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0389 | I Série - Número 11 | 12 de Outubro de 2001

 

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República apreciará este mês duas reformas fundamentais para que o sistema de justiça contribua para a restauração de uma ética da responsabilidade na sociedade portuguesa.
Ética da responsabilidade em que o Estado e a administração em geral têm de dar o exemplo nas suas relações com os particulares e que inspira a reforma da justiça administrativa, já agendada para debate este mês, em Plenário. Ética da responsabilidade que deve marcar todas as relações sociais, de acordo com o princípio, tão simples quanto fundamental, de que a cada um incumbe cumprir escrupulosa e pontualmente as suas obrigações, e que motiva a reforma da acção executiva, que hoje aqui debatemos.
Um sistema de justiça eficiente é um elemento central de uma sociedade responsável. Um sistema de justiça ineficiente não garante o cumprimento das obrigações e o respeito pelos direitos, cria uma oportunidade para o incumprimento, gera a multiplicação de litígios, o que conduz ao bloqueio do próprio sistema, num ciclo vicioso, em benefício do infractor.
É um ciclo vicioso que fragiliza a coesão social, afecta a competitividade da nossa economia e penaliza duramente a generalidade dos consumidores que pagam no preço dos bens e serviços que adquirem a incorporação do risco estimado do incumprimento por parte daqueles que adequaram o seu comportamento à percepção de que a morosidade processual compensa o infractor.
A evolução das últimas décadas não deixa margem para ilusões. Em 1975, tínhamos pendentes 13 592 acções executivas, em 1990, já eram 96 690 e, no ano passado, as acções executivas tinham quadruplicado, atingindo as 431 289.
Temos aqui o reflexo, evidentemente, de uma sociedade que enfrentou um processo muito rápido de desenvolvimento, de acesso rápido a novos níveis de consumo e que viu multiplicarem-se novas e agressivas formas de acesso ao crédito. Estamos, porventura, perante um sintoma de uma doença infantil do consumismo, que requer maior regulação do mercado.
Mas a consciência da necessidade de outras medidas de política não diminui a necessidade da reforma do sistema de justiça, cuja ineficiência constitui, em si mesma, causa autónoma do incumprimento das obrigações.
Este é um dado que resulta claro da verificação de que o número de acções executivas aumentou sempre em época de expansão económica e diminuiu, precisamente, nas épocas de retracção. E é o dado que confirmámos no ano passado, quando arrendámos os armazéns e alugámos as viaturas para assegurar a remoção efectiva dos bens penhorados, ao verificar que os devedores, confrontados com a possibilidade do desapossamento efectivo dos bens, pagavam de imediato a quantia em dívida.
Isto significa que, na generalidade dos casos, o incumprimento não se deve à impossibilidade de pagar mas à oportunidade que o sistema oferece para adiar, ou mesmo inviabilizar, o pagamento, como se o sistema de justiça fosse um subsistema de crédito, que proporciona um confortável período de carência para o incumprimento das obrigações.
A reforma da acção executiva que aqui apresentamos tem, precisamente, por objectivo romper este ciclo vicioso, restabelecendo a credibilidade do sistema de justiça como garante eficiente do cumprimento das obrigações, destruindo a ideia hoje instalada de que vale a pena «deixar ir para tribunal», porque «enquanto o pau vai e vem, as costas folgam».
Reformar a acção executiva é enfrentar o núcleo duro dos problemas do funcionamento do nosso sistema judicial.
De 1,2 milhões de processos pendentes em tribunal, 932 000 são acções cíveis, e, destas, 46% são acções executivas. Só nas Varas Cíveis de Lisboa e Porto, dois terços dos processos pendentes são acções executivas.
É aqui que se expressa, com toda a crueza, a colonização do sistema judicial pelos processos de cobrança de dívidas, das quais 90% são de valor inferior a 2000 contos e 67% inferiores a 250 contos. Na tentativa de cobrança coerciva destes créditos esgota o sistema judicial grande parte dos seus recursos, num esforço incessante de reforço de meios, sempre insuficientes, perante uma procura que cresce a um ritmo muito superior.
Em 1999, os tribunais concluíram mais do dobro das acções executivas concluídas em 1990. Mas o problema é que o número de acções executivas quadruplicou.
Isto significa, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, que a solução não passa por acrescentar mais do mesmo, passa por uma ruptura estrutural com o nosso sistema de acção executiva. É aquilo que vos propomos.
Esta reforma parte de um primeiro pressuposto fundamental: regra geral, na acção executiva o direito está dito e esgotada a função jurisdicional. Sabe-se quem deve, a quem deve, quanto deve, só havendo que cumprir ou assegurar o cumprimento coercivo.
Há por isso que libertar o tribunal, e em particular o juiz, da condução e da tramitação do processo executivo, atribuindo a um agente de execução a efectivação do direito.
É este o modelo vigente em muitos países europeus. Nuns casos, como na Suécia, a execução está a cargo de uma entidade administrativa; noutros casos, como em França, Bélgica, Alemanha, a execução é confiada a profissionais liberais - os huissiers - a quem são conferidos poderes públicos.
Optámos por um modelo misto, tendo em conta, em particular, que no direito português dispomos de um vasto e diversificado leque de títulos com força executiva.
Assim, a execução é confiada a um solicitador de execução quando baseada em títulos que revistam particular segurança: decisões judiciais e arbitrais; requerimentos de injunção com fórmula executória e documento exarado, autenticado ou com assinatura presencialmente reconhecida por notário. As execuções baseadas em outros títulos, como letras, cheques, livranças ou outros documentos particulares com força executiva, ficarão a cargo dos oficiais de justiça.
As execuções hipotecárias caberão directamente aos conservadores do registo predial.
Esta inovação requer, naturalmente, regulamentar o acesso à função de solicitador de execução, exigindo um período mínimo de exercício prévio da profissão, formação específica, acreditação pública, sujeição a tarifário aprovado pelo Ministro da Justiça, regime de incompatibilidades e impedimentos e novas regras disciplinares, em suma, um novo quadro estatutário adequado a estas novas e exigentes funções.

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