos, educacionais ou, como agora se tornou hábito dizer, de cidadania, constituindo-se como o pólo aglutinador de vontades, de valores e de princípios.
Por todos estes factores, a protecção da família é hoje, como sempre, um desígnio nacional e um dever fundamental do Estado que, aliás, o reconhece, e bem, na Constituição da República Portuguesa. É que uma família forte, enquanto instituição, entenda-se, faz um Estado forte, e é dos Estados fortes que nascem as Nações fortes.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas até a família se tem confrontado com dificuldades. Da pressão constante de um quotidiano que teima em esquecer os valores fundamentais tem eclodido preocupantes sinais de desagregação e desestruturação da célula primária em que se fundamenta a nossa sociedade e em que se baseia, em grande parte, a vivência pessoal de todos nós.
Com efeito, nas últimas décadas, a crise da família contribuiu para o recrudescimento de fenómenos que hoje, infelizmente, se tornaram correntes, como a violência, a delinquência juvenil, o abandono e a solidão dos mais idosos ou a marginalização dos economicamente mais débeis. E tudo isto, reconheçamos, muito se deve à crise da instituição familiar.
As condições que o Estado dá à família não são as que o CDS-PP quer, nem as de que o País precisa, embora, por vezes (e muitas vezes contra o Estado), se mantenha como uma das instituições a que os portugueses atribuem maior crédito, como demonstrou um inquérito recentemente realizado.
O que o CDS-PP pretende com o projecto que hoje apresenta é a criação de uma nova política com uma nova visão da família, que lhe permita assumir o seu lugar como o mais marcante espaço de realização, desenvolvimento e consolidação da personalidade humana, como uma instituição que marque a solidariedade entre as gerações e seja, por si, o núcleo transmissor de princípios éticos, cívicos, sociais e educacionais.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A família, enquanto conceito, é uma realidade incontornável, na sua importância, da vida em sociedade. Mas sendo, por isto mesmo, intemporal, é também uma realidade em constante progressão nas formas que pretende assumir. As modificações que a nossa sociedade tem sofrido reflectem-se necessariamente na família. E, neste contexto, importa criar respostas novas para realidades novas. Veja-se o caso das famílias monoparentais, às quais o CDS-PP confere a maior importância. Temos de dar novas respostas a novas realidades.
É certo que não é ao Estado, e ainda bem, que compete gerir a instituição familiar. Aqui, como em outros casos, mas fundamentalmente nesta área, o CDS-PP recusa a existência de um Estado que queira espartilhar a família, que a burocratize, que a torne uma realidade funcional e impessoal. Nesta, como em outras matérias, respeitamos o princípio da subsidariedade do Estado.
Mas, neste contexto, importa lembrar que não se pode combater problemas longínquos quando os problemas que nos estão mais próximos estão por resolver. Não faz sentido procurar resolver os problemas do Estado, se os problemas da cidade subsistem, nem tão-pouco faz sentido resolver os problemas da cidade se os problemas do núcleo central da vida em sociedade se mantêm por resolver.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é cuidando de cada uma das árvores, que poderemos salvaguardar a floresta! E este é o caso da família.
Esclareça-se, contudo, que não queremos um Estado neutro, alheado da família e dos seus problemas, um Estado apático, desinteressado, um Estado que, ao invés de promover e incentivar a autonomia e vitalidade da família, combatendo com coragem os problemas com que esta se debate, por acção ou omissão, dela se afaste, com ela concorra ou, pior ainda, a ela se oponha.
Não queremos a criação de um ministério da Família, como se tal fosse a solução para todos os males. A política de família, em Portugal, deve ser transversal, atingir todos os sectores, influenciar todos os Ministérios! Se me permitem, diria, neste ponto, que o CDS-PP não quer um Ministério para levar à família, quer, isso sim, levar a família a todos os Ministérios!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas não é este o Estado que ainda temos, em matéria familiar, e é para ajudar à sua criação que o CDS-PP apresenta hoje o projecto de lei n.º 402/VIII, que instituiu a Lei de Bases da Família, tributário de diversos projectos anteriores, de entre os quais avulta o da autoria da Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os governos são mandatados pelos portugueses para governarem de acordo com um programa que eleja como prioridades as suas necessidades mais básicas, que lhes estão mais próximas, que lhes são mais caras.
Pois bem, falemos então delas, das pessoas, dos portugueses e das portuguesas que têm família e das famílias

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que têm aspirações e problemas que hoje se mantêm, para não dizer que todos os dias se agravam.
Quando todos os estudos indicam que Portugal é dos países da União Europeia que tem índices mais baixos de protecção social da família, quando são os agregados familiares com um rendimento inferior, quando são as famílias portuguesas as que se encontram fiscalmente mais desprotegidas e as que estão mais endividadas, quando o envelhecimento da população é uma realidade, assente na baixa taxa de natalidade, quando reputados especialistas e insuspeitos estudos alertam para a insustentabilidade a breve trecho do sistema de segurança social, se se mantiver esta conjuntura, quando estamos perante tudo isto, perguntamos: o que é que o Estado e os sucessivos Governos têm feito pela família?
Pois bem, ao invés de combaterem as causas dos problemas, têm, muitas vezes, tomado medidas que, bem ao contrário de promoverem a constituição de novas famílias, têm precisamente desincentivado a sua existência, têm, ao contrário de promover a sua coesão, permitido a sua desestruturação e, ao contrário de reforçar o seu papel na sociedade, têm vindo a descredibilizá-lo. Mas para esta situação terá contribuído a inépcia da Assembleia da República? Terá havido uma omissão dos partidos, nomeadamente do CDS-PP? Certamente que não!
Durante o período de tempo que levamos de democracia, foram apresentados vários diplomas e ideias sobre esta questão. Só o CDS-PP apresentou, desde 1987, vários projectos de lei, com objectivos similares aos do que hoje apresentamos. Mas jamais foi possível a elaboração de um diploma tão fundamental e que se pretende tão abrangente como aquele que apresentamos hoje aos portugueses.
Poderá perguntar-se as razões da insistência do CDS-PP nesta matéria. Pois bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a medida da nossa insistência é a medida do autismo de que têm vindo, até agora, a sofrer os sucessivos responsáveis por este tema. As motivações que hoje aqui apresentamos são o espelho não apenas das nossas preocupações mas das preocupações das portuguesas e dos portugueses, das verdadeiras preocupações dos portugueses. São aquelas que hoje, com este projecto de lei, pretendemos que entrem na agenda política.
Durante os últimos tempos, discutimos nesta Casa numerosos projectos de lei que versaram questões sociais e cívicas, mas nenhum deles teve por objecto a definição de uma verdadeira política da mais importante e nuclear instituição para os portugueses, que é a família.
Temos vindo a discutir temas que interessam a minorias; hoje, vamos, finalmente (e já não era sem tempo!), apreciar uma matéria que toca a todos ou à grande maioria dos portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É este Estado que fala da política de imigração e que não previa na lei, recentemente aprovada, nenhum mecanismo de reagrupamento familiar para os que estão abrangidos pela autorização de permanência, e que só está consagrado na actual lei por intervenção do CDS-PP, precisamente por entendermos que deve ser com a família e na família que estes cidadãos devem ser integrados na sociedade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É este Estado que pretendia despenalizar o aborto e que se tem recusado a discutir, no âmbito de uma política de família, a criação de uma rede nacional de assistência materno-infantil, em conjunto com os recursos disponíveis na sociedade civil.
É este Estado que consagra a «pílula do dia seguinte», mas que não tem discutido a criação de uma rede nacional de infra-estruturas de apoio à família.
É este Estado que descriminaliza a droga e que cria «salas de chuto», agora ditas «de injecção assistida», mas que se tem vindo a manter autista quando se propõe o acompanhamento da família de situações de risco, quer ao nível da prevenção quer, num momento posterior, ao nível da recuperação.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - É este Estado que se diz solidário com os mais pobres e que não tem conseguido dignificar o Sistema Nacional de Saúde, criando mecanismos de verdadeira protecção da família na doença.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - É este Estado que fala em integração de Portugal no primeiro pelotão europeu - pasme-se! -, mas que, perante o constante endividamento excessivo das famílias, não é capaz de criar incentivos à poupança.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É este Estado que quer criar quotas para permitir artificialmente o justo acesso das mulheres a cargos políticos, mas que tão-pouco cria uma rede de apoio às mães trabalhadoras.

Vozes do CDS-PP: - É uma vergonha!

O Orador: - É este Estado que prometeu acabar com a sisa, mas que não só não cumpre com o prometido como tão-pouco consegue criar um regime de incentivo de compra da primeira habitação pelos jovens casais, ou tão-pouco reforça os incentivos fiscais ao matrimónio para as famílias numerosas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Contra este estado de coisas o CDS-PP, e só para falar nesta Legislatura, tem apresentado variados projectos de lei com o objectivo de reforçar e dignificar o papel da família na nossa sociedade.

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Assim ocorreu quando apresentámos as bases de um novo sistema nacional de segurança social, onde propúnhamos a flexibilização das idades de reforma, sobretudo das mulheres, para além de se permitir que o planeamento da reforma fosse feito pela família e pelos seus membros.

Vozes do CDS-PP: - É bom lembrar!

O Orador: - Por isso, apresentámos um projecto que criava o estatuto do mecenato para a vida que concedia apoio fiscal às empresas que contribuíssem financeiramente para instituições privadas de solidariedade social.
Com estes objectivos, propusemos a criação do cheque-medicamento e do empréstimo escolar, onde sustentávamos medidas de apoio à aquisição de medicamentos por idosos e de apoio à aquisição de livros escolares pelas famílias carenciadas.
Apresentámos uma reforma dos impostos sobre o rendimento que propunha a consideração da situação familiar em concreto do contribuinte para o cálculo da tributação do seu rendimento singular. E foi também para proteger os portugueses e as suas famílias que propusemos diversos projectos de lei, projectos de resolução e debates, sobre a questão da segurança, que é dos problemas que mais preocupam as famílias portuguesas.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A tudo isto, o PS tem preferido - é a sua opção -, até agora, responder à agenda política virtual do Bloco de Esquerda, em vez de viabilizar medidas sérias, ponderadas e direccionadas para a satisfação de necessidades reais sentidas pelos portugueses.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É lamentável!

O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Não é verdade!

O Orador: - É também pelo facto de ter sido a Juventude Popular, os jovens democratas-cristãos do meu partido - a quem quero neste momento saudar com emoção e com sentido de gratidão pelo trabalho enorme que fizeram neste projecto de lei, pois a eles se deve, em grande medida, este projecto de lei, cujo resultado será seguramente um activo enorme na história, tão recheada de honra, da nossa juventude -, que, ao arrepio do que hoje é sociologicamente correcto, mais trabalharam em prol desta lei de bases da família, que ela ganha maior relevo.

Aplausos do CDS-PP.

