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Sexta-feira, 12 de Outubro de 2001 I Série - Número 11

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 493 e 494/VIII, dos projectos de resolução n.os 155 e 157/VIII e de respostas a requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Rosado Fernandes (CDS-PP) teceu críticas à Resolução n.º 166/2000, do Conselho de Ministros, que baixa a taxa de alcoolemia permitida para 0,2 g, tendo chamado a atenção para as suas implicações na economia e anunciado o pedido de ratificação deste diploma pela Assembleia.
Também em declaração política, a Sr.ª Natália Filipe (PCP) condenou a política do Ministério da Saúde e o anunciado aumento dos medicamentos, pelas consequências sociais desta junto da população mais carenciada. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Sobral (PS) e Patinha Antão (PSD).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) criticou a não definição de um novo regime jurídico para as fundações privadas, em nome da sua credibilização e do interesse público.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do CDS-PP.
O Sr. Deputado Ricardo Gonçalves (PS), a propósito da organização, em Braga, do primeiro Campus Party nacional e do Congresso da Associação das Regiões Têxteis da Europa, salientou a importância da Universidade do Minho para o desenvolvimento da região, tendo ainda abordado problemas do Parque Natural da Peneda/Gerês. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Cirilo (PSD).
A Sr.ª Deputada Ana Manso (PSD) falou acerca da situação administrativa da freguesia de Vale de Amoreira, a qual, tendo sido aprovada a sua integração no concelho de Manteigas, ainda se mantém no da Guarda até 1 de Janeiro p.f., No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Santos (PS).
A Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona (CDS-PP) responsabilizou o Governo pela falta de políticas adequadas para fazer face à situação de abrandamento económico, tendo apresentado diversas medidas nesse sentido.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas) deu conta dos objectivos e princípios orientadores da política nacional de prevenção primária do consumo de drogas e toxicodependência constantes da proposta de lei que será apresentada à Assembleia. Usaram também da palavra os Srs. Deputados Nuno Freitas (PSD), Francisco Louçã (BE), Sílvio Cervan (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), António Filipe (PCP), João Sobral (PS) e Telmo Correia (CDS-PP).
Foram discutidos os votos n.os 161/VIII - De protesto contra os assassinatos ocorridos na prisão de Vale de Judeus (BE), 163/VIII - De protesto contra a violação do direito à vida nos estabelecimentos prisionais portugueses (CDS-PP), 164/VIII - De protesto pelas condições de saúde e insegurança nas prisões portuguesas (Os Verdes) e 165/VIII - Sobre a situação na prisão de Vale de Judeus (PS), que foram rejeitados ao abrigo do artigo 107.º do Regimento. Produziram intervenções os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Isabel Castro (Os Verdes), António Dias Baptista (PS), Miguel Macedo (PSD), Telmo Correia (CDS-PP) e Odete Santos (PCP).

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A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República à Rússia, de 25 a 29 do corrente mês, e ao Reino Unido, de 30 de Outubro a 2 de Novembro p.f.
O voto n.º 162/VIII - De solidariedade para com os trabalhadores da Marinha Grande e solicitando ao Governo que adopte medidas com vista à solução da crise nas empresas Mandata e Mortensen (PS, PCP, Os Verdes e BE) foi também discutido, tendo sido aprovado. Intervieram os Srs. Deputados José António da Silva (PSD), Vicente Merendas (PCP), Osvaldo Castro (PS), Fernando Rosas (BE), Isabel Castro (Os Verdes) e Telmo Correia (CDS-PP).

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 407/VIII - Altera o artigo 49.º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sujeitando à verificação de certos requisitos a concessão de liberdade condicional aos condenados por crimes associados ao tráfico de estupefacientes (CDS-PP) e 492/VIII - Restringe a aplicação do regime de liberdade condicional nos casos de crimes contra a vida, a liberdade e a segurança das pessoas e de outros crimes violentos (PSD). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), Fernando Seara (PSD), António Filipe (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Joaquim Sarmento (PS), Fernando Rosas (BE), Isabel Castro (Os Verdes) e Mota Amaral (PSD).
Entretanto, foram aprovados dois requerimentos, um, apresentado pelo PS, solicitando a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da proposta de lei n.º 97/VIII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de
institutos públicos integrantes da Administração Pública, sem votação na generalidade, e outro, apresentado pelo PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE, solicitando o adiamento da votação, na especialidade e final global, do texto final apresentado pela Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente relativo à proposta de lei n.º 32/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa, e a Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, que define o Estatuto dos Eleitos Locais, e aos projectos de lei os 354/VIII - Alterações à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, bem como à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, na parte relativa ao funcionamento das assembleias municipais (PCP), 357/VIII - Lei eleitoral para as autarquias locais (PSD) e 370/VIII - Alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, em que se estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias (PS).
Foi ainda aprovado, em votação final global, o texto final apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias relativo à proposta de lei n.º 91/VIII - Altera o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção.
A proposta de lei n.º 100/VIII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da acção executiva e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores foi também discutida na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), António Montalvão Machado (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Helena Ribeiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José de Matos Leitão
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Marques Boquinhas
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves

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Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís José de Mello e Castro Guedes
Luís Miguel Capão Filipe
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 493/VIII - Determinação do registo de interesses em instituições desportivas - Altera a Lei n.º 112/99, de 3 de Agosto, que aprova o regime disciplinar das federações desportivas (BE), que baixou à 1.ª e 12.ª Comissões, e 494/VIII - Lei-quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde (PCP), que baixou à 8.ª Comissão; projectos de resolução n.os 155/VIII - Sobre o Tratado de Nice (BE) e 157/VIII - Suspensão da cobrança de portagens em casos especiais (PSD).
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 9 de Outubro - Luís Fazenda, Fernando Pésinho, Natália Filipe, Luís Cirilo, António Filipe, Agostinho Lopes, Maria Santos, Margarida Botelho, Honório Novo, João Amaral, Luísa Mesquita, Odete Santos, Rodeia Machado, Barbosa Ribeiro, Francisco Torres, Correia de Jesus, Heloísa Apolónia, Isabel Castro, Feliciano Barreiras Duarte, Virgílio Costa, Vicente Merendas, Manuel Oliveira, Melchior Moreira, Lino de Carvalho, Nuno Sancho Ramos, Fernando Rosas, Guilherme Silva, António Nazaré Pereira, Pedro Duarte e Maria Celeste Cardona.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para declarações políticas, inscreveram-se os Srs. Deputados Rosado Fernandes, Natália Filipe e Isabel Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Só a caritas christiana me leva a perdoar a falta de generosidade das bancadas que ontem não me deixaram fazer uma intervenção, de 8 minutos, sobre um programa e um problema que se levanta em Portugal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Devido à generosidade da minha colega Maria Celeste Cardona, que abdicou de fazer uma

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declaração política, posso referir-me ao que os jornais espanhóis já chamam a lei seca em Portugal. Esperemos que não apareça nenhum Al Capone a «furar» os 0,2 gramas de álcool por litro de sangue, em Portugal.
Trata-se de um problema que se levanta no meio de uma grande turbulência internacional, e nacional também, e que vem no seguimento de uma Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2000, que proclama ser o alcoolismo «a maior toxicodependência dos portugueses». O vinho foi colocado a par da cocaína, heroína e outras drogas fortes, o que do ponto de vista ontológico e filosófico se poderá considerar pelo menos uma comparação psicótica ou maximalista.
Vem, agora, o Governo impor o limite máximo de 0,2 gramas por litro de sangue como medida tolerável para os condutores portugueses e já há ordens, agora, para que as brigadas de trânsito considerem 0,3 gramas, o que é perfeitamente ilegal e mais uma hipocrisia a juntar a esta outra.
Baixou, pois, o anterior limite de 0,5 gramas por litro, que, a bem dizer, nunca fora aplicado, nem controlado, nem objecto de qualquer estudo sério que o relacionasse com o aumento da sinistralidade nas estradas, estando estas no estado em que estão, sem sinalização, com buracos, com grandes excepções, como sabemos, das nossas auto-estradas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ficámos, pois, na vanguarda da Europa com a «lei seca», com Chicago à vista, ao lado da Suécia e, parcialmente, da Espanha, que só nalguns casos aplica o nível de 0,25 gramas por litro. Todos os outros países europeus, produtores de vinho ou não (Dinamarca, Finlândia, Bélgica), aplicam a taxa de 0,5 e a Inglaterra de 0,8 gramas.
Perguntar-me-ão: qual o motivo por que o sector cervejeiro não protesta? A resposta é simples. Em primeiro lugar, não será tão afectado como o do vinho; em segundo lugar, porque só existindo duas empresas produtoras em Portugal, os seus administradores sabem bem que seriam alvo fácil da inveja nacional, pois que representam duas empresas capitalistas. As vítimas seriam pois os seus accionistas.
O caso muda de figura quando se implicam com esta medida 250 000 famílias de vinhateiros, na sua maior parte de pequenos produtores.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Perguntar-me-ão também como é possível que, sendo…
Ali, o grau de alcoolemia também deve estar bastante baixo, em volta do Dr. Jorge Coelho,... porque detesto falar para pessoas que voltam o «traseiro» para mim!

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Peço desculpa!

O Orador: - Desculpe, mas não gosto que me voltem o «traseiro»! O que é que o meu amigo quer...

Risos.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Desculpe, Sr. Deputado!

O Orador: - Peço desculpa, também, pelo abuso, mas, enfim, é feito com alguma ironia.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Não ouvi a expressão que usou!

O Orador: - Eu desculpo-o e também peço desculpa, portanto, estamos os dois desculpados.
Perguntar-me-ão também como é possível que, sendo tão recente a medida que restringe o grau máximo de alcoolemia permitido a 0,2 gramas por litro, tenha já havido uma significativa diminuição do consumo de vinho. É que a chamada restauração - que é um termo francês mas já utilizado - sabe que o consumo vai diminuir e tem feito menos encomendas nas adegas e nos produtores de vinho.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Diz o Diário de Notícias que já se sentem efeitos de menos alcoolismo, depois desta recente medida. Também se teriam sentido efeitos se os 0,5 gramas tivessem sido aplicados com seriedade.
Tentar-me-ão «meter» outra rasteira dizendo que só os condutores não podem beber. Direi que em milhares e milhares de carros e camiões que circulam nas estradas de Portugal a maior parte deles vão simplesmente com um condutor, porque não levam todos os dias a família toda!
Mais uma objecção me será posta: o preço excessivo a que é vendida a garrafa de vinho português nos supermercados e restaurantes. É verdade que nalguns casos assim é, e é verdade que a nova classe nova-rica que aí existe gosta de beber os vinhos mais caros para mostrar a sua pujança económica e aquilo que sabe granjear, sabe Deus de que maneira!
Todavia, há vinhos a preço acessível e todos sabemos que, certamente, os grandes países produtores estão a fazer uma tentativa de dumping e de aliciamento dos grandes centros de compra das grandes superfícies para meterem cá os seus vinhos, pois já vemos vinhos de Bordéus a preços bastante convidativos.
Vou, agora, fazer uma interrogação àqueles que aprovaram esta resolução ministerial. Se são tão puritanos, porque não vigiam as centenas de locais públicos nocturnos onde se acumulam os nossos filhos e filhas, os nossos netos e netas, à noite - basta ir a Alcântara ou à Avenida 24 de Julho -, e com menos de 16 anos, o que é proibido, bebendo shots com menos de 18 anos, o que é igualmente proibido? As autoridades continuam a «fechar os olhos», o que me levanta as maiores suspeitas de que haverá algum aliciamento para que assim o façam.
Trata-se da juventude que nos vai suceder! Uma juventude que já é treinada desde os 13 anos, desde que tenham uma altura suficiente, a beber e a entrar, depois, em drogas, aí sim, mais fortes.
Por que razão em grande parte das importações feitas com fraude fiscal, que prejudicam gravemente a produção nacional pela concorrência desleal que provocam, tem havido sucessivamente, junto das autoridades controladoras, pressões de toda a ordem para que os incriminados saiam em liberdade? Consultem o Instituto da

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Vinha e do Vinho e verão as vezes que os incriminados de fraudes, que implicam centenas de milhares de hectolitros, saíram em liberdade por pressões, julgo, políticas.
Tal como no anterior caso, esta atitude não deixa de levantar as maiores dúvidas. Vamos ver o que acontecerá com a última apreensão, porque neste momento nada sei, visto o caso continuar ainda em segredo de justiça.
Eis os motivos que me levam a dirigir a esta Câmara o pedido para reconsiderar os abusivos 0,2 gramas por litro. É evidente que não vou aqui defender a tradição vitícola, porque, nessa altura, visto já terem comparado a vinho a uma droga, diriam que também não devemos combater a cocaína nos Andes nem a papoila no Afeganistão. Trata-se de vinho e não de droga dura!
Peço-o fundamentalmente para que todo o investimento que agora anda a ser feito na viticultura não o seja em pura perda, e não se contribua para que um dos sectores mais concorrenciais da agricultura portuguesa não venha contribuir, pela sua destruição, para que o resto da agricultura que ainda sobra acabe por se afundar sem qualquer espécie de remissão
Por isso, a minha bancada pede a ratificação do texto legal que consagrou os 0,2 gramas por litro.
Muito obrigado pela vossa atenção, já que ontem tive de ficar nesta reserva da República como uma espécie de caldo requentado para o dia seguinte. Felizmente que há aí várias movimentações pelo País fora que não deixarão que fique tão requentado e penso que há aí uns Deputados do PS que vão «apanhar um calor» bastante grande, não lhes digo onde, mas vão, com certeza...

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há um ano atrás, nesta mesma tribuna, em representação do Grupo Parlamentar do PCP, tomei a palavra para denunciar a situação da saúde em Portugal e acusar o Governo de total paralisia em relação a um conjunto de medidas estratégicas que poderiam traduzir-se num passo importante no caminho da verdadeira regeneração e revitalização do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Para o PCP, o pretexto de redefinição de prioridades era, no fundo, a antecâmara do regresso a velhas políticas neoliberais, de natureza privatizadora, de redução do Estado a um papel exclusivamente financiador e regulador, deixando para os privados a prestação de cuidados de saúde.
Nessa mesma intervenção, tivemos oportunidade de caracterizar a estratégia que estava em curso: degradar a organização, o funcionamento, a direcção e a administração das instituições públicas e do Serviço Nacional de Saúde; degradar as condições de trabalho, através da carência de recursos humanos e da instabilidade dos vínculos laborais; tornar as despesas do SNS insustentáveis, nomeadamente à custa das convenções com os sectores privado e social e de ausência de uma verdadeira política do medicamento.
Em suma, a estratégia em curso visava degradar o Serviço Nacional de Saúde e, assim, criar as condições objectivas para a sua privatização.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tempo veio dar razão ao PCP! Nada mudou com a mudança da equipa ministerial!
O Sr. Primeiro Ministro, ao invés de afrontar os grandes interesses privados e criar as condições necessárias para a moralização da gestão pública das instituições de saúde, fez uma viragem à direita e prepara-se para privatizar a função social do Estado que é a saúde.
Rapidamente, o «Ministro das entrevistas e das cadeiras partidas» mostrou-se um bom gestor da mudança.
As inúmeras declarações do Ministro, algumas verdadeiramente contraditórias, podem indiciar um aparente «desnorte» e a ausência de uma estratégia articulada de intervenção. Enganam-se os incautos!
O actual Ministro da Saúde está a preparar, a «todo o vapor», a entrega dos hospitais e dos centros de saúde à iniciativa privada, numa visão verdadeiramente mercantilista da saúde e dos cidadãos portugueses. Disso são exemplos os novos hospitais para a região de Lisboa, com a concessão da construção, o equipamento, a gestão e a prestação de cuidados à iniciativa privada, a constituição de sociedades de capitais teoricamente públicos ou as alterações ao estatuto jurídico dos hospitais e dos centros de saúde que está em curso.
São sintomáticos os apoios que este Ministro colhe dos diversos quadrantes da nossa sociedade, que vão desde alguns sectores do Partido Socialista aos sectores da direita conservadora. Até a Ministra sombra do Partido Social Democrata já afirmou que «a política do Ministro era a política do PSD».
É neste contexto político, em que as soluções privatizadoras ou de abertura de um caminho para ela, bem como a desregulamentação das relações laborais dos profissionais de saúde são apontadas como a magna solução para a resolução dos problemas do acesso aos cuidados de saúde pelos cidadãos, que o PCP apresentou ontem, na Mesa da Assembleia da República, o projecto de lei de administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo anunciou recentemente um aumento geral de 2,5% para os medicamentos, prontamente justificado pelo Ministro da Saúde com inadiáveis exigências de mercado. Não se ouviu, contudo, nenhuma preocupação relativamente ao que significa este aumento para uma população que suporta já directamente mais de metade dos gastos com saúde, sendo os medicamentos uma parcela importante. Não se ouviu nenhum alarme com o que esse aumento pode significar no agravamento da situação, por exemplo, de tantos e tantos reformados para quem tantas vezes a opção é entre a alimentação e os medicamentos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

A Oradora: - Já sabemos que o Governo e a indústria farmacêutica vão, em coro, lembrar-nos que os medicamentos em Portugal são dos mais baratos da Europa e que já há dois anos não havia aumento. Mas acontece

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que os nossos salários e reformas são, esses sim, os mais baixos da Europa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É preciso igualmente lembrar que o volume de novos medicamentos aprovados e introduzidos no mercado, nalguns casos sem inovações que relevantemente o justifiquem, permitiu aumentos exponenciais no preço em relação aos medicamentos substituídos, o que se traduziu, na prática, num efectivo aumento dos preços no mercado, e não consta que as multinacionais do medicamento ou as farmácias se encontrem em situação de especial carência.
Curiosamente, o Governo e o Ministro da Saúde não informaram o País do acréscimo de gastos com comparticipações, sem maior benefício para os utentes, que esse aumento só por si significa, contribuindo para o aumento das dificuldades financeiras dos cidadãos.
Esta linha de cedência à indústria farmacêutica repete-se, aliás, no espantoso protocolo negociado com a APIFARMA. Retomando uma iniciativa anterior, o protocolo aparenta desincentivar uma maior indução do consumo por parte da indústria ao prever que haja um ressarcimento se o crescimento for entre 6,5% e 10,5% para 2001, com ajustamentos para os dois anos seguintes. A verdade é que isso não é suficiente para abrandar os gastos, já que, para a indústria, a retribuição ao Estado é compensada de diversas formas e desde logo pelo aumento de 2,5% em todos os medicamentos. Resta, aliás, saber se esse protocolo vai ser mesmo aplicado, porque em 2000 constatámos que o Ministério da Saúde se tinha «esquecido» de cobrar à indústria 9 milhões de contos referentes ao tal ressarcimento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

A Oradora: - Trata-se, afinal, de tentar esconder uma política de cedência aos poderosos interesses económicos do sector.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PCP chama-me a atenção de que há um ruído de fundo na sala. Peço aos Srs. Deputados o favor de fazerem silêncio, para podermos ouvir em condições normais a Sr.ª Deputada.

A Orador: - Muito obrigada, Sr. Presidente.
A política do medicamento continua a servir a estratégia da indústria farmacêutica. Continuam a não ser tomadas medidas evidentes de saneamento e racionalidade que reencaminhem os gastos com medicamentos para as necessidades das pessoas e não para os lucros das empresas.
Onde estão a prescrição pelo princípio activo, o controle mais rigoroso das autorizações de utilização especial, o formulário nacional, as embalagens mais económicas? Para quando a dispensa gratuita, nos hospitais, dos medicamentos, que dessa forma sejam mais baratos para o Serviço Nacional de Saúde do que pagando a comparticipação na farmácia comercial? Para quando uma maior dinamização do mercado de genéricos não viciada pela existência de genéricos de marca e em que os preços sejam de facto mais baratos e não indexados aos seus similares mais caros?
Na verdade, o Governo não quer atacar os lobbies da produção, distribuição e comercialização dos medicamentos e continua apostado em garantir-lhes chorudas margens de lucro à custa do erário público e de recursos que deveriam ser aplicados na valorização do SNS

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - Podendo o PCP concordar com algumas linhas estratégicas contidas nas Grandes Opções do Plano para 2002, não aceitamos, de forma alguma, que, a pretexto da redução da despesa pública, se entregue a saúde dos portugueses aos interesses económicos e financeiros desta área.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Sobral e Patinha Antão.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Sobral.

O Sr. João Sobral (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natália Filipe, é público que o Partido Socialista tem dado provas da sua determinação na defesa do Serviço Nacional de Saúde. Penso que começa também a ser público que temos, de facto, uma divergência. A bancada do PCP e a Sr.ª Deputada Natália Filipe têm-nos habituado à defesa do modelo, mas nós pensamos que essa não é questão fundamental. Em nosso entender, a questão fundamental é a da qualidade e da capacidade dos nossos serviços de saúde, não a mera defesa do modelo, por mais honesto e correcto que ele nos possa parecer.
A Sr.ª Deputada não falou do aumento do número de consultas, do início da redução das listas de espera, da construção dos centros de saúde, da construção dos novos hospitais, mas esses são dados objectivos que, quando discutimos questões de saúde, não podemos, de maneira nenhuma, retirar do debate.
A questão que lhe quero colocar é a seguinte: considera que é mercantilismo obrigar a que seja feita uma correcta gestão dos dinheiros públicos pelas nossas unidades de saúde, que se pague pela produtividade, que se pague a acessibilidade, que se avalie convenientemente essa prestação de serviços, ou considera que o nosso Governo e o nosso sistema se deve limitar a vender serviços, não tendo em conta a sua produtividade?
Nós pensamos que o que está em causa é a qualidade dos serviços que prestamos aos nossos cidadãos e, nesse sentido, mais do que vender o modelo ou uma capacidade instalada, é fundamental contratualizar com os nossos serviços, numa base de responsabilidade, as prestações que definimos para os nossos cidadãos.

O Sr. Presidente: - Dado que a Sr.ª Deputada Natália Filipe pretende responder conjuntamente aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

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O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natália Filipe, em sede de Comissão, temos estado muitas vezes de acordo, fundamentalmente nos resultados que a política de saúde deveria produzir e não produz e também na circunstância de o PS não ter propriamente uma política de saúde que sirva os interesses do País, já que, para além de este ser já o terceiro Ministro desta pasta, temos tido claramente orientações de ziguezague, nunca se sabendo qual é o rumo que o Partido Socialista segue.
Neste sentido, gostaria de lhe colocar duas ou três questões para saber, por um lado, até que ponto é que vão as nossas coincidências de pontos de vista e, por outro lado, para marcar uma diferença sobre opções fundamentais.
Relativamente às coincidências em matéria de impaciência legítima quanto aos resultados, gostaria de perguntar à Sr.ª Deputada, uma vez que foi, inclusive convocada pelo Sr. Deputado João Sobral, se está satisfeita com os resultados da política até agora seguida pelo Ministério da Saúde relativamente à questão das listas de espera, até há pouco tempo considerada a primeira prioridade deste Governo.
Do nosso ponto de vista, essa política é um fracasso, sendo que o PSD deu nesta matéria um contributo claro e inequívoco, apresentando, em sede desta Assembleia, um método alternativo, muito mais robusto e que vai muito mais ao encontro dos interesses dos portugueses para a resolução desse problema. Qual é a sua posição sobre este ponto?
Em segundo lugar, gostaria de sublinhar também a concordância relativamente ao que disse quanto à impaciência para a existência de um verdadeiro mercado de genéricos, já que é sabido que essa é uma matéria de grande desperdício na área da saúde e o Governo se tem mostrado sucessivamente incapaz de criar aquilo a que se chama um verdadeiro mercado de genéricos, o qual existe em praticamente todos os países da União Europeia - basta citar que na Alemanha, por exemplo, atinge 30% ou 40%, tal como noutros países, sendo que em Portugal se continua a verificar que atinge a ridícula importância percentual de 0,1% a 0,2%. Tantos estudos, tantos métodos e o resultado continua a ser de 0,0!
Gostaria de lhe perguntar também se considera ou não que, para além das considerações que expendeu, o nó górdio da questão está na atitude que o Governo se revela completamente incapaz de implementar, que é exactamente a da prescrição pelo princípio activo, que teve oportunidade de sublinhar na sua intervenção. É ou não verdade que aí é que está o nó górdio da questão?
Termino dizendo-lhe que não nos revemos nas questões fundamentais de orientação quanto ao problema da provisão ou produção dos serviços de saúde. Sr.ª Deputada, não se pode ser fixista e exigir que a produção dos serviços de saúde seja, obrigatória e exclusivamente, sempre pelo sector público, já que, como V. Ex.ª sabe, as reformas da saúde conseguidas em toda a Europa fazem com que exista um modelo competitivo e avaliado rigorosamente em que coexiste, nomeadamente, gestão hospitalar pública e privada.
Nesse sentido, como V. Ex.ª sabe, os indicadores de desempenho já existentes nas experiências feitas em Portugal mostram que há nítida vantagem em algumas experiências que não são de gestão pública.
É, pois, sobre estes aspectos que gostaria de obter uma resposta, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe. Dado que o seu grupo parlamentar já não dispõe de tempo, a Mesa concede-lhe 3 minutos para esse efeito.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Srs. Deputados João Sobral e Patinha Antão, quero começar por agradecer as questões que me colocaram.
Devo dizer que me pareceu muito interessante a questão colocada pelo Sr. Deputado João Sobral sobre o modelo. Em relação a esta matéria, eu diria que o modelo é o que está em curso com o actual Ministro da Saúde.
Quanto àquilo que disse sobre pagar a assiduidade e avaliar a prestação, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que os mecanismos hoje existentes no Serviço Nacional de Saúde permitem tudo isto - assim se fiscalize, assim se regule e assim se contratualize.
Pergunto ao Sr. Deputado por que razão é que foram esvaziadas as competências das agências de contratualização. Por que razão é que isso se verificou? Por que razão é que a implementação dos centros de responsabilidade integrados não continuou em desenvolvimento, o que permitiria controlar a prestação e contratualizar os níveis de cuidados com as administrações que cediam, efectivamente, as verbas que seriam necessárias para, inclusive, incentivar os próprios profissionais que produzissem mais?
Como tal, Sr. Deputado, não o percebo quando diz que quer outro modelo. Um modelo de quê? De desresponsabilização do Estado pela prestação de cuidados?! Um modelo como os que já existem, que ficam com o doente desde que interesse e que, quando não interessa, encaminham as situações mais complicadas e aquelas que não são rentáveis para os hospitais públicos, como acontece com o TAC no hospital Amadora/Sintra, por exemplo?! É isso que queremos para os nossos cidadãos? Não é, certamente, Sr. Deputado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Assim, não defendemos a mesma coisa com modelos diferentes; não defendemos é a mesma coisa!
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Patinha Antão, lamento ter de dizer, mais uma vez, que a política que está em curso interessa ao Partido Social Democrata, porque vai no sentido daquilo que o mesmo defende.
O Sr. Deputado colocou a questão das listas de espera; ora, nesta matéria, o interesse existente, e que o Governo, aliás, tem permitido, é o de que haja contratualização, o de que se façam convenções com o sector privado e social, sem que, objectivamente, esteja provado e comprovado que o Serviço Nacional de Saúde, com o equipamento, os blocos operatórios e os recursos que tem, não tem condições para poder produzir muito mais e melhor e dar resposta aos cidadãos a nível das cirurgias!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Este é um factor. Outro é o seguinte: por que razão é que o Governo se tem sistematicamente recusado a mostrar, por a mais b, qual é a produção dos hospitais, para vermos por que razão é que há desvio de doentes daquela que seria a produção normal para a lista de espera, para o famoso programa de promoção do acesso? Por que é que isto não se faz?! Por que é que não fazemos esta análise, que seria, certamente, importante para avaliarmos o modelo que pretendemos?
Não temos nada contra o sector privado, absolutamente nada! Agora, queremos é que ele actue de forma transparente, que tenha regras claras e que não seja aquilo que existe hoje, que é a parasitação completa e absoluta do equipamento e das capacidades instaladas no Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Determinava, em 13 de Maio de 1999, um despacho do então Ministro da Administração Interna, Jorge Coelho, actual Deputado, a criação de um grupo de trabalho, designado por «comissão de reforma do regime jurídico das fundações», cujo propósito era a definição de um novo regime jurídico para as fundações privadas.
Comissão esta presidida pelo Professor Rui Alarcão, composta por ilustres membros das nossas universidades, designadamente das Faculdades de Direito de Coimbra e de Lisboa, um representante do próprio Ministério da Administração Interna e outro da Secretaria de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa.
Comissão a quem, reconhecida ainda a importância da missão que lhe era atribuída, eram disponibilizadas facilidades várias de funcionamento, designadamente a possibilidade de poder deslocar-se ao estrangeiro em missão de investigação e de solicitar estudos e pareceres que julgasse necessários ao bom andamento dos seus trabalhos. Uma decisão inquestionável, do ponto de vista de Os Verdes, face a um objectivo político plenamente justificado.
Com efeito, não só o regime jurídico em vigor aplicável às fundações privadas, o estabelecido no Código Civil de 1966, na altura desse despacho tinha já mais de 30 anos, sendo evidente que as regras para a sua constituição e reconhecimento se revelavam desajustadas, como a ausência de um regime jurídico próprio favorecia naturalmente a generalizada e instalada confusão.
Uma confusão que o Governo reconhecia existir, favorecida pelo aumento explosivo de pedidos de reconhecimento de novas fundações, pelo significativo aumento de novas fundações criadas, fundações para todos os gostos, algumas de propósitos vagos, que em alguns sectores proliferaram como uma verdadeira praga!
Fundações de direito privado criadas, umas, por iniciativa de entidades públicas para prossecução de interesses públicos, outras, para a realização de «um fim de interesse social», que em muitos casos ficou por demonstrar, na opacidade das actividades a que se dedicam, nascidas algumas (não todas é certo) sem património próprio, sem finalidades claras, não obstante serem financiadas, em grande medida, pelo dinheiro dos contribuintes portugueses.
É, pois, neste quadro, Sr.as e Srs. Deputados, que, para Os Verdes, é hoje e agora mais do que tempo de exigir respostas, de questionar o Governo acerca das razões pelas quais permanece o silêncio em torno da concretização dos objectivos anunciados pelo Governo, a reforma das fundações privadas, no seu despacho.
Um despacho a que nem a data escolhida - 13 de Maio - concedeu melhor sorte, em termos de resultados práticos, e que, apesar de há muito ultrapassado o prazo por si fixado para apresentar conclusões (seis meses, sublinho, seis meses), mais de dois anos volvidos se encontra parado, desconhecendo-se as conclusões apresentadas pelo seu grupo de trabalho.
Um desconhecimento incompreensível e grave, acima de tudo porque não teve consequências, ou seja, porque não conduziu à apresentação pelo Governo da prometida proposta de revisão do regime jurídico das fundações, proposta que deveria pôr fim à reconhecida e caótica situação instalada.
Proposta essa que seria a nova moldura legal que o então Secretário de Estado Luís Patrão, actualmente nosso colega Deputado, reconhecia, em entrevista ao jornal Público (poucos dias depois de este jornal ter trazido ao conhecimento da opinião pública um escândalo em torno de um financiamento), ser necessária para credibilizar a forma como as fundações estavam a ser autorizadas, bem como para credibilizar o seu sistema de financiamento.
Uma nova moldura legal, Srs. Deputados, que Os Verdes entendem ser não só necessária mas uma prioridade política, cabendo ao Partido Socialista e ao Governo, concretamente ao actual Ministro da Administração Interna, o esclarecimento público e ao Parlamento dos motivos pelos quais, ou em nome da defesa de que interesses instalados, esta reforma foi travada.
Uma reforma nas fundações privadas que, do nosso ponto de vista, se impõe urgentemente, perante a reconhecida falta de transparência, a ausência de rigor e a manutenção, de todo inaceitável, de situações irregulares em muitas fundações.
Situações irregulares essas que se não esgotaram no escândalo da Fundação para a Prevenção e Segurança mas que, em diferentes graus, se manifestam e afectam o funcionamento de outras fundações, lesando o interesse público. Impõe-se, pois, rapidamente, a separação do «trigo do joio».
Sr.as e Srs. Deputados: É em nome da credibilização das instituições, da transparência, do interesse público que entendemos ser tempo de a reforma das fundações se fazer, definindo critérios rigorosos para a sua existência, financiamento e criação, separando os diferentes espaços e os diferentes papéis das instituições na sociedade.
Uma reforma que, de algum modo, ontem, este Parlamento manifestou vontade de iniciar no sector público e que, na nossa opinião, é tempo, mais do que tempo, de se alargar definitivamente ao sector privado.

