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0709 | I Série - Número 019 | 02 de Novembro de 2001

 

O actual Presidente dos Estados Unidos da América, paladino dos direitos humanos, orgulha-se da sua altíssima taxa de execuções enquanto Governador do Estado do Texas, a maior de todos os Estados Unidos da América.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Discutimos esta resolução num contexto em que já nesta Assembleia se ouviu dizer que entre liberdade e segurança talvez não fosse mau escolher mais segurança. É neste contexto que entendemos que o Estado português deve reforçar o seu empenhamento pela abolição da pena de morte.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Contestamos veementemente a ideia de que a segurança se garante com restrições às liberdades e às garantias dos cidadãos ou com o reforço de poderes securitários. A garantia das liberdades e dos direitos não é incompatível com o reforço da segurança dos cidadãos. Pelo contrário, só o exercício pleno das liberdades pode garantir a segurança.
A Assembleia da República mostrará, aprovando este projecto de resolução, estar à altura dos Deputados que, em 1867, aboliram a pena de morte para todos os crimes, numa atitude progressista, humana e corajosa, bem longe do «seguidismo» que nos últimos anos tem, infelizmente, pautado a actuação de Portugal internacionalmente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão do projecto de resolução que sobe hoje a Plenário fornece-nos uma janela oportuna para lançar um olhar sobre algumas questões a que os dias graves que vivemos à escala do mundo não retiram, antes acrescentam, significado.
Há um fundamento histórico e há uma particular credibilidade que assistem à diplomacia portuguesa quando ela se empenha - e propõe-se que o faça ainda mais - em iniciativas tendentes ao fim das execuções e à eliminação da pena de morte. Não se trata de pressupor ou de reivindicar aqui qualquer superioridade lusa. Sabe-se que, até há poucos séculos, era frequente a aplicação entre nós da pena do fogo nos crimes contra a religião, com ou sem garrotagem prévia, ou seja, só com queima do cadáver ou com queima do condenado vivo. E ficaram gravadas na memória colectiva as terríficas execuções da época pombalina. É, pois, do caminho percorrido que nos devemos orgulhar.
Esse fundamento e essa credibilidade estão hoje também firmados na Europa, sem que, analogamente, uma superioridade europeia possa ser invocada como dado de partida. Durante muitos séculos, alguns dos nomes mais altos do pensamento europeu, de Platão a Kant e a Hegel, fundamentaram convictamente a pena de morte nos mais elevados termos ético-retributivos, para já não evocar Nietzsche, para quem a simples ideia de humanidade já era coisa que só poderia ocorrer na mente de fracos.
Mas contra essa linha, a evolução das ideias, das leis e das instituições europeias nesta matéria seguiu o caminho do progresso civil proposto por Beccaria, em 1764, numa obra que qualquer europeu culto dos nossos dias não pode desconhecer. Quando preconizamos para a Europa uma economia competitiva, é bom que não esqueçamos também aqueles pensadores que se revelaram realmente competitivos e nos continuam a inspirar, enquanto europeus e enquanto cidadãos do mundo.
Mesmo sem revisitar para isso toda a elaborada argumentação da filosofia utilitária europeia contra a pena de morte, seria injusto esquecer, como tantas vezes se faz, o enorme contributo do pensamento laico para a formação das actuais ideias abolicionistas. Isto enquanto as mais influentes religiões mundiais legitimaram ou evitaram combater, pelo menos até há bem pouco, a pena de morte. Mesmo uma religião, como observa Norberto Bobbio, cujo inspirador divino é um condenado à morte não se opôs historicamente à prática da pena capital.
Não podemos falar de superioridade. Mas devemos falar nestes dias contra o relativismo cultural dos que sustentam que qualquer comunidade tem o direito de se entregar aos valores e às práticas que entenda, por repugnantes que outros as possam considerar, numa arrogância protegida por décadas de revivalismo filosófico comunitarista. No limite, aos olhos do relativismo, o espectáculo das execuções nos estádios ou nas televisões - tal como o regime infra-humano imposto, por exemplo, em certas sociedades, ao sexo feminino, incluindo as mutilações genitais impostas hoje a 120 milhões de mulheres - não só seria expressão de um modo de vida a preservar como seria domínio absolutamente reservado, onde qualquer ingerência externa seria ilegítima, quando não criminosa.
Não falemos, então, de superioridade. Mas talvez possamos partilhar e fundar a nossa convivência sobre a convicção de que se tornaram menos bárbaras as sociedades que se libertaram de práticas como essas - ou que, para utilizar a expressão de Camus, no seu justamente célebre escrito sobre a pena de morte, foram capazes de reduzir a sua taxa de barbárie.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É uma circunstância também cheia de significado que seja na base de uma iniciativa do PCP que o Parlamento se ocupa da pena de morte, tantas vezes abordada no passado ao estilo de arma de arremesso, lançada numa ou noutra direcção geográfico-política ou ideológica-partidária.
Sei que não é aqui, nem pode ser, o caso. Segundo os elementos disponíveis, foi num país governado por um partido comunista que foram executados, desde Abril, mais de 1700 pessoas, ou seja, mais do triplo das pessoas executadas em todo o mundo; mais de 3000 pessoas, durante o mesmo número de meses, foram condenadas à morte, e a maior parte das execuções ocorreu em estádios, às vezes com transmissão televisiva, tendo o número de espectadores das execuções, só nos estádios, nos meses de Abril e Maio, rondado os 2 milhões.
Admiro muito a China e a civilização chinesa, e devo às autoridades chinesas, ao longo dos anos, várias manifestações de cortesia. Por isso, também me sentiria agora mal se não dissesse que este panorama, enquanto se mantiver, não só nos separa como temos o dever político de o interpretar como uma divergência grave em relação ao direito comum da humanidade em cuja construção nos empenhamos.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como nos separa e nos tem de fazer divergir frontalmente, de entre os demais Estados executores,

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