É também por entendermos que a agenda política deste Parlamento deve ser determinada pelos anseios da maioria da sua população e não apenas por compromissos assumidos para com minorias e por considerarmos que a política de família deve ser um desígnio fundamental de qualquer Estado que apresentamos o presente projecto de lei, que, em traços gerais, apresenta os princípios que passo a enunciar.
Primeiro, consagração de um conjunto de princípios fundamentais orientadores do que deve ser a política de família em Portugal e que se traduz na proclamação da família como referência fundamental na elaboração de qualquer política sectorial; segundo, consagração de um conjunto de deveres do Estado em matéria de política familiar, que se traduz na criação de medidas que garantam a integração e a coerência entre as várias políticas sectoriais e os interesses das famílias e que proporcione a melhoria da sua qualidade de vida ao nível da saúde, da educação, da habitação, do trabalho e do ambiente; terceiro, reconhecimento da necessidade de compatibilização de todas as actividades da vida de cada membro da família com a vida familiar considerada como um todo, promovendo a conciliação entre a vida laboral e a vida familiar.
Com estes objectivos, reforçamos o papel das famílias na maternidade e na paternidade, criando incentivos para as famílias numerosas, protegendo o desenvolvimento das crianças, antes e depois do seu nascimento, garantindo o exercício efectivo do poder paternal, assegurando o apoio às famílias monoparentais e dos menores privados de meio familiar, estimulando a participação dos idosos na vida familiar, reconhecendo aos idosos o seu papel fundamental na prevenção e tratamento não só de toxicodependentes, como também das restantes situações que afligem a família.
Defendemos ainda a criação, com o apoio do Estado, de associações representativas dos interesses da família ao nível local, regional e nacional.
Por fim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, propomos a assistência e a participação da família na saúde, criando, em conjunto com as instituições privadas, uma rede nacional de assistência materno-infantil, na educação, reforçando não só a liberdade de opção sobre o projecto educativo dos filhos como também a rede nacional de creches e do ensino pré-escolar, na habitação, criando condições para a aquisição por todas as famílias de uma habitação condigna, na cultura, promovendo a transmissão e interacção de culturas entre as gerações, na segurança social, garantindo a subsistência e o equilíbrio económico de cada família, nomeadamente através da criação de uma rede nacional de equipamentos sociais, na fiscalidade, desenvolvendo um sistema integrado de fiscalidade e garantindo a sua unidade ao nível familiar, e no urbanismo, criando espaços de lazer, de cultura e desportivos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito mais haveria a dizer, mas, em linhas gerais, é esta a concepção que o CDS-PP tem da família. Trata-se de uma visão que se quer coerente com os valores democratas-cristãos que professamos, de defesa intransigente da família como pilar da sociedade portuguesa, que se quer cada vez mais livre, mais justa, mais segura, mas produtiva, com

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melhor qualidade de vida e, fundamentalmente, mais solidária.
Sabemos que, só por si, a via legislativa não consegue atingir estes objectivos, mas é preciso dar às pessoas um sinal de esperança. O País precisa, mais do que nunca, de esperança, e é com esta esperança, a de que finalmente possamos, em conjunto, apresentar soluções a Portugal e aos portugueses, que apresentamos este projecto de lei e que estamos prontos para o discutir e para o melhorar.
Devemos isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Portugal, ao Portugal de hoje, ao Portugal de amanhã, mas, principalmente, ao Portugal de sempre!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, de facto, não se pode deixar de considerar bem oportuno e necessário este debate sobre uma lei de bases da família.
Há, pelo menos, 20 anos, tanto quanto me lembro, que em Portugal se fala em leis-quadro para a família, mas também há 20 anos que as famílias são sobretudo o mote para discursos políticos, reservando-se a urgência da agenda política simplesmente para iniciativas de carácter fragmentário, destinadas a grupos ou a situações que são, comprovadamente, minoritários.
Temos testemunhado iniciativas políticas fracturantes, as quais se têm mantido visivelmente alheadas da degradação do tecido social, da quebra de confiança, da erosão do capital social, sendo, algumas vezes, até manifestamente ofensivas para o papel indispensável na criação da coesão comunitária e para a sustentação dos valores de civilização. É, pois, chegado o momento de perguntar se, ao fim de 20 anos, haverá finalmente coragem para produzir uma lei-quadro que contemple as famílias, que, por acaso, simplesmente por acaso, ainda representam a comunidade de pertença maioritária e constituem o elemento fundamental da vida em sociedade.
Sr. Deputado, embora manifeste publicamente que votarei favoravelmente a vossa iniciativa, não posso deixar de colocar duas questões que considero terem natureza estratégica. Em primeiro lugar, devo dizer que este projecto de lei me parece adopta uma posição demasiado intrusiva do Estado. Por conseguinte, gostaria que me esclarecesse sobre a disponibilidade do seu grupo parlamentar para rever esta perspectiva e consagrar aquilo que é necessário: um novo protagonismo das famílias, das estruturas mediadoras que são as próprias associações de família e das demais instâncias de representação da sociedade civil.
Em segundo lugar, tendo em atenção a natureza deste projecto de lei de bases, pergunto: que disposições pensa introduzir no sentido de se encontrar um quadro clarificador para esta panóplia imensa de legislação relativa à família, que é contraditória entre si e, na sua maioria, indutora de rupturas sociais graves?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, antes de mais, quero agradecer a sua pergunta e a disponibilidade que manifesta em votar favoravelmente o nosso projecto de lei.
A Sr.ª Deputada tem toda a razão em dizer que foi há 20 anos que começámos a debater esta problemática, e eu gostaria de recordar aqui que a primeira vez que a ouvi ser debatida no meu partido, de uma forma consistente, foi por iniciativa do seu irmão, o Engenheiro Amaro da Costa. Foi essa a primeira vez que esta matéria foi debatida no meu partido de uma forma coerente e institucional, foi por proposta dele.
É evidente que 20 anos é muito tempo e, não sendo a família uma realidade estática mas, sim, uma realidade em evolução, admite-se que alguma coisa, muita coisa, diria mesmo, tenha de ser adaptada, porque as realidades são outras. E nós estamos perfeitamente abertos a isto.
Sr.ª Deputada, não queremos apresentar aqui um projecto de lei fracturante, aliás, teríamos o maior gosto em que o Bloco de Esquerda votasse favoravelmente o nosso projecto de lei.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Isso é difícil!

O Orador: - Simplesmente, a nossa posição é diferente! Não estamos aqui para dividir a sociedade. Uma coisa é ter opiniões diferentes sobre as diversas matérias; outra é estar permanentemente a dividir os portugueses sobre temas que não os devem dividir mas, sim, unir! A família deve unir os portugueses, e não dividi-los!

Aplausos do CDS-PP.

Nós queremos fazer, e dizemo-lo com sinceridade, porque quando queremos dizer «não», dizemo-lo aqui claramente!
No entanto, é óbvio que também não queremos apresentar um projecto… Esta é a nossa proposta, a qual, como eu disse, foi muito influenciada pelos nossos jovens,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Isso é que é preocupante!

O Orador: - … num trabalho conjunto, o que é notável; foi influenciada pela nossa juventude, a que já ouvimos chamar «rasca», por parte de pessoas de esquerda! Temos muita honra em ter um projecto de lei que também é tributário, em larga medida, dos nossos jovens, que trabalharam connosco. Mas, obviamente, esta é uma proposta para ser melhorada, não é uma proposta fechada, e, quanto melhor forem as alterações no sentido de a viabilizar, de a concretizar, mais felizes ficamos. Não somos detentores da verdade. Enganamo-nos muitas vezes e temos dúvidas muitas vezes - este dogmatismo não existe na nossa bancada.

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Portanto, em relação ao papel do Estado, com certeza; em relação à necessidade de compilar, de dar lógica à diversa legislação dispersa, com certeza, mas que a lei de bases vá para a frente e seja inspiradora de toda a legislação ordinária nesta matéria de forma transversal, como tivemos ocasião de dizer.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Retomamos, hoje, um debate que ficou mal «enterrado» há pouco mais de cinco meses quando, em Outubro de 2000, o Partido Socialista rejeitou uma iniciativa do Partido Social Democrata sobre a lei de bases da política da família.
Em Outubro de 2000, há tão pouco tempo, ainda o Sr. Deputado José Barros Moura não tinha consultado o travesseiro do Sr. Eng.º Guterres, ainda não tinha reparado que a oportunidade e o contexto aconselhavam um clique-claque à retaguarda, ainda não tinha considerado conveniente fingir que apoiava a família, ainda não tinha decidido oferecer um ar de direita ao inevitável caminho da esquerda do Partido Socialista. Hoje, é outro o Sr. Deputado José Barros Moura que fala; pensa o mesmo, mas, decididamente, diz o contrário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Já anteriormente, o Partido Social Democrata preocupado com a crescente marginalização da família, apresentou o projecto de lei n.º 295/VII sobre a lei de bases da política da família, que foi, igual e infelizmente, rejeitado.
Hoje, como ontem, debatemos um projecto de lei que tem como objectivo o reconhecimento, a dignificação e a valorização da família enquanto pedra basilar da sociedade portuguesa. Este debate, decorre, hoje, praticamente nos mesmos termos e com as mesmas premissas com que o fizemos anteriormente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O que dissemos então reafirmamo-lo hoje ainda com mais força, porque as iniciativas legislativas que recentemente foram aprovadas esqueceram e desvalorizaram a família.
De facto, nos últimos tempos, temos assistido à criação de soluções políticas cada vez mais fracturantes da coesão social e da instituição familiar.
Constatamos que, efectivamente, a família ficou fora do centro do debate político.
Constatamos, efectivamente, uma falta de visão estratégica quanto aos novos condicionalismos demográficos e sociais da sociedade portuguesa.
Na verdade, Sr.as e Srs. Deputados, verificamos uma verdadeira ausência de política familiar.
A grande maioria dos benefícios e das protecções sociais destina-se quase exclusivamente a proteger direitos individuais e só muito raramente a proteger a família como um todo e como um grupo.
A família, depois de 27 anos de instauração da democracia, e após várias tentativas, ainda não conseguiu ver reconhecida uma política familiar global por ela inspirada e para ela orientada. É, no mínimo, estranho. Tanto mais porque ela vem no seguimento lógico de um imperativo constitucional. Tanto mais, porque vai contra a corrente de consolidação de um consenso internacional, cada vez mais amplo, sobre a função crucial da família no processo de desenvolvimento de uma democracia justa, coesa, paritária e solidária. Tanto mais, ainda, porque é cada vez maior a consciência de que não há solidariedade nacional sem solidariedade social. Também não há solidariedade social sem solidariedade geracional. E não há, por certo, solidariedade geracional sem solidariedade familiar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é do conhecimento desta Assembleia, o Partido Social Democrata tem vindo a defender a existência de um diploma que contenha os princípios fundamentais orientadores de uma política de promoção, apoio e dignificação da família. Princípios que implicam, naturalmente, o desenvolvimento de políticas sociais a favor da promoção, do apoio e da dignificação da família. Princípios que assentam na convicção de que é necessário dotar a sociedade dos instrumentos, do quadro legal e do enquadramento institucional eficazes a uma política pró-família. Princípios que estabelecem as linhas programáticas fundamentais da política familiar, visando a promoção e a melhoria da qualidade de vida das famílias e a sua participação no desenvolvimento dessa mesma política.
Defendemos, por isso: a consolidação da função primordial da família enquanto transmissora de valores e centro gerador da coesão social e da solidariedade geracional; a protecção da maternidade e da paternidade como valores humanos e sociais inalienáveis; a garantia da protecção e do desenvolvimento da criança, antes e depois do seu nascimento; o reforço do carácter global e integrado das várias políticas sectoriais; o aumento do grau de informação sobre direitos familiares; o fortalecimento do associativismo familiar; o estímulo do voluntariado; o reforço da conciliação entre a vida familiar e profissional; o reforço da participação activa da família no desenvolvimento da política dessa mesma família.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vivemos, hoje, uma época em que a aceleração dos ritmos de vida, a dinâmica própria da sociedade de consumo, a competição desenfreada e a obsessão pelos referenciais económicos conduzem à proliferação de mecanismos de desagregação da instituição familiar. Apesar disso, a esmagadora maioria dos portugueses, quatro em cada cinco, continua a identificar a família como a instituição basilar de toda a sociedade e o seu principal porto de abrigo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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A Oradora: - Isto quer dizer que, ao contrário do que pensa uma certa esquerda, com honrosas excepções, a família não está ultrapassada nem deve ser relegada para o museu dos preconceitos e complexos de natureza ideológica.
De facto, para nós, a legitimidade da família não assenta em bases ideológicas mas, sim, no reconhecimento objectivo da sua função social, cultural, educacional e económica.
Mais: para o Partido Social Democrata a família é o espaço privilegiado de convivência e solidariedade entre as diferentes gerações e da promoção da igualdade entre homens e mulheres.
Daí que, ontem como hoje, e sempre, o PSD aposte com força, com convicção e sem hipocrisia na dimensão estratégica e transversal da sociedade portuguesa - a família.
A responsabilidade e a coerência do PSD para com a família são a nota dominante e permanente da sua política social.
Não devemos, não podemos e não ignoramos que o desenvolvimento e a complexidade da vida e da sociedade tende a gerar novas formas de organização e de relação social. Mas a família tradicional, como primeiro e mais marcante espaço de realização, desenvolvimento e consolidação da personalidade humana, é a expressão institucional por excelência da nossa verdadeira cultura.
Por isso, é um imperativo político preservar um espaço tão vital e tão especial para o desenvolvimento da pessoa humana e da sociedade. E as preocupações deviam ir no sentido de defender e promover a família, com vista à sua revalorização e dignificação e de harmonizar e impedir a espiral de agravamento do bem-estar e da qualidade de vida das famílias. Mas, infelizmente, a discussão pública da família tem constituído um dos maiores palcos da hipocrisia política da era «guterrista».