O Sr. Presidente: - Não havendo inscrições para pedir esclarecimentos, e antes de passarmos ao tratamento de

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assuntos de interesse político relevante, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética que se reveste de urgência, pois refere-se um Sr. Deputado que tem de tomar lugar no Hemiciclo.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer é do seguinte teor:
1 - Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 10 de Outubro de 2001, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de Deputado:
Substituição nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea e), do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março), por um período não inferior a 45 (quarenta e cinco) dias, com início em 11 de Outubro corrente, inclusive:
Grupo Parlamentar do Partido Popular (CDS-PP):
António Pinho (Círculo Eleitoral de Aveiro) por Luís Miguel Capão Filipe.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, temos hoje a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 46 jovens da Cooperativa de Solidariedade Social da Moita - RUMO, um grupo de 55 alunos da Escola EB 2,3 D. Dinis, de Leiria, e um grupo de 16 alunos da Escola n.º 1 de Linda-a-Velha. Uma saudação para todos eles!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O distrito de Braga é a união de facto entre a modernidade e a tradição.
Nos dias de hoje, o distrito de Braga é considerado a capital da informática em Portugal. A Universidade do Minho é umas das pioneiras da disseminação do ensino da informática em Portugal. Os seus cursos nessa área são dos mais prestigiados em termos da União Europeia. Os engenheiros de informática saídos da UM, seguindo a tradição empresarial minhota, já criaram perto de 100 pequenas e médias empresas nesta área do conhecimento, e empregam à volta de 1000 engenheiros de informática, impondo o distrito de Braga na era da informação.
Esta divulgação das potencialidades do distrito de Braga na área da informática foi reforçada com a organização do primeiro campus party português, realizado entre os dias 29 de Agosto e 2 de Setembro deste ano, no Parque de Exposições de Braga, em que participaram à volta de 500 jovens do mundo da informática provenientes de várias nacionalidades.
É assim natural que Braga seja considerada a Silicon Valley portuguesa.
Posto isto, de momento, o grande desafio no distrito de Braga é colocar todo o desenvolvimento das novas tecnologias, nomeadamente as de informação, ao serviço da economia tradicional, em que o exemplo mais representativo é o sector dos têxteis e todos os subsectores que vivem agregados a ele. É um sector que precisa de maior produtividade e mais apoios, para que se possam também subir os salários, que infelizmente, tratando-se de uma indústria de mão-de-obra intensiva, sujeita à concorrência de países de salários muito mais baixos, continua com salários inferiores às aspirações de um cidadão da União Europeia.
Para ajudar a ultrapassar esta situação, está-se a criar a imagem do Minho como pólo de excelência têxtil a nível internacional, tendo-se realizado no distrito de Braga, há relativamente pouco tempo, um congresso da Associação das Regiões Têxteis da Europa. Este encontro, no qual tive o gosto de participar, juntou a tradição e a modernidade, pois os perto de 50 jornalistas da especialidade, vindos de diversos países, ficaram instalados em casas de turismo de habitação, outro dos ex libris da região, e foram presenteados com toda a riqueza da gastronomia minhota, demonstrando-se, assim, que este Minho da tradição recebe bem os agentes da modernidade.
Esta é a demonstração de que os nossos sectores da economia mais antigos não devem ser «diabolizados», como fazem alguns, já que, afinal, estes sectores ainda são fundamentais para o nosso ganha-pão.
A «diabolização» deste sector leva a que os jovens já não queiram ir para tal área, ficando ultimamente vagas por preencher no curso de engenharia têxtil da UM.
O Minho tem que avançar sempre, porque a sua força é única no contexto nacional e europeu, fruto do empenho, da criatividade e do «empreendedorismo» da sua gente, que criou as actuais 7 000 empresas existentes no Minho e que o transformou numa das maiores manchas empresariais da Europa.
É claro que são quase todas pequenas e médias empresas, como o minhoto gosta de criar. Já foi assim que criou Portugal, que, depois de várias vicissitudes, ficou integrado nos pequenos e médios países do mundo.
Na continuação da análise do moderno e do tradicional, temos como grande destaque o Parque Nacional da Peneda-Gerês, que tem a sua sede no distrito de Braga. Este teve como seu primeiro director o Eng.º Lagrifa Mendes e foi criado no ano de 1971, fazendo assim este ano a bonita idade de 30 anos, aproveitando nós esta solene data para lhe desejar muitas felicidades e muitos anos de vida, já que como Parque Nacional é filho único em Portugal.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês localiza-se no alto noroeste de Portugal, junto à fronteira espanhola, estendendo-se em forma de ferradura, constituído por 72 000 ha, englobando territórios dos concelhos de

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Melgaço, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Terras de Bouro e Montalegre, possuindo no seu seio as serras da Peneda, Soajo, Amarela e Gerês.
Sendo eu natural do concelho de Melgaço, tendo sido estudante e professor no concelho de Arcos de Valdevez e actualmente candidato a Presidente da Câmara de Terras de Bouro, considero-me também, para além de um indígena ou autóctone da região do Parque, um seu apaixonado e modesto estudioso.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês, actualmente dividido em ambiente natural e rural, surgiu essencialmente para a conservação da sua rica natureza, advindo, no entanto, a sua personalidade do facto de ser um parque habitado, sendo, portanto, necessário um desenvolvimento harmonioso entre o homem e a natureza.
É difícil para os 10 000 habitantes da área do Parque, espalhados pelos seus 114 aldeamentos, conseguirem rendimentos para uma vida digna - muitos deles vivem de uma agricultura quase de subsistência, outros do turismo e outros são reformados com reformas ganhas no estrangeiro ou nas cidades e que resolveram regressar ao ponto de partida. Só que os jovens continuam a abandonar os lugarejos do Parque, sendo assim muito difícil manter o Parque como espaço humanizado.
Na área do Parque Nacional, os seus habitantes só querem ser ajudados para continuarem a viver onde gostam de viver. Assim, o pastoreio, com destaque para as cabras, devia ter um subsídio extraordinário já que a cabra é o melhor auxiliar dos bombeiros, sendo essencial para, pelo menos, na área de ambiente rural, devorar os matos, alimentadores de incêndios.
A manutenção, no pastoreio, da Vezeira e da transumância com Brandas e Inverneiras fazem parte da tradição do Parque.
Os usos e costumes de um comunitarismo ainda se mantêm, como as eiras comuns com os seus espigueiros e alguns fornos comunitários, mas foram-se perdendo muitas tradições, como o caso do «boi do povo», um exemplar barrosão que emprenhava as vacas do lugar e era propriedade de todos. Hoje, a modernidade quase que extinguiu esta tradição já que as vacas ficam prenhas por técnicos que fazem o serviço com grande eficácia.
É importante defender o cão de Castro Laboreiro, as raças autóctones de bovinos, com destaque para a barrosã e a cachena, os cavalos garranos e os burros, assim como a cabra bravia e o porco bísaro. Afinal, ao defendermos este animais estamos a ajudar o homem.
O Parque Nacional deve, desde as escolas do 1.º ciclo, introduzir o orgulho sadio de residir na área do Parque, não deixando perder a tradição do comunitarismo que tantos estudiosos adoraram, com destaque para Miguel Torga.
É pedagogicamente importante que toda a população do Parque tenha um grande empenhamento na democracia participativa, que devia ser fundamental na gestão da área do Parque. Neste âmbito, é importante que os residentes reafirmem o direito e o dever de viverem com toda a dignidade e qualidade de vida que a modernidade exige.
Dos animais do Parque ultimamente mais falados destacamos as águias reais, os lobos que se organizam em 10 ou 12 alcateias, existindo actualmente entre 60 a 70 lobos, assim, com o reaparecimento da chamada cabra geresiana, que veio do Parque do Xurés do lado galego, pois, sabendo que não há fronteiras na União Europeia, aproveitou e passou para o lado de Portugal, sendo considerada o ex libris do Parque.
Quanto aos estragos que os animais causam aos agricultores, nada é pago por causa do javali, sendo somente pagas, ainda que às vezes tarde, as despesas relativas às vítimas que os lobos fazem nos rebanhos.
A zona mais nobre do Parque Nacional situa-se no concelho de Terras de Bouro, nomeadamente a Mata de Albergaria, assim como a zona mais visitada que é a vila termal do Gerês, a Albufeira da Caniçada e o Santuário de S. Bento da Porta Aberta, exigindo-se actualmente um reordenamento no trânsito desta zona, pois na época alta esta mais parece ter o tráfego de uma grande metrópole do que o de uma zona de lazer e de fruição da natureza.
Em termos de património construído na área do Parque, para além de vastas necrópoles megalíticas, dos castelos de Castro Laboreiro e Lindoso, do Mosteiro de Santa Maria das Júnias e do Espigueiros do Soajo e Lindoso, existe também a geira romana, que era a via 18 do itinerário antonino, uma auto-estrada no tempo dos romanos, que possui em Portugal 30 Km em bom estado de conservação, todos no concelho de Terras de Bouro, a qual vai ser proposta a património nacional e depois a património mundial.
Para terminar, gostava de realçar que um dos maiores problema do Parque é a chamada praga das mimosas, infestantes, a que chegaram a fazer uma festa de promoção turística, até concluírem que às pragas não se fazem festas, erradicam-se.
Há agora um programa que custa 50 000 contos que está a combater 120 000 ha de mimosas. Mas, devo lembrar que este combate tem que continuar, pois uma semente de mimosa pode viver 100 anos. É assim uma luta duradoura.
O orçamento do Parque é este ano de 650 000 contos quando o ano passado foi de 85 000 contos. Foi um bom salto mas ainda não chega, é preciso mais, pois as carências são grandes, e para as combater é preciso a solidariedade europeia e portuguesa de forma a manter a tradição na modernidade do nosso único Parque Nacional.

Aplausos do PS e do Deputado do CDS-PP Basílio Horta.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Cirilo.

O Sr. Luís Cirilo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, confesso que ouvi com deleite a sua intervenção. V. Ex.ª começou por falar de informática, passou por javalis e acabou em mimosas.
Recordo-me que, a determinado passo da sua intervenção, V. Ex.ª citou a sua qualidade de candidato à Câmara de Terras de Bouro. Mas, confesso que, depois de o ouvir - e ouvi-o com toda a atenção -, pensei que V. Ex.ª era candidato a futuro director de um jardim zoológico do Parque da Peneda-Gerês, porque V. Ex.ª, ao invés de falar de Terras de Bouro, falou essencialmente da fauna e da flora do Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Ainda assim, não resisto a fazer algumas perguntas relacionadas directamente com as Terras de Bouro, que

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poderão ajudar a caracterizar melhor a realidade desse concelho do nosso distrito.
Compreendo que V. Ex.ª, recém-chegado ao concelho, tenha alguma dificuldade em falar de Terras de Bouro e, portanto, para que a Câmara fique devidamente identificada com o que se passa naquele concelho do interior, um concelho que apesar de pequeno e pobre tem gente de grande valor, gostaria de dizer de dizer algumas coisas.
Por exemplo, gostaria de dizer que todas as freguesias de Terras de Bouro, como penso que V. Ex.ª sabe, dispõem de centros culturais, todas elas têm um abastecimento domiciliário de água, todas elas são servidas por estradas alcatroadas, todas elas têm saneamento básico e tratamento de resíduos, ou praticamente todas, pois não é verdade que tenham todas.
Gostaria ainda de dizer que essa é a única câmara do interior que tem uma marina e um centro naútico, tem um centro de animação termal com piscina aquecida e clube de saúde; é um concelho completamente coberto por uma rede de transportes colectivos, públicos e municipais e, finalmente, Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, gostaria de o esclarecer, porque se trata de um aspecto importante e exemplar, dizendo que mais de 50% da população de Terras de Bouro vive de receitas do turismo. Creio que para um concelho do interior isto é importante. Eu também não sabia, Sr. Deputado, mas tratei de me informar e, de facto, não há qualquer dúvida de que Terras de Bouro é um concelho exemplar em termos de interior.
Antes de passar às perguntas, vou citar um comunicado que V. Ex.ª distribuiu recentemente à população de Terras de Bouro. Dizia o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, candidato à Câmara de Terras de Bouro: «Um concelho com poucos eleitores, como é o de Terras de Bouro, precisa mas é de ter a presidir aos destinos da Câmara pessoas com grande influência e com profundos conhecimentos políticos para conseguirem tirar Terras de Bouro do actual marasmo». Falava V. Ex.ª de si próprio e pergunto então, para concluir, o seguinte: onde é que estava o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, onde é que estava o candidato à Câmara de Terras de Bouro quando, no ano passado, o Partido Socialista, contra toda a oposição, recusou neste Parlamento propostas de alteração ao PIDDAC que eram muito importantes para Terras de Bouro?

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Presidente.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Refiro-me, por exemplo, à construção do quartel da GNR do Gerês ou ao melhoramento da EN205. Onde estava V. Ex.ª, Sr. Deputado? Onde estava o Partido Socialista? Onde estava o interesse de Terras de Bouro?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Cirilo, o senhor realmente não percebe nada de Terras de Bouro nem do Parque da Peneda-Gerês! O senhor é de Guimarães, é minhoto, mas é de uma zona industrial, não é de uma zona rural. O senhor não é um homem da serra, é um homem da cidade, da indústria! O senhor é descendente do proletariado da indústria e não do proletariado rural. O senhor não sabe que, efectivamente, falei dos 30 anos do Parque da Peneda-Gerês e comparei a riqueza da tradição do Parque com a modernidade que têm hoje muitas das coisas do distrito de Braga. Não estive preocupado em falar exclusivamente de Terras de Bouro, porque não venho para aqui fazer propaganda para a Câmara de Terras de Bouro já que vocês não votam em Terras de Bouro. A propaganda a Terras de Bouro faço-a lá, em Terras de Bouro! Vocês é que utilizam os areópagos para fazer propaganda aos concelhos onde são candidatos ou onde pelo menos tentam fazer alguma coisa.
Em relação às questões, Terras de Bouro, obviamente, não tem nada de especial. Quando o senhor fala de terras de Bouro é de uma outra Terras de Bouro, que não existe, que lhe foi «vendida» pelo Presidente da Câmara de Terras de Bouro e que o senhor não foi confirmar ao terreno, porque o senhor não foi lá, não tem ido lá! Sabe que Terras de Bouro é o concelho com o rendimento per capita mais baixo da região Norte?! O senhor sabe que Terras de Bouro tem potencialidades fantásticas, em termos de turismo e de riquezas naturais, só que nada está aproveitado?! Neste último censo, perdeu mais de 1000 pessoas. Não tem estruturas quase nenhumas que permitam a fixação da população e qualidade vida.
O senhor falou em três ou quatro coisas, mas é mentira que haja saneamento em todo o lado. Pelo contrário, o saneamento - e isto é grave - está a ser lançado directamente para a Albufeira da Caniçada e para o rio Homem. Uma terra que quer viver do turismo, só tem uma ETAR a funcionar no concelho, e mal, que é a ETAR do Gerês, e que já existe há muitos anos.
O abastecimento de água falta em muitos lados. Quanto às estruturas de estradas, de que o senhor falou, basta ver que em muitas das só cabe um carro, são as chamadas meias estradas que o presidente da Câmara gosta de fazer.

Risos.

Mas gradeço imenso que diga que Terras de Bouro está a ser bem gerida, porque se eu ganhar a vitória é mais saborosa.
Em relação às perguntas que fez, é preciso ver que o quartel da GNR está em PIDDAC, com 1000 contos para este ano, com 150 000 contos para o ano e com 60 000 contos para daqui a 2 anos.
Em relação à célebre estrada, gostaria de dizer que essa estrada «meteram-na» vocês à última hora, com mais um golpe de propaganda, porque nos 10 anos de «cavaquismo» nunca se preocuparam com a estrada de Terras de Bouro!
Sabem que o orçamento de Terras de Bouro passou, de 1995 para agora, de 525 000 contos para 850 000 contos, subindo 95%?! Sabem que ainda agora foi assinado um protocolo para investir 500 000 contos na Pousada da Juventude de Vilarinho das Furnas?! Sabem que há mais 300 000 contos para habitação, que há mais 200 000 contos para a área social?! Há investimentos por parte deste Governo que vocês não fizeram no tempo do PSD! Quem empobreceu Terras de Bouro foi o PSD e eu vou para lá

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para tirar Terras de Bouro do marasmo em que se encontra, não tenha dúvidas!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O assunto que me traz a esta Tribuna relaciona-se com o «caso de quase-transferência» da freguesia de Vale de Amoreira. E digo «quase-transferência» porque, de facto, hoje, Vale de Amoreira não sabe se ainda vota na Guarda ou se já vai votar em Manteigas. É um verdadeiro imbróglio, um caso de fazer corar de vergonha todas as instituições democráticas, um absurdo político que fará rir e corar de vergonha toda a classe política.
Senão, vejamos: em 4 de Julho de 1999, há precisamente 830 dias, a freguesia de Vale de Amoreira expressou, em referendo, a vontade de deixar de pertencer ao concelho da Guarda e passar a integrar-se no concelho de Manteigas. Embora sem validade legal, esta consulta popular, patrocinada pela junta de freguesia, serviu de testemunho à vontade dos residentes em se transferirem para o concelho de Manteigas, uma opinião expressa que devia merecer o respeito de todos os Deputados e do legislador.
A justificação para tal iniciativa tinha como razões a curta distância entre as duas localidades, a facilidade que a população teria no atendimento a nível da saúde, do ensino, do comércio e dos serviços públicos e ainda a proximidade de interesses entre as pessoas.
A transferência foi aprovada pela Assembleia Municipal da Guarda e pela Assembleia Municipal de Manteigas.
Em 2 de Março de 2000, o Partido Social Democrata apresentou, nesta Assembleia, em conjunto com o CDS-PP, o projecto de lei n.º 130/VIII, relativo à integração da freguesia de Vale de Amoreira, do concelho da Guarda, no concelho de Manteigas.
Talvez a reboque, o Partido Socialista apresentou posteriormente, em 15 de Junho de 2000, o projecto de lei n.º 236/VIII, com o mesmo objectivo. Ambos referiam que a transferência se tornaria efectiva a partir de 1 de Janeiro do ano seguinte ao da publicação da respectiva lei.
Atendendo a que estas iniciativas legislativas foram apresentadas a esta Assembleia durante o ano 2000, tínhamos a expectativa natural que a sua votação ocorresse no mesmo ano. Mas, infelizmente, tal não aconteceu e o projecto apenas foi aprovado em 2001.
O PSD tudo fez para evitar o «filme» que se seguiu, mas em vão! É que o Partido Socialista enveredou pelo absurdo político. O Partido Socialista demonstrou uma autêntica hipocrisia política, de quem diz que «sim» com uma mão para a seguir dizer que «não» com a outra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - É uma vergonha que por questões e interesses mesquinhos meramente partidários do próximo acto eleitoral se penalizem as legítimas expectativas das pessoas de Vale de Amoreira.
Mas, felizmente, nem tudo estava perdido.
Em 19 de Julho do corrente ano, a Comissão Nacional de Eleições, atenta e compreendendo a situação, deliberou que a freguesia de Vale de Amoreira iria votar para os órgãos municipais no concelho de Manteigas.
Depois do susto, Vale de Amoreira serenou. Já era uma freguesia integrante do concelho de Manteigas.
Posteriormente, ainda não totalmente refeita do susto, eis senão quando vem a segunda desilusão.
É que o Governo, em 17 de Agosto do corrente ano, pela mão do Secretário de Estado da Administração Interna, vem lançar nova confusão, desautorizando a Comissão Nacional de Eleições. Ou seja, Vale de Amoreira continua a pertencer ao concelho da Guarda.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, a razão tem muita força. E assim, ontem, em 10 de Outubro, a Comissão Nacional de Eleições veio de novo reiterar a sua deliberação e reafirmar a inclusão de Vale de Amoreira no concelho de Manteigas.
Mais, a Comissão Nacional de Eleições notificou a Câmara Municipal de Manteigas e o Ministério da Administração Interna da sua própria deliberação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Só há uma palavra para classificar o caso de Vale de Amoreira: uma vergonha!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O Governo, de facto, perdeu a vergonha e não tem qualquer pejo nem problemas de consciência em penalizar os interesses de uma população, legitimamente expressos, para promover meros interesses partidários.
É o «cair da máscara» dos socialistas que dizem que «as pessoas estão primeiro». Afinal, isto não passa de mera hipocrisia política.
Nenhum português compreende que haja eleições para os órgãos autárquicos e que passados 15 dias a freguesia pertença a outro concelho. Anedótico não deixa de ser este filme!
Como podia o Presidente da Junta de Freguesia de Vale de Amoreira ter assento na Assembleia Municipal do Concelho para o qual não votou qualquer projecto político?
Como disse um jornalista, Vale de Amoreira tornava-se assim a «terra de ninguém nas eleições autárquicas». Os candidatos da Guarda não podiam prometer em Vale de Amoreira aquilo que já não iam, nem podiam, dar. Por sua vez, os candidatos de Manteigas não podiam ir a Vale de Amoreira esclarecer ou fazer campanha política, porque a freguesia não pertencia ao seu concelho. Desta forma, é bem verdade o que disse o jornalista: é de facto uma «terra de ninguém».
Acresce, ainda, que os órgãos autárquicos eleitos já nem sequer tomariam posse no concelho da Guarda. O Governo e o Partido Socialista, ao pretenderem que Vale de Amoreira vote, ainda para nada e por nada, no concelho da Guarda, violentam os princípios democráticos, a vontade popularmente expressa e o querer das pessoas.
O Governo e o Partido Socialista devem andar distraídos com as frustrações das promessas adiadas de um Governo que se diz de paixões mas que esquece o interior.
A acontecer a votação no concelho da Guarda, seria no mínimo a anedota política mais bizarra depois da reforma de Mouzinho da Silveira.

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A acontecer a votação no concelho da Guarda, seria a chacota nacional, o gozo e o absurdo político.
A acontecer a votação no concelho da Guarda, seria a descredibilização da classe política e o desmascarar de uma política socialista do faz-de-conta num País sem Governo, virtual e também do faz-de-conta.
A acontecer a votação no concelho da Guarda, entraríamos para o Guiness, pelo cúmulo do disparate e da tontaria política.
Ou será que as deliberações e as notificações da Comissão Nacional de Eleições não são para cumprir? Ou será que, para este Governo, a Comissão Nacional de Eleições não passa de um órgão do faz-de-conta?
Uma coisa fica desde já clara: aqui está mais um exemplo da absoluta falta de respeito deste Governo pelas instituições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E quem não respeita corre sempre o risco de não ser respeitado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Social Democrata respeita a deliberação da Comissão Nacional de Eleições e, por isso, entende que Vale de Amoreira deve votar no concelho de Manteigas.
Em política, é preciso seriedade! Não é um jogo de cartas! É uma forma de se decidir o futuro no respeito pela democracia, com veracidade, e em consciência.
No respeito absoluto pela democracia, pelo direito de votar e eleger os seus representantes, o lapso das datas da lei deve ser corrigido.
No Partido Social Democrata, tudo faremos para que no mês de Dezembro de 2001 a freguesia de Vale de Amoreira vote de pleno direito no concelho de Manteigas, pelo povo de Vale de Amoreira que decidiu ser e sê-lo-á de certeza. É legítimo, e acima de tudo é justo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Santos.

O Sr. Carlos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Manso, confesso que não me surpreendeu a sua intervenção, hoje, nesta Câmara. Na realidade, já a esperava há uns dias, porque quando a Sr.ª Deputada fala de falta de respeito num processo político como este, sei perfeitamente o que a move.
Mas vamos aos factos e vamos fazer alguma história neste processo de Vale de Amoreira. Voltemos atrás.
Relativamente à afirmação da Sr.ª Deputada de que o Partido Socialista foi «a reboque», tenho a dizer-lhe que era clara e pública a posição do Partido Socialista relativamente à transferência da freguesia de Vale de Amoreira do concelho da Guarda para o concelho de Manteigas. E essa posição assentava na ideia seguinte: conhecida que fosse, de forma clara e inequívoca, a vontade da população de Vale de Amoreira, o Partido Socialista agiria em conformidade. Foi exactamente o que o Partido Socialista fez!
Conhecida que foi, de forma clara e inequívoca, a vontade do povo, através de um «referendo» que a população fez, o Partido Socialista, quer na Câmara Municipal da Guarda, quer na Assembleia Municipal da Guarda, quer nesta Assembleia da República, actuou de acordo com os compromissos assumidos para com as entidades de Vale de Amoreira, isto é, as entidades e as populações que algumas vezes foram reunidas para tomarem conhecimento da situação.
Sr.ª Deputada Ana Manso, o projecto de lei que foi aprovado nesta Assembleia diz no seu último artigo: «A transferência efectivar-se-á no dia 1 de Janeiro do ano seguinte ao da publicação da presente lei em Diário da República».
Sr.ª Deputada Ana Manso, não sei se a Comissão Nacional de Eleições tem ou não poderes para vir aqui dizer o contrário daquilo que diz o Ministério da Administração Interna ou qualquer outro ministério que queira tecer opinião sobre esta matéria. Não pode é o Partido Socialista ser culpabilizado, hoje, porque há uma campanha eleitoral. Porque foi isso que movimentou V. Ex.ª, foi isso que trouxe a Sr.ª Deputada Ana Manso a esta Casa, hoje, para fazer o discurso que fez, adjectivando os políticos - não só o Partido Socialista, mas os políticos de todos os quadrantes - com termos que, sinceramente, acho que não vêm ao caso e que ficam mal a quem os profere.
Sr.ª Deputada Ana Manso, quando VV. Ex.as definiram, no vosso projecto de lei, que o diploma produziria efeitos a partir do dia 1 de Janeiro do ano seguinte à sua publicação, terá sido por acaso?

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Não sabiam VV. Ex.as o que estavam a fazer? Eu sei o estavam a fazer.
Mais ainda: considero até que é perfeitamente natural e lógico que uma câmara municipal como a da Guarda queira receber da população de Vale de Amoreira a avaliação do trabalho deste mandato. Seguidamente, então, far-se-á a transferência.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, peço imensa desculpa. Demorarei apenas mais dois segundos.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada Ana Manso também devia saber que a transferência de Vale de Amoreira no meio de um ano económico e civil trará outros problemas, que V. Ex.ª provavelmente ainda não estudou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer as palavras do Sr. Deputado Carlos Santos, que já nos habituou a este tipo de linguagem - não há dúvida que é «chover no molhado».
De qualquer forma, gostaria de referir dois aspectos que deverão esclarecer o Sr. Deputado, uma vez que verifico que está completamente fora do processo.

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Em primeiro lugar, quero lembrar-lhe que o nosso projecto de lei deu entrada em 1999, e precisamente devido a preocupações, quer em termos de plano de acção, quer em termos de orçamento, dissemos que o diploma entraria em vigor no ano seguinte, isto é, no dia 1 de Janeiro de 2001. Por conseguinte, só pelo atraso em termos de tratamento na Assembleia da República é que esse prazo passou para 2002.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - E isso é grave!

Protestos do Deputado do PS Carlos Santos.

Acalme-se, Sr. Deputado!
Dizia eu que o grave é que o Sr. Deputado, tendo sido por nós abordado, verbalmente e por escrito, no dia 24 de Maio de 2001, tenha feito disto letra-morta e se tenha remetido à decisão do seu partido, que, penso, é dos «donos lá de cima», para estes lhe dizerem que não podia assinar esse projecto porque estava em causa o processo eleitoral de 2001.
Mas devo dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: penso que é preciso ter descaramento e hipocrisia política para, neste processo, vir referir, nesta Assembleia, que a questão não foi vista pelo PSD, quando ela foi por nós proposta ao Partido Socialista e foram vocês que não a aceitaram!
Mas eu compreendo perfeitamente que ao Partido Socialista este processo não dá jeito absolutamente nenhum! E não dá jeito porque não respeitaram a vontade expressa pela assembleia de freguesia de Vale de Amoreira em 1999, com antecedentes desde 1998. Portanto, aquilo que VV. Ex.as defendem, que as pessoas estão em primeiro lugar, é pura e simplesmente filosofia. O facto é que não respeitaram a vontade expressa.
Aliás, se o Sr. Deputado quiser, posso ler os pareceres enviados ao Presidente da Câmara Municipal de Manteigas pela Comissão Nacional de Eleições, tendo também sido enviada uma notificação, o que é muito mais importante.
No meio disto, apareceu o Governo do Partido Socialista a dar o dito por não dito e a dizer que isto que não é possível. Eu sei que não lhes dá jeito nenhum, porque sei que várias vezes foi a Vale de Amoreira instigar o contrário. Mas, Sr. Deputado, estamos em democracia e, acima de tudo, penso que o direito que assiste às pessoas de expressarem livremente os seus interesses deveria ser respeitado pelo Partido Socialista.
Em vez de respeitarem as manifestações expressas em referendo, em plebiscito, pela Assembleia de Freguesia de Vale de Amoreira, o que é que vocês fizeram? Fizeram delas letra-morta. Mais: tentaram arranjar um «jogo do empurra» com a Comissão Nacional de Eleições.
A questão que gostaria de deixar nesta Câmara é se as deliberações da Comissão Nacional de Eleições têm ou não força de lei, para que a população de Vale de Amoreira saiba neste momento onde é que vai votar. Se vai votar em Manteigas, como de facto pensam e querem os residentes de Vale de Amoreira, ou se vai fazer a vontade ao Governo e ao Partido Socialista, que, desrespeitando as deliberações da Comissão Nacional de Eleições, fizeram tábua rasa dessa vontade e não rectificaram o mapa eleitoral.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Santos (PS): - Para prestar um esclarecimento à Câmara, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode ser, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Santos (PS): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas é que a Sr.ª Deputada Ana Manso…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já disse que não pode fazê-lo. Além disso, estamos com uma agenda carregadíssima, pelo que a tolerância hoje tem de ser muito estrita.

O Sr. Carlos Santos (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para tratamento de assunto politicamente relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo poder partir do princípio de que estamos todos de acordo no diagnóstico que neste momento se impõe fazer: estamos a viver um grave momento que tem consequências a todos os níveis, neles se incluindo a situação da economia do nosso país.
Até agora, parecia haver consenso quanto à natureza dos fenómenos que perpassavam nas diversas economias, quer a americana quer a dos países comunitários: estávamos a atravessar uma fase da abrandamento e de estagnação no ciclo económico.
É certo que aceitamos que para realidades e circunstâncias inesperadas e extraordinárias são necessárias medidas especiais que exigem coragem, determinação, competência e capacidade de agir.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Então, não pode ser com este Governo!

A Oradora: - Mas antes disso importa sublinhar, com a legitimidade de quem sempre criticou e apresentou alternativas, que é o Governo português quem, no momento presente, tem mais responsabilidades na situação a que chegámos e com a qual nos defrontamos.
O que andou o Governo a fazer nos últimos seis anos? A fazer de cigarra, na velha história de todos nós conhecida: «A formiga e a cigarra».
Em tempo de expansão e de crescimento, em vez de poupar, de reformar, de racionalizar a despesa, de eliminar o desperdício, deixou pura e simplesmente andar…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

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A Oradora: - Não sou só eu que o digo. Basta atentar nos números divulgados pelas mais credíveis instituições, de entre elas o Banco de Portugal, que acentua a derrapagem crescente, por exemplo, no aumento da despesa pública primária
Esta tendência não foi minimamente contrariada pelos dados mais recentes, ainda que o Sr. Ministro das Finanças continue a sustentar que vai cumprir o plano de redução da despesa pública, na parte em que no mesmo fixa um tecto de redução de 4% para as despesas correntes primárias.
Apetece perguntar: Quem acredita nesta afirmação, se quem a faz é a mesma pessoa que ainda há cerca de três semanas também sustentava que Portugal iria cumprir o critério do défice de 1% definido no Plano de Estabilidade e Crescimento?
Aí estão, por consequência, as dificuldades emergentes da incapacidade do Governo de fazer o que lhe competia, ou seja, proceder a uma profunda reforma da Administração Pública, com o objectivo de gastar menos, gastar melhor e prestar bons serviços.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Responsabilizo o Governo pelo «desnorte» e pela incapacidade que demonstrou face à situação de abrandamento económico que caracterizou as economias comunitárias nos últimos tempos.
Todos nos lembramos das previsões de crescimento, inflação e défice apontadas pelo Governo e que serviram de base à elaboração do orçamento. Desde essa altura, e até ao momento, temos assistido a um espectáculo verdadeiramente indecoroso. Sucederam-se as confirmações dos dados apresentados, para de imediato serem os mesmos revistos em função de outros apresentados por outro tipo de instituições comunitárias e nacionais.
Parecia o tiro ao alvo, só que nunca acertaram no alvo!
Basta apenas recordar que, mesmo com as previsões do orçamento rectificativo no domínio da arrecadação da receita, os dados mais recentes da respectiva execução já significam um buraco da ordem dos 150 milhões de contos. É obra!
Responsabilizo também o Governo pela legislação fiscal que fez aprovar e cujas consequências vão repercutir-se inevitavelmente no domínio da economia, das famílias e das pessoas em geral.
Quanto era necessário encontrar soluções para combater a estagnação e o abrandamento, o Governo fez aprovar legislação complexa, burocrática e gravosa para o tecido social, empresarial e económico.
O Governo alheou-se da necessidade de ter legislação competitiva e embrulhou todo este pacote em fraseologia oca e sem sentido - o combate à fraude e à evasão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este combate não se faz falando, faz-se agindo!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Onde está, por exemplo, a legislação relativa à regulamentação da aplicação dos preços de transferência no domínio da tributação das sociedades multinacionais? Onde está a legislação relativa à clarificação da imputação dos custos, no domínio da tributação, por exemplo, das instituições financeiras? Não está em lado nenhum! Não a encontramos em lado algum!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reconheço, já o disse, que a situação se agravou. Mais do que de abrandamento fala-se já, hoje, da possibilidade de uma recessão económica. É muito complicado para a economia, para as famílias e para todos nós.
É necessário, por consequência, dar resposta urgente, ser ousado e ser capaz de ser criativo na resolução desta situação. Não sei se o Governo é capaz de o fazer. A história dos últimos seis anos que já leva de desgoverno não nos dá nenhumas garantias.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso e porque o CDS-PP sempre criticou mas sempre apresentou alternativas, não deixaremos de o fazer aqui e agora.

Aplausos do CDS-PP.

É preciso, em primeiro lugar, «emagrecer» o Estado, racionalizar os serviços e reduzir a despesa. Não sei porque esperam para fazer a reforma da Administração Pública! Não sei porque esperam para extinguir institutos públicos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Não sei porque esperam para fazer uma cronologia e uma identificação das empresas municipais e proceder, em consequência e quando for caso disso, à respectiva extinção.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Não compreendo porque esperam para aplicar o regime do contrato individual de trabalho à função pública. Não compreendo do que estão à espera para estabelecer um programa de restrições no recrutamento dos funcionários públicos. Não sei de que é que estão à espera para introduzir critérios de gestão financeira dos recursos humanos e financeiros. Não compreendo por que é que o termo «competitividade» na Administração Pública continua a parecer-se com um extraterrestre na cidade de Lisboa! Isso é incompreensível!
O CDS-Partido Popular propõe, em conformidade, a adopção destas medidas, que nos parecem, aliás, rigorosas, sérias e susceptíveis de serem aplicadas.
Por outro lado, também neste domínio, temos para nós que o Estado se deve remeter apenas ao papel de regulador da actividade económica, prescindindo, porque o faz mal, do seu papel interventor.
Sabemos, todos o sabemos, que, do ponto de vista económico, o Governo já não dispõe de poderes na área da política monetária, mas continua a dispor de poderes na área da política fiscal. É o que propomos que o Governo faça, é aquilo que entendemos que deve fazer. E, deixem-me dizer-lhes, nem sequer é preciso muita imaginação,

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basta apenas copiar. E não é preciso ir muito longe, basta ir aqui ao lado, à vizinha Espanha! É preciso apenas um pouco mais de ousadia e agressividade, porque a nossa economia é mais periférica, é mais débil e está em piores condições do que a economia espanhola.
Por isso, neste sentido e neste domínio, o CDS propõe as seguintes principais medidas: revogação da tributação das mais-valias de acções, eliminando deste modo um entrave que, não sendo o único, pode ter efeitos positivos no mercado;…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - … revogação do regime da tributação incidente sobre as mais-valias realizadas através da alienação de activos das empresas, nelas se incluindo as sociedades gestoras de participações sociais; diminuição da taxa de IRC para 25% a partir do próximo período de tributação; aplicação efectiva, através da legislação complementar que ainda não está elaborada, de taxas reduzidas de, respectivamente, 10% e 15% para as pequenas e médias empresas, em razão, nomeadamente, da sua localização geográfica; criação de incentivos fiscais, designadamente através de isenções e/ou deduções para as empresas que invistam em activos destinados à investigação, desenvolvimento e inovação tecnológica;…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - … aumento significativo de prazos para efeitos de compensação ou reporte dos prejuízos nas empresas; flexibilização das regras legais de provisões constituídas para créditos de cobrança duvidosa; diminuição efectiva do IRS, através da actualização dos escalões, bem como da criação de um mínimo de existência pessoal e familiar; finalmente, cumprimento da promessa do Sr. Primeiro-Ministro António Guterres, há seis anos, ou seja, abolição imediata da sisa e do imposto sucessório.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os senhores passaram um ano a negar a crise que criaram. Agora, passaram o último mês a desculpar-se com a crise dos outros. Eu proponho-vos um caminho mais sério e eficaz: um choque fiscal para recuperar a confiança da economia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Governo, ao abrigo do artigo 83.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia da República, requereu o direito de intervir no período de antes da ordem do dia, através do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo aprovou hoje a proposta de lei que estabelece os objectivos e princípios orientadores da política nacional de prevenção primária do consumo de drogas e das toxicodependências. Entrará ainda hoje nesta Câmara e será, seguramente, discutida logo que houver oportunidade.
Gostaríamos que a discussão da proposta do Governo e de projectos já existentes ou que surjam - e será, obviamente, desejável que isso suceda - fosse um momento de reconfirmação de consensos básicos na sociedade e nas forças políticas sobre os termos essenciais da política da droga.
Creio que ultrapassámos a fase em que a prevenção primária era baseada no susto. Recordam-se, seguramente, do slogan «Droga/Loucura/Morte» ou da mensagem esgotada «Diz não à droga» ou da campanha voluntarista e ingénua de informação catedrática sobre os perigos do consumo da droga. Sabemos hoje, e estamos disponíveis para o assumir em toda a dimensão, que uma política de prevenção primária eficaz deve ser interactiva e orientada para a criação de conhecimento mas também de resistências, de auto-estima, da capacidade de dizer não aos próprios pares, do gosto pela vida saudável, de alternativas, de vontade de realização pessoal. Sabemos que cada grupo requer uma abordagem, mensagem e acção próprias. Temos condições para identificar com rigor os diferentes grupos-alvo.
Beneficiamos, além disso, da existência de massa crítica na sociedade civil, algo que tem vindo a ser criado e que é vital. O lançamento do Programa Quadro Prevenir I, em 1997, o primeiro programa de grande dimensão de apoio a projectos de prevenção primária lançados por estruturas da sociedade civil, representou mais do que um investimento massivo nesta área tradicionalmente abandonada, não obstante o aparente consenso, ou seja, representou um investimento de cerca de 8 milhões de euros (1,6 milhões de contos). Mas o Programa Quadro Prevenir I representou também o pretexto ou o estímulo para a reorientação de muitas entidades da sociedade civil para esta área, normalmente fora do seu círculo de actividades e saberes.
Hoje, há, inclusive, uma federação de instituições sociais afectas à prevenção das toxicodependências, a FPAT, que concluiu recentemente o seu processo de instituição.
O Governo proporá à Assembleia da República que a prevenção primária seja planeada e executada sistematicamente e não de modo pontual e casuístico; preparada por quem está mais perto dos cidadãos - autarquias e organizações comunitárias -, nos termos de uma estratégia de proximidade; feita por pessoas com preparação adequada; direccionada a grupos especificamente delimitados; financiada, em boa parte, pelo Estado e pelos restantes poderes públicos, mas executada por organizações da sociedade civil; financiada de modo transparente, com recurso a meios de contratação acessíveis a todos; objecto de acções com duração e sustentabilidade garantida; coordenada e articulada, evitando duplicações e desperdícios de recursos; avaliada e corrigida de acordo com a avaliação; e tarefa de toda a comunidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A aprovação do regime geral de prevenção primária será uma peça fundamental na concretização do objectivo de que os anos 2002 e 2003 sejam anos em que a prevenção primária se assuma como a grande prioridade da política da droga e da toxicodependência.

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A nossa estratégia tem sido a aposta simultânea nas várias vertentes ou valências do combate à droga e à toxicodependência, mas, sucessivamente, temos definido áreas de prioridade momentaneamente superiores.
Até há pouco, demos grande prioridade ao tratamento. Continuamos, obviamente, a dar grande importância ao tratamento, mas já temos, hoje, uma estrutura de tratamento consolidada que se continuará a reforçar em quantidade e qualidade. São últimas manifestações desse esforço a abertura do CAT da Figueira da Foz no início deste mês e a abertura próxima do novo CAT de Santa Maria da Feira.
Nos últimos dois anos, atribuímos grande relevo à descriminalização do consumo. A lei respectiva está em vigor com naturalidade, as Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência fazem o seu trabalho desde 2 de Julho de 2001.
Insistimos também nas políticas de redução de riscos. Lançámos já as bases essenciais para generalizar essas políticas, cujo próximo passo será a criação de uma rede de equipas de rua que cubra todo o País. Aliás, foi recentemente lançado um concurso público - é a primeira vez que se utiliza esse processo de contratação para este tipo de serviços -, o qual visa, justamente, criar essa rede de equipas de rua em todo o território nacional. Para além disso, está já neste momento em curso o novo projecto da Curraleira.
Agora, chegará a vez da prevenção primária.
Já este ano assinaremos protocolos com autarquias de todos os distritos para o lançamento de programas locais de prevenção primária. Mas a parceria com as autarquias, por enquanto ainda esporádica, deve tornar-se regra. Para isso, necessitamos de lei da Assembleia da República, uma vez que, neste momento, as autarquias que aceitam as parcerias o fazem sem qualquer injunção legal.
Com a lei da Assembleia da República conseguiremos que, entre 2002 e 2003, a maior parte dos concelhos deste País tenham planos locais de prevenção primária, formando uma rede apertada. Boa parte dos nossos recursos, novos ou libertos, serão para aí encaminhados.
Ainda este ano, lançaremos o Programa Quadro Prevenir II, reorientado para projectos de âmbito nacional ou que não se contenham na filosofia própria dos planos locais de prevenção primária.
Intensificaremos as campanhas em certos espaços e ambientes onde poderá haver consumo, sobretudo nos espaços de diversão e lazer, onde começam a entrar as drogas sintéticas.
No âmbito escolar, desde o básico até ao superior, um grupo composto por especialistas das várias áreas, em representação da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério da Educação, está já a preparar um conjunto de iniciativas. Teremos novas acções concretas em breve, as quais acrescerão àquelas que já estão no terreno.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é uma área onde temos muito que fazer mas onde há vontade política e haverá recursos para o fazer. É uma área onde nem sempre há resultados visíveis, mas é absolutamente essencial intensificarmos a nossa aposta. O Governo gostaria, seguramente, de beneficiar do apoio desta Câmara na intensificação do investimento nesta área.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Freitas.

O Sr. Nuno Freitas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para o sétimo ano de vida de Governo do Eng.º Guterres, quanto às políticas relativas às toxicodependências, descobrimos agora a prevenção. No primeiro ano, esquecemos; no segundo ano, obnubilámos; no terceiro ano, passámos ao lado; no quarto ano, disfarçámos; no quinto ano, redefinimos; no sexto ano, lateralizámos, com a redução de riscos; no sétimo ano, vamos fazer prevenção primária quanto às toxicodependências.
Sr. Secretário de Estado, permita-me que comece por fazer esta primeira observação: em todos os documentos oficiais, a prevenção primária, talvez até induzido pelo nome, vem em primeiro lugar; para o Governo, a prevenção primária vem em segundo lugar, em terceiro lugar ou até em sétimo, se olharmos, cronologicamente, para o tempo do Governo.
Aquilo que dissemos desde sempre foi que a prevenção primária é essencial. Tudo começa aí e aí tudo está por fazer! E tanto está por fazer que aprovámos uma revisão curricular que está a ter início neste ano lectivo, nas escolas básicas e, depois, nas escolas do ensino secundário, e onde não há conteúdos para discutir, para dar nova orientação aos currículos das escolas, quanto ao tratamento e aos malefícios das drogas.
Trata-se, agora, de uma tomada de posição interessante e, seguramente, consensual. Aliás, de consenso tem beneficiado o Governo. O consenso sobre princípios, sobre orientações gerais, designadamente quando utilizamos os verbos reforçar, reduzir, definir, promover, assegurar, incluir e habilitar, é sempre possível. O que já não é possível consensualizar na Assembleia da República e, seguramente, também, um pouco, por aí fora, em toda a sociedade, são os resultados. É que, além das intenções, temos de consensualizar resultados! Temos, de facto, de chegar a políticas e a programas! Agora aparecem mais 30 novos programas em relação à prevenção primária, mas temos de os executar na prática, temos de convencer as pessoas, de as agregar, de criar um período de discussão pública, de poder dizer que as ONG vão participar.
Como refere o diploma que teremos oportunidade de discutir com detalhe, vamos ter novas iniciativas, vamos ter concurso sempre que possível, vamos ter programas locais - de que as autarquias, por sinal, desconfiam -, vamos ter uma série de novas intenções e de novos programas para prevenção primária. Mas vamos a resultados, Sr. Secretário de Estado! E estamos mal quanto a resultados.
A redução de riscos foi mal promovida, foi promovida a destempo, foi promovida antes de termos uma prevenção primária no terreno e agora talvez venhamos a sofrer alguns problemas com isso.
Em todo o caso, cá estamos. Aqui tem o PSD para discutir prevenção primária, para discutir o meio escolar, para discutir os espaços de lazer. Aliás, a este propósito, quero dizer-lhe que, segundo os dados que vamos tendo, mais ou menos oficiosos, há, neste momento, um problema nos espaços de lazer: o consumo de água aumentou brutalmente, dizendo-se até que tal tem a ver com as novas

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medidas sobre o álcool. Aparentemente, isso parece benéfico, mas não é benéfico, porque estamos com um problema grave de drogas sintéticas em Portugal e vamos ter os seus reflexos daqui a muito pouco tempo.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, prevenção primária, quando vemos o que se passa nas nossas prisões, quando vemos que não conseguimos, simplesmente, cumprir a lei que já existe quanto aos núcleos médicos e às alas livres de drogas, quando sabemos que alguns presos entram não toxicodependentes e saem heroínodependentes? Tudo isto é prevenção primária que, de facto, está completamente por fazer em Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas deixe-me dizer-lhe que, se for ver iniciativas do PSD nos Orçamentos do Estado para 2000 e 2001, vai ver alterações, quer ao de um ano, quer ao do outro, onde se propõem novas verbas para a prevenção primária escolar.
Por isso, quando pede agora ao PSD que consensualize o reforço de 150% no Orçamento, digo-lhe que ele está dado, Sr. Secretário de Estado. Está no Orçamento do Estado para 2000 e no Orçamento do Estado para 2001! Está nos discursos do nosso partido e do nosso grupo parlamentar, não só nesta Legislatura mas na Legislatura passada!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tem de o pedir é ao Grupo Parlamentar do PS!

O Orador: - Aqui estamos nós, prontos para consensualizar tudo isto, Sr. Secretário de Estado!
No entanto, quero dizer-lhe que desconfiamos que, com mais este programa, com mais este plano, com mais este diploma, se passem mais uns meses - provavelmente, no próximo ano, aparece mais um plano e um programa - e, como VV. Ex.as já só têm dois anos de vida no Governo, vamos passar oito anos sem que, de facto, existam medidas concretas. Temos verbos - definir, reduzir, reforçar e promover -, mas não temos menos jovens propensos a comportamentos não saudáveis, como diz, e temos, sobretudo, mais jovens com problemas de toxicodependência em Portugal, como, aliás, o Observatório Europeu tem vindo a demonstrar.
Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, ficámos esclarecidos que o Governo percebeu agora que, de facto, tem de se ter uma política de prevenção primária. Obrigado por ter percebido isso, mas o nosso ponto de vista já vem de há muito, é longo e, como é óbvio, na análise deste diploma, obterá o contributo construtivo da bancada do PSD e de todo o partido.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: É bem-vinda a proposta que o Governo faz de uma nova discussão que, na sequência do impulso que foi dado pela descriminalização do consumo de drogas, aprovada nesta Assembleia, permita continuar esta preocupação subjacente ao combate à toxicodependência e ao tratamento dos toxicodependentes.
É certo, e bem o sabemos, que houve uma divisão política estabelecida nesta Assembleia. Talvez seja agora o momento de repensar essa divisão, de se verificarem os aspectos fundamentais dessa legislação e de os desenvolver com novas medidas.
Quero, no entanto, Sr. Secretário de Estado, no limite desta curta intervenção, suscitar-lhe dois problemas concretos.
Em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado disse-nos, na sua intervenção, que a estrutura de tratamento está consolidada e que, portanto, se pode passar a uma segunda prioridade, que é a do tratamento primário. Na minha bancada, temos a opinião de que o tratamento primário é sempre prioritário, mas reservamo-nos também quanto à apreciação de que esteja completa a estrutura de tratamento.
Na verdade, temos uma estrutura heterogénea de tratamento, que inclui múltiplas associações e organizações de cariz mais confessional do que terapêutico e cuja qualidade de tratamento não é nem de longe nem de perto assegurada. Portanto, desse ponto de vista, discordo da sua intervenção.
O segundo, e último, aspecto que quero suscitar é o que diz respeito ao conceito da prevenção. É que, do nosso ponto de vista, a prevenção deve actuar na oferta como na procura, na informação como na comunicação e não se trata somente de receber ou de intervir no âmbito geral de circulação de opiniões mas, pelo contrário, de dotar a política contra a toxicodependência de uma coerência global que lhe permita ser sustentada no apoio a qualquer pessoa que seja confrontada com a toxicodependência, a qualquer nível em que este confronto se situe.
Por isso, Sr. Secretário de Estado, quero perguntar-lhe se nos acompanha na ideia de que essa política de prevenção deve ser a continuidade que dê à política de combate à toxicodependência uma coerência global.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros vem aqui hoje sob o signo da prevenção e do controle, e é uma boa altura, porque vem falar-nos de prevenção, de toxicodependência e de drogas, quando o caminho do Governo é o da descriminalização das drogas, e, ao mesmo tempo, relativamente à taxa de alcoolémia no sangue muda-se o limite legal de 0,5% para 0,2 g.
Não vou discutir o que está subjacente a esta política, vou perguntar-lhe, em nome da prevenção e do controle, se V. Ex.ª e o seu Governo estão hoje em condições de apanhar nas malhas do controle um condutor que só bebeu água mas que, por acaso, ingeriu uma droga sintética, que apresenta um grau de perigosidade muito superior, ilimitadamente superior, àqueloutro que é apanhado com

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0,4 0,5 ou 0,8 g/litro e que sopra no balão e acusa grau de alcoolémia superior ao permitido. É que há aqui dois sinais completamente contraditórios: um, aquele que é dado para quem bebe dois copos de vinho ou duas cervejas; outro, aquele que é dado para quem consome cada vez mais drogas sintéticas, que, associadas à água, não são apanhadas na taxa de alcoolémia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros vem hoje falar da prevenção primária, mas eu gostaria de dizer que assumimos essa prevenção como uma parte integrante da política do Governo em relação à toxicodependência, porque, para nós, não faz sentido que esta não seja uma componente estruturante, não fosse a prevenção um princípio tão caro aos ecologistas.
Mas há, seguramente, uma questão concreta sobre a qual gostaria que o Sr. Secretário de Estado se pronunciasse. Falou do espaço escolar e do espaço de lazer como dois universos em relação aos quais a preocupação do Governo deve incidir. Estamos inteiramente de acordo com isso. Há, em todo o caso, um espaço cuja situação é particularmente grave, que é o das prisões. Aliás, há poucos dias, um recluso em Custóias morreu por overdose, o que significa que a questão do consumo de drogas nas prisões é preocupante, que há que tomar medidas e que não pode ser escamoteado o facto de um número extremamente significativo de pessoas ter o primeiro contacto com o consumo de droga no espaço prisional, o qual não está a ser acautelado nem, tão-pouco, a ser cumprida a lei de prevenção de doenças infecto-contagiosas, que, por unanimidade, foi aprovada na Assembleia da República.
Portanto, a situação é grave, o diagnóstico é, a nosso ver, excessivamente preocupante para que este espaço não seja uma das preocupações do Governo, o que, lamentavelmente, não ouvimos no seu discurso.
Por último, Sr. Secretário de Estado, gostava de saber se, em relação ao espaço laboral, não existe também qualquer medida concreta pensada, sendo certo que o consumo de drogas se inicia hoje em grupos etários diferentes e que também aqui há que agir.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por dizer que é bem vinda esta proposta de lei, na medida em que se impõe que esta Assembleia aprove uma lei de enquadramento da prevenção primária das toxicodependências. E é bem vinda também para ser discutida conjuntamente com um projecto de lei relativo a esta matéria que já foi apresentado, há muito tempo, nesta Assembleia pelo Grupo Parlamentar do PCP e que aguarda oportunidade para ser discutido. Agora, com a apresentação desta proposta de lei, passam a existir duas iniciativas legislativas sobre esta matéria, pelo que esperamos que, logo que possível, esta Assembleia encontre o momento adequado para proceder a essa discussão, na medida em que tarda muito a existência de uma lei que, de facto, enquadre o trabalho de prevenção da toxicodependência, que é manifestamente necessário.
O Governo procedeu a uma discussão pública acerca de uma anteproposta de lei que editou e fez circular, a qual terminou em 10 de Agosto, segundo a data que foi determinada. Já passaram dois meses sobre o fim do período de discussão pública e creio que seria interessante aproveitar este momento em que o Governo aqui vem anunciar a apresentação formal da proposta de lei para se fazer algum balanço sobre essa discussão pública. Ainda não tivemos oportunidade de confrontar o texto agora anunciado com o texto que foi publicado para discussão, mas seria importante ter algum eco quer da dimensão da discussão que foi feita quer do conteúdo dessa mesma discussão e das ilações que o Governo retirou dela.
É uma evidência para nós, e de há muito que o temos vindo a dizer, que a prevenção primária, em Portugal, tem assentado num conjunto de acções, na sua maioria publicitárias, descoordenadas e não avaliadas. Aliás, esta crítica, que fazíamos ainda antes dos ventos do Partido Socialista, que já fazíamos aos governos do PSD, à actuação do Projecto Vida, ao longo de vários anos, coincide, em larga medida, com o diagnóstico muito severo das acções de prevenção primária que foi feito pela Comissão Nacional de Estratégia para o Combate à Droga.
Aquilo que se estranha é que, desde esse relatório, tenha passado tanto tempo até que o Governo tenha, finalmente, vindo apresentar uma proposta de lei relativamente a esta matéria.
Mas existe uma questão nesta proposta de lei - e este aspecto já constava, negativamente, do nosso ponto de vista, do texto que foi posto a discussão -, é que o Governo adopta aquela posição de se querer erigir em agência financiadora e em agência controladora daquilo que os outros fazem. Isto é, estabelecem-se competências para as autarquias, para as IPSS, para as associações e para a sociedade civil em geral, mas o Governo, para si próprio, não estabelece competências; a única competência que estabelece é aprovar o que os outros hão-de fazer e funcionar como agência financiadora. Convenhamos, Sr. Secretário de Estado, que é muito pouco para as responsabilidades que o Governo deve assumir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Sobral.

O Sr. João Sobral (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de começar esta intervenção referindo o enorme caminho que os governos do Partido Socialista têm feito na área da prevenção e do combate à toxicodependência. Em 1995 - lembro-me bem! -, «inventaram-se» 18 CAT por esse país, sem funcionários, sem recursos humanos e sem financiamento. Isto só para referir que, de facto, se o caminho não está todo feito, muito tem sido aquele que temos conseguido percorrer em conjunto.

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Naturalmente que, numa questão como a da droga e a da toxicodependência, a forte base humanista que reconhecemos que existe no nosso país permite que, neste momento, a sociedade encare este fenómeno como uma das questões sociais mais relevantes, senão a mais relevante. Pensamos que, acerca desta questão, tem sido possível criar um consenso que importa realçar nesta Câmara. Porque sabemos que estamos a falar de doentes e de questões sociais, temos conseguido criar os consensos, naturalmente divergindo em alguns pontos, e este é um caminho que nos apraz registar.
Não embarcamos, por isso, em posições derrotistas; não alinhamos com quem procura criar o pânico e, no fundo, com quem pretende esquecer que tem o fenómeno dentro de portas e que esta questão diz respeito à debilidade de todos nós, à debilidade da nossa sociedade.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Srs. Deputados: Em 1999, foi definida e aprovada uma estratégia nacional e houve capacidade e determinação política para criar uma rede de apoio e tratamento e, neste momento, todos nós temos a percepção de que a apreciação deste fenómeno por parte da sociedade é absolutamente pacífica, o que nos tem permitido trabalhar com alguma calma e segurança nestas matérias.
A seguir a esta estratégia nacional, foi aprovado um plano de prevenção e redução de riscos; as comissões de dissuasão estão a funcionar e o tratamento nem sequer é comparável com o que poderíamos referir há cinco ou seis anos atrás, porque houve um aumento de consultas, dos CAT e das comunidades terapêuticas, estas últimas exponencialmente.
Neste momento, com a apresentação desta proposta de lei, vimos dar tónica a algo que, para nós, naturalmente, é fundamental: uma estratégia de prevenção primária baseada nas realidades locais, nos concelhos e nas capacidades locais. Pensamos que, de facto, dessa maneira, conseguiremos actuar mais precoce e activamente na prevenção dos fenómenos da droga e da toxicodependência.
Há, no entanto, uma ou duas questões que quero deixar ao Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: sendo certo que a necessidade de conhecer a percepção do fenómeno em Portugal é uma questão fundamental - e acerca disto o próprio Observatório Europeu refere que, de facto, não há uniformidade no modo de colheita de dados, e sabemos que apenas podemos comparar aquilo que é comparável e só se pode avaliar pública e politicamente estas matérias se conhecermos, o mais concretamente possível, este fenómeno -, quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado se se prevê para breve a apresentação dos estudos de prevalência nacionais, nomeadamente em meio prisional, que foram entregues a instituições universitárias de reconhecido mérito e competência, porque pensamos que essa será uma base de trabalho fundamental para todos os que nos preocupamos e que queremos cooperar e avaliar, naturalmente, as políticas de combate à toxicodependência e os seus resultados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, serei muito breve, porque sobre prevenção primária estamos entendidos. Para nós, tudo bem! Mas, mais do que isso, mais do que prevenção primária, dizemos que o que seria necessário - e aí já temos dúvidas quanto ao estarmos de acordo - era uma verdadeira cultura de rejeição da droga, que tem faltado no nosso país.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Pergunto ao Sr. Secretário de Estado, que tem sido um jurista e um autor vanguardista nestas propostas e no desenvolvimento de uma política em relação à droga, quais são os resultados desse mesmo vanguardismo.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Pergunta difícil!

O Orador: - E talvez começasse por lhe perguntar, já agora e a propósito, o que é que aconteceu às célebres «salas de chuto». Parece que V. Ex.ª ou o seu Governo terá dado um chuto nessas mesmas salas e eu ainda não percebi porquê, porque as «salas de chuto» podiam até ser úteis. Penso, no entanto, que os senhores se aperceberam de que as populações dos locais que tinham escolhido para a sua implantação lhes dariam rapidamente um chuto, se os senhores tivessem tentado avançar com essa medida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado é tempo é de o senhor começar a apresentar resultados e a dizer-nos quantos toxicodependentes foram recuperados e quantas multas foram aplicadas. Ou está tudo como dantes, com os menores a continuarem a drogar-se sem se fazer rigorosamente nada, como era até agora?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do período de intervenções dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, para responder às questões que foram levantadas, se assim o entender.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não irei, obviamente, entrar na discussão concreta da proposta de lei, uma vez que ela já deu entrada na Câmara e será discutida em tempo oportuno, mas quero referir-me a alguns aspectos mais genéricos da nossa política relativa à droga e à toxicodependência, nomeadamente aqueles que dizem respeito à prevenção primária.
O Sr. Deputado Nuno Freitas, do PSD, fez aqui uma profissão de fé no consensualismo e na sua disponibilidade para entrar em consenso com o Governo e com as outras

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forças políticas nesta área, o que, mais uma vez, registo, mas, depois, procurou iludir ou confundir aquilo que eu disse. Eu não vim aqui dizer que o Governo vai iniciar agora a política de prevenção primária; o que vim dizer foi que o Governo vai, dentro das várias áreas da política da droga e da toxicodependência, agora, dar prioridade a essa. E já deu prioridade a outras, no passado, porque teve de dar.
Teve de dar prioridade à política de tratamento, em certa altura, porque, quando iniciou funções, em 1995, havia estruturas de tratamento que poderiam dar apenas cerca de 133 000 consultas e, hoje em dia, estão a dar cerca de 350 000 consultas, e ainda não são suficientes.
Em 1995, não havia uma única comunidade terapêutica que estivesse a ser subvencionada pelo Estado; hoje, há 1225 camas que estão a ser subvencionadas pelo Estado. Havia cerca de 1000 pessoas em tratamento de substituição e hoje há quase 10 000 pessoas em tratamento de substituição. Ou seja, em 1995, havia uma situação de absoluta carência de meios de tratamento, a que tivemos de corresponder.
Depois, Sr. Deputado, quanto à questão da redução de riscos e danos, tínhamos, em 1995, uma política tímida de um programa de substituição de seringas. Não tínhamos metadona de baixo limiar; não tínhamos equipas de rua; não tínhamos o programa do Casal Ventoso;…

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Tínhamos, tínhamos!

O Orador: - … não tínhamos o programa na cidade do Porto; não tínhamos o programa na Curraleira. Mas tínhamos uma coisa, Sr. Deputado, que, infelizmente, ainda temos hoje: muitos toxicodependentes a morrer, a contaminar-se com o HIV, com tuberculose, etc., por não haver políticas de redução de riscos eficazes. Por isso, tivemos, a certa altura do nosso percurso no Governo, de dar prioridade a essa área. E houve outros problemas que tivemos de resolver.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Olhe que a SIDA não tem oito anos!

O Orador: - Agora, queremos dar prioridade à política da prevenção primária, uma vez que conseguimos criar estruturas noutras áreas que estão a funcionar e a consolidar-se.
Diz o Sr. Deputado Francisco Louçã que não considera que, na área do tratamento, haja consolidação. Eu considero que se criou uma base suficiente de trabalho e que, agora, é necessário melhorar na qualidade e na quantidade - e continuaremos a melhorar na qualidade e na quantidade.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, sobre as drogas sintéticas e a possibilidade de elas poderem ser rastreadas através de testes, tenho o gosto de informá-lo - e o Sr. Deputado também poderia sabê-lo, se lesse a lei - que, na revisão do Código da Estrada, se introduziu uma alteração que permite que haja rastreio e teste de drogas a condutores.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Mas quantas brigadas há?

O Orador: - Dantes, estava prevista apenas a necessidade de, havendo acidente, se fazer esse teste; agora, esse teste pode ser feito em qualquer altura. Portanto, Sr. Deputado, pode estar tranquilo em relação a isso, pois também aí evoluímos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Mas quantas brigadas?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Zero! Temos a lei e ficamos descansados!

O Orador: - Em relação às prisões, Sr.ª Deputada Isabel Castro, estamos obviamente de acordo em que é necessário criar uma política consistente. Mas, para isso, temos de saber exactamente o que existe ao nível das prisões. Nesse sentido, estamos a fazer um estudo, que estará pronto ainda este mês, na sua versão preliminar, e estará concluído em Novembro, na sua versão final. Depois, obviamente, haverá medidas quanto a esta área.
Está também previsto na lei hoje enviada a esta Câmara…

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Está tudo na lei! O que é preciso é papel!