O Sr. David Justino (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - A agenda política é ditada pela pressão de lobbies e pela defesa de temas de minorias, questões laterais, e a framília, causa maioritária, é relegada para um plano secundário.
O discurso oficial limita-se a, com encenação a preceito, confundir e disfarçar uma política quase antifamília. Na prática, as famílias portuguesas continuam desprotegidas: Portugal é um dos países da União Europeia com piores índices a nível da protecção social da família; a proporção de pobres é uma das maiores da União Europeia; um terço das famílias portuguesas tem menos de metade do rendimento médio nacional; cerca de 92% do rendimento das famílias é para pagar dívidas às instituições bancárias; mais de 13% das famílias não têm férias e 34% gozam as férias em casa.
Perante estes factos preocupantes e com tendência a agravar-se, o que faz o Governo socialista? Salvo honrosas excepções, nunca o Governo nem a esquerda parlamentar demonstraram, até hoje, vontade política para conseguir as melhores soluções para resolver este problema.
Até hoje, todas as iniciativas apresentadas pelo PSD, nesta Assembleia, e que tinham por objectivo a promoção da qualidade e do bem-estar das famílias, foram rejeitadas, com o voto contra do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - É verdade!

A Oradora: - Senão vejamos: a «via verde» para a família, verdadeira política para melhorar a qualidade e o bem-estar da família, foi chumbada; o «cartão de família», destinado a facilitar às famílias numerosas o acesso a um conjunto de bens e serviços, foi chumbado; os apoios à permanência e integração na família de idosos e pessoas portadoras de deficiência foram chumbados; o alargamento da redução do horário de trabalhadores com filhos que padeçam de deficiências profundas ou de determinadas doenças susceptíveis de provocar estados terminais foi chumbado; o aumento dos limites da dedução à colecta de despesas de educação foi chumbado; o reforço das medidas de protecção da maternidade e da paternidade foi chumbado; e a lei de bases da família foi várias vezes chumbada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma vergonha!

A Oradora: - Afinal, que política de família tem o Partido Socialista?
É que, não sendo estes os únicos chumbos, Sr.as e Srs. Deputados, eles demonstram bem o estado de hipocrisia e a falsa demagogia reinante sobre a instituição familiar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O Partido Socialista, em questões de família, discursa à direita, vira à esquerda, às vezes, e pratica no «quase nada».
Somos levados a pensar, com legitimidade, que a família, para o Governo socialista, não passa de uma questão política menor e lateral.
Com legitimidade e sem surpresa, somos levados a pensar que a lógica política do Partido Socialista é quase antifamília. Daí a necessidade de criarmos instrumentos que invertam este ciclo de penalização das famílias portuguesas.
É este o nosso desafio.
Só a ausência de vontade e disponibilidade política ou uma mera teimosia pode servir de argumento para continuar a rejeitar a lei de bases da família.
Queremos crer, e parece já temos a certeza, que não vai ser mais uma oportunidade perdida para a família.
Temos esperança de que, hoje, volvidos mais cinco meses, possamos, em conjunto e numa atitude construtiva, conseguir as melhores soluções para este problema, reconhecendo a dignidade que a família merece e exige.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD sustenta aquilo que sempre defendeu nesta matéria.

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Apoiar a família, apoiar os princípios e os valores humanos e sociais que ela representa significa ter consciência e reconhecer o papel e a importância da família como grande pilar da sociedade portuguesa.
Com responsabilidade e em coerência com os valores da social-democracia, mantemo-nos na defesa intransigente da família.
Com o PSD, a família é e será, seguramente, o tema central da agenda política do País.
É o nosso compromisso, que renovamos com as famílias e pelas famílias portuguesas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Barros Moura (PS): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Agradeço que identifique a matéria ofensiva, Sr. Deputado.

O Sr. José Barros Moura (PS): - A matéria ofensiva verificou-se no início da intervenção da Sr.ª Deputada Ana Manso, que ofendeu não apenas o Deputado que neste momento usa da palavra mas também toda a bancada do Partido Socialista e o Governo, ao pôr em dúvida a legitimidade das posições que, sobre este tema, tomaremos neste debate, e que já tomámos publicamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, verifica-se pela intervenção da Sr.ª Deputada Ana Manso que a animosidade demonstrada relativamente às posições que hoje me cabe defender, em nome da minha bancada, correspondem a uma manipulação puramente táctica da questão, dos problemas e das políticas para a família.

O Sr. António Capucho (PSD): - Não!

O Orador: - O PSD e a Sr.ª Deputada Ana Manso esperaram que o Partido Socialista contemporizasse passivamente com a grosseira mistificação que seria a apresentação de um projecto de lei sobre a família, como se ela fosse a tradução dos princípios da sociedade tradicional contra posições políticas de abertura aos novos fenómenos da realidade familiar, a que o Partido Socialista deu o seu apoio e que viabilizou nos últimos tempos, contrapondo-se, assim, pretensas posições minoritárias com posições maioritárias, que seriam posições dignas.
Sr.ª Deputada Ana Manso, não aceitamos essa classificação entre «bons» e maus» e verifico que a sua acrimónia, a sua animosidade só pode ter na sua base o facto de o anúncio de que o Partido Socialista não inviabilizará este projecto de lei do CDS-PP destruir completamente esse tipo de argumentação.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Já sabemos que não inviabilizarão o projecto de lei!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Grande novidade!

O Orador: - Compreendo a sua frustração, compreendo a sua acrimónia e felicito-me face a ela, pela justeza da posição que tomamos. Posição correcta, no plano táctico, porque corresponde também a uma boa estratégia de promoção do apoio concreto à família, e não verbalista.
Das posições apresentadas pelos Srs. Deputados do PSD num anterior projecto de lei, sendo que as boas não eram originais e as originais não eram boas, falará em breve uma colega minha de bancada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): -- Sr. Presidente, Sr. Deputado José Barros Moura, essa sua intervenção é, de facto, original e boa…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Obrigado.

A Oradora: - … por uma razão muito simples (mas vai ter de me explicar para eu conseguir entender aquilo que o Sr. Deputado acabou de dizer): é que eu não falei em termos de legitimidade.
Obviamente que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem toda a legitimidade para dizer hoje uma coisa, amanhã dizer outra, depois voltar atrás, virar à direita, virar à esquerda, como queira…

Protestos do PS.

Porém, já não percebo (e, neste caso, o Sr. Deputado tem de me explicar) como é que em, apenas, cinco meses, mais precisamente 165 dias, VV. Ex.as conseguiram mudar de uma posição para outra,…

Risos do PSD.

… quando, na altura, argumentaram que o Partido Social Democrata tinha apresentado uma lei que não era necessária, porque relatava tudo o que vinha na Constituição da República e tudo o que vinha no plano global da família. Ou seja, o que, na altura, não era necessário, hoje, passados 165 dias, já o é.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agora já é necessário!

A Oradora: - Diziam também, na altura, que, apesar de ser uma iniciativa séria, ela não era original e, por isso mesmo, votavam contra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas agora já é necessário!

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A Oradora: - Agora, não é séria e passa a ser original, ou é o contrário?!

Risos do PSD.

V. Ex.ª, Sr. Deputado tem de se decidir!
Em todo o caso, gostaria que o Sr. Deputado fosse sincero e dissesse que não tinha dormido no travesseiro, depois de o Engenheiro Guterres lhe ter dado a orientação, e por uma questão de convicção, porque acredita na família, acredita que a família é a base da sociedade portuguesa, e isso podia levar-vos a mudar de posição, mas não por uma questão de oportunismo político…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … e, pura e simplesmente, como V. Ex.ª acabou de dizer, por uma questão de táctica.
Para nós, a família está acima disso. Não é uma questão ideológica, é uma questão de convicção profunda, porque acreditamos que a família está muito acima da ideologia, coisa que V. Ex.ª , Sr. Deputado Barros Moura, não consegue aqui justificar, porque, ontem, pensava e dizia uma coisa e, hoje, pensa a mesma coisa de ontem mas consegue dizer, perante esta Assembleia e perante o País, precisamente o contrário.
Penso, então, que deviam dizer: «Errámos, na altura. Enganámo-nos, na altura» e por isso pedir desculpa ao PSD e, acima de tudo, às famílias portuguesas,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Muito bem!

A Oradora: - … porque estão a dar o dito de há 165 dias pelo não dito de hoje. Mas penso que isto fica com a consciência de cada um.
Sr. Deputado Barros Moura, sei que, quando logo à noite se olhar ao espelho, vai dizer assim: «realmente, penso isto, mas disse o contrário». Agradecia que o fizesse.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Ana Manso, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Manso, gostava de focar alguns aspectos da sua intervenção.
A Sr.ª Deputada disse que a família ficou, durante muito tempo, fora da discussão política. Parece-me que é a má consciência do PSD a falar mais alto.

Protestos do PSD.

O PS tem uma política de família. Pode é não ser a do PSD, e nós não queremos que seja.

Protestos do PSD.

Se os Srs. Deputados me deixarem falar, vão perceber que aquilo que estou a dizer tem razão de ser.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio, já que também foram ouvidos em silêncio.
Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Eu só queria que os Srs. Deputados me ouvissem, porque vão perceber que aquilo que tenho para dizer tem alguma razão de ser.
Retomo, dizendo que o PS apoia um Governo que tem, de facto, uma política de família, que a concretiza e que tem conseguido resultados nesta área. Refiro o plano global para uma política de família, que a Sr.ª Deputada pensa ser mais um plano global (sei que é isso que pensa), mas não é. É um plano através do qual o Governo assume compromissos claros, propondo-se atingir objectivos. E, ao contrário do que a Sr.ª Deputada possa pensar, já existe uma balanço deste plano que nos permite avaliar a eficácia dessa mesma acção.
Poderia voltar a recordar o Programa Creche 2000, podia voltar a recordar os resultados no pré-escolar, podia voltar a recordar a resposta no apoio diversificado aos idosos - ao contrário do PSD, pensamos que os idosos têm de ter repostas diversificadas - e também podia falar das melhorias nas infra-estruturas para a conciliação entre vida profissional e familiar.
A Sr.ª Deputada referiu também as iniciativas do PSD. Sr.ª Deputada, as iniciativas do PSD não passaram de uma «via-verde», que mais não foi do que um nome bonito…

O Sr. António Capucho (PSD): - Cinco dias!

A Oradora: - … para esconder o vazio de propostas que o PSD tem nesta matéria.

O Sr. António Capucho (PSD): - Não, não!

A Oradora: - Quanto ao «cartão de família», o PSD tinha chumbado uma iniciativa mais ou menos idêntica do PS, mas cujo objectivo era o mesmo; quanto ao vosso projecto de lei relativo aos idosos, nós chumbámo-lo e justificámos porque o fizemos.
Mas, acima de tudo, nós temos os resultados nesta área, portanto a Sr.ª Deputada Ana Manso, hoje, devia era estar satisfeita, porque vai poder contribuir para uma lei de bases de família,…

Protestos do PSD.