O Orador: - … um conjunto de medidas para o espaço laboral, as quais teremos oportunidade de discutir na altura em que fizermos aqui essa apreciação.
Finalmente, Sr. Deputado João Sobral, quanto à questão dos estudos, o das cadeias estará pronto, como disse, entre este mês e o próximo, mas também os outros dois estudos, sobre prevalência nacional e consumos problemáticos, estarão prontos até ao final do ano.
Sr. Deputado António Filipe, quanto à questão dos resultados da discussão pública, creio que também teremos oportunidade de analisá-los em conjunto, nesta Câmara, quando a lei aqui for apreciada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora o período de antes da ordem do dia leve já duas horas de duração, ou seja, o tempo limite que ele poderia durar, alguns grupos parlamentares enfatizaram a necessidade de não deixarmos para mais tarde os cinco votos que há para discutir e votar. Parecendo muitos, no fundo, quatro deles reconduzem-se a um, porque são todos sobre o mesmo tema, ou seja, sobre o que se passou na prisão de Vale de Judeus. O outro é um apelo a que os trabalhadores não reincidam em formas de protesto contra o Estado de Direito, voto este originário do PSD.
Se estiverem de acordo, e não posso ir além disso, daria 1 minuto a cada grupo parlamentar para discutir o voto isolado e 2 minutos a cada grupo parlamentar para discutir, em conjunto, os outros quatro votos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, sobre o tempo atribuído para a discussão, estamos de acordo. Simplesmente, o que foi apresentado em relação à Marinha Grande não é exactamente o que o Sr. Presidente anunciou. Há um voto subscrito por Deputados de vários grupos parlamentares sobre essa matéria e uma proposta de alteração desse voto, que é aquela a que o Sr. Presidente se referiu, apresentada pelo PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não ponho em causa o que está a dizer e até tenho a ideia de que isso é assim. De qualquer modo, só me deram os quatro votos e não o voto único, mas vou pedi-lo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa de voltar a intervir, mas se o Sr. Presidente me der a palavra…

O Sr. Presidente: - Dou, sim, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, os quatro votos são sobre a situação nas prisões.

O Sr. Presidente: - Exacto.

O Orador: - E, depois, há um voto conjunto, de vários grupos parlamentares, sobre a situação das empresas da Marinha Grande e sobre o qual o PSD entregou uma proposta de alteração.

O Sr. Presidente: - Creio que esse é o voto n.º 162/VIII.
Então, nesse caso, Srs. Deputados, vamos discutir, primeiro e em conjunto, tendo cada grupo parlamentar 2 minutos para o efeito, os quatro votos sobre a situação nas prisões, mais concretamente na prisão de Vale de Judeus, a saber os votos n.os 161/VIII - De protesto contra os assassinatos ocorridos na prisão de Vale de Judeus (BE), 163/VIII - De protesto contra a violação do direito à vida nos estabelecimentos prisionais portugueses (CDS-PP), 164/VIII - De protesto pelas condições de saúde e insegurança nas prisões portuguesas (Os Verdes) e 165/VIII - Sobre a situação na prisão de Vale de Judeus (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, regista-se, no caso em apreço, um consenso alargado desta Câmara na condenação dos brutais assassinatos ocorridos numa cela da prisão de Vale de Judeus e, talvez mais do que isso, na expressão de uma preocupação relativamente à situação em geral nas prisões, quanto à inexistência de medidas que permitam separar os presos preventivos dos presos condenados, quanto à generalização da toxicodependência e das doenças infecto-contagiosas e quanto à sistemática falta de medidas que não têm dado resposta a esta situação.
Creio, por isso, que é de grande importância que a Assembleia possa exprimir, de uma forma unânime e convergente, como certamente o fará, a sua preocupação e que dela a Presidência faça eco junto do Ministério da Justiça e das instituições prisionais, em Portugal.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto que apresentámos tem, na sua origem, uma preocupação sobre a situação que se vive nas nossas prisões, quer relativamente ao clima de violência que acabou por traduzir-se, em Vale de Judeus, no assassinato de dois reclusos, quer em relação à situação mais geral, que também recentemente, em Custóias, se traduziu na morte por overdose de um dos detidos e na morte de outro em consequência da SIDA. Portanto, quer uma quer outra preocupação, apelam, em nosso entender, a uma reflexão da Assembleia sobre a situação grave, do ponto de vista de saúde, em que se encontram as nossas prisões, que não podem continuar a ser locais de doença e de morte. Eles confrontam a Assembleia com uma realidade, não exclusiva do sistema prisional português, que é a circulação e o consumo de drogas, e ainda nos exigem uma reflexão em torno de um aspecto preocupante, que é o avolumar da tensão, da violência e da criminalidade dentro das prisões.
Portanto, é nestes termos que, parece-nos, a Assembleia deve posicionar-se e apelar ao Governo para que tome medidas no sentido de equacionar todos estes problemas, que, manifestamente, são preocupantes e não devem manter-se.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Dias Baptista.

O Sr. António Dias Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS apresentou um voto sobre esta matéria exactamente porque esta é uma questão que muito preocupa o PS. E preocupa porque entendemos que a Assembleia da República deve prestar toda a atenção àquilo que tem vindo a ocorrer no nosso sistema prisional, muito especialmente em Vale de Judeus, com os acontecimentos que levaram à morte de dois reclusos, situação que obviamente muito lamentamos.
Porém, não podíamos deixar de registar aqui algumas situações muito importantes. Primeiro, o facto de, através do Ministério da Justiça, ter sido, de imediato, dada ordem para se desencadear um processo de investigação; segundo, o facto de o Sr. Procurador-Geral da República ter decidido atribuir ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) a instauração de um inquérito crime, que, obviamente, será o meio competente e adequado para proporcionar informação mais completa e cabal sobre tudo o que aconteceu na prisão de Vale de Judeus.
Também gostaríamos de referenciar e destacar aqui o facto de a Assembleia da República, através da 1.ª Comissão, já ter decidido solicitar ao Governo informação detalhada sobre, por um lado, aquilo que está acontecer no que respeita a todo o nosso sistema prisional e, por outro, aquilo que certamente vamos esperar de investimentos e de reforço, em termos de segurança e também em termos dos necessários meios humanos para fazer frente a esta situação.
Para o Grupo Parlamentar do PS esta é uma situação que merece a máxima atenção e responsabilidade, pelo que

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manifestamos o nosso escrupuloso e total empenhamento em que sejam apurados e esclarecidos todos os factos.
Por outro lado, entendemos o sistema prisional como um sistema que nos merece o máximo respeito, as máximas garantias, e que certamente irá dar resposta ao momento grave que estamos a viver actualmente nas nossas prisões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero só dizer duas palavras sobre esta matéria. Começo por referir que não há, da parte do PSD, intenção de fazer qualquer demagogia em relação a esta situação que, infelizmente, aconteceu. No entanto, queríamos produzir duas ou três considerações sobre os votos em apreciação.
Genericamente, concordamos com os votos aqui apresentados. Julgamos, devo dizê-lo, despropositado o tom algo laudatório do voto do Partido Socialista em relação ao Governo.

O Sr. António Braga (PS): - Laudatório?

O Orador: - Laudatório, sim.

O Sr. António Braga (PS): - Ó Sr. Deputado, que exagero!

O Orador: - Tanto mais que convém, nesta matéria, não esquecer três ou quatro coisas. A primeira é que a avaliação do sistema prisional, em Portugal, foi feita há relativamente pouco tempo, designadamente por iniciativa da Provedoria de Justiça,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - … que detectou e identificou um conjunto de graves problemas existentes no sistema prisional e que nós sabemos - eu, particularmente, sei - que não se resolvem de um momento para o outro. Não é de um momento para o outro que um país que esteve mais de 30 anos sem investir 1$ numa nova cadeia consegue resolver…

Vozes do PS: - Isso é verdade!

O Orador: - Estes mais de 30 anos têm em conta, como VV. Ex.as bem sabem,…

O Sr. António Braga (PS): - Laborinho Lúcio!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sem diálogo!

O Orador: - Estes mais de 30 anos têm em conta, como VV. Ex.as bem sabem, o momento em que o Partido Social Democrata, que, na altura, estava no governo, decidiu iniciar a cadeia da Madeira - é até esse momento que são contados os 30 anos.

Protestos do PS.

Mas não vale a pena entrar nessa discussão. Aquilo que quero dizer é que, em relação a esta matéria, não deixa de impressionar, por aquilo que se sabe publicamente, a forma como ocorreram estes homicídios dentro da cadeia. Não deixa de impressionar a falta de segurança que ali se registou, a forma como se processou aparentemente este tipo de homicídios, como não deixa de impressionar que, quase em simultâneo, noutra cadeia, em Custóias, tenha acontecido o que aconteceu.
E, já agora, sobre esta matéria…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Faça o favor de concluir.

O Orador: - Só para terminar, Sr. Presidente, dando o desconto à interpelação do Partido Socialista, já agora, queria saber, em relação a essa matéria, o que é feito e quais são os resultados daquele diploma que aprovámos aqui, da iniciativa do Governo, que permitia que doentes terminais de doenças infecto-contagiosas pudessem sair da cadeia para ter o tratamento cá fora.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero dizer, em nome da bancada do CDS-PP, que ficamos satisfeitos que haja alguma concordância na generalidade dos votos apresentados, ainda que o do Partido Socialista pareça ser o que mais se distancia daquilo que era desejável dizer sobre esta matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ficamos, portanto, satisfeitos com a concordância generalizada dos vários votos, pois está em causa uma situação preocupante e que deve merecer a nossa maior e melhor atenção.
Trata-se de uma situação grave, mas que resulta, obviamente, do desinvestimento que durante anos e anos o País fez nesta matéria, ou seja, com as prisões que temos, com a sua sobrelotação, com a falta de condições nas prisões e com outros aspectos em que estou de acordo com o Bloco de Esquerda - aliás, cumprimento o Bloco de Esquerda pelo bom senso que põe no voto que apresenta -, como seja a falta de atenção à separação entre presos preventivos e condenados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Tudo isto, a que o País não ligou o mínimo até hoje, está, como é evidente, na base deste tipo de situações.
Expressamos a nossa preocupação e pensamos que as generalizadas suspeitas agora avançadas sobre os nossos serviços prisionais têm de ter esclarecimento. Se há pessoas que agem mal, se há inclusivamente, a propósito de outras matérias, indícios de corrupção, estas situações têm de ser esclarecidas até às últimas circunstâncias.
Alertamos para que a existência de erros, de excessos e de dificuldades não pode levar também a uma suspeição generalizada sobre o funcionamento dos nossos serviços

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prisionais. É preciso ter esse cuidado, porque se há um corrupto, se há alguém que abusa, temos de manter a confiança no nosso sistema apesar disso e, portanto, não podemos generalizar essas suspeitas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A preocupação quanto à matéria em causa neste voto merece a nossa solidariedade. Por isso apresentámos também o nosso voto e juntaremos a nossa voz à dos outros grupos parlamentares.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o problema da situação prisional regressa ciclicamente à Assembleia da República, e sempre de uma maneira dramática.
O voto do PS fala nos investimentos nas prisões, o Sr. Deputado Miguel Macedo também referiu aqui investimentos que o seu partido teria começado quando foi governo. Em jeito de reflexão, gostaria de deixar um outro problema sobre investimentos que até agora ainda não foram feitos nas prisões.
Refiro-me a um investimento fulcral e importantíssimo, que é o investimento na ressocialização dos condenados. Isso ainda não se fez, porque aos reclusos não têm sido reconhecidos direitos humanos naquele mínimo fundamental a que todo o ser humano tem direito em qualquer situação. Isso não tem sido feito!
De resto, e para terminar, direi que é muito difícil prosseguir o objectivo da ressocialização dos condenados quando em matéria de Direito Penal as vozes mais altas que se ouvem vão no sentido de chamamentos apelativos a uma repressão, o que contraria manifestamente aquilo que vem no nosso Código Penal sobre a finalidade das penas, ou seja, a reinserção social.
Enquanto se brandir a arma da repressão ficarão para trás direitos humanos fundamentais dos reclusos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar às votações dos votos que acabámos de discutir.
Vamos, então, votar em primeiro lugar o voto n.º 161/VIII - De protesto contra os assassinatos ocorridos na prisão de Vale de Judeus (BE).

Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo-se registado votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PS.

Srs. Deputados, dada a situação de empate, vamos proceder a uma segunda votação.

Submetido à votação, verificou-se o mesmo resultado.

Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, o voto foi rejeitado, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento.

Era o seguinte:

Voto n.º 161/VIII
De protesto contra os assassinatos ocorridos na prisão de Vale de Judeus

Foram assassinados dois presos no dia 1 de Outubro, quando se encontravam na sua cela na prisão de Vale de Judeus. Com estas eleva-se a quatro o número de mortes provocadas naquele estabelecimento prisional no prazo de um mês. A multiplicação de incidentes e conflitos, por outro lado, tem testemunhado o agravamento das tensões internas.
Considerando a importância de uma reforma do sistema de prisão preventiva e do sistema prisional que diminua a população prisional por estabelecimento - que normalmente ultrapassa em muito os máximos para que as prisões foram previstas - e que permita separar os detidos, evitando que os preventivos, e portanto não condenados, estejam colocados entre presos condenados;
Considerando a importância do combate ao tráfico de droga e de influências dentro das cadeias;
A Assembleia da República exprime a sua preocupação quanto à situação no estabelecimento de Vale de Judeus e condena vigorosamente os novos assassinatos.
A Assembleia da República lamenta as graves ocorrências que originaram mais duas vítimas mortais, manifestando a sua expectativa de que os processos de investigação em curso permitam rapidamente apurar responsabilidades e punir os criminosos, assim como conduzam à adopção de medidas que respondam às dificuldades e às tensões nos estabelecimentos prisionais.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação do voto n.º 163/VIII - De protesto contra a violação do direito à vida nos estabelecimentos prisionais portugueses (CDS-PP).

Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo-se registado votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PS.

Srs. Deputados, dada a situação de empate, vamos proceder a uma segunda votação.

Submetido à votação, verificou-se o mesmo resultado.

Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, o voto foi rejeitado, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento.

Vozes do CDS-PP: - É uma vergonha!

Era o seguinte:

Voto n.º 163/VIII
De protesto contra a violação do direito à vida nos estabelecimentos prisionais portugueses

Tendo em atenção os acontecimentos ocorridos recentemente no estabelecimento prisional de Vale dos Judeus, que, pela sua gravidade, chocaram a sociedade portuguesa, e considerando que a defesa dos princípios básicos do Estado de direito democrático, nomeadamente

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de direitos fundamentais como o direito à vida e o dever de respeito da dignidade humana, devem merecer da parte do Estado uma permanente atenção;
E tendo presente que o estabelecimento prisional de Vale dos Judeus, longe de constituir uma excepção, não é mais do que o exemplo de uma realidade que é genérica aos restantes estabelecimentos prisionais;
Verificando ainda que a violação do direito à vida assume múltiplas formas, que vão desde os homicídios até à contracção pelos reclusos de doenças infecto-contagiosas, como a SIDA, e a permanência do consumo de droga dentro dos estabelecimentos;
Tendo igualmente presente que estes factos , sendo do conhecimento geral, não só em nada contribuem para a ressocialização dos delinquentes, que constitui o fim principal da pena a que estão sujeitos, como prejudicam seriamente a imagem do País, que frequentemente é incluído nas listas elaboradas por organizações não governamentais de protecção dos direitos humanos;
Considerando, por fim, que nesta matéria é o Estado português que deve ser responsabilizado e não os seus servidores que, as mais das vezes, são também eles vítimas por não disporem das necessárias condições para o exercício da sua função;
A Assembleia da República exprime a sua apreensão pela situação vivida nos estabelecimentos prisionais portugueses, lamentando, em particular, os recentes acontecimentos no estabelecimento prisional de Vale dos Judeus, e exorta os poderes do Estado para que concluam as investigações em curso no mais curto espaço de tempo e adoptem medidas tendentes a garantir o direito à vida nos estabelecimentos prisionais portugueses.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação do voto n.º 164/VIII - De protesto pelas condições de saúde e insegurança nas prisões portuguesas (Os Verdes).

Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo-se registado votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PS.

Srs. Deputados, dada a situação de empate, vamos proceder a uma segunda votação.

Submetido à votação, verificou-se o mesmo resultado.

Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, o voto foi rejeitado, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É inacreditável!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Deviam ser presos lá!

Era o seguinte:

Voto n.º 164/VIII
De protesto pelas condições de saúde e insegurança nas prisões portuguesas

Considerando que na última semana, e só num estabelecimento prisional - a cadeia de Custóias -, dois reclusos morreram, um por overdose e outro sucumbindo à doença de que sofria, a SIDA;
Confirmando estas mortes dados preocupantes sobre o tráfico e consumo de droga dentro das nossas prisões, a par da manutenção de uma elevada incidência de doenças infecto-contagiosas entre a população prisional;
Mais: sabido que dias antes outros detidos, estes reclusos no estabelecimento prisional de Vale de Judeus, tinham sido mortos, em circunstâncias extremamente violentas, cuja responsabilidade importa apurar;
Por último, revelando todos este trágico balanço, num tão curto espaço de tempo, o acentuar de problemas e tensões dentro das prisões portuguesas, que é prioritário enfrentar;
A Assembleia da República delibera:
Exprimir junto do Governo a sua preocupação pelas condições de saúde, insegurança e violência dentro das nossas prisões, que só num curto espaço de semanas vitimaram seis pessoas entre os detidos;
Alertar para a necessidade do reforço de medidas para prevenir o alastramento das doenças infecto-contagiosas, garantir o eficaz acompanhamento médico dos reclusos e o apoio aos detidos toxicodependentes;
Apelar à adopção urgente de medidas com vista ao controlo do tráfico de droga dentro das prisões, à separação de detidos (preventivos ou não) e à resolução dos problemas de sobrelotação que subsistem;
Exigir do Governo que remeta a Assembleia da República as conclusões do inquérito em curso para apuramento das responsabilidades sobre os incidentes ocorridos no estabelecimento prisional de Vale de Judeus.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação do voto n.º 165/VIII - Sobre a situação na prisão de Vale de Judeus (PS).

Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo-se registado votos a favor do PS e votos contra do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE.

Srs. Deputados, dada a situação de empate, vamos proceder a uma segunda votação.

Submetido à votação, verificou-se o mesmo resultado.

Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, o voto foi rejeitado, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento.

Era o seguinte:

Voto n.º 165/VIII
Sobre a situação na prisão de Vale de Judeus

No dia 1 de Outubro a violência na prisão de Vale de Judeus conduziu à morte de dois reclusos.
Face à manifesta gravidade dos factos ocorridos e à complexidade da investigação resultante do seu relacionamento com outros recentemente ocorridos no mesmo estabelecimento prisional, foi desencadeada de imediato uma investigação, tendo o Procurador-Geral da República decidido atribuir ao DCIAP a instauração de um inquérito-crime, procedendo, através de um magistrado, à

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direcção concentrada da investigação com eventual avocação de processos já pendentes.
As autoridades prisionais têm vindo a adoptar medidas de segurança, mobilizando, para o efeito, os meios legalmente previstos, ao mesmo tempo que encaminham para as autoridades competentes informações, denúncias e queixas relevantes para a investigação em curso. Foram igualmente adoptadas novas regras tendentes a proteger a integridade física dos reclusos.
A Assembleia da República, através da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, já accionou diligências tendentes a obter do Governo informação completa sobre o ocorrido, bem como sobre o investimento nas prisões, tanto em matéria de instalações como para reforço da guarda prisional e melhoria da proporção entre guardas prisionais e reclusos e demais aspectos de cumprimento das disposições que asseguram os direitos dos reclusos e a segurança dos estabelecimentos prisionais.
Considerando a importância do total esclarecimento das causas e consequências dos actos que levaram a morte à prisão de Vale de Judeus, a Assembleia da República:
Lamenta as graves ocorrências que originaram vítimas mortais e pronuncia-se pelo rápido apuramento de responsabilidades, bem como a adopção de medidas que previnam eventos similares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nenhum dos votos foi aprovado.

Vozes do PCP, do CDS-PP e do BE: - É uma vergonha!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar-vos conta de um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação sobre o pedido de assentimento de S. Ex.ª o Presidente da República para se deslocar à Rússia de 25 a 29 de Outubro e ao Reino Unido de 30 de Outubro e 2 de Novembro.
Srs. Deputados, a proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação é do seguinte teor: «A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido.»
Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, passamos à discussão do voto n.º 162/VIII - De solidariedade para com os trabalhadores da Marinha Grande e solicitando ao Governo que adopte medidas com vista à solução da crise nas empresas Mandata e Mortensen (PS, PCP, Os Verdes e BE).
Tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva, dispondo de 1 minuto.

O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a contestação voltou ontem a subir de tom na Marinha Grande. Os trabalhadores da Mandata e da Mortensen estão sem receber os seus salários há alguns meses e têm os seus postos de trabalho em risco. A situação destes trabalhadores e seus familiares é preocupante, sendo o reflexo da crise económica que se vem instalando no nosso país por falta de estratégia e medidas que assegurem o futuro das empresas por parte do PS.
Já há muito tempo que o PSD vem alertando o Governo e o PS para esta realidade. O PSD está preocupado e manifesta a sua solidariedade aos trabalhadores das empresas Mandata e Mortensen, aceita o recurso à manifestação como forma de fazer valer os seus direitos, mas já não concorda com os métodos usados.
Neste sentido, o PSD apresenta uma proposta de alteração ao ponto 2 do voto em discussão no sentido de a Assembleia da República apelar aos trabalhadores para que não reincidam em formas de protesto contrárias ao Estado de direito, que em nada contribuem para a defesa dos seus interesses, apenas redundando em prejuízo para as suas pretensões e para a população da Marinha Grande.
O que exigimos, sim, e o que esta Assembleia deve exigir, é que o Governo tome medidas concretas para atacar esta crise.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, cerca de 400 trabalhadores vidreiros das empresas Mandata e Mortensen encontram-se numa situação laboral e social dramática. Confrontados com meses de salários em atraso, com o espectro do desemprego e com todos os dramas sociais que os envolvem, bem como aos seus familiares, os trabalhadores justamente protestam. O Governo tem particulares responsabilidades na situação criada, pois tutelou, dirigiu e acompanhou todo o processo de reestruturação.
Srs. Deputados, numa visita que recentemente efectuei à Mandata, uma trabalhadora afirmava o seguinte: «Sr. Deputado, há quem queira matar o sonho destas mulheres e destes homens de continuarem a trabalhar. Há quem tente calar-nos através da intimidação, mas pelas esperanças que temos, pelos caminhos da razão que traçamos, juramos que não vão encontrar na fome a nossa conformação».
Srs. Deputados, estes homens e estas mulheres merecem a solidariedade desta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, congratulamo-nos com este voto que vários grupos parlamentares apresentaram, temos pena, aliás, que o PSD não fosse consentâneo e consonante com a sua posição na Assembleia Municipal da Marinha Grande, visto que, como sabem, o Sr. Presidente da Assembleia Municipal pôs em votação um voto que no essencial corresponde ao que estamos a discutir, tendo sido aprovado por unanimidade. Não estava presente o

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CDS-PP, infelizmente, mas espero que esteja na próxima vez, pois tenho a certeza de que também votaria por unanimidade.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É importante para a Marinha Grande!

O Orador: - A situação acarreta preocupações indiscutíveis, mas é verdade, e toda a gente o reconhece, aliás, reconheceram-no também nesse voto da Assembleia Municipal, que quer a Câmara Municipal quer o Governo, designadamente um dos seus institutos, o IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento) estão a acompanhar a questão no sentido de encontrar saídas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, penso que os Deputados que intervieram antes de mim usaram de muito mais tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quando chamo a atenção para o tempo já sei que os Srs. Deputados ainda gastam mais 4, 5, 6 ou 10 segundos! Gostaria de não precisar de chamar a atenção dos Srs. Deputados, que olhassem para o painel e cumprissem os tempos.
Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Serei respeitador, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, apenas quero dizer que o Governo está atento e a procurar resolver os problemas, aliás, toda a gente sabe disso, e o sindicato dos vidreiros melhor que ninguém. Por isso nos congratulamos por este voto ter a dimensão que tem e ainda esperamos que o PSD e o CDS-PP se juntem a ele.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero também dizer que, do nosso ponto de vista, a situação social na Marinha Grande tem vindo a degradar-se, em particular nas empresas Mortensen e Mandata, a primeira das quais está há três meses sem pagar salários, sendo que os trabalhadores da Mandata receberam em Setembro 40% dos salários. Do nosso ponto de vista, naturalmente que o Governo tem responsabilidades centrais nesta questão.
Também nos associamos ao justo direito de manifestação que os trabalhadores têm vindo a exprimir, porque pouca coisa mais podem fazer para além disso. Nesse sentido, não nos associamos à alteração proposta pelo PSD e resolvemos associar-nos à iniciativa conjunta de alguns Deputados no sentido de viabilizar um voto que de alguma maneira abra condições para uma resolução, por parte de quem a deve ter, o mais urgente possível, a bem dos trabalhadores atingidos por esta calamidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, este voto confronta-nos com uma realidade que gostaríamos que já não existisse no nosso país, que é a da fome, do salários em atraso, do desemprego, da incerteza em relação ao futuro.
É nossa opinião que, perante essa realidade, não só a Assembleia deve manifestar a sua solidariedade para com esses trabalhadores, que muito legitimamente protestaram exigindo o seu direito aos salários, como também tem o dever de exigir que as empresas que estão neste momento numa situação difícil sejam recuperadas e que os acordos estabelecidos para a sua recuperação sejam cumpridos. É esse o nosso papel e é neste sentido que subscrevemos o voto em discussão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, sobre esta matéria quero, muito brevemente, dizer aos Srs. Deputados do Partido Socialista em geral e ao Sr. Deputado Osvaldo Castro em particular que, quanto à vontade de consenso e de convergência do Partido Socialista nestas várias matérias, pela forma inacreditável como votaram os votos, sensatos e razoáveis, sobre a questão das prisões, ficámos completamente esclarecidos.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em relação a este voto em concreto, aquilo que estamos a assistir - já não assistíamos há muitos anos e é preciso atentar bem nisso - é a um País com falência, com, novamente, razões sérias de contestação social, é, em suma, ao erro completo de uma política económica por parte do Partido Socialista. O que está a acontecer nestas empresas, nestas situações, é a falência de uma determinada política económica. E é preciso que isso fique bem claro.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Associamos a nossa voz e a nossa preocupação à situação destes trabalhadores, inquestionavelmente, e ficamos contentes por terem sido retirados alguns votos que nos pareciam errados e que falavam em coisas que, face ao que pudemos assistir, não existiram, designadamente, e a despropósito, «repressão», etc. O que eu vi, designadamente na televisão, foi as forças policiais actuarem com sentido de responsabilidade e medindo o que podiam fazer. Portanto, isso não existiu.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Agora, há realmente uma situação laboral complicada e por isso exigimos um debate, exigimos a presença nesta Assembleia do Sr. Ministro da Economia e do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, para que esta situação possa ser discutida e esclarecida.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

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O Orador: - Não vamos pedir a votação ponto por ponto deste voto, Sr. Presidente, porque não votaremos, em caso algum, algo que diz «de apoio às soluções que estão a ser encontradas», porque eu não sei quais são essas soluções. Se forem aquelas que o Governo prossegue, da minha parte, não merecem confiança. Isto por tudo o que fizeram até agora.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar de ninguém ter pedido a votação ponto por ponto, há um - o n.º 2 - que tem de ser votado em separado, uma vez que, em relação a ele, foi apresentada pelo PSD uma proposta de alteração.
Assim, vamos começar por votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, do ponto 2 do voto n.º 162/VIII - De solidariedade para com os trabalhadores da Marinha Grande e solicitando ao Governo que adopte medidas com vista à solução da crise nas empresas Mandata e Mortensen (PS, PCP, Os Verdes e BE).

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

2 - A Assembleia da República apela aos trabalhadores que não reincidam em formas de protesto contrárias ao Estado de direito e que em nada contribuem para a defesa dos seus interesses, apenas redundando em prejuízo para as suas pretensões e para a população da Marinha Grande.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar os pontos 1, 2, 3 e 4 do voto n.º 162/VIII.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

São os seguintes:

Os Deputados da Assembleia da República, reunidos em sessão plenária no dia 3 de Outubro, face aos graves acontecimentos que estão a ocorrer na Marinha Grande com a crise da Mandata e Mortensen, apresentam o seguinte voto:
1 - A Assembleia da República recomenda ao Governo que se empenhe activamente na procura de uma solução, com a maior urgência, por forma a garantir a laboração imediata das empresas, dando tempo e espaço para que, num clima de tranquilidade, se encontrem as alternativas e soluções de futuro das empresas;
2 - A Assembleia da República apoia as acções que vêm sendo desenvolvidas na procura de soluções que defendam as empresas e todos os trabalhadores que ali prestam a sua actividade profissional, apelando à cooperação de todas as instituições envolvidas no encontrar de soluções para a crise destas empresas;
3 - A Assembleia da República manifesta-se no sentido de que se promovam medidas de apoio social aos trabalhadores destas empresas que não recebem salários há vários meses;
4 - A Assembleia da República expressa a solidariedade a todos os trabalhadores que, nesta hora dramática, enfrentam a ausência de salários e a perspectiva de desemprego.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que devo enviar este voto - e assim será feito - ao Sr. Ministro da Economia e a mais ninguém.
Entretanto, chamo a vossa atenção para o facto de estarmos a eleger hoje um membro para a Comissão Nacional de Eleições e de ainda não haver um número suficiente de votantes para que a votação se possa considerar positiva, pelo que agradeço aos Srs. Deputados presentes que ainda não votaram o favor de o fazer. Informo que a urna se encontra nesta Sala para facilitar a votação e peço às direcções dos grupos parlamentares que convoquem, para o mesmo efeito, os Srs. Deputados que se encontram nos seus gabinetes a trabalhar.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 407/VIII - Altera o artigo 49.º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sujeitando à verificação de certos requisitos a concessão de liberdade condicional aos condenados por crimes associados ao tráfico de estupefacientes (CDS-PP) e 492/VIII - Restringe a aplicação do regime de liberdade condicional nos casos de crimes contra a vida, a liberdade e a segurança das pessoas e de outros crimes violentos (PSD).
Para introduzir o debate em representação do seu partido, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-PP apresenta hoje a esta Câmara uma alteração ao regime da liberdade condicional.
Começaria por sublinhar - como se necessário fosse - que o CDS-PP é um partido conservador e inspirado pela matriz da democracia cristã, o que significa, logo à partida, que somos defensores da estabilidade em matéria penal. Pensamos que esta matéria, que é fundamental já que respeita a direitos, liberdades e garantias, deve consagrar uma certa estabilidade e que dessa estabilidade resulta, em larga medida, a própria segurança jurídica e as garantias fundamentais dos cidadãos.
No entanto, apesar de defendermos essa estabilidade em matéria penal, não ignoramos - e sempre o defendemos na nossa política de segurança e na nossa política judicial - que só pode haver uma política eficaz se dermos particular atenção aos tipos de crimes mais graves e que mais preocupam os cidadãos portugueses. É o caso, obviamente, do crime de tráfico de droga.
Pensamos que, se, em relação a este tipo de crimes, não houver uma atenção especial na previsão, na pena e, inclusivamente, na sua aplicação, não estaremos a corresponder às necessidades que os cidadãos sentem e às necessidades do próprio País.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Por outro lado, pensamos que é necessário acabar no nosso país com uma certa ideia, que todos nós ouvimos ecoar, de que, em relação aos «assassinos frios» que são os traficantes de droga, há uma impunidade, de que estarão hoje «lá dentro», para usar uma expressão popular, mas amanhã estarão «cá fora» e tudo se passará como dantes. Esta ideia existe e é preciso dar à sociedade um sinal de que não é assim ou de que deixará de ser assim.

Vozes do CDS-PP: - É uma vergonha!

O Orador: - Por outro lado ainda, estamos perante um crime, aquele que nós escolhemos, em que a taxa de reincidência é muito elevada. Designadamente, os crimes associados ao tráfico de estupefacientes e os crimes associados ao tráfico de droga, se for feita uma análise fria, apresentam taxas de reincidência muito elevadas. E falo em taxa de reincidência para não dizer que há até, às vezes, prática continuada do crime,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … porque aquilo que sabemos é que se trafica droga dentro das prisões.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Ora, se se trafica droga dentro das prisões - e não serão, certamente, os guardas sempre os responsáveis -, é óbvio que, nalguns casos, há quem trafique «cá fora», vá preso e continue a traficar «lá dentro», o mesmo é dizer que há uma prática continuada deste crime.
Devo dizer que, em matéria de droga, nunca concordámos, nem nunca aceitámos, qualquer tipo de desvalorização penal. Consideramos, de resto, que as propostas e as soluções de despenalização apresentadas são um sinal muito negativo para a nossa sociedade e, em particular, para a nossa juventude. Porque pensamos assim, consideramos que isto tem de ter consequências ao nível do sistema prisional.
O Código Penal, designadamente o artigo 61.º, tem dois modelos de liberdade condicional: a liberdade condicional facultativa, consagrada nos n.os 1, 2, 3 e 4 deste artigo, que permite a decisão da liberdade condicional verificados determinados pressupostos, verificados determinados requisitos, se o juiz de execução de penas assim o entender; e a, vulgarmente designada, liberdade condicional obrigatória, consagrada no n.º 5 deste mesmo artigo, que concede ao detido, cumpridos cinco sextos da pena, a liberdade condicional. Haja avaliação ou não haja avaliação, haverá sempre liberdade condicional.
O que propomos? Propomos que, no crime de tráfico de droga, não haja liberdade condicional obrigatória, ou seja, independentemente do comportamento do detido, independentemente dos sinais que o detido deu enquanto esteve preso, independentemente de se saber se ele, saindo, poderá ou não integrar uma rede de traficantes e continuar a traficar, independentemente da análise desses sinais objectivos, propomos que não haja a possibilidade de ele ser posto em liberdade ao abrigo do instituto da liberdade condicional.
É isto que o CDS-PP propõe. Trata-se de uma proposta modesta, humilde, que consideramos, nalguma medida, razoável. E já explicarei por que é que a considero modesta e humilde.
Srs. Deputados, nós não somos contra o instituto da liberdade condicional em si. Compreendemos este tipo de regime, sustentado nalguns países, como, por exemplo, na Grã-Bretanha e em alguns países escandinavos, como a possibilidade de existência de um período de transição que, entre o cumprimento da pena e o regresso à sociedade, permite acompanhar de alguma forma o detido e avaliar o seu grau de ressocialização. No entanto, temos as maiores dúvidas de que este instituto seja eficaz em Portugal.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Infelizmente, temos as maiores dúvidas de que, no nosso país, alguém saiba o que é que o indivíduo detido esteve a fazer. Mesmo assim, o instituto da liberdade condicional parece-nos positivo e por isso não o extinguimos em nenhum caso.
O que dizemos é que, no caso dos crimes que consideramos mais graves, como seja o tráfico de droga, a liberdade condicional só poderá ser atribuída se se verificarem os requisitos constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal. Portanto, não há liberdade condicional automática na nossa proposta. Só avaliando a vida do agente e havendo sinais claros de que ele não vai reincidir nesse tipo de crime é que poderá ser-lhe conferida a liberdade condicional.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É também preciso que essa libertação seja compatível com a ordem e a paz social. É isto que dizemos e não mais do que isto.
Um pouco na sequência da apresentação deste projecto de lei e um pouco na esteira do que o CDS-PP veio dizer, verificamos que outros, designadamente o Partido Social Democrata, têm hoje uma proposta que vai bastante mais longe do que a nossa, sobretudo porque alarga outras restrições à liberdade condicional, mormente no caso de crimes contra as pessoas, como seja o homicídio, a violação, os crimes contra a sociedade ou o terrorismo. Nesse tipo de crimes, aumentam os requisitos para que a liberdade condicional seja atribuída, passando de dois terços do cumprimento da pena para três quartos, e depois, nos casos em que propomos esta solução, pura e simplesmente, extingue essa possibilidade de acesso ao regime da liberdade condicional.
Nós não quisemos ir tão longe - e poderemos depois explicar porquê -, fomos mais moderados, ainda que estejamos abertos a discutir esses outros projectos e não tenhamos qualquer discordância de fundo quanto à discussão, se bem que possam existir algumas dúvidas, mesmo de constitucionalidade, nessa matéria. Mas, repito, estamos abertos à discussão.
Como disse, não quisemos ir tão longe e saudamos até o facto de o PSD vir agora apresentar essas propostas, quando, em tempos, quando esteve no governo, defendeu realidades muito diferentes. E não precisarei de lembrar o ministro Laborinho Lúcio ou a amnistia de 1991. Mas

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verificamos que outros vão mais longe do que nós e, portanto, estamos abertos para essa discussão.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Para nós, a ressocialização não é um valor desprezível. Para nós, a ressocialização é uma ideia, é um valor que deve ser prosseguido. Porém, nunca esquecemos que uma das prioridades da lei penal e do nosso sistema prisional deve, usando uma frase que é conhecida, proteger a sociedade, proteger os cidadãos que não cometem crimes, que têm uma vida ordeira e que pagam os seus impostos daqueles que cometem crimes e não forçosamente, como alguns parecem pretender, proteger os criminosos da sociedade. Não nos esquecemos dessa ideia fundamental de enquadramento e acreditamos que, mesmo assim, a ressocialização é um valor. É preciso acreditar numa segunda oportunidade, é preciso dizer a quem prevaricou, a quem cometeu uma falha perante a sociedade que pode ter uma segunda oportunidade.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas essa segunda oportunidade não pode exceder, de maneira nenhuma, a primeira experiência negativa de uma vítima,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … ou seja, é bom que não nos esqueçamos que, se não tivermos critérios de razoabilidade, se não dermos sinais claros - e estamos a falar do tráfico de droga -, a segunda ou a terceira oportunidade de um criminoso pode ser o fim para uma vítima, pode ser uma situação irremediável e sem solução para uma família.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando Seara.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos de lei n.os 407 e 492/VIII ora em debate, situando-se no âmbito do instituto da liberdade condicional e da restrição da sua aplicação, remetem-nos inequivocamente para este tempo da justiça e da segurança e para a necessidade de o poder político democrático dar sinais claros quanto à firmeza dos seus propósitos e à reafirmação dos seus valores e princípios estruturantes.
Neste tempo em que a comunidade internacional é confrontada com a confissão expressa de verdadeiros crimes contra a humanidade, sujeita a reportagens de fuzilamentos ou enforcamentos sumários ou, noutra perspectiva e noutra dimensão, informada acerca de factos muito graves, envolvendo mortes de reclusos ocorridos no âmbito do sistema prisional português, é imperioso que o poder político - e, em particular, este Parlamento - assuma claramente que com a segurança dos portugueses não se brinca.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os projectos de lei ora em discussão, o do CDS-PP, apresentado pelo Deputado Telmo Correia, e o do PSD pretendem, nas suas diferentes matrizes (e não vou repetir algumas das considerações que o Sr. Deputado Telmo Correia aqui suscitou), sinalizar uma clara opção política, que nesta matéria significa, permitam-me a expressão, uma «liberdade mais condicional» ou uma «liberdade descondicionada» em relação a certo tipo de crimes - a certo tipo de crime, no que diz respeito ao projecto do CDS-PP - e em relação a certo tipo de condenados.
Sabemos, de momentos legislativos anteriores, que outras bancadas não nos acompanham neste propósito, que há Srs. Deputados que não partilham destas concepções. Conhecemos as razões filosófico-penais que lhes estão subjacentes e não ignoramos, até, os argumentos sistemáticos a que, necessariamente, recorrem.
No entanto, nesta sede e neste tempo, também importa separar as águas e, sem pormos em causa princípios estruturantes e noéticos que constitucionalmente fundamentam a punição criminal - legalidade, tipicidade, não retroactividade -, densificar um conjunto de alterações à liberdade condicional e ao regime das saídas precárias, que representam para o conjunto da comunidade portuguesa, aqui e agora, um sinal de que este Parlamento está atento ao clima de insegurança e que busca soluções, sem deixar de ter em conta os coerentes e articulados edifícios penal, de processo penal e de execução de penas que concebeu, e essas soluções são reais para o efectivo exercício da soberania e não apenas, permitam-me, para a mera titularidade de uma nula democracia.
Não se trata aqui de pôr em causa as concepções jurídico-penais sedimentadas ou de substituir os valores subjacentes ao sistema penal consagrado. Importa, sim, adequar esses valores às circunstâncias concretas e densificar, numa sede bem específica, o valor da prevenção geral e, por esta via, conseguir-se-á, porventura, atenuar tendências conducentes a determinados e circunstanciais pedidos públicos de aumentos de pena.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se aqui de, em certo sentido, grão a grão, refundar nesta consolidada democracia pluralista um sentimento de segurança. Mas a democracia, nesta sede, também implica autoridade, sem que esta afecte a liberdade individual, mas sem que a liberdade de cada um, também ela, afecte, num absolutismo perturbante, a liberdade de todos. É que, ao lado do direito à liberdade, existe uma cada vez maior exigência de segurança.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, brevemente, enuncie as três razões fundamentais subjacentes ao projecto de lei do Partido Social Democrata.
Em primeiro lugar, o aumento de dois terços para três quartos do tempo de cumprimento de pena necessário para que a liberdade condicional possa ter lugar quando o condenado a prisão tenha sido autor de crimes violentos, eliminando tal possibilidade nos casos de condenações por crimes de terrorismo e associação criminosa, homicídios qualificados, tráfico de droga, violação de menores e, também, de reincidência e concurso de crimes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Em segundo lugar, a eliminação da determinação constante, como o Sr. Deputado Telmo Correia há pouco citou, do n.º 5 do artigo 61.º do Código Penal, que actualmente prevê a obrigatoriedade de o condenado ser colocado em liberdade condicional quando tenha cumprido cinco sextos da pena.
Em terceiro e último lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a alteração do regime das saídas precárias, envolvendo claramente a alteração de três artigos - o 34.º, o 38.º e o 92.º - do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro.
Estes são os princípios fundamentais do nosso projecto, que, necessariamente, vai mais além do que a iniciativa apresentada pelo CDS-PP.
Temos consciência de que esta matéria, Sr.as e Srs. Deputados, é complexa e suscita diferentes interrogações jurídicas. Sabemos de outras iniciativas já discutidas noutros momentos neste Parlamento e não ignoramos que, em relação a estas matérias, há perspectivas diferentes, já presentes, aliás, nas várias vicissitudes jurídicas que o instituto da liberdade condicional sofreu até durante os trabalhos preparatórios da versão originária do Código Penal.
Conhecemos diferentes posições, inclusive doutrinárias, acerca de «modelos penais» ou «modelos de execução de penas» ideais. Não ignoramos as diferenças de opinião acerca desta matéria entre o ex-ministro da Justiça e actual Deputado José Vera Jardim e o ex-Deputado e actual Ministro da Justiça, António Costa.
Não nos esquecemos, inclusive, do que lemos na edição de 12 de Outubro de 1996, no semanário Expresso - há precisamente 5 anos -, sob a pena de um ilustre jornalista Daniel Reis, quando nos dava nota de que «o Ministro da Justiça garantiu até que vai propor à Assembleia a não aplicação da liberdade condicional aos casos de reincidência ou de concurso de infracções que envolvam crimes contra as pessoas».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Até agora!

O Orador: - Por nós, é chegado o momento para, de novo, trazer à colação e à meditação deste Parlamento esta iniciativa.
Percebemos claramente que é uma matéria que exige ponderação, mesmo acrescida meditação, quanto ao seu concreto articulado. Mas assumimos que importa que o «príncipe moderno» não ignore que o «condottiero» não tem hoje em dia o carácter utópico de que nos falava Maquiavel, mas também não se pode resumir ao mero «poder de facto» de que nos dava nota Gramsci.
O «príncipe moderno» tem uma verdadeira função de orientação e de perspectiva políticas e deve, perante alguns dos institutos paradigmáticos do Estado - e este retorno ao Estado é, para alguns, um dos sinais do pós 11 de Setembro -, fazer as mudanças indiciadoras do seu efectivo «reinado e governo jurídicos».
Para nós, no PSD, e no âmbito do instituto da liberdade condicional e das saídas precárias, estamos hoje, mais uma vez, a proclamar que com a segurança dos portugueses não se brinca!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de proceder às votações regimentais, lembro aos Srs. Deputados que está a decorrer a eleição de um membro para a Comissão Nacional de Eleições.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento, apresentado pelo PS, no sentido de a proposta de lei n.º 97/VIII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de institutos públicos integrantes da Administração Pública, baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sem votação, para melhor apreciação.
Vamos, pois, proceder à votação do requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi distribuído, um requerimento subscrito por Deputados de todos os grupos parlamentares no sentido de serem adiadas, por um período máximo de 15 dias, a votação na especialidade e a votação final global da proposta de lei n.º 32/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa, e a Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, que define o Estatuto dos Eleitos Locais, e dos projectos de lei n.os 354/VIII - Alterações à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, bem como à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, na parte relativa ao funcionamento das assembleias municipais (PCP), 357/VIII - Lei eleitoral para as autarquias locais (PSD) e 370/VIII - Alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, em que se estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias (PS).
Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos, agora, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 91/VIII - Altera o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, terminadas as votações, vamos continuar a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 407 e 492/VIII.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Curiosamente, os projectos de lei que hoje aqui são apresentados pelo CDS-PP e pelo PSD visam alterar o regime da liberdade condicional que, no essencial, foi definido em 1995, numa revisão do Código Penal da autoria do PSD, na altura em que o PSD dispunha, nesta Assembleia, de maioria absoluta.

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Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Portanto, há aqui, da parte do PSD, uma proposta de revisão profunda - no caso do CDS-PP, a que já me referirei a seguir, não se trata de uma revisão profunda - do regime da liberdade condicional proposto, precisamente, pelo PSD, não há muitos anos. Estamos em 2001 e essa reforma foi aprovada em 1995.
Aliás, se fosse necessário encontrar documentação abonatória da solução que consta actualmente do Código Penal, a melhor solução que teríamos seria reler o discurso feito, nesta Câmara, pelo ministro da Justiça de então, Dr. Laborinho Lúcio, que expôs a bondade da solução proposta e que o PSD, agora, pretende alterar.
Efectivamente, as propostas que temos em discussão são, do nosso ponto de vista, negativas e contarão com a nossa oposição.
O regime da liberdade condicional tem em vista, fundamentalmente, a ressocialização dos condenados a penas de prisão. Não se trata de uma pura e simples libertação. É que, ao contrário do que por vezes se propala, não estamos a falar de pôr os presos cá fora, de libertá-los pura e simplesmente. Não se trata disso.
A liberdade condicional é uma liberdade sujeita a controle, é uma outra forma de cumprimento da pena na sua fase terminal. Ora, é evidente que se for cometida alguma infracção aos deveres que são impostos a quem goza liberdade condicional, tal significará o regresso ao cumprimento da pena de prisão em termos normais.
Portanto, repito que não se trata de libertar pura e simplesmente as pessoas, trata-se de permitir que, verificada a existência de determinadas circunstâncias que não desaconselhem a concessão da liberdade condicional, o condenado possa ir refazendo a sua vida, possa ser ele próprio a trabalhar para a sua ressocialização em condições de liberdade, em todo o caso, sob controle.
O que temos a apontar ao projecto de lei do CDS-PP, que tem um efeito muito mais limitado e apenas questiona a concessão obrigatória da liberdade condicional ao fim de cinco sextos da pena, é que em nenhum caso se trata de uma libertação incondicional ou definitiva mas sempre de uma forma de cumprimento de uma pena, já não em condições de reclusão mas em todo o caso controlada.
A crítica fundamental que temos a fazer é a de que o CDS-PP faz depender de um determinado tipo de crime aquela limitação de concessão da liberdade condicional, concretamente, no caso dos crimes previstos na lei da droga, o que, do nosso ponto de vista, é muito questionável.
É que, para nós, é perfeitamente compreensível que alguém tenha sido condenado por algum dos crimes previstos na citada legislação mas que, de qualquer maneira, terão gravidade diversa, como é evidente. De facto, há crimes gravíssimos previstos na lei da droga, há outros relativamente aos quais, apesar de graves em abstracto, pode conceber-se que alguém tenha sido condenado a uma pena não muito pesada devido ao seu grau de culpabilidade ser reduzido.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É óbvio!

O Orador: - Se se verificar que essa pessoa está, de facto, em condições de poder beneficiar da liberdade condicional, não percebemos por que razão, apenas por ter sido condenada por esse tipo de crime, não há-de poder ter acesso à liberdade condicional quando teria no caso de todos os outros crimes. Portanto, há aqui uma disparidade de critérios que, do nosso ponto de vista, não tem justificação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito ao projecto de lei do PSD, entendemos que a questão é muito mais grave. É que, no seu projecto e em relação a determinados tipos de crime, o PSD, pura e simplesmente, propõe a eliminação da possibilidade de concessão da liberdade condicional, ou seja, elimina o instituto da liberdade condicional seja em que circunstâncias for.
Ora, de facto, isto é espantoso, na medida em que, como já disse, não se trata de uma libertação incontrolada. Em relação a uma pessoa que tenha cometido um determinado crime e cumprido que esteja um determinado tempo de pena, é perfeitamente concebível que seja verificável que tal pessoa está em condições de poder beneficiar da liberdade condicional. Não vem daí qualquer perigo para a segurança pública. Não há perigo de reincidência, ou é muito limitado.
Assim, não se compreende por que razão, em função de determinados tipos de crime, há-de recusar-se que alguém possa beneficiar da liberdade condicional. Não há razão nenhuma que o justifique, a não ser uma demagogia a que, reiteradamente, os partidos da direita portuguesa têm recorrido, que é a de considerar que todos os problemas de segurança se resolvem com agravamento de penas de prisão. O que aqui está proposto pelo PSD é um agravamento de penas encapotado.
É óbvio que, em Direito Penal, a gravidade da reacção penal a um determinado comportamento criminoso deve aferir-se através da duração das penas - a crimes mais graves corresponderão penas mais graves. No entanto, liberdade condicional não tem a ver com isso mas, sobretudo, com as possibilidades de reinserção social do condenado, independentemente do crime que ele tenha cometido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos um exemplo.
Imaginemos alguém que esteja a cumprir uma pena de prisão de longos anos por ter cometido um crime grave e que, a determinada altura, cumpridos 10, 12, 15 anos de prisão, se verifica que essa pessoa já não representa qualquer perigo, que não vai reincidir, que tem tido um comportamento exemplar e que, portanto, deve beneficiar da liberdade condicional.
Podemos imaginar, ainda, a situação contrária de alguém que tenha sido condenado pela prática reiterada de pequenos furtos em relação a quem se verifique que, com igual percentagem de pena cumprida, pode constituir um perigo porque pode sair em liberdade condicional e ir cometer os mesmos crimes.
Eis, pois, dois exemplos, num dos quais um crime incomparavelmente menos grave não aconselha a concessão de liberdade condicional enquanto, no outro, o

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condenado, que está a cumprir pena por motivo de inegável gravidade, pode beneficiar da liberdade condicional sem perigo para ninguém.
Isto só para demonstrar que o que está em causa neste instituto não é a moldura da pena mas, sim, as condições reais de reinserção social de cada condenado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Repito que o que o PSD propõe é uma forma encapotada de aumentar a moldura das penas, impondo que alguém condenado por determinados crimes seja sempre obrigado a cumprir a pena até ao fim, assim «lançando às malvas», como ontem foi dito a propósito de um outro debate, quaisquer princípios de reinserção social que devem constituir função essencial do nosso Código Penal.
Dir-se-á que, nas prisões, não há reinserção social conveniente. Essa é uma realidade, mas não constitui argumento para não conceder a liberdade condicional. Antes pelo contrário.
Na verdade, se verificamos que nas prisões o ambiente para a reinserção social é o mais inadequado possível, então, é evidente que, se queremos reinserir alguém, o que temos de fazer é aproveitar as possibilidades que nos são dadas pelo sistema penal a fim de garantir condições de segurança pública, garantir que o grau de possibilidade de reincidência é muito reduzido. Aproveitem-se, pois, tais possibilidades para reinserir as pessoas.
Dessa forma não beneficiam apenas e fundamentalmente as pessoas que foram condenadas mas também o conjunto da sociedade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, porque o projecto de lei é do CDS-PP, porque tem a ver com cumprimento de penas e porque incide sobre matéria relativa a droga e a segurança, acredito que o PCP queira dizer «nós chumbamos! Tudo o que venha daí e que tenha a ver com esta matéria, somos contra!»

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Têm a mania da perseguição!

O Orador: - Isso admito e compreendo…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Nós admitimos a vossa ressocialização!

O Orador: - Não tenho dúvidas, Deputado Bernardino Soares! Se o senhor mandasse, estaríamos todos em tratamento de ressocialização! Nós e muitos dos da bancada ao nosso lado! Não duvido! Se o poder fosse seu, muitos de nós estaríamos na Sibéria a fazer ressocialização!
Mas não era isso que eu estava a dizer, estava a dirigir-me ao Sr. Deputado António Filipe, que é uma pessoa ponderada e moderada nestas matérias.
Continuando, Sr. Deputado António Filipe, não compreendo a crítica que faz. O Sr. Deputado vem dizer que o projecto de lei do CDS-PP é contra a ressocialização. Mas como? É que limitamo-nos a dizer uma coisa que é de todo o bom senso. Propomos que nunca haja concessão automática de liberdade condicional - e quando digo «automática», quero dizer «chega-se a um determinado período de cumprimento da pena e concede-se a liberdade condicional». Propomos, pois, que seja sempre feita uma avaliação antes da concessão da liberdade condicional. Ora, essa avaliação é importante.
Ou seja, propomos que o juiz de execução de penas tenha sempre a possibilidade de dizer que «este indivíduo deixou de traficar droga. Enquanto esteve na prisão, não fez tráfico de droga. Demonstra estar ressocializado, demonstra querer dar um contributo útil à sociedade. Então, pode sair; não há problema».
Portanto, limitamo-nos a propor que seja feita essa avaliação e nada mais.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso é mau?!

O Orador: - É algo de todo o bom senso e de toda a razoabilidade.
Mais adiante, o Sr. Deputado perguntou por que razão fazemos a nossa proposta apenas em relação ao tráfico de droga.
Sr. Deputado, respondo-lhe que, pelas razões que expus, que são as da estabilidade do Código Penal, apenas apresentamos propostas que têm a ver com alterações à lei da droga. A alteração que propomos não diz respeito ao Código Penal mas, sim, ao Decreto-Lei n.º 15/93.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Fazêmo-lo, porque pensamos que se está perante um tipo de criminalidade particularmente grave, em relação à qual tem de haver muito cuidado quanto a saber se haverá ou não reincidência e porque, na verdade, se verifica muita reincidência. Que isto fique claro.
Faço esta chamada de atenção porque, a não ser assim, admito que o Sr. Deputado dissesse «sou contra, não gosto, acho que o CDS-PP tem um mau discurso nesta matéria». Isso é uma coisa. Mas tentar deitar abaixo o nosso projecto de lei, argumentando com deméritos que não tem e com coisas que lá não constam, isso não vale a pena.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, ouvi-o com atenção e, como habitualmente, sempre que se debatem estas matérias que têm que ver com o Código Penal, assumiu aquela postura que o Partido Comunista costuma ter: «ressocialização, socialização, socialização do recluso».

O Sr. João Amaral (PCP): - É aquela postura do Professor Figueiredo Dias!

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O Orador: - Sr. Deputado António Filipe, como bem sabe, em primeiro lugar, a ressocialização não é incompatível com a detenção. Felizmente, há já muitos anos, existem nas cadeias portuguesas programas e trabalhos de ressocialização mesmo quando se verifica a situação de detenção. Essa é que é a parte mais importante!
Portanto, o que está em causa não é, como os senhores costumam dizer, que ser contra a liberdade condicional é ser contra a ressocialização. O senhor sabe que não é verdade.
Ficava-lhe bem reconhecer que os programas de ressocialização não são incompatíveis com a situação de detenção. Antes pelo contrário, há muitíssimos e válidos programas de ressocialização que decorrem durante o período de detenção.
O que está em causa - e o senhor bem o sabe! - é outra coisa. É que, face a determinado tipo de criminalidade violenta contra as pessoas, em que se inscrevem, por exemplo, os crimes de terrorismo, os crimes de tráfico de droga - e, como bem sabe, estes são responsáveis por cerca de 70% da criminalidade em Portugal -, os crimes de homicídio qualificado ou de violação de menores e, ainda, a prática reiterada de um crime por um mesmo indivíduo ou de crimes contra as pessoas, o que está em causa é a sociedade manifestar o entendimento, de uma vez por todas, se a ressocialização deve ser feita cá fora ou, pelo contrário, deve continuar a ser lá dentro, através do cumprimento integral da pena. É isto que aqui está em causa.
De resto, como foi recordado pelo Deputado Fernando Seara, o Sr. Ministro da Justiça do primeiro governo do Partido Socialista - onde é que já lá vai! -, agora Deputado Vera Jardim, fez declarações formais na altura, dizendo que, no que diz respeito à reincidência e ao concurso de crimes contra as pessoas, também iria tomar medidas para alterar o regime da liberdade condicional.
Evidentemente, como é costume por parte do Partido Socialista, ouvimos discursos mas nada de actos…

Protestos do PS.

O que está aqui em causa é olharmos para o problema e, de uma vez por todas, encontrarmos as soluções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, pedir-lhe-ia que, ao menos, abandonasse um pouco a cassette repetitiva e tivesse a frontalidade de dizer que, de facto, ressocialização não é incompatível com a situação de detenção. Isto para acabar de vez com esse fantasma que os senhores sistematicamente arremessam sempre que se discute este problema.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, que beneficiará de mais 1 minuto que lhe foi cedido pelo PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Guedes, agradeço o tempo que me concedeu.
No entanto, a questão de fundo é a mesma. Ou seja, basicamente, as questões que os dois Srs. Deputados me colocaram são idênticas pois têm a ver com a fundamentação da existência da liberdade condicional. Assim, se não se importam, responderei conjuntamente a ambos.
Gostaria muito de poder dizer que as pessoas se ressocializam em reclusão, mas receio não poder fazê-lo.
Creio que o melhor aferidor das possibilidades de reinserção e da reinserção real de um cidadão que tenha sido condenado e tenha cumprido pena de prisão é, precisamente, a liberdade condicional.
Por que é que o Srs. Deputados têm medo da liberdade condicional? Se o condenado reincidir, volta para a prisão, vai cumprir a pena até ao fim ou até que a sua situação se altere e se considere que reúne condições. Isto é, a liberdade condicional, como o próprio nome indica, não é incondicional…

O Sr. João Amaral (PCP): - Claro!

O Orador: - … e os Srs. Deputados estão a raciocinar como se fosse.
O Sr. Deputado Telmo Correia diz que um indivíduo traficou droga, está em liberdade condicional e volta a traficar. Se assim acontecer, volta a ser preso, como é evidente, e vai cumprir a pena!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Entretanto, pode morrer alguém!

O Orador: - Agora, coloco a pergunta ao contrário: e se ele cumprir a pena até ao fim o que acontece? Está ressocializado? Se não se ressocializou ao fim de dois terços ou de cinco sextos da pena, é por cumprir a pena até ao fim que fica ressocializado? Se ele sair no fim da pena e voltar a traficar droga como é que os senhores resolvem o caso? Mantêm-no na prisão? Mantêm-no em prisão perpétua até terem a certeza absoluta de que ele não volta a traficar? É evidente que não!
É evidente que a vossa solução de demonizar a liberdade condicional não tem qualquer fundamento do ponto de vista de uma política criminal adequada e é apenas uma cedência àquela demagogia mais barata que se faz de que o que é preciso é repressão, repressão, repressão e quantos mais anos de prisão menos criminalidade, o que já está demonstrado, em todos os países, que é completamente falso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O instituto da liberdade condicional, conhecido entre nós desde tempos muito remotos - desde 1893 -, não pode eximir-se à controvérsia gerada em torno da sua própria conveniência e manutenção.
Tem sido controvertida na doutrina a natureza do instituto da liberdade condicional, pois têm sido estruturadas duas posições completamente distintas.