… devia ficar satisfeita, porque esta Câmara, mais uma vez, está a discutir a área da família. Ao contrário do que possa pensar, aqui ninguém dá lições a ninguém, e o PS nesta matéria não as aceita. Na área da família, sabemos o que queremos, temos resultados a apresentar e temos, ainda, metas a atingir.

Protestos do PSD.

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Portanto, Sr.ª Deputada, se, de facto, o PSD estivesse verdadeiramente interessado na área da família, estaria mais interessado em discutir as propostas que estão, hoje, em cima da mesa do que em fazer um «número» político com aquilo que poderia ser a posição do PS.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem «virou o bico ao prego» foram os senhores, não fomos nós!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou agora dar a palavra à Sr.ª Deputada Ana Manso para responder e, no fim da resposta, procederemos às votações regimentais.
Faça favor, Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, eu sei que aquilo que acabou de dizer foi mera «encomenda», porque não pensa nada disto.

Risos do PSD.

No último debate que nós tivemos no Parlamento, a senhora disse precisamente o contrário daquilo que está a dizer hoje. Mas não vamos por aí.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Passaram 160 dias!

A Oradora: - Passaram 165 dias e, portanto, é natural.
Não é uma questão de consciência do PSD, porque nós fomos sempre coerentes e com muita responsabilidade, defendemos sempre a família como o pilar-base e o «porto de abrigo» de todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E não é o vosso caso.
Mas diga-me uma coisa, Sr.ª Deputada: VV. Ex.as votaram a favor da «via-verde» para a família? Não! Votaram a favor do «cartão de família»? Não! Votaram a favor dos apoios à permanência e integração na família dos idosos e pessoas portadoras de deficiência?

Vozes do PSD: - Não!

A Oradora: - Também não! Votaram a favor do alargamento da redução do horário dos trabalhadores que têm filhos que padecem de deficiências ou de doenças terminais prolongadas?

Vozes do PSD: - Não!

A Oradora: - Também não! Votaram a favor do aumento dos limites de dedução à colecta das despesas de educação,…

Vozes do PSD: - Não!

A Oradora: - … que tinha a ver também com a qualidade e o bem-estar das famílias? Não! Votaram a favor do reforço das medidas de protecção da maternidade e da paternidade? Também se esqueceram, porque votaram contra!
O que é que vocês fizeram, no entretanto? Fizeram uma série de soluções políticas que única e exclusivamente foram contra a qualidade e o bem-estar das famílias e apenas provocaram a fractura da coesão social e da instituição familiar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Se isso, Sr.ª Deputada, é ter uma política familiar, eu digo sinceramente, Sr.ª Deputada: perguntem às famílias portuguesas se elas realmente estão a ser devidamente protegidas ou se estão cada vez a sentir mais a carga do Partido Socialista numa política quase antifamília.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder às votações regimentais.
Começamos pela votação do requerimento, apresentado pelo PS e BE, solicitando a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sem votação na generalidade, da proposta de lei n.º 40/VIII - Aprova a lei da paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos e do projecto de lei n.º 388/VIII - Medidas activas para um equilíbrio de género nos órgãos de decisão política (Deputada do BE Helena Neves).

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, pretendo explicar à Mesa e à Câmara que assinámos conjuntamente o requerimento de baixa à comissão, sem votação, da proposta de lei n.º 40/VIII e do projecto de lei n.º 388/VIII, porque, por um lado, não pretendemos comprometer o objectivo da paridade e, por outro, porque se tornou necessária uma clarificação do sistema eleitoral e a seu tempo será…

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem, não há uso de palavra sobre requerimentos. De maneira que o Sr. Deputado Luís Fazenda pediu a palavra para fazer uma interpelação mas não fez nenhuma interpelação.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Já que o Sr. Deputado Luís Fazenda usou da palavra sem dever usá-la e a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira pede a palavra para se pronunciar sobre a mesma matéria, faça favor, Sr.ª Deputada. É uma questão de tratamento igual.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Muito obrigada, Sr. Presidente, por este tratamento igualitário e pela importância da assunção do princípio da paridade, como devendo ser defendido a todo o custo para o aperfeiçoamento do regime democrático.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Capucho pretende o mesmo, suponho eu.
Tem a palavra.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª acaba de nos dar a palavra, e eu agradeço, para justificarmos o nosso sentido de voto. Não pode ser outra coisa.
A bancada social-democrata entende que este requerimento de baixa à comissão do projecto de lei n.º 388/VIII e da proposta de lei n.º 40/VIII não é mais do que um subterfúgio para fugirem à responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os pretextos invocados são falsos, não passam de pura hipocrisia as razões invocadas. Os partidos que subscrevem…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe dei a palavra para justificar o seu sentido de voto.

O Orador: - O Sr. Presidente deu a palavra ao BE e ao PS exactamente para o mesmo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dei a palavra a igual título. Se quiser usar da palavra para o mesmo título que eles usaram, com todo o gosto, mas não vai justificar o seu sentido de voto, porque eles também não justificaram o deles.

O Orador: - Então, vou concluir, Sr. Presidente,…

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - … dizendo que, da nossa parte, a responsabilidade política desta Câmara se devia assumir votando a substância dos diplomas e não através deste subterfúgio de os remeter sem votação para a comissão.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, realmente não pretendemos justificar o nosso voto mas, sim, interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sobre que matéria, Sr. Deputado?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É sobre o entendimento que a Mesa tem em relação a este tipo de requerimentos.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, que liberdade é esta? Estão a ser sonegadas ao Plenário votações…

O Sr. António Capucho (PSD): - Sistematicamente!

O Orador: - … sobre matérias importantíssimas, sistematicamente, e eu gostaria de saber se a baixa à comissão não significa um aperfeiçoamento de um tema sobre o qual há um…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, mesmo que seja assim, e até pode ter alguma razão, a verdade é que é um direito e não podemos discutir o exercício de direitos. Quem exerce um direito, não merece censura. O direito está no Regimento, se for votado por maioria…

O Orador: - V. Ex.ª, que é um ilustríssimo jurista, conhece a figura do abuso do direito, ou não?

O Sr. Presidente: - Conheço, Sr. Deputado, mas,…

O Orador: - É só isso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - … se houver maioria a votar, não haverá abuso do direito, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para o mesmo efeito.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É exactamente para o mesmo efeito, Sr. Presidente, embora poucas pessoas saibam, pelo menos na Câmara, neste momento, qual é o efeito,…

Risos do PCP, de Os Verdes e do BE.

… porque cada um interveio com efeitos diferentes.
Já agora, para tentar integrar-me naquilo que me pareceu perceber das palavras do Sr. Presidente, direi que nós, Grupo Parlamentar do PCP, não apresentámos nem subscrevemos qualquer requerimento de baixa à comissão desta proposta de lei e deste projecto de lei em concreto, porque consideramos que eles deveriam ser votados…

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O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro! Fizeram bem!

O Orador: - … pela razão - e, Sr. Presidente, não coloco aqui qualquer questão regimental - de ser um requerimento de baixa à comissão sem votação por prazo indefinido.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - O que, do nosso ponto de vista e em termos de interpretação política, significa de duas, uma: ou que se trata de um requerimento de baixa à comissão no sentido de os diplomas «desaparecerem» na comissão, e não «desaparecerem» aqui, no Plenário, ou, então, como foi difundido na comunicação social, para que se espere por uma outra lei que não é sobre matéria, para que essa lei possa ser votada anteriormente a estas. Mas, então, eu poria esta questão: se essa lei…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma troca!

O Orador: - … vier a ser aprovada, segundo parece, estas leis «desaparecem» pura e simplesmente da comissão, mas se, por acaso, for rejeitada, estas leis «renascem», mas nada impede que dois dias depois o Partido Socialista volte a apresentar a mesma proposta de lei de alteração da legislação eleitoral com os círculos uninominais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não é um abuso do direito?! É um abuso do direito.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção muito curta, já que está em vigor o princípio da igualdade, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, telegraficamente, quero dizer o seguinte: são os dois partidos proponentes que pedem a baixa dos diplomas à comissão, portanto, isso é respeitado. De qualquer modo, Os Verdes são contra o «veto de gaveta» e, na prática, isto corresponde, do nosso ponto de vista, a um «veto de gaveta».

Vozes do PSD: - Claro!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento, apresentado pelo PS e BE, solicitando a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sem votação na generalidade, da proposta de lei n.º 40/VIII - Aprova a lei da paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos e do projecto de lei n.º 388/VIII - Medidas activas para um equilíbrio de género nos órgãos de decisão política (Deputada do BE Helena Neves).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do BE e votos contra do PSD, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 385/VIII - Associações de mulheres (PCP).

Pausa.

Como é que vota o Partido Socialista? É que há uma hesitação.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não há qualquer hesitação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar o projecto de lei.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, de Os Verdes e do BE e as abstenções do PS e do CDS-PP.

Srs. Deputados, o projecto de lei baixa à 13.ª Comissão.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É para dizer a V. Ex.ª que não houve qualquer hesitação da parte da bancada do Partido Socialista.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!…

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas houve mesmo hesitação da parte da bancada do Partido Socialista, porque a bancada do PS…

Protestos do PS.

Srs. Deputados, dão-me licença que eu possa fazer-me ouvir? Ou tenho que lhes pedir a palavra para eu poder usar dela?!

Pausa.

A bancada do Partido Socialista começou por não reagir; depois, na primeira fila, dois ou três Deputados levantaram o braço, o que normalmente significa abstenção, porque a abstenção era o que estava em causa. Se isso não é hesitação, eu não sei o que é…

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, se me deixar acabar…

O Sr. Presidente: - Deixo acabar.

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O Orador: - Quem está encarregado, dentro da organização do Partido Socialista, de levantar o braço levantou-o, no momento adequado, pela abstenção. Portanto, não houve qualquer hesitação.

O Sr. Presidente: - Só que o Presidente da Mesa não é obrigado a aceitar o simples levantamento de um braço com uma votação de todo um grupo parlamentar de 115 Deputados. Essa pequena diferença é que é preciso ser levada em conta.

Risos do PSD.

Srs.Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 296/VIII - Estatuto, direitos e deveres das organizações não governamentais de direitos das mulheres (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, de Os Verdes e do BE e as abstenções do PS e do CDS-PP.

Este projecto de lei baixa também à 13.ª Comissão.
Vamos agora proceder à votação global da proposta de resolução n.º 25/VIII - Aprova, para ratificação, o Protocolo estabelecido com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia relativo ao âmbito do branqueamento de dinheiro na Convenção sobre a utilização da informática no domínio aduaneiro e à inclusão do número de matrícula do meio de transporte na lista de dados da Convenção, incluindo as declarações, assinado em Bruxelas em 12 de Março de 1999.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Passamos à votação global da proposta de resolução n.º 27/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, a 12 de Janeiro de 1998.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos agora votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 44/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção-Quadro para a protecção das minorias nacionais, aberta à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa em Estrasburgo, a 1 de Fevereiro de 1995.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos agora proceder à votação global da proposta de resolução n.º 46/VIII - Aprova, para ratificação, o Acordo por troca de notas entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federal da Alemanha sobre o estatuto das Forças Armadas Portuguesas no decurso de estadas temporárias na República Federal da Alemanha, assinado em Bona, a 29 de Abril de 1998.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP e as abstenções de Os Verdes e do BE.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 147/VIII - Assegura os direitos dos trabalhadores no caso de cedência ou transferência de empresa ou estabelecimento (PCP).

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas a Mesa saltou, no guião, a votação do projecto de resolução n.º 129/VIII.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar o projecto de resolução n.º 129/VIII - Cessação da vigência, por recusa de ratificação, do Decreto-Lei n.º 34/2001, de 8 de Fevereiro, que institui o regime de modulações aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores no âmbito da política agrícola comum (PAC), apresentado pelo CDS-PP [apreciação parlamentar n.º 37/VIII (CDS-PP)].

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado Basílio Horta?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, é apenas para dizer à Mesa que, em relação à votação que vamos fazer a seguir, do projecto de lei n.º 147/VIII, existe um requerimento de baixa à Comissão sem votação na generalidade.

O Sr. Presidente: - Temos de votar o requerimento, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sim, sim, Sr. Presidente! Exactamente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar um requerimento,…

Vozes do PS: - Ah! Também pedem a baixa à Comissão!

Vozes do CDS-PP: - Não é nosso! Leiam o guião!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu gostaria de ser ouvido, como os Srs. Deputados também gostam que suceda quando estão no uso da palavra. Não quero privilégios, gostaria apenas de ser ouvido.
Como estava a dizer, vamos votar um requerimento, apresentado pelo PCP, solicitando a baixa à Comissão de

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Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, sem votação na generalidade, pelo período de 45 dias, do projecto de lei n.º 147/VIII - Assegura os direitos dos trabalhadores no caso de cedência ou transferência de empresa ou estabelecimento (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Assim sendo, Srs. Deputados, está prejudicada a votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 147/VIII.
Vamos, agora, votar um requerimento, apresentado pelo PS, solicitando a baixa à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sem votação, dos projectos de resolução n.os 110/VIII - Em defesa do ensino e divulgação da língua e da cultura portuguesa no estrangeiro (PSD) e 128/VIII - Por uma verdadeira política de defesa e promoção do ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, de Os Verdes e do BE e a abstenção do CDS-PP.

Mais uma vez, Srs. Deputados, está prejudicada a votação dos projectos de resolução n.os 110 e 128/VIII.
Srs. Deputados, se concordarem, podemos votar a proposta de lei n.º 64/VIII - Transpõe para o direito interno a Convenção sobre a Luta Contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transacções Comerciais Internacionais, aprovada em Paris, a 17 de Dezembro de 1997, sob a égide da OCDE, que acabámos de discutir.

Pausa.

Uma vez que ninguém se opõe, vamos votar a proposta de lei n.º 64/VIII.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 64/VIII baixa à 1.ª Comissão.
Importa, agora, votar três pareceres da Comissão de Ética.
Peço ao Sr. Secretário que dê conta dos referidos pareceres e, entretanto, solicito ao Sr. Deputado Narana Coissoró o favor de me substituir na direcção dos trabalhos, uma vez que vou ter de me ausentar, em virtude de uma reunião que tenho agendada.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o primeiro relatório e parecer refere-se à retoma de mandato da Sr.ª Deputada Natália Filipe, do PCP, cessando Alexandrino Saldanha, em 8 de Abril corrente, inclusive, estabelecendo que é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Uma vez que não há pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Sr. Secretário, faça favor de dar conta do parecer seguinte.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Mealhada, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Rui Marqueiro, do PS, a prestar depoimento, como testemunha, por escrito, no âmbito do processo n.º 28/01, que corre termos naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Sr. Secretário, faça favor de prosseguir.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Golegã, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Salter Cid, do PSD, a prestar depoimento, como testemunha, no âmbito do processo n.º 21/00, que corre termos naquele Tribunal, em audiência marcada para o próximo dia 30 de Abril de 2001, pelas 10 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminadas as votações que importava realizar, vamos prosseguir o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 402/VIII - Lei de bases da família (CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia é hoje convocada a reflectir sobre políticas sociais. As políticas de apoio à família são o terreno de um debate que vive, hoje, momentos distintos em diferentes países da Europa.
Como ponto de partida, começaria por salientar que, nesse panorama de diferenças, os países nórdicos, onde o

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Estado-Providência se consolidou historicamente a níveis superiores ao da generalidade dos países desenvolvidos, a concretização das políticas de protecção social se dirige à protecção dos indivíduos: direitos das crianças, dos idosos, das mulheres, etc. Noutros países, como a Alemanha, o Luxemburgo e a França, a experiência é outra, com a família como núcleo estruturante das políticas públicas de apoio social.
Não há, portanto, uma realidade única neste campo. O debate está em aberto e as escolhas estão aí para serem feitas.
Estaríamos convidados para esse debate, não se desse o caso de o iniciarmos sob os auspícios de um projecto de lei do Partido Popular que, na prática, o recusa. E recusa-o, porque se coloca fora do âmbito das opções que na Europa se debatem, em termos de critérios para as políticas de protecção social. É que, mesmo onde o núcleo familiar continua a ser o eixo das políticas públicas de apoio social, o modelo de família actualizou-se, com a entrada em campo de valores de tolerância e de liberdade.
O que temos hoje diante de nós, neste texto do PP, é o elogio de um modelo ontológico que, na realidade, vem da cultura do Estado Novo, é um eco obscuro do passado e que é recusado mesmo naqueles países onde se utilizam políticas centradas na família, é uma espécie de requiem pela família patriarcal, a única que, de acordo com o PP, teria direito de protecção.
O conceito de família que nos propõe o PP é um conceito autoritário, porque esquece o que, na óptica do PP, é suposto não existir: as formas de afecto outras, as modernas expressões de família que, somadas às formas tradicionais, destruíram o monismo ideológico conservador nesta matéria.
A família nuclear é diferente da família extensa, que é diferente da coabitação juvenil, que é diferente das uniões de facto, que é diferente de outro tipo de relação.
As famílias tornaram-se espaços percorridos por dinamismos constantes, onde se realizam estratégias centradas na realização pessoal dos seus membros.
Em lugar de uma família normalizada a golpes de decreto, que o PP se propõe dignificar, falaremos da dignificação dos membros da família, ou não tivessem os «altos valores da família» sacrificado tanto tempo e até hoje direitos tão respeitáveis como os direitos das mulheres.
Nos últimos 20 anos, a nupcialidade baixou e o casamento tornou-se mais tardio; aumentou o divórcio e baixou a duração do casamento; cresceu o número de famílias monoparentais e também a opção pelas uniões de facto e pela coabitação juvenil. E nem a persistência em políticas normalizadoras conseguiu contornar esta mudança, que é a realidade dos factos. A família, mais do que em crise, está em mudança, porque, cada vez mais, admite a diversidade. E não se protege a família sem proteger a diversidade.
Por isso nos parece errado um projecto de lei de bases da família que não se refere às uniões de facto, cujos direitos foram recentemente reconhecidos por esta Câmara. É anacrónico um projecto que assenta na concepção patriarcal da família como ente imutável e tendo como «função primordial a transmissão de valores», uma vez que a família deve ser uma comunidade de afectos e esta Assembleia deve abster-se de legislar sobre as «funções» que decorrem na intimidade dos cidadãos.
Por outro lado, a referência à «liberdade de opção» dos pais «sobre o projecto educativo dos filhos» significa um recuo em relação à figura do encarregado de educação - muito mais aberta e ligada à realidade da vida das crianças - e mascara a condenação da educação sexual a que todos os jovens têm direito.
Elucidativa, ainda que não surpreendente, Srs. Deputados, é a «pirueta» do Partido Socialista quanto a este projecto de lei, preparando-se para deixar passar hoje o que há pouco tempo chumbou. Surpreendente talvez, sobretudo porque se trata de um diploma que respeita a princípios de base e de concepção acerca da política de família. É a mesma posição do PS relativamente a tudo o que é importante e novo: de vez em quando, um passo titubeante no sentido certo, logo seguido de uma correria em pânico para a direita, a pedir desculpa pela ousadia; um gesto relevante no domínio do ensino superior, uma reverência à Universidade Católica; uma atitude quanto às uniões de facto, logo compensada pela aprovação da retórica conservadora do PP.
O PS, permitam-me que o diga, sem nenhuma espécie de acrimónia, parece não se reger por princípios, rege-se por sinais, e por sinais contraditórios! Não quer mudar o País, quer sobreviver a qualquer preço. E quem pretende sobreviver sem princípios acaba por morrer contra eles.
Por nós, votaremos, sem ambiguidades, contra o projecto de lei do Partido Popular.

Aplausos do Deputado do BE Luís Fazenda.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, somos uma bancada de pessoas tolerantes, que nada tem contra ninguém em concreto ou em particular.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E, quando o Sr. Deputado chegou a esta Câmara, nós ou alguns de nós, que até somos telespectadores de algumas das suas prestações televisivas, esperávamos que o seu debate e a sua prestação académica pudesse enriquecer, do ponto de vista histórico e do ponto de vista dos seus conhecimentos, designadamente sobre o Estado Novo, os trabalhos desta Câmara.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado, ao acusar a nossa bancada de apresentar aqui um projecto de lei tributário do Estado Novo,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Foi o que fiz!

O Orador: - … acaba de arrasar qualquer credibilidade sua, do ponto de vista histórico.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, quero dizer-lhe o seguinte: o Sr. Deputado tem uma obsessão, porque olha para nós e vê em nós o que não somos. Nós não temos quaisquer problemas com isso, é uma obsessão do Sr. Deputado!
Mas chamo a sua atenção para o seguinte: este projecto de lei está prestes ou pode estar prestes a ser apoiado pela nossa bancada, pela bancada do Partido Social Democrata, pela bancada do Partido Socialista.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Apoiado!

O Orador: - Já viu que conjunto de tributários do Estado Novo que o Sr. Deputado arranjou?!… Todos apoiam esta bancada, pelo que o senhor não nos ofendeu a nós, ofendeu a maior parte dos partidos democráticos desta Câmara e, como tal, ofendeu esta Câmara.
Sabemos quais são as suas propostas, sabemos o que o senhor quer, mas isso não é família nem é defesa da família.
No entanto, Sr. Deputado, com toda a tolerância, nós, por nós, não estamos ofendidos. Lamentamos que, nesta Câmara, seja feito esse tipo de intervenção, mas não estamos ofendidos, até porque ofende quem pode não ofende quem quer.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, tenho muito mais coisas e muito mais importantes com que me obcecar, relativamente às posições do partido que V. Ex.ª representa.

Vozes do CDS-PP: - Não parece!

O Orador: - Ainda bem que o senhor falou da minha qualidade de historiador, e agradeço que o tenha lembrado, porque, em rigor, o conceito de família que VV. Ex.as apresentam é tributário da cultura dominante sobre a família no Estado Novo. E não se trata aqui de nenhum ataque ideológico, é uma constatação que eu, como historiador, faço e tenho direito a fazê-la, não insultando ninguém com isso!
A família ontológica, a família imutável, a família reprodutora de valores essenciais, a família com um chefe! Foi este o discurso ideológico sobre a família no anterior regime!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não leu o projecto!

O Orador: - É verdade! Os senhores podem não gostar, mas é verdade! O que é querem que diga? Querem que falsifique a história?! É o meu rigor como historiador que me obriga a dizer que o vosso conceito de família é tributário da cultura dominante sobre a família do anterior regime!
Os senhores têm outro entendimento? Muito bem! Mas não estou a insultar seja quem for, estou apenas a analisar a história e a interpretá-la com liberdade! Não me queiram pôr uma «rolha» na boca, porque eu não me deixo intimidar pelos vossos argumentos de autoridade! Tenho esta posição, defendê-la-ei e creio que tenho razão! Estamos numa sociedade livre, na qual os senhores defenderão a vossa razão e eu defendo a minha!