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Segundo uns, a liberdade condicional terá a natureza de uma verdadeira pena, substitutiva da pena inicial de prisão em que o réu tenha sido condenado.
Segundo outros - é essa a nossa opinião -, essa liberdade será apenas um ensaio de libertação prévia do condenado, isto é, uma forma de cumprir a sua pena originária de prisão fora de um sistema de encerramento, para assim se obter ou tentar obter uma mais perfeita ressocialização do criminoso através do ensinamento prático da assunção das suas responsabilidades de cidadão útil à sociedade.
O nosso sistema jurídico em matéria de liberdade condicional tem variado de acordo com diferentes regimes. Destaquemos, contudo, o regime instituído em 1976, pelo qual a liberdade condicional passou a ser concedida não por certo prazo, como até então, mas pelo tempo que faltasse para o cumprimento da pena privativa da liberdade, do que resultou que a sua revogação implicava o cumprimento do resto da pena que faltava cumprir no momento da sua concessão e que a concessão da liberdade definitiva era referida à data do termo da pena privativa da liberdade, a determinar como se não tivesse ocorrido a libertação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 407/VIII, emergente do CDS-PP, acaba com a liberdade condicional obrigatória cumpridos cinco sextos da pena para os condenados por crimes associados ao tráfico de estupefacientes, na medida em que, decorrido este prazo, se exigirão ainda para a concessão da liberdade condicional o juízo de prognose favorável quanto ao não cometimento de futuros crimes e a compatibilidade com a prevenção geral positiva (requisitos do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal).
O projecto de lei n.º 492/VIII, do PSD, vai muitíssimo mais longe, eliminando a possibilidade de concessão de liberdade condicional quanto a um conjunto de crimes que são apresentados como mais violentos e repulsivos ou em caso de reincidência ou concurso de crimes, aumentando o tempo de cumprimento de pena para um mínimo de três quartos relativamente a outros delitos, acabando com a liberdade condicional obrigatória e dificultando a concessão das saídas precárias.
Discordamos do conteúdo dos dois projectos de lei em apreço, embora as razões de discordância se façam sentir com muito maior intensidade no que respeita ao projecto de lei n.º 492/VIII, emergente do PSD.
A primeira razão é a de que estes projectos assentam numa distorcida e falsa premissa: a de que, limitando a liberdade condicional ou acabando mesmo com ela, se diminuem os números de reincidência, evitando-se o cometimento de novos crimes. Ora, tal entendimento demonstra um profundo desconhecimento da razão de ser e da origem histórica da liberdade condicional.
Este instituto surgiu em 1846 como resposta da doutrina francesa contra o aumento significativo da reincidência que então se verificou. Curiosamente, defende-se agora a limitação ou eliminação da liberdade condicional em nome da segurança das pessoas e em nome da luta contra o crime. Ora, o que se deveria dizer é que, precisamente ao contrário, o cumprimento da pena de prisão sem a passagem pelo período de transição que representa a liberdade condicional é potenciador de novos crimes.
Os defensores deste tipo de soluções gostariam, na verdade, que os condenados por crimes graves cumprissem as suas penas durante todas as suas vidas, porque assim se evitaria a reincidência. Só que, enquanto não conseguirem atingir tal objectivo - e espera-se que nunca o consigam -, têm de compreender que qualquer condenado acabará por voltar à vida em liberdade, pelo que será de grande utilidade para a sociedade o ter-lhe oferecido alguma possibilidade de ressocialização ou, pelo menos, o ter evitado a sua ainda maior dessocialização.
Como o mundo muda ciclopicamente, é incompreensível que os condenados a penas de prisão de longa duração não devam beneficiar de um período de transição entre a vida na prisão e a vida em liberdade, em nome da segurança de todos nós e em nome de um princípio de emanação jurídico-constitucional: o princípio da ressocialização ou da solidariedade. É que, como nota Figueiredo Dias, a liberdade condicional é uma concretização daquele princípio de que «ao Estado que faz uso do seu ius puniendi incumbe, em compensação, um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes».
Aliás, Srs. Deputados, para aqueles que têm uma visão meramente securitária da justiça sempre se dirá que, em caso de violação de liberdade condicional, o preso cumpre o resto da pena mais nova pena; se não houver liberdade condicional, só o resto da pena, pelo que se conclui que a eficácia dissuasora é menor, naturalmente. Estamos, neste aspecto, de acordo com as declarações proferidas a esse respeito pelo Sr. Deputado António Filipe.
A estas razões de fundo acresce uma outra: o regime da liberdade condicional foi já objecto de um muito sensível endurecimento com a revisão do Código Penal de 1995 e estes projectos de lei não vêm acompanhados por quaisquer estudos de natureza criminológica que imponham a modificação do regime actual. Pelo contrário, o que vários estudos têm demonstrado é que Portugal surge como um dos países da Europa onde o tempo de duração efectiva das penas de prisão é maior. Não se compreende, portanto, a razão pela qual devemos alargar ainda mais este fosso.
Assentando os dois projectos em premissas indemonstradas, não merecem a nossa aprovação. Mais útil teria sido a preocupação com a alteração das condições efectivas de cumprimento da liberdade condicional, permitindo-se um efectivo acompanhamento do condenado e investindo-se em soluções facilitadoras da sua reintegração.
Com estes projectos de lei, os partidos proponentes estão a assumir, parafraseando o distinto penalista Professor Costa Andrade, «uma política criminal à flor da pele».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alteração proposta ao artigo 49.º-A do Decreto-Lei n.º 15/93 insere-se numa política de agravamento da penalização dos crimes em conexão com a

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droga, que o Partido Popular, em coerência, tem vindo a defender.
O Bloco de Esquerda, também em coerência com as posições que de há muito vem sustentando, manifesta-se contra tal política.
A posição que defendemos hoje, como sempre temos defendido, está de acordo com as políticas criminais modernas e humanas, cuja aplicabilidade foi recomendada pelo Conselho da Europa aos governos dos seus Estados-membros, em 19 de Outubro de 1992. Nessa Recomendação, a n.º 17/92, insiste-se particularmente no que concerne à redução do recurso à prisão, à utilização de outras medidas alternativas e à prossecução de uma política de descriminalização.
Trata-se, aliás, Srs. Deputados, de grandes princípios que representam uma notável conquista no campo dos direitos humanos e de que não podemos ceder perante políticas securitárias geradas por ocasionais sentimentos de insegurança. Eles decorrem da evolução do Direito Penal que, desde as grandes reformas do Iluminismo e do Liberalismo, se tem caracterizado, nos Estados de tradição democrática, por uma diminuição do sofrimento imposto pelas penas. E registo que na peculiar versão punitiva da democracia cristã, que aqui hoje nos traz o Partido Popular, ou no estranho pragmatismo do «príncipe moderno», aqui sugerido pelo Sr. Deputado Fernando Seara, esses princípios possam estar sujeitos às conjunturas securitárias que ocasionalmente se lhes possam deparar. Para partidos que se reclamam do conservadorismo, é uma estranha atitude…
No caso concreto dos fenómenos associados à droga, defendemos a despenalização do consumo e uma política de combate ao seu tráfico. Não cremos que tal política, em termos de eficácia, ganhe com o agravamento da penalização existente.
Sabe-se que do agravamento das penas não resulta a diminuição da criminalidade. Por isso, discordamos das soluções propostas de alteração do citado artigo 49.º-A, tanto pelo PP como pelo PSD.
Defendemos que, para combater eficazmente o tráfico de estupefacientes e punir os que o praticam - uma vertente essencial -, se criem e se implementem mecanismos dotados da necessária eficácia, permitindo a investigação de tais crimes, que se altere o regime do sigilo bancário, da regulamentação dos offshore e dos mecanismos usados para o branqueamento de capitais, a fim de permitir a descoberta das infracções e de punir os infractores.
Só com o recurso a essas medidas seria invertida a situação actual de impunidade objectiva dos barões da droga. Efectivamente, nas prisões portuguesas só se encontram, de uma forma geral, os pequenos traficantes. E seria unicamente sobre estes que recairia o agravamento decorrente das medidas de alteração ao regime da liberdade condicional, cuja aplicação o Partido Popular quer condicionar a um juízo subjectivo de avaliação dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 61.º do Código Penal, ou que o PSD, de uma forma mais radical, quer eliminar para esse tipo de crimes.
O projecto do PSD, mais abrangente do que o apresentado pelo PP, porque pretende alterar, na generalidade, o regime de liberdade condicional (alterando a sua própria posição sobre este assunto, acentue-se), suprimi-lo para vários crimes e agravá-lo para cerca de cinco dezenas de outros crimes, e porque propõe uma forte restrição ao regime das saídas precárias, merece-nos por isso maiores críticas e redobradas reservas.
Todas as medidas propostas vão contra a recomendação, já citada, do Comité de Ministros do Conselho da Europa. Aí se recomenda que os seus Estados-membros tomem medidas apropriadas para a revisão periódica dos princípios básicos para fixação das penas e que, nas práticas dessa fixação, devam ser reavaliadas para evitar uma severidade que se mostra inútil e ineficaz no combate à criminalidade organizada.
Por esses motivos, e ainda porque não aceitamos que se utilize o mecanismo de um endurecimento punitivo para obter um efeito psicológico destinado a compensar sentimentos de insegurança colectiva, votaremos contra os dois projectos em discussão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De forma muito breve, queria exprimir a posição de Os Verdes em relação aos dois diplomas hoje em apreciação, um da iniciativa do CDS-PP e outro do PSD.
Independentemente da nuance que reconhecemos existir nestes dois diplomas, estranhamente - e digo «estranhamente» pelas razões que já foram lembradas neste debate e, desde logo, porque o regime que hoje se aplica à liberdade condicional é da autoria do PSD, enquanto governo - constatamos que é o PSD que evolui num sentido mais negativo. Parece-nos importante referir que condenamos esta evolução, não só a proposta pelo Partido Popular, que uma vez mais reincide, de acordo, aliás, com as posições que tem defendido, no estigma em relação aos toxicodependentes e, portanto, ao tráfico que lhes está associado, como a proposta pelo Partido Social Democrata, que alarga ainda mais o leque das situações em que, pura e simplesmente, se retira a possibilidade de recorrer à liberdade condicional.
Parece-nos grave que se procure contrariar a tendência da evolução da política criminal. Esta é uma visão estigmatizante e que, na prática, recusa às pessoas a possibilidade de se reintegrarem socialmente, é uma visão que, no fundo, nega a possibilidade de as pessoas poderem ter a oportunidade de testar o seu confronto com a realidade.
Por outro lado, ao contrário do que foi dito, estas propostas acabam - não sei se é esse o propósito dos proponentes - por se recusar a fazer uma leitura sobre se, neste momento, o sistema prisional é capaz de garantir a reinserção social.
Termino, dizendo que votaremos contra os dois projectos de lei devido à visão implícita que transmitem do ponto de vista da política criminal. Seguramente, essa não é uma visão humanista, não a partilhamos e estamos certos de que ela não vai evitar coisíssima nenhuma mas vai negar muito daquilo que caberia à sociedade: por um lado, saber prevenir e, por outro, saber contrariar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, no fundo, queria apenas aproveitar este momento, antes de ouvir a intervenção do Sr. Deputado Mota Amaral e depois de ouvir as intervenções de Srs. Deputados de diferentes bancadas, para, em jeito de conclusão, dizer o seguinte: os senhores podem ser contra, podem achar mal, podem não gostar… Só que os senhores não falaram do que nós, CDS-PP, aqui propusemos; falaram de outras coisas!
A certa altura, o Sr. Deputado Fernando Rosas chegou a dizer «que proposta tão estranha para uma bancada conservadora! Como é que quem se reclama do conservadorismo vem propor um regime destes?». O Sr. Deputado Fernando Rosas sabe o que é que fizeram, nesta matéria, os governos conservadores na Europa, designadamente um governo que, penso, é conservador e democrata cristão, situado aqui mesmo ao lado, do Sr. José María Aznar? Por acaso, fez mais do que aquilo que propomos hoje. Fez o que o PSD está a propor, que é cumprimento integral da pena nos crimes de tráfico de droga e de terrorismo. Portanto, não percebo a sua estranheza nem as dúvidas que levanta.
Não sei se a Sr.ª Deputada Isabel Castro leu o projecto, mas a verdade é que veio falar dos toxicodependentes. Não sei o que é que os toxicodependentes têm a ver com o nosso projecto? Zero! O que propomos é que, nos crimes de tráfico de estupefacientes, de associação criminosa e de preparação de substâncias para o tráfico de estupefacientes, não haja liberdade condicional automática. É só isso que propomos, não tem nada a ver com estigmatização, nem com toxicodependentes, nem com todas essas coisas que os senhores nos querem atribuir e nos querem pôr a dizer.
O que dizemos é uma coisa muito simples: consideramos que o instituto da liberdade condicional se deve manter. Estou de acordo com o que Sr. Deputado Joaquim Sarmento dizia há pouco, só que a sua conclusão contraria o que diz. O senhor leu os projectos - e disso não tenho qualquer dúvida, até porque fez o relatório - mas, depois, a conclusão, repito, contraria o que diz. O senhor diz que o instituto da liberdade condicional é muito importante, porque permite um período de transição para avaliar se a pessoa está ou não em condições. O que é que as bancadas agora vêm dizer? Vêm dizer que o CDS-PP vem propor que é preciso saber das condições em que essa pessoa se encontra, da avaliação do que ela fez enquanto esteve presa, etc. e que isso é um estigma, é uma barbaridade, é uma coisa securitária. Ou seja, a pessoa está na prisão, continua a mostrar predisposição para cometer um homicídio - seguindo a visão alargada -, continua a mostrar todo o interesse em, logo que saia, voltar ao tráfico de drogas, e os senhores dizem «avaliação não, sai e sai sempre, porque isso é que é bom para essa pessoa e para os cidadãos»!
Srs. Deputados, peço imensa desculpa, mas não consigo perceber onde é que os senhores querem chegar, para além daquele que é o pior preconceito, que é o preconceito radical de esquerda!

O Sr. Dias Baptista (PS): - O Sr. Deputado sabe que não é isso!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, como o Sr. Deputado Telmo Correia calcula, vou falar em nome da bancada a que pertenço e não «dessas bancadas», como referiu.
Falando do projecto de lei n.º 407/VIII, do CDS-PP, parece-nos claramente que, quando se impõe um maior entrave ao exercício do regime de liberdade condicional a crimes associados ao tráfico de droga, sabendo que este crime está, não raras vezes, associado ao consumo, é porque ou estamos a considerar que esta é uma medida simbólica ou estamos a considerar que é uma medida para ter efeitos práticos, ou seja, para aumentar qualquer medida de segurança. Como não aumenta qualquer medida de segurança, só posso conceber que o objectivo deste diploma é, pura e simplesmente, o de assinalar uma punição que, do nosso ponto de vista, não tem sentido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, permita-me que agradeça à direcção do meu grupo parlamentar ter-me cedido algum tempo do partido para este debate, já que a minha intervenção é de discordância com o projecto de lei apresentado pelo PSD.
Não vou discutir a perspectiva teórica, vou, a esse respeito, dar um testemunho pessoal.
Por razões que são bem conhecidas, acompanhei de perto a recuperação e a reinserção social de um condenado por crime de tráfico de droga, associado à toxicodependência, e vi como a expectativa de poder, quanto antes, voltar à liberdade actuou positivamente como um factor de reinserção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, penso que o que se passou nesse caso concreto poderá passar-se, com certeza, com muitas outras pessoas.
Fechar, em absoluto, a possibilidade da liberdade condicional é remeter todos os condenados à desesperança. Lembra-me um verso de Dante, que cito de memória: «Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate». Ou seja, é colocar à porta das cadeias a mesma legenda que Dante inscreveu sobre a porta do Inferno!
Ora, preferiria que os que estão condenados por terem cometido algum crime vissem, na perspectiva de voltarem quanto antes à liberdade, ao convívio dos seus, um incentivo para se recuperarem. Não é apenas a cadeia ou os serviços que proporcionam a recuperação aos presos mas é também a família que os apoia. Nas circunstâncias da condenação, ela própria também se encontra presa, polarizada sobre o preso, limitada no seu próprio enquadramento social. Há todo um factor humano, para além das discussões teóricas - aliás, doutíssimas - que aqui foram trazidas por vários dos Srs. Deputados e das Sr.as Deputadas, que merece ser considerado.
Foi nesta base que pedi ao meu grupo parlamentar - e foi concedido - para opor uma objecção de consciência a

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este projecto, manifestando o meu desacordo e votando contra ele.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mota Amaral, tendo percebido as razões e a fundamentação da sua exposição, não queria, no entanto, deixar de sublinhar - começando também pelo meu «muito bem», respeitando as objecções que coloca, que não partilho, mas que compreendo - que creio que a sua objecção, curiosamente (mas porque é uma questão de consciência, é natural que assim seja) não se aplica ao projecto de lei que o CDS-PP aqui apresentou.
Isto porque, no nosso projecto, a única coisa que propomos, e volto a sublinhá-lo, é que, no caso do tráfico de droga, a liberdade condicional continua a existir. Só que sujeitamos à verificação da personalidade do agente, da evolução durante a execução da pena de prisão, evolução no sentido da ressocialização e do bom comportamento, e, uma vez em liberdade, o agente conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável. Ou seja, a única coisa que pretendemos é que a liberdade condicional não seja automática e que o juiz de execução de penas possa dizer que esse condenado, que demonstra estar interessado em voltar à liberdade, que demonstra querer usar essa esperança, que demonstra querer ser reintegrado na sociedade, pode beneficiar da liberdade condicional, que não será pura e simplesmente automática.
Queria, pois, aproveitar o tempo que ainda tinha disponível apenas para registar que a sua objecção, que compreendo e aceito, parece não se aplicar ao nosso projecto de lei.

O Sr. João Amaral (PCP): - Julguei que, quando pediu a palavra, fosse para pôr em voz alta aquilo que tinha estado a dizer!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu também!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Pensei o mesmo!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, agradeço a pergunta e peço-lhe que entenda a minha intervenção exactamente como aquilo que ela é: ao abrigo de uma permissão que me foi concedida pelo meu grupo parlamentar, exprimo a minha posição pessoal, não entro no debate dos outros diplomas sobre esta mesma matéria e remeto a posição do PSD sobre o projecto de lei do PP para a decisão do meu grupo parlamentar, em conformidade com a qual votarei.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer, muito brevemente, até porque disponho de pouco tempo, que o Sr. Deputado Telmo Correia não sabia do que é que eu estava a falar, mas eu explico-lhe. Eu estava falar do seguinte: os senhores têm na boca os princípios da democracia cristã, ou de uma certa visão da democracia cristã, e depois, quando legislam, aplicam uma visão carcerária e anti-humanista, completamente contrária a outro espírito da democracia cristã, que aqui se manifestou através da intervenção do Deputado Mota Amaral.
O que quero dizer é que, quando os senhores acabam com a liberdade condicional automática, estão a remeter a possibilidade de concessão da liberdade condicional para uma decisão subjectiva de um juiz e a poder prolongar aquilo que deveria ser uma oportunidade de reinserção social.
Estou, pois, a falar de princípios, e de princípios que se aplicam como retórica ou de princípios que se aplicam como realidade, na prática.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta minha intervenção foi suscitada por esta última intervenção do Deputado Fernando Rosa, a quem gostaria de dizer o seguinte: a questão é sempre a mesma, Sr. Deputado! O senhor pode vir interpretar, pode dizer que eu, que sou democrata-cristão, não posso dizer isto ou aquilo, mas devo dizer-lhe, Sr. Deputado Fernando Rosas, que o senhor será muito bom e muito eficaz como historiador e em inúmeras coisas; agora, para intérprete da democracia cristã, eu não o escolho a si - digo-o sinceramente!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Eu sei!

O Orador: - Do marxismo, do trotskismo, do republicanismo laico ou do que quiser, o senhor será um bom intérprete; da democracia cristã, apesar de tudo, não é o melhor intérprete!
Esta questão é sempre a mesma: é, obviamente, uma questão de equilíbrio entre valores de liberdade e de segurança. O CDS-PP é um partido conservador e democrata cristão e tem uma visão muito simples, que é a de que sem segurança não há liberdade!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - É este o nosso sentido de equilíbrio! Tem de haver segurança para que os cidadãos sejam livres! Os cidadãos que têm medo de sair à rua, que têm medo de ser assaltados, que têm medo de ser mortos, que têm medo da droga não são cidadãos plenamente livres! Esta é a nossa concepção.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro! E eles sabem que é assim!

O Orador: - Temos uma história suficientemente sólida, em termos democráticos, para não precisarmos desse tipo de comentários ou referências e somos muito claros nesta matéria! Não aceitamos mesmo, e consideramos curioso

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que, hoje em dia, em Portugal, esteja, sistematicamente, armado em campeão da liberdade e da liberdade dos cidadãos quem defendeu todos e os piores regimes totalitários do mundo, nos quais não existia liberdade!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A nossa escola é que é humanista, não é a vossa!

O Orador: - Como tal, Sr. Deputado Fernando Rosas, estamos muito certos disto e não aceitamos, de maneira nenhuma, ser acusados de carcereiros, pois tal não é verdade! Não é verdade!
Nós só dizemos, e volto a repetir, algo que é justo e razoável, que é o seguinte: a concessão de liberdade condicional deve ter em conta a personalidade do agente e o seu comportamento. Isto é razoável e de bom senso e tem lugar em países com democracias que respeitamos e defendemos…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … e onde, em alguns casos, se vai muito longe. Refiro-me a democracias como as que existem em França, em Inglaterra, nos Estados Unidos da América, sendo que, como ainda no outro dia foi dito, e bem, pelo Sr. Comissário António Vitorino, num debate em que o senhor estava presente, são esses países que principalmente representam a democracia e que partilham um conjunto de valores comuns!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Essa é que é a democracia, não é a democracia taliban - nessa, nós não acreditamos, nem a queremos, Sr. Deputado Fernando Rosas! Que fique muito claro o que é ser democrata-cristão e o que é ser conservador!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas, para gastar, numa intervenção, os 10 segundos que lhe restam.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Telmo Correia, não me venha dizer o que é que eu posso interpretar ou não, porque esse é que o critério dos taliban! Eu interpreto, politicamente, o que me der na «real gana»! Não me sigo pelos vossos critérios, tenho a liberdade de espírito de poder interpretar os princípios da ciência política de uma forma geral, e peço licença para poder interpretar também os da democracia cristã, da mesma forma que aceito que o Sr. Deputado e a sua bancada interpretem os meus!

O Sr. Presidente: - Para aquela que espero que seja a sua última intervenção nesta matéria, até porque já só dispõe de 22 segundos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, esse tempo chegará perfeitamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero só dizer ao Sr. Deputado Fernando Rosas que um dos méritos, que eu classificaria mesmo de superioridade moral, das democracias e dos democratas é o de permitirem todo o tipo de opiniões, sejam elas quais forem, venham de onde vierem, incluindo as maiores asneiras e aquelas que às vezes ouvimos e nos dão… Já ouvi o seu grupo parlamentar fazer afirmações, designadamente sobre a situação internacional recente, que me «dão a volta ao estômago», mas, em democracia, tenho de ouvir tudo, e ouvirei sempre tudo!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - É recíproco, Sr. Deputado! O que vem da vossa bancada provoca em mim a mesma disposição!

O Orador: - Sr. Deputado Fernando Rosas, posso continuar?

O Sr. Fernando Rosas (BE): - É que já não tenho tempo para lhe responder, pelo que tenho de o fazer desta forma!

O Orador: - Mas não tem de responder, e vai perceber o que lhe quero dizer!
O que lhe quero dizer é o seguinte: eu não disse que o Sr. Deputado Fernando Rosas não tinha o direito de interpretar a democracia cristã. Vá à acta e verificará que o que eu disse foi que não o seguia, a si, como intérprete da democracia cristã e que para mim não é o melhor intérprete, pois efectivamente não é!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.os 407 e 492/VIII, que foi muito interessante, como sempre!
Srs. Deputados, já estou em condições de proclamar os resultados da eleição de um membro para a Comissão Nacional de Eleições, a que se procedeu hoje, cuja acta é do seguinte teor: «Aos onze dias do mês de Outubro de dois mil e um, procedeu-se à eleição de um membro para a Comissão Nacional de Eleições.
O resultado obtido foi o seguinte:
Votantes - 132
Votos «sim» - 59
Votos «não» - 30
Abstenções - 31
Votos brancos - 11
Votos nulos - 1
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declara-se eleito para a Comissão Nacional de Eleições o candidato proposto Nuno Miguel da Silva Soares de Oliveira.
Para constar se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores: Rodeia Machado - José Reis.»
Vamos agora passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 100/VIII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da acção executiva e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

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O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República apreciará este mês duas reformas fundamentais para que o sistema de justiça contribua para a restauração de uma ética da responsabilidade na sociedade portuguesa.
Ética da responsabilidade em que o Estado e a administração em geral têm de dar o exemplo nas suas relações com os particulares e que inspira a reforma da justiça administrativa, já agendada para debate este mês, em Plenário. Ética da responsabilidade que deve marcar todas as relações sociais, de acordo com o princípio, tão simples quanto fundamental, de que a cada um incumbe cumprir escrupulosa e pontualmente as suas obrigações, e que motiva a reforma da acção executiva, que hoje aqui debatemos.
Um sistema de justiça eficiente é um elemento central de uma sociedade responsável. Um sistema de justiça ineficiente não garante o cumprimento das obrigações e o respeito pelos direitos, cria uma oportunidade para o incumprimento, gera a multiplicação de litígios, o que conduz ao bloqueio do próprio sistema, num ciclo vicioso, em benefício do infractor.
É um ciclo vicioso que fragiliza a coesão social, afecta a competitividade da nossa economia e penaliza duramente a generalidade dos consumidores que pagam no preço dos bens e serviços que adquirem a incorporação do risco estimado do incumprimento por parte daqueles que adequaram o seu comportamento à percepção de que a morosidade processual compensa o infractor.
A evolução das últimas décadas não deixa margem para ilusões. Em 1975, tínhamos pendentes 13 592 acções executivas, em 1990, já eram 96 690 e, no ano passado, as acções executivas tinham quadruplicado, atingindo as 431 289.
Temos aqui o reflexo, evidentemente, de uma sociedade que enfrentou um processo muito rápido de desenvolvimento, de acesso rápido a novos níveis de consumo e que viu multiplicarem-se novas e agressivas formas de acesso ao crédito. Estamos, porventura, perante um sintoma de uma doença infantil do consumismo, que requer maior regulação do mercado.
Mas a consciência da necessidade de outras medidas de política não diminui a necessidade da reforma do sistema de justiça, cuja ineficiência constitui, em si mesma, causa autónoma do incumprimento das obrigações.
Este é um dado que resulta claro da verificação de que o número de acções executivas aumentou sempre em época de expansão económica e diminuiu, precisamente, nas épocas de retracção. E é o dado que confirmámos no ano passado, quando arrendámos os armazéns e alugámos as viaturas para assegurar a remoção efectiva dos bens penhorados, ao verificar que os devedores, confrontados com a possibilidade do desapossamento efectivo dos bens, pagavam de imediato a quantia em dívida.
Isto significa que, na generalidade dos casos, o incumprimento não se deve à impossibilidade de pagar mas à oportunidade que o sistema oferece para adiar, ou mesmo inviabilizar, o pagamento, como se o sistema de justiça fosse um subsistema de crédito, que proporciona um confortável período de carência para o incumprimento das obrigações.
A reforma da acção executiva que aqui apresentamos tem, precisamente, por objectivo romper este ciclo vicioso, restabelecendo a credibilidade do sistema de justiça como garante eficiente do cumprimento das obrigações, destruindo a ideia hoje instalada de que vale a pena «deixar ir para tribunal», porque «enquanto o pau vai e vem, as costas folgam».
Reformar a acção executiva é enfrentar o núcleo duro dos problemas do funcionamento do nosso sistema judicial.
De 1,2 milhões de processos pendentes em tribunal, 932 000 são acções cíveis, e, destas, 46% são acções executivas. Só nas Varas Cíveis de Lisboa e Porto, dois terços dos processos pendentes são acções executivas.
É aqui que se expressa, com toda a crueza, a colonização do sistema judicial pelos processos de cobrança de dívidas, das quais 90% são de valor inferior a 2000 contos e 67% inferiores a 250 contos. Na tentativa de cobrança coerciva destes créditos esgota o sistema judicial grande parte dos seus recursos, num esforço incessante de reforço de meios, sempre insuficientes, perante uma procura que cresce a um ritmo muito superior.
Em 1999, os tribunais concluíram mais do dobro das acções executivas concluídas em 1990. Mas o problema é que o número de acções executivas quadruplicou.
Isto significa, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, que a solução não passa por acrescentar mais do mesmo, passa por uma ruptura estrutural com o nosso sistema de acção executiva. É aquilo que vos propomos.
Esta reforma parte de um primeiro pressuposto fundamental: regra geral, na acção executiva o direito está dito e esgotada a função jurisdicional. Sabe-se quem deve, a quem deve, quanto deve, só havendo que cumprir ou assegurar o cumprimento coercivo.
Há por isso que libertar o tribunal, e em particular o juiz, da condução e da tramitação do processo executivo, atribuindo a um agente de execução a efectivação do direito.
É este o modelo vigente em muitos países europeus. Nuns casos, como na Suécia, a execução está a cargo de uma entidade administrativa; noutros casos, como em França, Bélgica, Alemanha, a execução é confiada a profissionais liberais - os huissiers - a quem são conferidos poderes públicos.
Optámos por um modelo misto, tendo em conta, em particular, que no direito português dispomos de um vasto e diversificado leque de títulos com força executiva.
Assim, a execução é confiada a um solicitador de execução quando baseada em títulos que revistam particular segurança: decisões judiciais e arbitrais; requerimentos de injunção com fórmula executória e documento exarado, autenticado ou com assinatura presencialmente reconhecida por notário. As execuções baseadas em outros títulos, como letras, cheques, livranças ou outros documentos particulares com força executiva, ficarão a cargo dos oficiais de justiça.
As execuções hipotecárias caberão directamente aos conservadores do registo predial.
Esta inovação requer, naturalmente, regulamentar o acesso à função de solicitador de execução, exigindo um período mínimo de exercício prévio da profissão, formação específica, acreditação pública, sujeição a tarifário aprovado pelo Ministro da Justiça, regime de incompatibilidades e impedimentos e novas regras disciplinares, em suma, um novo quadro estatutário adequado a estas novas e exigentes funções.

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Compreendendo bem o alcance do desafio da construção de uma nova vocação profissional, em que avulta a responsabilidade de uma nova partilha de competências com o Estado, a Câmara dos Solicitadores vem, neste âmbito, oferecendo uma notável colaboração.
O segundo pressuposto fundamental em que assenta a reforma é o da necessidade de assegurar a intervenção judicial para a resolução de questões jurisdicionais que sejam suscitadas, tutela dos direitos e controlo da acção dos agentes de execução, designadamente para decidir em caso de oposição à execução ou à penhora ou dos recursos dos actos dos conservadores.
Fomos, aqui, particularmente sensíveis a várias das críticas formuladas no debate público, reforçando a intervenção do juiz na sua acção de controlo e tutela de direitos.
Assim, fica sujeita a despacho liminar a execução baseada em documento particular sem assinatura reconhecida; assim, depende de despacho judicial a inscrição na base de dados de pessoas sem património conhecido.
Em terceiro lugar, adopta-se o princípio da especialização, quer dos magistrados judiciais, quer dos oficiais de justiça.
Cria-se a figura do juiz de execução, a instalar nas comarcas e/ou círculos judiciais em que o movimento processual o justifique, afecto exclusivamente ao conhecimento das questões suscitadas em processo de execução e libertando os demais juízes para o tratamento das acções penais e das declarativas.
Do mesmo modo, os oficiais de justiça afectos a estes processos serão organizados em secretarias de execução, a exemplo das soluções já experimentadas com sucesso das secretarias de injunção ou das de serviço externo.
A reforma não se esgota nesta alteração da estrutura orgânica da acção executiva, propondo-se uma importante reengenharia de procedimentos orientada pelos objectivos de celeridade e da eficiência.
No estudo que o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa elaborou no quadro dos trabalhos preparatórios desta reforma é evidenciado como o excesso de formalismo contribui gravemente para a morosidade da acção executiva. Assim, e cito: «Uma acção executiva para pagamento de quantia certa sob a forma de processo ordinário, assente em condições óptimas de desempenho, decorrendo a sua tramitação dentro dos prazos legais, (…)» que fosse intentada a 4 de Janeiro de 2001 «(…) estender-se-ia (…) até 9 de Janeiro de 2003» - dois anos! -, data em que o credor poderia receber a quantia exequenda, embora o processo ainda se arrastasse por mais 10 meses, até Novembro de 2003, em trabalho burocrático no tribunal.
Propõe-se, por isso, a ruptura com a tramitação tradicional, eliminando os factores conhecidos de entrave à efectivação do direito e de estímulo às práticas dilatórias, da citação à venda de bens, passando pelo concurso de credores ou pelo efeito da oposição ou dos recursos.
Seria despropositado enunciar aqui, ainda que topicamente, um manual da nova acção executiva - deixarei isso para o Sr. Deputado António Montalvão Machado.
Não posso, porém, deixar de sublinhar quatro das alterações mais significativas.
Primeira: para prevenir a dissipação dos bens a citação passará em regra a realizar-se no próprio acto de penhora e esta traduzir-se-á necessariamente no desapossamento dos bens, seja pela sua remoção efectiva, seja pela imobilização mecânica quando incida sobre veículos automóveis.
Segunda: a penhora dirige-se primordialmente aos bens líquidos em dinheiro para permitir o pagamento imediato ao credor, pondo-se termo ao anacronismo da penhora dirigida a bens corpóreos, que exige a deslocação do agente de execução, a entrada no domicílio do executado, a remoção, o armazenamento e a venda dos bens, para, finalmente, se obter o seu valor líquido para satisfação do crédito. O que é, aliás, cada vez mais raro, visto haver cada vez menos património para garantir as obrigações, porque a casa já está hipotecada ao banco, o carro é utilizado em ALD com reserva de propriedade e a televisão é vista em leasing.
Terceira: elimina-se o concurso universal de credores e reduz-se o universo de credores privilegiados, substituindo-se pela citação dos credores conhecidos e pela criação de um registo central de processos executivos que evite a proliferação de acções em paralelo contra um mesmo devedor.
Quarta: é criada uma base de dados de pessoas sem património conhecido, onde será inscrito quem declare não possuir bens penhoráveis ou quem no processo não possa ser executado por ausência de bens, instrumento fundamental para dissuadir práticas de dissimulação de bens, para evitar a multiplicação de processos inúteis e para prevenir a concessão irresponsável de crédito ou facilidades de pagamento.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No início desta Legislatura, comprometemo-nos perante esta Assembleia a prosseguir com determinação uma estratégia de reforma do sistema de justiça e, passo a passo, temos vindo a dar-lhe execução.
Com a reforma da acção executiva enfrentamos o núcleo duro dos problemas do nosso sistema judicial. Uma reforma profunda e complexa e que não se esgota na intervenção legislativa.
Por isso, carece de uma vacatio legis confortável, não inferior a um ano, para permitir não só ao aplicador a completa apreensão das inovações legislativas mas também a instalação das estruturas e meios indispensáveis à sua entrada em vigor.
Temos consciência de que esta reforma da acção executiva exige-nos a revisão do processo especial de recuperação de empresas e de falências assim como a reabertura do debate sobre a necessidade e o modelo de um regime de protecção das pessoas singulares em estado de sobreendividamento. Sobre este, dispomos já de um estudo preliminar do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, que constitui uma boa base de trabalho para o debate. Quanto à recuperação de empresas e falências, foi constituído, no âmbito do Conselho Consultivo da Justiça, um grupo de trabalho com os representantes das confederações patronais e sindicais, que iniciou a consolidação da reflexão conjunta sobre as linhas orientadoras da reforma.
Há, portanto, que prosseguir com determinação a acção de reforma do nosso sistema de justiça, para já e agora com a reforma da acção executiva.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, depois de ter tido acesso, há instantes, a um parecer da Comissão Nacional da Protecção de Dados Pessoais, o meu pedido de esclarecimento adquire ainda maior significado.
Sr. Ministro, uma vez que, na sua intervenção, nada disse sobre os problemas de constitucionalidade de alguns artigos, nomeadamente do artigo 8.º da proposta de lei de autorização legislativa, que cria uma base de dados de pessoas sem património conhecido, pergunto: como é que no seu entender a proposta de lei se compagina com o artigo 35.º e um outro, de cujo número não me lembro, relativo à reserva da vida privada, da Constituição? Entende ou não que a solvabilidade de uma pessoa pertence à sua vida privada, já que o tratamento destes dados está efectivamente proibido pela Constituição?
Por outro lado, tendo em conta que também deve ter conhecimento do parecer da Comissão Nacional da Protecção de Dados Pessoais, gostaria de saber como é que pensa aceitar a resolução deste problema em sede de especialidade.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, como sabe, o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais incidiu sobre o anteprojecto e não sobre o projecto que acompanha a proposta de lei de autorização legislativa, que teve designadamente uma alteração fundamental, que foi a de se prever expressamente que a inscrição nessa lista pressupõe prévio despacho judicial.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas o problemas são os mesmos.

O Orador: - Em segundo lugar, como sabe, o parecer não se pronuncia; o que o parecer diz é que as questões essenciais terão de ser vistas no diploma próprio que as regulamentará e que a própria Comissão reserva-se para o parecer que dará aquando da apreciação do diploma.
A questão fundamental que temos de colocar é a seguinte: chamo a atenção para a comunicação da Comissão da União Europeia aos Estados-membros, ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre a eficácia das acções executivas no espaço europeu em relação à necessidade de haver um conhecimento mais aberto dos dados relativos ao funcionamento da acção executiva. E este é hoje o entendimento geral sobre esta matéria.
A lista que referi é fundamental, porque, em primeiro lugar, não podemos dizer ao mercado: «os senhores não podem conceder crédito irresponsavelmente» se o mercado não tiver possibilidade de ter acesso à informação. Aliás, hoje, o mercado já a tem, se este for um mercado for financeiro, porque os bancos e as instituições financeiras têm acesso à central de risco do Banco de Portugal. Quem não tem acesso a qualquer tipo de informação são os outros tipos de actividades que se encontram completamente desprotegidos no mercado. Portanto, hoje, temos um sistema que protege as instituições financeiras e desprotege as restantes instituições que concedem crédito.
Segunda razão fundamental: todos sabemos que se repetem as acções executivas totalmente inúteis, porque são interpostas contra pessoas em relação às quais se sabe, à partida, que não têm bens para executar. Portanto, trata-se de uma mera mobilização dos recursos do Estado para a tentativa de cobrança que se sabe impossível, tendo em vista a mera verificação da incobrabilidade para dedução em receitas fiscais. É a única razão de ser! Ora, isto é uma coisa completamente absurda e que tem de ser invertida.
Em terceiro lugar, temos de ter um mecanismo dissuasor para a atitude não colaborante de alguns executados. Quando o executado diz que não tem bens, temos de extrair todas as ilações desse efeito. Mas isso tem de consistir num ónus para o declarante! Muito bem! Diz que não tem bens, e isto é um sinal para o mercado. Atenção, não proibimos ninguém de contratar, mas quem contrata também fica a saber em que condições contrata.
Para mim, Sr.ª Deputada, há uma coisa fundamental: não posso aceitar que o nosso sistema judicial seja dominado e colonizado pela cobrança de dívidas. Esta não pode ser a função do sistema judicial! Temos de ter um sistema judicial para garantir os direitos das pessoas, para assegurar a tutela da legalidade, para controlar a violação dos direitos!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, esgotou o tempo regimental. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Vou concluir imediatamente, Sr. Presidente.
Não podemos ter os nossos tribunais transformados, como estão, em extensões dos serviços das empresas, como serviços de cobranças, e ter as varas cíveis de Lisboa e Porto, por exemplo, com dois terços dos processos como processos de cobranças de dívidas. E, como já aqui explicitei, o que, aliás, consta do relatório do Observatório, 90% das dívidas são inferiores a 2000 contos e 67% das são inferiores a 250 contos!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso não tem a ver com a pergunta que fiz!

O Orador: - É para isto que temos de mobilizar o nosso sistema judicial?! Não pode ser!
Quando as pessoas se queixam de que o sistema de justiça não funciona, temos de disponibilizar os meios do sistema de justiça para o funcionamento da tutela e protecção dos direitos das pessoas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: A proposta de lei em discussão tem o mérito de visar conferir eficácia à acção executiva através da simplificação processual e da

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desjurisdicionalização de actos a praticar no âmbito de acções executivas - penso, com isto, ter respondido à última parte da sua intervenção, apesar de não ter respondido à minha pergunta.
Na verdade, sabido é que se as acções declarativas são morosas maior morosidade ainda se verifica nas execuções que se arrastam muitos anos nas prateleiras das secções, terminando muitas vezes por impossibilidade de obter cobrança para títulos executivos.
Vários factores contribuíram para tal situação que redunda numa verdadeira explosão de títulos executivos.
A judicialização da crise social foi inevitável perante um incentivo claro e apelativo ao consumo que determinou um sobreendividamento das famílias portuguesas.
A inexistência de medidas sociais que debelassem a crise tornaram os tribunais em instâncias de resolução desses conflitos sociais. E daqui também resultou o aumento da morosidade da justiça.
Esta proposta de lei surge num momento em que já se fala de uma recessão económica inevitável, de uma anunciada descida das taxas de juro e de possíveis chamamentos apelativos ao aumento do consumo, o que, a verificar-se, e sem as necessárias medidas sociais, transferirá a morosidade da justiça para as secretárias dos solicitadores de execução e dos funcionários judiciais de execução.
Impõe também a verdade que se diga que, apesar da criação das secções de serviço externo, que poderiam ter potenciado uma maior celeridade da justiça, nunca foram estas secções dotadas de meios técnicos e humanos necessários a um eficaz desempenho das suas funções. A medida quase caiu em saco roto.
De maneira que surge esta proposta, como uma inevitabilidade. E entendemos que, de facto, é inevitável uma reforma, uma reforma com sinal positivo. Mas não é inevitável, e nunca o será, num Estado de direito democrático, o cerceamento de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, em nome de uma justiça descaracterizada da sua face humana.
Assim, se concordamos com muitas das disposições da proposta, quanto à desjurisdicionalização de actos que não são, de facto, jurisdicionais, se concordamos, por exemplo, com a criação do juiz de execução, dos funcionários de execução, do oficial público de execução, pensamos, no entanto, que ela contém soluções que devem ser objecto de uma profunda reflexão, sendo algumas, em nosso entender, inconstitucionais ou quase roçando a inconstitucionalidade. Outras soluções cerceiam, para além do razoável, garantias dos cidadãos, o seu direito à defesa perante uma ordem injusta.
Estão entre as propostas que nos parecem muito discutíveis, algumas mesmo de rejeitar, as que se referem à redução dos casos em que é obrigatório o patrocínio forense, à desjurisdicionalização de actos intrinsecamente jurisdicionais, à imposição de medidas de coacção disfarçadas com a eficácia asséptica da máquina executiva.
Em primeiro lugar, penso que é importante reproduzir aqui algumas reflexões do Prof. Doutor Lebre de Freitas relativamente à situação única da ordem jurídica portuguesa perante outras ordens jurídicas europeias. E passo a citar: «A generalidade dos países europeus é avara na concessão de exequibilidade a títulos não judiciais (…).
Portugal constitui o País europeu mais generoso na concessão da exequibilidade, progressivamente mais aberta e finalmente concedida pela revisão de 1995-1996 a todo o documento particular que, não respeitando a prestação de entrega de coisa imóvel, contenha o reconhecimento de uma dívida líquida ou liquidável por mero cálculo aritmético, ainda que não se apresente reconhecida a assinatura do devedor. Dado o aumento que tal representa, do risco de imputar a autoria do documento particular a quem não o haja subscrito, a abertura foi compensada (…)» com o artigo 812.º do Código de Processo Civil, em matéria de suspensão resultante de recursos de agravo. E acrescenta o Prof. Doutor Lebre de Freitas: «Ao actuar no campo da acção executiva, o legislador não pode esquecer esta especificidade do título executivo na lei portuguesa».
Ora, a proposta de lei, contrariando até, neste aspecto, o artigo 32.º do Código de Processo Civil, cuja alteração não se propõe, reduz os casos em que é obrigatória a constituição de advogado, o que não parece ser uma forma de dignificar o patrocínio forense.
O legislador parece simpatizar muito mais com as situações em que o exequente fica sob a alçada do oficial público de execução, do funcionário judicial de execução, entregue a uma minuta «standardizada» de um formulário onde se apõem umas cruzinhas.
Esta proposta contraria, aliás, o espírito do artigo 208.º da Constituição da República, que considera o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. E a proposta tende a favorecer uma solução menos garantística dos direitos dos cidadãos.
Não se trata aqui de uma questão corporativa, embora o percurso dos diplomas do Ministério da Justiça, que um dia seria curioso analisar nesta óptica, possam levar a que um estudioso conclua - talvez erradamente, dirá o Sr. Ministro, e eu direi «talvez ou não» - que, nuns diplomas, se privilegia uma classe que logo, noutros, se desatende, para, no seguinte, favorecer.
Tudo isto, quando o que está verdadeiramente em causa não são questões corporativas mas os direitos do cidadão.
É assim que não pode entender-se o que consta da proposta de lei, por exemplo, sobre o processo especial de execução hipotecária. Outros ordenamentos jurídicos atribuem, é certo, a competência para a venda de bens aos notários, mas não se pode fazer uma transposição cega de disposições de outras ordens jurídicas.
Sabe-se que os licenciados em Direito na carreira dos registos e notariado foram «aliviados» das suas tarefas com a privatização de actos notariais, mas, mesmo assim, impõe-se que se pergunte se as conservatórias do registo predial dispõem de instalações adequadas para o efeito e de funcionários para as novas tarefas.
Segundo o Presidente da Associação dos Conservadores e Notários, os conservadores dispõem de competência técnica, e não duvidamos disso, mas os funcionários precisam de formação específica que não está prevista.
Outro membro da referida Associação comentou que a nova medida governamental assenta na miragem da informatização dos registos, sendo, segundo ele, esse o problema. Cito: «O Governo já está a pensar que a informatização dos registos vai permitir uma grande disponibilidade de tempo e de pessoas, só que, por enquanto, essa informatização ainda é uma miragem».

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Mas há ainda, nesta matéria da execução hipotecária, outras questões a considerar. É que, em nossa opinião, há actos jurisdicionais, como, por exemplo, a decisão sobre a graduação de créditos, que competem à função jurisdicional, que só competem, de facto, aos tribunais, segundo o texto da Constituição da República. E, neste aspecto, pensamos que há aqui uma inconstitucionalidade.
Para finalizar, uma vez que o tempo escasseia, vou referir-me à questão das bases de dados, ainda antes de ter conhecimento do parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais, que só hoje chegou às minhas mãos e ainda há pouco tempo. E, a este respeito, Sr. Ministro da Justiça, peço-lhe desculpa mas aquilo que disse não me convenceu minimamente de que os objectivos que pretende, com a constituição das bases de dados de pessoas sem património conhecido, não viole frontalmente - repito, frontalmente - o artigo 35.º da Constituição da República. Para além de a proposta de lei ser omissa, como, aliás, entendeu a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais, ainda que sobre um diploma anterior relativamente ao qual deu parecer, sendo que o mesmo se verifica também aqui e não está colmatado, a proposta, que é de autorização legislativa, não tem a sua extensão devidamente definida, porque não sabemos quem vai ter o direito de acesso aos dados - e devo dizer que fiquei alarmadíssima, porque, por aquilo que o Sr. Ministro diz, isto é uma base de dados às escancaras, já que, segundo parece, o acesso vai ser facilitadíssimo -, nada estabelece sobre a fiabilidade destes ficheiros e contém bastantes lacunas que se traduzem numa falta de respeito pelo que consta na lei de protecção de dados pessoais.
Impõe-se saber - e foi esta a pergunta que coloquei ao Sr. Ministro - se à face do artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa pode ser criada esta base de dados. Entendemos que não! Entendemos que o inciso constitucional, no seu n.º 3, proíbe expressamente as bases de dados relativas à vida privada - é o caso -, salvo mediante consentimento expresso do titular, e ainda assim com garantias de não discriminação. E a situação de solvabilidade, como, aliás, o Tribunal Constitucional já assim considerou num acórdão, é matéria da vida privada e, portanto, está protegida pelo outro artigo relativo à protecção da reserva da vida privada. Por outro lado, a proposta de lei não respeita a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, admitindo que tem uma interpretação constitucional do artigo 35.º da Constituição.
Com efeito, a intervenção do Sr. Ministro foi importante para revelar que os objectivos que quer prosseguir não podem sobrepor-se àquilo que a Constituição prevê sobre os direitos fundamentais. São objectivos de coacção, de tentativas de intimidação e de dar eficácia à máquina da justiça, de aliviar os tribunais de processos, mas não há nisso qualquer respeito pelo que a lei estabelece - e a lei estabelece excepções quando há um interesse público ou quando é para assegurar um direito dos tribunais que seja tornado necessário. Mas não é este o caso!
Sr. Ministro, a sua resposta foi, efectivamente, um livro aberto. Com essa resposta sobre os artigos respeitantes à constituição desta base de dados de pessoas sem património demonstrou que muitas delas serão excluídos sociais, que muitas foram na miragem de querer uma televisão ou um vídeo…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, esgotou o seu tempo, pelo que tem de terminar.

A Oradora: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que esta base de dados de pessoas sem património viola direitos fundamentais, nomeadamente de excluídos sociais.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Entendemos, no entanto, que esta proposta é uma base de trabalho importantíssima para se conseguir, retirando algumas questões que, quanto a nós, sofrem de inconstitucionalidade ou não devem ser soluções a adoptar, uma boa reforma da acção executiva, que se impõe.
A Assembleia deve conseguir o difícil, mas possível, equilíbrio, entre a eficácia da justiça e o sistema garantístico da nossa lei fundamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República discute hoje um pedido de autorização legislativa formulado pelo Governo no sentido de este poder vir a alterar o Código de Processo Civil, para rever o regime jurídico da acção executiva, o Estatuto da Câmara dos Solicitadores, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, entre outros diplomas.
Tal pedido deriva, sem dúvida, da constatação pública, da qual se vem dando conta há anos, de que alguns dos nossos tribunais não funcionam com a celeridade devida, e de que, portanto, muitos, mas muitos, são os casos em que a justiça é denegada aos portugueses. E quando refiro «alguns tribunais», refiro-o com segurança.
A minha singela experiência de 25 anos de advocacia e outros estudos, que de resto já estão realizados, demonstram, como o Sr. Ministro referiu, que perto de 90% das execuções pendentes em Portugal correm as suas tramitações nas áreas de Lisboa e Porto. Se assim é, por muito que se mexa e remexa nas varas cíveis, nos juízos cíveis e nos juízos de pequena instância cível existentes nestas duas comarcas, pouco ou nada se adiantará, porque a pendência dessas centenas de milhar de execuções nesses tribunais de competência específica impede, de facto, que os respectivos juízes se ocupem, com eficácia e competência, da resolução dos chamados conflitos declaratórios.
Por isso é sabido que uma mesma acção declarativa, independentemente do seu objecto, demora o dobro ou mais do que o dobro em Lisboa e no Porto do que demora quando instaurada numa outra comarca do país, sendo certo que, sempre que me refiro a Lisboa e ao Porto, refiro-me também, e como compreenderão, às restantes comarcas que constituem as respectivas áreas metropolitanas.
Não tenhamos receio em afirmá-lo: o estado caótico a que a justiça portuguesa chegou deve-se à circunstância de a governação socialista não ter conseguido perceber, durante seis longos anos, que era preciso tomar medidas de prevenção a montante dos problemas, que

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acompanhassem o alastrante e reconhecido consumismo da sociedade portuguesa, o qual, se é sinónimo de desenvolvimento, é igualmente gerador, como foi, de um enorme aumento da conflitualidade.
Durante o primeiro governo socialista - relembre-se sempre,...

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

O Sr. Deputado Osvaldo Castro nunca gosta de ouvir isto, mas vai sempre ouvir isto.
Durante o primeiro governo socialista - relembre-se sempre -, o pior governo de Portugal, em matéria de justiça, desde a década de 60, nada se fez. Rigorosamente nada! Assistiu-se, apática e paulatinamente, à pioria constante da situação.
Agora, que a situação é desesperante, que o problema «bateu no fundo» de vez, procura-se um remédio singelamente copiado de modelos estrangeiros, em vez de se ter tido o cuidado de, a tempo e horas, com juízo de prognose e determinação e eficácia, se ter prevenido e actuado; no fundo, de se ter sabido governar, assunto para o qual, está mais do que demonstrado, o Partido Socialista não está, de facto, vocacionado.
Há anos, há vários anos, que venho sugerindo e pugnando pela instalação, justamente em Lisboa e no Porto, de dois tribunais de competência especializada executiva. Dois tribunais que exercessem as respectivas funções em todas as comarcas das respectivas áreas metropolitanas, desafogando-se assim os tribunais cíveis dos dois maiores centros urbanos do país, designadamente as comarcas de Vila Nova de Gaia, de Gondomar, de Matosinhos, de Cascais, de Sintra. Isto só para exemplificar algumas das que pior funcionam.
Há anos que luto por isto! E até hoje, infelizmente, em vão!
Repare-se que tal solução, como o Sr. Ministro sabe, não seria sequer original, pois ela assemelhar-se-ia em tudo ao que se passa já com os tribunais de Comércio de Lisboa e do Porto.
Este Governo sempre disse, certamente porque a ideia não foi dele, embora também não fosse original, que tal sugestão não resolvia o problema, e que por isso mesmo não era viável. Era viável! Era e é viável! E tanto é viável que agora, no artigo 2.º da proposta de lei em análise, pede o Governo autorização para, finalmente, criar tribunais de execução, juízos de execução e secretarias de execução.
Estávamos certos, tínhamos a certeza de que estávamos certos, e por isso mesmo não podemos deixar de apoiar esta iniciativa, que só peca por tardia.
Acontece que iremos apoiá-la, respeitados que se mostrem alguns requisitos nucleares. Primeiro, cautela quanto ao seu conteúdo, pois que a proposta apresenta várias outras inovações multiplamente discutíveis, mas também muitas outras bastante vantajosas, sobre algumas delas pronunciar-me-ei adiante. Segundo, cautela quanto ao rigor técnico e jurídico dos diplomas, para não se continuar a criar, pela má redacção jurídica e linguística do Governo proponente, textos que são um péssimo exemplo para os estudantes universitários e autênticos quebra cabeças interpretativos para os operadores judiciários, como ainda há bem pouco tempo referiu o Professor Lebre de Freitas, que a Sr.ª Deputada Odete Santos citou há instantes.
Pois bem, quanto ao conteúdo das propostas, haverá ainda muito sobre que reflectir. Interrogo-me: a que propósito é que, por exemplo, se ostracizam os advogados, deles se prescindindo, quando se executam sentenças condenatórias, ainda que as quantias exequendas sejam de milhares ou milhões de contos? E não me esqueço de lembrar que o texto original da proposta era ainda pior.

O Sr. Ministro da Justiça: - Melhorou!

O Orador: - Melhorou, mas pouco!
Mantendo-se, apesar de tudo, o patrocínio judiciário obrigatório em moldes razoáveis - são os portugueses que o querem, Sr. Ministro, são os portugueses que querem ter o seu advogado, aquele em quem confiam, aquele que contratam para o efeito -, a que propósito é que, nos casos das execuções baseadas nos títulos referidos no novel artigo 809.º, não hão-de ser as partes, através dos seus advogados, a elaborar os respectivos requerimentos iniciais executivos?
O que está previsto é que, nesses casos, a parte (ou o advogado) se limite a entregar o título executivo ao tal solicitador de execução, que preenche um formulário, como já disse a Sr.ª Deputada Odete Santos, ou um modelo para o efeito, ao jeito de um boletim de Totoloto, com umas quantas cruzes e duas ou três pequenas linhas para acrescentar seja o que for.
Como compatibilizar isso com a situação, relembro, de ter o exequente, por exemplo, de elaborar artigos de liquidação - não esqueçamos a alínea b) do artigo 46.º, que prevê a hipótese de títulos executivos de obrigações ilíquidas -, os quais envolvem, as mais das vezes, a inevitabilidade de extensas alegações?
Como compatibilizar essa coisa dos formulários, das normas-tipo ou modelo com a teoria de Liebman, que V. Ex.ª conhece tão bem como eu e que está hoje expressamente consagrada na lei, que vai no sentido de que a natureza jurídica do título não é mais o documento em si mesmo, outrossim a relação jurídica ou o acto jurídico que lhe está subjacente, de tal forma que, se os factos constitutivos da obrigação exequenda não forem suficiente e convenientemente alegados, o requerimento tem de ser indeferido liminarmente?
Aliás, devo dizer-lhe - e a Ordem dos Advogados concordou comigo, numa reunião no âmbito dos trabalhos da 1.ª Comissão - que não estou nada de acordo, como, pelos vistos, o Partido Comunista Português também não está, com esta exagerada visão burocrática e geométrica da elaboração de peças processuais. Sempre fui muito avesso a formulários, a modelos-tipo e quejandos, porque entendo que os mesmos são, no mínimo, redutores do pensamento e manietadores da minha inteligência.
Mas mais: como aceitar, sem restrições, que a venda de imóveis se passe a fazer nas conservatórias, estando estas assoberbadíssimas de trabalho como estão?
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: há quantos anos é que V. Ex.ª não entra numa conservatória?

O Sr. Ministro da Justiça: - Entrei ontem!

O Orador: - Vou contar-lhe um pequeno episódio que se passou, na semana passada, em determinada

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conservatória do registo predial do Porto - e não me peça papéis para provar o que estou a dizer senão, depois, eu mostro-lhos…

O Sr. Ministro da Justiça: - E eu respondo!

O Orador: - … e a seguir manda-me resposta a corrigir o erro -, a propósito de um processo em que exerço mandato: entrei antes das 12 horas, tirei um talão naquelas máquinas de tipo supermercado e, por sorte, saiu-me o n.º 56. Como estava a ser atendido o cidadão com o talão n.º 42, tive esperança. Mas mais de uma hora depois, na medida em que já passava das 13 horas, estava a ser atendido o cidadão com o talão n.º 47. Continuei a ter esperança, mas pensei: vou almoçar e, depois, regresso. Assim fiz. Voltei às 14 horas e já ia no talão n.º 51. Acabei por ser atendido, Sr. Ministro, eram 16 horas, mas foi, acredite, porque houve gente que estava antes de mim que desistiu.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Por que não se serviu do Estatuto da Ordem dos Advogados que lhe dá prioridade?!

O Orador: - Como é possível, não admitindo mais pessoal, como V. Ex.ª me disse que não admitia, e não dotando as conservatórias de mais e melhores infra-estruturas, sobrecarregá-las com este trabalho acrescentadíssimo das vendas imobiliárias?
Existe uma outra questão que carece de grande reflexão: aceitar, sem mais, sem discussão, que os ditos solicitadores de execução tenham também abertos ao público os seus escritórios, como profissionais liberais que são, por muito ou pouco que se legisle a propósito dos respectivos impedimentos - e o que está proposto não é grande coisa, registe-se -, não poderá constituir uma leviandade de que todos nos possamos vir a arrepender?
Passemos, então, à cautela quanto ao rigor técnico e jurídico dos diplomas. Invariavelmente, as propostas de lei são-nos apresentadas com deficiências, incorrecções, omissões e contradições.
Fui eu que li mal ou no preâmbulo da proposta de lei alude-se a um «juiz de instrução», quando, certamente, o que se queria escrever era «juiz de execução»?

O Sr. Ministro da Justiça: - Creio que sim!

O Orador: - Fui eu que li mal ou no artigo 2.º, n.º 2, alínea e), da proposta de lei refere-se a existência de um «oficial público de execução», quando, certamente, o que lá devia estar escrito era um «agente de execução»?

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Não foi o Sr. Deputado que fez isto, porque, se não, certamente, ainda estaria pior!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Na alínea f) do mesmo número e artigo, alude-se a «cominação de sanções» pela prática de determinados actos. O que é isto «cominação de sanções»? O Governo confunde deveres com ónus processuais? Aqueles - os deveres -, quando desrespeitados, implicam sanções, que são aplicadas e não cominadas; os ónus, esses sim, quando não satisfeitos, implicam cominações - depois, Sr. Deputado Osvaldo Castro, vemos professores universitários criticarem-nos pela péssima redacção legislativa. Portanto, a expressão «cominação de sanções» é coisa que nunca existiu!
Na alínea m) do artigo 15.º da proposta de lei, estabelece-se que os advogados e os membros de qualquer associação pública podem inscrever-se na Câmara dos Solicitadores. Mas a que associações públicas nos estamos a referir? E ainda, se o advogado pode inscrever-se na Câmara dos Solicitadores, como é que isso se compatibiliza com a alínea q) do mesmo artigo, que refere que só podem ser solicitadores de execução aqueles que contem com três anos de exercício da profissão?
Mas mais ainda, só por mero exemplo, quanto ao texto pretendido para o Código de Processo Civil, concretamente no artigo 60.º - que é o artigo que regula o patrocínio judiciário obrigatório na acção executiva e não o artigo 32.º, como a Sr.ª Deputada Odete Santos referiu -, continua o Governo a esquecer-se de substituir a expressão «alçada do tribunal de comarca», que não existe, por «alçada do tribunal de 1.ª instância»?
E no artigo 94.º, a propósito do foro executivo obrigatório para as execuções ditas hipotecárias, refere-se, por exemplo, que serão competentes o tribunal, o juízo ou a secretaria de execução da situação dos bens onerados. Mas, então, as execuções hipotecárias não vão constituir uma forma de processo especial a instaurar nas conservatórias do registo predial? Então temos um artigo a dizer que as execuções são instauradas no tribunal e outro a dizer que são instauradas na conservatória?!
No artigo 234.º, alínea e), remete-se para o n.º 6 do artigo 818.º, o qual nem sequer existe.
Quero dizer-lhe que há aqui uma porção de artigos apresentados como alterados que são exactamente iguais aos textos actualmente em vigor.
Enfim, anotei aqui muitos e muitos erros deste género de que falei e piores, que têm, em sede de Comissão, de ser corrigidos. Lamento dizer-lhe, Sr. Ministro, mas, infelizmente, é o costume.
Importa, no entanto, comunicar ao Governo e aos demais partidos desta Câmara que o Partido Social Democrata está pronto para iniciar esta tarefa cooperante, porque assim o impõe o seu sentido de responsabilidade e o seu empenho pela participação democrática na resolução de um problema que há muito deveria estar resolvido.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Ministro da Justiça: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Deputado António Montalvão Machado, deixe-me dizer-lhe, a título de questão prévia, que relembrou-me neste momento aquelas venerandas aulas de Processo Civil que teve

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ocasião de nos dar, e só tenho pena que o Sr. Ministro não tivesse lá estado,…

O Sr. Ministro da Justiça: - E eu ainda mais pena tenho!

O Orador: - … porque, certamente, muita coisa que aqui foi dita teria sido escusada.
Uma reforma da acção executiva que, de forma estável e duradoura, permita pôr termo a uma morosidade que, em Portugal, de tão chocante, quase assume em muitos casos proporções de verdadeira denegação de justiça é uma exigência que, ao que parece, todos nós partilhamos.
Só que a complexidade das causas justificativas desta morosidade, que, na prática, vem retirando eficácia a todo o sistema, faz com que a escolha das melhores opções para o seu combate não seja sequer uma tarefa fácil. E atrevo-me a citar aqui alguns exemplos daquilo que me parece serem causas elementares de morosidade dos tribunais em Portugal.
O primeiro é, obviamente, os muitos vícios criados por muitos anos de funcionamento dos tribunais sem meios e mal apetrechados, quer de um ponto de vista técnico, quer de um ponto de vista humano. E é óbvio que não se acaba com estes vícios de um dia para o outro.
Outro, quer-me parecer, Sr. Ministro, é uma excessiva jurisdicionalização e judicialização do processo executivo. E também por isso estaremos de acordo com a proposta que aqui nos apresentou.
Outro ainda - e saliento este aspecto - é o resultado natural do simples alargamento do elenco dos títulos executivos operado pela recentíssima reforma do processo civil, desde logo no que concerne aos títulos extrajudiciais, que não só facilitaram o recurso imediato à acção executiva como também motivaram novas razões para a dedução de embargos de executado, com as consequências inerentes a estes verdadeiros «enxertos» declarativos. Por isso, hoje, vemos que, se diminui o número de acções declarativas, porque, do ponto de vista do Governo, o direito deixou de ser tão controvertido, a verdade é que aumentou exponencialmente o número de acções executivas, sem que essas se resolvam sequer em tempo útil.
Veja-se, por exemplo, Sr. Ministro, o caso da repetida invocação da não genuinidade da assinatura, só possível pela dispensa do reconhecimento da assinatura do devedor em documento particular.
Refira-se até que Portugal é, no que respeita aos títulos contemplados, como V. Ex.ª sabe, aquele que, em toda a Europa, concede a maior exequibilidade.
Só que - e aqui atrevo-me a repetir o que pela Sr.ª Deputada Odete Santos já foi dito - razões para a referida morosidade são também as circunstâncias que, principalmente nos últimos anos, vêm motivando um consumo exacerbado da população e um endividamento assumido, até ao limite, pelas famílias portuguesas, que, por isso e ao primeiro abalo, logo ficam impossibilitadas de honrar os compromissos assumidos.
E por esta realidade, que urge combater e que teve como consequência imediata um tremendo aumento do recurso à via judicial, são primeiramente responsáveis o Governo - pela promoção dessa política económica e pelas opções erradas que, nessa matéria, vem tomando - e, obviamente, todos quantos promovem a concessão de crédito altamente facilitado e sem qualquer garantia de retorno, com especial destaque para a banca.
Não resisto até, nesta parte, Sr. Ministro, à tentação de citar as palavras proferidas pelo Dr. Macedo Varela, em seminário recente, organizado pelo Ministério da Justiça, sobre a Reforma da Acção Executiva: «Sem a anulação de tais causas sistémicas, situadas a montante da pendência judicial, não há reforma que valha à morosidade executiva. A continuar a ser tolerado o apelo desenfreado ao consumo e, consequentemente, ao endividamento desregrado das famílias portuguesas, maioritariamente de posses muito limitadas, continuarão os tribunais assoberbados com execuções por dívidas. Dívidas estas geradas pelos tais litigantes frequentes (banca, sociedades financeiras, seguradoras, etc.), que trazem os tribunais instrumentalizados como seus cobradores e quase exclusivamente ao seu serviço. Sem essa cura a montante, a celeridade da Justiça, como sublinhou o Sr. Procurador-Geral Adjunto, Dr. Pena dos Reis, pode ser perversa, na medida em que vai premiar o infractor: paga-se mais depressa a quem fomenta dívidas irresponsavelmente (…)» (ou seja, a dita banca, seguros, etc.). «(…) Não pode haver reforma executiva eficaz, quando se pactua com uma situação em que uma minoria de litigantes frequentes se assenhoreia de uma grossa fatia da actividade judicial, em detrimento das funções caracterizadamente jurisdicionais que respeitam ao comum dos cidadãos.».
Mas que dizer quanto à escolha da melhor opção para combate deste problema específico, que conhecemos e que, ao que parece, também preocupa o Governo?
Pela diversidade dos regimes propostos, dificilmente encontraremos resposta nas soluções adoptadas pela generalidade dos países, designadamente dos europeus.
Como explica o Professor Lebre de Freitas, que, como é óbvio, não quis plagiar, «em alguns sistemas jurídicos, o tribunal só tem de intervir em caso de litígio, exercendo, então, uma função de tutela. O exemplo extremo é dado pela Suécia, país em que é encarregue da execução o Serviço Público de Cobrança Forçada, que constitui um organismo administrativo e não judicial. Mas, noutros países, há um agente de execução (huissier, em França, na Bélgica, no Luxemburgo, na Holanda e na Grécia; sheriff officer, na Escócia) que, embora seja um funcionário de nomeação oficial e, como tal, tenha o dever de exercer o cargo quando solicitado, é contratado pelo exequente e, em certos casos (penhora de bens móveis ou de créditos), actua extrajudicialmente, sem prejuízo de poder recorrer ao Ministério Público, quando o devedor não dê informação sobre a sua conta bancária e a sua entidade empregadora, e de poder desencadear a hasta pública, quando o executado não vende, dentro de um mês, os bens móveis penhorados (o que, normalmente, ele não faz); pela sua actuação, não só responde perante o exequente mas também perante o executado e terceiros.
A Alemanha e a Áustria também têm a figura do agente de execução (Gerichtsvollzieher), mas este é um funcionário judicial pago pelo erário público, ainda que os encargos decorrentes da sua intervenção sejam suportados, no final, pelo executado, quando lhe são encontrados bens (…)», o que, em Portugal, raramente sucede», «(…) e excepcionalmente pelo exequente, no caso de execução injusta.(…)