Aplausos do Deputado do BE Luís Fazenda.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, a situação social, económica e cultural das famílias constitui uma preocupação permanente do PCP. Porém, o projecto de lei do PP apresenta-se com o propósito de criar uma política de família, objectivo que esbarra à partida em dois obstáculos intransponíveis: por um lado, hoje, a realidade sociológica de família não se coaduna com a existência de uma qualquer «dimensão imutável», como refere o preâmbulo; por outro lado, as famílias são objecto de várias políticas, nas várias áreas, dirigidas aos vários membros do agregado e não à família como ente jurídico que já não tem acolhimento no nosso direito.
Além do mais, este projecto de lei de bases da família não vai mais longe do que a própria Constituição, facto que fica bem explícito na impossibilidade que o PP manifestamente teve de escrever artigos que não citem, mais ou menos directamente, a Lei Fundamental. Quase podemos dizer que quando o PP inova em relação à Constituição fá-lo desastradamente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Alguns exemplos: ao propor que os pais se possam «opor a que os filhos sejam obrigados a receber ensinamentos que não estejam de acordo com as suas convicções éticas e religiosas», o PP está, na verdade, a pôr em causa o direito que o Estado tem de instituir currículos para todos, a abrir espaço a que os pais possam impedir os filhos de aceder a conhecimentos técnicos e científicos que se oponham às suas convicções, esquecendo inclusivamente que os pais não podem, segundo a lei,

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interferir na opção religiosa dos maiores de 16 anos. Quando fala de saúde, o PP, na sua ambiguidade, fica mais recuado do que a Constituição, que afirma o direito à saúde para todos, caminhando no sentido da gratuitidade. Ao referir, na base XVIII, a protecção da criança antes do nascimento, quando ainda não há criança, o PP está indisfarçavelmente a tentar o que não conseguiu na última revisão constitucional, penalizando desta forma enviesada a interrupção voluntária da gravidez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - As características específicas das famílias não são apenas de ordem étnica e religiosa, como afirma o projecto de lei de forma redutora. Onde ficam as diferenças económicas, sociais, culturais, políticas e ideológicas de instrução das famílias?
E o que dizer da incongruência de alguns posicionamentos do CDS-PP em relação a propostas que promoveriam, de facto, a melhoria das condições de vida das famílias e dos seus membros? Que dizer da inviabilizadora abstenção do PP em relação ao nosso projecto de lei de redução da idade da reforma das mulheres para os 62 anos?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Que dizer da abstenção do PP face ao nosso projecto de lei-quadro da acção social escolar do ensino superior, que propunha, entre outros pontos e pela primeira vez nesta Assembleia, acção social escolar para os estudantes do particular e cooperativo?

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Votámos o nosso!

A Oradora: - Nesta, como noutras áreas, as boas intenções não chegam.
O entendimento extraordinariamente conservador que o PP tem de família fica bem expresso na completa omissão em relação às uniões de facto. Se houve domínio sobre este tema que obteve unanimidade nas audições realizadas pela Comissão para a Paridade e Igualdade de Oportunidades e Família na legislatura passada, foi o da enorme transformação que se operou no século XX, em que as famílias deixaram de estar centradas nas questões do contrato para estarem, a partir de agora, baseadas principalmente na afectividade. O PCP considera, assim, que defender as uniões de facto é defender e salvaguardar a família, tanto mais que estas representam hoje cerca de 12% do total das famílias com crianças a cargo e que mais de 20% dos nados-vivos em 1997 nasceram fora do casamento. Da mesma forma que salvaguardar as uniões de facto entre homossexuais é proteger a afectividade em que se fundam.
O PP parece ainda não se aperceber que a estabilidade familiar não se decreta nem se promove por via fiscal. Consideramos de extraordinária importância incentivar a presença dos idosos e das crianças no seio das famílias. Mas, se não existir afectividade, que legitimidade tem o Estado para proteger o que deixou de existir?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, sendo este projecto de lei muito semelhante a outros que tanto o PP como o Grupo Parlamentar do PSD já nesta e noutras legislaturas apresentaram, com certeza que o PP já esperaria o nosso voto contra. O que não esperava, com certeza, é a viabilização anunciada do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Tanto mais que, em Outubro, sobre o projecto de lei do PSD, muitíssimo semelhante ao que discutimos hoje, o PS dizia o seguinte: «É inócuo, desnecessário, fora da competência da Assembleia da República, limita-se a repetir o que está na Constituição, tem ambiguidades, incoerências, contradições, não traz nada de novo, não permite nada de prático, não concretiza rigorosamente nada, é uma súmula de enunciados».
Às geometrias dos conflitos internos do Partido Socialista não temos rigorosamente nada a dizer. Mas não deixa de nos surpreender a evolução nestes poucos meses decorridos…

Aplausos do PCP.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - O PCP também tem geometrias de conflitos internos!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos considerado desnecessária, porque o essencial está na Constituição da República Portuguesa e a lei não poderia nunca contrariá-la, uma lei como aquela que hoje estamos aqui a discutir. Na realidade, o que é necessário é implementar políticas concretas de apoio à família.
Porém, ao viabilizar pela abstenção este projecto de lei queremos poder verificar na especialidade se uma tal lei de bases significaria ou não um valor acrescentado em relação ao texto constitucional. Não seremos, portanto, acusados de frustrar essa tentativa.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Vamos aproveitar a oportunidade para introduzir no debate sobre a família as mutações verificadas e, sobretudo, iniciativas concretas de apoio à família, como os abonos de família a famílias numerosas, o apoio à mãe trabalhadora, a idosos, a crianças, a jovens, a famílias monoparentais, etc. Fá-lo-emos dando continuidade a uma política concreta com realizações que se tem sentido ao longo da governação do PS e sobre a qual, devo dizer francamente, não recebemos lições de ninguém, nomeadamente do PSD, que hoje verteu aqui algumas «lágrimas de crocodilo», mas que, como recordou a minha colega Maria do Rosário Carneiro, nada fez durante 10 anos, a não ser extinguir a Secretaria de Estado da Família.

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O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Temos reservas, algumas das quais vou enunciar. A base XXVII, por exemplo, em que se diz que os pais têm o direito de se opor a que os filhos sejam obrigados a receber ensinamentos que não estejam de acordos com as suas convicções éticas e religiosas. Manifestamente, a lei não pode contrariar o conhecimento científico e técnico na educação e a lei não poderia nunca contrariar o direito que a Constituição reconhece a que as pessoas tenham uma opção religiosa a partir dos 16 anos.

Vozes do CDS-PP: - Com certeza!

O Orador: - A base V, em que se fala da unidade da família, não pode, não deve e em circunstância alguma admitiremos que ponha em causa a pluralidade baseada na liberdade individual.
Depois, este projecto de lei tem omissões que quero também salientar. Não se refere a famílias de imigrados, de refugiados, não coloca o problema do reagrupamento familiar, que nós, Sr. Deputado Basílio Horta, incluímos na lei sobre a imigração que entrou recentemente em vigor.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Foi a nossa proposta!

O Orador: - Aliás, relativamente a isto, a lei a que me refiro não conhece paralelo noutros países da União Europeia.
A nosso ver, este projecto de lei não aborda em termos satisfatórios a igualdade de oportunidades e a partilha de tarefas familiares, domésticas, educativas e outras, como o não faz em relação à alternância de papéis na família. Por outro lado, consideramos a base XVIII, relativa ao aborto, inadmissível, por pretender instituir a protecção da criança antes e depois do nascimento.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É o que está no Código Civil!

O Orador: - Parece-nos ser uma introdução oportunista do tema da interrupção voluntária da gravidez - que, aliás, como sabem, já é permitida na lei por várias razões - e parece-nos que não é este o quadro apropriado para reabrir um tal debate.
Sr.as e Srs. Deputados, a família constitui uma instituição social fundamental, mas não a única, como dizia a Comissão da Condição Feminina a propósito de uma anterior iniciativa legislativa, e muito menos, permitam-me dizê-lo, a base da sociedade, como ouvimos dizer hoje, aqui, em algumas intervenções. Os direitos da família não podem sobrepor-se aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição da República Portuguesa e muito menos implicar a subalternização da mulher no seu enquadramento familiar, na vida económica, social e política. Pelo contrário, as normas sobre a família devem criar condições para a participação plena da mulher. É necessário, por outro lado, apoiar o desempenho por ambos os cônjuges dos seus papéis fundamentais.
Nós orientar-nos-emos, na definição de políticas sobre a família, pela política de família, demográfica e de combate à exclusão social da União Europeia. Vamos por essa linha, nomeadamente valorizando o papel das associações de famílias.
A família tem novas formas e ocupámo-nos recentemente delas, nos debates sobre as uniões de facto e as uniões homossexuais de economia comum, e tem novas vicissitudes, nomeadamente as famílias monoparentais. Entendemos que a família, e, permitam-me dizê-lo, a família tradicional, na sua função de perpetuação da espécie deverá ser apoiada e mais apoiada pelo Estado nas suas diferentes políticas de saúde, educação, trabalho, protecção social, etc. Entendemos que a insubstituível função de integração social e de socialização que a família desempenha deve ser valorizada e apoiada, e mais apoiada num contexto económico e social que não lhe é favorável, nomeadamente devido às altas taxas de participação feminina no mercado de trabalho.
Sobre o apoio à família, não admitimos - não vamos por aí - uma clivagem ideológica que pudesse significar que o tema fosse uma prioridade da direita ou um tabu para a esquerda. Pelo contrário, consideramos que o apoio à família é hoje uma prioridade da esquerda. Tal como em relação à segurança, não abdicamos de políticas concretas de apoio à família e da sua valorização como uma prioridade fundamental para os socialistas. É por isso que não vamos facilitar, com uma rejeição do projecto, a vida aos que pretenderiam que a família fosse uma causa exclusiva da direita, remetendo a esquerda para a defesa exclusiva das formas novas de família, como as uniões de facto e as relações homossexuais.
Opomo-nos e denunciamos a visão demagógica e populista de certa direita, de que o expoente mais cavernícola é o Bastonário da Ordem dos Advogados, que pretende transformar-nos em tenebrosos destruidores da família e em permissivos facilitadores da destruição moral da juventude, através das drogas e da degradação dos costumes.
A família não pode ser tema para manobras tácticas, mas, sim, para opções estratégicas, para opções de fundo no combate por mais e melhor educação, mais e melhor socialização das crianças e dos jovens, mais e melhor realização pessoal e melhor combate à droga, mais coesão social, menor exclusão e marginalização.
Com base nos nossos princípios, sobre os quais não recebemos lições de ninguém,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Mas deviam!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Olhe que aprender não é mau!

O Orador: - … vamos, então, abrir o debate à sociedade, de modo a recolher todos os contributos relevantes para melhor conhecer a situação e poder transformá-la.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema «famílias» regressa hoje ao Parlamento. Digo o tema «famílias» porque, naturalmente, é redutor procurar falar de família reproduzindo um conceito que nem é tão-pouco o conceito constitucional. Parece-me que, se pode ser certo que a família é um dos suportes da sociedade, ela é um elo de ligação entre gerações e é também - e não pode deixar de ser - um espaço de liberdade, de afecto, de realização pessoal de cada um dos seus membros e, naturalmente, nenhum dos direitos daqueles que constituem as famílias pode ser posto em causa.
Ora, o projecto de lei de bases do Partido Popular, permitam-me dizer sem ofensa, reproduz, com excepção de um único artigo, um projecto sobre a mesma matéria que há poucos meses, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, esteve em discussão.
Gostaria de dizer que, para nós, se o texto constitucional é suficientemente rico e clarificador sobre a abrangência do conceito e se, para Os Verdes, as famílias devem ser protegidas, essa protecção não se faz pela elencagem e pela reprodução do texto constitucional em múltiplas vertentes mas por acções concretas que lhe dêem corpo e sentido.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Para além do mais, parece-nos manifestamente desadequado o facto de o Partido Popular pretender, através desta forma, introduzir um tema sobre o qual a Assembleia da República se pronunciou e que não tem suporte constitucional (a interrupção voluntária da gravidez), tentando, deste modo, impedi-la.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É o que está no Código Civil!

A Oradora: - É evidente que há diferentes formas de protecção das famílias, mas gostaríamos de ter visto a direita parlamentar, de uma forma mais activa, a posicionar-se em defesa das famílias quando se coloca a questão da justiça e se tivesse pronunciado em favor das famílias, quando, por exemplo, a maternidade em Portugal, ou a simples possibilidade de existir, é para algum patronato condição de não acesso ao emprego. Seria importante que, mais do que princípios genéricos, se introduzissem medidas concretas e sobre elas houvesse uma voz clara de apoio às famílias. Aliás, as famílias, como realidade sociológica, têm hoje uma enorme diversidade de modelos em que se exprimem e parece-nos estranho que o Partido Popular tenha fechado o olhar sobre elas, ou seja, sobre as pessoas que vivem em união de facto, cuja protecção, naturalmente, carecia de um enquadramento e protecção jurídicos, bem como os filhos nascidos dessas ligações afectivas.
Para finalizar, gostaria de me pronunciar sobre algo que me parece grave: perante um documento que nada acrescenta em relação àquilo que há pouco tempo esteve aqui em discussão, o que se refere em concreto é esta coisa espantosa de a família e o ambiente serem colocados num capítulo, num artigo autónomo, passando, portanto, a família a ser o garante de uma política eficaz de defesa e preservação do meio ambiente. Ou seja, a família passa a ser o garante de um direito fundamental. Há aqui, seguramente, uma nota de originalidade que, porventura, o Partido Socialista e o Ministro Sócrates agradecerão, porque lhes permitirá com mais possibilidade e abertura poderem continuar a dizer, em relação a muitas matérias, que não têm nada a ver com nada, porque também em relação ao direito constitucionalmente consagrado ao ambiente é à família que cabe ser o garante da sua defesa.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social (Simões de Almeida): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Sendo a primeira intervenção que faço na Assembleia da República, gostaria de cumprimentar de modo especial os Srs. Deputados, ilustres representantes eleitos pelo povo.
A discussão de uma lei de bases constitui sempre uma oportunidade de balanço e um momento de reflexão, devendo, no plano dos princípios, o respectivo articulado permitir o máximo consenso possível.
Versando esta lei de bases a família, afigura-se-nos facilitado o consenso por ser unânime preocupação a respectiva valorização e protecção, sem embargo das naturais e saudáveis diferenças de opinião sobre o conceito e as melhores formas de concretizar essa unânime preocupação.
O Ministério do Trabalho e da Solidariedade e o Governo associam-se a este momento de reflexão, partilhando com os Srs. Deputados os factos que demonstram a nossa preocupação com a importância social da família e a existência de uma política global da família, concebida esta como um espaço de liberdade individual e de responsabilidade solidária.
Em cinco anos de governo, o Partido Socialista e a nova maioria, sob a direcção política do Primeiro-Ministro, António Guterres, procedeu a uma reforma radical, sistemática e coerente das políticas públicas de apoio à família.
Em 1997, foi construído um novo modelo de prestações familiares, que substituiu um sistema confuso, desactualizado e injusto, em que se concretiza o princípio da diferenciação positiva dando mais a quem mais precisa, seja pelo escalonamento dos rendimentos, seja pela majoração do maior número de filhos, seja por uma protecção acrescida às situações de deficiência e dependência.
Mais recentemente, foi criada uma nova prestação, o «complemento por dependência», destinada a proteger os

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pensionistas que careçam de apoio e ajuda para satisfazer as necessidades básicas da vida quotidiana, qualquer que seja a situação em que se encontrem, com a família preferencialmente ou, mesmo, institucionalizados em instituições com financiamento parcial do Estado. Antes, o rendimento mínimo garantido, a medida de excelência para apoio às famílias mais vulneráveis, hoje consensualmente entendida como essencial no acesso ao exercício do direito de cidadania.
Esta medida de protecção integrada, que combina uma prestação pecuniária de matriz não contributiva com apoio social à inserção, elegeu a família como unidade beneficiária de apoio, crescendo o rendimento com a sua dimensão e contendo o plano de inserção preocupação com a inclusão de todos os membros do agregado.
Porque, às vezes, a memória se perde na voragem das novidades, importa lembrar que, quando se partiu, a pobreza era negada e remetida para o anátema fácil da preguiça e da delinquência; hoje, cerca de três anos e meio decorridos sobre a generalização deste instrumento histórico, mais de 100 000 famílias adquiriram um rendimento certo e previsível, recuperaram a auto-estima e têm direito, porque é de direito que se trata, a uma vida com um mínimo de dignidade.
No balanço entram ainda milhares de crianças que regressaram à escola recuperando o direito à educação e a brincar, convertendo em acto um princípio sagrado de uma sociedade justa que é o da igualdade de oportunidades.
Deste ponto de vista, o rendimento mínimo garantido é um instrumento insubstituível para, com o tempo, prevenir a reprodução do ciclo da pobreza na família, geração após geração.
Falando de crianças e de igualdade de oportunidades é tempo de pré-escolar, tecnicamente reconhecido como elemento de melhor sucesso no desempenho escolar posterior e politicamente assumido como direito universal.
Temos uma rede de ensino pré-escolar assente na proximidade e na cooperação, com o decisivo contributo das autarquias locais e das instituições particulares de solidariedade social que tem vindo a ser progressivamente estendida às idades mais baixas.
Trata-se de um investimento estratégico no futuro, onde a crítica do que falta é fácil e onde o benefício, embora evidente, só será visível daqui a alguns anos, mas esta é a diferença entre vontade reformadora e visão táctica.
Para as crianças até aos 3 anos, temos o Programa Creche 2000, cumprimento de compromisso do Programa de Governo, aposta reiterada na cooperação, aproveitamento racional dos recursos disponíveis com apoio às amas e requalificação do serviço por elas prestado.
Para as crianças e jovens em risco está em aplicação um conjunto de iniciativas que vão desde alterações legais passando também ao nível da Lei de Promoção de Direitos e de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, mas também à alteração da Lei da Adopção no quadro do Programa Adopção 2000, até à criação de estruturas de acolhimento (cerca de 60 centros de acolhimento temporário, desde 1998) e de equipas de prevenção da marginalidade e delinquência juvenis (o Projecto Escolhas).
O objectivo é o de que a todas as crianças, iguais por definição constitucional, seja garantido um projecto de vida que permita o seu desenvolvimento integral.
Sempre norteado por uma ideia programática que se define numa frase «proteger as famílias mais vulneráveis e os membros mais vulneráveis das famílias», o Governo do Partido Socialista tem vindo a diminuir fortemente a sobrecarga que existia sobre as famílias portuguesas por ausência de apoios, serviços e equipamentos.
Na área das pessoas idosas, o Plano Avô consagra dois eixos fundamentais de actuação: o primeiro é garantir a permanência das pessoas idosas no seu lar, através da criação de apoios e serviços ao próprio e à família, que vão desde o tele-alarme aos centros de noite, passando pelos centros de dia e de convívio e assumindo especial destaque o apoio domiciliário, garantido hoje a mais de 50 000 pessoas e constituindo objectivo de legislatura chegar às 80 000, quadriplicando, portanto, o número de 20 000 que encontrámos em 1995. O que se pretende neste eixo é dar lugar às pessoas e não, como antes, arranjar lugares para as pessoas.
O segundo eixo é o da qualidade na institucionalização, quando necessária. Aqui a combinação é entre uma política de valorização das boas práticas induzindo a sua generalização, com o processo de certificação da qualidade e uma política de rigor exemplar para os casos, hoje residuais, mas ainda há poucos anos generalizados, de prestação de serviços tão deficiente que punha em causa a integridade física e moral dos utentes.
Nesta dimensão, terminou a 31 de Março passado uma operação de encerramento de lares ainda sinalizados com essas deficiências e que abrangeu 55 lares e mais de 600 pessoas.
Sinal de optimismo é o facto de parte substancial dessas pessoas ter regressado às respectivas famílias.
A responsabilidade com os nossos mais velhos é uma responsabilidade partilhada, porque existe para com eles um dever universal de respeito que impõe uma colaboração entre todos.
Sendo as famílias a chave de uma rede informal de prestação de cuidados que apoia a esmagadora maioria dos nossos idosos, é obrigação assumida por nós criar as condições para que o peso quase exclusivo desse apoio não continue a recair sobre as mulheres.
As mulheres portuguesas sempre cuidaram dos filhos primeiro e dos pais depois, e hoje trabalham e chegam a cuidar dos pais e dos filhos em simultâneo. É, também por isso, que a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar emerge como preocupação política prioritária e que se inscreveu como tema obrigatório da Agenda Social Europeia na sequência da Cimeira de Lisboa.
Os homens e as mulheres têm o mesmo direito a participar na vida familiar e foi o reconhecimento desse direito que ditou as novas regras da licença de maternidade e paternidade.
Subjacente à evolução que veio sendo descrita, sem a preocupação de exaustão, é o cumprimento pelo Estado das

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suas obrigações de criar meios para uma política de solidariedade e segurança social, e é bom lembrar que tudo isto só foi possível por uma decisão política do primeiro governo do Partido Socialista de cumprir a Lei de Bases da Segurança Social em matéria de transferências do Orçamento de Estado.
No futuro próximo, os desafios passam pela construção de um plano nacional para a inclusão, que defina objectivos e metas para a inclusão individual e familiar, e pela regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social, dando corpo aos princípios que garantam uma protecção social de raiz universal, de natureza pública, financeiramente sustentável e socialmente justa.
Sr.as e Srs. Deputados, as reformas profundas fazem-se sem estrépito, com a acção persistente e práticas continuadas. Porque a família e o bem estar das pessoas tem sido, é e será, a prioridade número um do Governo do Partido Socialista, congratulamo-nos com o debate que esta Assembleia entendeu fazer sobre o assunto.

Aplausos do PS.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, por aquilo que ouvimos, não podemos deixar de nos congratular.
Muitas das coisas que aqui foram ditas, e algumas que foram assacadas ao nosso projecto, contêm-se no nosso projecto.
O nosso projecto, como nenhum outro, salvaguarda a liberdade religiosa, de tal maneira que diz que não é possível obrigar alguém a ter ensinamentos religiosos de uma religião com a qual não concorda. Este ponto não tem nada a ver com conhecimento, isso são miragens! Trata-se de salvaguardar a liberdade individual de cada um, isto é, não estar a ouvir ensinamentos que não quer, em termos religiosos. É só isso e nada mais!
Em momento algum se fala no chefe de família, isso não está no projecto; o chefe de família é a mãe, é o pai, às vezes são famílias monoparentais e falámos tantas vezes disso que não faz qualquer sentido.
A protecção antes do nascimento não tem nada a ver com a discussão do aborto, isso é «abrir portas abertas», pois é o Código Civil que prevê protecção clara aos concepturos e nascituros. Mas uma lei da família tem de prever especialmente o apoio às mulheres grávidas, tem de prever, repito, esse apoio com clareza e dar-lhe essa prioridade. Portanto, essa discussão não tem a ver com este tema.
Assim, tudo isto está no nosso projecto, é ponto de unidade e temos algum optimismo quanto à discussão na especialidade, onde seguramente nos vamos encontrar, mas há dois aspectos que realmente nos diferenciam.
O primeiro é um conceito de família que queria que a lei de bases da família contivesse as uniões de facto e as uniões homossexuais. Aí, não! Essa é matéria que tem legislação própria e foram os próprios proponentes dessas leis que entenderam que não era na lei de bases da família que isso deveria estar regulamentado. Mas, realmente, esse aspecto separa-nos, não está no projecto por esse motivo e aí, sim, temos a noção clara de que há uma barreira entre nós.
O segundo aspecto tem um pouco a ver com a concepção com o Governo encara esta matéria. Temos o maior gosto em ver aqui o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social - aliás, aproveito para devolver-lhe os cumprimentos que tão amavelmente nos dirigiu -, mas a verdade é que gostávamos de ver também aqui um representante da Presidência do Conselho de Ministros, porque esta matéria é horizontal ao Governo.
Uma lei de bases da família não é uma questão da segurança social, é uma questão da Presidência do Conselho de Ministros, onde a segurança social tem um papel importante. No entanto, todos os ministérios têm de intervir e têm de ter políticas adequadas e concertadas aos objectivos de uma política familiar.
Estas são as duas únicas vertentes onde pode haver algum afastamento, mas estamos fazemos votos para que esta diferença não seja suficiente para que, quando a votação global final aqui vier, possamos continuar separados. Esperemos que não!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Gostava de vos transmitir, com clareza, os resultados da vossa política familiar, que dizem que é mas que, para mim, é uma suposta política familiar.
Cerca de 1/3 das famílias portuguesas têm menos de metade do rendimento médio nacional e a proporção dos pobres é uma das maiores da União Europeia - continua a ser e está a agravar-se.
O endividamento crescente das famílias é preocupante: 92% do rendimento das famílias é para pagar dívidas às instituições bancárias, o que quer dizer que a uma família com um rendimento de 100 contos restam apenas 8 contos para poder gastar durante cada mês.
Portugal é um dos países da União Europeia com piores índices a nível da protecção social da família. Mais de 13% da famílias portuguesas não têm férias e 34% dessas famílias gozam as férias - reparem, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados - em casa.
Ora, isto não deve preocupar-nos? Não preocupa o Governo? Não preocupa os Srs. Deputados do Partido Socialista? A mim, ao Partido Social Democrata e às famílias portuguesas preocupa-nos a todos!
Os senhores trocam sinceridade por oportunidade, trocam convicção por hipocrisia. Hoje, o Partido Socialista fez um intervalo, isto é, faz de conta que tem política de família.
Mas, afinal, porquê? Vai dar o dito por não dito? Admitem, hoje, que a lei de bases da família é necessária ou