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Ao invés, em Portugal, por ora, na Espanha e na Itália, o juiz não se limita às funções de tutela e controlo prévio; a ele cabe também a direcção de todo o processo, sem prejuízo de haver actos que são da competência da secretaria.».
Muito bem. Que dizer, então, da proposta de lei em apreço? - e aqui, com pena minha, como não consegui agendamento prévio ao Sr. Deputado António Montalvão Machado, vou ter de repetir muito daquilo que já foi dito, talvez por serem verdades duras como punhos.
Aparentemente, o Governo optou por uma solução que não só aposta numa maior desjurisdicionalização, dispensando, na medida do possível, a intervenção do juiz, mas também, em alguns casos, numa maior desjudicialização, dispensando até, em algumas etapas do processo, a intervenção até agora sempre necessária, do próprio tribunal (pense-se nas execuções hipotecárias e na venda de bens imóveis). E, na generalidade, devemos dizer que, ao menos na intenção, julgamos que o fez bem.
Há, todavia, muitas reservas, que teremos de colocar, mas, porque o tempo escasseia, não poderei enumerá-las à exaustão.
Sr. Ministro, a primeira reserva tem a ver com um claro afastamento da intervenção dos advogados no decurso da acção executiva, que poderá resultar em prejuízo do direito das partes ao acompanhamento e ao aconselhamento por profissional do foro, com violação do direito de acção e de defesa, enquanto direitos consagrados no artigo 20.º da Constituição da República.
E, Sr. Ministro, há aqui uma razão, que não é despicienda: com a reforma em apreço, o reforço da garantia do acompanhamento jurídico, que só o advogado pode prestar, será aconselhado, não apenas pela circunstância da grande exequibilidade a muitos títulos, que, só em Portugal, é prestada - e, portanto, com uma falta de esforço garantístico que há noutros países -, mas também pela grande diminuição, que agora se pretende, do controlo jurisdicional do juiz (se o número de títulos é maior, muitos deles sem sequer haver reconhecimento da assinatura, e se se pretende um menor controlo jurisdicional do juiz, então, até por isso, há uma razão acrescida para o aconselhamento jurídico do advogado).
Uma segunda reserva, Sr. Ministro, tem a ver com a possibilidade da propalada aceleração da acção executiva vir a ser prejudicada pela aparente falta de determinação de prazos estritos para a prática de muitos dos actos que passarão a ser competência dos futuros oficiais de justiça, das secretarias de execução e dos solicitadores de execução.
A terceira reserva, Sr. Ministro, tem a ver com a falta de menção expressa à necessidade de se consagrar - e isto, para nós, é essencial - a exclusividade no cargo dos futuros solicitadores de execução, essencial por forma a garantir a celeridade que foi motivo para a criação da própria carreira e também, Sr. Ministro - por que não? -, para garantir, desde logo, a inexistência de conflitos de interesses entre a actividade de um solicitador de execução e aquela que seria a sua actividade, caso a carreira fosse generalista.
De um solicitador de execução, que se dedique em exclusividade à solicitadoria de execução, podemos esperar que coloque todo o seu empenho e competência ao serviço, apenas, dos processos de execução que haja de tratar e em benefício da parte que, para tanto, o contratou.
O mesmo não se diga de um solicitador de execução generalista, a todo o tempo distraído nas suas funções, pelas diferentes motivações conferidas por uma grande diversidade de serviços.
A quarta reserva, Sr. Ministro, tem a ver com a dúvida mais que razoável, que eu teria como certeza, acerca da capacidade das conservatórias do registo predial exercerem, com desejável celeridade, as novas competências que, em sede de execução hipotecária e venda de imóveis, se lhes pretende atribuir.
Se, para solicitar uma simples certidão, qualquer cidadão já parte para a generalidade das conservatórias deste país com a certeza de que vai ter de perder grande parte do dia em filas infindas (testemunho directo prestado aqui pelo Sr. Deputado António Montalvão Machado), para ser quase sempre mal atendido por funcionários indispostos pela falta de meios e de condições de trabalho(quero crer), o que esperar, em termos de diligência e eficácia, no que toca à capacidade de tratar de milhares de execuções hipotecárias e de vendas de imóveis? Certamente, Sr. Ministro, seria o caos e a falência da iniciativa.
Pense-se só nos milhares de execuções hipotecárias que só os bancos promovem, com base na falta de cumprimento de contratos de mútuo para habitação com hipoteca.
De resto, são os próprios conservadores, Sr. Ministro, que, conscientes das suas limitações, não pretendem estas novas competências que lhes são dadas.
Pretende, eventualmente, o Governo aliviar os tribunais para criar a falência das conservatórias do registo predial? Esquece-se o Governo, inclusivamente, que há questões, no decurso da própria execução, que hão-de ser dirimidas por um juiz e que, portanto, teremos de discutir a execução não só nas conservatórias como no próprio tribunal?
Afinal, o que pretende o Governo nesta matéria?
A quinta reserva, Sr. Ministro, tem a ver com o facto de se ter de exigir prévia autorização judicial para a consulta por agentes de execução de bases de dados fiscais dos executados, mas a mesma autorização não ser exigível para, por exemplo, bases de dados da segurança social.
A sexta reserva, Sr. Ministro, tem a ver com a pretendida criminalização do comportamento do devedor que se recuse a fornecer informações.
Sabemos que essa é a solução, por exemplo, da lei alemã e da lei dinamarquesa. Só que essas leis, Sr. Ministro, são muito mais garantísticas e, em Portugal, há muitos mais títulos do que na Alemanha ou na Dinamarca.
Pois bem, Sr. Ministro, quando aqui facilmente se falsifica um documento particular, quando aqui há grande probabilidade de a questão ser efectivamente controvertida, pretende-se criminalizar à imagem do que é feito na Alemanha e na Dinamarca, quando é certo que lá os títulos executivos têm um carácter garantístico conferido, por exemplo, pela sentença ou pelas hipotecas? V. Ex.ª pretende, mas, salvo o devido respeito e melhor opinião, pretende mal!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

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O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, são estas apenas algumas das reservas que esta proposta de lei nos suscitou, pelo menos aquelas que pudemos discutir. Esperemos, ao menos, que elas possam ser superadas em sede de especialidade, com o bom senso e a boa vontade que V. Ex.ª normalmente demonstra ter nessa fase quanto a estas matérias.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de dar início à minha intervenção propriamente dita, quero fazer duas considerações.
Assisti a este debate durante todo o tempo em que ele se processou e cheguei à conclusão de que mais parece que alguns dos meus colegas que nele participaram estiveram aqui em representação da Ordem dos Advogados.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Em representação dos clientes dos advogados! Dos consumidores e de todos os cidadãos que precisam dos advogados!

A Oradora: - Quero aqui deixar claro que também exerço advocacia e que tenho uma atitude completamente diferente em relação à posição que a Ordem dos Advogados tomou neste ponto particular. Entendo que a alteração que, espero, virá a ser aprovada ao artigo 60.º do Código de Processo Civil não prejudica advocacia.

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Sobretudo nós, que estamos aqui no exercício de funções para as quais fomos eleitos, devemos ter uma atitude não corporativista.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Governo também tem espírito cooperativista!

A Oradora: - Não compreendo qual é a necessidade de se exigir que um advogado intervenha num processo de execução quando este processo tenha por base uma sentença judicial, ainda que o montante da dívida ultrapasse os 3000 contos, se esse mesmo advogado já interveio na fase declarativa, a fase onde se discutiu o direito…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Já interveio?! E se se tratar de uma acção não contestada?!

A Oradora: - Se não interveio esse advogado…

Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que deixe ouvir a sua colega.
Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Portanto, nessas situações, em que se dispensa a intervenção do advogado, o direito já está afirmado. Nas execuções de pequeno valor também não vejo qual é a utilidade pública de se exigir a intervenção de um advogado, por exemplo, na execução de um cheque de 500 ou 600 contos.
Devemos pensar que o exequente já está bastante desfalcado por não ter conseguido obter normalmente o pagamento da quantia a que tem direito. Ora, se a lei exigir a intervenção de um profissional habilitado, como a de um advogado, esse cidadão, que está sem a quantia a que tem direito, teria ainda de suportar os honorários devidos a um advogado…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, e o apoio judiciário?

A Oradora: - …quando, em princípio, o título comporta toda a definição do seu direito. Portanto, o advogado não iria acrescentar nestas situações qualquer mais-valia. Se, entretanto, forem colocadas questões que ponham em causa os direitos, liberdades e garantias está assegurada a possibilidade de o advogado intervir.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não há apoio judiciário neste país!

A Oradora: - Agora, sim, passo à minha intervenção.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo sujeita hoje à discussão e aprovação desta Câmara a sua proposta de lei de autorização legislativa n.º 100/VIII.
Esta proposta de lei tem por escopo habilitar o XIV Governo Constitucional a proceder à alteração do regime jurídico da acção executiva e do Estatuto da Câmara dos Solicitadores. O sentido e a extensão da autorização legislativa a conceder ao Governo estão devidamente definidos nos 16 artigos que constituem a proposta de lei em debate.
Importa referir que o Governo faz acompanhar a sua proposta de lei de autorização legislativa do projecto do decreto-lei autorizado, atitude que merece ser saudada pela transparência de propósitos que evidencia.
Esta Assembleia está, assim, na posse de todos os elementos para poder ajuizar cabalmente sobre a bondade desta nova regulação legislativa que o Governo pretende para um segmento nevrálgico da nossa da vida jurídica.
O estado da justiça no nosso país constitui, actualmente, uma das principais preocupações dos portugueses e está no centro do debate político nacional. Expressões como «crise da justiça» ou «colapso da justiça» eram vulgarmente usadas até há bem pouco tempo para caracterizar a situação da administração da justiça no nosso país.
Ninguém ignora que a justiça portuguesa atingiu o seu ponto limite há já alguns anos a esta parte. Manifestação desta realidade é a excessiva morosidade processual das acções que correm termos nos nossos tribunais.
Conhecedor desta realidade, o Governo português assumiu para com os portugueses o desafio de lhes

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proporcionar uma justiça melhor, colocando-a ao serviço da cidadania e do desenvolvimento.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Para o efeito, estabeleceu prioridades, definiu uma estratégia e deitou mãos à obra - é isto que a muita gente custa ouvir. Um novo edifício, robusto nas suas fundações, está a ser construído para a justiça. Os compromissos têm sido cumpridos e têm-no sido em tempo útil.
Estamos hoje, por isso, em condições de poder afirmar que - fruto de uma política, com um rumo bem definido, que tem vindo a ser seguida por este Governo com excepcional determinação - a situação no sector da justiça tem registado significativas e proveitosas mudanças.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Os factores geradores do bloqueio à eficácia e eficiência da justiça estão minuciosamente diagnosticados e são conhecidos. Fala-se da morosidade processual, da falta de meios técnicos e humanos, das más condições de trabalho dos operadores judiciários, do aumento da litigância, da acumulação de processos. Mas a cada um dos grandes problemas da justiça o Governo tem respondido com ambição, com soluções consistentes e sensatas, que têm, aliás, suscitado a adesão da generalidade da comunidade jurídica e de vastíssimos sectores da opinião pública.
Hoje, mais uma vez, o Sr. Ministro da Justiça apresenta a esta Assembleia um pacote de medidas inovadoras destinadas à reforma da acção executiva e do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma das razões que frequentemente é invocada para ilustrar a ineficiência do sistema judicial é a morosidade processual, e uma das principais causas da morosidade processual prende-se com a excessiva acumulação de processos pendentes nos nossos tribunais.
Neste domínio, convém referir que nos últimos 25 anos se registou uma verdadeira explosão na litigância cível. Das cerca de 932 000 acções cíveis que correm nos tribunais portugueses metade são acções a que corresponde o processo executivo, e do volume processual das varas cíveis do Porto e de Lisboa, como referiu o Sr. Ministro, cerca de dois terços são acções executivas.
Este peso excessivo das acções executivas no grosso do volume processual em andamento nos nossos tribunais, ao invés de diminuir, tem vindo a aumentar exponencialmente; e o horizonte expectável, se não forem tomadas medidas efectivas, será o de um cada vez maior número de acções desta natureza nos tribunais, dado o conhecido sobreendividamento das famílias portuguesas, potenciado pelas facilidades no acesso ao crédito.
Grande parte do labor dos Srs. Magistrados é, assim, direccionado para o despacho diário de processos de execução, cuja regulamentação actual lhes exige a prática de um significativo número de actos de natureza materialmente administrativa, que nada têm a ver com as suas funções jurisdicionais.
Está hoje mais do que demonstrado que as acções executivas são uma das principais causas de asfixia à actividade dos tribunais e de bloqueio à acção da justiça. Preocupado com esta realidade que afecta negativamente milhares de portugueses e que corrói a credibilidade do sistema judicial, o Governo português, através do Sr. Ministro da Justiça, propõe a esta Assembleia um pacote de medidas que, a serem aprovadas, como se espera, vão operar uma profunda, mas saudável, alteração na tramitação destes processos.
Da análise da proposta de lei e do projecto do decreto-lei autorizado podemos afirmar que estamos perante uma reforma que incorpora uma ruptura profunda e efectiva com o sistema vigente.
O Governo parte da constatação - a nosso ver, acertada - de que nas acções executivas o que está em causa é a reparação efectiva de um direito e não a afirmação do mesmo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Não se trata já, nesta fase, de declarar direitos preexistentes ou a constituir mas, sim, de providenciar pela reparação material coactiva do direito do exequente. Tais tarefas não assumem uma natureza verdadeiramente jurisdicional, pelo que não se justifica que estejam dentro do domínio da reserva de competência judicial. Não podemos confundir execução com jurisdição.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - E este é o novo paradigma que o Governo nos propõe para a acção executiva: retirar a sua tramitação da alçada do juiz e confiá-la aos agentes de execução.
A tramitação da acção executiva pode, com segurança, isto é, sem que sejam postos em causa os direitos, liberdades e garantias das partes, maxime do executado, ser assegurada por um órgão da administração ou por um profissional liberal, como acontece, aliás, na generalidade dos países da União Europeia.
Por isso, o Governo espera obter desta Assembleia autorização legislativa para que entre nós os processos de execução passem a ser distribuídos a outros operadores: aos solicitadores de execução, às secretarias de execução ou às conservatórias do registo predial, conforme se trate de processo comum de execução ou de processo especial de execução hipotecária.
Pretende-se que as execuções baseadas em decisão judicial ou arbitral, em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, em documento exarado ou autenticado por notário ou em documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor - todos títulos onde as garantias de incontestabilidade são maiores - sejam tramitadas pelo solicitador de execução, que é um profissional liberal que vai actuar de acordo com uma tabela aprovada pelo Ministério da Justiça.
Quanto aos demais títulos, isto é, àqueles que não tenham sido objecto de nenhuma apreciação judicial ou tido a intervenção de um oficial público, propõe-se que a execução fique a cargo das secretarias de execução.
No caso do processo especial de execução hipotecária ou quando se trate da venda de imóveis em processo

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comum de execução, a competência para a respectiva tramitação passará para o conservador do registo predial.
Não se diga, Srs. Deputados, que com tais alterações a acção executiva fica desguarnecida de tutela judicial. Esta é garantida sempre que no decurso do processo comum ou do processo especial de execução hipotecária estejam em causa direitos, liberdades e garantias das partes ou se levantem questões de natureza jurisdicional. Para o efeito, prevê-se a criação da figura de «juiz de execução», magistrado que se limitará a intervir no tratamento de questões exclusivamente atinentes aos processos de execução, garantindo-se tratamento especializado e maior celeridade na resposta.
Toda a regulação jurídica pretendida ao abrigo desta autorização legislativa é marcada por uma grande preocupação em dotar a acção executiva de condições de eficiência e de garantir à mesma a credibilidade que tem de ter como meio civilizado de cobrança de dívidas.
Na sistematização da acção executiva, a par das secretarias de execução, do solicitador de execução, do conservador do registo predial e do juiz de execução, o Governo prevê a criação de dois registos importantes: o registo informático das acções executivas pendentes e a lista das pessoas sem património.
O registo informático de execuções pendentes tem em vista fornecer aos agentes de execução informação do rol das execuções pendentes sobre o executado, por forma a que o requerimento executivo seja apensado, quando o exequente for titular de um direito real de garantia registado ou de arresto, penhor, direito de retenção ou privilégio creditório especial e no processo de execução pendente ainda não tenha sido proferida a sentença de graduação.
A lista dos devedores sem património tem como objectivo central evitar a prática de actos inúteis, fornecendo-se informação prévia aos agentes de execução sobre a insolvência dos executados, casos em que, muito provavelmente, a execução estaria votada ao fracasso por ausência de bens no património do devedor.
Acresce que esta lista tem ainda um efeito dissuasor sobre os maus pagadores, porquanto dá ao mercado informação para que se saiba qual o risco que comporta a concessão de crédito a quem, à partida, não tem património para assegurar e garantir o pagamento das suas obrigações. No que diz respeito a este ponto particular, não vejo como esta situação possa pôr em causa, de uma maneira inadmissível, o direito à privacidade previsto na Constituição, até porque esta lista visa dar publicidade daquelas pessoas que não têm património. Ora, sabemos perfeitamente que a maior parte das pessoas que não têm património conhecido não são os pobres, são pessoas que efectivamente têm património conhecido e que, portanto, não irão ser prejudicadas ou discriminadas do ponto de vista da sua situação económica por constarem dessa lista, pois a sociedade em geral sabe que elas até têm património.
Para obstar ao problema crónico da acção executiva não ser eficaz por se iniciar com a oportunidade que é dada ao executado de voltar a discutir tudo o que já foi dirimido na acção declarativa e a possibilidade que actualmente o sistema lhe proporciona de sonegar os bens que eventualmente tenha para garantia do pagamento das obrigações que contraiu, o Governo prevê a possibilidade de a penhora ser prévia à citação em todas aquelas situações em que o direito já tenha sido declarado por forma a não suscitar dúvidas dignas de tutela judicial, como, aliás, já acontece actualmente em algumas situações.
Assim, sempre que as execuções se fundem em sentenças, documentos notariais ou requerimentos de injunção com força executiva, a citação passará a ser efectuada com o próprio acto de penhora.
Quanto às demais execuções, razões de segurança jurídica reclamam a necessidade de ser proferido despacho liminar de citação pelo juiz de execução, pelo que a penhora será posterior.
Uma das razões da ineficácia da penhora de bens no actual sistema tem a ver com o facto de a penhora apenas se realizar formalmente, isto é, documentalmente, porque, na realidade, o devedor com bens penhorados continua a poder usar e fruir esses bens como se nada tivesse sucedido. Na maior parte das situações é o próprio devedor que é nomeado fiel depositário dos bens penhorados, situação que estimula o incumprimento das obrigações por parte dos devedores, com todas as consequências perversas que daí emanam para uma cultura de responsabilidade que deve ser fomentada na sociedade.
Com as alterações propostas, pretende-se que à penhora de bens corresponda sempre um efectivo desapossamento dos bens penhorados ou a impossibilidade de utilização desses mesmos bens. O sistema não deve funcionar, ele próprio, como um subsistema de crédito, em que as pessoas não pagam porque sabem que a justiça muito dificilmente as forçará a pagar. Os poderes públicos, a quem cabe a iniciativa legislativa, não podem continuar a conviver com este status quo.
É essencial à credibilização da justiça e do Estado de direito que as instituições funcionem, que não seja indiferente cumprir ou não cumprir as obrigações que se assumem, para que se não dissemine na sociedade uma sensação de impunidade. E para isso têm de existir regras claras, exequíveis e com consequências penalizadoras para os que não aderem ao Estado de direito, mas querem usufruir dos benefícios do Estado de direito.
De salientar, por fim, por se considerar ser uma medida inovadora de efeitos práticos muito positivos, o facto de a penhora passar a incidir primeiramente sobre os depósitos bancários, os títulos e os valores mobiliários e de crédito, que são mais fáceis de penhorar, escapando, desde logo, a obstáculos vários que se colocam à penhora de bens móveis.
Srs. Deputados, pelas razões sumariamente expostas, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai votar favoravelmente a presente proposta de lei de autorização legislativa, porque a considera ser um passo importante para dotar o sistema de condições de celeridade e eficiência na administração da justiça.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, ouvi-a com muita atenção e, na sua intervenção, V. Ex.ª referiu que a

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execução de sentenças de grande valor não justificava a intervenção de advogados, que a execução de sentenças de pequeno valor também não justificava a intervenção de advogados… Se calhar, nada o justificava. Aliás, a Sr.ª Deputada, depois, até teve - desculpe-me o à-vontade - a ousadia de dizer que os advogados não vão acrescentar qualquer mais-valia! Tomou bem conta do que disse?! É preciso que se saiba que foi dito aqui, na Assembleia da República, que os advogados não trazem qualquer mais-valia nas acções executivas para patrocinar os interesses dos nossos concidadãos! Isto é, de facto, uma coisa absolutamente inacreditável! V. Ex.ª não atentou bem na lei!
Sr.ª Deputada, pergunto-lhe se sabe que quando se tratar de documentos autênticos, de documentos autenticados ou de documentos particulares não autenticados mas com intervenção notarial a parte, ainda que tenha de ter advogado - e esta foi uma condescendência do Governo -, o advogado não tem o direito de fazer sequer o requerimento inicial executivo, que é a peça mais importante do processo, tem de ser o cidadão a pegar no papel, no título, e a levá-lo ao Sr. Solicitador de execução. Acha bem que numa acção de 1 milhão ou de 2 milhões de contos, obrigação documentada numa escritura, o português que quer que seja o seu advogado a fazer a sua peça processual não a possa fazer?! É só isto! E a Sr.ª Deputada diz-nos que a intervenção de um advogado não traz mais-valia!
Olhe, eu não falo pelos advogados - não estou mandatado para isso, nem nunca fui membro de nenhum conselho geral da Ordem dos Advogados -, até porque, como sabe, a minha actividade principal não é a advocacia mas, sim, a docência universitária, mas falo pelos portugueses que querem ter o seu advogado. E é por isso que lhe pergunto se mantém a mesma frase, a de que os advogados não trazem mais-valia. Então a parte que quer que seja o seu advogado a fazer o requerimento executivo está impedida de o fazer?! O advogado está impedido de o fazer! Está mesmo impedido!
Sr.ª Deputada, se bem estudou - e estudou, com certeza, como eu -, nos documentos particulares não autenticados, sem intervenção notarial, é a parte que tem de fazer o requerimento executivo, mas nos outros não é, não pode fazer! Isto não é uma dispensa de advogado, é uma proibição de patrocínio judiciário de que não há memória na história legislativa portuguesa. Nunca se proibiu as pessoas de terem os seus advogados. As partes estão proibidas de terem o seu advogado a apresentar o requerimento inicial executivo! Estão proibidas! O que é dito é que têm de levar ao Sr. Solicitador de execução o próprio título, e é ele que faz o requerimento inicial executivo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro. Dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Montalvão Machado, antes de mais os meus agradecimentos pela questão que me colocou, se bem que o Sr. Deputado tenha sido redutor relativamente às minhas declarações.
Eu não disse, de uma forma descontextualizada, que o advogado não traz qualquer mais-valia; o que eu disse foi que nas execuções que têm por base títulos seguros, que não oferecem grande contestação, onde já houve, por exemplo, uma sentença judicial, onde há um documento notarial, onde há um documento particular com assinatura reconhecida pelo notário, estes documentos oferecem garantias de certeza jurídica que não reclamam a obrigatoriedade de intervenção do advogado numa fase inicial do processo.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - É proibido!

A Oradora: - Se eventualmente, a posteriori, vierem a ser colocadas questões que ponham em causa os direitos, liberdades e garantias, então a parte pode fazer-se representar por advogado. Acresce que o processo de execução não ficou completamente sonegado à tutela de um juiz, que é um magistrado com formação técnica; assim, se forem colocadas dúvidas que possam pôr em causa os direitos, liberdades e garantias da pessoas, esse magistrado tratará de providenciar relativamente a essas dúvidas.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Também era melhor!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Era o que mais faltava!

A Oradora: - Sr. Deputado António Montalvão Machado, embora tenha pelo senhor uma extrema admiração e respeito, não lhe reconheço o direito de se arvorar em defensor dos advogados mais do que eu, que também sou advogada e, contrariamente ao senhor, até nem sou docente universitária. Faço da advocacia uma profissão quotidiana, e, portanto, tenho imenso respeito pelos advogados, pois também ando todos os dias pelos tribunais.
Agora, a minha experiência como advogada diz-me que, nessas execuções, a nossa mais-valia, em termos da importância que ela possa ter para a decisão final, é muito pouca.
Respeito uma opinião diferente, mas esta é a minha opinião e assumo-a aqui com toda a frontalidade,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … sem, com isso, querer colocar em causa os meus colegas advogados, por quem tenho imenso respeito. Foi exactamente pela minha paixão pela advocacia que, a certa altura da minha vida, quando tive de fazer opções, optei pelo curso de Direito.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - As paixões acabam depressa! Hoje são más conselheiras!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, em tempo cedido pelo PS.

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O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, congratular-me com uma grande mudança ocorrida nesta Assembleia da República nos últimos dois anos: há dois anos estaríamos aqui na «choraminguice» sobre a crise da Justiça; hoje, o debate é sobre a bondade ou a maldade das propostas do Governo para enfrentar essa mesma crise.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - E isto é um salto de maturidade muito importante, que aqui estamos a dar.
Em segundo lugar, quero manifestar a minha satisfação por estarmos de acordo quanto à essencialidade da questão, ao diagnóstico e à estrutura da reforma. Há, como é natural - e percebo que assim seja -, divergências pontuais relativamente a esta reforma, que certamente resolveremos na especialidade, como as temos habitualmente resolvido, desde logo as que têm a ver com a redacção, onde nos comprometemos - e cumprimos - a manter aquela coligação tácita com o Sr. Deputado António Montalvão Machado, a de que nós cometemos os erros, V. Ex.ª terá a bondade de os corrigir.

Risos do PS.

E tenho a certeza de que o Professor Lebre de Freitas e o Dr. Armindo Ribeiro Mendes, que connosco tiveram a gentileza de colaborar na redacção deste articulado, não levarão a mal, antes ficarão agradecidos com a colaboração de V. Ex.ª, sobretudo depois das referências elogiosas que toda a Câmara fez ao Professor Lebre de Freitas, que tanto tem colaborado na construção desta solução legislativa.
De qualquer forma, não gostaria de deixar de fazer duas referência a duas questões que foram muito comuns a todas as intervenções.
Em primeiro lugar, temos a questão do patrocínio. Srs. Deputados, ninguém impede o patrocínio judiciário. Agora, como os Srs. Deputados disseram, os portugueses gostam de advogados, os portugueses querem ter o seu advogado, e, portanto, não precisamos de obrigá-los a ter advogado! A única coisa que não consagrámos foi o patrocínio judiciário obrigatório em todas as circunstâncias! Porque não é necessário! Os portugueses gostam dos advogados, sentem a necessidade de ter advogados, correram para os advogados, contratem os advogados e beneficiarão da mais-valia oferecida pelos advogados no patrocínio da acção executiva. Não é preciso obrigá-los, como não é preciso obrigar a velhinha a atravessar na passadeira.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Em segundo lugar, relativamente à questão das conservatórias, quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada Odete Santos, que não é uma miragem a informatização das conservatórias. Como sabe, o programa da informatização está definido, está em execução - os concursos estão abertos -, e as conservatórias estarão informatizadas integralmente até 31 de Dezembro do próximo ano, tal como os tribunais estarão até 31 de Dezembro deste ano. E não é só por isso, mas também por isso, que propomos que a reforma da acção executiva só entre em vigor no dia 1 de Janeiro de 2003, que é precisamente para beneficiar da informatização.
Agora, os Srs. Deputados compreendem com certeza que a Associação Sindical dos Conservadores tem de ter um caderno reivindicativo, e, portanto, tem de aparecer a dizer «se nos dão mais trabalho têm de nos dar melhores condições, têm de nos dar melhores meios, têm de nos dar um outro estatuto». E é também natural - faz parte das regras do jogo democrático - que a oposição manifeste compreensão relativamente às «dores» sindicais! É da vida,…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

… e cá estaremos para também negociar essas «dores» sindicais.
De qualquer forma, quanto ao que foi dito em relação aos solicitadores, creio que temos todas as razões para confiar nos solicitadores e no estatuto que aqui definimos para o solicitador de execução.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aproveito, aliás, para saudar a presença na Câmara do Sr. Presidente da Câmara dos Solicitadores, instituição que tem colaborado de uma forma muito empenhada nesta reforma e na credibilização da reforma e que, em muito, tem adiantado os trabalhos em cooperação com as associações internacionais para realizar as acções de formação necessárias à formação dos solicitadores de execução.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E a exclusividade, Sr. Ministro?

O Orador: - Sr. Deputado António Montalvão Machado, não posso deixar de lhe dizer que a acção executiva não é espaço para a criatividade. A acção executiva é só para executar, Sr. Deputado! Nas sentenças penais, aplicada a pena - para não dizer cominada a sanção -, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais executa a decisão. Não há espaço à criatividade.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, o seu tempo esgotou. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir, imediatamente.
Apelo aos Srs. Deputados que habitualmente intervêm sobre questões de justiça - e não me canso de o fazer - que se dêem ao trabalho de discutir estas matérias com os vossos colegas Deputados de bancada que não são advogados.
Sr. Deputado António Montalvão Machado, fale com a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite para ver se ela considera normal que uma pessoa ponha um processo em tribunal para declarar que outrem é devedor; obtém a condenação; o processo passa por todos os recursos e,

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finalmente, transita em julgado, pelo que fica estabelecido que deve efectivamente 1000 contos ao Sr. Deputado António Montalvão Machado. Ora, o Sr. Deputado tem de instaurar um novo processo, uma nova acção; o advogado do executado, com toda a sua criatividade, irá produzir extensas alegações e, depois, um dia, o Sr. Deputado poderá constatar que…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua, pois já ultrapassou em muito o tempo de que dispunha.
Lembre-se que de uma recomendação de Kant: não vale a pena argumentar em demasia!

O Orador: - Sr. Presidente, estou a terminar, só que o processo é tão longo que é difícil chegar ao fim da intervenção.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Ministro está aqui para simplificar os processos, não é?

Risos.

O Orador: - É exactamente essa a proposta. Ainda bem que conto com o apoio do Sr. Presidente, e, por isso, calo-me.

Aplausos do PS.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - É apenas para fazer uma pequeníssima intervenção, visto ainda dispor de alguns segundos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o facto de dispor de alguns segundos não significa que possa intervir novamente, pois já o fez por duas vezes neste debate, e o Regimento não lhe permite que o faça mais vezes.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para esclarecer que a hipótese colocada pelo Sr. Ministro era inviável, porque numa execução de 1000 contos jamais foi preciso advogado.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Muito bem, estamos entendidos.
Srs. Deputados, terminado o debate da proposta de lei n.º 100/VIII, concluímos os nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, às 10 horas, e da ordem do dia consta a apreciação do Relatório do 15.º ano da Participação de Portugal na União Europeia e das petições n.os 140/VII (4.ª), 168/VII (4.ª), 39/VIII (2.ª), 50/VIII (2.ª) e 52/VIII (2.ª).
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Fernando Marques Ribeiro Reis
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Lucília Maria Samoreno Ferra
Maria do Céu Baptista Ramos

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Cláudio Ramos Monteiro
Fernando Manuel dos Santos Gomes
João Pedro da Silva Correia
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Victor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Domingos Duarte Lima
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Manuel Macedo Abrantes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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