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mantêm a opinião anterior, dizendo que não o é? O Partido Socialista quer «estar de pé», ou, nesta matéria, também quer fazer o «pino»?
Em 165 dias mudaram; em 165 dias votam em sentido contrário; em 165 dias a bancada socialista hesita e teme, naturalmente, as consequências políticas; em 165 dias querem, porventura, pedir desculpa aos portugueses pelo que fizeram à instituição familiar. Os senhores, afinal, querem enganar quem? Como é que querem que alguém acredite na vossa sinceridade? Isto, Sr.as e Srs. Deputados, só contribui para descredibilizar o Partido Socialista e o Governo junto dos portugueses e das famílias portuguesas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu não interviria novamente neste debate se a Sr.ª Deputada Ana Manso não tivesse vindo aqui repetir um conjunto de afirmações que, no mínimo, podem ser consideradas barbaridades.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Barbaridades?!

A Oradora: - Peço-lhe imensa desculpa de dizer isto assim, mas, realmente, Sr.ª Deputada, não posso fazê-lo de outra forma.
O PS já explicou aqui, hoje, porque é que vai permitir a baixa à comissão deste diploma.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Com votação e sem requerimento!

A Oradora: - Com votação! Explicou que considera importante aproveitarmos este momento para discutirmos a família e, por isso, proporemos, na especialidade, um conjunto de audições que permitam, de facto, à sociedade envolver-se nesta discussão juntamente connosco.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - É por convicção ou por táctica?!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, se V. Ex.ª fala com convicção ou não, não sei; agora, eu falo! E não lhe admito que ponha em causa a convicção daquilo que digo!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - E, portanto, Sr.ª Deputada, espero que, com isto, fique resolvido o problema das convicções de uns e de outros. Eu julgo as minhas e a Sr.ª Deputada julga a sua!
Gostava ainda de repetir uma ideia, que é clara para aqueles que, de facto, estão verdadeiramente interessados em discutir a família e medidas de apoio à família: o Governo do Partido Socialista tem uma política de família.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Onde é que está?

A Oradora: - O Sr. Secretário de Estado fez, a meu ver, uma exposição interessante e concreta dessa mesma política de família.
Temos «chumbado» alguns projectos de lei do PSD porque considerámos que as propostas eram más,…

O Sr. António Capucho (PSD): - Todas más?!

A Oradora: - …e, como más que eram, foram «chumbadas». Nós temos propostas alternativas…

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Onde estão?

A Oradora: - Já foram aprovadas, e o Sr. Secretário de Estado falou de várias dessas propostas!
Temos, pela primeira vez, um plano global para uma política de família,…

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Desde 1999 e ainda não existe!

A Oradora: - … que contempla a transversalidade de que o Sr. Deputado do CDS-PP falou. Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta minha intervenção é apenas para que não fique a dúvida de que uns têm a razão toda, têm convicção e seriedade e outros não.
Não aceitamos essa lição, Sr.ª Deputada, e, naquilo que nos diz respeito, estamos tranquilos e vamos continuar a suportar as políticas de um Governo que foi eleito também pelas famílias portuguesas.

Aplausos do PS.

O Sr. Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social: - Sr. Presidente, peço a palavra para uma segunda intervenção.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema da conciliação entre a vida profissional e familiar é, claramente, um tema urgente e importante e, relativamente a esta matéria, gostaria apenas de dizer que o momento em que se discute uma lei de bases da família deve ser, do nosso ponto de vista, um momento de discussão elevada.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Sr.ª Ana Manso (PSD):- Tem de falar para a bancada do PS!

O Orador: - Isto é, o tema da família é, claramente, um tema consensual.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Peço desculpa, mas não é! É tudo menos consensual!

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O Orador: - Consensual no sentido de que a família, qualquer que seja a sua composição, é um elemento estruturante do ponto de vista social, e eu deixei claro «qualquer que seja a sua composição». Portanto, não estávamos aqui a discutir o conceito.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Portanto, já está a ver que não é consensual!

O Orador: - Em qualquer caso, gostaria de dizer apenas isto: do ponto de vista daquela que é a política global de família do Governo, não fiz apelo à Resolução n.º 7/99 e à respectiva avaliação, nem sequer à transversalidade de que essa política se deve revestir, porque ela, de facto, é óbvia e eu estou aqui na qualidade de Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social.
Mas também é preciso termos algum recorte histórico daquilo que existia e daquilo que hoje existe e, se quisermos, também alguma ideia sobre como é que se podem apoiar em concreto as famílias. Do nosso ponto de vista, podem apoiar-se em concreto as famílias quando damos condições a cada um dos elementos do respectivo agregado para se realizar plenamente e, no fundo, para ser feliz, porque só assim é que a família, que é um espaço de liberdade,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … consegue, ela própria, sendo um espaço de liberdade e não um espaço de autoridade e sujeição, ser feliz.
Portanto, do nosso ponto de vista, não é possível compatibilizar este conceito de família com, por exemplo, um conceito de globalização sem regulação ou de um mercado em que não existem regras, em que existem recibos verdes ilegais ou em que os horários de trabalho são horários completamente selvagens.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Medidas concretas!

O Orador: - É, naturalmente, necessário que a criação de condições objectivas seja uma construção de condições em todo o universo em que as famílias se movimentam.
Portanto, Sr.ª Deputada, é óbvio que nos preocupamos com o sobreendividamento das famílias.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Mas aumentaram as taxas de juro da habitação!

O Orador: - Isso, aliás, foi já objecto de tratamento em sede própria. É óbvio que nos preocupamos com o facto de uma parte substancial das famílias portuguesas não saírem de férias, mas a verdade é que o País tem recursos escassos, há que gerir as prioridades e, portanto, naturalmente, apostamos nas famílias mais vulneráveis.
Ás vezes, é bom não esquecer que hoje, por exemplo, o rendimento mínimo garantido é uma medida claramente consensual, ninguém se atreve a pôr em causa a sua utilidade, mas não foi sempre assim.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade! É bom lembrar!

O Orador: - Isto é, no passado, o rendimento mínimo garantido foi atacado como sendo uma medida demagógica e que era potenciadora de preguiça.

Protestos do PSD.

Portanto, é bom termos a noção de que uma política integrada de família se faz com factos, como seja, por exemplo, a duplicação numa Legislatura e a reduplicação na Legislatura seguinte do apoio domiciliário, a adopção da educação pré-escolar como prioridade absoluta do Governo, criando uma rede que abrange tendencialmente a universalidade das nossas crianças,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isto é que são verdades como punhos!

O Orador: - … porque a igualdade de oportunidades nasce no ensino pré-escolar…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - … e na possibilidade de acesso à cultura e à instrução.
É também evidente, por exemplo, do nosso ponto de vista, que a aposta numa sociedade de tecnologia e informação é uma aposta decisiva para acabar com os infoexcluídos; é para nós também evidente (e temos apostado nisso) que o apoio à licença de paternidade e maternidade, dando aos pais o direito a cuidarem dos filhos em termos semelhantes àqueles que as mulheres têm, é, por um lado, conceder um direito aos pais e, por outro, permitir uma possibilidade às mulheres, que, neste momento - e isso também nos preocupa -, asseguram 80% da prestação de cuidados informais aos nossos membros mais vulneráveis, que são as pessoas idosas e as crianças.
Portanto, é neste conceito de família, como espaço comum de realização plena de todos os seus membros, que o Governo do Partido Socialista tem apostado e continuará a apostar, como terão oportunidade de ver proximamente, designadamente ao nível do plano nacional para a inclusão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o debate do projecto de lei n.º 402/VIII e, com ele, os nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, sexta-feira, às 10 horas, tendo como ordem de trabalhos a discussão conjunta das apreciações parlamentares n.os 38/VIII, 39/VIII e 41/VIII, a discussão da apreciação parlamentar n.º 40/VIII e a discussão das petições n.os 330/VI e 29/VIII.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

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Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação,
relativa ao projecto de resolução n.º 129/VIII.

O PSD votou favoravelmente a proposta de deliberação apresentada pelo CDS-PP por considerar que a recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 34/2001 constituiria uma oportunidade para o Governo legislar sobre a aplicação do princípio de modulação das ajudas directas no âmbito da política agrícola comum (PAC) de acordo com princípios de maior justiça social e rigoroso fundamento técnico-económico.
De facto, ao longo das audições em sede de Comissão especializada e em discussão em Plenário, sucessivamente, o Governo prometeu mas nunca entregou os estudos que permitissem garantir que a aplicação da modulação nos termos em que é proposta não porá em causa a viabilidade económica de um número significativo de explorações agrícolas. O PSD não tem, pois, garantia que apenas sejam abrangidas pela modulação explorações que, por exemplo, apresentem margem bruta padrão superior à prosperidade global das explorações de uma determinada região. Corre-se assim o risco de pôr em causa a existência de um número significativo de empresas agrícolas e afectar significativamente o sector.
Simultaneamente, o Decreto-Lei n.º 34/2001 não contempla devidamente a função social e de combate à desertificação do território português desempenhado pela agricultura, sub-valorizando a majoração do factor trabalho e, de facto, penalizando as empresas agrícolas que tenham realizado investimentos. O Decreto-Lei n.º 34/2001 contribuirá, em termos práticos, para dificultar a modernização das explorações agrícolas portuguesas.
Sendo o PSD favorável ao princípio de modulação dos apoios directos no âmbito da política agrícola comum, o seu voto manifesta ainda o desejo de dar ao Governo a última oportunidade para rever o montante global disponibilizado para a agricultura pela aplicação da modulação. De facto, o apoio ao desenvolvimento rural, à pequena agricultura familiar e à multifuncionalidade da agricultura em zonas desfavorecidas é uma prioridade para o PSD, não tendo merecido o empenhamento governamental e, consequentemente, os meios financeiros necessários. Os montantes disponibilizados pela modulação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2001 são manifestamente insignificantes, não constituindo um apoio digno e efectivo aos agricultores portugueses.

Pela Direcção do Grupo Parlamentar do PSD, António Nazaré Pereira.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António José Santinho Pacheco
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Mário Patinha Antão
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Bernardino José Torrão Soares
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António Alves Martinho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Luís
Cláudio Ramos Monteiro
João Cardona Gomes Cravinho
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
João Bosco Soares Mota Amaral
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Manuel Durão Barroso
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró

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